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Pe.

Antônio Vieira (1608-1697) foi um escritor bastante conhecido no passado colonial


brasileiro, sendo assunto obrigatório no estudo da literatura barroca do período, sendo
considerado o maior expoente dessa escola na época, criador de sermões com grande força de
argumentação, sendo o mais conhecido destes o “Sermão da Sexagésima”, nosso objeto de
estudo para o presente trabalho.

Nascido em Lisboa, Padre Antônio Vieira veio para o Brasil com 7 anos de idade, onde
entrou para a Companhia de Jesus, ficou na prisão por 2 anos após ser condenado pela
Inquisição por defender posições favoráveis aos indígenas e judeus. Seu sermão mais
importante (Sermão da Sexagésima) foi proferido em Lisboa no ano de 1655, e conta com 10
capítulos repletos das principais características do escritor: a estética barroca e a sua
ideologia acerca dos temas cristãos. Para além deste, seus sermões são conhecidos por serem
polêmicos em criticar o despotismo dos colonos portugueses, a influência negativa que o
Protestantismo exerceria na colônia, os pregadores que não cumpriam com seu ofício de
catequizar e evangelizar, e até a própria Inquisição.

De grosso modo podemos dizer que O Sermão da Sexagésima trata da pregação, onde o autor
condena os pregadores que pregam a palavra de Deus falsamente, pois para ele, os pregadores
que não cumprem verdadeiramente o seu encargo são os responsáveis pela palavra de Deus
não dar frutos, alusão à Parábola do Semeador, a qual esse sermão é baseado. Trata-se de
uma parábola que conta que um semeador semeou suas sementes em diversos locais, as
primeiras sementes foram semeadas entre as pedras e não vingaram, outras sementes foram
semeadas nos espinhos, e também não vingaram, outras foram semeadas pelo caminho e
continuaram sem vingar, e as últimas foram semeadas em uma boa terra e somente essas
vingaram, consequentemente dando bons frutos.

Trazendo para a obra de Vieira, a parábola representa uma crítica aos religiosos que não eram
eficazes em suas pregações pois além de falar de diversas coisas que fugiam do foco da sua
pregação, estes ainda priorizavam as vontades dos homens ao invés de tentarem agradar à
Deus, assim suas pregações não eram efetivas.

O sermão é um gênero discursivo cujo as suas principais características é a argumentação e a


persuasão, e para ser realizado o orador deve fazer uso dos instrumentos e técnicas
necessárias para que possa conquistar os seus ouvintes, então, para que possamos
compreender os sermões de Pe. Vieira precisamos saber a estrutura clássica de sua produção:
ele inicia apresentando o plano do sermão, depois vem o desenvolvimento onde há o debate
acerca do que a tese propõe, junto com seus prós e contras, e por fim o epílogo onde há o
convite/incitação para que os ouvintes digam o que foi proposto.

Vieira começa o sermão com uma citação da bíblia em latim e envolve o ouvinte em fatos da
concretos emocionalmente apelativos que se correlacionam com a ficção proposta, como
vemos nos primeiros parágrafos:

“E se quisesse Deus que este tão ilustre e tão numeroso auditório saísse hoje tão
desenganado da pregação, como vem enganado com o pregador! Ouçamos o Evangelho, e
ouçamo-lo todo, que todo é do caso que me levou e trouxe de tão longe.” [...] “Ecce exiit qui
seminat, seminare. Diz Cristo que «saiu o pregador evangélico a semear» a palavra divina.”
(VIEIRA, 1965, p. 1)

Em seguida vai explorando o assunto/metáfora do sermão: A parábola do semeador, onde


pregar seria como semear;

“Diz Cristo que «saiu o pregador evangélico a semear» a palavra divina. Bem parece este
texto dos livros de Deus. Não só faz menção do semear, mas também faz caso do sair: Exiit,
porque no dia da messe hão-nos de medir a semeadura e hão-nos de contar os passos. O
Mundo, aos que lavrais com ele, nem vos satisfaz o que dispendeis, nem vos paga o que
andais. Deus não é assim. Para quem lavra com Deus até o sair é semear, porque também das
passadas colhe fruto.” (VIEIRA, 1965, p. 1)

E prossegue seu sermão com críticas aos falsos pregadores que não pregavam de forma
adequada.

Na segunda parte o orador propõe o objeto de estudo e também o foco central do sermão por
meio de um questionamento: “Se a palavra de Deus é tão eficaz e poderosa, como vemos tão
pouco fruto da palavra de Deus?”, onde ele afirma que será a matéria do sermão e se põe
também como ouvinte e pessoa que vai receber a mensagem. Essa pergunta é respondida na
parte 3 com 3 possíveis respostas:
“Fazer pouco fruto a palavra de Deus no Mundo, pode proceder de um de três princípios: ou
da parte do pregador, ou da parte do ouvinte, ou da parte de Deus. Para uma alma se
converter por meio de um sermão, há-de haver três concursos: há-de concorrer o pregador
com a doutrina, persuadindo; há-de concorrer o ouvinte com o entendimento, percebendo; há-
de concorrer Deus com a graça, alumiando.” (VIEIRA, 1965, p. 3)

Mas esclarece que da parte de Deus não é possível que haja faltas, portanto não há faltas,
logo esta possibilidade está descartada. A outra hipótese que poderia justificar a falta de
frutos seria por culpa dos ouvinte, outra ideia também descartada, mesmo apesar dos
pregadores atribuírem esta culpa aos que os escutam, padre Vieira os defendem pois se fora
por parte dos ouvintes, não fizera a palavra de Deus muito grande fruto, mas não fazer
nenhum fruto e nenhum efeito, não é por parte dos ouvintes, e prova no trecho seguinte:

“Os ouvintes ou são maus ou são bons; se são bons, faz neles fruto a palavra de Deus, se são
maus, ainda que não faça neles fruto, faz efeito. No Evangelho o temos” (VIEIRA, 1965, p.
3).

Sendo assim só sobra para ele a última hipótese como resposta, a culpa é de quem prega,
tanto os outros pregadores como ele também, e finaliza a terceira parte com a seguinte
afirmação: “E assim é. Sabeis, cristãos, porque não faz fruto a palavra de Deus? Por culpa
dos pregadores. Sabeis, pregadores, porque não faz fruto a palavra de Deus? -- Por culpa
nossa.” (VIEIRA, 1965, p. 4).

O orador atribui essa culpa aos pregadores, e nas próximas partes do sermão argumente na
tentativa de convencer o ouvinte que a razão pela qual os pregadores sejam culpados é o fato
de não serem efetivos em suas argumentações, optando por fugir do tema proposto e por usar
linguagem de difícil compreensão, e tratando de outros assuntos ao invés de serem
persuasivos em suas argumentações, como vemos no trecho:

“Há-de tomar o pregador uma só matéria; há-de defini-la, para que se conheça; há-de dividi-
la, para que se distinga; há-de prová-la com a Escritura; há-de declará-la com a razão; há-de
confirmá-la com o exemplo; há-de amplificá-la com as causas, com os efeitos, com as
circunstâncias, com as conveniências que se hão-de seguir, com os inconvenientes que se
devem evitar; há-de responder às dúvidas, há-de satisfazer às dificuldades; há-de impugnar e
refutar com toda a força da eloquência os argumentos contrários; e depois disto há-de colher,
há-de apertar, há-de concluir, há-de persuadir, há-de acabar. Isto é sermão, isto é pregar; e o
que não é isto, é falar de mais alto.” (VIEIRA, 1965, p. 5)

No texto acima, destaco na força do termo utilizado, “há-de tomar, há-de dividi-la, há-de
prová-la, etc”, a figura de linguagem repetidamente mostra uma que implica na urgência e
necessidade de se fazer algo, é a utilização da anáfora para legitimar os seus argumentos e
causar maior persuasão.

E para exemplificar e provar o seu conceito, ele a árvore como o exemplo que vai fazer valer
a sua palavra e é uma das partes que fundamentam a persuasão do seu sermão ao tratarmos de
argumentação:

“Não nego nem quero dizer que o sermão não haja de ter variedade de discursos, mas esses
hão-de nascerem todos da mesma matéria e continuar e acabar nela. Quereis ver tudo isto
com os olhos? Ora vede. Uma árvore tem raízes, tem tronco, tem ramos, tem folhas, tem
varas, tem flores, tem frutos. Assim há-de ser o sermão: há-de ter raízes fortes e sólidas,
porque há-de ser fundado no Evangelho; há-de ter um tronco, porque há-de ter um só assunto
e tratar uma só matéria; deste tronco hão-de nascerem diversos ramos, que são diversos
discursos, mas nascidos da mesma matéria e continuados nela; estes ramos hão-de ser secos,
senão cobertos de folhas, porque os discursos hão-de ser vestidos e ornados de palavras. Há-
de ter esta árvore varas, que são a repreensão dos vícios; há-de ter flores, que são as
sentenças; e por remate de tudo, há-de ter frutos, que é o fruto e o fim a que se há-de ordenar
o sermão. De maneira que há-de haver frutos, há-de haver flores, há-de haver varas, há-de
haver folhas, há-de haver ramos; mas tudo nascido e fundado em um só tronco, que é uma só
matéria. Se tudo são troncos, não é sermão, é madeira. Se tudo são ramos, não é sermão, são
maravalhas. Se tudo são folhas, não é sermão, são versas. Se tudo são varas, não é sermão, é
feixe. Se tudo são flores, não é sermão, é ramalhete. Serem tudo frutos, não pode ser; porque
não há frutos sem árvore. Assim que nesta árvore, à que podemos chamar «árvore da vida»,
há-de haver o proveitoso do fruto, o formoso das flores, o rigoroso das varas, o vestido das
folhas, o estendido dos ramos; mas tudo isto nascido e formado de um só tronco e esse não
levantado no ar, senão fundado nas raízes do Evangelho: Seminare semen. Eis aqui como
hão-de ser os sermões, eis aqui como não são. E assim não é muito que se não faça fruto com
eles.” (VIEIRA, 1965, p. 7)

A relação entre a árvore e o sermão pode ser entendida da seguinte maneira: Uma árvore tem
raízes, tem tronco, tem ramos, tem folhas, tem varas, tem flores, tem frutos. Assim deve ser
um sermão. As raízes devem ser fortes e sólidas, pois são fundadas no evangelho, o tronco
seria o assunto do sermão, os ramos seriam os discursos que necessariamente precisam ser
sobre o assunto do sermão, as folhas são as palavras utilizadas para fortalecerem o discurso, a
vara seria a condenação de algo, as flores seriam o resultado dessa condenação, e os frutos
seriam os objetivos alcançados do que o sermão propôs.

Na oitava parte, Vieira critica os pregadores que copiavam os sermões de outros pregadores,
sendo assim meras cópias que não tinham êxito em convencer os ouvintes, e afirma: O pregar
não é recitar. As razões próprias nascem do entendimento, as alheias vão pegadas à memória,
e os homens não se convencem pela memória, senão pelo entendimento. Assim, não se faz
necessário recitar ou copiar tal sermão, e sim conseguir dialogar com os ouvintes de forma
clara e objetiva, e usa o exemplo de João Batista que imitava as falas de Isaías e pregava o
que ele pregava.

No capítulo seguinte o objeto da discussão é a voz do pregador, que hoje pregam


conversando, e antigamente pregavam bradando, e correlaciona a voz do pregador com um
trovão no céu, onde esta deverá assombrar e fazer o mundo tremer. E continua questionando
se nenhuma das razões denotadas por ele for a razão pela falta de frutos, o que mais seria?
Afinal, ainda sim, essas não seriam o motivo pelo qual a palavra de Deus não é frutífera.

Na nona parte de seu sermão finalmente sabemos a resposta da questão acima, e é simples: os
pregadores pregam até palavras de Deus, mas não pregam a palavra de Deus, pois as palavras
só são efetivas se pregadas no sentido que Deus as usa, e não no sentido que nos a usamos.
Assim ele se mostra indignado com os pregadores e indaga:

“Dizei-me, pregadores (aqueles com quem eu falo indignos verdadeiramente de tão sagrado
nome), dizei-me: esses assuntos inúteis que tantas vezes levantais, essas empresas ao vosso
parecer agudas que prosseguis, achaste-las alguma vez nos Profetas do Testamento Velho, ou
nos Apóstolos e Evangelistas do Testamento Novo, ou no autor de ambos os Testamentos,
Cristo? É certo que não, porque desde a primeira palavra do Génesis até à última do
Apocalipse, não há tal coisa em todas as Escrituras. Pois se nas Escrituras não há o que dizeis
e o que pregais, como cuidais que pregais a palavra de Deus? Mais: nesses lugares, nesses
textos que alegais para prova do que dizeis, é esse o sentido em que Deus os disse? É esse o
sentido em que os entendem os padres da Igreja? É esse o sentido da mesma gramática das
palavras? Não, por certo; porque muitas vezes as tomais pelo que toam e não pelo que
significam, e talvez nem pelo que toam. Pois se não é esse o sentido das palavras de Deus,
segue-se que não são palavras de Deus.” (VIEIRA, 1965, p. 9)

E por fim, na última parte de seu sermão, Vieira mostra ao auditório o que seria
verdadeiramente uma pregação que dá frutos:

“Não é aquela que dá gosto ao ouvinte, é aquela que lhe dá pena. Quando o ouvinte a cada
palavra do pregador treme; quando cada palavra do pregador é um torcedor para o coração do
ouvinte; quando o ouvinte vai do sermão para casa confuso e atônito, sem saber parte de si,
então é a preparação qual convém, então se pode esperar que faça fruto.” (VIEIRA, 1965, p.
10)

Assim, a pregação deve gerar uma reflexão ao ouvinte acerca de seus atos, e se estes são
agradáveis aos olhos de Deus, para que sejam conscientes e não acomodados com seus
pecados.

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