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chegou ao Brasil no ano de 1833, quando tinha 23 anos, empregando-se, como caixeiro,
em uma loja da cidade. Em 1844, onze anos depois de sua chegada, conseguiu
trabalhava. Sete anos mais tarde (1851), conseguiu abrir seu próprio negócio: um
armazém de fazendas por atacado, como indica seu registro no Tribunal do Comércio do
Rio de Janeiro.2 Sua trajetória de sucessos possibilitou-lhe receber honrarias nos dois
Era casado com uma conterrânea, analfabeta como ele, de quem já estava separado no
momento em que foi processado com vistas à sua expulsão. Nesse momento, o endereço
por ele fornecido às autoridades policiais era indicativo de sua precariedade social:
Caverna das Oliveiras, nº 24. Ele havia chegado ao Brasil com a idade de 25 anos e,
após 36 anos de permanência no país, terminou expulso, quando corria o ano de 1927,
sob a acusação de ser conhecido ladrão e vigarista. Tinha, então, 61 anos e se mantinha
pontilhados por doenças e acidentes de trabalho, que acarretavam, para muitos daqueles
que não tinham redes de apoio, a inevitabilidade da mendicância ou, em alguns casos e
em uma outra perspectiva, trajetórias marcadas pelo protesto violento nas ruas.
desprezados, relegando seus protagonistas ao silêncio que pesa sobre aqueles que não
pobres que se tornaram alvo das políticas de imposição da ordem na capital brasileira. 6
que muitos daqueles que, um dia, haviam optado por partir em busca de um novo
futuro, não conseguiram realizar seus projetos. A partir desses, é possível perceber que
desalentos, fracassos e revolta, compondo uma história das sensibilidades ainda por ser
construída.
Natural de Amarante, distrito do Porto, José dos Santos era analfabeto e tinha
chegado ao Brasil com 10 anos de idade. O que movera sua aventura transatlântica fora
um futuro melhor. Com 26 anos, porém, foi expulso do país acusado de ser um “ladrão
documentos não permitem saber. O que deve ser destacado é que José Dops Santos não
6
A maioria dos processos de expulsão que compõem o módulo 101 do Arquivo Nacional, referente aos
processos de expulsão, está composta por processos movidos contra indivíduos fixados na cidade do Rio
de Janeiro. Deve ser destacado, entretanto, que muitos foram os indivíduos expulsos sem processo,
principalmente anarquistas, conforme foi analisado no já referido livro Os indesejáveis (1996), com base
em documentação inédita encontrada pela autora no Arquivo Histórico do Itamarati (Rio de Janeiro).
Sobre o tráfico de mulheres, o trabalho de Rago (1991), que contempla São Paulo, serviu de referência
para trabalho da autora, já mencionado, sobre o Rio de Janeiro (MENEZES, 1992).
familiar na terra de acolhida abrem-se, assim, como possibilidades explicativas de sua
vidas.
Muitos terminaram seus dias sem nenhum registro de sua trajetória, ocultos no
sentindo-se fracassados, tenderam a cortar laços com a terra natal, como forma de
silenciar sobre sua real condição em terra estrangeira. Outros mantiveram os contatos,
mas tenderam a fantasiar sobre suas vidas. Alguns buscaram tomar nas mãos a
privilegiados da repressão policial. Outros, enfim, acabaram por cair nas malhas da
cafetões, por outro, é possível identificar algumas das lógicas cruéis que tenderam a
A discussão das teorias existentes sobre o crime na era das migrações de massa
contempladas, por serem essenciais para uma melhor compreensão dos temas
abordados. Uma destas questões é a tese de que os males sofridos pela sociedade
brasileira eram frutos das “más correntes migratórias” que haviam aportado no país,
social, resultado, segundo ele, das misturas étnicas que afetavam a população do país.
9
Jornalista, poeta, historiador, técnico de identificação e professor, Elysio de Carvalho foi, durante
algum tempo de sua vida, anarquista de destaque, tendo participado da criação da Universidade Popular
em 1904. Renegando seu passado anarquista, transformou-se em um dos representantes do pensamento
conservador no Brasil. Arauto da primazia da ordem sobre o progresso, seguidor das teses lombrosianas
em suas análises sobre o crime, foi, nos últimos tempos de vida, nacionalistas de destaque, mais uma
vez antenado com as correntes de pensamento que corriam o mundo.
10
A Biblioteca do Boletim Policial constituiu-se por edições publicadas entre 1912 e 1915, perfazendo
um total de 32 fascículos, alguns dos quais editados em língua francesa. Elysio de Carvalho foi um de
seus principais colaboradores, sendo autor de 13 artigos, publicados nos números II, III, IV, VII, VIII,
XII, XIV, XVII, XXVI, XXVII, XXVIII, XXIX e XXXII.
Como explicação para a existência dessa situação, o autor pontuava as marcas
tocante aos crimes contra a pessoa, cabendo aos estrangeiros o protagonismo nos crimes
contemplava a questão da pobreza na análise do crime, tão bem defendida pelo jurista
Evaristo de Moraes (1921), responsável por vários habeas corpus impetrados em favor
de estrangeiros processados.11
No caso específico dos anarquistas, a tese consagrada era a de que eles eram
“aves de arribação”: homens sem raízes que se colocavam como “mal” a ser extirpado.
11
Estamos abordando um período no qual os trabalhadores lutavam por redução da jornada de trabalho,
auxílio doença e melhores salários. As leis trabalhistas, que garantiram oito horas de trabalho férias
remuneradas e proteção contra desemprego e doenças só ocorreu a partir de 1930.
Em síntese, imigrantes “indesejáveis”, que “uma onda trazia e a outra levava”, ainda
processos de expulsão, que indicam que muitos dos anarquistas expulsos eram
indivíduos que haviam entrado no país quando eram muito jovens, alguns deles com
brasileiras, tornando-se possível travar contato com atores anônimos do drama urbano;
estrangeiro pobre; com os embates ideológicos que agitavam a época; com a expansão
das chamadas “doenças” das grandes cidades; com os problemas inerentes ao mercado
de trabalho; com os desvios do sistema presidiário; com a tensão entre defesa da lei e
defesa da ordem; com a situação de abandono vivida por jovens e idosos; com o
trabalho enquanto valor social, que justificava a repressão à vadiagem. Enfim, com um
um sentido amplo que contemplava todo aquele que se voltasse contra a ordem
estabelecida, quer por palavras quer por ações. Ademais, permite afastar a névoa que
12
Os processos foram estabelecidos como forma de compassar o Brasil com os ditames do Direito
Internacional, que advogava que nenhum estrangeiro podia ser expulso sem processo. A adoção desse
dispositivo, porém, não impediu que expulsões sem processo continuassem a ser realizadas, atingindo,
principalmente, lideranças anarquistas, em virtude dos dispositivos constitucionais que garantiam
igualdade de direitos entre brasileiros e estrangeiros. Dentre eles, a liberdade de expressão. O ano de
1907 marca a entrada em vigor do decreto nº 1641 de 7 de janeiro, que regulamentava a entrada e
expulsão de estrangeiros.
A partir de indícios de trajetórias descritas por imigrantes sujeitos à repressão, é
aceitação de qualquer salário para sobreviver; à revolta que, por vezes, explodia em
Deve ser observado, entretanto, que pobreza não era e não é sinônimo de crime.
Razões cuja explicação foge ao campo da História explicavam porque uns deixavam-se
seduzir pelo crime enquanto outros permaneciam apostando em caminhos lícitos para
sobreviver, deslocando-se de emprego para emprego. O que não pode ser esquecido é o
fato de que muitos indivíduos processados haviam migrado muito jovens, com destaque
para aqueles que migravam sós, com o objetivo de se tornarem caixeiros na cidade,
Bastos.
morador na zona portuária do Rio de Janeiro. Quatorze anos depois de sua chegada, foi
processado, terminando por ser expulso no ano de 1928, quando tinha 25 anos, acusado
O que deve ser destacado em seu processo é o fato dele ter sido preso, pela
13
BRASIL. Arquivo Nacional. SPJ, módulo 101, pacotinha IJJ 7 127, 1928. Observe-se que os apelidos,
regra geral, indicavam características físicas, defeitos físicos ou marcas de doenças como a varíola.
Alberto Fernandes - se é que este era seu nome verdadeiro -, processado e expulso em 1907, com 27
anos, por vagabundagem e gatunagem, por exemplo, era conhecido como “Bexiga”, em referência as
marcas das pústulas deixadas por seu corpo. Natural de Lugo (Galícia), ele era funileiro, solteiro,
analfabeto e não tinha residência, vagando pelas ruas do Rio de Janeiro. Cf. BRASIL. Arquivo
Nacional. SPJ, módulo 101, pacotilha IJJ 7131, 1907. Havia, também, o “Bexiga Novo”, Joaquim S.
Guimarães, português do Porto, solteiro de 25 anos, com 19 entradas na polícia como ladrão, até ser
expulso no ano de 1907. BRASIL. Arquivo nacional. SPJ, módulo 101, pacotilha IJJ7158.
circulação entre os cárceres e as ruas, que caracterizou a vida de muitos jovens como
ele, remete, pelo menos, a duas possibilidades explicativas. A primeira, o abandono que
de sua passagem à idade adulta. A segunda, o fato da capital brasileira não contar com
(Dois Rios) tivesse sido criada com o objetivo da recuperação da vadiagem pelo
jovem ter crescido na cidade, com ela sendo identificado. 14 O segundo, “Manca Mula”,
menos qualificados.
Os aportes analíticos que estruturam esse artigo têm por base uma amostra
formada por 252 processos movidos contra portugueses (171) 15 e espanhóis (81)
estrangeiros entre os anos de 1907 (primeira lei que regulamentou a questão) e 1930
descarte dos processos sucintos ou pedidos de informações. Com base nessa amostra,
serão discutidas quatro possibilidades principais para pensar a questão dos estrangeiros
14
Carioca é designação que caracteriza o natural da cidade do Rio de Janeiro, devendo ser observado,
também, que o uso de diminutivos faz parte da cultura local.
15
Sobre imigração portuguesa no Brasil, ver LOBO, 2001; MARTINS e SOUSA, 2006 e 2007; MATOS,
SOUSA e HECKER, 2008; SOUZA, MARTINS e MATOS, 2009; SARGES, SOUSA, MATOS,
VIEIRA JUNIOR e CANCELA, 2010.
autoridades constituídas como indivíduos “nocivos” à sociedade e/ou “perigosos” aos
Anarquistas/comunistas
Roubo/furto
Vadiagem/mendicância
Lenocínio/caftismo
Outros
leis (1907, 1913, 1921, 1926);da radicalização do protesto anarquista nas ruas (1919-
(1913, 1927).
60
50
Outros
40
Vadiagem/mendicância
30 Lenocínio
Roubo/furto
20 Anarquismo/comunismo
10
0
07 09 11 13 15 17 19 21 23 25 27 29
1 9 1 9 19 1 9 1 9 19 19 1 9 19 1 9 1 9 19
Excetuando-se o crime de lenocínio, que está subdimensionado na amostra, por
outras manifestações.
Brasil com a idade de 9 anos, na virada do oitocentos para o novecentos, em 1900. Foi
adistribuição de panfletos contra o filme “Lua Nova”, exibido nos circuitos do Rio de
Janeiro, no ano de 1919, com versões apócrifas sobre a revolução de 1917 na Rússia.16
ser o responsável pela confecção dos panfletos em questão. Como demonstra seu auto
Alfaiate por profissão, estava casado no momento em que respondeu ao processo e tinha
20 anos. Com seu retorno à Espanha, a esposa permaneceu no Brasil, tendo em vista que
a expulsão era um ato que só atingia o próprio indivíduo. Faziam 6 anos que A. A.
residia na cidade, tempo suficiente para que se tivesse tornado militante ou simpatizante
das causas anarquistas, pois, segundo a polícia, teria dado vivas ao anarquismo,
16
O filme era uma versão romanceada de uma notícia publicada pela imprensa sobre a socialização da
mulher na Rússia, que desencadeou uma onda de protestos tanto no momento da circulação da notícia
nos jornais quanto por ocasião da chegada às telas da versão hollywoodiana. SinopsedisponívelemThe
American Film Institut Catalog. Feature Films: University of California Press, 1911-1920 – The New
Moon. Sobre o tema, ver MENEZES, 2002: 47-58.
juntamente com os companheiros que o acompanhavam, tendo assumido ter se tornado
considerados “aves de arribação”. Pelo contrário, haviam passado parte de sua infância
e/ou juventude no Brasil, tornando-se anarquistas nos circuitos libertários com os quais
servente de pedreiro, ele era solteiro e analfabeto e havia entrado no país oito meses
Tinha, então, 32 anos e era membro da União da Construção Civil, dominada por
O tempo curto entre entrada no país e expulsão, porém, não era a norma,
caso de desemprego.19
17
BRASIL. Arquivo Nacional. SPJ. Módulo 101, Processos de expulsão, pacotilha IJJ 7138, 1919.
18
BRASIL. Arquivo Nacional. SPJ., Módulo 101, pacotilha IJJ7168, 1919.
19
Sobre movimento operário e conflito urbano no Brasil, ver as obras referenciais de CARONE, 1984;
MARAM, 1979; RODRIGUES, 1988; FAUSTO, 1977.
20
A chamada Propaganda pelo Ato ou Propaganda pelo Fato caracterizava-se pelo uso da violência como
estratégia revolucionária, com o uso da dinamite como forma de “acelerar as contradições” no seio do
capitalismo. A corrente teve ampla aecitação dentre padeiros e operários da construção civil. No caso
dos primeiros, eles estiveram associados às explosões de padarias nos idos de 1920. Sobre Propaganda
pelo Ato, ver JOLL, 1977.
Padeiro por profissão, Gregorio Febre tinha 27 anos quando foi expulso do país
do Rio de Janeiro. Já havia sido preso em outras duas ocasiões por motivos políticos,
nos 21 anos em que viveu na cidade, onde chegou com apenas 6 anos de idade.21
sua revolta contra as difíceis condições de trabalho, com destaque para os padeiros,
em uma cidade quente como o Rio de Janeiro; explicação plausível para o fato dos
mesmos constituírem parte importante dos processados por atos de violência, ao lado de
assassinato de um jovem espanhol. Em sua defesa, declarou que não dirigira insulto às
autoridades brasileiras, não assumindo ser subversivo, mas declarando que desejava um
21
BRASIL. Arquivo Nacional. SPJ., Módulo 101, pacotilha IJJ 7152, 1920. Como G. F., outros 7 padeiros
da amostra (6 portugueses e 1 espanhol), mais 5 operários da construção civil (4 portugueses e 1
espanhol), 1 vendedor de cigarros (espanhol) e 1 tamanqueiro (português) foram processados pelos
mesmos motivos. Observe-se, porém, que os processos não esgotam o universo daqueles que estiveram
envolvidos com a Propaganda pelo Ato ou daqueles que foram expulsos por este motivo, pois houve
expulsões totalmente realizadas à margem das leis (acreditamos que a maioria, no tocante aos
anarquistas). Nesse caso, é importante pontuar que a análise dos processos demonstra não ser
verdadeira a afirmação consagrada de que os anarquistas foram processados com outras qualificações,
conforme afirma MARAM, 1979.
22
Observe-se que, diferentemente de São Paulo, onde o movimento anarquista envolve, principalmente,
italianos e espanhóis, na cidade do Rio de Janeiro, considerado o fundo constituído pelos processos de
expulsão, a base da militância esta constituída, principalmente, por portugueses, adeptos do anarquismo
comunismo de Kropotkin, Réclus, Grave e outros.
regime no qual “não houvesse fome, justamente para os que trabalhavam”, enquanto
por determinadas mazelas sociais vedava a percepção das condições que eram
muito - para que indivíduos mais fracos (física ou mentalmente) acabassem lançados às
ruas.
mendigo que vivia da caridade pública ao explorador de mulheres, tendo em vista sua
ilícitas (Código penal, 1890). Dessa forma, alguns teóricos lançaram-se a classificar os
estavam dele excluídos por doenças, incapacidade física ou alienação mental. (vd.
permanente que afrontava a modernidade, mas ela não podia ser explicada como
23
BRASIL. Arquivo Nacional. SPJ, módulo 101, processos de expulsão, pacotilha IJJ7168, 1924.
simples fruto da imigração, em virtude da grande quantidade de ex-escravos que não
Com relação aos jovens estrangeiros que perambulavam pelas ruas, esta era uma
16 anos, que partiam de Portugal ou da Espanha, com destaque para a Galícia, para se
emprego, para eles, significava, quase inevitavelmente, perder casa e comida, razão pela
Paulo Barreto (João do Rio), por exemplo, ao descrever quem eram os presos no
carcerária:
Do conjunto acima descrito, fez parte Manoel Garcia, expulso do Brasil, como
ladrão, no ano de 1907, quando tinha 18 anos incompletos, após acumular prisões desde
os 13 anos. Alfabetizado, ele era espanhol, mas não sabiaprecisar o local de seu
24
O processo gradativo da abolição privilegiou, inicialmente, os filhos de escravos (1971),
posteriormente, os idosos sexagenários (1886). As faixas intermediárias, porém, permaneceram
exercendo o trabalho escravo até a Lei Áurea, de 1888. Esta, sucinta, não previu nenhuma ação para a
inserção social do ex-escravo, libertando, com grande impacto, uma massa de homens e mulheres que
não encontravam colocação em um mercado de trabalho dominado pelo trabalhador europeu,
principalmente na cidade do Rio de Janeiro.
nascimento nem, tampouco, o ano de sua entrada no Brasil. No momento em que foi
adotados não resultavam em êxito e isto, possivelmente, pouco tinha a ver com as “más
correntes migratórias”, mas com determinadas lógicas a que ficavam sujeitos aqueles
que migravam. Essa lógica, acabava por afetar os mais jovens, o que se torna
Como ilustra o gráfico abaixo (Gráfico 2), a maior incidência recaía na faixa
25
BRASIL. Arquivo Nacional. SPJ, módulo 101, pacotilha IJJ7146, 1907.
Nós queremos falar agora da legião de mendigos, na maior
parte estrangeiros, que vivem nas nossas praças públicas, nos
pontos de bonde, ou nas vizinhanças de certos
estabelecimentos /.../ exibindo as suas mazelas, por vezes
asquerosas chagas repugnantes que provocam náuseas.
Parece que a polícia deveria obrigar a recolherem-se aos
hospitais esses doentes, ou, pelo menos, a proibir
severamente que eles importunem o público com a exibição
de seu asco.
Parece também que deveriam ser remetidos para seus países
os mendigos estrangeiros /.../ que transformam a nossa capital
em nova corte dos milagres de repugnantes tradições (RIO
DE JANEIRO. Correio da Manhã, 15 ag. 1917).
carregadores. Conforme demonstravam os jornais, vários destes acabavam por ter seus
membros inferiores esmagados pela queda das carroças que conduziam. Existiam,
também, mendigos com idade avançada, que, igualmente, não encontravam colocação
no ano de 1928.
solteiro, analfabeto e não possuía residência fixa. Havia chegado ao Rio de Janeiro no
ano de 1890, quando tinha 26 anos, terminando expulso do país com a idade de 64 anos,
viram-se na contingência de viver nas ruas, contando com a caridade pública, incluindo-
que a mendicância expusesse, para além de suas “chagas”, as “chagas” de uma cidade
que reivindicava ser Paris nos trópicos. Quantos conseguiram vencer a travessia,
26
BRASIL. Arquivo Nacional. SPJ. Módulo 101, Processos de expulsão, pacotilha IJJ 7169, 1928.
desembarcando na terra natal e reconstruindo sua vida, impossível saber. Alguns
haviam migrado crianças ou jovens e acabavam por retornar a uma terra com a qual já
atingia as economias periféricas. Um bom exemplo pode ser dado pela expansão do
Da mesma forma que houve franceses, poloneses e russos presos porcrime contra
comércio”, declarando que, em 1919, havia deixado sua terra natal com destino a
27
Deve ser lembrado que a criminologia da época baseava-se em dados estatísticos para defender a
vinculação entre determinados crimes e determinados povos, em uma concepção evolucionista do
fenômeno criminal, do qual derivava a tese do atavismo de Lombroso.
28
O caftismo é uma das facetas do lenocínio, caracterizado pelo tráfico internacional de mulheres
destinadas à prostituição. O nome deriva de palavra judaica referente à roupa usada pelos judeus,
majoritários no domínio das rotas internacionais.
29
Sobre o tema, para a Europa, ver, dentre outros, a obra clássica de Louis FIAUX (1896) e CORBIN,
1978. Para o Brasil: RAGO, 1991 e MENEZES, 1996. Especificamente sobre portuguesas, SOARES,
1992.
Montevidéu, para dedicar-se à compra e venda de mercadorias, seguindo, em 1921, para
o Rio de Janeiro, quando tinha a idade de 34 anos. Nascido em Barcelona, Gaspar era
solteiro e alfabetizado. Segundo foi apurado em seuprocesso de expulsão, ele havia sido
preso, em 1916 ou 1917, na Espanha, pelo mesmo crime, quando se fazia passar por
Janeiro era importante rota do tráfico internacional, posicionada a cidade portenha como
trabalho da cidade, era possível que a nacionalidade atribuída nos processos não
aproveitarem-se dessa identificação para mudarem não apenas de nome a cada prisão –
João Ferreira. Identificando-se como português das “ilhas”, João tinha 24 anos no
momento da expulsão. Pedreiro por profissão declarada, ele era casado, analfabeto e
30
BRASIL. Arquivo Nacional. SPJ, módulo 101, pacotilha IJJ7153, 1929.
31
Sobre a importância de Buenos Aires no tráfico internacional, vd. a obra clássica de LONDRES, 1927.
32
BRASIL. Arquivo Nacional. SPJ, módulo 101, pacotilha IJJ7158, 1907.
Gráfico 4 - População estrangeira no Rio de Janeiro (Censo de 1920)
Portugueses
Italianos
Espanhóis
Turcos
Franceses
Alemães
Russos
Ingleses
Argentinos
Outros
logo após a revolta contra a vacina obrigatória, 33sendode se observar que,na amostra que
vendedor de peixe. Tinha 50 anos quando foi processado, por lenocínio, no ano de
1927, tendo retornado a Portugal após sete anos de residência no Brasil. Analfabeto, só
nomes, foi expulso, no ano de 1930, como vadio e ladrão, após 12 anos de residência.
Português de Braga, ele era serralheiro, solteiro e tinha 25 anos no momento da partida.
Havia migrado com a família, no ano de 1918, mas, após a volta desta para Portugal,
33
Sobre a Revolta da vacina, ver a obra referencial de SEVCENKO, 1985.
34
BRASIL. Arquivo Nacional. SPJ, módulo 101, pacotilha IJJ7164, 1927.
Desempregado, teve dificuldades para arranjar nova colocação, acabando por ser preso,
pela primeira vez, quando tinha 17 anos. A partir de então, acumulouvárias entradas na
Casa de Detenção, travando contato com ladrões e outros tipos de criminosos. Vivendo
nas ruas, passou a contar com o produto dos roubos que sobreviver. Segundo os
Pobreza e expulsão
processados eram indivíduos pobres, com baixa qualificação eexercendo tarefas pouco
marítimos, etc. constituíam a maioria esmagadora dos indivíduos que eram processados
presos e processados. Regra geral, isto ocorria no caso dos jogos de azar, com destaque
para o jogo do bicho,36 até hoje reprimido e popular no Rio de Janeiro. Através de
35
BRASIL. Arquivo Nacional. SPJ, módulo 101, pacotilha IJJ7132, 1930.
36
O chamado jogo do bicho originou-se da venda de bilhetes e sorteios para custear o Jardim Zoológico,
criado no rio de Janeiro ao final do século XIX. Com o tempo, tornou-se costume adivinhar o “bicho” e
o jogo espalhou-se pela cidade, sendo rotineiro, inclusive, jornais como o Jornal do Brasil, apresentar
indicações “dicas”, escondidas a um primeiro olhar, ao leitor. Apesar da repressão continuada, era o
jogo preferido pelas classes populares e muitos estrangeiros com ele estiveram envolvidos, como
agenciadores ou como jogadores.
37
Observe-se que os habeas corpus, previstos nas leis que regulamentavam a expulsão, pordemandarem
a contratação de advogado, só eram possibilidade aberta a comerciantes contraventores e e indivíduos
envolvidos com o caftismo internacional.
Nascido em Coimbra, Serafim de Almeida era solteiro e tinha 49 anos no
momento em que foi preso e processado. Vivia no Brasil há 19 anos. Acusado de vender
o jogo do bicho em seu estabelecimento, foi preso, mas contratou advogado que
impetrou habeas corpus, que constou de argumentação de que a acusação não procedia
posto em liberdade.38
Natural de Lisboa, Anibal Serrano era sapateiro, casado e sabia apenas assinar o
nome. Tinha 39 anos quando foi processado, após cinco entradas na polícia, sob a
advogado e livrou-se da expulsão, com a justificativa de que a mesma era ilegal, visto o
acusado ser proprietário de casa comercial, razão pela qual não podia ser considerado
um vadio.39
ordem. Por outro, dirigiu-se a uma gama enorme de infratores, sujeitos a medidas de
considerados “nocivos” à saúde social, ainda que, para muitos, a entrada no crime não
Referências
38
BRASIL. Arquivo Nacional. SPJ, módulo 101, pacotilha IJJ7148, 1930.
39
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