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CENTRO TECNOLÓGICO UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

8ª MOSTRA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

GABRIELA PRISCILA DA SILVA


LAURA ELIZAMA SILVEIRA CALGARO
MANUELA TELES DA ROZA

“ESTUDO COMPARATIVO DOS DESENVOLVIMENTOS SOCIAIS E ECONÔMICOS


INDÍGENAS NAS TRIBOS DOS KAINGANG (FARROUPILHA) E CAINGANGUES
(ERECHIM), ENTRE OS ANOS DE 1930 A 2020.”.

CAXIAS DO SUL/RS
NOVEMBRO
2020
GABRIELA PRISCILA DA SILVA
LAURA ELIZAMA SILVEIRA CALGARO
MANUELA TELES DA ROZA

TURMA BETA 2

Trabalho apresentado como requisito parcial para


avaliação do Projeto Integrado EU SOU CIÊNCIA e
participação na 8ª Mostra Científica e Tecnológica do
Centro Tecnológico Universidade de Caxias do Sul.

Deise Angelica Pasquali

Orientador (a) 1

Beatriz Messinger Bassotto

Orientador (a) 2
Este trabalho é dedicado a todos
os Kaingang e seus descendentes.
Esta terra é sua e pedimos perdão
pelo nosso mau uso.
Primeiramente, agradecemos ao CETEC por nos oportunizar a feitura deste trabalho.
Obrigado aos professores Andréia Gobbi e Gustavo Siqueira, coordenadores do CETEC
Ciência, por nos encorajarem nesta jornada; aos professores Marisol Petry e Felipe
Zobaran, somos gratas por todo o auxílio com as correções.
Agradecemos aos professores Eliana Rela e Jerônimo Sartori que, mesmo longe, se fizeram
presentes e colaborativos.
Um obrigado especial às nossas orientadoras, Deise e Beatriz que, durante um ano,
dedicaram-se à este projeto conosco. Não há palavras o suficiente para agradece-las.
Obrigado às nossas famílias, por todo apoio. Amamos vocês!
RESUMO

Desde os primórdios da colonização da América, os indígenas foram doutrinados, escravizados,


massacrados e sua cultura foi tida como inferior. Por questões de sobrevivência, cederam à
aculturação que, até então, ocorre, sucedendo-se cotidianamente e, muitas vezes, passando
despercebida pela sociedade como um todo. As tribos estudadas no presente artigo, localizadas nas
cidades rio-grandenses de Erechim e Farroupilha, são de origem Kaingangue, grupo esse, descendente
do tronco linguístico Macro-Jê e cuja presença no Sul do país é registrada há cerca de dois séculos. A
luta incansável pelo reconhecimento de seus direitos, sua ancestralidade e o contexto social em que
estão inseridos, são as maiores semelhanças encontradas entre essas tribos. Contudo, elas apresentam
inúmeras diferenças sendo estas, políticas, econômicas, religiosas, educacionais e sociais,
provenientes da interferência biológica, tecnológica ou do local de habitação em que se encontram. A
tribo erechinense, graças ao Programa de Inserção e Permanência Indígena, idealizado pelo
Universidade Federal da Fronteira Sul, apresenta maior índice de escolaridade quando se trata de
ensino Superior, enquanto, na tribo farroupilhense, excepcionais (se não nulos), são os casos de
indígenas graduados. Economicamente, ambas as tribos utilizam da agricultura de subsistência e do
artesanato para garantir seu sustento. Socialmente, são povos de mesma ancestralidade que, contudo,
mostram-se extremamente diferentes entre si. Hábitos, modo de viver e culturas, em geral, são os
principais variantes das respectivas tribos. Como métodos tecnológicos, foram efetuadas pesquisas
bibliográficas, entrevistas e questionários virtuais, objetivando conhecer os povos econômica,
educacional e socialmente. Como resultados, notou-se que Erechim, economicamente voltada à
produção agrícola e fabril, caracteriza-se pela escolarização e socialização de indígenas mais
acentuados, e Farroupilha, cidade economicamente voltada ao setor industrial, especificamente têxtil,
caracteriza-se por maior desenvolvimento econômico dos nativos. De fato, a tribo erechinense é
reconhecida pela presença de indígenas na graduação, porém o mesmo não ocorre em Farroupilha.
Social e economicamente, as tribos estagnaram no tempo. Com isso, a hipótese que afirmava a
positividade da inserção destes povos na sociedade foi refutada. Percebeu-se a existência de muitos
projetos que buscam a interação da população indígena com a não-indígena, contudo grande maioria
resulta na sua aculturação, levando as pesquisadoras a concluir que nenhum dos processos sofridos
pelas tribos foi benéfico para sua preservação, como esperado.
Palavras chave: Indígena, Kaingangues, Erechim, Farroupilha, Desenvolvimento, Socioeconômico,
Educação.
ABSTRACT

Since the early days of American colonization, native peoples were indoctrinated, enslaved,
massacred and their culture was considered inferior. To survive, they yielded to acculturation, which
is still happening everyday and is often unnoticed by society. The tribes studied in this article are
located in the cities of Erechim and Farroupilha, in the southern state of Rio Grande do Sul, and they
are of the Kaingang group, a descendant people of the Macro - Jês, who have lived in the south of
Brazil since two centuries ago. The tireless struggle for the recognition of their rights, their
ancestrality and the social context in which they are inserted are the biggest similarities found among
these tribes. However, they both have a lot of differences when it comes to politics, economy, religion,
education and society, proceeding from biological and technological interferences or even the places
where they live. The tribe of Erechim, fortunately, due to an action called Programa de Inserção e
Permanência Indígena, by the Universidade Federal da Fronteira Sul, has bigger numbers of education
(individuals studying for a degree in college) than the tribe of Farroupilha, whose numbers are almost zero.
Economically, both tribes depend on subsistence agriculture and from handcraft for their living. Socially, they
are folks from the same ancestrality, even so, they show themselves extremely different. Habits, ways of living
and culture are, in general, the biggest differences between these tribes. The methods used were bibliographic
research, interviews and virtual questionnaires, with the purpose of gaining to know the tribes economically,
educationally and socially. The final results show that Erechim, economically focused on the agricultural and
textile production, has bigger levels of education and socialization than Farroupilha, an industrial city (focused
on the textile sector), whose economy is more developed than that Erechim. In fact, the tribe of Erechim has
more native individuals studying in collegesis than Farroupilha. Social and economically, both tribes have
stagnated in time. As a consequence, the hypothesis which meant the positive socialization between the native
and non-native societies was refuted. Even so, it was possible to perceived the existence of many projects of
interaction between the two societies but, as a negative result, most of them were unsuccessful, ending up at
process of acculturation, and leading the researchers to conclude that none of the processes suffered by the
tribes were positive for their preservation, as intended.
Keywords: Native People, Kaingang People, Farroupilha, Erechim, Development, Socioeconomics,
Education.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1-Relatório de um massacre em aldeia indígena. Fonte: Rubens Valente........................................... 21


Figura 2-VIOLÊNCIA Com o objetivo de tomar terras indígenas para projetos de infraestrutura, muitas vidas
foram ceifadas. Fonte: ................................................................................................................................. 22
Figura 3-População Kaingang no século XVIII. Fonte: Portal Kaingang. .................................................... 25
Figura 4-– Famílias e subfamílias linguísticas. Os Kaingang descendem da família linguística Jê. Fonte:
Fapesp. ....................................................................................................................................................... 26
Figura 5- Em amarelo, tribos Kaingang no RS. Fonte: FUNAI, 2002........................................................... 27
Figura 6-Terras Kaingang no Brasil. Mapa de Biomas. Fonte: IBGE – 2004. ............................................... 27
Figura 7-Território dos Pó Nânh Mág (vermelho). Fonte: Jonathan Busoli, 2015. ........................................ 29
Figura 8-Recorte de Jornal do Arquivo SEMEAR - visita de Getúlio Vargas à Ilha do Bananal. Fonte:
SEMEAR, 2005. ......................................................................................................................................... 31
Figura 9-Tribos Kaingang no Rio Grande do Sul. Fonte: Jonathan Busolli, 2015. ........................................ 32
Figura 10-Tribo dos Foxá, em Lajeado, recebendo a Carteira Nacional do Artesão. Fonte: Folha popular,
2019. .......................................................................................................................................................... 33
Figura 11-Festival indígena na aldeia Foxá. Fonte: o informativo, 2018. ..................................................... 33
Figura 12-Crianças da Tribo dos Pó Nãnh Mág . Fonte: Jonas Ramos / Agencia RBS. ................................. 35
Figura 13-Kaingangues conhecendo uma das 12 casas frutos de acordo do Município de Farroupilha e o MP.
Fonte: Site da Prefeitura de Farroupilha. Foto: Adroir Fotógrafo. ................................................................ 35
Figura 14-Escola estadual de ensino fundamental da tribo dos Pó Nãnh Mág. Fonte: Gaúcha Serra. Foto:
Babiana Mugnol. ........................................................................................................................................ 35
Figura 15-Arquivo pessoal de Viviane Marmentini Ascari. ......................................................................... 37
Figura 16-Bloco de Professores e Bloco A. Fonte: Universidade Federal da Fronteira Sul. .......................... 38
Figura 17-Colação de grau dos Kaingang na UFFS. Fonte: arquivo da UFFS. ............................................. 41
Figura 18-Anúncio da I Mostra Cultural M´Byá-Guarani e Kaingang. Fonte: arquivo da UFFS. .................. 42
Figura 19-Famílias linguísticas do tronco Macro-Jê. Fonte: ......................................................................... 43
Figura 20- Tronco Macro- Jê. Fonte: Grupo. ............................................................................................... 43
Figura 21-Alunos na Escola Clara Camarão. Fonte: Fundação Nacional do Índio. ....................................... 45
Figura 22-Transcrição musical de Berenice de Almeida e Magda Pucci. Fonte: Cantos da Floresta. ............. 46
Figura 23-Transcrição musical de Berenice de Almeida e Magda Pucci. Fonte: Cantos da Floresta .............. 47
Figura 24-Transcrição musical de Berenice de Almeida e Magda Pucci. Fonte: Cantos da Floresta. ............. 48
Figura 25- Características da arte Kaingang. Fonte: Simone Catafesta. ........................................................ 50
Figura 26-Representação do grafismo Kaingang. Fonte: Artesanato indígena. ............................................. 51
Figura 27-Representação do grafismo Kaingang. Fonte: Artesanato indígena. ............................................. 52
Figura 28-Concepções cosmológicas Kaingang. Fonte: Ballivián (2012, p.40)............................................. 52
Figura 29-Cartaz sobre a festividade do Kikikoi na TI de Chapecó (SC). Fonte: Áudio-Fotográfico do Ritual
dos Mortos. ................................................................................................................................................. 56
Figura 30- A cidade de Farroupilha. Fonte: Google. .................................................................................... 59
Figura 31- A rota da cidade de Farroupilha. Fonte: Google. ......................................................................... 60
Figura 32- Artesanato Kaigang. Fonte: Comunidades Indígenas Kaingang. ................................................. 64
Figura 33- Localização de Erechim RS. Fonte: Google................................................................................ 64
Figura 34-Indígenas vendendo artesanato na estação de trem desativada na cidade de Erechim. Fonte: G1. . 68
Figura 35- Capa da Campanha Publicitária do IFRS- Farroupilha. Fonte: IFRS. .......................................... 72
Figura 36-Imagens aéreas da Universidade Federal da Fronteira Sul, Campus Erechim. Fonte: UFFS.......... 74
Figura 37- Questionário aplicado a UFFS. Fonte: Grupo. ............................................................................ 77
Figura 38-Primeiro contato entre os portugueses e os indígenas. Fonte: Google. .......................................... 79
Figura 39-Visão dos europeus aos rituais da cultura indígena. Fonte: Google. ............................................. 80
Figura 40-Os 30 primeiros anos da história do país. Fonte: Google. ............................................................. 80
Figura 41-Pau-Brasil. Fonte: Google. .......................................................................................................... 81
Figura 42-José de Anchieta (1534-1597). Fonte: Google. ............................................................................ 82
Figura 43- O Brasil nasceu do estupro. Fonte: Google. ................................................................................ 83
Figura 44- A missiginação não foi pacífica. Fonte: Google. ......................................................................... 83
Figura 45- Mapa de Nova Vicenza. Fonte: Google Maps. ............................................................................ 85
Figura 46- Aldeia PÓ NÃNHMÁG. Fonte: Google. .................................................................................... 87
Figura 47- Religião Farroupilha. Fonte: Prefeitura de Farroupilha. .............................................................. 87
Figura 48- Igreja na Aldeia de Farroupilha. Fonte: Google. ......................................................................... 89
Figura 49- Visão geral via satélite de Erechim. Fonte: Google Maps. .......................................................... 89
Figura 50- Adilson Gãrkapej(cnetro) é aluno do Curso Interdisciplinar em Educação do Campo: Ciências da
LISTA DE FIGURAS

Natureza- Licenciatura, no Campus Erechim. Fonte: UFFS. ........................................................................ 91


Figura 51- Marli de Oliveira Tomás, estudante de letras- Português e Espanhol da UFFS- Campus Chapecó
diz que sacrifícios que faz valeu a pena. Fonte: UFFS. ................................................................................ 91
Figura 52- Eenãã, a mãe Angelita e a irmã Edinara deslocaram-se do RS para Realeza com intençaõ de
cursar Nurição e Letras. Fonte: UFFS. ........................................................................................................ 91
Figura 53-Questionário enviado à UFFS. Fonte: Grupo. .............................................................................. 96
Figura 54-Formulário enviado à cidades próximas. Fonte: Grupo. ............................................................... 99
Figura 55- Respostas Diversas- Formulário 1. Fonte: Grupo. ..................................................................... 105
Figura 56- Museu Municipal de Caxias do Sul. Fonte: Grupo. ................................................................... 106
Figura 57-- Museu Municipal de Caxias do Sul 02. Fonte: Grupo .............................................................. 107
Figura 58--- Museu Municipal de Caxias do Sul 03. Fonte: Grupo. ........................................................... 107
Figura 59- Museu Municipal de Caxias do Sul 04. Fonte: Grupo. .............................................................. 108
Figura 60- Museu Municipal de Caxias do Sul 05. Fonte: Grupo. .............................................................. 108
Figura 61- Museu Municipal de Caxias do Sul 06. Fonte: Grupo. .............................................................. 109
Figura 62- Museu Municipal de Caxias do Sul 07. Fonte: Grupo. .............................................................. 109
Figura 63- Museu Municipal de Caxias do Sul 08. Fonte: Grupo. .............................................................. 110
LISTA DE TABELAS

Tabela 1- Grade Curricular UFFS. Fonte: UFFS. ......................................................................................... 39


Tabela 2- Grade Curricular UFFS. Fonte: UFFS. ......................................................................................... 40
Tabela 3-Aspectos da língua Kaingang. Fonte: ASPECTOS DA LÍNGUA KAINGANG, Toni Juliano
Bandeira. .................................................................................................................................................... 44
Tabela 4-Síntese do estudo sobre a sintaxe da linguagem visual na cestaria Kaingang da TI Apucaraninha /
PR. ............................................................................................................................................................. 53
Tabela 5-Sistema hierárquico e político da terra indígena de Chapecó. Fonte: Povos indígenas no Brasil. .... 58
Tabela 7- População por gênero na cidade de Erechim. Fonte: Prefeitura de Erechim. ................................. 65
Tabela 10- População Indígena de Erechim. Fonte: Prefeitura de Erechim. .................................................. 67
Tabela 11- Senso de educação superior. Fonte: INEP. ................................................................................. 69
Tabela 12- Quadro Educação Infantil. Fonte: SEDUC. ................................................................................ 70
Tabela 13- Quadro de Atendimentos. Fonte: SEDUC. ................................................................................. 70
Tabela 14- Educação atendida pelo PNAE. Fonte: Censo Escolar. ............................................................... 71
Tabela 15- Queda da população indígena no Brasil. Fonte: Google. ............................................................ 82
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1-Atividade Industrial de Farroupilha. Fonte: Portal da Prefeitura de Farroupilha RS. ..................... 61
Gráfico 2-População de Farroupilha. Fonte: IBGE ...................................................................................... 61
Gráfico 3-População por zona de habitação, Erechim. Fonte: Prefeitura de Erechim. ................................... 66
Gráfico 4-Dado estatístico contabilizado por SEBRAE, apresentado em Perfil demográfico de Erechim.
Fonte: Prefeitura de Erechim. ...................................................................................................................... 66
Gráfico 5-População de Farroupilha. Fonte: Prefeitura de Farroupilha ......................................................... 86
Gráfico 6- Religiões Farroupilha. Fonte: Prefeitura de Farroupilha. ............................................................. 88
Gráfico 7- Taxa de Escolarização. Fonte: IBGE. ......................................................................................... 92
Gráfico 8-- Taxa de Escolarização 02. Fonte: IBGE. ................................................................................... 92
Gráfico 9- Mátriculas Erechim. Fonte: UFFS. ............................................................................................. 93
Gráfico 10-Questionamento 1- Formulário 1. Fonte: Grupo. ........................................................................ 99
Gráfico 11-Questionamento 2- Formulário 1. Fonte: Grupo. ...................................................................... 100
Gráfico 12-Questionamento 3- Formulário 1. Fonte: Grupo. ...................................................................... 103
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ONU Organização das Nações Unidas


IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica
PIN Programa de Inserção e Permanência Indígena
UFFS Universidade Federal da Fronteira Sul
CLT Consolidação das Leis Trabalhistas
SPI Serviço de Proteção aos Índios
EUA Estados Unidos
URSS União Soviética
AI-1 Ato Institucional Número 1
AI-5 Ato Institucional Número 5
CNV Comissão Nacional da Verdade
FUNAI Fundação Nacional do Índio
PT Partido dos Trabalhadores
SESI A Secretaria Especial de Saúde Indígena
CNPI O Conselho Nacional de Política Indigenista
SUS Sistema Único de Saúde
SO Sudoeste
SE Sudeste
RS Rio Grande do Sul
UFSC Universidade Federal de Santa Catarina
SPI Serviço de Proteção ao Índio
SC Santa Catarina
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
DNIT Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte
ERS Erechim
SISU Sistema de Seleção Unificada
PROCAMPO Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação no Campo
MEC Ministério da Educação
CONSUNI Conselho Universitário
SESU Secretaria de Educação Superior
SETEC Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica
SECADI Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão
CCIECCN Curso Interdisciplinar em Educação do Campo: Ciências da Natureza- Erechim
PR Paraná
PIB Produto Interno Bruto
IES Instituto de Ensino Superior
SEDUC Secretaria de Educação
BSP Benefício para Superação da Extrema Pobreza na Primeira Infância
PBF Programa Bolsa Família
PNAE Programa Nacional de Alimentação Escolar
PNATE Programa Nacional do Transporte Escolar
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
IFRS-ER Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul-Erechim
POA Porto Alegre
PPI Quotas raciais no Brasil
PBP Programa Bolsa Permanência
INCA Santa Inquisição
RGE Rio Grande e Energia
BBC Brasil British Broadcasting Corporation no Brasil
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 12
2. REFERENCIAL TEÓRICO 15
Legenda: 50
5 DAS INSCRIÇÕES, RESULTADOS E PAGAMENTOS 76
[...] 5.2 Estará apto a solicitar o auxílio, o estudante que: 76
I - Estiver regularmente matriculado em curso de graduação da UFFS; 76
II - Comprovar sua situação de indígena. 76
5.3 Os documentos a serem apresentados pelo estudante no momento de sua inscrição são: 76
I - Termo de Compromisso Assinado; 76
II - Comprovante de conta-corrente individual em situação ativa; 76
III - Autodeclaração; 76
IV - Declaração de Pertencimento Étnico e de Anuência da Comunidade Indígena; 76
V - Declaração da Fundação Nacional do Índio (Funai) de que o estudante reside em comunidade indígena
ou comprovante de residência em comunidade indígena; 76
VI - Ficha de inscrição. (Edital Nº 110/GR/UFFS/2020) 76
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 95
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 97
6. REFERÊNCIAS
114
12

1. INTRODUÇÃO

“As comunidades, os povos e as nações indígenas são


aqueles que, contando com uma continuidade histórica das
sociedades anteriores à invasão e à colonização que foi
desenvolvida em seus territórios, consideram a si mesmos
distintos de outros setores da sociedade, e estão decididos a
conservar, a desenvolver e a transmitir às gerações futuras
seus territórios ancestrais e sua identidade étnica, como base
de sua existência continuada como povos, em conformidade
com seus próprios padrões culturais, as instituições sociais e
os sistemas jurídicos.” (ONU/2006)
Os indígenas, nativos americanos, encontram-se nestas terras há cerca de 12 mil e 14 mil
anos, sendo provenientes da Ásia, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE). Tempo este correspondente a cerca de 2400% a mais do que o período desde o
“achamento” destes terras, há 520 anos, pelos portugueses. Contudo, pouco se possui registros
deste longo intervalo, pelo fato de os indígenas serem povos de baixo conhecimento tecnológico,
o que passaram a deter, apenas, com a chegada dos europeus à América.
Catequisados, doutrinados e massacrados, os indígenas lutaram por sua cultura, terras e
sobrevivência. Entretanto, apenas os que cederam à aculturação,o fizeram.
Com o passar dos anos e das batalhas travadas objetivando possuir direitos, os povos
nativos os conquistaram (em partes). Contudo, estes ainda vivem em situação crítica perante as
demais etnias.
Nos dias atuais, os povos nativos relacionam-se entre si, pouco se percebendo contato
direto com as demais etnias. Ainda, mantém alguns rituais, crenças e aspectos culturais herdados
de seus antepassados e que não sofreram interferência das demais culturas.
No âmbito educacional, no Brasil, segundo o Censo Escolar Indígena, em 2015 existiam
cerca de 3.000 escolas de Ensino Fundamental e Médio indígenas com aproximadamente 170.000
estudantes. No Ensino Superior, de acordo o Censo da Educação Superior, divulgado pelo
Ministério da Educação em 2017, o número de indígenas matriculados em instituições públicas e
privadas é de 49.026 estudantes, o que corresponde a cerca de 1% da população acadêmica total
do país.
13

Quanto à economia, houveram poucas mudanças com relação aos primórdios. Atualmente,
vivem da agricultura de subsistência, do artesanato, da caça, da pesca e, a minoria, do trabalho
nos centros urbanos do país.
Ladeados, a sociedade foi construída a partir da opressão e escravização destes povos. Em
pleno século XXI, ainda existe preconceito com tais etnias, sendo elas de fundamental importância
no desenvolvimento social, econômico e cultural do Brasil.

OS KAINGANG
Os Kaingang são um povo descendente do tronco línguistico Macro-Jê, que tivera contato
com os colonizadores apenas no século XVIII. Assim como todas as demais tribos indígenas dos
diversos troncos linguísticos e locais do país, foram catequizados e sofreram forte influência da
cultura ocidental.
Com o passar dos anos, surgiram expedições colonizadoras que objetivavam tomar posse
dos territórios Kaingang, inicialmente, mal sucedidas. Porém, no século XIX, estas retornaram à
ocorrer, desta vez, tendo muito sucesso. Os indígenas, em sua maioria, renderam-se aos
colonizadores, permanecendo em suas terras de origem. Aqueles que optaram por não o fazer,
foram dizimados. E, com dizimados, tem-se uma população três vezes menor do que a atual.
A intensificação da Pecuária fez com que os Kaingang se revoltassem contra os
portugueses, buscando ter, novamente, o domínio sobre as terras. Obviamente, tal revolta não fora
bem sucedida. Os europeus possuíam técnicas e armamentos bélicos muito mais eficientes que os
indígenas, o que ocasionou a morte de muitos nativos e a expulsão dos mesmos de tais territórios.
Com isso, migraram para os estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo e região norte do Rio
Grande do Sul, locais que, até hoje, são habitados por tribos Kaingang.
Atualmente, em todo o Brasil, existem cerca de 40.000 Kaingangs, distribuídos em 30
assentamentos, sendo encontrados em maior número no Rio Grande do Sul. É valido ressaltar que
cada tribo possui diferentes modos de viver, costumes, língua, divisão social, visão política,
econômica e, até mesmo, diferentes culturas. São povos semelhantes que herdaram costumes de
seus antepassados, porém, que se adaptaram as evoluções tecnológicas, as modificações
industriais e perceberam a viabilidade ou não de certos costumes, optando por mantê-los ou larga-
los, de acordo com as necessidades.
As tribos abordadas no presente artigo localizam-se nas cidades rio-grandenses de Erechim
e Farroupilha, cujos desenvolvimentos significativos deram-se, respectivamente, no âmbito
educacional e econômico, sendo os focos da pesquisa, por serem partes de uma mesma tribo e,
contudo, possuirem expressivas diferenças culturais.
14

A comunidade Kaingang de Farroupilha, proveniente do norte gaúcho, optou pela


permanência em tal cidade, localizada em um dos maiores centros econômicos do estado, a Serra
Gaúcha, justamente por seu desenvolvimento no setor industrial, o que a propicia maior
oportunidade de emprego e desenvolução dos indígenas.
Logo, a comunidade Kaingang de Erechim, localizada a, aproximadamente, 275 Km de
Farroupilha, caracteriza-se pelo desenvolvimento social e escolarização dos nativos. Isto, todavia,
consequente ao Programa de Inserção e Permanência Indígena (PIN) desenvolvido pela
Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Este programa oferece auxílio aos indígenas não
contemplados por bolsas de estudos ou projetos desenvolvidos pelo Governo Federal.
Com o presente trabalho, objetiva-se aclarar, historicamente, a origem e as consequências
da disparidade socioeconômica entre os específicos povos pesquisados: compreender a
complexidade da construção da sociedade gaúcha atual, tendo como aspecto principal a população
indígena; acompanhar as adaptações sociais entre os povos indígenas Kaingang tanto nas cidades
de Farroupilha, quanto na Erechim, hoje, geograficamente distantes (antes, da mesma tribo);
avaliar os comportamentos e desenvolvimentos indígenas na história e, por fim, analisar as
conquistas dos direitos indígenas ao longo do tempo.
Explorar-se-á os aspectos econômicos e sociais de cada assentamento e a relação destes
para com a população não indígena local, desde o desenvolvimento industrial no Brasil (ocorrido
durante a Era Vargas, 1930-1945) até os dias atuais (2020), buscando, assim, identificar os
processos históricos que caracterizaram cada uma das populações e quais as consequências e
reflexos destes na sociedade (como um todo) atual.
15

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Contextualização histórica - parte I:


O contato entre as populações indígenas e não-indígena

"Ali veríeis galantes, pintados de preto e


vermelho, e quartejados, assim pelos corpos
como pelas pernas, que, certo, assim
pareciam bem. Também andavam entre eles
quatro ou cinco mulheres, novas, que assim
nuas, não pareciam mal. Entre elas andava
uma, com uma coxa, do joelho até o quadril e
a nádega, toda tingida daquela tintura preta;
e todo o resto da sua cor natural. Outra trazia
ambos os joelhos com as curvas assim tintas,
e também os colos dos pés; e suas vergonhas
tão nuas, e com tanta inocência assim
descobertas, que não havia nisso
desvergonha nenhuma.".
Carta de Pero Vaz de Caminha ao Rei Dom Manuel de Portugal. Porto Seguro, Bahia, Brasil -
primeiro de maio de mil e quinhentos.

Com o início das Grandes Navegações (expedições realizadas – principalmente – por


Portugal e Espanha para encontrar novas rotas até às Índias), os europeus chagaram à América:
Terra nova, esplendorosa, repleta de recursos naturais, abundante em fauna e flora e de grande
interesse para exploração mineral.

As duas potências, objetivando dividir as terras conquistadas e a serem descobertas,


formalizaram, através do Tratado de Tordesilhas (sete de junho de mil quatrocentos e quarenta e
quatro) a divisão destas entre si (cada qual com total domínio de sua parte). Com isso, o Brasil
(como é conhecido hoje), correspondia aos limites entre Belém (Pará) e Laguna (Santa Catarina),
sob domínio português.

Em mil e quinhentos, a esquadra de Pedro Alvarez Cabral (navegador português) chega ao


Brasil a fim de dar início à exploração do “Novo Mundo.”. A ver em sua companhia, estavam
cronistas e viajantes, com a função de conhecer e detalhar à Coroa Portuguesa sobre o que havia
de novo na terra.

Os indígenas, nunca antes tendo tido contato com pessoas brancas e vestidas,
deslumbraram-se ao avistar as caravelas, sua tripulação e os objetos que carregavam. Culturas e
crenças distintas estavam prestes a cruzar-se e, obviamente, uma delas teria de ser submissa à
outra. Os indígenas eram milhões. Os portugueses, dezenas. Entretanto, os últimos carregavam
consigo armamentos bélicos e inúmeras doenças para dizimar a população de maior número (o
que, de fato, aconteceu).
16

Os portugueses realizavam acordos com as tribos, oferecendo propostas de escambo (troca


de objetos triviais por mão de obra e materiais de grande valor extraídos da nova terra, como o
pau-brasil). Caso este acordo não fosse de agrado aos “bugres” (ou “negros”, como eram
vulgarmente chamados os indígenas), os mesmos seriam aniquilados. Milhares de nativos não
abriram mão de sua cultura e foram massacrados, restando destes, um número cerca de oito vezes
menor do que o original. Atualmente, a porcentagem de indígenas nativos, em relação ao seu
número durante a colonização, é de 9,2%.

A partir disso, tem-se, a seguir, a contextualização histórica de importantes períodos para


a história indígena, entre os anos de 1930 e 2020. Isso não significa, contudo, que as sociedades
indígenas desaparecem da história durante estes (quase!) quatrocentos anos: do contrário, foram
travadas batalhas contra a sua escravização, resistências tão significativas que, até hoje, pode-se
conviver com tais tribos.

A ERA VARGAS
“O Brasil nada teme no Presente, orgulha-se do Passado e confia, serenamente, no Futuro.”.
Getúlio Vargas

Mil novecentos e trinta. O Brasil inicia seu processo (tardio) de industrialização, abdicando
do modelo primário - exportador (organização que conta com a interferência do Estado para
assegurar (socialmente) condições de trabalho às empresas monocultoras e a promover a criação
um espaço-nação nos limites das atividades produtoras) e acatando o modelo industrial, já
conhecido em outras partes do mundo (o ápice deste movimento é a Revolução Industrial, ocorrida
na Inglaterra dos séculos XIII e XIV). Até então, o Brasil era um país predominantemente rural e de
economia agrária (voltada, principalmente, para o comércio de algodão, borracha, cana- de-açúcar,
ouro e café) formando, assim, o Arquipélago Econômico Regional (configuração que demarcava
as regiões de grande atividade econômica – já que, na época, estas eram dispersas pelo país,
formando uma espécie de “ilhas,” originando a denominação “arquipélago”).

O Governo é impulsionado pela Crise de 1929 (pelo fato de as atividades econômicas


estarem dispersas no espaço nacional, sem relações de interdependência entre si, os cafezais
declinaram e fizeram cair, também, os rendimentos em capitais previamente investidos, gerando
modificações no eixo de gravidade do setor primário) a adotar novas medidas para recuperação
econômica do país. Por isso, transferiram investimentos do primeiro setor (público – Estado) para
o segundo (privado, de iniciativas individuais). O Sudeste do país (compreendido pelos estados
do Espírito Santo, Rio de janeiro, Minas Gerais e São Paulo), por ser a região de maiores riquezas
do Brasil, foi o pioneiro no processo de industrialização nacional.

No ano, Getúlio Dornelles Vargas (1882-1954) acabou por iniciar um período denominado
Era Vargas, permanente por quinze anos (1930-1945) como regime de governança no Brasil e,
com ele, implementou a chamada “nacionalização da economia,” objetivando diminuir os fluxos
de importação do país e incentivando a estabilização da indústria. Com isso, é criada a
Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT – lei que assegura os direitos do trabalho) e empresas
17

como a Companhia Vale do Rio Doce, atual Vale, exploradora de metais; Companhia Siderúrgica
Nacional (produtora de aço) e a Petrobras (produtora de energia).

Tal processo impulsionou o fenômeno geográfico Urbanização (migração de pessoas das


zonas rurais para as urbanas, em prol de melhores e mais abundantes oportunidades de emprego)
o que, consequentemente, fez crescer o moimento industrial, marcando uma nova era no Brasil.
Entretanto, não foram todos os beneficiados com tal mudança: Descendentes (ou, até mesmo, os
próprios imigrantes), encontraram ali a chance de evoluir economicamente, mas, enquanto este
grupo deparava-se (pela primeira vez na história) com leis, direitos e deveres a seu favor, os
indígenas foram, mais uma vez, isolados de tais condições.

Mil novecentos e trinta e sete. O ano em que se inicia o primeiro regime ditatorial da
história brasileira. Getúlio Vargas, então Presidente da República, fecha o Congresso e declara
como findados todos os partidos políticos brasileiros, intencionado a criar o chamado Estado
Novo, de modo a promover a integração e o desenvolvimento nacional. Nesta mesma época, do
outro lado do Oceano Atlântico, começara, também, a fixarem-se em solo europeu regimes
ditatoriais de extrema direita, como o Fascismo (cujo maior representante foi Benito Amilcare
Andrea Mussolini - 1883 – 1945), na Itália; o Salazarismo (Antônio de Oliveira Salazar, 1889-
1970) em Portugal; o Franquismo (Francisco Franco – 1882- 1975), na Espanha e, finalmente, o
Nazismo, na Alemanha, cujo líder foi Adolf Hitler (1889 - 1945). Deve-se frisar, também, que
movimento semelhante a estes ocorreu na chamada União Soviética (União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas – Estado socialista de 1922 até 1991, localizado na Eurásia), sendo este,
contudo, marcado pelo avanço da extrema esquerda, cujo principal líder foi Josef Stalin (1878 -
1953). Tais movimentos teriam contribuído para a promoção do Estado ditatorial de Getúlio
Vargas no Brasil.

O grande paradoxo da Era Vargas, entretanto, foi justamente a promoção das camadas
“inferiores” (pobres, indígenas, trabalhadores) na sociedade brasileira. Por conta disso, o
Presidente ficou conhecido como “Pai dos Pobres.”.

Em mil novecentos e quarenta, Getúlio visita a aldeia indígena de Karajá, na Ilha do


Bananal, Brasil Central e, lá, é recebido com veemência e alegria pelos indígenas. Decide,
portanto, reconhecer terras de direito destes e promulgar o Dia Nacional do Índio (19 de abril),
alegando serem eles os representantes da verdadeira identidade brasileira. Com isso, tinha a
intenção de fixar não só os índios, mas, também, os chamados caboclos (segundo o dicionário
Oasis, “pessoa que resulta da mistura de branco com índio;” “caipira; pessoa humilde que vive
no campo e tem costumes simples ou rústicos.”) ao solo, objetivando que estes fossem doutrinados
pelo SPI (Serviço de Proteção aos Índios) a “compreenderem as necessidades do trabalho.”. Ou
seja, suas intenções eram, muito mais, políticas do que humanitárias.

Getúlio Vargas, na realidade, objetivava integrar o Estado de modo a favorecer seu


controle e gerar, assim, uma evolução econômica (por razões de interesse social, não de
reconhecimento desses povos). Em contrapartida, naquela mesma época, os estudiosos
(aristocratas) começaram a questionar as verdadeiras origens brasileiras, dando maior vazão aos
indígenas (talvez, pela primeira vez na história, desde a colonização).
18

QUEDA DO ESTADO NOVO


“Voltarei nos braços do povo.”.

Getúlio Vargas

A Era Vargas (1930 – 1945) foi um período (econômico) glorioso para a história do Brasil:
Com a criação da CLT e com a obrigatoriedade da Carteira de Trabalho formal, a classe
trabalhadora cresceu. Até aquele momento, pode-se afirmar, também, que os indígenas passaram
a exercer o direito de (algumas) terras por origem, porém continuaram sendo vítimas de etnocídio
(causado pela imersão destes na cultura ocidental/ europeia, sendo obrigados a adaptarem-se à
realidade imposta). Com isso, para os nativos, a realidade não é extremamente alterada se não
pelo fato de que, mais do que nunca, foram obrigados a conviver com a classe dominante e forçados
a enquadrar-se em trabalhos formais para o “bem coletivo.”.

Em 1945, contudo, o Estado (que decidira juntar-se aos Aliados – França, Inglaterra,
Estados Unidos da América e União Soviética - contra o Eixo– Alemanha, Itália e Japão, na
Segunda Guerra Mundial), abriu espaço para críticas da oposição, que alegava o paradoxo da luta
do país contra regimes ditatoriais, sendo que, ele mesmo, encontrava-se em um.

O Governo, em contrapartida, mantinha-se livre das eleições populares sobre a Constituição


de 1937, alegando o período de Guerra no qual se encontrava, gerando ainda mais conflitos contra
os que não concordavam com as diretrizes de Vargas.

Tudo isso levou, em 1945, ao fim do Estado Novo, que cedeu seu lugar (após Getúlio ter
sido deposto pelo Alto Comando do Exército - tendo concordado com a própria deposição) ao
Governo de José Linhares (na época, Presidente do Supremo Tribunal Federal) e, posteriormente,
através de eleições diretas (em janeiro de 1946), a Eurico Dutra.

A QUARTA REPÚBLICA BRASILEIRA


“O problema da educação, apreciado em toda a sua
amplitude, não pode deixar de constituir uma das mais
graves preocupações das autoridades militares. O Brasil
reclama um sistema completo de Segurança Nacional, o que
pressupõe, fundamentalmente, uma entrosagem dos órgãos
militares com os órgãos federais, estaduais e notadamente
municipais, incumbidos da educação e da cultura. Nunca se
tornou tão imperativa, como no atual momento essa
necessidade (…)”.

Eurico Gaspar Dutra

Eurico Gaspar Dutra (1883-1974) foi o primeiro Presidente da República eleito através do
voto direto após a Era Vargas. Militar, aliou-se aos Estados Unidos da América durante a Guerra
19

Fria (período compreendido entre 1947 e 1991, de tensões geopolíticas entre os EUA e a URSS)
e instaurou a perseguição comunista no país. Apesar de este período ser pouco explorado nos
livros didáticos sobre História do Brasil, para a questão indígena da época, foi decisivo: Com a
repreensão dos movimentos dos trabalhadores e sindicalistas, a causa indígena foi, mais uma vez,
taxada como incoerente e sem importância, levando esses povos de volta a condições de
isolamento social e discriminação.

Por muito tempo, apenas indigenistas e antropólogos aderiram à causa indígena, lutando
por seus direitos e reconhecimento social. Em contrapartida, esses povos pouco (ou nada)
participavam de encontros para discussões sobre seus futuros, posteriormente, encarados como de
promoção comunista e proibidos de acontecer pelo Governo. Durante esse período, as conquistas
e lutas indígenas foram interrompidas (por não serem vistas como de relevância social), fazendo
com que muitos desses fossem obrigados a viver em reclusão.

DITADURA MILITAR NO BRASIL


Fazia irreverências mil pra noite do Brasil, meu Brasil
Que sonha com a volta do irmão do Henfil
Com tanta gente que partiu num rabo-de-foguete
Chora a nossa pátria, mãe gentil
Choram Marias e Clarices no solo do Brasil.

Elis Regina, “O bêbado e o equilibrista.”

A Ditadura Militar corresponde ao período de 21 anos da história do Brasil (1964-1985),


em que o país foi governado por militares. Após o Quarto Governo, outros Presidentes foram
eleitos, dentre eles, João Goulart, afastado do cargo através de um golpe militar que levou
Marechal Castelo Branco (Humberto de Alencar Castello Branco, 1897-1967) ao poder. O evento
ficou marcado na história como “O Golpe de 1964,” sob a justificativa de que a ameaça comunista
no país tornava-se cada vez mais popular (considerando o fato de que o Brasil vivia sob influência
direta dos EUA - que, inclusive, financiaram a tomada do poder republicano pelos militares - a
expansão desse movimento caracterizava a perda do poder da direita do país).

Neste contexto, no dia 31 de março de 1964, os militares, oficialmente, tomaram o poder


do Estado Brasileiro, tendo, como uma de suas primeiras medidas, instituído o AI-1 (Ato
Institucional Número 1), que determinava eleições indiretas para a Presidência do país, alteração
da Constituição, tomada de providências (demissão ou aposentadoria) de pessoas contra o
Governo, interrupção de direitos políticos por 10 anos e anulação de mandatos legislativos.

Dentre outras medidas tomadas pelos ditadores, a promulgação do AI-5 (Ato Institucional
Número 5), foi o mais duro golpe de todo o regime militar: Nele, foi declarado como fechado o
Congresso Nacional, retirados os direitos políticos dos cidadãos (bem como o confisco de alguns
de seus pertences – considerados ilegais pelos militares) e a suspensas as garantias de habeas-
corpus (De acordo com o art. 5º, LXVIII, da Constituição Federal de 1988, “conceder-se-á habeas
corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua
liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”). Além disso, foram proibidos
20

quaisquer movimentos e manifestações contra o Governo (sob pena de prisão e, secretamente,


tortura) e censurados os meios de comunicação.

O AI-5 foi decretado no dia 13 de dezembro de 1968 (“O ano que não teve fim”), durante
o Regime de Artur da Costa e Silva (1899-1969), militar e político brasileiro, sob o pretexto de
que os movimentos estudantis (universitários) contra o Governo haviam atingido grandes
proporções e eram empecilhos para o desenvolvimento Nacional. Além disso, uma das maiores e
mais influentes instituições da época (A Igreja Católica Apostólica Romana), começara a
pronunciar-se contra os atos desumanos praticados pelos militares. Com isso, foi necessário, para
o Governo, cessar a liberdade de expressão que punha em risco o poder que havia “conquistado.”.

Segundo as historiadoras Lilia Schwarcz e Heloísa Starling, o AI-5 foi “uma ferramenta
de intimidação pelo medo, não tinha prazo de vigência e seria empregado pela ditadura contra a
oposição e a discordância.”. Já o historiador Kenneth P. Serbin, afirma que “por meio do AI-5, as
forças de segurança do governo tiveram carta branca para ampliar a campanha de perseguição
e repressão contra a esquerda revolucionária, oposição democrática e Igreja.”.

Os indígenas, mais uma vez, encontraram-se em situação de “inimigos do Governo,” afinal,


seus direitos eram exigidos por militantes da esquerda (em maioria) e universitários. Com o
advindo da Ditadura Militar, os nativos foram ainda mais negligenciados e vítimas da hipocrisia
governamental: Estima-se que, entre os anos de 1946 e 1988, cerca de 8.350 índios foram mortos
pela violência direta do Estado (dados da CNV- Comissão Nacional da Verdade).

Através de dados catalogados pelo jornalista Rubens Valente (resgatados em sua obra, “Os
fuzis e as flechas”), a “repressão militar cometeu graves violações às comunidades nativas sob o
argumento de “integrar” essa parcela dos brasileiros à ala da cidade e não atrapalhar grandes
empreendimentos de infraestrutura.”.
21

Figura 1-Relatório de um massacre em aldeia indígena. Fonte: Rubens Valente.

Dentre as acusações, consta-se o genocídio de alguns povos indígenas para confisco de


suas terras, o sequestro de meninas para servirem como empregadas (e, até mesmo, como escravas
sexuais) para fazendeiros e, sessões de tortura contra os que tentavam proteger a sua tribo ou
guardavam segredos (pessoas) procuradas pelo Estado.
22

Figura 2-VIOLÊNCIA Com o objetivo de tomar terras indígenas para projetos de infraestrutura, muitas vidas foram ceifadas. Fonte:

Em contrapartida das ações governamentais contra os povos indígenas, nessa mesma


época, foram criados a FUNAI (Fundação Nacional do Índio -1968) e o Estatuto do Índio (1973),
sob o pretexto de “proteger e valorizar os povos indígenas.”. Aqui se apresenta, mais uma vez,
uma das formas de o Governo neutralizar suas ações antiéticas e não morais para com o povo
brasileiro: Com a adoção de medidas para promoção nativa, escondia-se o real pretexto militar de
diminuir para com a população indígena (como, de fato, foi feito). Ou seja, os órgãos responsáveis
pela segurança e bem estar destes, foram criados como uma forma de “fachada” para a real
situação da época.

Deve-se ressaltar que, na década de 1960, ocorreu, no Brasil, a modernização de serviços


e indústrias, bem como a abertura ao capital estrangeiro e o consequente endividamento externo.

A Ditadura Militar no Brasil acaba em 15 de janeiro de 1985, quando Tancredo Neves é


eleito Presidente da República (O Governo, em crise, declarou estado de emergência no Distrito
Federal e abriu espaço para a oposição que, há mais de um ano, protestava pelo direito ao voto, à
Democracia). Deste modo, encera-se o período de 21 anos de Militarismo no Brasil.

Para os indígenas, esse período foi de genocídio populacional e enorme retrocesso a tudo
que haviam conquistado (mesmo que pouco). Anos após a Ditadura, a FUNAI fez um pedido
solicito de desculpas aos nativos por, durante anos, ter escondido os fatos que atingiram o seu
povo durante o Golpe.
23

INÍCIO DO NOVO SÉCULO: OS GOVERNOS DE LUIZ


INÁCIO LULA DA SILVA E DILMA VANA ROUSSEFF
“O Estado nada mais é que uma mãe, e a mãe sempre vai dar mais atenção ao filho mais
fraquinho.”

Lula, Ex - presidente do Brasil

“O presidente Lula me deixou um legado, que é cuidar do povo brasileiro. Eu vou ser a mãe do
povo brasileiro.”

Dilma, Ex – presidenta do Brasil

Entre os anos de 2003 e 2011, Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito Presidente da República.
Membro do Partido dos Trabalhadores (PT), partido de esquerda, assim como Getúlio Vargas,
ganhou o apelido de “Pai dos Pobres” por suas políticas a favor da classe trabalhadora.

Dentre os fundadores do Partido dos Trabalhadores, Chico Mendes (Francisco Alves


Mendes Filho, 1944-1988) é de grande importância para a comunidade indígena brasileira:
Sindicalista e ambientalista, dedicou a vida a lutar pela preservação da Floresta Amazônica e dos
seringueiros que dependiam da Bacia Amazônica para sobreviver. Com isso o PT, durante seus
anos de Governo teve, como um de seus principais projetos, a preservação ambiental e dos nativos
brasileiros.

Durante os anos de Governo Lula, foram criados programas que revolucionaram a situação
indígena no Brasil: A Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESI), por exemplo, desenvolve (até
hoje) “ações de atenção integral à saúde indígena e educação em saúde, em consonância com as
políticas e os programas do SUS e observando as práticas de saúde tradicionais indígenas; e realiza
ações de saneamento e edificações de saúde indígena.”. Atualmente, atende 34 Distritos Sanitários
Especiais Indígenas, 6.238 tribos e cerca de 760.350 índios;

Com o programa “Minha Casa Minha Vida,” 112 famílias conseguiram construir seu
próprio imóvel (o que gera discussões sobre ser essa mais uma forma de integração indígena a
cultura ocidental – o que pode acarretar em etnocídio). Por fim, o projeto “Bolsa Família” ajudou
as populações na estruturação de suas tribos.

Para além de iniciativas econômicas e sanitárias, durante os Governos de Lula e Dilma


Vana Rousseff (economista e sucessora de Lula (de 2011 a 2016), primeira mulher a ser eleita
como Presidenta no país), foram impulsionadas iniciativas para a educação indígena (como a
obrigatoriedade de cotas para indígenas em universidades, escolas e concursos, segundo a Lei de
Cotas (Lei 12.711), de 2012. Além disso, é assegurado, em algumas Universidades, vestibulares
próprios para os nativos.

Em 2015, ano do último senso realizado sobre a escolaridade fundamental para os nativos,
foi constatado que, no Brasil, existem 3.085 escolas indígenas que se dedicam a ensinar as línguas
indígena e portuguesa, a seguir calendários adaptados aos rituais indígenas e a cumprir com as
24

tradições dessa cultura e a incluir a comunidade nas decisões que dizem respeito à educação.
Iniciativas e verbas para a fundação e manutenção dessas instituições foram um dos principais
feitos do Governo Petista ao país.

O Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), fundado no dia 27 de abril de 2016,


tem como objetivo elaborar, acompanhar e implementar políticas públicas a favor dos povos
indígenas. É considerado uma conquista por ampliar a participação nativa nas decisões sobre seu
futuro.

Em 2016, a Ex-presidente do país, Dilma Rousseff sofreu processo de impeachment, sob


justificativa de “cometer crime de responsabilidade pela prática das chamadas "pedaladas fiscais"
e pela edição de decretos de abertura de crédito sem a autorização do Congresso.”. Até hoje,
discussões são realizadas a respeito da veracidade das acusações.

O Brasil de volta á Direita: O Governo de Jair Messias


Bolsonaro.
“A questão ambiental importa só aos veganos que comem só vegetais.”.

Presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro

Após anos de Governo do PT, em 2018 foi eleito, como Presidente da República, Jair
Messias Bolsonaro (Partido Social Liberal). Dentre suas medidas para com os povos indígenas,
não é muito popular: Na aldeia de Piaraçu (Mato Grosso), indígenas uniram-se em protestos contra
o Governo, alegando que suas ameaças e falas de ódio estariam promovendo violência contra seu
povo. Além disso, cumprindo com uma de suas propostas governamentais, interrompeu os
processos de demarcação de terras indígenas e defende (até hoje) a abertura das mesmas para
atividades econômicas em larga-escala: “Os índios não podem continuar sendo pobres em cima
de terras ricas.".

O Presidente, também, reforça o discurso ditatorial militar que alega ser necessário integrar
os indígenas a sociedade nacional e, transferiu a Fundação Nacional do Índio (Funai) do
Ministério da Justiça para o Ministério da Agricultura, retirando do órgão a atribuição de demarcar
terras indígenas.

Apesar da pouca popularidade entre os grupos nativos, membros da etnia Paresi,


simpatizantes do Governo, alegam ir contra os protestos dos Piaraçu, visto que, para eles, as ações
de Bolsonaro não lhes atingiram negativamente.
25

2. 2 Contextualização histórica – parte II


A origem dos povos Kaingang no Rio Grande do Sul

O primeiro registro Kaingang no Rio Grande do Sul ocorreu no século XVII, onde a
presença desse povo foi registrada no curso superior do Rio Uruguai.

Até o fim do século XVIII, a tribo indígena dos Kaingang não havia tido contato com a
população colonizadora, branca. Quando este, por sua vez, ocorreu, os Kaingang passaram a ser
catequizados na redução jesuítica de Santa Tereza (região de Passo Fundo), onde sofreram
influência direta da cultura ocidental.

Figura 3-População Kaingang no século XVIII. Fonte: Portal Kaingang.


26

Com o avanço das forças expedicionárias, já no século XIX, os povos Kaingang


encontravam-se divididos em unidades político-territoriais pelo Brasil, cada qual com diferentes
caciques e caciques subordinados (põ’í-bang e rekakê; põ’í, respectivamente) e iniciando o
desenvolvimento de culturas próprias. Reflexo disso na atualidade são os cinco diferentes dialetos
Kaingang, falados nas regiões de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (Dialeto
Sudoeste (SO), ao sul do rio Uruguai e a oeste do rio Passo Fundo e o Dialeto Sudeste (SE), ao sul
do rio Uruguai e leste do rio Passo Fundo).

Figura 4-– Famílias e subfamílias linguísticas. Os Kaingang descendem da família linguística Jê. Fonte:
Fapesp.

Durante este período, muitos chefes Kaingang aliaram-se aos expedicionários, facilitando
a conquista de seus povos e territórios. Em troca, recebiam subsídios oriundos do Governo.

Em virtude disso, muitas unidades – políticas Kaingang foram dizimadas ou aceitaram a


subordinação aos missionários, podendo, assim, continuar a viver nas suas terras.

Com a intensificação da Pecuária no RS (visto que muitos assentamentos indígenas já


haviam sido conquistados), iniciou-se uma tentativa indígena de reivindicação sobre suas terras.
A vitória dos bandeirantes, entretanto, foi quase que total: em virtude do melhor armamento e
técnicas de guerra aprimoradas, os Kaingang, povos pacíficos, não obtiveram sucesso na luta por
seu território original. Com isso, muitos deles foram obrigados a migrar para outras regiões do
estado e do Brasil, constituindo reservas emergências e precárias, sobre as quais se desenvolveram
e permanecem até os dias atuais (ou, infelizmente, onde foram oficialmente extintos).

Atualmente, os Kaingang constituem trinta assentamentos nacionais, redução extrema de


seu território original e, segundo o senso de 2014, possuem uma população de 45.620 pessoas.
27

Figura 5- Em amarelo, tribos Kaingang no RS. Fonte: FUNAI, 2002.

Figura 6-Terras Kaingang no Brasil. Mapa de Biomas. Fonte: IBGE – 2004.


28

2.3 Contextualização histórica – parte III


Os Kainguangues em 90 anos – Influências históricas da política Brasileira nos
desenvolvimentos sociais e econômicos destes povos.

Os períodos históricos abordados na primeira parte da metodologia – a Era Vargas, o


Quarto Governo e a Ditadura Militar (século XX) e os Governos de Lula, Dilma e Bolsonaro
(século XXI) serão novamente citados nesta sessão, com enfoque em suas influências nas tribos
Kaingang do Rio Grande do Sul – Aldeamentos Farroupilha (Serra Gaúcha) e Erechim (norte do
estado). As consequências da chegada dos portugueses ao Brasil, por sua vez, encontram-se no
segundo capítulo da contextualização histórica, duas sessões anteriores a esta.

História da Tribo Kaingang - PÓ NÃNH MÁG,


Farroupilha, RS.
Apesar dos movimentos migratórios Kaingang serem frequentes durante todo o período
expedicionário e colonizador do Brasil, foi apenas no século XX que estes povos estabeleceram
moradias fixas. Neste contexto, formou-se a comunidade indígena Pó Nãnh Mág na cidade de
Farroupilha, município constituinte da Serra Gaúcha, Rio Grande do Sul, em territórios entre a
bacia hidrográfica do Taquari-Antas e do Caí.

Apesar de ser reconhecido o Território Indígena dos Pó Nãnh Mág, deve- salientar que
este não é oficializado como área demarcada pela união, segundo a Constituição de 1998.
Entretanto, o aldeamento é popularmente respeitado.

Os habitantes da Tribo compõem os descendentes de indígenas migrantes do norte do


estado (Terra Indígena Guarita - Tenente Portela, Terra Indígena Ligeiro - Charrua e Terra
Indígena Cacique Doble - Cacique Doble), entre o final do século XX e o início do século XXI,
inicialmente estabelecidos às margens da RS/122, próximos ao centro de Farroupilha e,
posteriormente alocados no atual Bairro Nova Vicenza.
29

Figura 7-Território dos Pó Nânh Mág (vermelho). Fonte: Jonathan Busoli, 2015.

Dentre as hipóteses que buscam entender a permanência indígena Kaingang nas terras para
as quais migraram, a historiadora Marina Invernizzi afirma, em sua monografia “Historicidade
Kaingang na terra indígena Pó Nãnh Mág, em Farroupilha/RS”:

“A cerca desta problematização (como ocorreram os


processos de negociação dos Kaingang que compõem
a Pó Nãnh Mág com os gestores públicos para a
criação da terra indígena?), apontamos a hipótese
que os Kaingang continuam agindo a partir da sua
ótica cultural, assim como fez nos séculos anteriores
no processo de contato com as frentes de expansão,
pois interpretam os eventos a partir das suas
necessidades e crenças. Por isso na atualidade
durante as situações de negociações, os Kaingang
procuram cada vez mais entender os direitos jurídicos
e os códigos da sociedade não indígena, para
demarcação de seus espaços no território como é o
caso da Terra Indígena Pó Nãnh Mág, no município
de Farroupilha, por onde, possam continuar a
circular buscando condições de sobrevivência e
mantendo um elo com os antepassados que estiveram
nesses espaços.”.

Conforme abordado na contextualização histórica parte I – A Era Vargas (1930-1945),


dentre as várias medidas que caracterizaram Getúlio Vargas como o “pai dos pobres,” as
iniciativas de “promover a integração indígena para com a população não indígena” e de
“reconhecer nos povos indígenas a verdadeira e original identidade brasileira” fizeram deste
período o primeiro na história a ter “reconhecido” os indígenas como pessoas dotadas do direito de
fazer parte de uma sociedade – embora, por razões econômicas e não humanitárias, como abordado
nos discursos do ex- presidente.

Segundo Sandor Fernando Bringmann, Doutor em História pela Universidade Federal de


30
Santa Catarina (UFSC), em sua tese apresentada ao Programa de Pós Graduação em História do
Centro de Filosofia e Ciências Humanas, “ENTRE OS ÍNDIOS DO SUL: Uma análise da atuação
indigenista do SPI e de suas propostas de desenvolvimento educacional e agropecuário nos
Postos Indígenas Nonoai/RS e Xapecó/SC (1941-1967),” a iniciativa governamental para com a
população indígena objetivava:
31

“Criar Postos com a funcionalidade de promover ensinamentos


úteis, capazes de despertar no indígena sentimentos nobres de
pertencimento à nação brasileira, fixando-o em áreas específicas
para que fosse atraído pela cultura sistemática da terra e das demais
indústrias rurais, das quais obteriam rendimentos para a
emancipação econômica dos mesmos, fez parte da tônica dos
discursos oficiais das autoridades e demais funcionários do SPI em
todo o território nacional. Na região Sul do Brasil, onde se proliferou
a ação mais efetiva do SPI a partir de 1941, estes discursos eram
ainda mais enfáticos, tendo em vista a característica rural dos três
estados, considerados à época o “celeiro do Brasil”.”.

Ainda na década de 1940, no Rio Grande do Sul, os Kaingang passavam por um período
turbulento, em vista do avanço de extrativistas madeireiros e posseiros, que abusavam (de todas
as formas) dos indígenas, invadindo suas terras e marginalizando os povos. Neste contexto,
surgiram os Postos Indígenas de Assistência, Nacionalização e Educação, através do SPI (Serviço
de Proteção ao Índio), até então, pouco influentes na região sul.

Figura 8-Recorte de Jornal do Arquivo SEMEAR - visita de Getúlio Vargas à Ilha do Bananal. Fonte:
SEMEAR, 2005.

Na década de 1960, as crises iniciadas vinte anos antes ganharam forças com a Reforma
Agrária (definida pelo INCRA como o “conjunto de medidas para promover a melhor distribuição
da terra mediante modificações no regime de posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça
social, desenvolvimento rural sustentável e aumento de produção” - Estatuto da Terra - Lei nº
4504/64), de modo a diminuir e/ou destruir parte do território Kaingang, levando estes povos a
povoar outras regiões do estado (bacias hidrográficas do Taquari-Antas, Caí, Sinos e Lago
Guaíba).

Com isso, já na metade do século XX os Kaingang povoavam áreas próximas a centros


urbanos, de modo que os assentamentos (originalmente provisórios), tornaram-se residências
definitivas destes indivíduos (como ocorrido com a tribo Pó Nãnh Mág, primeiramente instalada
às margens da RS/122 – próximo ao centro da cidade de Farroupilha).
32

Somente no Rio Grande do Sul, as populações Kaingang migraram para seis cidades
distintas, onde permanecem até hoje. As citações dessas tribos podem ser encontradas na
monografia da historiadora Marina Invernizzi, “Historicidade Kaingang na terra indígena Pó
Nãnh Mág, em Farroupilha/RS,” transcritos a seguir: o Foxá (Lajeado/RS), Jamã Tÿ Tãhn
(Estrela/RS), Pó Mỹg (Tabaí/RS), Pó Nãnh Mág (Farroupilha/RS), Por Fi Gâ (São Leopoldo/RS),
Jamã Fág Nhin/Lomba do Pinheiro (Porto Alegre/RS), Rhátéj/Morro Santana (Porto Alegre/RS)
e Jamã Tupẽ Pẽn/Morro do Osso (Porto Alegre/RS).

A figura 9 reproduzida abaixo, traz a localização destas tribos.

Figura 9-Tribos Kaingang no Rio Grande do Sul. Fonte: Jonathan Busolli, 2015.
33

Para melhor compreender a origem da tribo Pó Nãnh Mág deve-se, primeiramente,


entender que esta é um alongamento dos Foxá, tribo indígena localizada em Lajeado que, após
sofrer opressão e marginalização, decidiu dialogar com os órgãos públicos para que lhes pudessem
garantir permanência e qualidade de vida na cidade. Em virtude disso, em 2006, a Prefeitura
Municipal, juntamente com a Secretaria de Obras no Município, construiu casas seguindo as
normas da FUNAI para os indígenas, que, atualmente, vivem em cerca de 90 pessoas no local.

Com a duplicação da BR/386, iniciada pouco antes de 2010 e finalizada em 2018 (em
virtudes de questões financeiras e com a FUNAI), fora elaborada uma medida compensatória para
os povos Kaigang do local. Com isso, os Foxá iniciaram a sua migração, a começar pelo Cacique
e sua família, para a região de Farroupilha, fundando a Tribo dos Pó Nãnh Mág. Vale salientar
que Pó Nãnh Mág significa “pedra grande.”.

Figura 10-Tribo dos Foxá, em Lajeado, recebendo a Carteira Nacional do Artesão.


Fonte: Folha popular, 2019.

Figura 11-Festival indígena na aldeia Foxá. Fonte: o informativo, 2018.

A tribo indígena dos Pó Nãnh Mág foi oficialmente fundada em 2006, no Bairro Nova
Vicenza, em Farroupilha, possuindo 22 hectares de extensão (área com 7.836m²). Como dito
anteriormente, a aldeia é fruto de uma indenização do DNIT (Departamento Nacional de
34

Infraestrutura de Transporte) aos Kaingang (totalizando sete novas terras), em virtude da


duplicação da BR-318/RS, entre os municípios de Tabaí e Estrela.

A história da tribo em relação à terra que hoje habita em Farroupilha, entretanto, é ainda
mais antiga. Já no ano de 1980, a presença Kaingang era esperada, sendo que este grupo
deslocava-se até a cidade para vender artesanato, retornando, após algum tempo, para as suas
cidades (Nonoai, Ligeiro, Votouro, Cacique Doble). Este tipo de migração é denominado como
“transumância” e, consiste na mudança temporária de cidade, estado ou país de um determinado
grupo de pessoas, normalmente, em busca de trabalho. Segundo o pesquisador Roque Júnior,
durante este período, os Kaingang dormiam sob as marquises da rodoviária, visto a falta de
estrutura na cidade para sua recepção.

Em 1995, contudo, algumas famílias Kaingang decidiram armar acampamentos


provisórios (com lonas) em uma área privada próxima à rodoviária de Farroupilha. Em função do
descontentamento social, os Kaingang foram retirados de seu primeiro acampamento e realocados.
Acontece, entretanto, que novamente este grupo sofreu com a pressão social, cujo preconceito fez
com que, novamente, tivessem que se retirar do local (os reclamantes alegavam a falta de
assistência para as crianças indígenas e do lixo por eles produzido).

Após onze anos de moradia insalubre e de inúmeros ataques provindos da sociedade não
indígena, finalmente, em 2006, os Kaingang constituíram moradia no local onde hoje estão. Antes
disso, em 2002, fora cogitada a possiblidade de concessão de um terreno em um bairro industrial
para os indígenas, iniciativa falha, devido à desaprovação popular.

O local, apesar de lhes ter assegurado o direito a fixação na terra, impede, até hoje, práticas
tradicionais da cultura dos Pó Nãnh Mág, como a pesca (visto que o lago mais próximo – balneário
Santa Rita – alcançou níveis suficientes de poluição para impedir a vida de animais), a caça, a
coleta de ervas (a mata virgem fora completamente destruída) e a coleta de matéria-prima para a
fabricação de artesanato, sendo eles dependentes da “boa-vontade” dos vizinhos, proprietários de
áreas melhor preservadas, para a obtenção dos materiais. Estas informações foram extraídas do
trabalho de concussão de curso na Licenciatura em Música, “A MÚSICA NA TERRA INDÍGENA
KAINGANG PÃNÓNH MÁG E SETOR KẼTAJUG MÁG /FARROUPILHA –RS,” de
Cristiano Fagundes Cemin, pela Universidade de Caxias do Sul.
35

Figura 12-Crianças da Tribo dos Pó Nãnh Mág . Fonte: Jonas Ramos / Agencia RBS.

Figura 13-Kaingangues conhecendo uma das 12 casas frutos de acordo do Município de


Farroupilha e o MP. Fonte: Site da Prefeitura de Farroupilha. Foto: Adroir Fotógrafo.

Figura 14-Escola estadual de ensino fundamental da tribo dos Pó Nãnh Mág.


Fonte: Gaúcha Serra. Foto: Babiana Mugnol.
36

Os Pó Nãnh Mág, atualmente, compreendem um grupo de 133 indivíduos. Buscam


afirmar-se perante a comunidade, de modo a estabelecer relações de boa convivência e valorização
de ambas as culturas. Faz parte não só da cultura Kaingang, mas, também, de concepções comuns
entre muitas comunidades indígenas o estabelecimento de valores sociais e culturais diretamente
relacionados ao ambiente em que vivem.

Em razão disso, justifica-se a escolha dos Kaingang vindos do norte do estado a povoar o
município de Farroupilha: a cidade já era de seu conhecimento e contato há muito tempo. Com
isso, estabeleceram-se relações de afeto e tradição na terra, como abordado por Marina Invernizzi
em “HISTORICIDADE KAINGANG NA TERRA INDÍGENA PÓ NÃNH MÁG, EM
FARROUPILHA/RS” ao entrevistar um membro da tribo:

E aí a gente gostou mais e veio pra Farroupilha,


“acampemo”... ali perto da... do acampamento... até hoje tem
gente acampada. E “fomo” ficando ali, trabalhando com o
artesanato... e foi... “fumo” pressionado pelo município,
prefeitura né? E “fomo” chegando até um diálogo assim de...
de... um acordo (E1A, 12/04/2015, p.1).

Abaixo, segue outro trecho do entrevistado, em que este afirma as necessidades que os
fizeram migrar para centros urbanos (econômicas, para subsistência da tribo) e, também, em que
declara já serem eles sabedores de que seu povo havia habitado tais terras no passado.

Eu pude entender, sendo encaminhado, tudo intermédio que


vem assim do “mais antigo” né? Mais velho. A gente não se
envolveu... a gente se envolve com os trabalhos do artesanato
né?! Isso puxou “nóis” pro lado da cidade... que o artesanato
a gente construía lá, fazia lá... só que não tinha a venda.
Então a gente preferia em busca da consegui vende, né?
Então a gente “veio vindo”, foi conhecendo Caxias do Sul,
Farroupilha, Bento Gonçalves... e a gente foi sabendo né?
Não por intermédio de... de documento né, mais assim
sabendo que existia época atrás, indígena nesse local aqui
né? (E1A, 12/04/2015, p.1).

Aqui, finaliza-se o resgate histórico da criação da tribo dos Pó Nãnh Mág. Posteriormente,
serão abordados aspectos econômicos e sociais desta tribo na atualidade, em virtude dos
acontecimentos tratados neste e no capítulo anterior.

História Kaingang no município de Erechim – RS.


O município de Erechim está localizado no norte do estado do Rio Grande do Sul, região
do Alto Uruguai, sobre a cordilheira da Serra Geral. Com uma população de 104.000 habitantes
(censo de 2017), é sede da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) – campus Erechim,
instituição de destaque neste trabalho.
37

Através do Programa de Acesso e Permanência dos Povos Indígenas – PIN, a UFFS, com
o objetivo de “promover a inclusão social e étnica e buscar alternativas viáveis para o acesso e
a permanência de indígenas na educação superior, bem como seu envolvimento nas atividades de
ensino, pesquisa e extensão” (UFFS.edu.br) recebe, desde 2012, indígenas de comunidades
(Kaingang) próximas, no Curso Interdisciplinar em Educação do Campo: Ciências da Natureza.

Vale ressaltar que os indígenas participantes do programa não são naturais da cidade de
Erechim: suas aldeias concentram-se em cidades vizinhas. Comumente, integram a tribo
Kaingang, cuja história no estado fora abordada no capitulo anterior. Segundo dados retirados da
pesquisa “OS POVOS INDÍGENAS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL,
CAMPUS ERECHIM - AFIRMAÇÕES E CONFLITOS: O Diagnóstico do Curso Interdisciplinar
em Educação do Campo: Ciências da Natureza,” de Viviane Marmentini Ascari, “hoje constam
165 indígenas com matrícula ativa no Curso CCIECCN – ER, oriundos das áreas indígenas
situadas em cidades como Benjamin Constant do Sul, Cacique Doble, Charrua, Constantina,
Engenho Velho, Erebango, Getúlio Vargas, Gramado dos Loureiros, Iraí, Liberato Salzano,
Nonoai, Planalto, Rio dos Índios, Ronda Alta, Sananduva, Seara, num raio de mais de 200 km de
distância.”. O mapa a seguir, ilustra as localidades destes grupos indígenas.

Figura 15-Arquivo pessoal de Viviane Marmentini


Ascari.

Fundada em 15 de setembro de 2009, a Universidade Federal da Fronteira Sul é uma


instituição de caráter público e de nível superior que abrange 400 municípios da Mesorregião
Grande Fronteira Mercosul (área de 139,2 mil Km² que inclui as regiões Noroeste do estado do
Rio Grande do Sul, Oeste de Santa Catarina e Sudoeste do Paraná). A história da fundação da
Universidade inclui a pressão do próprio município e de cidades e estados vizinhos.

A UFFS é localizada no município de Erechim (Rio Grande do Sul), sito a Rodovia ERS
135, km 72, nº 200. Atualmente, o ingresso na Universidade é realizado através do SISU.
38

Figura 16-Bloco de Professores e Bloco A. Fonte: Universidade Federal da Fronteira Sul.

Com a adesão do PROCAMPO - Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura


em Educação no Campo (edital oferecido pelo MEC que desenvolve ações educacionais nas áreas
do campo), cujo objetivo é formar professores de escolas de áreas rurais para atuação nos anos
finais do ensino fundamental e ensino médio, produção de materiais didáticos para fins específicos
e melhoria no ensino de redes já existentes, a UFFS passou a oferecer o Curso Interdisciplinar
em Educação do Campo, com ênfase em Ciências da Natureza no campus Erechim e o Curso
Interdisciplinar em Educação do Campo, com ênfase em Ciências Sociais e Humanas na sede em
Laranjeiras do Sul (RS).

O Curso foi criado sob justificativa de carência de bons profissionais em atuação nas zonas
rurais, relevância das atividades agrícolas para a população total da cidade e, mais importante,
pela ligação da fundação da própria Universidade com as lutas populares e movimentos sociais.

Desta forma, a Resolução nº 25/2013-CONSUNI, da UFFS consta, no artigo 3º, “Criar e


autorizar o funcionamento do Curso de Graduação Interdisciplinar em Educação do Campo:
Ciências da Natureza – Licenciatura, modalidade presencial, no Campus Erechim.”

Parágrafo único: O curso será ofertado em regime de


alternância e terá processo seletivo específico conforme
previsto no Edital de Seleção nº 02/2012-
SESU/SETEC/SECADI/MEC, de 31 de agosto de 2012, no
qual o projeto de oferta do curso foi aprovado.

Ocorre que, apesar de originalmente pensado para atuantes não indígenas das áreas rurais,
o CCIECCN – ER, em 2016, já era predominantemente constituído por estudantes indígenas
vindos das cidades citadas anteriormente, já que muitos deles atuavam como professores em suas
aldeias e estavam em busca de aperfeiçoamento. A população não indígena, por sua vez, não
demonstrou tanto interesse no projeto.

O Curso Interdisciplinar em Educação do Campo: Ciências da Natureza inclui as áreas das


ciências exatas e biológicas, com enfoque nas disciplinas de Física, Biologia e Química. Sua
duração é de oito semestres (quatro anos) e é ministrada no chamado “regime de alternância” -
aulas quinzenais nas quintas-feiras (vespertino e noite), aos sábados (manhã e tarde) e com
“períodos intensivos”: segunda quinzena de julho e quatro semanas entre os meses de janeiro e
fevereiro. Segundo o Prof. Dr. Jerônimo Sartori, um dos responsáveis pela criação e manutenção
39

do curso, “o calendário é elaborado respeitando as tradições e as possibilidades dos grupos


indígenas”1.

A seguir, a grade curricular do Curso, retirada do site da Universidade Federal da Fronteira


Sul.

Tabela 1- Grade Curricular UFFS. Fonte: UFFS.


40

Tabela 2- Grade Curricular UFFS. Fonte: UFFS.

Os estudantes cujas residências se encontram em até 30km da Universidade, recebem


auxílio-alimentação e transporte e hospedagem e, caso forem alunos indígenas, também têm
direito a uma bolsa de permanência do governo federal no valor de R$900,00.

Em entrevista com o Professor Jerônimo, este afirma estarem matriculados no Curso, até
2020, cerca de 120 estudantes indígenas. No decorrer da pesquisa, serão abordadas com maior
enfoque as especificidades do curso.

Por qual motivo falar sobre a Universidade Federal da Fronteira Sul?

É inegável a importãncia da Universidade na integração entre as comunidades indígena e


não indígena na cidade de Erechim. No próprio site da Prefeitura do município, encontram-se
informações como “Nos séculos XVII e XVIII, o caigangue era um índio de natureza dócil,
pacífico e dado ao trabalho. Entretanto, no Século XX tornou-se taciturno, de pouca fala, muito
comedido, pacífico, trabalhador e afetivo. Depois de pacificado e catequisado, mostra- se
humilde, bondoso, capaz de assimilar bem ensinamentos.”. Estas informações, por sua vez,
acometem no estabelecimento permanente de relações de superioridade e inferioridade entre as
culturas, de modo a reforçar o racismo estruturado na sociedade.

Com a implementação do CCIECCN – ER, a Universidade coopera com a integração e o


compartilhamento de culturas entre as sociedades, de modo a estabelecer, pela primeira vez, o
diálogo (mais igualitário possível) entre as culturas. Porém, como tal iniciativa afeta positiva e
negativamente a população tradicional Kaingang? Existem traços de etnocídio oriundos do
Projeto?
41

Figura 17-Colação de grau dos Kaingang na UFFS. Fonte: arquivo da UFFS.


42

Figura 18-Anúncio da I Mostra Cultural M´Byá-Guarani e Kaingang. Fonte: arquivo da UFFS.

2. 4 A Cultura Kaingang
Os Kaingang pertencem à filiação genética do Tronco Macro-Jê – família Jê, juntamente
com os Xokleng (grupo indígena taxado pejorativamente por “bugres” e dizimado em dois terços
entre os anos de 1914 e 1943 pela população branca – “os bugreiros,” - através, principalmente,
de invasões em massa e de doenças como a gripe, a febre amarela e o sarampo. Atualmente, este
grupo prefere ser denominado por Laklãnõ, um de seus sub-grupos, que significa "gente do sol"
ou "gente ligeira". Lutam pela preservação de sua cultura, língua e mitologia.).
43

Figura 19-Famílias linguísticas do tronco Macro-Jê. Fonte:

Resumindo:

Figura 20- Tronco Macro- Jê. Fonte: Grupo.


44

A língua
“A língua é o maior de todos os patrimônios de um povo”

“A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.”.

As frases acima, de Tadeu Ferreira e Rui Barbosa, respectivamente,


representam a importância da linguagem não só para os Kaingang, mas, também, apara toda a
humanidade. Á eles, em especial, destaca-se como sendo a língua sua maior aliada na luta pela
legalização de suas terras e reconhecimento de sua cultura.

A língua dos Kaingang deriva da Família Jê (tronco Macro-Jê – olhar página


anterior, figura 19 e esquema) e é fragmentada em cinco dialetos, conforme afirmado pela linguista
Ursula Wiesemann, do Summer Institute of Linguistics: Dialeto Sudoeste (sul do Rio Uruguai e
oeste do Rio Passo Fundo – Rio Grande do Sul), Dialeto Sudeste (sul do Rio Uruguai e leste do
Rio Passo Fundo – Rio Grande do Sul), Dialeto Central (entre os Rios Iguaçu e Uruguai
– Santa Catarina), do Paraná (entre os rios Paranapanema e Iguaçu) e de São Paulo (entre os rios
Tietê e Paranapanema). A principal diferença entre os dialetos encontra-se na fonética.

A gramática e a escrita Kaingang também são frutos dos estudos de


Wiesemann, que, em 1970, fundou a Escola Clara Camarão (Posto Indígena Guarita-RS), local
responsável pela formação de monitores indígenas. Nas escolas Kaingang, Ursula também
implantou a aprendizagem bilíngue, em que a escrita Kaingang era aprendida no primeiro ano e,
em seguida, estudava-se o português. Atualmente, o Kaingang é estudado até o segundo ano.

As comunidades Kaingang variam no uso da língua: algumas já adotaram o


português como idioma oficial; outras, são bilíngues e algumas são, praticamente, falantes da
língua portuguesa como um todo, exceto pelos mais velhos, que são bilíngues.

Com a promulgação da Constituição Federal, os indígenas passaram a ser


ativos nas decisões á respeito da cultura de cada um de seus povos e suas particularidades. Hoje,
já existem cartilhas escolares e de saúde bilíngue.

Tabela 3-Aspectos da língua Kaingang. Fonte: ASPECTOS DA LÍNGUA


KAINGANG, Toni Juliano Bandeira.

Segundo análise do quadro acima, realizada pelo linguista Aryon Dall’igna


Rodrigues, tem-se:
45

Mais importante que a semelhança entre palavras para o


mesmo conceito em diferentes línguas, como prova de
origem comum, é a regularidade nas correspondências de
sons. Note-se como, em Karitiâna, à vogal o das demais
línguas corresponde sistematicamente a vogal y (em 1, 4, 7
e 9); à vogal e das outras, corresponde em Karitiâna a vogal
a (3, 5, 8 e 9); à vogal y do Tupinambá e do Awetí,
corresponde a vogal i, não só no Karitiâna, mas também no
Mundurukú, no Tuparí e no Gavião (2, 6, 7 e 10; mas o
Karitiâna e o Tuparí têm e e y, respectivamente, depois de
consoante posterior, como em 10). O Gavião tem a
consoante t no fim das palavras que nas outras línguas
apresentam n. O leitor pode facilmente identificar outras
correspondências sistemáticas entre cada par de línguas
comparadas (RODRIGUES, 1986, p. 44).

Figura 21-Alunos na Escola Clara Camarão. Fonte: Fundação Nacional do Índio.

A Música

Quem fez você e eu?

você e eu,

você e eu

Quem fez você e eu

O povo Kaingang possui características particulares. Uma delas, curiosamente, é a divisão


da sua vida social, ritualística e cotidiana em duas: Kamé e Kaiuru. A primeira refere-se à pintura
facial por motivos (razões) cumprido (ao Leste), enquanto, a segunda, realiza a pintura facial por
46

“motivos redondos” (a Oeste). É importante ressaltar que as divisões enfatizam os pontos cardeais,
por isso, leste e oeste.

Na música, não é diferente: também é dividida em Kamé e Kaiuru. Além disso, aborda a
classificação dos animais e de elementos da natureza, em virtude de acreditarem que, o passado,
o canto dos animais realizava a festa do Kiki, o Kikiko (hoje, ritual da cultura Kaingang).

Um dos mais importantes instrumentos da cultura Kaingang é o arco de boca (vyjsĩ, de


pronúncia “uãixim”), equipamento raro no mundo indígena. Uma de suas canções mais famosas é
Kasu tỹ vyj sĩ kyn (Kasu toca uãixim), tocada por este instrumento.

Talvez a maior curiosidade sobre a música Kaingang é que ela possui apenas dois sons (Lá
e Mi), que se repetem. Segundo Lévi-Strauss no artigo “A Eficácia Simbólica,” povos de tradição
oral tendem a repetir estrofes em suas músicas, objetivando facilidade para decorá-las.

PÉNKRIG FI TYNH KÃME (penkri fitancam)

Canto da Formiga

Este é um (dos três exemplos) abordados a seguir sobre a música Kaingang. Nele, retrata-
se a felicidade de uma formiga ao ver grãos de milho sendo esmagados por uma mulher, cujos
farelos servirão de alimento para seus filhos durante o inverno. A primeira frase é repetida
inúmeras vezes.
Fonte: Cantos da Floresta.

Figura 22-Transcrição musical de Berenice de Almeida e Magda Pucci. Fonte: Cantos da Floresta.
47

Letra em Kaigang Tradução

à ne tetĩ nĩ (4x) O que carregas? (4x)


Isỹ ũn tẽtã ãg tynyn jã Quando vejo a mulher
ven kỹ Socando algo (no pilão)
kỹ ta inh mỹ há tĩg nĩ Eu fico feliz
kỹ ta inh mỹ há tĩ Quando como as migalhas
Isỹ ũn tẽtã do socado da mulher
ty jag tynyn mru kon tĩn kỹ Eu fico feliz
kỹ ta inh mỹ há tĩ O que carregas? (4x)
à ne tetĩ nĩ (4x)

KASU TỸ VYJ SĨ KYN (kazu tã uãixim cã)

Kasu toca arco de boca

Utilizando o arco de boca (instrumento abordado anteriormente), esta canção retrata o ciclo
de vida Kaingang. Seu ritmo pode ter sido influenciado pelo estilo “Fandango,” comum no Rio
Grande do Sul. Seu ritmo é agudo e há variações da resultante harmônica. Fonte: Cantos da
Floresta.

Figura 23-Transcrição musical de Berenice de Almeida e Magda Pucci. Fonte: Cantos da Floresta

VÃNH GÉHN TU VÃJE TÓ (uãn guen tu uaie tó)

Canto de guerra Kaingang

É atualmente cantada como parte de revitalização de sua cultura, pois, remete à preparação
do povo Kaingang para lutar contra os Xokleng. Assemelha-se ao “rap” em virtude da fala
ritmada entoada em torno da nota si.
48

Figura 24-Transcrição musical de Berenice de Almeida e Magda Pucci. Fonte: Cantos da Floresta.

Letra em Kaigang Tradução não literal


O Kaingang é filho da mata
Kanhgág vã Kanhgág (3x)
A gente se sente feliz lutando
Inh vãnhgénh kỹ inh mỹ há (3x) Juntos vamos dançar.
Nãn ga vỹ nãn ga (3x)

Inh vãnhgénh kỹ inh mỹ há (2x)

Kanhgág vã Kanhgág (2x)

Inh mỹ sér kỹ inh mỹ sér (2x)

Inh vãnhgénh kỹ inh mỹ há (3x)

Kanhgág vã Kanhgág (3x)

Nãn ga vã nãn ga (3x)

Inh vãnhgrénh kỹ inh mỹ há (3x)

Inh rárán kỹ inh mỹ há (2x)


49

Nãn ga vã nãn ga (3x)

Inh rárán kỹ inh mỹ há (3x)

Kanhgág vã Kanhgág (3x)

Inh mỹ sér kỹ inh mỹ há (2x)

Kanhgág vã Kanhgág (2x)

Inh mỹ sér kỹ inh mỹ há (2x)

Inh rárán kỹ inh mỹ há (2x)

Nãn ga vã nãn ga (3x)

Inh vãnhgénh kỹ inh mỹ há (3x)

Kanhgág vã Kanhgág (3x)

Inh mỹ sér kỹ inh mỹ sér (3x)

Kanhgág vã Kanhgág (3x)

Nãn ga vã nãn (1x)

Inh rárán kỹ inh mỹ há (3x)

Inh mỹ sér kỹ inh mỹ sér (3x)

Kanhgág vã Kanhgág (3x)

Expressões artísticas
“Temos a arte para não morrer da verdade.”.

A frase acima, escrita pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) retrata a
importância da arte para os seres humanos. Durante toda história, o homem procura, produz e
aprecia a arte. Na cultura Kaingang, portanto, não é diferente. Abrangendo as concepções
indígenas de mundo, as obras representam as satisfações humanas.

Simone Serpa Catafesta, em sua dissertação “O povo Kaingang: arte e cultura,” analisa o
quadro (reproduzido a seguir) de uma nativa: as partes Kamé e Kairu são representadas pelos traços
na pele da mulher, marcando as duas etnias. Apesar disso, a mulher pertence aos Kamé devido aos
traços de seu rosto e aos seus cabelos escuros (pretos) e alongados, características do povo. Mais
uma vez, é possível notar a importância desta divisão para os Kaingang.
50

Legenda:

Figuras
Linhas 23 – Pintura Kaingang
representando exposta
as divisões no Unochapecó.
Kamé e Kairu;Fonte: Acervo de Simone Serpa Catafesta (outubro de 2010).

Marcas no rosto que indicam o pertencimento da índia à divisão Kamé;

Cabelos longos e escuros, elementos que afirmam o pertencimento da mulher aos Kamé.

Figura 25- Características da arte Kaingang. Fonte: Simone Catafesta.

Os Kaingang, também, costumam empregar as cores verde e vermelha em suas pinturas,


bem como, utilizar o bambu (bastante comum em seu cotidiano) para a produção material.

Outra distinção Kaingang é entre os artistas e os artesãos. Enquanto os primeiros produzem


obras de acordo com o que sentem e com os seus princípios, os segundos são fortemente
influenciados pela cultura não-indígena, incorporando-a em suas criações, sempre cambiantes.

A arte, neste sentido e de acordo com Simone, é o “ato de criar sob a necessidade
intelectual de quem a produz,” enquanto o artesanato é “o fruto do trabalho de pessoas que o
consideram como a sua arte, pois é produto de seu conhecimento e de sua cultura.”. O artesanato
(normalmente) está ligado à obtenção monetária (um dos principais meios de sobrevivência
indígena nos centros das grandes cidades), independentemente de ter sido confeccionado para fins
51

de utilidade ou apenas para decoração, enquanto a arte, é fruto de tudo o que pensa, sente e produz
o artista.

Não exclusividade dos Kaingang, a arte provém da própria natureza: das folhas de árvores
e das penas de pássaros, de sementes e tinturas providas de plantas específicas. Como abordado
anteriormente, o bambu é, também, um dos materiais mais utilizados pelos artistas e artesãos.
Além disso, todo o produto Kaingang fará, obrigatoriamente, referências ás divisões desse povo
(Kamé e Kairu) objetivando, assim, contar, difundir e preservar a sua história.

Para representar a divisão Kamé (Leste), utiliza-se grafismos/morfologias e


posições/espaços compridos, longos e altos, enquanto, para o lado Kairu (Oeste), faz-se uso de
grafismos/morfologias e posições/espaços redondos, quadrangulares, losangulares, baixos e
fechados, segundo a reportagem Artesanato Indígena Kaingang, de 24/10/2018 no site Artesanato
Indígena.

Na figura 26,
tem-se as
nomenclaturas
“ror” e “téi,”
como
denominações
para as partes
Kairu e Kamé,
respectivamente.
Além disso, o
grafismo
“ianhiá” Figura 26-Representação do grafismo Kaingang. Fonte:
Artesanato indígena.
52

Figura 27-Representação do grafismo Kaingang. Fonte: Artesanato indígena.

Figura 28-Concepções cosmológicas Kaingang. Fonte: Ballivián (2012, p.40).


53

Tabela 4-Síntese do estudo sobre a sintaxe da linguagem visual na cestaria Kaingang da TI Apucaraninha / PR.

Ritual e xamanismo Quem fez as lindas estrelas?


as lindas estrelas
Ũ nỹ krĩg kar hyn han?
as lindas estrelas
krĩg kar hyn han Quem fez as lindas estrelas?
krĩg kar hyn han foi nosso Senhor do céu

Ũ nỹ krĩg kar hyn han?


Quem fez os pássaros que
Ẽg jóg tỹ Topẽ
voam?
os pássaros que voam,
Ũ nỹ Inh kósin hyn han? os pássaros que voam

Inh kósin hyn han Quem fez os pássaros que


voam?
Inh kósin hyn han
foi nosso Senhor do céu
Ũ nỹ Inh kósin hyn han?

Ẽg jóg tỹ Topẽ Quem fez o mar azul?


o mar azul o mar azul
Quem fez o mar azul?
Ũ nỹ goj mág ti han?
foi nosso Senhor do céu
goj mág ti han

goj mág ti han Quem fez você e eu?


você e eu,
você e eu
Quem fez você e eu
54

Ũ nỹ goj mág ti han?

Ẽg jóg tỹ Topẽ

Ũ nỹ ó hakari han24?

ó hakari han

ó hakari han

Ũ nỹ goj ó hakari han?

Ẽg jóg tỹ Topẽ

A cultura religiosa Kaingang é baseada no culto à morte. Os rituais são divididos em


circunscrito ao ambiente doméstico (nominação) ou não ritualístico (como os casamentos). A
morte retrata o espírito cultural e interpessoal para os Kaingang.

O Kiki (ou o ritual do Kikikoi) é a celebração aos mortos realizada por esse povo.
Antigamente, acompanhava o consumo da bebida Aquiqui (bebida alcoólica a base de milho),
porém, atualmente, é uma festividade exclusiva da Terra Indígena Xapecó (SC) e considerada
“antiquada” pelas outras tribos. Segundo reportagem sobre os Kaingang do site “Povos indígenas
do Brasil,” “O ritual consiste, fundamentalmente, na performance de dois grupos formados por
indivíduos pertencentes a cada uma das metades clânicas, Kamé e Kairu. A condução da vida
social kaingang, vimos, opera uma constante fusão das duas metades. Durante o Kiki, no entanto,
as metades atuam separadamente, formando grupos de ‘consangüíneos classificatórios ou
mitológicos’. Como nos mitos, o relacionamento entre os grupos que atuam no ritual é marcado
pela complementaridade e assimetria entre as metades Kamé e Kairu.”.

“A realização do ritual do Kikikoi depende da


solicitação dos parentes de alguém que veio a falecer
no ano anterior ou nos anos anteriores. É necessário
que haja mortos das duas metades. O processo ritual
é marcado pela reunião dos rezadores em três fogos
acesos, em dias diferentes, no terreno do organizador
- local conhecido como ‘praça da dança’ ou ‘praça
dos fogos’. A data do primeiro fogo geralmente
ocorre dois meses antes da realização do terceiro e
último fogo. Os Kaingang afirmam que o ritual deve
ocorrer entre os meses de janeiro e junho. O primeiro
fogo (são acesos dois fogos, um para cada metade)
antecede o corte (a derrubada) do pinheiro (Araucaria
augustifolia), o qual servirá de konkéi (cocho),
vasilha onde é colocada a bebida que recebe o nome
do ritual - ‘kiki’ (cerca de 70 litros de mel e
55

250 litros de água). O segundo fogo (são quatro


fogos, dois de cada metade) ocorre na noite seguinte
e antecede o início da preparação do konkéi.”.

“O terceiro fogo, etapa mais importante do ritual,


articula um maior número de pessoas e eventos.
Cerca de dois meses após a colocação da bebida no
konkéi, seis fogos são acesos - três dos Kamé e três
dos Kairu - paralelos ao konkéi. Os rezadores
permanecem durante a noite ao redor dos fogos,
acompanhados por outros integrantes das respectivas
metades, entoando cantos e rezas. Durante esta etapa,
determinadas mulheres, as péin, realizam as pinturas
faciais (com tintas obtidas pela mistura de carvão e
água), cuja finalidade é a proteção dos participantes
contra os espíritos dos mortos de sua metade. São
estas mulheres que estão preparadas para entrar em
contato com os objetos dos mortos, sem correr os
riscos daí advindos. Os rezadores de uma metade
dirigem suas rezas para os mortos da metade oposta.
Eles rezam, cantam e tocam instrumentos de sopro
(confeccionados com taquaras – turu) e chocalhos
(confeccionados com cabaças e grãos de milhos –
xik-xi). Ao amanhecer os grupos se deslocam da
praça de dança para o cemitério, onde novamente são
realizadas rezas para os mortos nas suas sepulturas.
Quando retornam para a praça de dança os grupos se
fundem em danças ao redor dos fogos. O ritual é
concluído com o consumo da bebida, do Kiki. O
Kikikoi pode ser definido como um esforço da
sociedade em ratificar o poder do mundo dos vivos
sobre os perigos associados com a proximidade dos
mortos. Nestes esforços os Kaingang articulam temas
como a complementaridade das metades, a
nominação, a integração entre comunidades distintas,
o controle sobre o território e a interação mitológico-
histórica com a natureza. O grande esforço
demandado para a realização deste ritual, associado à
necessidade formal de integrar diferentes
comunidades, fez com que ele fosse, no passado,
realizado em apenas algumas terras indígenas.
Mesmo hoje em dia, a realização do ritual do Kiki na
56

TI Xapecó depende da participação de convidados


(rezadores e dançarinos) que residem na TI Palmas.”.

A partir de 1940, porém, por pressão da sociedade não – indígena, os Kaingang foram
obrigados a abdicar da festividade, tendo sido acusados de estarem manipulando mágica e
perigosamente a relação entre o ser humano, a natureza, a cultura e o sobrenatural. Algumas das
habitações desse povo foram, inclusive, vítimas da brutalidade branca, as queimando e destruindo.

Figura 29-Cartaz sobre a festividade do Kikikoi na TI de Chapecó (SC).


Fonte: Áudio-Fotográfico do Ritual dos Mortos.

Os xamãs (detentores de uma função religiosa que acessam outras dimensões) Kuiã
representam todos os portadores de conhecimento e cura dos Kaingang. São escolhidos através de
um ritual que compreende a confecção de um recipiente com materiais provindos da mata virgem
para armazenamento de água (posteriormente ingerida por um animal – que será o seu “guia”). O
poder do xamã dependerá do animal que o acompanha, sendo o gato do mato o mais importante
deles – devido ao seu poder de trazer à vida espíritos de pessoas seduzidas pelos mortos.
57

Os Kuiã também conseguem prever o futuro e comunicar-se (mentalmente) uns com os


outros, de modo a prever guerras entre seus grupos. São proibidos de caçar os animais que os
acompanham e detém todo o conhecimento medicinal da tribo – que inclui somente plantas
provindas da mata virgem, sem poder ser cultivadas.

Sociedade e política
A sociedade tradicional Kaingang

Tradicionalmente, os Kaingang seguem uma linhagem que traz o homem como o centro
da sociedade e, a mulher, como “depositária e guarda da prole,” Teschauer (1927). Como tudo
nesta sociedade, há a divisão entre as metades Kamé e Kairu, cujas diferenças são vistas como
complementares e necessárias (para que ocorra um casamento, por exemplo, os noivos devem
pertencer a metades diferentes, afim de estabelecer uma relação dualista (ou seja, de forças
opostas) e, ao mesmo tempo, complementar.

Quando uma criança nasce, obrigatoriamente a sua metade será a qual pertence o pai. Por
exemplo: em uma união de mulher Kamé com um homem Kairu, a criança (independentemente
de gênero) pertencerá à metade Kairu, do mesmo modo que seu pai. Entretanto, após o casamento,
os noivos devem morar nos domínios do pai da noiva (mostrando, mais uma vez, que o centro da
sociedade é o homem, pois a mudança não se deve à mulher mas, sim, ao seu pai). Essa
característica, porém, não só é comum aos Kaingang, mas, também, à todos os Jês.

Há, também, a separação entre a família constituída pelo homem, sua mulher e seus filhos
e a sua família de origem (avós, irmãs e irmãos, primos, etc): a primeira é denominada por “família
nuclear,” enquanto, a segunda, é chamada de “grupo doméstico.”. A família deve,
obrigatoriamente, compartilhar uma habitação, porém, o “grupo doméstico” não segue a mesma
regra: não é necessário compartilhar moradia, mas, sim, o mesmo território.

Os grupos domésticos também possuem subdivisão: locais e unidades político-territoriais.


Os grupos locais possuem relações de interdependência e de reciprocidade por parentesco,
enquanto, as unidades político-territoriais, correspondem à articulações abrangentes de grupos
locais.

A sociedade Kaingang atual


Apesar de ter sofrido modificações (devido aos processos de miscigenação cultural – por
vezes forçados), a sociedade Kaingang ainda é organizada semelhantemente ao seu modo
tradicional: para ser Kaingang, é ainda necessário ser filho de pai Kaingang.

O casamento entre Kingangues ainda é realizado de acordo com as duas metades Kamé e
Kairu, porém, atualmente, uniões desse povo com outras etnias é uma realidade. A isso, nomeou-
se “mestiços” aqueles nascidos da união entre um Kaingang e um branco, “misturados” filhos de
Kaingangues com indígenas de outras etnias, “indianos” os homens casados com mulheres
58

Kaingang e que decidem viver na e como tal a tribo e “cruzados” os filhos de mãe Kaingang e pai
branco e que não falam a sua língua de origem. Normalmente, os homens passam a morar com a
família da esposa após o casamento, porém, algumas exceções (de casais que constituem a própria
casa) são comuns: é importante lembrar que, apesar de morarem em casas separadas, o casal deve
permanecer no domínio da família, caso contrário, são expulsos da Tribo.

As nomenclaturas “família nuclear” e “grupo doméstico” hoje, são substituídas por


“Aldeias” e “Terras Indígenas.”. Há, ainda, a estabilidade de um sistema altamente hierárquico
entre os Kaingangues: As maiores autoridades são o cacique e o vice- cacique. Tradicionalmente,
os indivíduos deveriam pertencer à metades diferentes, podendo, entretanto, interferir nas decisões
de repreensão apenas competentes ao seu lado. Atualmente, esse modelo não é seguido por todas
as tribos.

O cacique e o vice – cacique são os responsáveis por todas as decisões políticas, sociais,
de justiça e ética da tribo. O poder do cacique, por exemplo, deve ultrapassar os limites indígenas,
sendo comum tê-los concorrendo às eleições municipais. Existe, também, um conselho chamado
de “Liderança,” responsável por ajudar na tomada de decisões complexas na tribo. Segundo
estudos realizados entre os anos de 2000 e 2003, concluiu-se que há uma autoridade – política a
cada seis famílias Kaingang.

As eleições para cacique são contadas com votos de “grãos” (grãos de alimentos
específicos são utilizados para contagem – como o milho) e somente é permitido votar homens
maiores de 15 anos. O cacique é quem escolhe a sua equipe (vice – cacique e conselheiros) e é
candidato através de articulações entre as famílias de prestígio da Tribo.

Para casos de infração, os Kaingang possuem um sistema de cadeia, que, normalmente,


não ultrapassa os três dias de punição. Casos mais leves podem ser resolvidos com a prestação de
serviços para a comunidade, porém, com o aumento da gravidade da situação, o indivíduo pode
ser amarrado em uma árvore, privado de alimentação ou, nos casos mais graves, expulso.

Muitas vezes, as lideranças rígidas fazem com que os indígenas decidam abandonar a
Tribo para viver nas periferias dos centros urbanos.

Abaixo, um exemplo de hierarquia política utilizado pela terra indígena de Chapecó.


Fonte: Povos Indígenas no Brasil.

Tabela 5-Sistema hierárquico e político da terra indígena de Chapecó. Fonte: Povos indígenas no Brasil.
59

2.5 Desenvolvimentos econômicos e suas consequências


Neste capítulo, serão abordados os desenvolvimentos econômicos das cidades de
Farroupilha e Erechim, bem como, o de suas tribos. Assim, obter-se-á as consequências e
impactos destas relações nas comunidades indígenas.

Desenvolvimento econômico da tribo Kaingang - PÓ NÃNH


MÁG e da cidade de Farroupilha – RS.
A cidade de Farroupilha, localizada no estado do Rio Grande do Sul e na região metropolitana da
Serra Gaúcha, sendo, atualmente, a terceira maior sede populacional da região, destaca-se pelo
desenvolvimento econômico industrial, o que pode ser constatado através dos traçados das grandes
vias, pela presença de fábricas e pela arquitetura predominantemente vertical dos prédios. (Kanaan,
2008).

Figura 30- A cidade de Farroupilha. Fonte: Google.

A intensificação de imigrantes na região de Farroupilha se deu por volta do século XVIII,


com a vinda de milhares de imigrantes da Itália instalando-se inicialmente em Nova Milano e
posteriormente abrangendo outros distritos.

No século XIX, mais famílias da ex-colônia Conde D ́Eu estabeleceram-se às margens do


rio Buratti com suas bem montadas serrarias. Eram famílias práticas nesse serviço, por terem sido
empregados em serrarias dos alemães. Serrados os pinheiros locais, em 1913, montaram modernas
serrarias em Vicentina. Esses serradores, e mais outros, foram o suporte do progresso econômico
da região (Gasperin, 1989, p. 150).
60

O processo de fixação dessa sociedade colonizadora se fortaleceu com a construção da


estação férrea denominada “Nova Vicenza”, surgira um novo núcleo habitacional.
Posteriormente, a estrada Júlio de Castilhos que iniciava em São Sebastião do Caí, passava por
Nova Milano, seguindo até Antonio Prado, proporcionou mais força à expansão do novo núcleo
urbano (Vieira, João C. C., 2012).

Figura 31- A rota da cidade de Farroupilha. Fonte: Google.

Com o crescimento econômico subsequente desses acontecimentos houveram, neste


período, diversas movimentações para a emancipação da cidade e, em 1934, foi decretada a
emancipação política da sede de Farroupilha.

Na década de 1970, durante o regime militar, período denominado de “milagre


econômico”, muitas foram as iniciativas no intuito de possibilitar o crescimento industrial da
região, pois todo o país entrava em seu maior crescimento econômico da história do Brasil.
Elevando seu PIB em 11,1 % ao ano (Vieira, 2012; Veloso et, al. Giambiagi 2008, p. 222).

Atualmente a atividade econômica da cidade de Farroupilha é forte em diversos pontos,


como o comércio, onde se destacam as redes de lojas de móveis e eletrodomésticos. O destaque
maior se dá às inúmeras indústrias metalúrgicas, de papéis e papelão, indústrias têxteis, as
61

muitas malharias, indústrias moveleiras e de sucos, as vinícolas e a indústria e comércio de


ferragens.

Gráfico 1-Atividade Industrial de Farroupilha. Fonte: Portal da Prefeitura de


Farroupilha RS.

Atualmente, o município é considerado a Capital Nacional da Malha, assim como o maior


produtor de kiwi do país e o maior produtor de uvas Moscatéis do Brasil. A área territorial é de
359,30 km2, dos quais, 318,98 km2 são zonas rurais.

Em 2017, o Produto Interno Bruto – PIB - totalizou a importância de R$ 3.161.846,90, ou


seja, renda per capita de R$ R$ 45.466,72.

A população farroupilhense é majoritariamente de ascendência italiana. No entanto, outras


etnias também compõem a população em menor quantidade, como os alemães, poloneses,
portugueses, espanhóis, africanos e indígenas.

Em 2010, a cidade de Farroupilha/RS contou com 63.635 habitantes, apresentando


densidade demográfica de 176,57 habitantes por quilômetro quadrado. A zona urbana representa
86,51% do município.

Gráfico 2-População de Farroupilha. Fonte: IBGE


62

Já o início da cultura e a existência indígena Kaingang, na cidade de Farroupilha, despõem


de correlações derivadas da Tradição Jê/Taquara muito antes da vinda dos europeus à América do
Sul. Sendo alterada conforme a cronologia histórica e temporal ao longo dos séculos.

A Tradição Jê/Taquara, segundo historiadores e arqueólogos, é a denominação da


semelhança entre traços marcantes como: cerâmica com característica pequena, composta de potes
e tigelas, impressos de decorações variadas, em que são facilmente perceptíveis de cestaria,
depressões regulares produzidas por pontas de vários formatos, ou das unhas, incisões lineares
etc. A identificação da tradição é feita principalmente pela cerâmica sendo explicitamente
divergente de tradições como Tupiguarani (Schmitz et al., 2006;Invernizzi, Marina, 2017).

Os trabalhos de engenharia de terra são característicos da Tradição Jê/Taquara. São


encontradas casas subterrâneas, galerias nas encostas dos morros, taipas fechando espaços à
semelhança de fortificações, terraços de terra e pedra, além de montículos mortuários e/ou
cerimoniais (Silva, 2001; Invernizzi, Marina, 2017).

Estudos apontam que os séculos ao redor do tempo de Cristo


levam a existência em todo o planalto brasileiro e territórios
lindantes transformações como difusões de elementos
culturais referentes à domesticação de plantas e animais,
cerâmica, construção de habitações, organização social e
política, e provavelmente migrações de populações,
portanto é neste processo que surge a tradição Taquara
(Invernizzi, Marina, 2017).
63

Devido às alterações involuntárias da cultura indígena local, a construção da sua estrutura


econômica torna-se idêntica a Tradição Taquara. Assim, como também as suas formas de
assentamento, o padrão artesanal e que se estende por todo o planalto sul-brasileiro.

Estudos sobre o tema respondem a preferência da tribo à região do Rio Grande do Sul, por
meio de afirmações da grande disponibilidade da caça, pela variedade das paisagens, e os frutos e
sementes locais oriundos da terra, como o pinhão.

Tratando-se dos recursos alimentares, segundo Becker


(1975), pouco variou através dos séculos, sendo que o
principal alimento dos “Guaianá”, consistia nos produtos
da caça e colheita de frutos silvestres. Eram rudimentares
agricultores, plantando especialmente milho e mandioca,
atribuindo ao pinhão uma função nutricional e ecológica
importante ao grupo (Invernizzi, Marina, 2017).

Analisando diversos aspectos de semelhança, podemos destacar não só a existência


indígena nesta terra séculos antes da chegada dos europeus à cidade de Farroupilha (de acordo
com vestígios, entre os séculos VI e XIV), como também, seus respectivos primórdios de
desenvolvimento econômico.

Neste mesmo contexto, observa-se que o impacto da colonização na sua economia foi
muito menor em comparação a outros grupos, pelo fato da disposição das aldeias formarem
núcleos dispersos.

“A formação de núcleos dispersos os tonava menos visíveis,


também pela sua menor experiência agrícola os tornava
menos aptos para a economia colonial; em consequência
disso nem os representantes das missões, nem os das
fazendas, conseguiram desorganizar completamente a
cultura e a vida tribal” (Schmitz; Becker, 2006, p.86).

Enquanto a expansão econômica e industrial de Farroupilha continuava em níveis elevados


de crescimento, a tribo local permanecia em seu próprio modo de desenvolvimento econômico:
praticavam o plantio e a colheita, a caça e a pescaria. Atualmente a tribo kaingang da Pãnónh Mág
tem como principal fonte de renda o artesanato, derivado da fusão dos conhecimentos Kaingang
ao longo das décadas.
64

Figura 32- Artesanato Kaigang. Fonte: Comunidades Indígenas Kaingang.

Desenvolvimento econômico das tribos Kaingang, na cidade de


Erechim, RS.
A cidade de Erechim, localizada ao norte do Rio Grande do Sul, a trezentos e sessenta
quilômetros da capital do estado, Porto Alegre, foi fundada em 1908. Inicialmente denominada
Paiol Grande, um pequeno povoado colonizado por imigrantes poloneses, alemães e italianos
vindos das “Terras Velhas” (Caxias do Sul), que logo torna-se distrito de Passo Fundo.

Figura 33- Localização de Erechim RS. Fonte: Google.


65

Com o crescimento do povoado e de sua economia baseada no comércio, nos serviços, mas
principalmente na agricultura e pecuária, em 30 de abril de 1918, através do Decreto nº 2343,
assinado por Borges de Medeiros (então governador do Estado do RS) o município de Erechim
fora emancipado.

“A origem do nome de Erechim remete aos antigos


habitantes indígenas da região”. (Prefeitura
Municipal de Erechim)

“O nome Erechim, de origem Caingangue, significa


"Campo Pequeno", provavelmente porque os campos
eram cercados por florestas”. (Prefeitura Municipal
de Erechim)

No ano de 2019, a cidade possuía 107.001 habitantes sendo, aproximadamente, 49%


homens e 51% mulheres.

Tabela 6- População por gênero na cidade de Erechim. Fonte: Prefeitura de Erechim.

Quanto à divisão populacional por zona de habitação, em 2013, cerca de 82.026 pessoas
viviam na zona urbana e 14.761 na zona rural. Logo, no ano de 2019, os habitantes da zona rural
diminuíram em, aproximadamente, 58% com relação aos dados anteriormente citados.
66

Gráfico 3-População por zona de habitação, Erechim. Fonte: Prefeitura de Erechim.

Gráfico 4-Dado estatístico contabilizado por SEBRAE, apresentado


em Perfil demográfico de Erechim. Fonte: Prefeitura de Erechim.

Quanto à composição populacional, no ano de 2000 Erechim era composta por 78.056
brancos (86,40%); 9.983 pardos (11,05%); 2.028 pretos (2,24%); 132 indígenas (0,15%); 55
amarelos (0,06%); além dos 93 sem declaração (0,10%). Neste ano, a cidade possuía cerca de
67

90.347 habitantes, sendo apenas 132 indígenas, o que corresponde à 0,15% da população total,
como anteriormente afirmado.

Tabela 7- População Indígena de Erechim. Fonte: Prefeitura de Erechim.

Economicamente, a cidade é caracterizada pela prevalência do setor industrial, seguido


pelo setor terciário e primário (em ordem de maior à menor representatividade). No setor
industrial, contabilizaram-se 700 empresas de porte variado responsáveis por 37,96% da
arrecadação municipal. Conseguinte, o setor terciário, com 17,85% e, finalmente, o setor primário,
responsável por 6,39% desta arrecadação. É válido enfatizar o crescimento do setor de prestação
de serviços que, em uma década, duplicou sua porcentagem econômica, atingindo a marca de
39,16% da arrecadação total do município.

O grande salto de uma economia majoritariamente extrativista e pecuarista para uma


economia baseada na indústria, deu-se a partir da expansão do Parque Industrial e, também, pela
migração dos agricultores para a Zona Urbana, conforme informado nos gráficos 3 e 4, na página
anterior.

“Também deriva da perda de pecuaristas e


agricultores, pois muitos migraram para a indústria,
como um novo modo para enriquecer-se”.
(Prefeitura Municipal de Erechim)

Entretanto, a população indígena da cidade, a qual pouco se possuem dados, trabalha em


minoria nestes setores.

“A base econômica do índio caigangue até o Século


XX foi a colheita de vegetais espontâneos,
especialmente o fruto da araucária, completada
68

pela caça e pesca”. (Prefeitura Municipal de


Erechim)

Algumas tribos da região norte do estado, como as localizadas nas cidades de Charrua e
Nonoai, caracterizam-se pelo extrativismo, agricultura de subsistência e trabalho associativo,
além do artesanato. Contudo, os Caingangues situados em Erechim, tem como base econômica o
artesanato.

Para garantir a renda e o sustento, muitas famílias partem de suas aldeias até os centros
urbanos para vender o artesanato, comumente balaios, cestas e “filtros dos sonhos”,

por eles produzidos.

O “filtro dos sonhos”, também chamado de “Caçador de Sonhos” ou “Espanta


Pesadelos”, além de ser um produto gerador de renda, tem grande representatividade cultural à
esse povo Caingangue, assim como à todas as demais tribos indígenas. De acordo com os sites
Significados e Artesanato Indígena, esse objeto é um amuleto típico da cultura indígena, que
surgiu a partir de tribos norte-americanas e espalhou-se por todo o continente. Diz-se que ele
tem o poder de purificar as energias, trazer sorte e sabedoria àquele que o possui.

Figura 34-Indígenas vendendo artesanato na estação de trem desativada na cidade de Erechim.


Fonte: G1.

A cidade caracteriza-se, com relação aos indígenas, pela escolarização.

Dentro das aldeias, existem classes sociais, onde alguns são mais sucedidos que outros,
afinal, alguns trabalham em frigoríficos ou, aqueles mais escolarizados, nos postos de saúde da
aldeia.

2.6 Sistema educacional brasileiro indígena


69

O primeiro contato “educacional” aos indígenas se iniciou nos primórdios da


colonização através da catequização, o qual fora muito mais conduzido à religião católica do que
às habilidades conhecidas hoje como básicas (leitura, escrita, interpretação e cálculos).

Ao longo do processo evolucional do país, já com o predomínio total da colonização,


houve pouquíssimos incentivos à educação básica aos nativos, uma vez que as linhas de
aprendizagem que predominavam se baseavam na língua portuguesa e em conhecimentos
europeus. Em momento algum houve a homogeneização das culturas, mas sim a predominância
de uma só: a colonizadora.

Desta forma, as tribos se disseminaram em lugares remotos, aldeias pequenas (de no


máximo 100 membros) e desenvolveram a sua própria linha de ensinamentos, as quais se
baseavam na cultura Kaingang e seus conhecimentos (língua, artesanato, etc).

A partir dos anos 2000 algumas universidades implementaram (através de decreto


estadual) as cotas raciais, indígenas e as sociais em 50% nos seus vestibulares, a fim de maior
inclusão dessas classes, as quais anteriormente lutavam pelas vagas de iguais para iguais.

No entanto, somente em 2012 foi criada uma lei que obriga as instituições de ensino
superior federais a reservarem vagas para indígenas que estudaram na rede pública, a chamada
Lei de Cotas (Lei 12.711). Nessa lei também são beneficiados negros e pardos de escolas públicas.

De acordo com a Lei, o número de vagas reservadas para indígenas, negros e pardos (todos
oriundos de escolas públicas), deve ser proporcional a quantidade das outras etnias em 50%.

Segundo dados do IBGE realizado em 2010, a população brasileira soma 190.755.799


milhões de pessoas, desse total 817.963 mil são indígenas, representando 305 diferentes etnias.

Ainda segundo dados do Inep, no ano de 2017 nas “Matrículas nos Cursos de Graduação
Presenciais e a Distância, por Cor / Raça, segundo a Unidade da Federação e a Categoria
Administrativa das IES – 2017” a população indígena somou 56.750 mil do total de cotas
disponibilizadas, aproximadamente 8.286.663 milhões, em universidades federais, estaduais,
municipais e privadas em todo o Brasil, conforme mostra a figura a seguir:

Tabela 8- Senso de educação superior. Fonte: INEP.

Sistema educacional brasileiro indígena- Farroupilha RS


Em parâmetros educacionais a cidade de Farroupilha dispõe de 24 escolas de educação
infantil, sendo, 9 particulares filantrópicas, 1 particular comunitária, 14 privadas e 1 privada
70

gratuita. A oferta de ensino médio se dá a partir de 4 escolas da rede estadual de ensino (sendo
que uma atende apenas o noturno), um Instituto Federal e duas escolas particulares. Na questão
acadêmica, conta com três Instituições, duas particulares e uma federal (lei municipal nº 4.125,
de 10 de junho de 2015).

Em 2014, a Educação Infantil, de acordo com a Secretaria Municipal de Educação –


SEDUC, atingiu um total de 2.747 crianças. Destas, 1.258 da Etapa Creche e 1.489 da Pré-escola.

Tabela 9- Quadro Educação Infantil. Fonte: SEDUC.

Tabela 10- Quadro de Atendimentos. Fonte: SEDUC.

Observando os dados, podemos afirmar um maior preparo educacional da cidade nas fases
iniciais do desenvolvimento da criança, bem como incentivos para a capacitação dos profissionais
nessa área.

A complementação do ensino se dá através de diversos incentivos e auxílios às crianças e


famílias que se encaixarem nos pré-requisitos, veja:

“- Benefício para Superação da Extrema Pobreza na


Primeira Infância, Brasil Carinhoso (BSP) criado em 2012,
pago às famílias com crianças de zero a seis anos, que
mesmo recebendo benefícios financeiros do PBF continuam
em situação de pobreza extrema;

- RS MAIS RENDA , programa que objetiva reduzir os índices de vulnerabilidade social


no Rio Grande do Sul e estimular a continuidade dos estudos no Ensino Médio,
complementando a renda das famílias beneficiadas pelo PBF; a concessão desta
complementação, está condicionada à frequência do aluno; alunos beneficiados deverão ter
71

frequência superior a 75%; os dados são coletados bimestralmente, seguindo o calendário


utilizado para o acompanhamento da frequência escolar dos alunos beneficiários do PBF.

Além de contar com programas como: o Programa Nacional de Alimentação Escolar


(PNAE), Programa Nacional do Transporte Escolar (PNATE), Programa Estadual do Transporte
Escolar (PEATE), entre outros.

Segundo dados do FNDE, 2014, 11.644 alunos foram contemplados no Programa Nacional
de Alimentação Escolar (PNAE), em Farroupilha. A alimentação é municipalizada, ou seja, o
Município assume, perante o FNDE, o compromisso de atender os alunos matriculados na rede
estadual de ensino. Na Etapa Creche o valor é repassado em dinheiro à Fundação Nova Vicenza
de Assistência, nas demais etapas e em todas as modalidades da educação a forma de gestão é
centralizada (lei municipal nº 4.125, de 10 de junho de 2015). Veja:

Tabela 11- Educação atendida pelo PNAE. Fonte: Censo Escolar.

O quadro acima é de extrema importância neste estudo, pois podemos observar a anulação
do nível de auxílio alimentar para escolas indígenas nas fases iniciais do desenvolvimento infantil.
Podendo afirmar a hipótese de que as crianças nativas não frequentam as etapas da creche e pré-
escola. No entanto, ainda que em número muito menor, frequentam o ensino fundamental e médio.

Com 3 instituições de ensino superior, Farroupilha está localizada junto ao polo regional
na área educacional. Esse contexto tem como base uma forte rede de ensino pré- escolas, Ensino
Fundamental, Ensino Médio e educação profissionalizante, que atendem à diversidade da
economia local nos setores de comércio, serviço e indústria (lei municipal nº 4.125, de 10 de junho
de 2015).
72

“O direito de igualdade foi uma das premissas da


Constituição Federal de 1988, para conceber o acesso
ao ensino público gratuito à todas as pessoas. É
possível observar avanços no país nas últimas
décadas, mas ainda não suficientemente para
diminuir a exclusão, o fracasso e a reprodução das
desigualdades sociais e econômicas” (lei municipal
nº 4.125, de 10 de junho de 2015).

A população indígena do Município de Farroupilha é de 88 índios da tribo Kaingang, onde


21 deles são estudantes, sendo 13 deles no Ensino Fundamental dentro da reserva indígena, na
Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental Nivo (INEP/2014).

No ensino médio e superior, o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio


Grande do Sul (IFRS) passou a oferecer um modelo de seleção próprio para estudantes indígenas.
Em 2020 foram ofertadas 294 vagas em cursos gratuitos, para ingresso no primeiro semestre de
2020 nos 17 campi: Alvorada, Bento Gonçalves, Canoas, Caxias do Sul, Erechim, Farroupilha,
Feliz, Ibirubá, Osório, Porto Alegre, Restinga (POA), Rio Grande, Rolante, Sertão, Vacaria,
Veranópolis e Viamão.

Figura 35- Capa da Campanha Publicitária do IFRS- Farroupilha. Fonte: IFRS.


73

Segundo o pró-reitor de Ensino, Lucas Coradini, a instituição entende existir uma dívida
histórica do Estado brasileiro com os povos indígenas no que diz respeito à garantia dos seus
direitos constitucionais, dentre os quais, o direito à educação. O IFRS já oferece cotas para
estudantes autodeclarados indígenas em seu processo seletivo de estudantes convencional, as
denominadas cotas PPI – destinada a pretos, pardos e indígenas. No entanto, percebeu-se que os
indígenas concorrem em desvantagem com os demais candidatos em razão das diferenças
culturais, das distintas formas de socialização e escolarização em suas comunidades, e do
isolamento social e geográfico ao qual comumente estão submetidas essas comunidades, o que
requer um olhar diferenciado da instituição para esse público (IF- RS, 2019).

Sistema educacional brasileiro indígena - Erechim RS


Por mais que haja escolas de educação infantil, fundamental e ensino médio exclusivas
indígenas em Erechim, a cidade caracteriza-se pela significativa presença de nativos no ensino
superior. Isso, por conta do projeto PIN (Programa de Inserção Indígena) idealizado pela
Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), no ano de 2012.

Com o intuito de promover a inclusão social e étnica


e buscar alternativas viáveis para o acesso e a
permanência de indígenas na educação superior,
bem como seu envolvimento nas atividades de ensino,
pesquisa e extensão, em junho de 2012 foi instituída
uma comissão responsável pela elaboração da
política indígena da Universidade da Fronteira Sul
(UFFS). A comissão tinha como propósito o diálogo
com as comunidades indígenas da região de
abrangência da UFFS e com as entidades e os
órgãos públicos que as representam. Depois de
amplo debate institucional, a partir das demandas e
expectativas dessas comunidades, foi elaborado o
Programa de Acesso e Permanência dos Povos
Indígenas (PIN) da UFFS que se constitui em
instrumento de promoção dos valores democráticos,
de respeito à diferença e à diversidade
socioeconômica e étnico-racial, mediante a adoção
de uma política de ampliação do acesso aos seus
cursos de graduação e pós-graduação e de estímulo
74

à cultura, ao ensino, à pesquisa, à extensão e à


permanência na Universidade. (Universidade
Federal da Fronteira Sul)

Figura 36-Imagens aéreas da Universidade Federal da Fronteira Sul, Campus Erechim. Fonte: UFFS.

Para ingressar nos cursos superiores, os indígenas passam por um Processo Seletivo
Exclusivo Indígena, no qual, são destinadas duas vagas suplementares a cada curso de Ciências
da Natureza, excetuando-se aqueles em que a instituição não possui autoridade para ofertar. Além
disso, na pós-graduação, são reservadas duas vagas nos cursos lato sensu (pós-graduação com
carga horária de, aproximadamente, 360 horas em que confere um certificado e não exige grandes
projetos de pesquisa) e stricto sensu (curso que confere diploma e título (mestre ou doutor), exige
a realização de grandes projetos de pesquisa) à aqueles autodeclarados indígenas que passaram
pelo processo de seleção.

Ao adentrar na graduação, nas primeiras aulas é realizado um resgate da formação dos


indígenas para que, após, sejam iniciados oficialmente os estudos do curso superior.

Para garantir a permanência do estudante


indígena ingressante na Universidade foram
previstas as seguintes ações: apoio
acadêmico; atenção à formação político-
social do acadêmico; promoção da educação
das relações étnico-raciais a estudantes,
docentes e técnicos-administrativos nos
diferentes âmbitos da vida universitária;
75

celebração de convênios e parcerias com


órgãos públicos federais, estaduais e
municipais; apoio financeiro; adoção de uma
política de moradia estudantil. Como forma
de garantir o bom andamento do programa,
para fins de acompanhamento das ações
implementadas, foram constituídas uma
comissão geral e uma comissão local em
cada campus. (Universidade Federal da
Fronteira Sul)

Ademais, a universidade oferta a todos os estudantes nativos o Auxílio à Permanência dos


povos Indígenas, o qual, refere-se a uma ajuda financeira provisória que objetiva suprir as
necessidades de estudantes indígenas ainda não contemplados pelo Programa Bolsa Permanência
- PBP, do Ministério da Educação (MEC).

O PBP consiste no auxílio financeiro concedido, pelo MEC, a estudantes indígenas,


quilombolas e em situação de vulnerabilidade socioeconômica matriculados em instituições
federais de ensino superior. O valor, atualmente, é de R$ 900,00 para estudantes indígenas e
quilombolas e R$ 400,00 para os demais.

Logo, na instituição de ensino UFFS, o valor concedido é de R$600,00 aos discentes


cadastrados que atendem a todos os requisitos exigidos pelo Ministério da Educação, os quais,
não tiveram sucesso em sua inscrição no programa disponibilizado pelo mesmo. Aos estudantes
responsáveis legais por crianças de até 06 anos de idade, que residam no mesmo domicílio do
graduando, recebem R$690,00. Em caso de ambos os pais serem discentes da universidade, apenas
um terá direito ao recebimento do auxílio.

Para receber este benefício, é necessário que o estudante nativo não ultrapasse dois
semestres do tempo regulamentar do curso de graduação em que estiver matriculado;
obrigatoriamente, precisa ter assinado um Termo de Compromisso; e seu cadastro deve estar
devidamente aprovado e mensalmente homologado pela instituição federal de ensino superior.
76

5 DAS INSCRIÇÕES, RESULTADOS E PAGAMENTOS

[...] 5.2 Estará apto a solicitar o auxílio, o estudante que:

I - Estiver regularmente matriculado em curso de graduação da UFFS;

II - Comprovar sua situação de indígena.

5.3 Os documentos a serem apresentados pelo estudante no momento de sua inscrição são:

I - Termo de Compromisso Assinado;

II - Comprovante de conta-corrente individual em situação ativa;

III - Autodeclaração;

IV - Declaração de Pertencimento Étnico e de Anuência da Comunidade Indígena;

V - Declaração da Fundação Nacional do Índio (Funai) de que o estudante reside em


comunidade indígena ou comprovante de residência em comunidade indígena;

VI - Ficha de inscrição. (Edital Nº 110/GR/UFFS/2020)

Fora realizada uma entrevista virtual com o professor mestre da UFFS, Jerônimo Sartori,
residente na cidade de Erechim e um dos coordenadores do Programa de Inserção e Permanência
Indígena da instituição. Aplicou-se, portanto, um questionário acerca do objetivo, aceitação por
parte dos estudantes não indígenas e impactos na vida econômica e social dos beneficiados.
77

Figura 37- Questionário aplicado a UFFS. Fonte: Grupo.

Segundo o entrevistado, no primeiro ano de funcionamento do projeto (2013) não houve


indígenas participantes, todavia, no ano seguinte, 8 indígenas matricularam-se na instituição.
Atualmente, o projeto atende a 127 alunos, formando 5 turmas exclusivas indígena.

O professor afirma que os indígenas foram historicamente aleijados de projetos de inserção


social e, conseguinte a isso, teve-se de adaptar o material didático e o regime de estudos de acordo
com as necessidades dos mesmos. Entretanto, com relação à população predominante na
universidade, os tempos de aprendizagem são diferentes, isso decorre, principalmente, da
diferença de língua. As aulas são ministradas em português, porém, a comunidade Caingangue
utiliza como língua oficial a nativa (Kaingang) e segunda língua o português, contudo, muitos não
são fluentes na língua portuguesa, o que dificulta a comunicação e o aprendizado.

Em decorrência desta situação, há altos índices de reprovações e evasão, entretanto,


Jerônimo afirma que é demonstrado muito interesse, disciplina e persistência por parte dos
indígenas.

A aldeia é situada distante do campus da UFFS, portanto, durante o período de estudo


intensivo, onde é necessária permanência em tempo integral na instituição, os estudantes abrigam-
se em hotéis, pousadas, casas de amigos não nativos, no auditório da universidade ou no galpão
cedido pelo Sindicato dos Metalúrgicos de Erechim.
78

Quanto ao primeiro contato da população não indígena com o programa e com os nativos,
segundo o professor, houve tentativas de cancelamento do projeto e muito preconceito.
Atualmente, todos estão adaptados e conseguem viver bem com as diferenças étnicas e culturais,
respeitando-se e vivendo em harmonia.

Ao concluir o curso, o estudante é intitulado como graduado em Licenciatura


Interdisciplinar em Educação do Campo: ciências da natureza (com estágio em gestão de escolas).
Em grande maioria dos casos, após o término, o graduando procura atuar nas escolas da aldeia.
Caso não haja vaga, ele atua nas demais instituições de ensino da cidade e, até mesmo, em postos
de saúde e demais estabelecimentos da aldeia.

Para ser professor do projeto PIN, são exigidos licenciatura e mestrado em educação ou
ensino de ciências.

No ano de 2020, a Universidade Federal da Fronteira Sul em parceria com as comunidades


indígenas, propõe a criação de um campus indígena. Este fora solicitado pelas lideranças nativas,
com intuito de contribuir à superação das fragilidades apresentadas por esses grupos e oferecer
um futuro melhor às novas gerações.

Para além desse programa, a UFFS, junto com as comunidades


indígenas, está propondo a criação de um Campus Indígena
destinado, exclusivamente, a alunos indígenas autodeclarados e
reconhecidos pelos órgãos competentes, a ser implantado em
território indígena da região de abrangência da Universidade. A
implantação de um Campus Indígena é uma ação afirmativa de
resgate, promoção e valorização da cultura, das práticas
produtivas e comerciais, das relações sociais, dos perfis
institucionais e da defesa territorial dos povos indígenas.
(Universidade Federal da Fronteira Sul)

Ainda, o professor afirma que os nativos acadêmicos sentem-se felizes na universidade.


“Aparenta que querem se inserir na sociedade, ter os mesmo direitos que os não indígenas. Eles
também tem sonhos”, cita Jerônimo.
79

2. 7. Desenvolvimentos sociais e suas consequências


Nesta etapa da metodologia, serão abordados os desenvolvimentos sociais da tribo
Kaingang Pó Nãnh Mág (providos da influência da cultura farroupilhense) e das tribos Kaingang
oriundas das cidades de Benjamin Constant do Sul, Cacique Doble, Charrua, Constantina,
Engenho Velho, Erebango, Getúlio Vargas, Gramado dos Loureiros, Iraí, Liberato Salzano,
Nonoai, Planalto, Rio dos Índios, Ronda Alta, Sananduva e Seara, com enfoque nas influências
sociais da cidade gaúcha de Erechim, cujo curso Interdisciplinar em Educação do Campo:
Ciências da Natureza remeteu à um processo de miscigenação cultural entre as populações
indígena e não - indígena.

Anteriormente á eles, contudo, será realizado um resgate histórico dos primeiros contatos
entre os europeus e os povos indígenas, a fim de embasar comportamentos atuais com base em
processos históricos. Para tanto, fara-se-à uso de imagens e documentos, de modo a melhor
explicitar o assunto em questão.

De volta á 1500: o que aconteceu após a chegada dos europeus


ao país?

Figura 38-Primeiro contato entre os portugueses e os indígenas. Fonte: Google.


Na imagem acima, tem-se o primeiro contato entre os portugueses e os indígenas
brasileiros. Nele, os últimos mostraram-se amistosos e receptivos aos visitantes. Por vezes,
sentiram medo de alguns de seus pertences (como as próprias galinhas) e entusiasmaram-se com
artefatos desconhecidos (como o espelho). Acreditavam serem os europeus deuses vindos pelo
mar.
80

Figura 39-Visão dos europeus aos rituais da cultura indígena. Fonte: Google.

A segunda imagem retrata a visão dos europeus aos rituais da cultura indígena:
antropofágicos, praticavam o canibalismo. Entretanto, esta relação não se dava ao desejo carnal
humano e, sim, as superstições destes povos: alimentavam-se de corpos de entes queridos e
partidos ou, então, de guerreiros ou prisioneiros de grande estima. Assim, a alma destas pessoas
seria repassada aos que se alimentassem dela. Para os europeus, que queimavam e festejavam a
morte de mulheres acusadas de bruxaria (durante a Santa Inquisição), ironicamente, tal ritual lhes
pareceu diabólico, tanto que o retratavam exageradamente e representavam os indígenas, muitas
vezes, com rostos e corpos destorcidos, como monstros.

Figura 40-Os 30 primeiros anos da história do país. Fonte: Google.


81

O mapa acima representa os 30 primeiros anos da história do país após o seu “achamento”
pelos europeus (por já ser ocupado, o termo “descobrimento” é errôneo e será melhor abordado
posteriormente). Nele, parte do território já havia sido dividido pelos portugueses e, os indígenas,
eram os responsáveis pela extração do Pau-Brasil para ser levado á Europa. Sua tinta, de cor
avermelhada, era utilizada para a tintura de tecidos dos nobres da época.

Os nativos, em troca de seu trabalho, recebiam as chamadas “bugigangas”: pedaços de


espelhos, materiais de uso na terra, colares, pulseiras, entre outros. Eram superexplorados pelos
europeus, que tinham o custo de, apenas, transportar as árvores de um continente para o outro.
Este é o primeiro ciclo econômico do país, antes da colonização efetiva. Seu lucro foi altíssimo
para a Corôa Portuguesa que, entretanto, ainda mantinha esperanças de encontrar metais preciosos
na nova terra.

Figura 41-Pau-Brasil. Fonte: Google.

Assim que as invasões estrangeiras foram tamanhas a fugir do controle português,


combinado a expulsão judaica do país e dos movimentos de Reforma na Europa (bem como a
vulgarização das especiarias indianas), Portugal decide colonizar o Brasil e fazer da terra seu
sustento. Assim, são enviados, dentre outras pessoas, grupos de padres com a função de Catequizar
a população indígena. Os que iam contra, eram assassinados ou escravizados.

Segundo relatos de Pero Vaz de Caminha, escrivão da primeira esquadra portuguesa em sua carta
ao Rei Dom Manuel de Portugal,

“Se os degredados, que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala
e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa intenção de
Vossa Alteza, se hão de fazer cristãos e crer em nossa santa fé, à
qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque, certo, esta gente é
boa e de boa simplicidade. E imprimir-se-á ligeiramente neles
qualquer cunho, que lhes quiserem dar. E pois Nosso Senhor, que
lhes deu bons corpos e bons rostos, como a bons homens, por aqui
nos trouxe, creio que não foi sem causa. Portanto Vossa Alteza, que
tanto deseja acrescentar a santa fé católica, deve cuidar da sua
salvação. Eprazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim.”.
82

Assim, fundaram-se as Missões Jesuíticas, espaços dedicados à catequização indígena.


Dentre os mais famosos Padres a fazê-lo, destaca-se José de Anchieta (1534-1597), missionário
jesuíta espanhol, que catequizou muitos indígenas.

Figura 42-José de Anchieta (1534-1597). Fonte: Google.

Apesar dos esforços indígenas, a força bélica do homem branco ainda era muito maior.
Deste modo, poucos resistiram á colonização e, os poucos que o fizeram, tiveram (e ainda tem)
que lutar por direitos que lhes pertencem, por dívida histórica.

Tabela 12- Queda da população indígena no Brasil. Fonte: Google.

O gráfico acima ilustra a drástica diferença (queda) da população indígena no Brasil:


somente nos 70 primeiros anos de ocupação europeia no país, a população total diminuiu de
3.000.000 habitantes (entre o litoral e interior) para 1.200.000 indivíduos – uma queda de

Além disso, muitas mulheres indígenas foram sexualmente violentadas pelos europeus.
Com isso, atualmente, pode-se notar campanhas e iniciativas que promovem a conscientização
da real história do Brasil, vangloriar ou romantizar a realidade da miscigenação cultural.
83

Figura 43- O Brasil nasceu do estupro. Fonte: Google.

Figura 44- A missiginação não foi pacífica. Fonte: Google.

As imagens acima representam alguns dos protestos realizados pela conscientização da


história do país e pela luta dos direitos indígenas.

Assim, conclui-se que os primeiros contatos dos povos indíegenas com a população
europeia não foi amigável ou pacífica, uma vez que resultou em processos de extinção etnológicos
e de aculturação, importantes para as reflexões a seguir, que abordam os desenvolvimentos sociais
de tribos Kaingang nas cidades de Farroupilha e Erechim.
84

Desenvolvimento social da tribo Kaingang - PÓ NÃNH MÁG e


suas influências e processos de miscigenação e aculturação para
com as populações não – indígenas de Farroupilha (RS)
“Berço da Imigração Italiana no Estado do Rio Grande do Sul” – é
assim que é conhecida a cidade de Farroupilha, localizada à 90 km da capital do estado (Porto
Alegre) e pertencente a região metropolitana da Serra Gaúcha. Terceira maior cidade da região,
conta com uma população de 72. 331 habitantes (aproximadamente) e área de 359,3 km².

Em 1875, chegavam à cidade as primeiras famílias colonizadoras: as de Stefano Crippa,


Tomazo Radaelli e Luigi Sperafico. Ironicamente, os imigrantes, desconhecendo o território,
foram auxiliados por um indígena, apelidado por “Luís Bugre,” na exploração do mesmo:
detectaram vastas áreas de terras inexploradas (mata virgem). Segundo dados constados no site
da Prefeitura de Farroupilha, na sessão “A Cidade,” o indígena era “semicivilizado”: aqui, abre-
se espaço para a discussão de preconceitos oriundos da intolerância racial. Afinal, dentro deste
contexto, civilizado é aquele que é culturalmente europeu? Tal reflexão será abordada
posteriormente.

Ainda sobre a fundação da cidade e o primeiro contato dos imigrantes para com a
população indígena local, pode-se destacar o apelido dado ao indígena que os ajudou no
reconhecimento da nova terra: “Luís Bugre.”. O termo “bugre” é oriundo de um movimento
herético da Europa, durante a Idade Média (também chamada de Idade das Trevas, uma vez que
a Igreja Católica Apostólica Romana condenava todo e qualquer ato de conhecimento para além
dos ditados por ela, dando início, assim, ao Tribunal da Santa Inquisição, movimento de extrema
intolerância e preconceito, que torturava até a morte os afrontosos da INCA). Os bugres eram os
indivíduos que iam contra os preceitos ditados pela Igreja, de modo a serem considerados
moralmente infiéis.

Assim foram denominados os indígenas brasileiros: aqueles que vivem no mato; de


cabelos escorridos; escuros sem ser negros; agressivos; desalmados e não civilizados.

Com isso, explicita-se o “eurocentrismo” com que foi fundado o Brasil: a soberania do
homem branco e católico, de posses materiais elevadas. Não somente na cidade de Farroupilha
como, também, em todo o país, os indígenas foram brutalmente massacrados, seja no sentido
físico e/ou etnológico.

Voltando ao contexto de fundação da cidade de Farroupilha, devido à dificuldades


encontradas com a terra inexplorada, os imigrantes passaram a adquirir alimentos na povoação de
Feliz (RS), de modo que o mesmo era custeado pelo Governo. A cidade ficava á 30 km de sua
nova terra.

Em 1876, com o objetivo de atrair mais imigrantes para a região, foram construídos
barracões destinados á recepção dos mesmos na cidade, chamados, posteriormente, de Nova
Milano. No mesmo ano, imigrantes oriundos de Vicenza, na Itália, instalaram-se na região, á 12
km
85

ao norte do Barracão (assim denominada inicialmente a região dos barracões) dando origem,
assim, á Nova Vicenza. A região, devido a boa localização, prosperou.

Já em 1910, construiu-se uma estrada de ferro que ligava a cidade de Caxias do Sul á
capital do estado (Porto Alegre). Tal acontecimento fez com o núcleo da cidade fosse transferido
de Nova Vicenza para o sul da mesma, em 1911, um ano após a construção da estrada. Com isso
(e com a chegada de novas pessoas para a região), Nova Vicenza tornou-se o centro comercial da
região.

Figura 45- Mapa de Nova Vicenza. Fonte: Google Maps.

Não coincidentemente, os indígenas que chegaram à cidade, conforme abordado em


“História da Tribo Kaingang - PÓ NÃNH MÁG, Farroupilha, RS,” instalaram-se no bairro Nova
Vicenza, a fim de vender seu artesanato. Assim, deu-se continuidade à cultura eurocêntrica que
fez com que as populações indígenas (expulsas do território durante o período colonizador), à ele
retornassem, anos depois, com relações subordinadas para com os então habitantes da terra.

Atualmente, a situação pouco muda: ao contrário, mostra-se ainda mais agravada. Apesar
de terem conquistado o direito á terra para assim, viverem de acordo com seus costumes e crenças,
a maioria dos indígenas da região necessita recorrer ao trabalho informal, vendendo artesanato,
nas ruas da cidade de Farroupilha e em outras próximas (como Caxias do Sul). Não há nenhum
tipo de movimento que promova a integração das culturas indígena e não – indígena no município,
exceto por algumas festas e celebrações promovidas pela comunidade PÓ NÃNH MÁG, abertas
para a população local.

É possível (e absurdamente normalizado), no centro de ambas as cidades, visualizar


mulheres indígenas e seus filhos, com placas pedindo por dinheiro e ajuda alimentícia, enquanto
estes estão sentados nas calçadas, com algumas peças postas à venda.

Outra dificuldade encontrada por estes povos é a língua: muitas vezes, poucos falam e
compreendem o Português, dificultando o contato verbal com a população urbana.

Entretanto, apesar de muitas inconveniências para o povo Kaingangue na cidade, em 2019


foram finalizadas as obras de oito casas mistas (de 35 metros quadrados) para o povo indígena,
86

de modo a promover-lhes melhores condições de vida. A ação foi movida após fortes chuvas na
região, que alagou casas e escolas na região. O município investiu (aproximadamente) R$ 100
mil.

Maria da Glória Menegotto, secretária de Desenvolvimento Social e Habitação, afirma que


ainda precisa ser realizado o término da rede elétrica pelo acordo entre o Ministério Público e
RGE (Rio Grande e Energia), bem como, efetuadas as obras de saneamento básico, pela Secretaria
Especial de Saúde Indígena. Há, ainda, um projeto já protocolado na capital do país (Brasília) para
fomentar a renda dos indígenas através do artesanato.

Segundo Maria, “isso (a construção de moradias) representa maior qualidade de vida para
o povo indígena. Fizemos casas mistas, poderíamos fazer somente casas de madeira, mas
preferimos casas mistas, boas e diferenciadas. Assim, hoje eles estão morando em um lugar
digno.”.

O cacique da tribo, Alexsander Candinho Ribeiro, afirma “Hoje é um dia de alegria por
estarmos recebendo essas casas. Todas as famílias que se mudaram para o lado de cima estão bem
abrigadas graças ao município.”.

Segundo dados da Prefeitura de Farroupilha, a aldeia conta com 133 indivíduos (entre
adultos e crianças) e 33 famílias. A maioria dos adultos trabalha na venda de artesanato, em
indústrias e em propriedades rurais.

Gráfico 5-População de Farroupilha. Fonte: Prefeitura de Farroupilha

Conforme mostrado no gráfico acima, a população indígena representa a menor quantidade


de habitantes no município.
87

Figura 46- Aldeia PÓ NÃNHMÁG. Fonte: Google.

Além disso, um dos mais notórios (e talvez curiosos) pontos da Aldeia - PÓ NÃNH MÁG,
é a Igreja que apresenta: Igreja Evangélica Assembléia de Deus. A cultura religiosa dos Kaingang,
originalmente politeísta, abre espaço para uma nova discussão: monoteístas, os evangélicos são
Cristãos, negam a existência de outros deuses e possuem características conservadoras.

Muito provavelmente, a influência dos moradores fora forte o suficiente para resultar na
construção de uma Igreja Evangélica na Aldeia. Conforme dados da Prefeitura de Farroupilha, a
religião Evangélica é a segunda mais praticada pelos farroupilhenses, perdendo, apenas, para a
Católica Apostólica Romana, como pode ser afirmado a seguir.

Figura 47- Religião Farroupilha. Fonte: Prefeitura


de Farroupilha.
88

Gráfico 6- Religiões Farroupilha. Fonte: Prefeitura de Farroupilha.


89

Figura 48- Igreja na Aldeia de Farroupilha. Fonte: Google.

Desenvolvimento social das tribos Caingangue, suas influências


e processos de miscigenação e aculturação para com as
populações não – indígenas de Erechim (RS)
Antes de se iniciarem as discussões sobre os desenvolvimentos sociais Kaingang na cidade
de Erechim (propriamente ditos), deve-se explicar a relação de tais tribos para com a cidade.
Conforme abordado em “História Caingangue no município de Erechim – RS,” a cidade gaúcha
possui relação completamente diferenciada para com os indígenas do que a encontrada em
Farroupilha, á aproximadamente 275 km.

Com a implementação do Curso Interdisciplinar em Educação do Campo: Ciências da


Natureza, a cidade, de colonização polonesa, italiana e alemã, passou a receber indígenas
Caingangue oriundos de cidades próximas, já citadas anteriormente. Algumas delas podem ser
visualizadas (em destaque) no mapa a seguir:

Figura 49- Visão geral via satélite de Erechim. Fonte: Google Maps.
90

Devido á este processo, Erechim tornou-se um município com maior interação entre as
populações indígena e não – indígena, de modo a passar por desenvolvimentos sociais
diferenciados ao restante do estado, que pouco (ou quase nada passou por isso).

A cidade foi colonizada em 1908 por um grupo de imigrantes vindo da região de Caxias
do Sul, sendo um Distrito de Passo Fundo. Em 1918, dez anos após a chegada dos primeiros
imigrantes, Erechim tornou-se município, caracterizado pela agricultura, pecuária, comércio e
serviços. É, ainda, a Capital da Amizade.

Já a Universidade Federal da Fronteira Sul, fundada em 2010, sendo uma instituição de


ensino superior pública. Três anos após sua criação, o Curso Interdisciplinar em Educação do
Campo: Ciências da Natureza, foi implantado no local.

Os estudantes, apesar de possuírem algumas de suas despesas custeadas pelo Governo,


muitas vezes, acabam por fazer amizade com estudantes não – indígenas da própria Universidade,
de modo a conseguirem, além de maior inclusão no local, abrigo durante os períodos de provas e
transporte para a UFFS.

Em entrevista com Prof. Dr. Jerônimo Sartori, um dos responsáveis pela implementação e
manutenção do Curso na UFFS, realizada em vinte e um de abril de 2020, o mesmo afirma ter
sido, inicialmente, uma experiência desafiadora tanto para a comunidade letiva, quanto para o
corpo docente: “Precisamos entender as necessidades deles e nos adaptar ao seu estilo de vida. Foi
uma experiência interessante.”.

Ainda, Jerônimo conta que, logo na implementação do Curso, as vestimentas dos indígenas
causavam certo estranhamento na população local: sempre coloridas e esvoaçantes. Hoje, segundo
ele, todos já estão acostumados.

Na Universidade, ocorrem apresentações dos grupos Caingangue para a população não –


indígena local, bem como a promoção de seus produtos manuais (artesanato). Como o Programa
é graduação tipo licenciatura, os estágios, muitas vezes, são realizados em escolas municipais, em
parceira com a Prefeitura.

“Acontece de, algumas vezes, as escolas serem um pouco


relutantes devido as adaptações necessárias no currículo –
uma vez que a licenciatura é interdisciplinar, acoplando as
disciplinas de física, química e biologia. Entretanto, nunca
houvera grandes implicações.”- conta Jerônimo.

De igual forma, os docentes podem atuar em escolas em suas próprias aldeias, muito
comum de acontecer: ao saírem para estudar, retribuem a oportunidade par cooperar com o seu
povo.
91

Figura 50- Adilson Gãrkapej(cnetro) é aluno do Curso Interdisciplinar em Educação do Campo: Ciências da Natureza- Licenciatura, no Campus Erechim.
Fonte: UFFS.

Figura 52- Eenãã, a mãe Angelita e a irmã Edinara deslocaram-se do RS para


Realeza com intençaõ de cursar Nurição e Letras. Fonte: UFFS.

Figura 51- Marli de Oliveira Tomás, estudante de letras- Português e Espanhol


da UFFS- Campus Chapecó diz que sacrifícios que faz valeu a pena. Fonte:
UFFS.
92

Não coincidentemente, o município de Erechim possui altas taxas de escolarização


fundamental – 97,9%, segundo dados do IBGE. Entretanto, a taxa de matrículas tem caído
conforme o passar dos anos: em 2007, foram 5.204 matrículas efetuadas, enquanto, em 2018, não
há registros. O número de matriculados no ensino fundamental também mostra significativa
queda: de 13.325 em 2007, obteve-se 10.953 em 2018.

Gráfico 7- Taxa de Escolarização. Fonte: IBGE.

Gráfico 8-- Taxa de Escolarização 02. Fonte: IBGE.


93

Gráfico 9- Mátriculas Erechim. Fonte: UFFS.

Apesar da iniciativa da UFFS, traços semelhantes aos encontrados no município de


Farroupilha com relação à convivência entre as populações indígena e não indígena, podem ser
também notados em Erechim. Novamente, para que tal relação possa ser compreendida nos dias
atuais, deve-se fazer um regate histórico dos Caingangues na região.

Segundo registros históricos, a região do Alto Uruguai já era habitada há (pelo menos) 10
mil anos antes dos colonizadores lá chegarem. No século XIX, missionários já encontravam-se
atuando na área e, no século XX, já havia registros de processos de aculturação para com os
nativos, obrigados à catequização. Aqui, vale ressaltar o que já foi dito em “História Caingangue
no município de Erechim – RS” e que pode ser encontrado no site da Prefeitura de Erechim, na
sessão “Nativos”:

“Nos séculos XVII e XVIII, o caigangue era um índio de natureza


dócil, pacífico e dado ao trabalho. Entretanto, no Século XX
tornou-se taciturno, de pouca fala, muito comedido, pacífico,
trabalhador e afetivo. Depois de pacificado e catequisado,
mostra-se humilde, bondoso, capaz de assimilar bem
ensinamentos.”.

Este parágrafo apresenta características muito importantes, não só pelo fato de afirmar o
indígena como um ser quase que primitivo e animalesco, mas, também, recorre ao Eurocentrismo
– ou seja, apenas os costumes e modos de viver do homem europeu são corretos.

O fato de taxarem o Caingangue como um ser passível a ser catequizado e pacificado, de


modo a tornar-se humilde, bondoso e dotado de bons ensinamentos, reforça o preconceito para
com a sua cultura. Ironicamente (ou não), esse documento muito se assemelha a Carta de Pero
Vaz de Caminha, redigida em primeiro de maio de mil e quinhentos e já abordada nesta pesquisa.
94

Nela, encontram-se trechos de extrema intolerância e racismo, uma vez que os europeus tratavam
os nativos como inferiores.

O trecho da Carta que segue, muito se assemelha ao parágrafo sobre os nativos de Erechim
abordado anteriormente. Pasme, está-se falando de, ao menos, quinhentos anos de diferença entre
as redações.

“Bastará dizer-vos que até aqui, como quer que eles um pouco
se amansassem, logo duma mão paraoutra se esquivavam,
como pardais, do cevadoiro. Homem não lhes ousa falar de
rijo para não se esquivarem mais; e tudo se passa como eles
querem, para os bem amansar.”

Ambos os documentos abordam o nativo como um animal, capaz de ser “amansado.”.

Mas, o que isto tem com a situação social dos indígenas em Erechim e com o programa
ofertado pela UFFS?

A resposta, na verdade, é mais óbvia do que parece. Em virtude da influência do homem


branco e de seu monopólio social, muitos indígenas Caingangue não retornam à sua aldeia,
submetendo-se a cultura ocidental. Acontece, entretanto, que não é uma escolha que implica em
uma vida estável e trabalho formal: muitos deles, são obrigados a arranjar empregos nas ruas, com
a venda de seus produtos por valores que pouco (ou nada cobrem) os custos de suas necessidades
mais básicas.

Além disso, ainda em entrevista com Jerônimo, foi-se afirmado que muitos traços de sua
cultura foram afetados em virtude de tal miscigenação: o uso de remédios naturais, por exemplo,
fora substituído por fármacos e drogas ocidentais. De tal forma, muitos indígenas foram obrigados
a deixar suas aldeias para conquistar “melhores condições de vida” e acabaram, entretanto,
deparando-se com um “mundo novo,” do qual não fazem parte e que possui indivíduos indispostos
a lhes dar qualquer tipo de oportunidade.

Durante a entrevista, foram citadas algumas falas que nos trouxeram diversos
questionamentos sobre a relação do povo não-indígena com as perspectivas de futuro dos
indígenas na sociedade, como: “Eles tem sonhos! Também querem comprar um carro e ter roupas
de marca!”. Por qual motivo a perspectiva de futuro dos indígenas seria uma surpresa?

Conclui-se aqui que a UFFS possui um importante papel na educação indígena, porém,
provoca episódios de aculturação perigosos quando se fala em um possível etnocídio – ou seja,
destruição de uma cultura (no caso, a Caingangue).
95

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A presente pesquisa é por natureza aplicada. Os resultados serão abordados de forma


qualitativa. Quanto aos objetivos, é exploratória, descritiva e explicativa e, em seus
procedimentos, inclui-se pesquisa bibliográfica, levantamento de dados, estudo de caso e pesquisa
participante.
Através do resgate histórico dos principais períodos de influência para a população
indígena brasileira, construiu-se um estudo comparativo entre os desenvolvimentos dos povos
indígenas das tribos Kaingang (Farroupilha) e Caingangues (Erechim), objetivando uma análise
de como os dois grupos desenvolveram-se em diferentes regiões, quais as raízes que ainda
possuem comumente e como vivem atualmente.
Primeiramente, foram pesquisados referências e estudos prévios sobre os indígenas no
Brasil. A partir desta coletânea, elaborou-se uma linha histórica que engloba os principais períodos
de transformação das sociedades nativas através da política: A chegada dos portugueses ao Brasil
(século XV), a Era Vargas, o Quarto Governo e a Ditadura Militar (século XX) e os Governos de
Lula, Dilma e Bolsonaro (século XXI), importantes para a compreensão dos aspectos abordados na
atualidade.
Em seguida, efetuou-se uma pesquisa bibliográfica acerca da história Kaingang no Rio
Grande do Sul e, posteriormente, nas cidades estudadas, Farroupilha e Erechim.
Fora criado e enviado um questionário (figura 1) para a Universidade Federal da
Fronteira Sul – campus Erechim, objetivando maiores informações sobre a população indígena lá
residente. A Universidade, por sua vez, conta com um programa especial para as populações
indígenas (Programa de Acesso e Permanência dos Povos Indígenas – PIN) desde 2012, cujo
objetivo é promover a integração social e ética entre esses povos e a comunidade acadêmica,
visando, assim, a permanência e o desenvolvimento indígena na educação superior.
96

Figura 53-Questionário enviado à UFFS. Fonte: Grupo.

Após, abordaram-se aspectos culturais dos Kaingang, de modo a dialogar e conhecer sua
cultura.
Em seguida, efetuou-se o estudo dos desenvolvimentos econômicos das cidades e suas
influências no modo de vida Kaingang. Na sessão seguinte, foram abordados os contextos
educacionais das tribos.
Para concluir a metodologia, realizou-se a pesquisa dos desenvolvimentos sociais dos
nativos nos municípios de Farroupilha, sendo descrita da seguinte maneira:
1. Resumo do contato indígena para com os europeus, desde 1500;
2. Histórias de fundação de ambas as cidades;
3. Panorama da integração indígena nos municípios e suas influências nos períodos
históricos anteriormente citados.
Utilizando-se de dados e fontes seguras (como o IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística, a FUNAI, sites como a BBC Brasil - British Broadcasting Corporation no Brasil e
os dados obtidos nas pesquisas acima), elaborou-se um estudo comparativo entre os diferentes
desenvolvimentos sociais e econômicos indígenas das tribos dos Kaingang (Farroupilha) e
Caingangues (Erechim).
97

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1 Levantamento de dados


Quando foi decidido realizar este projeto, no final de 2018, não havia como prever
a Pandemia do Coronavírus. Incialmente, imaginou-se poder visitar as aldeias estudadas e a
Universidade Federal da Fronteira Sul, objetivando relatar, nestas páginas, o ponto de vista dos
indígenas sobre seus processos socioeconômicos. Entretanto, não fora possível realizar tal
atividade.
Apesar disso, objetivando a mais fiel realidade, fez-se uso da plataforma Google
Drive – Formulários para, respeitando o isolamento social, conseguir mais informações acerca das
relações das tribos indígenas para com a população não indígena. Os resultados serão abordados
a seguir.
Durante o período de vinte e dois de julho até doze de agosto de 2020, fora enviado
o formulário (abaixo) para estudo e levantamento de dados. Noventa e uma pessoas participaram
da pesquisa, habitantes das cidades de Farroupilha (RS), Caxias do Sul (RS), Flores da Cunha
(RS), Bento Gonçalves (RS) e outras, não especificadas. Infelizmente, não foi possível aplicar o
mesmo questionário para moradores da cidade de Erechim (RS), devido á falta de contatos.
98
99

Figura 54-Formulário enviado à cidades próximas. Fonte: Grupo.

A maioria dos participantes habita a cidade de Caxias do Sul, há 17,6 km da cidade


de Farroupilha. Logo após, tem-se maior número de respostas nos municípios de Farroupilha,
Flores da Cunha, não especificados e Bento Gonçalves, respectivamente, como mostra o gráfico
acima.

Gráfico 10-Questionamento 1- Formulário 1. Fonte: Grupo.

Em seguida, questionou-se se os participantes saberiam dizer se, em sua cidade,


havia alguma tribo indígena. O questionamento (talvez ambíguo), foi proposital: ao invés de se
perguntar diretamente a existência de uma tribo indígena no município, foi questionado se o
participante detinha conhecimento da existência (ou não) da mesma.
100

Não coincidentemente, a maioria das respostas foi negativa, ou seja, não se há


conhecimento a respeito da questão indígena da própria cidade.

Gráfico 11-Questionamento 2- Formulário 1. Fonte: Grupo.

Para os que responderam “sim” á pergunta anterior, foi pedido para se especificar
o que conheciam da tribo, totalizando 21 apontamentos (em um montante de 91 participantes, isso
significa que apenas 23% das pessoas que responderam á pesquisa, tem conhecimento a respeito
de algo da tribo de sua cidade).
Os resultados foram divididos em quatro sessões: nada/pouco, cultura, venda de
artesanato e outros, como podem ser vistos a seguir.
101

NADA/POUCO CULTURA VENDA DE OUTROS


ARTESANATO
“Não”. “Artesanato “Conheço “Sei que
e respeito à pouco, mas sei que há um tem sim , mas
natureza”. número considerável em acredito que são de
nossa cidade, visto que outras cidades em
não é preciso ir muito busca algo melhor!”
longe para vê-los, no
centro da cidade nos
deparamos seguidamente
com grupos indignadas
comercializando seus
itens artesanais e
também, é dali que
muitos tiram o seu
sustento.”
“Praticamente “Tem “Fazem “É uma
nada”. alguns hábitos, pequenos artesanatos aldeia Guarani que
línguas e costume como fonte de renda.” fica no Morro dos
diferentes”. Cavalos, localizada
no município de
Palhoça em SC”.
“Pouca coisa”. “Sei que os “Sim”.
indígenas que vendem
produtos na rodoviária
vêm do interior da Serra e
se locomovem
diariamente.”
“Muito pouco. “Não
Só os vejo vendendo conheço muita coisa,
artesanato nas calçadas.” também nunca me
interessei nesse
assunto. Talvez por
falta de tempo.”
“Só vejo eles “Eu
vendendo arte na rua”. respondi talvez por
que eu não sei muito
bem sobre a cultura
indígena de tribo”.
“Na verdade
não sei se o que observo
é considerado uma tribo.
Porém, percebo grupos
na zona urbana da cidade,
comercializando cestos e
artesanatos
produzidos por eles.”
“Pessoas que
produzem artesanatos
para venda na rua e
102

manter sua
sobrevivência.”
“Conheço muito
pouco, apenas os vejo na
cidade vendendo o seu
artesanato”.

Conforme apresentado na tabela acima, a maioria dos participantes apenas


reconhece os indígenas pela venda de artesanato nas ruas. Além disso, trazem frases, como “a
busca por uma vida melhor” e “tem hábitos diferentes,” de modo a exemplificar pouco
conhecimento sobre a cultura indígena.
Também, é possível enxergar o eurocentrismo nas frases que referem-se aos
indígenas como pessoas á procura de uma vida melhor. Em qual sentido “melhor”? Mais uma vez,
propõe-se reflexão de tais pensamentos.
Outro resultado curioso é o fato de as pessoas generalizarem os indígenas como um
grupo homogêneo, afinal, essa nunca foi uma realidade. Nem todos os indígenas vendem
artesanato ou falam uma língua diferente da portuguesa (uma vez que esta foi adotada como
idioma oficial por muitas tribos). Outrora, frases como “conheço pouco,” “sei quase nada” e
“nunca tive interesse,” ressaltam esse desconhecimento sobre a cultura indígena, reflexo de anos
de exploração e preconceitos para com esses povos.
Talvez um dos resultados mais chocantes desta pesquisa, seja o que vem a seguir.
Na pergunta, a crença sobre a existência de culturas superiores e inferiores. Apesar de
majoritariamente as respostas serem negativas, quase vinte por cento das pessoas (isso significa
17 respostas – total) acreditam na existência de culturas superiores e inferiores. Vale ressaltar que,
no questionamento, não se abre nenhuma especificidade para análise (superior em níveis
tecnológicos ou bélicos, por exemplo), o que reforça o preconceito racial estruturado na sociedade.
103

Gráfico 12-Questionamento 3- Formulário 1. Fonte: Grupo.

Por fim, fora questionado se o grupo participante já tivera contato com alguma tribo
indígena. A maioria retorna positivamente, entretanto, não em sua cidade. As respostas
encontram-se a seguir.
104
105

Figura 55- Respostas Diversas- Formulário 1. Fonte: Grupo.


Dentre as mais variadas respostas, é interessante analisar o fato de que estas

Dentre as mais variadas respostas, é interessante analisar o fato de que estas


experiências, normalmente, estão atreladas á viagens e locais turísticos. Além disso, muitos
relatam seu contato como singular e de muito aprendizado. Mas, por qual razão a maioria não
conhece a situação indígena em sua cidade? A resposta é: hoje, os indígenas e sua cultura seguem
dois caminhos – a marginalização ou a exposição. Infelizmente, é possível enxerga-los em
situações precárias nas ruas (como nas grandes cidades – a exemplo de Farroupilha e Caxias do
Sul) ou como atração turística (como em São Miguel das Missões). São poucos os programas de
preservação indígenas realmente válidos no Brasil.
106

Conclui-se, pois, que a maioria da população não indígena das cidades de Caxias
do Sul, Farroupilha, Bento Gonçalves e Flores da Cunha, pouco (ou quase nada) conhece sobre
os indígenas de seu município. Ainda, pode-se notar certo preconceito trazido em diálogos
(naturais) da sociedade, bem como, a mentalidade eurocêntrica extremamente enraizada.

4.2 A herança Kaingang na cidade de Caxias do Sul


Ainda em fevereiro de 2020, fora realizada visitação ao Museu Municipal de
Caxias do Sul, em busca de dados e resquícios Kaingang na cidade. Na ocasião, o local passava
por reformas e não fora possível fazer o tour completo pelo Museu, entretanto, isso não foi
impeditivo para o colhimento das informações necessárias.
Foram apresentadas peças (sobras de vasilhas quebradas, instrumentos musicais,
utensílios de caça e coleta), mostradas a seguir.

Figura 56- Museu Municipal de Caxias do Sul. Fonte: Grupo.


107

Figura 57-- Museu Municipal de Caxias do Sul 02. Fonte: Grupo

Figura 58--- Museu Municipal de Caxias do Sul 03. Fonte: Grupo.


108

Figura 59- Museu Municipal de Caxias do Sul 04. Fonte: Grupo.

Figura 60- Museu Municipal de Caxias do Sul 05. Fonte: Grupo.


109

Figura 61- Museu Municipal de Caxias do Sul 06. Fonte: Grupo.

Figura 62- Museu Municipal de Caxias do Sul 07. Fonte: Grupo.


110

Figura 63- Museu Municipal de Caxias do Sul 08. Fonte: Grupo.

Os utensílios pertencem ao tronco Jê, do qual são provenientes os Kaingang.


Durante a visita, fora explicada a história do povo na cidade e região. Uma das informações mais
importantes obtidas, foi o fato de que a maioria dos visitantes do museu, são estudantes dos níveis
fundamental e médio. Esse dado, apesar de não aparentar grandes novidades, é muito interessante
para reforçar o contexto social em que os descendentes desses povos se encontram atualmente:
pouco conhecidos e de baixíssima interação para com a população não indígena local, uma vez
que a sua cultura é pouco explorada e apresentada nas escolas das cidades de Caxias do Sul e
região.

4.3 Reflexões acerca dos processos sociais e econômicos


Kaingang, oriundos do Curso Interdisciplinar em Educação
do Campo: Ciências da Natureza, na cidade de Erechim (RS)
Apesar de apresentarem maior interação para com a população não indígena local,
uma vez que são recebidos em escolas públicas (como docentes) e na Universidade Federal da
Fronteira Sul (como alunos), os Kaingangs oriundos das cidades próximas á Erechim sofrem por
mais um processo de aculturação histórica, como explanado na metodologia.
111

Em virtude da ampla formação, muitos acabam por não retornar ás suas tribos,
tentando encontrar espaço na cultura ocidental. Reflexo disso se deu em algumas discussões para
com os caciques dessas tribos que, por vezes, sentiram-se ameaçados perante o programa.
Retomando á entrevista com o Professor Jerônimo, da UFFS, resgata-se, um
excerto que muito chamou a atenção: o fato de a maioria dos estudantes do Curso serem mulheres,
enquanto, as mesmas pouco falam durante as aulas, ao contrário dos homens. Segundo o professor,
o modo de organização dessas tribos é, em sua maioria, patriarcal, fazendo com que as mulheres
não tenham tanto espaço para fala quanto os homens.
Uma das vantagens do Curso, todavia, é o fato de que, ao final do mesmo, nota-se
uma maior ocupação da fala feminina nas discussões universitárias, ofertando-as certo
entrosamento na sociedade.
A maior discussão que se pode obter daqui é o fato de o programa estar podendo
gerar processos de aculturação (ou/e extinção de culturas) nas comunidades Kaingang, o que
somente poderá ser provado com o passar dos anos, uma vez que a iniciativa é recente. Fica aqui,
contudo, o alerta.

4.4 Discussões gerais – os Kaingang em 90 anos nas cidades


de Farroupilha (RS) e Erechim (RS)
A hipótese desta pesquisa traz “devido à exploração industrial em larga escala na
cidade de Farroupilha, o assentamento Kaingangue desenvolveu-se caracterizado
economicamente por maior infraestrutura, enquanto, as tribos Caingangues (em Erechim),
possuem melhores relações sociais para com a população não indígena local, dada a preservação
de sua cultura tradicional, criações de políticas indigenistas e o envolvimento para com a
sociedade dominante.”. Nesta etapa, encontram-se análises á respeito da hipótese, de modo a
concluí-la.
Os Kaingangues da cidade de Farroupilha, em sua maioria, não são empregados
formalmente. Alguns trabalham em frigoríferos, mas, majoritariamente, sobrevivem da venda de
seu artesanato nas ruas. Já em Erechim, a realidade é um pouco melhor, uma vez que a sua
formação os amplia oportunidades.
Com relação ao contexto social, Farroupilha não apresenta grandes envolvimentos
entre as sociedades indígena e não indígena, porém, o fato de a sua comunidade ser legalizada e
mais isolada na cidade, lhes permite continuar com muitas de suas práticas e rituais. Já na cidade
de Erechim, há maior entrosamento entre as sociedades, contudo, os processos de aculturação são
mais frequentes e rápidos do que aos comparados com o município farroupilhense.
112

5. CONCLUSÃO

Os fatos reunidos e apresentados neste trabalho nos levaram a determinar respostas


concretas, não só para os questionamentos inicias como, também, para os que vieram à tona ao
longo do processo intensivo de pesquisa.
É de extrema importância enfatizar os termos de exclusão, aculturação e desconhecimento
sobre os Kaingang/Caingangues e sua cultura (não apenas individualmente ou de um grupo
específico, mas sim, de toda uma sociedade). De todo modo, os levantamentos trouxeram uma
realidade bem mais grave do que imaginávamos.
Conforme consta no resgate histórico, ao longo do tempo a comunidade
Kaingang/Caingangue foi duramente desacolhida e desamparada pela sociedade. Desde a chegada
dos povos imigrantes, passando por uma corrente histórica até chegarmos ao que chamamos hoje
de democracia (contemplando o objetivo específico 1). Apesar de algumas implementações terem
sido desenvolvidas como a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), o Estatuto do Índio, o Conselho
Nacional de Política Indigenista (CNPI), a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESI), entre
outros, ainda há exclusões sociais, políticas e econômicas desses povos, de uma maneira geral
(contemplando o objetivo específico 2).
Assim, se transfere como resultado do questionário realizado, as repostas etnocentristas ou
de desinteresse social, onde os indivíduos se questionam sobre a valia dessa cultura na sociedade
(contemplando o objetivo geral).
Os desenvolvimentos social e econômico das tribos de Farroupilha e de Erechim, nada
mais são do que reflexos dessa histórica exclusão, nos quais, ainda há muita dificuldade de se
adentrar no mercado de trabalho, ingressar em cursos de graduações ou ter capital, sem se adaptar
a sociedade atual (em outras palavras, sem sofrer aculturação).
A hipótese desta pesquisa, traz “devido à exploração industrial em larga escala na
cidade de Farroupilha, o assentamento Kaingangue desenvolveu-se caracterizado
economicamente por maior infraestrutura, enquanto, as tribos Caingangues (em Erechim),
possuem melhores relações sociais para com a população não indígena local, dada a
preservação de sua cultura tradicional, criações de políticas indigenistas e o envolvimento
para com a sociedade dominante.”.
Com a análise dos desenvolvimentos dessas cidades, concluímos a linha determinante de
disparidade entre as mesmas. De fato, a cidade de Farroupilha teve seu assentamento caracterizado
economicamente por maior infraestrutura. No entanto, os Kaingang, não. O que houve, na verdade,
foi a exclusão desta tribo durante o processo de industrialização, os levando a manterem-
113

se fixamente no artesanato e na informalidade. Ainda que hoje haja inclusão no âmbito


educacional, os números se apresentam incrivelmente baixos. A aculturação se sobressai à
inclusão social, de tal modo a torná-la nula.
Já em Erechim, a ordem dos acontecimentos é similar. Onde houve essa mesma exclusão
econômica, em contrapartida, houve também diversos acolhimentos educacionais. Tendo uma
maior relação para com a sociedade não indígena local. O real ponto em questão é a aculturação
dos povos indígenas. Apesar da instituição de Erechim desenvolver um trabalho extenso em
questões educacionais, os números de indivíduos que se desligam e abandonam suas raízes
indígenas são grandes.
Deste modo, a hipótese trabalhada foi refutada, uma vez que, ainda há poucos dados
a respeito da formalidade dos empregos indígenas nas cidades. O que se tem certeza,
entretanto, é que o contato para com a população não indígena ocasiona processos de
aculturação, ao invés da difusão da cultura Kaingang.
Conclui-se, portanto, o avanço em termos de visibilidade, reconhecimento e agregação de
importância aos Kaingang ao longo da história. No entanto, existem pontos extremamente
importantes que devem ser levados em consideração quando determinamos a fusão entre as
culturas (indígenas e não indígenas), como já mencionado anteriormente por todo o
desenvolvimento deste trabalho – a preservação da cultura indígena, bem como o seu respeito de
forma igualitária a qualquer outra.
114

6. REFERÊNCIAS

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VIEIRA, João Carlos Carpes. O primeiro distrito industrial de Farroupilha/RS e suas repercussões
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