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 As teorias das relações internacionais e a integração regional

Após o término da Segunda Guerra Mundial e a formalização do acordo de Breton


Woods, o cenário político internacional sofreu com a bipolarização ideológica oriunda do
conflito entre Estados Unidos, que representava uma economia de mercado aos moldes
liberais e capitalistas, e União Soviética, representante de uma economia planificada e
socialista. Foi nesse contexto de Guerra Fria que surgiu o primeiro processo de integração
regional, que aconteceu na Europa buscando a integração entre os países do continente, sendo
resultado de tentativas governamentais de estabelecer um ambiente de maior segurança
política e de afirmação de identidades e interesses convergentes, assim diminuindo a tensão
causada pelo conflito. Junto a este processo de integração surgem também as primeiras
explicações de base teórica para explicá-los. Essas teorias foram criadas naturalmente para
esclarecer o processo vivenciado pela União Europeia, por isso não atende completamente às
particularidades de outros transcursos de integração – como o MERCOSUL, caso de foco
neste artigo.

Desta forma, para Vaz (2002) os argumentos sobre integração eram segmentados em
duas linhas, embora as condições fossem as mesmas. O primeiro fundamentava-se na ideia de
que os valores e crenças em comum, os interesses compartilhados e o consenso em relação à
estrutura da própria integração eram fatores essenciais para que o esquema regional
conseguisse obter coesão. Já o segundo argumento tinha como ponto principal no alcance
dessa coesão a utilização de instrumentos coercitivos e ameaças através do uso da força.

Partindo de uma perspectiva mais realista das relações internacionais, e deixando


evidentes as tensões existentes no cenário internacional no século XX, os Estados buscam a
integração política como uma forma de se proteger da anarquia internacional ou dos conflitos
bélicos. (DEUTSCH, 1982). O autor define essa integração “como um conjunto de
instituições e práticas, capazes de assegurar mudanças pacíficas em uma comunidade política,
cuja ocorrência de conflitos seja mínima”, e o processo teria o objetivo de realizar uma
unificação política pela compatibilidade dos valores mais relevantes entre as elites
participantes dentro do processo decisório político, como fator essencial para esta fusão.
(VAZ, 2002). A integração regional pode ser vista também como uma alternativa viável para
superar os obstáculos e fragilidades resultantes do processo de globalização, responsável pela
mudança da ordem mundial em diversos aspectos, inclusive no que diz respeito à soberania
dos Estados. (HISSA, 2008)
O Estado contemporâneo, portanto, passa por grandes transformações. As
cooperações internacionais entre os países – seja no âmbito econômico, político, social ou
cultural – são desde então cada vez mais recorrentes e íntimas. Essas relações ocorrem
principalmente no setor privado, de forma que dificulta o papel dos Estados de controlar tais
vínculos, devido ao surgimento de grandes conglomerados transnacionais que detém grande
poderio econômico e o capital é cada vez mais concentrado. Segundo Ferreira (2009), então, a
cooperação internacional, especialmente a formação de blocos regionais, é um mecanismo no
qual os Estados poderão reassumir seus papéis de atores principais no sistema internacional.
Porém, é necessário ressaltar que essa nova soberania se apresenta na forma de uma
supranacionalidade ou de uma soberania compartilhada, resultado dessa associação de
Estados, que compartilham um estreitamento de afinidades culturais, econômicas e de
convergência de interesses e objetivos.

Correntemente, as cooperações internacionais são advindas de trocas comerciais entre


países pertencentes a uma mesma região geográfica, que ao passar do tempo vão se
articulando de forma mais íntima, aprofundando suas relações políticas e culturais,
aumentando a interdependência entre eles em diversos âmbitos. Esse seria o ponto de partida
das integrações. (HISSA, 2008). A criação dos blocos regionais, então, é posta como uma
alternativa de formalizar uma união necessária para se garantir uma maior segurança político-
econômica.

Assim, essas cooperações podem ser analisadas através de diferentes perspectivas,


variantes das duas principais teorias das relações internacionais; o liberalismo e o realismo.
Partindo de pontos extremos, a teoria liberal enxerga no sistema internacional um cenário no
qual a cooperação é sempre algo benéfico aos Estados, permitindo o seu desenvolvimento
social e econômico. A integração regional, portanto, teria um papel de auxiliar e maximizar
esse desenvolvimento, através da troca mútua entre os países participantes dos blocos
regionais.

Já para a teoria realista, adotada neste trabalho, esse processo de integração seria uma
forma de proteção própria de cada Estado, dos seus interesses políticos e econômicos.
Segundo esta teoria as relações entre os países são assimétricas e o sistema é anárquico.
Devido a essa assimetria e anarquia, os Estados mais fortes internacionalmente teriam maior
poder de influência sobre os mais fracos e no próprio sistema como um todo, deixando os
interesses dos países periféricos à sua mercê. A ideia realista pode ser aplicada também ao
papel das elites no processo de integração, tendo como ponto de partida o argumento de que,
segundo Vigevani et al (2008), não estão interessadas em arcar com a maior parte dos custos
dessa fusão, a não ser que os seus interesses e benefícios sejam maximizados com o menor
gasto possível. Este é o papel que assumiram as elites brasileiras no momento de
desenvolvimento do MERCOSUL; demonstrando-se reticentes ao processo de integração.

Apesar de adotar um modelo intergovernamentalista, conforme o Protocolo de Ouro


Preto que garante a intergovernamentalidade dos órgãos decisórios, a formação do
MERCOSUL não foi oriundo da interdependência em relação aos demais países da região,
uma vez que o Brasil, que foi o principal articulador do processo junto à Argentina, é o Estado
de maior influência da região, mediante seu poderio econômico e tamanho territorial. Sendo
assim o país que menos dependia da formação do bloco, tanto do ponto de vista das
importações quanto das exportações. (HISSA, 2008).

Deste modo, a formação do bloco surge como uma forma de alcançar interesses
econômicos e financeiros. O significativo aumento nos números de exportações entre os
Estados, que passou de 11% para 25% entre 1991 (ano de assinatura do Tratado de Assunção)
e 1998, pode ser ilustração dos benefícios de integração. Ainda segundo a autora, é importante
ressaltar que, de certo modo, apesar de não ter surgido da interdependência entre os países, os
resultados do bloco foi responsável por essa dependência, e sua quebra seria extremamente
sentida por todos os países da região. Reforçando a força que o aprofundamento das relações
exerce sobre os Estados.

Mesmo tentando analisar a integração sul-americana partindo de uma perspectiva mais


realista, é de extrema importância ressaltar que nenhuma das teorias existentes contempla
perfeitamente a explicação do surgimento e comportamento do bloco e dos países que o
formam, devido a suas especialidades. No entanto, elas são capazes de ajudar a esclarecer
pontos particulares do processo, por isso a importância de se ter uma visão mais ampla e
aberta acerca da utilização dessas teorias nos estudos de processo de integração regional e das
relações internacionais de modo geral.

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