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Vice-Reitor
Antonio Carlos Hernandes
Vice-Diretora
Ana Paula Torres Megiani
Vice-Chefe
Elizabeth Balbachevsky
Vice-Coordenador
Rafael Villa
ISBN 978-65-87621-23-4
CDD 320
Coordenação Editorial
Mª. Helena G. Rodrigues – MTb n. 28.840
Capa
Monique Schenkels
Rogério Arantes
Lucas Petroni
sido grande o êxito do PPGCP. Nada menos do que 51,5% dos 103 E
S
doutores formados entre 2011-2020 são hoje professores universitá- E
rios e, dentre eles, vinte e cinco se encontram em universidades públi- N
cas, nas quais ingressaram por concurso. Vale citá-las nominalmente: T
UERJ, UFABC, UFBA, UFES, UFGD, UFPA, UFRGS, UFSC, UFU, A
Ç
UNICAMP, UNIFESP, UNILAB, UNIOESTE, UFU e USP. Em algu-
Ã
mas dessas instituições, nossos egressos estão atuando em programas de
O
pós-graduação que contam com as melhores avaliações, e alguns destes
.
jovens doutores já se tornaram bolsistas Produtividade em Pesquisa do
CNPq, uma das colocações mais almejadas pelos pesquisadores brasi-
9
leiros. Outros foram contratados pela FGV (em São Paulo e no Rio de
Janeiro), outros pela PUC-SP e UNISINOS. Cerca de 26% dos douto-
res estão em outras faculdades privadas e há dois doutores e um mestre
egressos que se tornaram professores no exterior (Argentina, Chile e
Estados Unidos).
12
Introdução
O setor de planos de saúde no Brasil gera bilhões de reais de fatu-
ramento e envolve empresas poderosas, como a Amil, a Bradesco Saúde
e a Qualicorp. Grupos sanitaristas, defensores do sistema público de
saúde, e entidades de defesa dos consumidores, proponentes de uma
regulação mais abrangente, também se mobilizam dentro do setor. O
principal lócus de embate dessas forças é a Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS), responsável por regular o setor.
O objetivo deste capítulo é analisar a política do setor de saúde
suplementar, com foco na disputa de poder na ANS. Para tanto, rea-
lizamos uma análise do jogo político na agência entre 2004 e 2014,
caracterizando o embate de forças políticas dentro da agência a partir
das nomeações políticas aos cargos de direção. Ao mapear as redes de re-
lações e a trajetória dos diretores, identificamos os grupos políticos que
atuaram na ANS ao longo de quatro gestões e suas respectivas agendas.
Paralelamente, examinamos as decisões-chave tomadas pela ANS,
de forma a observar os direcionamentos regulatórios produzidos em
cada gestão. Ao cotejar a coalizão dominante com as regulações edita-
das, pudemos verificar o efeito da influência na ANS e quais projetos
políticos foram implementados com maior êxito.
1
Esse capítulo é uma versão adaptada do artigo “Da hegemonia sanitarista
ao predomínio liberal: investigando os fatores que impediram uma inflexão
liberal na ANS (2004-2014)”, publicado na Revista Dados, Rio de Janeiro,
v. 62(4), 2019. Agradecemos aos editores a autorização para publicação nessa
coletânea.
their agencies – their unmet needs, their unfulfilled agendas, their loyal O
N
and hard-working employees”. I
O outro elemento que deve ser acrescentado numa análise holística A
Metodologia
O objetivo deste capítulo é caracterizar o jogo político e a interme-
diação de interesses na ANS. Essa discussão envolverá a reconstituição
dos principais grupos políticos na agência e a análise das decisões-chave D
tomadas nas diferentes gestões entre 2004 e 2014. Para tanto, anali- A
H
Figura 1: Rede entre diretoria colegiada da ANS, políticos
E
e ministro da Saúde (2004-2006)
G
Dilma Rousseff
Alexandre Padilha
E
Lula
Mozart Sales
M
Roberto Jefferson Patrus Ananias O
Diope Diretor-Presidente / Dipro N
I
Helvécio Magalhães A
Humberto Costa
Fernando Pimentel
S
José Gomes Temporão A
Diges
Dides Saraiva Felipe N
Deputado Luiz Sérgio I
Januário Montone T
Difis Benedita da Silva
A
R
José Gregori
José Serra I
Fernando Henrique Cardoso S
Barjas Negri
T
Gabriel Ferrato A
Legenda: Políticos Ministro da Saúde Diretores ANS. A
Fonte: Elaboração Própria.
25
2
Os mandatos dos diretores são não coincidentes. Como dividimos os períodos
conforme a gestão dos diretores-presidentes, necessariamente alguns diretores
terão ocupado esse posto ao longo de duas gestões diferentes. Nesses casos,
optamos por alocar o diretor na gestão em que ele exerceu a maior parte do
mandato. Em relação ao ministro da Saúde, optamos por deixar os dois que
ocuparam a pasta nesse período.
Fernando Pimentel
Saraiva Felipe
José Gomes Temporão
Alexandre Padilha
Roberto Jefferson
Lula
A Diope Diretor-Presidente / Dipro
N Patrus Ananias
O
V Humberto Costa
Diges
A Dides
C Benedita da Silva
I
Difis
Ê Deputado Luiz Sérgio
N
C Legenda: Políticos Ministro da Saúde Diretores ANS.
I Fonte: Elaboração Própria.
A
D
A Quadro 2: Perfil diretoria colegiada ANS (2007-2009)
I Sérgio Côrtes
Ê
Luiz Fernando Pezão Guido Mantega
N
C Dides
Deputado Luiz Sérgio
I
Difis
A
3
Embora tenhamos situado Eduardo Sales, da Difis, no grupo sanitarista, é
interessante observar que Luiz Sérgio (PT-RJ), o mentor de sua indicação, cujo
nome está historicamente associado ao movimento metalúrgico, recebeu R$
30 mil da operadora de planos de saúde Aliança para sua campanha a deputado
federal em 2010 (TSE, 2010).
6
Nelson Barbosa, secretário-executivo do Ministério da Fazenda, e Antonio
Henrique Silveira, secretário da SEAE, tiveram papel central nessa escolha
(entrevista ao autor).
7
Nas entrevistas, ficou claro que nenhum dos atores políticos ligados ao PT no
setor, como ministros e dirigentes da agência, tinha conhecimento desse fato.
11
A essa altura, um quinto diretor havia sido nomeado na agência. Trata-se de
André Longo, médico ligado ao PT indicado pelo ministro Alexandre Padilha.
Assim, dois diretores ligados ao PT aprovaram a medida.
liberal. M
O
Para a verificação do padrão de votação da diretoria da ANS, con- N
sultamos o rol completo de resoluções normativas no próprio site da I
A
agência. Para cada resolução, identificamos a data da reunião em que foi
aprovada e checamos as respectivas atas para conferir os diretores pre- S
A
sentes e o voto de cada um. Excluindo da população analisada as reso- N
luções atinentes ao regimento interno, construímos uma base de dados I
T
com 211 resoluções com impacto regulatório entre 2004 e 2014.
A
A análise dos dados vem ao encontro de nossas suposições. Não R
I
foi possível realizar um teste do agrupamento dos votos, pois, das 68 S
resoluções normativas aprovadas durante a gestão Ceschin, em apenas T
A
uma houve divergência – justamente na já mencionada votação sobre a
regulamentação dos direitos de demitidos e aposentados, quando Sales A
foi voto divergente. Assim, Sales, que era o único diretor vinculado ao
grupo sanitarista do PT e afirmara, em entrevista, que havia se tornado a 37
Diretor-presidente / Dipro H
Diope
E
Eunício Oliveira G
Dides E
Sergio Cabral M
O
Guido Mantega
N
Antonio Henrique Silveira I
A
Legenda: Políticos Ministro da Saúde Diretores ANS.
Fonte: Elaboração Própria. S
A
N
I
Quadro 4: Perfil diretoria colegiada ANS – 2013-2014
T
Nome Posição/Cargo Governo Partido Instituição anterior A
André Longo Diretor-presidente / Dipro Dilma 1 Sindicato dos Médicos/PE R
I
Leandro Reis Tavares Diretor Diope Dilma 1 Amil
S
Bruno Sobral de Carvalho Diretor Dides Dilma 1 DEM Ministério da Fazenda T
Fonte: Elaboração Própria. A
42
12
A título de exemplo, a Amil é uma medicina de grupo, a Bradesco Saúde é
uma seguradora, as Unimeds são cooperativas médicas e a Qualicorp é uma
administradora de benefícios.
Por que eu vou me desgastar com uma coisa que eu vou desagradar
todo o status quo político, eu vou desagradar o meu servidor, eu vou D
desagradar os sanitaristas, eu vou desagradar os consumeristas, né, A
eu vou desagradar o presidente da República e o ministro? E do outro
lado eu vou agradar um dos atores ou dois dos atores? Você fala: pô, H
eu não vou entrar nessa (entrevista ao autor). E
G
Outro fator extremamente forte, de cunho institucional, a blo- E
M
quear iniciativas mais liberalizantes na ANS é sua burocracia sanitarista.
O
Embora tardiamente, a agência logrou consolidar seu corpo profissional N
ao longo do tempo. Os concursos públicos realizados, oferecendo altos I
salários e exigindo uma grande expertise, forjaram um quadro técnico al- A
O fato de você ter trocado 100% dos servidores entre 2005 e 2007
gerou uma, digamos, uma estabilidade, uma estabilização que é
difícil de romper, entendeu? Para ir para lá e fazer isso [introduzir
agenda liberalizante], o cara tem que ser bom, conseguir enfrentar.
Primeiro, precisa ter uma agenda e, segundo, precisa ter capacidade
de enfrentamento para poder reverter ou superar as dificuldades
colocadas pelos próprios funcionários da casa (entrevista ao autor).
45
13
<https://www.youtube.com/watch?v=GyYtSNf7Eik>. Acesso em 20/12/2016.
14
A nomeação de Abrahão foi o movimento mais radical pró-empresariado na ANS,
pois ele foi presidente da CNS, entidade representativa dos estabelecimentos e
prestadores de serviços de saúde privados, entre 2003 e 2014. Foi a CNS que
ajuizou uma ADIN no STF para questionar a lei do setor.
A
na verdade, assim, né, eu sempre, já conversei isso com vários
diretores de empresas, essa coisa de você colocar um operador
do mercado diretamente é uma bobagem, né, porque você gera 47
15
Por estar localizado na mesma cidade que a ANS, o Rio de Janeiro, o jornal
O Globo faz um acompanhamento mais sistemático da política do setor,
tornando-se o veículo mais influente.
A
Considerações finais
N
O Buscamos contribuir com a literatura sobre política, interesses e bu-
V rocracia. Empiricamente, fizemos um amplo esforço qualitativo para
A
revelar o modus operandi que cerca as indicações políticas numa agência
C
reguladora no país. Do ponto de vista da literatura de agências regula-
I doras e em contraste com a matriz teórica da nova economia institu-
Ê
cional, demonstramos, a partir do jogo político por trás das nomeações
N
C
na ANS, que o desenho institucional das agências reguladoras não lhes
I garante autonomia. As agências, assim como outros órgãos governa-
A
mentais, estão inseridas e sofrem influência das diversas teias de relações
D que envolvem políticos, burocratas e empresários.
A
Mas a principal contribuição diz respeito aos fatores que explicam
P a influência ou o resultado das políticas regulatórias levadas a cabo pela
O
L
ANS. Ao reconstituir as disputas políticas na história da agência, vi-
Í sando aferir se o empresariado é beneficiado em detrimento dos con-
T
I sumidores conforme ocorre a transição de um período sanitarista para
C um de corte mais liberal, observamos, ao contrário das expectativas, que
A
a ANS não alterou seu rumo. Antes, seguiu e até aprofundou a toada
.
incremental de regulação assistencial que marca sua trajetória.
48 A interessante constatação de que a correlação de forças políticas,
expressa na ocupação dos cargos de direção da ANS, não é capaz de
explicar a não inflexão liberal, ou seja, o resultado da política, reco-
necta-nos com a discussão precedente e aponta para as contribuições do
trabalho. Identificamos que a perspectiva agente-principal deveria ser
expandida, pois seu foco nos mecanismos de controle não dá conta da
D
A
H
E
G
E
M
O
N
I
A
S
A
N
I
T
A
R
I
S
T
A
53
Introdução
Durante a ditadura militar brasileira, milhares de graves violações
de direitos humanos foram perpetradas por agentes do Estado, confi-
gurando um padrão sistemático de abusos. Na área limítrofe entre os
Estados do Pará, Tocantins e Maranhão, entre 1972 e 1975, ao longo
de três investidas militares contra a guerrilha do Araguaia, o regime mi-
litar foi responsável pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento
forçado de ao menos setenta pessoas, entre camponeses e militantes do
Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
Em 1995, duas décadas após o fim da guerrilha, e em resposta à falta
de resultados de uma ação interna na justiça brasileira iniciada em 1982
que buscava elucidar o incidente, familiares das vítimas, agrupados na
Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos (CFMDP)
e no Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro (GTNM-RJ), en-
viaram o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
(CIDH) com a ajuda do então escritório conjunto do CEJIL (Center for
1
Artigo publicado originalmente na Revista Carta Internacional, Belo Horizonte,
v. 12, n. 3, 2017, pp. 130-152, a quem o autor agradece pela permissão para
republicação neste livro. Pesquisa realizada com ajuda financeira da Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) (processo 2011/50059-
6) e do programa Capes-Proex do Departamento de Ciência Política da USP. O
autor agradece aos pareceristas anônimos da Carta Internacional e às pessoas
entrevistadas durante a pesquisa, com destaque para os familiares de mortos
e desaparecidos políticos no Araguaia.
D 2
No tocante à hierarquia das normas internacionais de direitos humanos dentro
A
do ordenamento jurídico brasileiro, desde a incorporação do parágrafo 3o ao
P artigo 5o da Constituição Federal por meio da Emenda Constitucional (EC) n.
O 45/2004, os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que
L forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por
Í três quintos dos votos dos respectivos membros, terão status constitucional.
T
Já os tratados posteriores à EC 45/2004 que não sejam aprovados por maioria
I
C
qualificada, isto é, por três quintos dos votos, em dois turnos, pela Câmara
A dos Deputados e Senado, receberão apenas status infraconstitucional, de
legislação ordinária. Em 2008, o Supremo Tribunal Federal decidiu em favor
.
da tese da supralegalidade para os tratados de direitos humanos incorporados
ao direito brasileiro antes da EC 45/2004, como a Convenção Americana de
56 Direitos Humanos. Nesses casos, o status dos tratados situa-se acima de todas
as leis ordinárias do país, mas abaixo da Constituição (cf. Ramanzini, 2014). Por
sua vez, no que diz respeito à relação do Brasil com o sistema interamericano
de direitos humanos, os pronunciamentos da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos têm caráter de recomendações, enquanto os julgamentos
da Corte Interamericana de Direitos Humanos constituem sentenças de
natureza vinculante.
3
Para estabelecer a lista dos parentes das vítimas mais ativos em relação à
promoção do caso no SIDH, procedeu-se ao cruzamento de referências e nomes 57
a partir do contato com familiares de São Paulo e diferentes advogadas do CEJIL
que litigaram o caso, o que produziu uma relação de pessoas a entrevistar,
posteriormente checada com familiares do Rio de Janeiro. No total, sete
pessoas da CFMDP e do GTNM-RJ foram entrevistadas consensualmente em
2014, pessoalmente ou via Skype. A relação completa das entrevistas encontra-
se no apêndice.
4
De acordo com Sikkink (2005, p. 155), estruturas domésticas de oportunidades
políticas referem-se a “quão abertas ou fechadas (...) as instituições domésticas
estão perante a participação e pressões de redes e movimentos sociais”.
atribuído a essa conquista, do papel que ela passa a ocupar como eixo M
central de reivindicação desse grupo e do seu claro impacto, não só para A
a agenda de demandas dos familiares, mas também para o sentimento S
de empoderamento pessoal desses militantes, prevalece a frustração com
E
a falta de resultados da condenação internacional, que, aliás, reforça
o histórico de atuação política dessa agrupação, já acostumada com a O
5
Apesar do pagamento de reparações, o Estado se nega a revelar os arquivos
e informações sobre as campanhas militares contra a guerrilha do Araguaia.
Os familiares das vítimas ainda buscam os restos mortais dos mortos e
desaparecidos políticos e nenhum agente estatal responsável pelos crimes
cometidos contra a humanidade foi processado e punido penalmente.
mento de familiares, formariam, assim, nas suas leituras, a base que tem P
impulsionado as respostas domésticas de vários procuradores (Maria R
Amélia de Almeida Teles, 24 set. 2014; Togo Meirelles, 2014). Ê
M
Ademais, ainda no tocante às consequências macropolíticas, a con-
I
denação serve ainda de ferramenta política a outros movimentos sociais O
que podem se valer não só dos dispositivos da sentença, mas também do ?
”
exemplo e experiência acumulada dos familiares de mortos e desapareci-
dos políticos frente ao SIDH para confrontar as muitas arbitrariedades
do Estado que ainda persistem impunemente. Na opinião de Criméia 67
Schmidt de Almeida, a vitória no SIDH contribui para
Além disso, por mais que a sentença não seja cumprida, tanto o
silêncio sobre o passado quanto o discurso oficial de que o Estado já
tomou todas as medidas possíveis no tocante à justiça de transição fo-
ram irremediavelmente abalados. Novamente segundo Criméia, põe-se
A fim em definitivo à mitologia do acordo fundador da Nova República,
supostamente celebrado por meio da Lei de Anistia, e “essa sentença
N
O
vai pra história do Brasil. Então nós não vamos ter uma história tão
V bonitinha como se costuma contar a história, né? Nós não vamos ter lei
A áurea aqui, coisinhas do gênero” (Criméia Alice Schmidt de Almeida,
23 set. 2014). De igual maneira, as demandas dos familiares ganham a
C
I chancela da CoIDH e adquirem uma nova dimensão política e jurídica,
Ê impulsionando novas estratégias de resistência institucional. Nas pala-
N
vras de Elizabeth Silveira, “Não sou eu mais que estou falando, agora
C
I quem está falando é a justiça internacional. O Brasil não é signatário,
A não assinou?” (Elizabeth Silveira, 2014).
D Por sua vez, finalmente no que tange ao impacto da decisão da pers-
A
pectiva mais subjetiva e simbólica das vítimas, é consensual entre os fa-
P miliares o sentimento de empoderamento pessoal e político e a sensação
O
de finalmente poder afastar os estigmas, preconceitos e ter os seus direitos
L
Í reconhecidos, demonstrando assim a justeza da luta política empreen-
T
I
dida há mais de quatro décadas. A sentença fortalece as reivindicações
C históricas do movimento e contribui para a construção social, política
A e simbólica dos familiares enquanto portadores legítimos de direitos
.
que merecem reconhecimento público oficial. Para Amélia Teles, como
resultado desse processo, “você cresce, você se sente orgulhosa, você é
68
protagonista de uma história” (Maria Amélia de Almeida Teles, 24 set.
2014).
Para Lorena Moroni, a condenação proporciona um alívio, ao pro-
var que os familiares sempre estiveram certos e que os militares viola-
dores de direitos humanos nunca defenderam a pátria (Lorena Moroni,
6
Apresentada ao STF pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), em maio
de 2014, a ADPF 320 gira em torno da sentença condenatória da CoIDH e do
descumprimento da Convenção Americana de Direitos Humanos pelo Brasil,
requerendo que a Lei de Anistia deixe de ser utilizada como uma barreira face
aos esforços de persecução penal.
C
I Frustração com os obstáculos e a falta de resultados
Ê
N Já no que tange às críticas dirigidas às limitações do SIDH, os fami-
C liares se queixam da legalização e judicialização excessivas do sistema7,
I
A
as quais se constituem em barreiras para a sua ativação, demandando
assim a necessidade de intermediação e tradução por parte de uma or-
D
ganização não governamental (ONG) de direitos humanos especiali-
A
zada e com uma equipe de advogados altamente treinada. Ao considerar
P a trajetória do caso Gomes Lund, é consensual entre os familiares a
O
L
importância do trabalho do CEJIL e a avaliação de que seu papel foi
Í imprescindível para o andamento e conclusão bem-sucedida do litígio.
T
I A impossibilidade de realizar um acompanhamento sistemático do
C
caso, a falta de treinamento jurídico e de recursos para arcar com as des-
A
pesas de deslocamento para as sessões da CIDH e CoIDH, bem como
.
70
7
O processo crescente de judicialização e legalização do SIDH nas últimas duas
décadas se refere sobretudo às práticas e procedimentos da CIDH, que tem
progressivamente tratado as denúncias e queixas recebidas como um processo
judicial cada vez mais exigente em termos de apresentação de evidências
e argumentos jurídico-legais, “moldados no domínio de advogados que se
especializam em litígio” (DULITZKY, 2011, p. 143).
E
Por sua vez, para Amélia Teles, para além da questão dos altos cus-
tos e da falta de preparo, o problema é antes a necessidade de interme- O
diação e tradução frente aos códigos e questões jurídicas manejados pelo
P
SIDH, os quais constituem uma barreira intransponível para os fami- R
liares. Frente aos meandros legais, burocráticos e linguísticos do SIDH, Ê
torna-se indispensável a presença de um intérprete, como o CEJIL, a M
fim de que os trâmites e exigências para o andamento do caso sejam I
O
inteligíveis para os familiares. Para a militante,
?
”
8
A petição foi apresentada em 1995 e somente em 2008, depois de ter admitido
o caso em 2001, é que a CIDH emitiu um relatório de mérito e logo em seguida
enviou o caso para a CoIDH.
Silveira, 2014). A
N
Em meio a esse cenário, no qual não se pode compelir o Estado a
H
cumprir a decisão, à CoIDH não resta alternativa senão aguardar que E
as autoridades brasileiras honrem suas obrigações internacionais. Para I
Criméia, isso equivale ao ato pelo qual Pôncio Pilatos lavou suas mãos
N
frente à crucificação de Jesus Cristo, uma vez que A
estão investindo na morte dos réus, porque aí não precisa julgar (...) L
O
tanto a Corte aguarda, como o Estado brasileiro aguarda (...) dá uma
T
de Pilatos (...) Porque senão seriam mais (...) enfáticos, e [haveria]
E
mais coisa nos relatórios de cumprimento. (Criméia Alice Schmidt de
R
Almeida, 23 set. 2014)
I
A
Por seu turno, para Amélia Teles, num processo já demasiadamente !
lento, longo e complexo, permeado por altos custos e incertezas quanto
M
ao seu resultado final, o SIDH aloca uma carga desumana de exigências
A
provatórias, burocráticas e processuais para as vítimas, as quais são ex- S
postas a um desgaste desnecessário que deveria ser, em sua opinião, de
E
responsabilidade dos operadores da CIDH e da CoIDH e não daqueles
que já sofreram violações de direitos humanos e se encontram muitas O
vezes em situação de vulnerabilidade. Nas suas palavras,
P
R
[O que] eles exigem das entidades, das pessoas é desumano. Eu acho
Ê
desumano. Exigir aquelas perguntas e respostas [...] Eles podiam
M
mandar um especialista vir [fazer] um resumo, relatório”. (Maria
I
Amélia de Almeida Teles, 24 set. 2014) O
?
”
Por fim, alguns familiares queixam-se de que, para serem ouvidos
pelo SIDH e em outros espaços institucionais, domésticos e internacio-
nais, tiveram de moderar o teor de suas críticas e adotar uma nova iden- 73
tidade de ativistas de direitos humanos, em detrimento da sua postura
de militância política mais contestatória. Face ao predomínio crescente
dos direitos humanos tanto sobre outras narrativas rivais de dissenso
quanto sobre projetos e visões alternativos que buscam obter legiti-
midade política (BEITZ, 2009; HAFNER-BURTON; RON, 2009,
D
Essas críticas e considerações revelam assim um efeito potencial-
A mente perverso não só do SIDH, mas de todo o regime internacional
de direitos humanos. Para que suas causas e demandas ganhem visibili-
P
O dade e legitimidade, vítimas e grupos vulneráveis precisam incorporar
L a linguagem, as categorias jurídico-legais e as normas e práticas institu-
Í
T
cionais de registro das violações e de produção de informações oriundas
I do regime internacional de direitos humanos, aceitas como “neutras”,
C
críveis, verificáveis e reproduzíveis pelas organizações intergovernamen-
A
tais, grandes ONGs internacionais, audiências externas e organismos
.
doadores. Por conseguinte, como resultado desses constrangimentos,
são abandonadas as narrativas de dissenso mais totalizantes, radicais e
74
contestatórias do passado, em favor de um marco mais liberal e minima-
lista atrelado à lógica de mudanças incrementais. Para que possam con-
quistar audiências domésticas e internacionais, movimentos políticos
antes calcados em um tipo de ação política mais transformadora, con-
testatória, de resistência e de ruptura deslocam-se consequentemente
N
Comentários Finais A
9
Para uma discussão relativa ao conceito de voz pública, aplicado à atuação
do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, consultar
Hernandez, 2015.
MCCANN, Michael. Rights at work: pay equity reform and the politics of legal
mobilization. Chicago, University of Chicago Press, 1994.
MCCANN, Michael. How does Law Matter for social movements? In:
GARTH, Bryant; SARAT, Austin t (eds.), How does Law Matter?. Illinois,
Northwestern University Press, 1998.
A
MCCANN, Michael. Law and social movements: contemporary perspectives.
N Annual Review of Law and Social Science, v. 2, pp. 17-38, 2006. <https://doi.
O
V
org/10.1146/annurev.lawsocsci.2.081805.105917>. Acesso: 26 dez. 2017.
A
MCCANN, Michael. Poder Judiciário e mobilização do direito: uma
C perspectiva dos “usuários”. Anais do Seminário Nacional sobre Justiça
I Constitucional. Seção Especial da Revista Escola da Magistratura Regional
Ê
N Federal da 2ª. Região/Emarf, pp. 175-196, 2010.
C
I RAMANZINI, Isabela Gerbelli Garbin. Supremo Tribunal Federal: equilíbrio
A
entre a Constituição e os Tratados Internacionais. Boletim Meridiano 47,
D v. 15, n. 141, pp. 44-50, jan.-fev., 2014. <http://periodicos.unb.br/index.
A
php/MED/article/view/9873/7623>. Acesso: 26 dez. 2017.
P
O SIKKINK, Kathryn. Patterns of Dynamic Multilevel Governance and the Insider-
L
Í
Outsider Coalition. In: DELLA PORTA, Donatella; TARROW, Sidney (eds.).
T Transnational Protest and Global Activism, New York: Rowman and Littlefield,
I
C pp. 151-173, 2005.
A
. SIMMONS, Beth A. Mobilizing for Human Rights: International Law in
Domestic Politics. Nova Iorque: Cambridge University Press, 2009.
78
L
MORONI, Lorena. Entrevista: Lorena Moroni. Familiar de desaparecida O
política na guerrilha do Araguaia. Entrevista concedida a Bruno Boti Bernardi T
no Rio de Janeiro, em 23 de outubro de 2014. E
R
TELES, Maria Amélia de Almeida. Entrevistas: Maria Amélia de Almeida I
A
Teles. Ex-presa política e militante da CFMDP. Entrevistas concedidas a !
Bruno Boti Bernardi em São Paulo, em 29 de agosto de 2014 e 24 de setembro
M
de 2014.
A
S
MEIRELLES, Togo. Entrevista: Togo Meirelles. Ex-vice-presidente do
GTNM-RJ. Entrevista concedida a Bruno Boti Bernardi via Skype em 26 de E
setembro de 2014.
O
79
Ricardo Ceneviva
1
A esse respeito ver, entre outros, Gil e Arelano (2004); Araújo (2005); Oliveira
(1999); Pinto (2000).
83
2
Essas formulações vão desde a “competição predatória” de Paul Peterson (1995)
até o “federalismo protetor do mercado” de Bary Weingast (1995), passando
pelas análises de James Buchanan (1995) dentro da tradição teórica da public
choice.
5
Além dos já mencionados trabalhos de Arretche (2000) e Falleti (2005), outra
exceção digna de nota é: Ward e Rodrigues (1999).
P
6
O Os trabalhos empíricos em economia da educação produzidos no Brasil
L são, usualmente, classificados de acordo com a temática desenvolvida. De
Í sorte que, há um primeiro grupo de estudos que trata da mobilidade social e
T
econômica em termos educacionais, a esse respeito, ver por exemplo: Barros
I
C
e Lam, (1993); Ferreira e Veloso, (2003); Marteleto, (2004). Uma segunda
A linha de pesquisa que aborda a relação de desigualdade de oportunidades e
desigualdade de renda, trabalhos exemplares nessa linha são: Bourguignon et
.
al. (2003); Menezes-Filho (2001), entre outros. Já a terceira vertente investiga a
relação entre trabalho infantil, pobreza e escolaridade, nessa linha de pesquisa,
88 pode-se destacar os trabalhos de Emerson e Souza (2003, 2007 e 2011); Kassouf
(2001); Barros et al.(1995); e Fernandes e Menezes-Filho (2000), entre os
mais relevantes. No presente trabalho, não se faz uma resenha exaustiva
dessa literatura. Ao contrário, optou-se tão-somente por destacar aqueles
trabalhos (independentemente da abordagem adotada) que dialogam direta
ou indiretamente com a questão da descentralização, mais especificamente,
ou com a gestão escolar, mais amplamente.
90
8
O acumulo de evidências empíricas de que as escolas estão longe de verter mais
recursos em melhores resultados educacionais (e.g. Hanushek, 1995 e 1994),
levou a um interesse crescente de questões relacionadas à gestão dos sistemas
de ensino e à governança das escolas. Dentro desse contexto a questão da
descentralização da educação tem merecido um lugar de destaque na agenda
de pesquisadores e decisores políticos.
93
9
Leme, Paredes e Souza (2010) identificam apenas 122 escolas que migraram do
controle estadual para o controle municipal e que aparecem pelo menos duas
vezes nas avaliações do MEC/INEP entre os anos de 1999 e 2005.
10
A modalidade regular do ensino fundamental não lava em conta a Educação
para Jovens e Adultos (EJA), como também as classes especiais e escolas
exclusivas para crianças portadoras de necessidades especiais.
40
Números de matrículas (em milhões)
30
20
10
0
Verifica-se que a grande maioria dos alunos está matriculada nas es- D
E
colas públicas, estaduais ou municipais. O número de matrículas na rede
privada de educação fundamental conserva-se praticamente invariável G
em torno de pouco mais de três milhões. A partir dos números apresen- O
tados na figura 1, pode-se concluir que a grande expansão do número V
de alunos matriculados no ensino fundamental deve-se, quase que ex- E
R
clusivamente, à ampliação da rede pública de ensino. Particularmente,
N
à expansão do número de matriculados em escolas públicas municipais.
O
Em 1991, havia cerca de 25 milhões de alunos matriculados em esco- A
las públicas estaduais e municipais. No final da década de 1990, esse
número ultrapassa os 32 milhões de matriculados. Em 2010, devido à
queda no número de matriculados no ensino fundamental, esse valor se
reduz para pouco mais de 27 milhões de alunos. 95
A
% de participação das matrículas
50
D
A
40
P
30
O
L
20
Í
T
10
I
C
A 1990 1995 2000 2005 2010
. ANO
Estaduais _____ Municipais
Privadas
96
Fonte: Censo Escolar, INEP/MEC
Metodologia
A pergunta básica que o presente capítulo pretende responder é: o
nível de governo importa para a qualidade da educação pública? No caso
específico da análise da municipalização da educação fundamental no
O
Brasil, essa pergunta pode ser reformulada da seguinte maneira: O nível
de governo importa para a qualidade da política educacional oferecida N
à população? Como já comentado na introdução, a descentralização Í
V
pode ser apontada como uma das principais políticas governamentais
E
para o ensino fundamental implementadas no Brasil nos últimos anos. L
Entretanto, existe ainda muita controvérsia a respeito dos efeitos da mu-
nicipalização sobre a qualidade do ensino público oferecido no Brasil. D
E
Para responder essa pergunta, a estratégia empírica adotada no pre-
sente estudo consiste em examinar o diferencial de desempenho entre as G
redes públicas de ensino. Mais importante, busca-se examinar o efeito O
da municipalização das matrículas e gastos em educação sobre o desem- V
penho escolar dos alunos das redes públicas municipais e estaduais. E
R
Esta escolha deriva do pressuposto de que os efeitos da municipali-
N
zação podem se fazer sentir de forma diversa sobre os alunos, as escolas O
e os municípios. Por conseguinte, a pergunta inicial acerca do efeito da A
municipalização sobre a qualidade da educação é desdobrada em per-
guntas específicas acerca do efeito da municipalização sobre os alunos,
tais como: existe alguma diferença na proficiência dos alunos de esco-
las públicas municipais e escolas públicas estaduais? Qual a magnitude 97
dessa diferença? Essa diferença pode ser atribuída a disparidades nos
recursos familiares do alunado, ou deve-se a disparidades nos insumos
escolares?
dos efeitos específicos não observáveis das escolas. Pretende-se com esse E
Onde:
• Y ijr
t
é a proficiência do aluno i, na escola j, da rede r, no tempo t;
• α0 é uma constante;
• EST tij é uma variável do tipo dummy que indica se a escola j, do
aluno i, no tempo t está sob controle do estado;
• Aijr t
é o vetor de características do aluno i, na escola j, da rede r,
no tempo t;
A
• P ijrt
é o vetor de características do professor do aluno i, na escola
N j, da rede r, no tempo t;
O
• Dijr t
é o vetor de características do diretor do aluno i, na escola j,
V
A
da rede r, no tempo t;
• T ijrt
é o vetor de características da turma do aluno i, na escola j,
C da rede r, no tempo t;
I
Ê • E ijrt
é o vetor de características de infraestrutura da escola do
N aluno i, na escola j, da rede r, no tempo t
C
I • θi é o efeito específico não observado da escola;
A
• ϵikr
t
é o termo de erro aleatório.
D
A
O parâmetro de interesse aqui é dado por “Beta1” o qual indica a
P
O
diferença de desempenho acadêmico entre os alunos matriculados nas
L escolas estaduais e municipais. O vetor de parâmetros de controles betan
Í reporta as relações condicionais dos insumos escolares sobre o desempe-
T
I nho dos alunos. A equação 1 é a função de produção da educação, tal
C como conhecida na literatura (Hanushek, 1996).
A
Após se verificar se existe mesmo diferença entre as proficiências
.
médias de estudantes das redes públicas estaduais e municipais, busca-
-se então examinar se essa diferença de desempenho pode ser atribuída
100
a disparidades nos fatores que podem afetar o rendimento acadêmico
dos alunos. Isto é, procura-se investigar se a diferença de rendimento
escolar se deve a um problema de seleção dos alunos entre as redes ou,
pelo contrário, deve-se a desigualdades nos insumos escolares das redes
públicas estaduais e municipais.
Equação 2:
MUNIjt = α0 + β1A ijr
t
+ β2P ijr
t
+ β3D ijr
t
+ β4T ijr
t
+ β6E ijr
t
+ UFj + tt + ϵ ikr
t
Onde:
• MUNIjt é uma variável do tipo dummy que identifica se a es-
cola j está sob o controle do município no tempo t
• α0 é uma constante
• A ijrt
é o vetor de características do aluno i, na escola j, da rede r,
no tempo t
O
• P ijrt
é o vetor de características do professor do aluno i, na escola
j, da rede r, no tempo t N
• D ijr t
é o vetor de características do diretor do aluno i, na escola j, Í
V
da rede r, no tempo t E
• E ijrt
é o vetor de características de infraestrutura da escola do L
aluno i, na escola j, da rede r, no tempo t
D
• UFj é um conjunto de variáveis do tipo dummy indicador da E
UF
• tt é um conjunto de variáveis do tipo dummy indicador do ano G
O
• ϵ ikr
t
é um termo de erro aleatório V
E
Resultados R
N
Nessa seção são apresentados e discutidos os principais resultados O
da presente investigação. Vale lembrar que a pergunta básica que se pre- A
103
11
Nesta seção do capítulo, para se preservar a clareza na exposição dos resultados
serão apresentados apenas os resultados das estimações para os exames de
língua portuguesa. Os resultados para os exames de matemática, que em geral
não desviam dos resultados de língua portuguesa, estão disponíveis mediante
104
escolares.
13
A diferença no exame de matemática é de exatamente 5,108; o que corresponde 105
a aproximadamente um desvio de 3 por cento nas proficiências médias dos
alunos das escolas públicas municipais e públicas estaduais. Como no caso
do exame de língua portuguesa essa diferença é favorável às escolas das redes
estaduais.
14
Outro pressuposto necessário para que o método de estimação por Efeitos
Fixos produza estimadores não enviesados é que as variáveis das escolas
afetem a proficiência média de seus alunos, enquanto a proficiência média dos
seus alunos não afetem as características das escolas.
15
A esse respeito ver, entre outros, Franco e Menezes-Filho, 2009, Felício e
Fernandes, 2006 e Menezes-Filho, 2007.
108
16
As tabelas 5 e 6 são apenas a continuação dos resultados reportados na tabela
4. Aqui, mais uma vez, as tabelas foram cortadas apenas para se preservar a
clareza e a inteligibilidade na exposição dos resultados.
17
Para ser mais rigoroso, o que a estimação via regressão probabilística informa 109
é que, se o aluno i matrículado na 4a série do ensino fundamental, declarou-
se negro, ele tem maiores chances, mantidas todas as demais variáveis
constantes, de estar matrículado numa escola das redes públicas municipais
do que numa escola das redes públicas estaduais. Feito esse esclarecimento,
vale observar que na presente seção, por meras questões estilísticas, afirmar-
se-á, por exemplo que a prevalência de alunos negros é maior (tudo o mais
constante) nas escolas das redes públicas municipais, se comparadas às escolas
das redes públicas estaduais. Admite-se que essa interpretação não é a mais
rigorosa. Entretanto, por aproximação, tal interpretação não é equivocada.
18
Ver a esse respeito a tabelas 1 e 2, além dos já citados trabalhos de Franco e
Menezes-Filho (2009), Felício e Fernandes (2006) e Menezes-Filho (2007).
19
Ver a esse respeito, entre outros, os já citados: Franco e Menezes-Filho (2009),
Felício e Fernandes (2006) e Menezes-Filho (2007); além da tabela 1 acima.
D
E
Considerações Finais
G
Primeiramente, vale relembrar a pergunta básica que motivou esta O
pesquisa: O nível de governo importa para a qualidade da política? Mais V
especificamente, para o caso da descentralização da educação funda- E
mental no Brasil, que foi tomado como objeto da análise empírica deste R
P GLEWWE, Paul & Michael Kremer. 2006. Chapter 16 Schools, Teachers, and
O Education Outcomes in Developing Countries. In: Handbook of Economics of
L
Í Education, ed. Eric A. Hanushek & Finis Welch. v. 2 Elsevier, pp. 945-1017.
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D
E
G
O
V
E
R
N
O
A
123
Introdução
Não há dúvidas de que o Programa Bolsa Família (PBF), criado em
2003 no governo Lula (Partido dos Trabalhadores – PT), é um divisor
de águas na política brasileira1. Um fato recente, ilustrativo da impor-
tância do PBF, foi a mudança de posicionamento do atual Presidente da
República, Jair Bolsonaro (Partido Social Liberal – PSL), a seu respeito.
Cumprindo uma promessa de campanha, Bolsonaro anunciou em abril
de 2019 a criação do décimo-terceiro repasse às famílias beneficiadas
pelo Bolsa Família2. Essa concessão contrasta com a opinião que ti-
nha sobre o programa quando era Deputado Federal. Em agosto de
2010, filiado ao Partido Progressista (PP/RJ), o então parlamentar cri-
ticava o PBF em seus discursos, destacando negativamente seu caráter
eleitoreiro:
1
O Programa Bolsa Família (PBF) foi criado no Governo do Presidente Luiz
Inácio Lula da Silva pela Medida Provisória 132, de 20 de outubro de 2003, e
posteriormente convertido em lei (Lei Federal n. 10.836 de 9 de janeiro de 2004).
2
Com base nos valores repassados às famílias em abril de 2019, o 13º repasse
deve representar uma injeção de mais de 2,6 bilhões de reais na economia,
beneficiando mais de 14,1 milhões de famílias. A título de comparação, em
valores nominais, representa 63% dos 4,1 bilhões empenhados pelo Ministérios
da Educação em março de 2019. Fonte: Portal da Transparência: <http://www.
portaltransparencia.gov.br/>. Acesso em: 20 de abril de 2019.
3
Discurso presente na página da Câmara dos Deputados (www.camara.leg.br),
sem revisão do orador.
E
4
Ver Editorial do PSDB publicado em 13 de setembro de 2004: <http://www. M
psdb.org.br/acompanhe/noticias/bolsa-esmola-editorial/>. Acesso em:
28 de abril de 2019. V
5
Bolsa Família reduz índices de pobreza e é referência internacional <http:// Ã
mds.gov.br/area-de-imprensa/noticias/2015/outubro/bolsa-familia-reduz- O
A
indices-de-pobreza-e-e-referencia-internacional>. Acesso em: 28 de abril de
2019.
6
PSDB propõe tornar Bolsa Família ‘política de Estado’: <http://g1.globo.com/ 127
politica/noticia/2013/10/psdb-propoe-tornar-bolsa-familia-permanente.
html>. Acesso em: 28 de abril de 2019.
7
(GROFMAN, 2004), apresenta de forma primorosa os 15 pressupostos da
teoria downsiana para a ocorrência da esperada convergência programática e
destaca que basta o não atendimento a um dos pressupostos para que a teoria
perca sua validade.
8
Além de Downs (1957a), para mais detalhes sobre a teoria da convergência de
Downs, ver Grofman (2004).
E
M
V
Ã
O
A
9
Em consulta ao CESOP (Centro de Estudos de Opinião Pública), institutos
de pesquisa (Datafolha, IBOPE, Vox Populi, etc.) se dedicaram à coleta dessa 129
informação em diferentes ondas de pesquisa de opinião. Porém, o trabalho de
Castro et al. (2009) foi o único trabalho publicado encontrado que possui como
foco a avaliação do PBF na população brasileira. Fonte: <https://www.cesop.
unicamp.br/por/banco_de_dados>. Acesso em: 18 de julho de 2019.
10
A análise do quão distintas são as plataformas é comumente abordada pela
teoria da saliência (MADEIRA et al., 2017; ROBERTSON, 1976; SALLES, 2019).
2,0
%
1,0
A 0,0
03
04
05
06
07
08
09
10
11
12
13
14
15
16
17
18
N
20
20
20
20
20
20
20
20
20
20
20
20
20
20
20
20
O
V Em todo período de 236.600 discursos, 3.683 citaram o PBF.
A Fonte: Elaboração própria – Câmara dos Deputados.
C
I
Figura 2: Porcentagem de votos válidos obtidos por PT e PSDB no
Ê
N
resultado eleitoral
C 70,0
I
A 60,0
50,0
D
A 40,0
%
P 30,0
O
20,0
L
Í 10,0
T
I 0,0
C
94
98
02
06
14
1
20
A
20
19
19
20
20
.
PT PSDB
Nos anos de 1994 e 1998 as eleições foram definidas no primeiro turno. Destaque
130
cinza para o período diretamente vinculado à pesquisa aqui desenvolvida.
Fonte: Elaboração própria – Tribunal Superior Eleitoral.
V
Ã
11
São elas: (i) apresentar proposição; (ii) fazer comunicação ou versar assuntos O
A
diversos, à hora do expediente ou das Comunicações Parlamentares; (iii)
tratar de proposição em discussão; (iv) levantar questão de ordem; (v) fazer
reclamação; (vi) encaminhar a votação; e, a juízo do Presidente da Casa, para
131
(vii) contestar acusação pessoal à própria conduta, feita durante a discussão, ou
para contradizer o que lhe for indevidamente atribuído como opinião pessoal
12
São eles: (i) Abertura; (ii) Breves Comunicações; (iii) Comissão Geral; (iv)
Comunicações Parlamentares; (v) Grande Expediente; (vi) Homenagem; (vii)
Ordem do Dia e (viii) Pequeno Expediente
13
Para mais detalhes, ver Moreira (2016).
P
O
L
Í
T
I
C
A
.
14
132
Os dados utilizados pela pesquisa foram coletados no Portal de Dados Abertos
da Câmara dos Deputados e se vale da organização e classificação realizada
pela equipe técnica da Casa. Os dados estão disponíveis em: <https://www2.
camara.leg.br/transparencia/dados-abertos/dados-abertos-legislativo>.
Acesso em: 28 de abril de 2019.
15
Seleção feita após a remoção dos acentos e transformação de todas as palavras
em letras minúsculas.
50,0
40,0
30,0
%
20,0
10,0 N
Ã
0
O
0
10
15
15
3
8
2
12
13
14
6
11
1
de
a
T
im
ac
O
Dias de Intervalo
M
Fonte: Elaboração própria – Câmara dos Deputados.
A
R
Tamanha presença se deve basicamente às legendas do PT e do Á
PSDB. Do total de 3.683 discursos do período, 1.794 (50%) discursos S
temos que do total de discursos proferidos pelos eleitos por cada legenda
N
(PT ou PSDB) o ano de 2006 se destaca com a maior presença de dis- O
cursos que citam o PBF, correspondendo a 4,8% dos discursos proferi- M
dos por deputados eleitos pelo PT e 2,7% no caso do PSDB (Figura 4). E
De um lado, a preponderância dessas legendas na menção do PBF
E
em seus discursos pode ser dedicada especialmente ao fato delas se-
M
rem as principais agremiações partidárias nas disputas à presidência da
República até 2018 (Figura 2). De outro, é conveniente ressaltar que V
nesses pleitos houve também uma competição acirrada pela conquista Ã
de cadeiras na Câmara dos Deputados (Figura 5). O
A
Na próxima seção apresento como é comparado o conteúdo pro-
nunciado pelos Deputados Federais brasileiros nos discursos que ci-
tam o PBF. Ainda em fase exploratória, não é propósito dessa pesquisa 133
16
Nesse trabalho considera-se como legenda de um Deputado Federal a sigla do
partido pelo qual foi eleito. Caso algum Deputado Federal tenha trocado de
sigla, essa informação não é considerada.
5,0
▶
▶
4,0
▶
▶
▶
▶
▶
3,0 ▶
▶
▶
%
--
▶
- -
▶
▶
▶
A
--
2,0
--
--- -
-
-- - - -
--- - - - --- --- ---
-
-- ---
--
N
-
- -- --
▶
-
1,0
--
O ---
V 0,0
A
03
04
05
06
07
08
09
10
11
12
13
14
15
16
17
18
20
20
20
20
20
20
20
20
20
20
20
20
20
20
20
20
C
PT - - - - PSDB
▶
I
Ê
Fonte: Elaboração própria – Câmara dos Deputados.
N
C
I
A
P 20,0
O
L
15,0
Í
T
I
10,0
C
A
. 5,0
134 0,0
4
94
98
02
06
1
1
20
20
19
19
20
20
PT PSDB
135
17
Para conhecer um leque de modelos de aprendizagem computacional para
análise de conteúdo veja: (GRIMMER; STEWART, 2013; IZUMI; MOREIRA, 2018)
18
O Wordfish pode ser implementado com o uso da linguagem R e o pacote
Quanteda. Ele também está disponível em: <http://www.wordfish.org>.
Acesso em: 2 de maio de 2019.
A ContagemPalavrasij ~ Poisson(lij)
lij = exp(αi +ψj +βj * ωi)
N
O
V onde α representa o conjunto de efeitos fixos de cada partido, ψ o con-
A junto de efeitos fixos das palavras (no caso desse trabalho, dos stems), β
é uma estimativa de peso específico de uma palavra na captura de sua
C
I
importância na discriminação da posição e ω é a estimativa de posição
Ê do i. Os efeitos fixos por palavras capturam o fato de que algumas pala-
N
vras são usadas com muito mais frequência do que outras por todos os
C
I partidos. E os efeitos fixos por partido controlam pela possibilidade de
A
alguns terem mais discursos do que outros.
D Como apontam Proksch e Slapin (2010), para estimar os parâme-
A
tros o Wordfish usa um algoritmo de maximização de expectativa (EM),
P alternando entre a estimativa de parâmetros específicos das palavras
O
mantendo fixos os parâmetros específicos dos partidos e a estimativa
L
Í de parâmetros específicos dos partidos mantendo fixos os parâmetros
T específicos das palavras. O processo é repetido até que um critério de
I
C convergência seja atingido. As posições resultantes estão localizadas em
A uma dimensão que é arbitrariamente definida com média 0 e desvio
. padrão igual a 1 para identificar a função de verossimilhança.
Diante dos propósitos da pesquisa, a vantagem do método esco-
136
lhido perante outros disponíveis – e.g. WordScores (LAVER; BENOIT;
GARRY, 2003) – é que o Wordfish não requer uma amostra de
treinamento ou prévia identificação de posicionamento dos partidos.
19
Para mais detalhes, ver Proksch e Slapin (2010)
20
Uma terceira alternativa que combina as duas estratégias é o uso do Wordshoal
138 (LAUDERDALE; HERZOG, 2016).
21
A expressão “parcialmente” é utilizada aqui, pois, no caso brasileiro, o número
de cadeiras por partido pode variar ao longo da legislatura.
22
Também conhecida pela literatura como Document-Feature-Matrix (DFM).
23
O processamento dos dados foi realizado através da linguagem R, o pacote tm
e o desenvolvimento de funções próprias.
139
24
O stem é uma representação simplificada da palavra que visa manter apenas
os caracteres mais próximos de sua raiz e assim evitar a variação do termo em
gênero, número e grau.
Resultados
No dia seguinte ao lançamento do PBF, o Deputado Federal
Antonio Carlos Mendes Thame (PSDB/SP) fez o seguinte pronuncia-
mento na tribuna da Câmara dos Deputados (CD):
25
O modelo Wordfish foi aplicado através da linguagem R e o uso do pacote
Quanteda
26
Discurso presente na página da Câmara dos Deputados (www.camara.leg.br),
sem revisão do orador.
S
E
0.50
U
N
0.25
O
M
E
0.00
2003 2006 2010 2014 2018 E
Fonte: Elaboração própria. M
V
Além da já identificada divergência no ano de lançamento do PBF, Ã
27
Discurso presente na página da Câmara dos Deputados (www.camara.leg.br),
sem revisão do orador.
28
Discurso presente na página da Câmara dos Deputados (www.camara.leg.br),
sem revisão do orador.
29
Segundo o IBGE, em 2010 o PIB cresceu 7,5%.
30
Fonte: Datafolha. <http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/
avaliacaodegoverno/presidente/lula/indice-1.shtml>. Acesso em: 16 de julho de
2019.
31
Discurso presente na página da Câmara dos Deputados (www.camara.leg.br),
sem revisão do orador.
válidos33. Á
S
Por fim, em 2018, a distância relativa do conteúdo dos discursos
proferidos pelos deputados federais de PT e PSDB que citam o PBF S
E
volta a crescer, ultrapassando a distância estimada em 2006. Como
U
já destacado nesse trabalho, o período que antecede o pleito de 2018
é bastante turbulento na política nacional. O segundo mandato da N
Presidenta Dilma Rousseff (PT) não chegou a seu final com seu impea- O
chment em 2016, e, em 7 de abril de 2018, após se entregar à Polícia M
Federal no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC em São Bernardo do E
Campo, na Grande São Paulo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da E
Silva, pré-candidato do PT, é preso. M
Como poderia ser esperado, os discursos proferidos pelos deputa-
V
dos federais do PT no ano de 2018 destacam fortemente esses dois
Ã
eventos mesmo quando citam o PBF. O deputado federal Bohn Gass O
(PT/RS) em discurso realizado no dia 18 de abril de 2018, por exem- A
plo, critica o governo de Michel Temer (MDB) e as medidas tomadas
em seu governo: 147
32
Discurso presente na página da Câmara dos Deputados (www.camara.leg.br),
sem revisão do orador.
33
Fonte: Tribunal Superior Eleitoral.
34
Discurso presente na página da Câmara dos Deputados (www.camara.leg.br),
sem revisão do orador.
35
Discurso presente na página da Câmara dos Deputados (www.camara.leg.br),
sem revisão do orador.
I. Introdução1
É terreno inexplorado para a ciência política o longo período de
existência do Estado brasileiro que antecede à fundação da República.
São raros os esforços na disciplina para investigar a dinâmica política
e institucional dos quase 70 anos em que vigorou o Império. Mas um
diagnóstico sobre o período se cristalizou. Oriundo da história, e logo
migrando para as ciências sociais, um entendimento sobre o Império
– e, em especial, sobre o seu Segundo Reinado (1840-1889) – alcança,
até hoje, o status de um saber consolidado e é objeto de forte consenso.
Nessa perspectiva, a dinâmica política de funcionamento imperial
se caracterizou pela centralidade do Poder Moderador. Titularizado pela
Coroa, esse Poder foi, nessa interpretação, o árbitro inconteste daquele
arranjo institucional e o ator-chave cujos movimentos e decisões expli-
cam o processo político da época.
Assessorado pelo Senado vitalício e pelo Conselho de Estado, o
imperador, entronizado no cargo ainda adolescente, aos poucos teria
conquistado as rédeas do arranjo imperial, exercendo controle com-
pleto sobre o sistema político, por forças das prerrogativas institucionais
que a Carta de 1824 lhe garantiu, no contexto de um aparato estatal
1
Este capítulo foi publicado originalmente na Revista de Sociologia e Política (vol.25,
n.62, pp.63-91, 2017). Agradeço aos editores a autorização para publicá-lo nesse
volume, e aos comentários e sugestões valiosas dos pareceristas anônimos
da Revista. Beneficiei-me da interlocução sempre fértil, sobre os temas aqui
tratados, com Fernando Limongi e Paolo Ricci e sou grato também a Miriam
Dolhnikoff, Jairo Nicolau e Gabriela Nunes Ferreira. Os erros, insuficiências e
inconsistências, naturalmente, são de minha inteira responsabilidade.
2
A exposição detalhada do argumento desenvolvido neste capítulo está em “O
Império Revisitado: Instabilidade Ministerial, Câmara dos Deputados e Poder
Moderador (1840-1889)”, tese de doutorado defendida no Departamento de
Ciência Política (DCP) da Universidade de São Paulo (USP) em abril de 2012.
3
Da literatura neoinstitucionalista, ver Mayhew (1974), Fiorina (1989), Cain,
Ferejohn e Fiorina (1987), Krehbiel (1991), Cox e McCubbins (1993), Shugart
e Carey (1992) e Limongi (2002;2003). Para discussão do institucionalismo
enquanto método, Diermeier e Krehbiel (2003).
N
II. O Arranjo Institucional e sua Interpretação Clássica
O
Após três décadas de conflitos, o Império alcançou, por volta
V
A de 1850, relativa estabilidade, estruturando-se, no território da an-
tiga América Portuguesa, uma ordem política relativamente eficaz.
C Configurou-se um modelo institucional próximo à monarquia par-
I
Ê
lamentarista, assentado em um esquema bipartidário formado pelos
N Partidos Conservador e Liberal. O parlamentarismo, que não constava
C da Carta de 1824 nem do Ato Adicional (1834), foi se esboçando nos
I
A últimos anos da Regência e na década de 1840.
D O sistema compreendia legislativo bicameral (Senado vitalício e
A CD temporária), executivo monárquico, mas delegado a um gabinete
P liderado por um presidente de conselho, e um judiciário cujos membros
O eram indicados, em quase todos os níveis, por aquele gabinete. O voto,
L
Í exercido em um sistema de duplo grau (indireto), e a elegibilidade a car-
T
I
gos políticos dependia de critérios censitários. O sufrágio foi exercido
C regularmente, tendo sido eleitas, a partir de 1826, 21 legislaturas da CD
A
nos quase 70 anos do regime.
.
A participação política – em termos da dimensão relativa da po-
160 pulação apta a exercer, em algum grau, direitos políticos – alcançou
níveis expressivos pelos padrões da época. Do contingente populacional
total, livre e escravo, de qualquer idade e de ambos os sexos, 13% dos
brasileiros, em 1872, estavam qualificados para votar (Graham 1997,
p. 418). Esses números não destoavam dos existentes, no período, no
6
Ver artigos 101 e 62 a 68 da Constituição do Império <http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm>.
7
Entre as poucas exceções a essa visão figuram Pereira de Castro (2004) e
Dolhnikoff (2005).
P
O III.3.1 O Início (1840-1848). Palacianos, “Regressistas” e Liberais: do 1º
L ao 8º Gabinete
Í
T Esse bloco inicial – que vai do ministério da “Maioridade”, em ju-
I
C lho de 1840, até o gabinete liberal de Paula Sousa, demissionário em
A setembro de 1848 – emerge em cenário fluido, onde as matrizes ins-
. titucionais e as identidades partidárias que se afirmarão no Segundo
Reinado estão em construção. Destaca-se a atuação do grupo palaciano,
164
presente na maior parte dos arranjos ministeriais, em aliança tanto com
8
Para uma lista completa dos gabinetes do Segundo Reinado, especificando
coloração partidária, chefe do ministério e o seu início e fim, consultar Ferraz
(2017:70).
A
III.3.4 A Pós-Conciliação (1857-1861): do 14º ao 16º Gabinete
D
Integram um período “pós-conciliação”. Essa bandeira suscitou I
substantivo apelo no meio político-parlamentar, exercendo influência N
Â
na composição dos ministérios, sempre “mistos”. No entanto, não se
M
verifica a emergência de agendas consensuais ou capazes de carrear para
I
os governos apoio legislativo confiável. Eesse intervalo assiste – super- C
posta à “conciliação” e, em boa medida, corroendo-a – à cristalização A
de polarização de posições, no Legislativo e na sociedade, em torno de
P
medidas monetário-financeiras, em especial no que concerne à política O
bancária e de crédito. Essas divisões reacendem rivalidades e engendram L
novas oposições, preparando o terreno para reformulações no quadro Í
T
partidário a partir da década de 1860. I
Vítimas da polarização e de uma legislatura cindida ao meio (10ª), C
A
os 3 gabinetes desse período se retiram por incapazes de mobilizar maio-
ria no Legislativo, tendo o Trono atuado também na retirada do 14º D
gabinete (ACD maio/agosto 1858; Pereira da Silva 2003, pp. 261-74; O
Iglésias 2004, pp. 79-88, 100-1; Costa Porto 1985, pp. 168-76; Holanda
I
1985, pp. 22-3; 2010, pp. 62-5; Needell 2006, pp. 205, 210-4). M
P
É
III.3.5 De Caxias à “Liga” (1861-1868): Do 17º ao 23º Gabinete R
I
Caxias (17º), ascendente na inauguração da 11ª legislatura (1861- O
3), procurou reunificar o Partido Conservador, dividido desde a .
pp. 173-89).
169
N° de Gabinetes/Total M
Razões de Retirada Gabinetes P
de Gabinetes
É
Padrão 1 (Interferência da Coroa,
3/37 (8,1%) 10°, 14° e 20° R
Interferência da Câmara)
I
Padrão 2 (Interferência da Coroa, Não 1°, 3°, 4°, 6°, 9°, 11°, 23°, 24°, O
10/37 (27%)
Interferência da Câmara) 27° e 35° .
172
9
De 18 legislaturas, 11 foram dissolvidas. A Coroa arbitrou a favor do 19º, 26º e
33º gabinetes, dissolvendo a 11ª, 14ª e 18ª legislaturas, as 3 exceções. Uma
dissolução se destinou a antecipar a reforma de 1881 (17ª). Sete aconteceram
em decorrência de alternância partidária, com o novo chefe do Conselho
obtendo da Coroa a dissolução da Câmara preexistente, adversa ao ministério
em ascensão.
173
Não há possibilidade de compreender a dinâmica de substituição de
governos no “parlamentarismo” do Segundo Reinado – nem tampouco
as alternâncias partidárias então efetuadas – sem inserir na análise o pa-
pel do Legislativo, em particular da CD. Seja por constituir o “locus” de
enfrentamento e concertação das elites regionais, e delas com a Corte,
12
Constituição do Império disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
Constituicao/Constituicao24.htm>.
176
13
A alteração está na terceira coluna da segunda linha do Quadro 5. Nicolau diz
que, no regime de 1855, a especificação da quantidade de nomes que o eleitor
(de 2º grau) poderia sufragar era feita para o segundo e o terceiro turno, quando
o eleitor votaria em um único nome. Na verdade, já no primeiro turno o eleitor
sufragaria só um candidato (art. 1º, §10º, do Decreto 842, de 19.09.1855).
14
178
“Elaborar uma chapa não era (...) simples. (...) requeria engenhosidade e um
conhecimento considerável. (...) as chapas eram (...) o produto de manobras
complexas envolvendo os líderes políticos provinciais, o presidente e os
ministros e políticos no Rio. A chapa iria permanecer como o elemento chave
da nova organização da política” (Barman 1988, p. 301, nota 20).
15
Relato elucidativo sobre a montagem de uma “chapa” para a Câmara, no
contexto da política baiana, é oferecido por Pinho (1937, p. 238, nota 1).
p. 185). I
Os Anais da Câmara revelam as avaliações feitas das consequências M
P
da “distritalização” por políticos que seriam afetados pelas mudanças.
É
Destacam-se aqui pronunciamentos de 2 parlamentares, pouco antes R
da vigência dos círculos. I
O
O primeiro deles é Benevenuto Taques. Favorável à reforma, ele .
compara círculos e listas: “[com o projeto] as influências locais terão
mais livres a intervenção que lhes cabe na eleição, sem que sejam do-
183
minadas pelas imposições das capitais e do governo. (...) o governo não
pode impor aos distritos eleitorais candidatos estranhos a sua afeição”.
Taques previa que o projeto traria maior independência à Câmara por-
que incrementaria a autonomia dos representantes e das influências
provinciais. (ACD, 29.08.1855, pp. 287-88).
Lei 387, de 1846 e “Lei do Terço”) e aos “distritos” (1ª e 2ª Lei dos D
Círculos e “Lei Saraiva”). O tempo de permanência média no poder dos O
ministérios que governaram diante de câmaras escolhidas por “chapas”
I
foi de 17,45 meses, contra 14,65 meses dos gabinetes que se relaciona-
M
ram com legislativos “distritalizados”.
P
É
R
VII.3 Associação entre a queda de gabinetes por pressão do I
Legislativo e a vigência de regras eleitorais “distritalizadas” O
.
No que concerne à associação entre regras eleitorais e razões de re-
tiradas de gabinetes, o Quadro 4 abaixo agrupa dicotomicamente os
185
22
Sobre o ponto, ver Buarque de Holanda (1985, pp. 22-3;37-8;147-51;171; 2010,
pp. 59-65; 94); Pereira da Silva (2003, pp. 265-75; 287-8; 510-50); Needell (2006,
pp. 200-2; 220-1); Carvalho (2006, pp. 405-10); Nabuco (1949, vol III, pp. 243-4);
Faoro (2001, p. 429).
D
A
VII.4 Diferença das relações entre gabinetes e Câmara na 9ª e
P 10ª legislaturas
O
L O acompanhamento dessas duas Câmaras – através do exame da
Í
T
discussão e votação dos orçamentos ministeriais em duas legislaturas su-
I cessivas, a primeira eleita por listas, a segunda por círculos 24 – revelou,
C
no que concerne à primeira das legislaturas (1853-6), um comporta-
A
mento disciplinado frente às prioridades governamentais. Em todas as
.
sessões anuais do intervalo assinalado, o ministério aprova a maior parte
186
23
Regras eleitorais “distritais” estiveram em vigor durante 58% do tempo do
intervalo estudado (1840-1889), enquanto que as listas ou “chapas” vigoraram
em 42% do tempo desse período.
24
As referências completas das fontes que lastreiam a discussão da tramitação
orçamentária estão disponíveis por requisição ao e-mail seferrazz@uol.com.br.
Além disso, o quórum de apoio para aditivos era de 5 deputados, muito inferior
ao quórum na discussão final: a terça parte da câmara, calculada em referência
ao quórum de votação, cerca de 20 deputados para a 9ª e a 10ª legislaturas.
1855 9ª + 0,546
1856 9ª +1
1857 10ª + 0,430
1858 10ª + 0,338
1859 10ª -
1860 10ª + 0,790
Média 9ª Legislatura (1853-6) + 0,819
A
Média 10ª Legislatura (1857-60) + 0,519
N Fonte: O autor, a partir dos Anais da Câmara.
O
V
A As 9ª (1853-6) e 10ª legislaturas (1857-60) apresentaram compor-
tamentos diferentes, confirmando as expectativas da hipótese. A legis-
C latura “distritalizada” mostrou graus mais precários de sustentação aos
I
Ê ministérios em comparação com a Câmara escolhida sob as “chapas”..
N
C
I VIII. Conclusões
A
Em primeiro lugar, mostrou-se que a atuação do Trono não explica
D
A a rotação de governos entre 1840 e 1889. Conflitos, efetivos ou poten-
ciais, entre o Executivo e o Legislativo, em especial a Câmara, foram o
P
O motivo mais frequente para a queda de gabinetes no Império.
L Em segundo lugar, evidenciou-se que a mudança no regime eleito-
Í
T ral incrementou o conflito entre gabinete e Legislativo, dificultando o
I
C
controle do plenário da Câmara pelos governos.
A O tempo de exercício no poder dos diferentes gabinetes ficou mais
. curto e a sua sobrevivência mais difícil depois da troca de sistema elei-
toral. A capacidade de estabelecer relações cooperativas entre Executivo
190 e Legislativo diminuiu com as inovações institucionais introduzidas no
sistema eleitoral.
A instabilidade dos ministérios se mostra vinculada a uma de suas
principais (e até hoje desconsideradas) raízes. Não se tratou, portanto,
de efeito derivado das decisões de Pedro II. Nem tampouco da força de
______, 2007. Dom Pedro II. São Paulo: Companhia das Letras.
pp. 7-40. I
M
______, 2011. The Puzzle of Commanding: The Exercise of Moderating P
Power. In: Colloque International on The Neutral Third Party in Conflict É
Resolution. Paris: Collège de France. R
I
O
MAYHEW, D., 1974. Congress: The Electoral Connection. New Haven e .
London: Yale University Press.
MELO FRANCO, A. A., 1976. A Câmara dos Deputados: Síntese Histórica. 193
Outras Fontes
Acd. Anais da Câmara dos Deputados. Versão Eletrônica. Site da Câmara.
(<http://imagem.camara.gov.br/diarios.asp>). Acesso em: setembro de 2015.
D
I
N
Â
M
I
C
A
P
O
L
Í
T
I
C
A
D
O
I
M
P
É
R
I
O
.
195
O capítulo que integra esta coletânea se origina da tese de doutorado, a qual recebeu
menção honrosa no Prêmio Capes de Teses e no Prêmio Guillermo O’Donnell de melhor
tese em Ciência Política da América Latina da ALACIP (Asociación Latinoamericana de
Ciencia Política). Este capítulo ainda faz parte do livro “Presidencialismo da Coalizão”
(2016) publicado pela Fundação Konrad Adenauer.
Andréa Freitas
Introdução1
Em 2 de setembro de 1999, o então Presidente da República,
Fernando Henrique Cardoso, enviou ao Poder Legislativo Projeto de Lei
(PL) dispondo sobre a criação da Agência Nacional de Águas (ANA)2.
O projeto da criação da ANA inicia sua tramitação no Legislativo com
urgência constitucional3 e em menos de um ano é aprovado. Quando o
projeto volta à presidência para sanção, o Executivo o sanciona parcial-
mente. Junto com a publicação do texto dessa Lei no Diário Oficial da
União, seguiram-se os vetos da Presidência.
A criação de agências reguladoras foi certamente um dos pontos
destacados da agenda de FHC, que criou 9 das 10 agências reguladoras
em atividade no país. As negociações em torno da criação de cada uma
das agências, incluindo as relativas à ANA, foram intensas. Mas por
que, após uma intensa batalha para a sua aprovação, o Executivo vetaria,
ainda que parcialmente, uma Lei que ele mesmo enviou ao Congresso?
A visão tradicional acerca do funcionamento dos sistemas presi-
dencialistas supõe que separação de poderes implica no conflito entre
duas agendas políticas, a do Poder Executivo e a do Legislativo. Nesta
1
Este trabalho foi publicado originalmente no capítulo 4 do livro FREITAS, A.
Presidencialismo da coalizão. Rio de Janeiro: Editora Konrad Adenauer Stiftung,
2016. Disponível integralmente no link: <http://www.kas.de/brasilien/pt/
publications/46897>. Acesso em 05-04-2019.
2
Projeto de Lei nº 1617 de 1999, o projeto dispõe sobre a criação da Agência
Nacional de Águas (ANA) e suas atribuições. Foi transforma na Lei nº 9984 de
2000.
3
Urgência Constitucional é um dos poderes de agenda do presidente, que
pode ser solicitada unilateralmente pelo Executivo para os projetos de lei sua
inciativa em qualquer tempo, a frente falaremos mais sobre isso.
nado pelo Executivo. Além disto, ministérios não são responsáveis ape- M
7
Como veremos à frente, o presidente quase não faz uso desse tipo de urgência.
Entre 1988 e 2011, ela só foi solicitada para 3,6% dos projetos do Executivo.
8
A mensagem de veto pode ser vista em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/Mensagem_Veto/2000/Mv0966-00.htm>
9
Para uma discussão dos diferentes métodos de se medir alterações ver Freitas
(2016). No mesmo trabalho é possível encontrar uma explicação mais detalhada
cada uma das propostas do Executivo. Bem como foi possível identificar D
A
C
sobre como os dispositivos são analisados. O
10
Embora o trabalho tenha sido minucioso, quanto mais antigo o projeto maior A
é a dificuldade de identificar qual o autor da proposta. Em diversos casos, na L
Câmara e, especialmente no Senado, as emendas aparecem listadas, sem que se I
apresente a autoria delas. Esses casos são contabilizados como modificações, Z
mas não são analisados quando tratamos da autoria, eles representam 0,2% Ã
do total de casos analisados. O
11
.
As emendas de redação que visam apenas corrigir vícios no texto não foram
consideradas modificações.
12
Caso seja apresentado um substitutivo, compara-se o substitutivo com 205
o conteúdo das emendas, quando uma emenda de um parlamentar foi
incorporada ao substitutivo, esse dispositivo tem como autoria o parlamentar
e não o relator.
13
O trabalho minucioso de coleta dos dados não seria possível sem a ajuda de
Guilherme Pinheiro Guedes, Guilherme Zanelato Corrêa e Samir Luna de
Almeida, mas especialmente de Andréa Junqueira Machado.
207
16
Assim, como os demais gráficos e tabelas, para facilitar a visualização,
apresento os nove maiores partidos do país.
E
S
35
I
D
30
E
N
25
C
I
20
A
L
15
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S
10
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5
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140
A
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A
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40
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20
211
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P 120
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L
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Frequência
I
80
C
A
60
.
40
212
20
0
50 60 70 80 90 100
Alterações realizadas pelo relator principal (%)
17
Notem que, diferentemente das tabelas anteriores, estamos contando projetos
alterados e não número de dispositivos. Na tabela, estão apenas os partidos
que tiveram representantes nas duas casas em todo o período analisado.
18
Os partidos no gráfico estão ordenados da mesma forma que todas as outras
tabelas e gráficos, ou seja, por tamanho no Legislativo. No entanto, para
facilitar a visualização apenas aparecem no gráfico os partidos que fizeram
pelo menos uma alteração. O mesmo vale para o gráfico 16.
V
Dispositivos do Legislativo por coalizão (%)
40
A
20
C 0
T
B
EM
B
B
B
PP
B
PP
EM
T
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PD
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PF
N FHC II 1 FHC II 2
C 80
I Coalizão Oposição Coalizão Oposição
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40
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L>
PD
PC
PF
PF
L
Í Fonte: Banco de Dados Legislativos do CEBRAP.
T
I
C
A
O Gráfico 5 apresenta a mesma distribuição para o governo Lula. A
.
coalizão também se destaca como ator principal a alterar os projetos do
Executivo. Ainda que diferentemente do governo FHC, o número de
216
partidos que fazem alterações é maior, como também é maior o número
de partidos que fazem parte da coalizão. Observa-se também que, no
19
Após a saída do PFL, atualmente DEM, o número de cadeiras da coalizão cai
significativamente. Na Câmara nesse período a coalizão tinha 45% da casa e no
Senado tinha 49% das cadeiras.
PC P P
B> DT
B
PC B
B
PV
P M
S> B
S/ S
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PT
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Dispositivos do Legislativo por coalização (%)
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L>
PF
Lula I 4 Lula I 5 Lula II 1 O
100
80 Coalizão Oposição Coalizão Oposição Coalizão Oposição
60
D
40
20
A
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Lula II 2 Lula II 3
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20
Coalizão Oposição Coalizão Oposição
I
10
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PTP
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PP
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D
PD P
>P
PP
P
P
PM
PM
PS
D
D
L>
O
.
Fonte: Banco de Dados Legislativos do CEBRAP.
217
Esse ponto deve ser destacado: não basta fazer parte do Executivo.
Não basta ter poderes de agenda ou recursos – cargos ou acesso ao
20
A primeira coalizão do governo Lula tinha 33% e 26% das cadeiras na Câmara e
no Senado, respectivamente.
Ministérios e relatores
Em parlamentarismos, quando se discute o processo de tomada de
decisão, o debate se concentra na relação entre os partidos no interior
do Executivo. Normalmente se assume que os ministros têm autoridade
e autonomia sobre a formulação de políticas setoriais. Laver e Shepsle
A (1994) chegam a afirmar que ministros seriam ditadores em suas áreas
N
temáticas, tendo autonomia total para formular políticas. Como apre-
O sentei no Capítulo 1, quando se discute coalizões em sistemas parla-
V mentaristas, assume-se que há delegação entre os membros da coalizão
A do controle de uma política setorial.
C
Thies (2001) põe em teste dois modelos de delegação de poder en-
I tre os partidos da coalizão. No primeiro, os ministros têm autonomia
Ê
total. No segundo supõe-se que os membros da coalizão delegam poder,
N
C
mas mantêm um monitoramento constante dos demais membros da
I coalizão. Os dois modelos são testados a partir da observação da nomea-
A
ção de ministros juniores, isto é, da observação de qual partido ocupa os
D cargos de segundo escalão no governo. O que o autor observa é que, em
A
geral, o ocupante destes cargos é de um partido diferente do partido do
P ministro. Ou seja, a nomeação destes serviria como um controle interno
O da coalizão, minimizado os riscos implícitos na delegação.
L
Í Obviamente, se há delegação, há risco. O risco inerente aos gover-
T
I
nos de coalizão é, portanto, que ministros elaborem políticas muito
C afastadas do ponto ideal dos demais membros da coalizão, manipu-
A
lando a informação que chega aos demais membros, levando-os a acre-
.
ditar que a política da forma como foi formulada é a mais adequada
(LAVER; SCHOFIELD, 1998; LAVER; SHEPSLE, 1994; MARTIN;
218
VANBERG, 2011)
Martin e Vanberg abordam o mesmo problema, no entanto, enten-
dem que o papel de manter o controle dos ministros cabe ao Legislativo.
Isto é, os partidos da coalizão através das alterações no Legislativo mante-
riam um controle de seus parceiros, evitando que ministros posicionem
interior do Legislativo poderiam ser vistas como uma forma dos mem- C
bros da coalizão manterem o controle de seus parceiros. O
Os dois modelos de delegação de poder testados por Thies podem A
L
ser testados também via alteração das propostas do Executivo22. No pri- I
Z
Ã
21
Em sistemas presidencialistas se sabe muito pouco sobre como as decisões
O
são tomadas no interior do Executivo. Como argumentei, houve uma certa .
personificação do Executivo na figura do presidente, ou na melhor das
hipóteses no partido do presidente. Mesmo no Brasil, onde coalizões se
formam de maneira sistemática, o papel dos partidos membros da coalizão, 219
que não o do presidente, é desconhecido. Não sabemos se as decisões são
tomadas entre ministérios, pelo conjunto dos partidos, por parte deles, ou se
os ministros gozam da mesma autonomia suposta para seus companheiros
parlamentaristas.
22
Obviamente, os dois modelos são casos ideais, são modelos extremos em
continuo com variações entre os dois.
23
220
Para mais sobre a distribuição dos cargos no interior do Executivo ver Praça,
Freitas, & Hoepers (2011). O ponto a ser destacado nesse trabalho é que há
fortes indícios de que a distribuição dos cargos no interior do Executivo não
tem como fim exclusivo patronagem.
24
Assim, não é possível somar os números apresentados para obter o total de
projetos. Uma vez que se um projeto foi assinado por um ministro do DEM e do
PSDB ele será contabilizado nas duas barras. O mesmo vale para as relatorias.
Partido do ministro
PFL>DEM C
PFL>DEM
7
PSDB I
PTB
6 A
PMDB Sem filiação
PSDB
5
L
PSDB I
4 S
PTB PTB
3 M
PMDB
2 O
Sem filiação Sem filiação
PSDB PSDB
1
PMDB PMDB Sem filiação Sem filiação
D
0 A
PMDB PFL>DEM PSDB PDS>PP PDT Outros
Coalizão Oposição
Relatoria C
A 16
PMDB
PMDB
Partido do ministro
N 14 PFL>DEM
PFL>DEM PMDB
O 12
PSDB
PFL>DEM
V PDS>PP
A 10 Sem filiação
PSDB PFL>DEM
8
PSDB PSDB
C PFL>DEM
6
I PFL>DEM
PSDB PSDB
Ê PSDB
4
PDS>PP
N Sem filiação
PDS>PP
PSDB Sem filiação Sem filiação
2
C PDS>PP PFL>DEM
Sem filiação
Sem filiação
I Sem filiação Sem filiação Sem filiação
0
A PMDB PFL>DEM PSDB PDS>PP PFL>DEM PT PDT Outros
Coalizão Oposição
D
A Relatoria
24
22 PMDB
Partido do ministro
PT
20 PDS>PP
18 PL>PR
PCdoB
16 PCB>PPS
PT
PMDB PMDB
14 Sem filiação
12
10 P
PT PT R
8
6 PDS>PP E
4 PL>PR
PT PMDB PT S
PMDB PT PT
I
2 Sem filiação Sem filiação PT
PT
Sem filiação
PT Sem filiação PT D
Sem filiação PCB>PPS Sem filiação PT Sem filiação PCdoB PT
0
PMDB PT PDS>PP PTB PL>PR PSB PCdoB PV PMDB PFL>DEM PSDB PDS>PP PDT Outros E
Coalizão Oposição N
Relatoria
C
Fonte: Banco de Dados Legislativos do CEBRAP. I
A
L
Gráfico 9: Relação entre partido dos ministros e relatores (Lula II) I
39 S
36
M
33 PMDB
PMDB
O
30 PT
PDS>PP
27 D
PDT
PMDB PL>PR
24 A
PMDB
PSB
PT
21
Sem filiação
18 PT
C
PT
15 O
12 A
PDS>PP
9 PDS>PP
PDS>PP PL>PR
L
PMDB
PL>PR PMDB I
6 PSB PL>PR PCdoB PMDB PT
PSB PT
Sem filiação PCdoB
PT
PMDB PDS>PP
Z
3 PT Sem filiação
PT
PDT PL>PR
PT
Sem filiação
PDT
PDT
PCdoB PT PL>PR PDT
PSB
Sem filiação Sem filiação Ã
0
PMDB PT PDS>PP PTB PDT PL>PR PSB PFL>DEM PSDB Outros
O
Coalizão Oposição
.
Relatoria
224
Vetos presidenciais
Ao final do processo Legislativo, os projetos aprovados são envia-
dos à sanção presidencial. O presidente pode sancioná-los ou vetá-
-los. Em caso de veto, esse pode ser total ou parcial. Como discuti
225
300
250
200
Veto (N)
150 100
50
A
0
PP
PT
T
o
EM
B
iv
PD
D
PT
PS
>P
O
S>
ut
PM
PS
D
PL
ec
L>
PD
Ex
PF
V
A
Fonte: Banco de Dados Legislativos do CEBRAP.
C
I
Ê Gráfico 11 : Dispositivos vetados/dispositivos do Legislativo
Dispositivos Vetodos/Dispositivos do Legislativo (%)
N 25
C
I
A 20
D
A
15
P
O
10
L
Í
T
I 5
C
A
. 0
PT
PP
T
B
EM
B
PD
D
PT
PS
>P
S>
PM
PS
D
PL
L>
PD
PF
226
S
I
D
E
20
N
C
I
A
L
10
I
S
M
O
0
25
do Legislativo de tipo supressivas. Ficaram, portanto, apenas os dispositivos
que o Executivo pode vetar, a saber, aditivos e modificativos.
55
Dispositivos vetados/dispositivos Legislativos (%)
50
45
40
A 35
30
N
25
O
20
V
A 15
10
C 5
I 0
B
PT
PP
T
B
EM
al
Ê
PT
PD
D
PS
>P
t
To
S>
PM
PS
D
PL
L>
N
PD
PF
C
I
Coalizão Oposição
A
Fonte: Banco de Dados Legislativos do CEBRAP.
D
A
Conclusão E
S
No presente trabalho, analisei o funcionamento das coalizões que I
D
sustentam o Executivo no Brasil, com um olhar direcionado ao pro- E
cesso legislativo, ou seja, à forma como leis são apreciadas no interior do N
Congresso Nacional. A tese aqui defendida é a de que a formação de coa- C
lizões implica na divisão de poder e de responsabilidade sobre o conjunto I
A
de políticas, isto é, implica em que todos os partidos que compõem a L
coalizão participam e influem no resultado final do processo decisório. I
S
Para determinar a importância dos partidos que compõem a coa- M
lizão na formatação da agenda, analisei as alterações aos projetos do O
Executivo no Legislativo. Com isso foi possível determinar que o pro-
cesso de alterações está longe de ser caótico. Ele é coordenado pelos D
A
partidos que compõem a maioria, via relatores, que, por sua vez, têm
um papel central na construção do consenso em torno das políticas. C
A aprovação dos projetos de lei submetidos pelo Poder Executivo não O
pode ser explicada sem referência ao papel dos partidos, cuja ação, em A
L
última análise, se estriba na atuação dos relatores. I
A formação de coalizões tem implicações profundas para o pro- Z
Ã
cesso de formatação das Leis. As coalizões são formadas por um motivo
O
simples: as decisões no parlamento são tomadas contando votos. Vale .
o que a maioria decidir. Nenhum dos poderes de agenda do Executivo
dá a esse Poder a possibilidade de governar contornando o Legislativo
229
(FREITAS, 2016a). Isso se comprova no fato de que quando a coalizão é
minoritária, o controle do Executivo sobre o conteúdo das leis diminui,
uma vez que aumenta significativamente a participação da oposição.
Por outro lado, quando a coalizão é majoritária, ela controla o processo
de alteração das políticas. Mas esse controle não é do Presidente, ou
D
A
Referências bibliográficas
P AMORIM NETO, O.; COX, G. W.; MCCUBBINS, M. D. Agenda Power
O in Brazil’s Câmara Dos Deputados, 1989-98. World Politics, v. 55, n. 4,
L
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T
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Governments. American Journal of Political Science, v. 45, n. 3, pp. 580-598,
1 jul. 2001.
Introdução
Entre os subcampos da Ciência Política, o dos Estudos Legislativos
se destaca pela quantidade de trabalhos que visam compreender di-
versos aspectos do funcionamento do Poder Legislativo brasileiro
(AMES, 2003; FIGUEIREDO; LIMONGI, 1999; FREITAS, 2008;
LIMONGI; FIGUEIREDO, 2005). Contudo, pouca atenção tem sido
dedicada às instituições legislativas nos planos subnacional e local. Este
trabalho enfrenta essa lacuna e visa contribuir para o entendimento so-
bre as instituições legislativas no plano municipal.
Seria o comportamento dos vereadores, no que compete a apresen-
tação de projetos de lei, semelhante ao dos deputados federais? Ou, tal
como posto pelo senso comum, a produção legislativa no nível muni-
cipal seria dominada por projetos honoríficos e meramente simbólicos?
Os resultados deste trabalho apontam que se por um lado, o tema com
maior número de projetos apresentados é o social, o segundo é o de
homenagens.
Não obstante a importância de classificar os projetos de lei e veri-
ficar quais são os tipos mais frequentes, neste trabalho se dá um passo
além das análises realizadas sobre o legislativo brasileiro na medida em
que se examina a possível associação entre a apresentação de projetos
e características dos parlamentares. Especificamente, se vereadores de
ocupações relacionadas a áreas tais como saúde e educação são mais pro-
pensos a apresentar projetos nestas áreas. Os resultados apontam para a
existência de associação entre algumas áreas ocupacionais e a apresen-
tação de projetos de lei. Este resultado revela que devemos pensar em
tipos de legisladores quando analisamos o plano local.
1
É importante notar que apesar da literatura focar majoritariamente em bases
eleitorais geograficamente definidas, estas também podem ser definidas
considerando grupos populacionais. Por exemplo, parlamentares podem ter
uma base eleitoral composta majoritariamente por membros de um grupo
religioso.
6
A magnitude (M) é o número de cadeiras em disputa num distrito nas eleições.
Para as eleições de deputados federais a magnitude varia de um mínimo de oito
cadeiras para estados menores como o Acre e um máximo de setenta cadeiras
para São Paulo.
7
238
Uma base é dominante quando o candidato recebe a maior parte dos votos
de um município. Uma base fragmenta é aquela em que o candidato recebe a
maior parte de seus votos em municípios não contíguos, enquanto que uma
base concentrada é aquela em que o candidato recebe a maior parte de seus
votos em municípios contíguos.
8
Para um exame do Poder Legislativo estadual pela ótica das relações Executivo-
Legislativo conferir Abrucio (1998) e a coletânea organizada por Santos (2001).
14
Para a legislatura de 2005 a 2008 a autora classificou apenas os projetos dos
vereadores que foram reeleitos para a legislatura subsequente.
15
Nesta seção são apresentadas considerações de cunho geral sobre a coleta
e o tratamento dos dados. Mais informações sobre os procedimentos de
codificação e de coleta estão disponíveis ver Silva (2014), Capítulo 1.
25
24
21
20
15 19
12
11 11 11
10
6 6 6 6
5
P
0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 R
O
Fonte: Banco de Dados de Legislativos Municipais.
D
U
Ç
Gráfico 2: Número de projetos por ano
Ã
2,500
O
2331
2246
L
E
2,000
1923
G
I
1557 S
1,500
L
1226 A
1090 1116
T
1,000
971
I
865
V
719
669
A
.
500
245
0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
246
19
Segundo servidores do Interlegis, em muitos os casos a decisão por utilizar
o SALP é do presidente da Câmara e, em alguns casos, uma mudança na
presidência da Câmara pode acarretar a desistência do uso do SAPL.
20
No total, quarenta e seis categorias foram utilizadas. Destaca-se que categorias
com menos de 10 projetos foram agrupadas na rubrica “Outros”.
247
21
A lista completa de categorias utilizadas pelo Senado Federal pode ser acessada
por meio da pesquisa avançada no sítio do Senado Federal: https://www25.
senado.leg.br/web/atividade/materias (Acesso em 20/07/2019)
22
Para as especificidades sobre o tratamento dos dados de candidatura, ver:
Silva, 2014, Capítulo 1.
8,000
6748
6,000
4,000
2,000 5960
A
1310
N
577
O
64 46 8
V
0
23
Projetos considerados NA são aqueles em a ementa e conteúdo do projeto não
forneceram informações suficientes para categoriza-los".
P
Gráfico 4: Número de projetos do tipo Social por indexação
R
Ciência, tecnologia e informatica 19 O
Defesa do consumidor (informação) 19
Trânsito (Educação e informação) 22 D
Logradouro (Excluíndo nomeação) 27
Desenvolvimento social e combate à fome 28 U
Direitos humanos e minorias 33
Assistência social 51 Ç
Animais 82
Comunicações 93
Ã
Segurança 151 O
Família, proteção a criança, adolescentes 179
Social (Outros) 219
Desporto e lazer 227 L
Arte e cultura 301
Habitação e construção 316 E
Meio ambiente 496
Educação 692
G
Transporte (inclusive a pé) e trânsito 813 I
Utilidade Pública 912
Saúde
S
933
Comércio, trabalho e emprego 1135 L
A
0 500 1,000 T
Número de projetos
I
V
Fonte: Banco de Dados de Legislativos Municipais.
A
.
24
O inciso 7 do artigo 30 da Constituição Federal de 1988 define que compete
aos municípios “prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do
Estado, serviços de atendimento à saúde da população”
D
A Denominação de próprios e eventos 493
P
O Data comemorativa e semanas temáticas 1267
L
Í
T Denominação de logradouro 3628
I
C
A
0 1,000 2,000 3,000 4,000
. Números de projetos
25
Por exemplo, alguns projetos determinam regimes de contratação e de
funcionamentos para tipos de comércios específicos. Produzindo, como
consequência, a intersecção entre as categorias.
casa após sua rua receber uma denominação. Assim, denominar uma L
rua (sem nome) não possui apenas o conteúdo simbólico, mas também E
social. G
I
Entre os projetos Administrativos, os apresentados com mais fre- S
quência são os que dispõem sobre os servidores públicos e os que al- L
teram ou criam órgãos da administração pública, de modo que estes A
dois grupos respondem por 36% dos projetos deste tema. Os projetos T
I
sobre servidores públicos tratam, em sua maioria, da regulamentação V
de carreiras do funcionalismo público, de aumento salarial e concessão A
.
de benefícios, por exemplo, férias e cursos de aperfeiçoamento27. Por
sua vez, os projetos sobre órgãos públicos dispõem sobre autorizações
251
26
Próprios municipais são bem que pertencem ao município. Tais como escolas e
hospitais.
27
Ressalta-se que, apesar de competência exclusiva do Executivo, os vereadores
também apresentam projetos de cunho administrativo que alteram planos de
carreira de funcionários externos ao Poder Legislativo.
N
O Cria ou altera cargo específico 24
V Concursos Públicos 28
A
Servidores da Câmara 31
Organização nterna da Câmara e Prefeitura 45
C Processo legislativo 46
I
Salário dos vereadores e do prefeito 48
Ê
N Alienação, desafetação e doação de patrimômino 67
252
Fiscalização e controle 11
Econômicos (Outros) 27
Planejamento e orçamento 38
Tarifas 150
L
E
G
I
Regras eleitorais 21 S
L
A
T
I
V
A
.
Disponibilização de Leis e consultas populares 25
253
0 5 10 15 20 25
Número de projetos
254
0 100 200 300
Número de projetos
D
A Fatores associados ao conteúdo da produção legislativa
P Nesta subseção são exploradas algumas hipóteses explicativas para
O
L
os padrões de apresentação de projetos que foram verificados na seção
Í anterior. A fim de verificar a associação entre atributos dos parlamenta-
T
I
res e a produção legislativa são utilizados modelos de regressão probit.
C Todavia, antes de iniciar a apresentação e interpretação dos resultados,
A
cabe definir quais relações são testadas, uma vez que apenas algumas
.
categorias de projetos são analisadas.
O primeiro conjunto de regressões se destina à análise da relação
256
entre o tema do projeto apresentado e a ocupação declarada pelo verea-
dor ao TSE quando se candidatou ao cargo. Espera-se observar uma as-
sociação positiva entre algumas áreas de ocupação e algumas categorias
de projetos. Esta expectativa se ampara no argumento da especialização
legislativa: parlamentares carregarão para o interior do parlamento seu
A
Gráfico 10: Efeito marginal médio em tipo de projeto de lei
P
(1) (2) (3)
Saúde Educação Servidores R
O
Profissional da Saúde
D
U
Profissional de Educação e Cultura
Ç
Ã
Estudante O
L
Funcionário Público
E
G
Mulher I
S
L
Esquerda
A
T
0 .05 .1 -.02 0 .02 .04 .06 -.01 .005 0 .005 .01
Intervalo de confiança de 95% I
V
A
.
Os resultados apontam que apenas a relação entre vereadores ad-
vindos do funcionalismo público e a apresentação de projetos para
servidores não é estatisticamente diferente de zero. Apesar das demais 257
28
Variáveis de controle não expostas nos Gráficos 10 e 11: escolaridade e % de
votos válidos recebidos.
258
29
Considerando, em todos os casos, as demais variáveis contínuas são
consideradas na média e as categóricas na moda.
Funcionário Público
Aposentado
Mulher
Esquerda
-.05 0 .05 -.1 0 .1 .2 .-.1 -.05 0 .05 .1
(7) (8)
Aposentados Mulheres
Estudante A
Funcionário Público
P
Aposentado
R
Mulher
O
Esquerda
D
-.1 0 .1 .2 0 .05 .1
Intervalo de confiança de 95% U
Ç
Ã
O
Dos cinco modelos apresentados no Gráfico 11, apenas em dois
a associação esperada é estatisticamente significante. Nominalmente, L
E
a associação é significativa e positiva para os profissionais de educa-
G
ção e cultura e a apresentação de projetos distributivistas para pro- I
fessores e entre mulheres e apresentação de projetos direcionados a S
L
mulheres – a associação entre estudantes e projetos para estudantes é
A
significante se considerado p-valor<0,10. Todavia, novamente, os coe- T
ficientes apontam que a magnitude da associação entre as variáveis I
é pequena. Enquanto profissionais de educação e cultura possuem V
A
0,03 a mais de chance de apresentar projetos para este grupo ocupa- .
cional, vereadoras possuem 0,06 a mais de chance de propor um PL
direcionado a mulheres. A associação entre o sexo do parlamentar e
259
a chance de apresentação de projetos direcionados a mulheres, a des-
peito da magnitude, aponta para a mesma direção dos resultados en-
contrados por Bratton (2002) para o caso de seis parlamentos estaduais
americanos.
AMES, Barry. Electoral Rules, Constituency Pressures, and Pork Barrel: Bases
262
of Voting in the Brazilian Congress. The Journal of Politics, v. 57, n. 2, p. 324,
dez. 1995a.
30
Para uma amostra dos constrangimentos gerados, ver: “Rua sem nome provoca
transtornos para moradores da Zona Leste de SP”, [S.d.], Portal G1.
Rua sem nome provoca transtornos para moradores da Zona Leste de SP.
Disponível em: <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2011/04/rua-sem-
nome-provoca-transtornos-para-moradores-de-rua-de-sao-paulo.html>.
Acesso em: 21 jul. 2014.
P
R
O
D
U
Ç
Ã
O
L
E
G
I
S
L
A
T
I
V
A
.
267
Introdução
1
Este texto foi elaborado a partir da minha tese de doutorado defendida no
Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo em 2016.
Agradeço aos comentários inspiradores de Paolo Ricci, Angela de Castro Gomes
e Miriam Dolhnikoff.
2
Cf. ACD, v. I, 28/05/1897, pp. 452-453.
3
Cf. ACD, v. I, 29/05/1897, pp. 469-470).
4
Francisco de Sá também recebeu 1 voto e houve outro em branco (cf. ACD, v. II,
03/06/1897, p. 71).
100
80 77
67
64
60 58
44
40
35 32
30 30
20 18 C
16
7 O
0 M
96
99
05
08
11
14
17
20
23
26
29
02
P
-19
-19
-19
-19
-19
-19
-19
-18
-18
-19
-19
-19
15
09
12
27
24
18
21
97
06
03
94
00
19
19
19
O
19
19
19
19
18
19
19
18
19
R
Fonte: Elaboração própria a partir da consulta aos ACD (1894-1930). T
A
M
Gráfico 2: Pauta das votações nominais realizadas na Câmara dos E
Deputados, por legislaturas (1894-1930) N
T
60
O
50 - - .. L
.. ..-..-..
- .- ..- .. ..
E
40 G
.. -..-..-..- -
I
- - ..- .. .
30 S
L
- - ..- .. ..
20 A
.. -..
T
.. -
- ..- ..- .. ..
..
10 I
-..-..- -
0 O
.
02
05
08
11
14
17
20
23
26
99
29
96
-19
-19
-19
-19
-19
-19
-18
-19
-19
-19
-19
-18
09
15
12
21
24
27
97
00
18
03
94
06
19
19
19
19
19
19
19
18
18
19
19
19
275
Verificação de poderes Veto presidencial
P
O A Câmara e o processo de verificação dos poderes
L
Í A responsabilidade da Câmara pelo processo de verificação de po-
T
I
deres dos deputados se fundamentava na teoria da separação dos po-
C deres de Montesquieu. Na maior parte dos regimes representativos da
A época, a prerrogativa de proferir o veredicto final sobre as eleições ca-
. bia ao Poder Legislativo para salvaguardar a sua autonomia. Sobretudo
diante do advento das monarquias constitucionais, predominava o
276
entendimento de que a medida impediria a potencial atomização das
casas representativas pelo Poder Executivo. Entretanto, a centralidade
da verificação dos poderes na rotina legislativa da Primeira República
6
Atualmente os vetos presidenciais são deliberados por votação secreta.
278
7
Para detalhes sobre as etapas do processo eleitoral na Primeira República, ver
Ricci e Zulini (2014).
8
O reconhecimento dos poderes acontecia após o processo eleitoral estar
encerrado e tinha a responsabilidade de pronunciar um juízo final sobre as
eleições, verificando a legalidade dos candidatos considerados diplomados
pelas instâncias inferiores. (RICCI; ZULINI, 2014).
20
15
A
N 10
O
V 5
A
0
05
96
17
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C
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23
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29
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-19
-19
-19
-19
-19
-19
I
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19
19
19
18
19
18
19
Ê
19
19
19
19
P
Dentre as 95 deliberações nominais para efeito de reconhecimento
O dos poderes, 49 (51,6%) delas encerram resultados válidos e divididos,
L 34 (35,8%) atingiram o quórum e também a unanimidade e 12 (12,6%)
Í
T revelaram-se inválidas. A distribuição temporal dos diferentes tipos
I de resultados apresenta um quadro surpreendente. Antes da reforma
C
A
Campos Sales, decisões dessa monta já dividiam o plenário da Câmara
.
e a política dos governadores não encerrou as divergências definitiva-
mente. O pico dessas deliberações na legislatura de 1900-1902 pode ser
280
interpretado como produto das negociações políticas envolvidas para
reacomodar as elites apadrinhadas pelos governadores sob o pacto oli-
gárquico recém-criado. Não acabou ali, porém, a negociação dos reco-
nhecimentos. À exceção da legislatura de 1906-1908, quando nenhuma
deliberação nominal versou sobre a temática das verificações de poderes,
houve continuidade das votações nominais inválidas ou divididas em
1927 41 41 1 6
282
1930 41 41 0 17
10
A aprovação da reforma aconteceu na sessão de 3 de outubro de 1913 (Cf. ACD,
v. VII, 03/10/1913, pp. 387-389). Para ver a íntegra dos três regimentos editados
na Câmara dos Deputados durante a Primeira República, ver Pacheco e Ricci
(2016).
11
ACD, v. IV, 13/06/1912, p. 293.
284 12
Protocolado sob o número 60/1915, o parecer foi publicado nos ACD em
12/05/1915 e a ele se ofereceram duas emendas diferentes (cf. ACD, v. III, pp. 442-
512). A invalidação do documento ficou decidida na sessão de 17 de maio (cf.
ACD, v. IV, 17/05/1915, pp. 34-37).
13
Trata-se do parecer n. 60A/1915, impresso em 14/06/1915 (ACD, v. V, 14/06/1915).
14
ACD, v. VI, 21/06/1915, p. 500, grifo do original.
15
ACD, v. VI, 21/06/1915, p. 505, grifo do original.
16
ACD, v. VI, 21/06/1915, p. 507, grifo do original.
17
ACD, v. VI, 21/06/1915, p. 507, grifos do original.
18
ACD, v. VI, 21/06/1915, p. 507, grifo do original.
287
Sancionaram-se 22.764 leis entre 1894 e 1930. Durante os governos
de Nilo Peçanha, Wenceslau Braz e Epitácio Pessoa, o Poder Legislativo
propôs a maior parte das leis aprovadas – em média, concentrando a
19
Agradeço a Lucas Goulart Oliveira pelo auxílio na coleta dos dados.
20
Agradeço a Fernanda Regina Machado pelo auxílio na coleta dos dados.
21
ACD, v. I, 10/03/1922, p. 30.
22
ACD, v. I, 10/03/1922, p. 27.
23
ACD, v. I, 11/03/1922, p. 64, grifo do original.
24
ACD, v. I, 11/03/1922, p. 75.
25
ACD, v. I, 10/03/1922, p. 36.
26
Nas palavras de Rui Barbosa, tratavam-se dos “orçamentos rabilongos”. Por
meio deste expediente se introduziu, por exemplo, o registro de hipotecas no
291
350
300
250
200
150
100
50
)
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)
)
0)
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26
98
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19
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19
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-
-
-
14
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Af
as
el
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Ep
W
en
W
m
Ro
Ar
A
ud
er
H
Pr
27
CF 1891, art. 37, § 3o.
1906-1908 2 2 4 L
1909-1911 3 5 8 E
1912-1914 1 1 2 G
I
1918-1920 8 7 15
S
1921-1923 10 6 16 L
1924-1926 4 1 5 A
T
1927-1929 3 2 5
I
Total 38 30 68 V
Fonte: Elaboração própria a partir dos ACD (1894-1930). O
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L
E
G
I
S
L
A
T
I
V
O
.
299
Introdução1
De acordo com Mayhew (1974), políticos estão interessados em
se reeleger. Com vistas a alcançar esse objetivo eles devotam diversos
esforços em algumas atividades básicas. A tomada de posição (position
taking) em temas relevantes é uma delas2. Existem várias formas de se
fazer isso. Por exemplo, ela pode ser feita por meio de votações nomi-
nais (POOLE E ROSENTHAL, 2007) e pela assinatura de projetos
(ALEMÁN ET AL., 2009). Mas, como o que interessa é o posiciona-
mento em relação a um determinado tema e não a formulação ou a mu-
dança de alguma política pública, outra maneira de se tomar posições é
por meio de discursos.
Assim, a questão que surge a partir deste ponto é qual a estratégia
que políticos devem adotar em seus discursos? Eles devem focalizar os
seus esforços em assuntos específicos – isto é, discursos que se limi-
tam a certos tópicos e que em geral ocorrem de maneira unilateral e
1
Este trabalho contou com o apoio das Bolsas da Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo (FAPESP), processos 2013/24210-4 e 2018/08118-4. O
autor agradece aos comentários de Felipe Nunes, Fernando Bizzarro, Fernando
Guarnieri, Fernando Limongi, Glauco Silva, Lorena Barberia, Lucas Petroni e
Rogério Arantes.
2
As outras atividades são o advertising e o credit claiming. O advertising é o esforço
de disseminar o próprio nome pela constituency de forma tal que se crie uma
imagem favorável de si próprio. A ideia é se tornar conhecido, enfatizando
características pessoais como experiência, conhecimento, sinceridade e
independência. Já o credit claiming é agir de modo a gerar uma crença nos
atores políticos relevantes de que ele é o responsável pela realização de algum
benefício desejável.
3
Veja um exemplo na Figura 8, no Apêndice deste capítulo.
Tema Palavras
agricultor, pequeno, produtor, rural, agropecuaria, produção, agricola,
Agropecuária agricultura, alimentos, provocação, movimento, trabalhista, propriedade,
agraria, assentamento, incra, invasão, terra, conflito, terras
operação, policia, prisão, impunidade, judiciario, punição, responsavel,
A Corrupção
depoimento, bingo, corrupção, cpi, investigação
N Distribuição de bolsa, familia, fome, miseria, pobreza, desigualdade, social, concentração,
O renda distribuição, renda
V comercio, exterior, industrial, industria, comercial, exportação,
A
importação, preço, produto, juros, taxas, retomada, crescimento,
Economia
economico, financeira, politica, efeito, crise, economia, estabilidade,
C
inflação, desemprego, desvalorização, analise,
I
Ê curso, estudante, mec, ensino, superior, tecnica, escola, universidade,
Educação
N estabelecimento, educação, professor
C
I eletrica, energia, hidroeletrica, usina, estrutura, infra, ferrovia, ligação,
A Infraestrutura conclusão, obra, porto, recuperação, rodovia, construção, habitação,
saneamento, aceleração, obras
D
A Juventude menor, adolescente, criança, abuso, exploração, sexual
ambiente, meio, preservação, sustentavel, madeira, ibama, mma,
P Meio ambiente
destruição, desmatamento, amazonica, floresta
O
deficiencia, pessoa, direitos, humanos, mulher, discriminação, negro,
L
Í Minorias idoso, estatuto, igualdade, catolica, igreja, indigena, reserva, comunidade,
T
indio
I
C pmdb, psdb, partido, politico, campanha, eleitoral, candidatura,
Partidos e
A presidencia, reeleição, candidato, eleições, vitoria, eleição, partidaria,
eleições
. representação
F
O
Tabela 2 – Frequência por tema C
A
Tema Frequência Porcentagem
L
Relações internacionais 11.991 18,60% I
Economia 9316 14,50% Z
A
Partidos e eleições 7559 11,80%
Ç
Violência 6019 9,40%
Ã
Infraestrutura 4158 6,50% O
Educação 3542 5,50%
310
Resultados
Nesta seção verificamos se os senadores brasileiros focalizam os seus
discursos em nichos específicos ou se buscam discursar sobre os mesmos
temas que os seus adversários.
PSDB
5.0% 10.0% 15.0% 20.0%
PT
Rel. internacionais Economia
Economia
Partidos e eleições
Violência
Infra-estrutura F
Educação O
Corrupção
C
5.0% 10.0% 15.0% 20.0% 5.0% 10.0% 15.0% 20.0%
A
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados do Senado Federal. L
I
Z
A
Na Figura 1, apresentamos a proporção dos temas discutidos
Ç
por partido. Foram selecionados apenas os cinco principais partidos Ã
(PFL>DEM, PSDB, PMDB, PSB e PT) e os temas que contribuíram O
com ao menos 5% dos discursos totais. Como é possível observar, em
O
geral, não há nenhum partido que se especialize em uma temática. Os
U
três principais temas discutidos pelos partidos brasileiros são relações
internacionais, economia e partidos e eleições. D
I
Analisando os programas dos partidos políticos, Tarouco (2012)
Á
encontrou um resultado diferente. De acordo com a autora, os partidos L
brasileiros se diferenciam no que tange ao conteúdo apresentado em O
seus programas. No entanto, as categorias utilizadas são mais amplas do G
que as utilizadas aqui e estão relacionadas a temáticas como democracia O
?
e liberdade, sistema político, bem-estar e qualidade de vida e grupos ,
sociais. .
N
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A
C
I
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C
I
A
D
A
P
O
L
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T
I
C
A
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados do Senado Federal.
.
312
Esse resultado difere do encontrado por Sagarzazu (2011) para o
caso venezuelano entre 1996 e 2007. Conforme o autor, houve um
aumento da atenção às questões políticas tais como eleições e sobre a
situação política do país, sobretudo pela oposição. Por outro lado, ques-
tões de economia, que antes eram mais discutidos pela oposição, tam-
bém diminuíram de proporção. Ou seja, houve uma mudança de temas
O
U
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I
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L
O
G
O
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados do Senado Federal. ?
,
.
N
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C
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A
O
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L
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados do Senado Federal. O
G
O
Olhando para a similaridade entre os dois principais partidos bra-
?
sileiros – PT e PSDB – ao longo do tempo encontramos índices um ,
.
pouco mais baixos, conforme a Figura 5. A média foi de 58,3 com um
desvio padrão de 14,3. Ou seja, em quase 60% das vezes os senadores
315
do PT e do PSDB estavam discutindo sobre o mesmo tópico. O menor
valor encontrado foi de 10 e o maior foi 83,0. Em metade das vezes o
índice esteve acima de 61,8 e em 25% das vezes esteve acima de 67,8.
Embora esse valor não seja tão alto se comparado ao agregado dos par-
tidos de governo e oposição, não podemos considerá-lo um valor baixo.
Reforço ou diálogo?
Precisamos saber se o que observamos na seção anterior – alta con-
vergência – é fruto de diálogo ou se os senadores estavam apenas refor-
çando as mesmas ideias. Se estivermos diante de um diálogo, esperamos
que os discursos sobre um mesmo tema apresentem posições distintas
umas das outras. Caso contrário, se estivermos diante de reforço, não F
haverá posições discordantes entre si. É importante frisar que as posi- O
317
onde α é um parâmetro para controlar o comprimento do texto; ψ
controla o uso da palavra, já que algumas palavras são mais frequentes
do que outras; β é um parâmetro do uso específico da palavra, isto é,
captura a importância da palavra j no escalonamento do texto; e ω é a
estimativa da posição do texto i. A estimação é feita por meio de um
4
Para mais detalhes, ver Proksch e Slapin (2010).
F
O
C
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L
I
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Ç
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O
O
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I
Á
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados do Senado Federal. L
O
G
Na Figura 6 temos os resultados para os temas de hard politics. O
Como podemos observar, na maioria das temáticas, governo e oposi- ?
ção apresentam posições distintas, sobretudo a partir da 50a Legislatura, ,
.
quando se inicia o primeiro mandato do presidente Fernando Henrique
Cardoso. Isso fica claro nos discursos sobre relações internacionais, eco- 319
nomia, sistema financeiro, trabalho e agropecuária. Nos assuntos rela-
tivos à corrupção e partidos e eleições é interessante notar que governo
e oposição passaram a se distinguir somente a partir da 52a Legislatura,
sob o governo Lula. Antes disso não havia posições diferentes sobre estes
temas.
P
O
L
Í
T
I
C
A
.
320
F
O
C
A
L
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A
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O
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados do Senado Federal.
O
U
Considerações finais D
O objetivo deste trabalho foi verificar se os senadores brasileiros I
Á
concentram os seus discursos em assuntos específicos, pois não perce- L
bem nenhum benefício em falar sobre temas que são especialidade de O
seus oponentes (PETROCIK, 1996; SIMON, 2002), ou se eles estão G
em constante debate em torno de determinados pontos da agenda polí- O
?
tica (ANSOLABEHERE E IYENGAR, 1994). ,
.
Utilizando técnicas de análise quantitativa de textos e um banco
de dados inédito com a indexação de mais de 64 mil discursos encon-
321
tramos suporte para a segunda hipótese. Adversários políticos tendem
a discursar sobre os mesmos temas. E mais importante do que isso,
em temas que compreendem o centro do processo político e da gestão
econômica, eles apresentam posições distintas. Se um político discursar
sobre um tema A, provavelmente o seu adversário discursará sobre o
C
I
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I
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D
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P
O
L
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A
.
322
Pronunciamento
Detalhamento
voltar
Autor Eduardo Suplicy (PT – Partido dos Trabalhadores /SP
Nome Completo Eduardo Matarazzo Suplicy
Data 03/05/2007 Casa Senado Federal Tipo Pronunciamento
Resumo Comemoração de centésimo quadragésimo segundo aniversário de
nascimento do Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon.
Indexação HOMENAGEM POSTUMA, ANIVERSÁRIO, CÂNDIDO MARIANO
DA SILVA RONDON, MARECHAL, PATRONO, TELECOMUNICAÇÃO,
BRASIL, DEFESA, COMUNIDADE INDÍGENA, SAUDAÇÃO, TELEVISÃO, F
ANÚNCIO, EXIBIÇÃO, PROGRAMA, HISTÓRIA, MARECHAL, DEFESA, O
PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, REGISTRO, RECEBIMENTO, VISITA,
C
SERVIDOR, (IBAMA), PROTESTO, MEDIDA PROVISÓRIA, DIVISÃO,
ORGÃO PÚBLICO. A
L
Catálogo HOMENAGEM. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
I
Publicação no DSF de 04/05/2007 – página 12428 Z
A
Ç
Texto integral
Ã
O
U
D
I
Á
L
O
G
O
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,
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323
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O
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C study. American Journal of Political Science. v. 40. n. 3. pp. 825-850. 1996.
A
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2007.
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PROKSCH, S.-O. e SLAPIN, J. Position taking in european parliament
speeches. British Journal of Political Science, v. 40. n. 3. pp. 587-611. 2010.
O
U
D
I
Á
L
O
G
O
?
,
.
325
Andréa Freitas
Maurício Izumi
Danilo Medeiros
Introdução
O objetivo deste capítulo é entender como se estrutura o comporta-
mento de deputados e senadores brasileiros em votações nominais vis-à-
-vis estratégias partidárias de participar ou não da coalizão de governo.
Com isso pretendemos contribuir para a discussão sobre a formação,
operação e manutenção das coalizões de governo em sistemas presiden-
cialistas multipartidários.
Em geral, assume-se que a distribuição das preferências reveladas
no Legislativo brasileiro segue uma estrutura unidimensional caracte-
rizada pelo conflito entre governo e oposição (Leoni 2002; Zucco Jr.
& Lauderdale 2011; Zucco Jr. 2009). Os estudos que motivam essa
conclusão analisam o comportamento dos deputados no plenário da
Câmara dos Deputados e estendem suas conclusões ao Congresso
Nacional, sem, no entanto, respeitar possíveis especificidades do Senado
Federal. Assim, nossa primeira preocupação é introduzir o Senado na
análise de forma a responder se o comportamento dos senadores no
plenário também pode ser caracterizado como unidimensional e, se tal
como a Câmara, é estruturado pela divisão governo-oposição.
Isso nos leva ao segundo ponto que pretendemos explorar. O que
explicaria esse padrão? Dito de outra forma, a entrada ou saída for-
mal de um partido da coalizão gera uma mudança de comportamento
dos parlamentares? As respostas podem ser encontradas na motivação
dos partidos para entrar ou sair da coalizão. Mais do que isso, cabe ex-
plicação para o quanto o comportamento legislativo é estruturado em
termos do conflito entre oposição e governo. Disso derivam outras ques-
tões: (1) os partidos que entram em uma coalizão durante um mandato
1
Os dados utilizados são do Banco de Dados Legislativos do CEBRAP e estão
disponíveis mediante solicitação aos autores.
rences). Isso quer dizer que a escolha feita em uma votação não tem in- C
fluência na escolha feita em outra votação. Se as preferências não forem O
separáveis, os pontos ideais em cada questão serão conhecidos apenas M
condicionalmente. P
O
Esta técnica é embebida pela ideia de sistemas de crenças de
R
Converse (1964). Segundo ele, um sistema de crenças é “uma configu- T
ração de ideias e atitudes cujos elementos são interligados por alguma A
forma de constrangimento ou interdependência funcional” (Converse, M
1964, p. 207). Por exemplo, se sabemos que um legislador é favorá- E
vel aos direitos trabalhistas, daí podemos derivar que ele será favorável N
T
ao aumento do salário mínimo e à expansão dos serviços públicos de
O
saúde. Ou seja, se sabemos que um legislador tomou uma decisão A em
?
um tema x, estamos aptos a afirmar que ele tomará uma decisão A’ no ,
.
tema y. Quando aplicado às votações nominais, essa interdependência
329
entre esses diversos assuntos tem uma interpretação geométrica.
Nos últimos 30 anos, diversos modelos probabilísticos de voto le-
gislativo foram desenvolvidos com base nessas ideias. Como, por exem-
plo o W-NOMINATE (Poole & Rosenthal, 1985, 1991) e o IDEAL
(Clinton, Jackman, & Rivers, 2004).
i.i.d.. E
S
Com vistas a minimizar esses problemas, será utilizada neste traba-
lho a técnica não paramétrica do Optimal Classification (Poole, 2000). E
2
O único pressuposto é o de que as preferências dos legisladores são simétricas
e de pico único.
3
Freitas (2016) demonstra que projetos que são alterados na Câmara dos
Deputados dificilmente são alterados no Senado Federal. Ou seja, a tramitação
dos projetos na Câmara Alta é facilitada pela resolução dos conflitos em torno
da matéria na Câmara baixa.
Dimensionalidade
O problema da dimensionalidade do espaço político não é novo
para os estudiosos. Um dos maiores precursores a examinar a questão
foi Duncan Black (1948, 1958). Segundo o autor, em contextos unidi-
mensionais existe um equilíbrio único que se dá na posição mediana.4
Ou seja, em decisões tomadas pela regra da maioria, aquele que está C
nesta posição nunca perde. Nos modelos teóricos de decisão legislativa O
baseados na ideia de median-voter, as preferências dos legisladores e as A
L
propostas (ou emendas) em votação podem ser representadas por pon-
I
tos em um espaço euclideano. Para decidir o seu voto, cada parlamen- Z
tar calcula a distância entre o seu ponto ideal e a localização tanto da Õ
proposta como do status quo. Como sua preferência é de pico único, ele E
S
escolherá a opção que está mais próxima de seu ponto ideal (Krehbiel,
1998). Se a votação for de maioria simples, haverá equilíbrio na posição E
mediana. Repare que esse modelo assume que o partido não é capaz de
C
forçar ou constranger o voto do indivíduo. Se parlamentares de mesmo
O
partido votam de forma semelhante isto se dá por que eles possuem
M
preferências semelhantes (Krehbiel, 1993)5.
P
No entanto, estas assertivas só são válidas em espaços políticos uni- O
dimensionais. Quando estamos diante de um plano com mais de uma R
dimensão, o caos se instaura e tudo pode acontecer (McKelvey, 1976). T
A
Nesse momento, a questão do número de dimensões passa a ser rele-
M
vante. Mas como determinar o número de dimensões a ser estimado?
E
Na visão de Poole (2005, p. 141), isso é mais uma questão substantiva
N
do que estatística. Não há nenhuma técnica que seja crucial na escolha T
entre um modelo unidimensional ou multidimensional. Uma sugestão, O
porém, é olhar para o número de classificações corretas – isto é, o ajuste ?
,
.
335
4
A primeira formulação foi de Harold Hotelling (1929) com aplicações na
economia. Posteriormente, Anthony Downs (1999) o utilizou para estudar a
competição eleitoral.
5
Vale frisar que, nesse modelo, o voto do legislador não é necessariamente
sincero. É estratégico: o votante sempre optará pela opção mais próxima do
seu ponto ideal.
336
E
O conteúdo da primeira dimensão
C
Apenas uma dimensão serve para indicar o posicionamento dos par- O
lamentares. Mas qual seria ela? As análises de Poole e Rosenthal (1985, M
1991, 1997) permitem concluir que, no caso dos Estados Unidos, os P
6
O cálculo do APRE é dado pela seguinte expressão (Leoni, 2002, p. 369):
n Votos da Minoriaj – Erros feitos pelo NOMINATEj
APRE =∑
j=1 n
∑ Votos da Minoriaj
j=1
339
7
Vale frisar que as conclusões de Hix e Noury (2012) estendidas ao Brasil são muito
influenciadas pela escolha de apenas uma legislatura (primeiro mandato de
Cardoso) e por analisar os resultados de regimes muito diferentes em conjunto
(Brasil, Chile, República Tcheca e Parlamento da União Europeia).
8
Para calcular a porcentagem de votos dados ao governo foram excluídas as
votações em que pelo menos 90% do plenário votou da mesma forma.
A
Fonte: Elaborado pelos autores com base no Banco de Dados Legislativos – CEBRAP.
N
O
V Tendo em vista os resultados de outras pesquisas sobre o sistema po-
A
lítico brasileiro, o conflito entre governo e oposição parece ser, de fato,
a clivagem a estruturar o comportamento legislativo. Não só os estudos
C
I que se baseiam em estimações de pontos ideais chegam a conclusões
Ê próximas, mas também Figueiredo e Limongi (1999, 2000), precur-
N
sores no tema, já mostravam que os partidos se diferenciam na arena
C
I legislativa e possuem um padrão de votação que separa governistas de
A oposicionistas. Basta lembrarmos que no Brasil os presidentes são dota-
D dos de fortes poderes de agenda. Como mostram Figueiredo e Limongi
A (2000, p. 155), 86% das leis sancionadas entre 1989 e 1997 foram in-
P
troduzidas pelos presidentes e a taxa global de projetos aprovados com
O origem no Executivo é de 78%9. Segundo os autores, ao controlar a
L agenda, o Executivo está apto a determinar o que será votado e quando
Í
T o será. A posse dessa prerrogativa permite aos presidentes alterarem a
I localização das políticas no espaço no qual os legisladores irão agir.
C
A Para além do controle do processo, os Executivos brasileiros siste-
. maticamente têm dividido o poder do partido do presidente entre os
partidos no Congresso. A divisão do poder em si, já demonstra que há
340 um entendimento por parte do presidente, ou do partido do presidente
9
Estas taxas são bastante estáveis ao longo do tempo, utilizando os mesmos
critérios de Figueiredo e Limongi temos que as taxas de dominância e sucesso
entre os anos de 1988 e 2018 são de 90,4% e 84,6%, respectivamente. Os dados
são do Banco de Dados Legislativos do Cebrap.
Jr. (2009) assume que somente dois fatores podem induzir o compor- A
L
tamento dos parlamentares: ideologia (preferências sobre políticas ou I
localização no eixo esquerda-direita) e pork barrel. Assim, desconsidera Z
o potencial que a divisão das pastas ministeriais possui sobre o com- Õ
10
Maioria legislativa e coalizão de governo são formações diferentes: o governo
pode conseguir 50%+1 dos votos em determinada votação sem que sua coalizão
detenha mais de 50% das cadeiras.
N
O
V
A
C
I
Ê
N
C Fonte: Freitas (2016).
I
A
D
Podemos observar na Figura 2 a disciplina em relação ao governo
A dos nove maiores partidos políticos na arena federal. Nas áreas cinzas,
observamos os períodos em que os partidos não fazem parte da coali-
P
O zão governista. O fato das taxas de apoio ao governo na Câmara e no
L Senado variarem na mesma direção, independente do pertencimento
Í
T
do partido a coalizão governamental, indica que os líderes partidários
I aumentam ou reduzem o enforcement para que suas bancadas adotem
C
posições mais ou menos governistas, independentemente das políticas
A
em votação. Trata-se de uma estratégia partidária na relação com o go-
.
verno, esteja o partido dentro ou fora da coalizão.
344
Destaca-se ainda que alguns partidos mantiveram um alto patamar
de apoio independente de estarem participando da coalizão em dife-
rentes momentos – notadamente os casos do PDS>PP (na época PPB),
do PMDB e do PTB. Por outro lado, PSDB, PFL>DEM e PT mudam
drasticamente de comportamento quando passam do governo para a
oposição e vice-versa. É preciso investigar esses fenômenos com maior
durante uma mesma legislatura. Nosso foco será o segundo grupo, pois C
pretendemos analisar se uma decisão partidária (entrar ou sair da coa- O
lizão) tem impacto sobre decisões individuais (comportamento legisla- M
tivo dos parlamentares). P
O
Nas Figuras 3 e 4 apresentamos os pontos ideais estimados para os
R
migrantes individuais e também para os deputados e senadores que vo- T
taram nominalmente como governistas e oposicionistas no interior de A
uma mesma legislatura. Vale frisar que são apresentados os resultados M
apenas para os partidos que transitaram entre governo e oposição. E
N
Analisemos as Figuras 3 e 4. Sobre os migrantes individuais vale T
um breve comentário: são parlamentares que, no geral e sobretudo na O
Câmara, se movem pelo espectro quando alternam entre oposição e ?
coalizão. Isto é, aqueles que decidem trocar de partido aderindo ou ,
.
abandonando a base governista de fato alteram seu comportamento. A 345
decisão de migrar de legenda, nesses casos, parece motivada pela insatis-
fação com a posição anterior.
N
O
V
A
C
I
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C
I
A
D
A
Fonte: Elaborado pelos autores com base no Bancos de
P Dados Legislativos – CEBRAP.
O
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T
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A
.
346
C
O
A
L
I
Z
Õ
E
S
C
O
M
P
O
C
Figura 5: Distribuição dos pontos ideais de deputados e senadores,
O
comparativo entre os governos Collor e Itamar Franco
A
L
I
Z
Õ
E
S
C
O
M
P
O
Fonte: Elaborado pelos autores com base no Banco de Dados Legislativos – CEBRAP. R
T
A
A alteração na composição da coalizão do segundo mandato de M
Cardoso (51ª Legislatura) não está relacionada à agenda de políticas E
públicas, mas sim à política eleitoral. Em março de 2002 o PFL (atual N
DEM) abandona o governo – mesmo ocupando a vice-presidência com T
O
Marco Maciel – com vistas à eleição de outubro daquele ano. As esti-
?
mativas geradas para a Câmara dos Deputados mostram que há um pe- ,
.
queno deslocamento em direção a posições mais centrais. Já no Senado
349
há mudanças significativas nos pontos ideais.
Vale notar que após abandonar a coalizão, o líder do PFL na Câmara
continuou a indicar voto em consonância com o líder do governo em
cerca de 95% das votações, porém a taxa de apoio de sua bancada caiu
para 85%. Fora da coalizão os deputados do PFL ficaram mais livres
entre o início da 51ª legislatura e o dia da mudança, e dessa data até o fi- C
nal da legislatura ele votou como oposicionista. Quando randomizamos O
a sua posição temos que os votos que ele deu como governista e como M
oposicionista estarão juntos nos seus dois registros. Ao fazermos isso vá- P
rias vezes (100 vezes) temos uma distribuição para comparar com a di- O
N
Figura 7 – Diferenças das médias simuladas em relação diferença das
médias originais. Senado Federal
O
V
A
C
I
Ê
N
C
I
A Fonte: Elaborado pelos autores com base no
Banco de Dados Legislativos – CEBRAP.
D
A
P O mesmo pode ser dito para o Senado, como vemos pela Figura 7.
O
L
Somente na 50ª e na 52ª legislaturas as diferenças não são tão grandes.
Í Mesmo assim, elas ainda são maiores do que a maior parte dos valores
T
I
simulados. Indo direto ao ponto, rejeitamos a hipótese nula segundo a
C qual entrar ou sair da coalizão de governo não faz diferença no compor-
A
tamento em votações nominais dos legisladores brasileiros.
.
Os resultados aqui apresentados são alguns indícios da importância
da coalizão de governo na modelagem do comportamento legislativo.
352
Tudo indica que os parlamentares que foram da oposição para a coali-
zão mudaram significativamente os seus padrões de votações, passando
a apoiar mais a agenda governamental após a entrada na coalizão. Já
aqueles que fizeram o movimento inverso (da coalizão para a oposição)
também alteraram o seu comportamento. No entanto, vale destacar que
D
A
Bibliografia
ARAÚJO, V., FREITAS, A., & VIEIRA, M. (2018). The Presidential Logic
of Government Formation in Latin American Democracies. Revista de ciencia
política (Santiago), 38(1), 25-50.
C
I
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C
I
A
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P
O
L
Í
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A
.
358
PT – PR – PCdoB – PSB –
Lula II 2 02-abr-07 31-dez-10 PTB – PMDB – PP – PDT Entra PDT e PRB
– PRB
Introdução
A representação eleitoral e a competição partidária estão no cerne
do regime democrático contemporâneo. As propriedades e característi-
cas da relação entre partidos e eleitores são objeto central de estudo da
Ciência Política e um dos conceitos e indicadores básicos formulados
para a compreensão dessa dinâmica é a volatilidade eleitoral. Este in-
dicador, elaborado inicialmente por Pedersen (1979), refere-se ao grau
de estabilidade da relação partido-eleitor no tempo, e é, de acordo com
Taagepera e Grofman (2003), uma das medidas mais empregadas e con-
sensuais na Ciência Política.
A temática da volatilidade eleitoral emerge e ganha força particular-
mente nos estudos sobre o cenário europeu dos anos 1970, ligando-se a
questões sobre as relações entre partidos e classes sociais, tipo e natureza
dos partidos, ideologia e representação. A questão que mobilizava a li-
teratura naquele momento era verificar o possível desalinhamento que
estaria ocorrendo entre os partidos e suas bases sociais, outrora vistos
como articulados por meio das clivagens sociais (Pedersen, 1979).
1
Este texto foi originalmente publicado, com o mesmo título, na Revista Teoria &
Pesquisa, v.28, n.3, 2019, p. 48-71, a qual agradeço a permissão para republicação
com pequenas adaptações. O capítulo atualiza e tem como base a dissertação
de mestrado “Flutuação eleitoral e Sistema Partidário: o Caso de São Paulo”,
defendida no DCP/USP com financiamento FAPESP 2009/03532-8. Agradeço a
Fernando Limongi, Paolo Ricci, Yan Carreirão, Maria do Socorro Braga, Tiago
Borges, Gustavo Venturi, Rogério Arantes, Lara Mesquita, Andreza Davidian,
Patrick Silva, Ricardo Ribeiro, Thiago Silva e Lucas Petroni pelos comentários a
versões prévias.
2
O mesmo se aplica ao índice de volatilidade ideológica, variante importante e
também amplamente usada, proposto por Bartolini e Mair (1990).
364
3
Cabe notar, no entanto, que o uso de dados agregados não deve ser
necessariamente tomado como second-best em comparação com dados
individuais, tanto do ponto de vista teórico quanto empírico. Para o debate na
literatura sobre volatilidade, consultar Lane e Ersson (1997) e Bartolini e Mair
(1990). Para uma discussão metodológica mais geral com aplicação para outra
questão, ver Simoni Jr e Magalhães (2018).
4
Ver Peres (2005) para uma revisão mais pormenorizada desse conjunto de
literatura.
5
Questões semelhantes são também levantadas para o contexto do leste-
europeu. Ver, por exemplo, Tavits (2005).
6
A referência dos parágrafos seguintes é Limongi (2002)
partidária E
7
Cabe notar que muito da divergência é fruto do período temporal considerado
na análise e/ou do critério avaliativo sobre o quanto o caso brasileiro destoa de
um conjunto de países ou mesmo, implicitamente, de um patamar considerado
“ideal”.
8
Para uma revisão sobre modelos de política distributiva, consultar Golden e
Min (2013). Para modelos de entrada ou coordenação pré-eleitoral, consultar
Cox (1997).
9
Cabe notar que ponto semelhante foi defendido no debate brasileiro, de
maneira pioneira, por Souza (1972), em análise sobre a eleição presidencial de
1960.
competição. E
A fórmula dessa medida é semelhante à anterior, mas aplica-se ape- S
nas às legendas que disputam ambas as eleições: I
S
VC = Ʃ| (Pcit2 – Pcit1 )|
____________________
T
E
2 M
A
Onde, VC: Volatilidade contrafactual; Pcit2: porcentagem de votos .
do partido constante i em t2 e Pit1: porcentagem de votos do partido
constante i no t1. Em ambos os tipos de volatilidade, são utilizadas
375
as votações dos partidos individuais, desconsiderando votos brancos e
nulos.
Como dito anteriormente, as análises sobre a volatilidade eleitoral
no Brasil e América Latina se pautam quase que exclusivamente em
análises das disputas legislativas, ressoando o debate tal como ele surge
10
O percentual médio de votos mantidos por par de eleição foi de cerca de 85%.
D Análise empírica
A
P
Eleições presidenciais 1989-2014
O
L
As eleições presidenciais brasileiras assumiram dois formatos dife-
Í rentes no período de 1989 a 2014. O primeiro vigorou, na verdade, em
T
I
uma única eleição, em 1989, e caracterizou-se pela excessiva fragmen-
C tação: mais de 20 partidos disputaram votos na primeira disputa direta
A
para presidente desde 1960; o primeiro colocado foi um partido na-
.
nico (PRN), com pouco mais de 30% dos votos; e o segundo colocado
(PT) atingiu menos de 20%. O segundo formato vigorou no período
378
de 1994 a 2014. Nestes pleitos, as eleições presidenciais brasileiras são
caracterizadas pela proeminência de PT e PSDB, seguidos por terceiras
forças variáveis.
A tabela 1 apresenta os índices de volatilidade eleitoral de Pedersen
para as eleições presidenciais calculadas no nível do Estado de São Paulo:
E
Os índices de volatilidade contrafactual, ou seja, os valores da L
flutuação do voto como seriam se as opções partidárias permaneces- E
I
sem constantes, revelam que as diferenças entre os grupos educacio- T
nais são aplainadas: os valores por quartis de escolaridade da tabela 4 O
mostram uma maior homogeneidade na relação entre volatilidade e es- R
colaridade do que a encontrada nos testes com o índice de Pedersen, A
considerando todas as legendas. Esse dado revela que os partidos que L
S
I
Tabela 7: VGovernador – S
Nível das urnas – Quartis educacionais % T
E
Ano/Quartil 1994-1998 1998-2002 2002-2006 2006-2010 2010-2014
M
1 quartil 39,2 36,4 27,3 16,7 29,7
A
2 quartil 40,2 34,3 27,2 17,6 30,8 .
C
A distribuição educacional da volatilidade contrafactual, ou seja,
I apenas entre os partidos constantes, revela uma diminuição do peso da
Ê variação da educação na variação da flutuação eleitoral, reforçando a
N
C
hipótese defendida neste trabalho.
I
A
Eleições para prefeito de São Paulo 1985-2012
D
A Desde a primeira eleição direta para prefeito de São Paulo
P pós ditadura militar, em 1985, até 2012, cinco partidos diferentes
O ganharam as oito eleições para a prefeitura de São Paulo, de todos os
L
Í
matizes ideológicos. Essa afirmação parece indicar uma instabilidade
T eleitoral crônica do eleitor paulistano. O objetivo aqui é traçar um
I
C
quadro analítico mais acurado, que permita visualizar até que ponto
A essa indicação corresponde à realidade ou se, antes, a flutuação do
. resultado eleitoral para as eleições municipais de São Paulo deve-se mais
às mudanças nas opções partidárias definidas pelas elites políticas aos
384 eleitores do que propriamente às oscilações das preferências expressas
no voto.
A tabela 9 apresenta o índice de volatilidade de Pedersen para
prefeito de São Paulo:
385
Considerações Finais A
L
O esforço deste trabalho busca proporcionar uma nova interpreta-
E
ção para o fenômeno da volatilidade eleitoral no Brasil (focando no caso
de São Paulo), e, assim para a avaliação sobre o papel dos partidos po- S
I
líticos no momento eleitoral. Neste sentido, contribui para discussões S
acerca da institucionalização do sistema partidário, e, de modo geral, T
para o funcionamento da democracia no Brasil. A tese defendida é a E
P
Do ponto de vista empírico, os resultados apontam que que grande
O parte da flutuação se deve à alteração do quadro partidário, e não está
L mais associada a eleitores com maior ou menor educação. Logo, as evi-
Í
T dências levantam dúvidas quanto à visão tradicional sobre a volatilidade
I eleitoral e institucionalização do sistema partidário, inspirada na teoria
C
A da modernização. Antes, são mais compatíveis com uma perspectiva de
. competição eleitoral, no qual partidos e eleitores agem racionalmente,
construindo e mobilizando preferências. A hipótese defendida pode le-
388 var, então, a novos testes em outros contextos eleitorais, e logo, trazer
novas compreensões ao comportamento eleitoral e à dinâmica do sis-
tema partidário no Brasil.
COX, Gary (2010). “Core voter, swing voter and distributive politics” in A
.
SHAPIRO, Ian; Stokes, Susan; Wood, Elisabeth Jean; Kirshner, Alexander
(eds.). Political Representation. Cambridge: Cambridge University Press.
389
CREWE, Ivor (1983). “The electorate: Partisan dealignment ten years on”.
WEST EUROPEAN POLITICS, 6:4, 183-215.
E
L
E
I
T
O
R
A
L
S
I
S
T
E
M
A
.
393
Marina Merlo
Introdução
Qual o papel dos partidos políticos no sucesso eleitoral das mulhe-
res? Sabe-se que as mulheres enfrentam mais obstáculos que os homens
para se eleger. As explicações passam por eventual resistência do eleito-
rado em aceitá-las no poder (AGUILAR; CUNOW; DESPOSATO,
2015), pela socialização feminina focada na esfera privada (FRASER,
1990; MANSBRIDGE, 1998; PATEMAN, 1988; PHILLIPS, 1998b),
pela suposta falta de interesse delas em seguir a carreira política (FOX;
LAWLESS, 2012, 2013) e pela falta de recursos para realizar suas cam-
panhas (SPECK; MANCUSO, 2014; SPECK; SACCHET, 2012). Há
ainda análises focadas no desenho institucional do sistema partidário
e eleitoral (KITTILSON; SCHWINDT-BAYER, 2012; NORRIS,
2013; SHVEDOVA, 2005) e no efeito da Lei de Cotas1.
Se, por um lado, a literatura tem avançado nas tentativas de res-
posta às causas da sub-representação feminina, por outro, ainda são
poucos os trabalhos empíricos brasileiros que se aprofundam no papel
dos partidos e suas lideranças na promoção ou exclusão das mulheres na
competição eleitoral (ARAÚJO; BORGES, 2012, 2013; BARREIRA;
GONÇALVES, 2012; CARNEIRO, 2009). Os estudos mais recentes
1
A Lei nº 12.034, de 2009, que acrescentou os parágrafos 3º e 4º ao art. 10 da Lei
Nº 9.504, de 1997, determina que “Do número de vagas resultante das regras
previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30%
(trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de
cada sexo”
Revisão bibliográfica M
U
Participação política e filiação partidária L
H
A participação política pode ser definida como toda a atividade que
E
tem a intenção ou o efeito de influenciar a ação do governo (BURNS; R
SCHLOZMAN; VERBA, 2001, p. 4). A literatura indica que as mulhe- E
res são menos propensas a se envolver em atividades dessa natureza em S
A
Eleitos/as
N
Candidatura
O
V Filiação partidária
A
Simpatizante
Candidatura
Na bibliografia brasileira, o debate sobre partidos concentra-se na
sua importância para o funcionamento da democracia (AMARAL,
2013). Há uma já consolidada literatura que explicita a relevância dos M
402
4
Três entrevistas foram acompanhadas pelos assessores de imprensa das
vereadoras: Aline Cardoso (PSDB), Adriana Ramalho (PSDB) e Edir Sales (PSD).
Com as vereadoras do PSDB, as assessoras eram mulheres e não interferiram
na entrevista. Com a vereadora Edir Sales, o assessor deu sua opinião durante
a entrevista e interferiu em algumas das respostas.
5
O roteiro está disponível para download em goo.gl/x55HGO
pouco mais da metade dos filiados6 da cidade de São Paulo. Esse nú- U
L
mero é superior ao registrado no Brasil, no qual as mulheres são 44,2%
H
dos filiados7.
E
R
E
Tabela 1: Sexo da população, eleitores e filiados da cidade de
S
São Paulo em 2016
T
Mulheres Homens Indeterminado Mulheres/
Total O
N % n % n % Homens
M
População 11.253.503 5.924.871 52,65% 5.328.632 47,35% - - 1,11
A
Eleitores 8.754.649 4.715.753 53,87% 4.024.248 45,97% 14.648 0,17% 1,17
N
Filiados 558.311 273.464 48,98% 266.825 47,79% 18.022 3,23% 1,02
D
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do TSE e do IBGE. O
P
Contudo, na Tabela 2, é possível verificar que as mulheres se filiam A
menos que os homens, proporcionalmente: embora o alistamento entre R
as mulheres seja superior ao dos homens – são 79,59% da população T
I
feminina alistada como eleitora contra 75,52% dos homens – por outro D
O
.
6
Por meio de pedido de acesso à informação via LAI, o TSE afirmou que não
divulga o sexo dos filiados na relação disponível para download por questões
de sigilo. Os filiados foram classificados de acordo com o seu primeiro nome 403
com base na relação de nomes dos candidatos a vereador em 2016. Apenas
3,22% dos nomes não foram classificados. O código está disponível mediante
requisição.
7
Dados de filiação de dezembro de 2016. Disponível em <http://www.tse.jus.br/
eleitor/estatisticas-de-eleitorado/eleitores-filiados-por-sexo-e-faixa-etaria>.
Acesso em 4 de julho de 2017.
Mulheres
eleitoras - 5,80% - -
A
População - - 75,52% 5,01%
N
Homens
O eleitores - - - 6,63%
V
A Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do TSE e do IBGE.
Me filiei um ano antes [de sair candidata], nunca fui ligada, sabe, a
partido, a fazer partido... que partido no Brasil hoje só serve pra dar
legenda, vamos falar o que é a verdade. Não tem mais idealismo, né?
(...) eu entrei no PL quando eu fui pra ser candidata. (EDIR SALES,
2017)
0%
I
25
50
75
10
% de filiados D
Gênero Feminino Indeterminado Masculino O
.
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do TSE.
10
Os dados foram acessados no dia 10 de abril de 2017 em <http://www.tse.
jus.br/eleicoes/estatisticas/repositorio-de-dados-eleitorais>. Os números
podem mudar dependendo de atualizações de pendências judiciais e outras
atualizações como um todo.
PHS
PSDC P
PSD
PTN A
PRTB
R
PV
PEN T
PTB
I
PSOL
PMDB D
PT
PPS O
PP .
PT do B
DEM
PTC
PDT
407
PSC
PSB
0%
0%
%
%
25
50
75
10
% de candidaturas
Gênero Feminino Masculino
N
Figura 4: Gênero das candidaturas para vereador da cidade de
O
São Paulo de 2016 por coligação partidária
V
A Gênero das candidaturas por Coligação
PSTU
PCO
C PPL
PSL
I SD
Ê R EDE
PC do B
N NOVO
C PSDC
Coligação
0%
Í
25
50
75
10
T % de candidaturas
I
C Gênero Feminino Masculino
A
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do TSE.
.
408
PT e PSOL, localizados à esquerda no espectro ideológico, tiveram
suas candidatas selecionadas pelo seu perfil: mulheres, jovens e ligadas a
movimentos de base. Segundo o relato das três vereadoras, suas candi-
daturas foram possibilitadas pela estratégia das lideranças do partido de
acreditar que era preciso lançar nomes com esse perfil; Juliana Cardoso,
M
Tabela 3: Estatísticas descritivas dos votos recebidos por resultado e U
gênero da cidade de São Paulo em 2016
L
Eleito Não Eleito Total H
E
Medida fem/ fem/ fem
Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres Homens R
masc masc /masc
E
Soma 34.7120 205.9941 17% 309.534 174.4307 18% 656.654 3.804.248 17%
S
Média 31.556 4.6817 67% 810 2.082 39% 1.670 4.313 39%
T
Mediana 33.999 35.772 95% 302 711 42% 311 759 41%
O
Desvio padrão 9.440 44.083 21% 1744 3.932 44% 5.569.013 14.300.356 39%
M
Mínimo 12.464 14.957 83% 0 0 - 0 0 -
A
Máximo 45.285 301.446 15% 16212 27.334 59% 45.285 301.446 15%
N
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do TSE. D
O
Então, tanto o Adriano [Diogo] quanto o grupo pensou que teria que
P
ser uma novidade, uma inovação, né – ousada, de ser uma mulher
A
e uma jovem da periferia. Então, eu meio que coube nesse perfil
R
de candidatura. (...) Eu tinha minha atuação política muito forte
T
no PT e no mandato [do Adriano Diogo], mas nunca pensei em ser
I
candidata nem a síndica de prédio, pra você ter uma ideia. (JULIANA D
CARDOSO, 2017) O
.
Por outro lado, o relato da vereadora Edir Sales confirma a exis-
tência de candidaturas que são lançadas pelo partido a partir das carac-
409
terísticas individuais, pensando no potencial de “densidade eleitoral”
do candidato, mesmo quando ele não participa da vida partidária.
Diferentemente daquela demonstrada pelo PSOL e PT, a motivação
de seu partido parece não ter levado em conta seu gênero ou sua atua-
ção específica. O papel ativo das lideranças políticas na consolidação e
P
O
Nas estatísticas descritivas dos recursos de campanha das eleitas,
L quando separadas entre as incumbentes (que já ocuparam o cargo de ve-
Í readora) e as desafiantes (que estão em seu primeiro mandato) na Tabela
T
I 4, vemos que o custo médio por voto entre as últimas é de R$11,73,
C cerca de 14% superior ao montante gasto pelas primeiras. A média do
A
total de recursos recebidos pelas incumbentes foi de R$382.201,58, va-
.
lor superior em cerca de 20% ao recebido pelas desafiantes. Ou seja, a
campanha das reeleitas foi mais eficiente e mais bem financiada que a
414
campanha das desafiantes, como é indicado pela literatura.
A vantagem de incumbência pode ser observada nos depoimentos
de Juliana Cardoso e Edir Sales, reeleitas para seu terceiro mandato na
Câmara dos Vereadores. Ambas relatam igualmente terem feito suas
campanhas nos territórios em que mais atuam e que sabiam que tinham
A
Recursos de outros candidatos
P Recursos de partido político
25
50
75
00
00
25
50
75
00
0.
0.
0.
0.
1.
0.
0.
0.
0.
1.
A
. Porcentagem da receita total
Discussão e conclusões
A análise das entrevistas e dos dados eleitorais permite que se es-
quematize uma tipologia, conforme disposto na Figura 6. Ela segue um
contínuo entre uma dependência da estrutura e atuação partidária, até
uma menor influência dos partidos políticos e suas lideranças. Pode-se,
assim, propor quatro tipos de trajetórias diferentes: Independente,
Apadrinhada, Padrinho-partidária e Partidária. As candidatas do tipo
A Independente seriam aquelas que não dependeram nem do partido,
nem de lideranças ou padrinhos políticos para acessar o cargo; as
N
O
Apadrinhadas são aquelas que conseguiram vencer por conta do apoio
V direto de uma liderança política; já as do tipo Padrinho-partidária alia-
A ram uma carreira dentro do partido com o apoio de uma liderança para
ter uma candidatura forte; e, por fim, as Partidárias contaram somente
C com sua trajetória nas instâncias intrapartidárias para se legitimar.
I
Ê A carreira do tipo Independente é a de Janaína Lima, que relata
N ter tido uma trajetória bastante autônoma de influências de partidos,
C
I
familiares ou padrinhos políticos. Exceto pelo primeiro contato com a
A política, que diz ter sido devido ao exemplo familiar, o caminho percor-
D
rido até a vitória eleitoral é bastante distinto das outras vereadoras por
A não transparecer em sua narrativa nenhuma influência direta do partido
ou de alguma liderança. A filiação partidária e o momento da seleção
P
O
de sua candidatura são descritos como formalidades e suportes mínimos
L necessários para seguir em campanha, também conduzida com inde-
Í
T
pendência dos recursos materiais e imateriais da sigla.
I O segundo tipo, identificado como Apadrinhado, é o de Adriana
C
A
Ramalho e Edir Sales, cujos depoimentos indicam maior influência e
.
dependência das decisões de seus padrinhos políticos para se eleger, o
que não significa necessariamente uma implicação na estrutura partidá-
418
ria. Ambas tiveram familiares diretamente ligados ao exercício de um
mandato eletivo como exemplo de envolvimento político e esse mesmo
vínculo familiar foi o que motivou uma ou mais lideranças partidárias
a apostarem em suas candidaturas. Seus relatos são permeados de de-
cisões e apoios dessas lideranças como norte de suas carreiras: dizem
ter se filiado apenas como meio viabilizador da candidatura, sugerida e
M
Primeiro
contato U
com uma
atividade
L
Família Universidade
política H
E
Pré-eleições
R
Primeiro E
contato
com um S
partido Família
Outro Mov. Estudantil
político
T
O
M
Razão A
para se
filiar a um N
Candidatura Pessoal
partido
D
O
P
Decisão
para se A
Pré-campanha
419
Capital
político
usado na
campanha Convertido Familiar Político/Partidário
Fonte: Elaboração própria de acordo com o sistematizado das entrevistas.
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1
* Este capítulo foi publicado originalmente na Revista de Ciências Humanas,
volume 51, número 2, 2017. Agradecemos aos editores a autorização para
publicação nessa coletânea.
2
Vale lembrar que em um famoso debate entre os tropicalistas, ocorrido na
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo em
06 de junho de 1968, quando indagado por Chico de Assis sobre as posições
tropicalistas, Gilberto Gil foi claro: “E nós estamos aqui para vender. Não fomos
nós que fizemos de nossa música mercadoria. Mas ela só penetra quando
vendida.” (GIL e VELOSO, 2012, p. 130).
zação não permite voltar atrás – como, bem ou mal, apostava parte dos E
S
Nosso fim de século XX e o início do XXI: a modernização
Ã
colapsada O
?
Os anos 1990 são marcados pelo apogeu daquilo que se chamou
.
de “globalização”. No caso brasileiro, houve o estabelecimento de po-
líticas econômicas de viés neoliberais que sustentavam que a econo-
439
mia brasileira era demasiadamente “fechada” e que o desenvolvimento
econômico viria, justamente, por meio da sua integração ao mercado
mundial. Tratou-se, como não é difícil de imaginar, de um novo ciclo
de modernização.
6
Talvez essa seja uma chave da valorização da atuação criadora e formativa de
Antonio Candido, tal como aparece em Sequências brasileiras. Além disso, essa
é precisamente a posição que Schwarz toma no debate que trava com Otília
Arantes sobre o papel contemporâneo da arquitetura moderna.
7
Isso a despeito do próprio Francisco de Oliveira (1993) ter recebido com muitas
reticências a tese de Kurz, quando da tradução de O colapso da modernização
(1992) para o português.
geracional, mas não de suas ideias, das quais ela foi se separando, O
9
Destaca-se o sentido adorniano do termo: “Embora se oponha à empiria
através do momento da forma – e a mediação da forma e do conteúdo não
deve conceber-se sem sua distinção – importa, porém, em certa medida e
geralmente, buscar a mediação no facto de a forma estética ser conteúdo
sedimentado.” (Adorno, 2015, p. 15).
10
452 Vale lembrar do discurso de Caetano Veloso no teatro Tuca, em São Paulo, em
setembro de 1968, quando criticava a plateia de esquerda que lhe vaiava: “Vocês
estão por fora! Vocês não dão para entender. Mas que juventude é essa? Que
juventude é essa? Vocês jamais conterão ninguém. Vocês são iguais sabem
a quem? São iguais sabem a quem? […] Àqueles que foram na Roda viva e
espancaram os atores! Vocês não diferem em nada deles, vocês não diferem
em nada.” (VELOSO, 2012, p. 169).
11
Fonte: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/05/160407_caetano_
mv>. (Acesso em 19 mar. 2019)
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S
GIL, Gilberto e VELOSO, Caetano. Debate na FAU. In: COHN, S.; Ã
COELHO, F. (Orgs.). Tropicália. Rio de Janeiro: Azougue Editorial. 2012. O
pp. 126-133. ?
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Q
U
E
H
O
R
A
S
S
Ã
O
?
.
457
Felipe Freller
Introdução
De acordo com Mellon (1958, p.2), “qualquer que seja a área da vida
da Restauração para a qual se volte, encontraremos a História no centro
mesmo das discussões”2 – seja no Parlamento, na imprensa, nas univer-
sidades ou nos livros. Essa constatação justifica sua afirmação segundo
a qual “a História era a linguagem da política” (Ibid, p. 1). No centro
dessas disputas políticas em torno da História – as quais, vale dizer, não
se restringiram ao período da Restauração, mas abarcaram quase todo o
século XIX francês –, estava a Revolução Francesa, a qual era abordada
como um problema sob um duplo aspecto: por um lado, os chamados
“princípios de 1789” continuavam sendo objeto de intensa polêmica, o
que exigia todo um trabalho de rediscussão, reinterpretação e reformu-
lação desses princípios, os quais não chegaram até nossos tempos sem
terem sido profundamente transformados por esses debates oitocentis-
tas; por outro lado, o próprio lugar da Revolução na História francesa
e europeia constituía um grande objeto de disputa. Determinar as rela-
ções de continuidade e de ruptura que a Revolução Francesa mantinha
com os períodos anteriores da História da França e da Europa era algo
central nas disputas políticas, pois disso dependia quais eram os cursos
de ação política possíveis na França pós-revolucionária.
1 *
Esse capítulo foi publicado originalmente na Revista Estudos Políticos. v. 7,
n. 14, 2016. Agradecemos aos editores a autorização para publicação nessa
coletânea. Este trabalho contou com o apoio da FAPESP Processo 2012/20299-
8 para a sua realização
2
Todas as citações de referências bibliográficas indicadas em outra língua que
não o português foram traduzidas por mim.
3
“Doutrinários” era a expressão cunhada no início da Restauração e utilizada
para se referir ao grupo político-intelectual do qual Guizot fazia parte, o qual
incluía também nomes como Camille Jordan, Victor de Broglie, Pierre-Paul
Royer-Collard, Prosper de Barante, Charles de Rémusat e Pellegrino Rossi.
4
Um dos primeiros autores a notar essa preocupação comum entre Guizot e
Tocqueville foi, na realidade, Furet (1989, p. 149-153).
I.
Como já sugerido, o que mais aproxima a interpretação tocquevil- G
liana da Revolução Francesa daquela já empreendida por Guizot é o es- U
forço de compreendê-la como um episódio de uma História secular que I
a transcende. Todavia, essa História secular é lida por cada autor a partir Z
O
de pressupostos de filosofia da História distintos, por vezes até antagô-
T
nicos. O conceito-chave que orienta a concepção de História de Guizot ,
é o de civilização, herdado do Iluminismo, ao passo que Tocqueville
T
pensa a evolução histórica ocidental a partir do conceito de democracia, O
ou antes de revolução democrática. É verdade que alguns comentadores C
têm tentado aproximar os dois conceitos. É o caso de Craiutu (2003, Q
p. 93), para quem, aos olhos de Tocqueville, “democracia adquiriu quase U
o mesmo significado que civilização tinha para Guizot”. É importante E
V
ressaltar, porém, que não foi esse o modo como Tocqueville foi lido
I
por seu antigo professor. Em vez de notar na filosofia da História de L
Tocqueville uma adaptação de seu próprio conceito de civilização, L
E
Guizot se surpreendeu com a ênfase de seu antigo aluno naquilo que ele
entendia ser apenas um dos elementos da civilização: o elemento demo- .
5
Sobre a noção de poder social, no contexto do pensamento político doutrinário,
e a nova filosofia das relações entre o social e o político subjacente a essa noção,
ver: ROSANVALLON, 1985.
II. .
6
Essa avaliação é formulada no primeiro ensaio de seu livro Essais sur l’histoire
de France, de 1823, no qual se argumenta que as liberdades locais e as
liberdades gozadas em um centro político devem estar “unidas no mesmo
sistema, e ligadas de maneira a se garantir reciprocamente” (GUIZOT, 1844,
p. 35).
N
III.
O
V A seção anterior procurou confrontar uma visão otimista e mesmo
A
triunfalista acerca do lugar da Revolução Francesa na História (a de
Guizot) com uma perspectiva muito mais pessimista (a de Tocqueville).
C
I Todavia, a recepção da Revolução Francesa pelos autores políticos
Ê do século XIX não estava ligada apenas à interpretação do lugar da
N
C
Revolução na História – ou seja, àquilo que se entendia como a obra
I da Revolução, aquilo que ela teria feito –, mas também à aceitação
A
ou refutação dos princípios políticos proclamados pelos revolucioná-
D rios. O princípio revolucionário que, no século XIX, aparecia como
A mais problemático era certamente o da soberania do povo, marcado
P indelevelmente por seu emprego pelos jacobinos durante o período
O do Terror. Apesar da rejeição quase unânime dos pensadores políticos
L
Í franceses do século XIX ao modo como Rousseau havia compreendido
T a soberania popular (uma vez que a linguagem rousseauniana era res-
I
C ponsabilizada, justa ou injustamente, pela aplicação tirânica do princí-
A pio da soberania do povo pelos jacobinos), havia muitas divergências
. quanto ao que fazer com o princípio da soberania do povo herdado da
Revolução Francesa: rejeitá-lo categoricamente e substituí-lo por outro
478 princípio mais adequado, ou aceitar o princípio, ainda que de modo
reformulado?
Argumentarei nesta seção que a resposta a essa questão não se de-
preendia imediatamente da interpretação do lugar positivo ou negativo
da Revolução Francesa na História. Guizot, um partidário do lugar da
Existe uma lei geral que foi feita ou, pelo menos, adotada não apenas
pela maioria deste ou daquele povo, mas pela maioria de todos os
G
homens. Esta lei é a justiça.
U
A justiça constitui, pois, o limite do direito de cada povo.
I
(...) Assim, quando me recuso a obedecer a uma lei injusta, não nego
Z
à maioria o direito de comandar; apenas, em lugar de apelar para
O
a soberania do povo, apelo para a soberania do gênero humano T
(TOCQUEVILLE, 2005, p. 294). ,
T
Contudo, importa destacar a diferença dos usos que os dois auto- O
res faziam do princípio da soberania dessa justiça transcendente histó- C
rica e socialmente. Tocqueville, ao contrário de Guizot, não almejava Q
Considerações finais
Cabe, nestas considerações finais, realizar um breve balanço das
A posições dos dois autores analisadas no capítulo em termos de seu sig-
N
nificado para o presente. Afinal, como se pretendeu demonstrar na
O Introdução, os debates políticos e historiográficos sobre a Revolução
V Francesa travados no século XIX constituem uma importante mediação
A
entre o legado revolucionário e a época contemporânea.
C
A posição política de Guizot não pode ser apreendida na contem-
I poraneidade sem certa distância, na medida em que, diferentemente
Ê
N
da época em que atuou o autor, a democracia e o sufrágio universal são
C hoje valores incontornáveis em praticamente todos os campos políticos.
I É como se o ideal democrático que se ergueu na Revolução Francesa
A
tivesse dado o troco a Guizot (e a todos os que se opuseram ao advento
D da democracia política no século XIX) e mostrado que a soberania do
A
povo não havia sido uma simples arma de guerra passageira, mas (como
P percebeu prematuramente Tocqueville) um ideal político incontornável
O
nas sociedades modernas. De todo modo, a reflexão de Guizot em torno
L
Í da contraposição entre os princípios da soberania do povo e da sobe-
T
I
rania da razão continua sendo instrutiva para se pensar os problemas
C da democracia. Como argumenta Rosanvallon, só é possível pensar a
A democracia a fundo se nos voltarmos criticamente às questões formula-
.
das na época em que o ideal democrático ainda não estava estabilizado,
mas permanecia uma questão a elucidar, uma contradição a resolver
486
(ROSANVALLON, 1985, p. 375). Embora a posição de Guizot fosse
de oposição à democracia, entendida como consagração da autoridade
do número em detrimento da razão, sua recepção crítica do princí-
pio revolucionário da soberania do povo continua importante para o
pensamento contemporâneo da democracia, na medida em que esta
Referências
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T
O
C
Q
U
E
V
I
L
L
E
491
Pós-doutoranda no Departamento de
Filosofia (USP-Brasil). Doutora (2017) pelo
Programa de Pós-Graduação em Ciência
Política (USP) e pela École des Hautes
Études en Sciences Sociales (EHESS-França),
cuja tese ganhou o Prêmio Capes (2018) e
menção honrosa do Tese Destaque-USP
(2019). Autora de Quando a política caminha na
escuridão – Interesse e virtude n’A Democracia na
América de Tocqueville (Alameda, 2018).
Introdução
O dia: 11 de junho de 1775. A cerimônia de coroação de Luís XVI
foi, como as demais, um longo período de festividades e de aclamação
ao rei, quem, mesmo não nascendo em Reims, apenas ali, na cidade
que abrigava a cerimônia, podia se tornar um monarca, colocado em
uma posição intermediária entre os súditos e Deus (cf. COSANDEY
e DESCIMON, 2002, p.85). Com efeito, o corpo político encontra
na cerimônia de Reims a sua unidade representada no corpo visível do
rei, seguindo um dos instrumentos retóricos mais estáveis no tempo:
a encenação dos dois corpos do rei (cf. KANTOROWICZ, 1981).
Todavia, naquele 11 de junho, na última sagração do Antigo Regime,
certa parte do cerimonial foi suprimida. Por anódino que isso possa
parecer, tal alteração litúrgica abriu uma fenda na unidade do corpo
político, mediante brochuras e panfletos nos quais se atacava o “des-
potismo” e se recolocava em questão a natureza e os limites da autori-
dade legítima. Tais escritos – que raramente figuram como objeto de
1
* Artigo originalmente publicado na Revista Brasileira de Ciências Sociais, 2019.
Agradecemos aos editores a autorização para publicação nessa coletânea
3
Echevarria (1985) associa um vasto conjunto de autores, magistrados das D
cortes e advogados, ao patriotismo dos anos 1770-1780: Claude Mey, Brancas, O
Guillaume de Saige, Martin Morizot, Jean-Claude Marivaux, entre outros.
Para o conceito de Pátria, ver: KANTOROWICZ, 1951. Estamos de acordo com C
Echevarria sobre o fato de não caber falar em rejeição da monarquia, entre I
alguns patriotas – faz eco, nesse sentido, à tese de Franco Venturi (1971). D
Todavia, quando da defesa da soberania da Nação, a Constituição monárquica A
será definitivamente colocada em questão. D
4
Tal nomenclatura é usual entre os estudiosos da Revolução francesa. Por Ã
historiografia ortodoxa, compreende-se o conjunto de trabalhos cujas O
análises dos eventos da Revolução privilegiam a explicação da ação dos atores
políticos, notadamente, a partir do seu pertencimento e interesse de classe. .
Especialmente após os trabalhos apresentados por ocasião do Bicentenário
da Revolução, os estudos voltaram-se à compreensão das ideias nas origens 495
da Revolução. Trabalhos tão distintos quanto os de François Furet, Dale Van
Kley, Keith Baker (os quais serão mencionados ao longo deste texto) foram
abrigados na rubrica “revisionista”. Para uma discussão da nomenclatura
e do desenvolvimento do debate, ao longo da história, ver: KATES, 2006,
especialmente “The Overthrow of the Marxist Paradigm” e “The Revisionist
Orthodoxy”.
P
A coroa, o consentimento e o Catecismo do cidadão
O
L De acordo com a liturgia, uma vez coroado o rei, a cerimônia deve-
Í
T ria seguir com o pronunciamento do ungido “diante de Deus, do clero
I
C
e do povo”5. Porém, naquela última cerimônia de coroação, o povo per-
A maneceu fora da Catedral e foi admitido na nave desse espaço simbó-
. lico do poder apenas após a entronização. Além disso, os bispos Laon
e Beauvais, os então responsáveis pela última cerimônia clássica do
496 Antigo Regime, suprimiram todo apelo ao povo. Com efeito, é possível
5
De acordo com Le Goff, na sua análise do manuscrito da liturgia da sagração, da
qual um exemplar (datado de 1246, grafado em latim) é guardado na Biblioteca
Nacional Francesa (BnF).
seu valor legal, quando a transmissão do poder foi regulada pelo direito D
público do reino7. A linguagem jurídica prevalece, nesse momento, so- O
bre a da vontade (a do rei) na passagem legítima de poder (no geral, aos
seus descendentes). Se o ritual da coroação perde constantemente o seu C
I
sentido jurídico, as alterações do cerimonial e a supressão às alusões do D
poder originário popular, na sagração de 1775, podem ser lidas como A
D
Ã
6
A referência para o termo “linguagem política” é o historiador John Pocock.
O
Como se sabe, o autor discute o modo pelo qual a centralidade do papel da lei
e os vocabulários e idiomas de uma atividade específica, o Direito, permitiram, .
tal qual um verdadeiro paradigma, a articulação do pensamento político ao
longo da história. Para a discussão deste ponto, ver: POCOCK, 1995, pp. 37-50. 497
7
Segundo Marina Valensise, foi casual o fato de, por três séculos, os capetos
(capétiens), terem sempre um filho à disposição para associá-lo ao trono, o que
teria acionado a percepção (pois ainda não era assim regulado) da dimensão
hereditária do trono. Sobre a necessidade do estabelecimento urgente de um
sucessor e da matéria que se abriu pelo direito público do reino, quando da
morte inesperada de São Luís, em 1270, ver: VALENSISE, 1986, p.548 e ss..
8
As traduções são de responsabilidade da autora.
autoridade política pode ser encontrado tanto nas Remontrances (os do-
C
cumentos parlamentares produzidos na grande crise entre parlamento I
e rei, em 1753-1754) quanto na obra de Marivaux9. Com efeito, os D
9
L’ami des Lois ou les Vrais Principes de la monarchie française, de Jacques-Claude
Martin de Marivaux, de 1775, panfleto do qual não restaram senão algumas
páginas fragmentadas.
P
O
15
L Trata-se da correspondência entre a marquesa d’Épinay e o abade de Galiani,
Í em Abril de 1771, da qual extraímos a epígrafe. A amiga de Diderot mostra
T clareza sobre a questão política do período ao afirmar que o debate reabre uma
I questão antiga sobre a autoridade: “É certo que, desde o estabelecimento da
C
monarquia francesa, essa discussão da autoridade, ou ainda, do poder, existe
A
entre o rei e o parlamento. Essa indecisão mesma faz parte da constituição
. monárquica; pois, se é decidida em favor do rei, todas as consequências disso
o tornam absolutamente um déspota. Se a questão é decidida em favor do
502
parlamento, o rei não possui mais autoridade do que o rei da Inglaterra; de um
modo ou de outro, ao decidir a questão, muda-se a constituição do Estado”
(GALIANI, 1881, p.226. tradução nossa).
16
Sobre a maior crise do Antigo Regime, envolvendo Parlamento e rei, ver:
ROGISTER, 1995. Sobre a natureza e discursos genealógicos da realeza e
as disputas de cunho “histórico” que travestiam conflitos de sucessão, ver:
VIERHAUS, 1977.
17
Sobre a ampla tradição da literatura política denominada “catecismos”, por sua 503
forma em perguntas e respostas, a qual perdurou até o século XX, no contexto
da Revolução russa, ver: BUTTIER, 2015.
18
Trata-se de uma resposta retirada na segunda edição da obra, mas que diz
respeito precisamente às partes contratantes. O autor afirma que o contrato
é feito com a massa dos associados, de uma parte, e cada indivíduo, de outra
parte (SAIGE, 1775, cap. 1).
19
Referência à noite de Varennes, noite de 21 junho de 1791, na qual Luís XVI .
e sua família fugiram do Palácio das Tulherias e foram flagrados em delito
de fuga no povoado de Varennes. Sobre a fuga e as consequências políticas 505
desse evento, ocorridos no período que se estende de 21 de junho e 14 de julho
(respectivamente, o dia seguinte à fuga a Varennes e o dia da entrega dos
relatórios dos comitês da Assembleia), ver o capítulo 5, intutulado “A autoridade
política à sombra de dois corpos” (SOROMENHO NICOLETE, 2017). Além dessa
referência, os primorosos trabalhos são referência na área para compreender a
noite de Varennes: OZOUF, 2009 e TACKETT, 2003.
22
É preciso assinalar que a tradição escolástica, de acordo com Skinner, já havia
seguido essa matriz explicativa amparada no conceito de consentimento para a
composição da sociedade política, mas não da forma acabada como a vemos
nos séculos XVI e XVII. Ver: SKINNER. 1996, cap.14.
23
Nas notas, a referência do autor neste ponto é o inglês J. Harrington, de cuja
obra Oceana Saige extrai diversos excertos.
P
O
24
L Para pensar a contingência, a nossa referência é John Pocock: trata-se de uma
Í dimensão do tempo secular, no qual se estabelece que uma ação depende do
T curso de outras ações no tempo, de modo que é sempre uma ação particular.
I A contingência é o plano histórico que acolhe o imprevisto e do inesperado; é,
C
propriamente dizendo, o terreno da instabilidade (POCOCK, 1975, p.268). Outra
A
referência, em outra matriz do pensamento, mas ainda em franca oposição
. às teorias que supõem as ações como “resultados” previamente calculados e
limitados, é Hannah Arendt. (ARENDT, 1993 [1961]).
25
510 É importante ressaltar que, a despeito de mostrar todas as práticas políticas
historicamente constituídas submetidas aos atos da vontade geral, isso
não significa que Saige desprezasse o parlamento enquanto instituição.
Era necessário mostrar que a autoridade legislativa da Nação estava sendo
usurpada. Baker chama a atenção para o fato de que o parlamento continuava
a exercer um papel político e jurídico, na partilha da autoridade executiva (cf.
BAKER, 1990, p.145).
1775, p. 17).
27
Como lembra Baker, a vontade geral tem força para revogar qualquer ordem: “a
inviolabilidade constitucional dos parlamentos depende, de acordo com Saige,
não da historicidade deles, em si mesmo, mas do sustentado ato da vontade
geral do qual a historicidade deles é apenas testemunho” (BAKER, 1990, p.145).
29
Estamos de acordo com Echevarria sobre o fato de não caber falar em rejeição
da monarquia, nesse contexto, mas da soberania da Nação (ECHEVARRIA,
1985, p.73). Esta é, aliás, a razão pela qual utiliza-se o termo “patriotas” para
designar os panfletistas do período.
.
Com tal argumentação, sustentamos uma tese adicional, no campo
da teoria política, segundo a qual a soberania popular, antes de se de-
517
senvolver como uma doutrina de oposição ao absolutismo, pode ser
interpretada como uma teoria de legitimação da autoridade. Se isso é
ainda insuficiente para dissolver a sombra do impasse que o caráter ili-
mitado da vontade e do direito apresentam na obra Catecismo do cida-
dão, o êxito do argumento aqui sustentado está em ter lançado luz sobre
519
et contemporaine,18.
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524
O capítulo aqui apresentado reproduz ideias que são parte da tese de doutoramento
defendida na USP, que desenvolve a defesa de uma teoria feminista e cosmopolita da
justiça global. Foi publicado inicialmente no Dossiê Família da Revista Acervo 30, de
2017.
Desde 2017, sou membro do grupo de pesquisadoras que criou a Rede Fluminense
de Núcleos de Pesquisa em Gênero, Sexualidade e Feminismo em Ciências Sociais
(RedeGen), da qual passei a coordenadora em 2020.
1 *
Esse capítulo foi publicado originalmente em Acervo: Revista do Arquivo Nacional,
v. 30, n.1, pp. 209-222, 2017. Agradecemos aos editores a autorização para
publicação nessa coletânea.
2
Feminicídio ou femicídio são termos para designar os assassinatos de mulheres
ocorridos de modo que a morte possa ser associada ao sexismo. Atribui-se
o surgimento do termo a Diana Russell, que o utilizou durante o “Tribunal
Internacional de Crimes contra Mulheres” em Bruxelas em 1976.
3
Utilizo aqui o termo “pessoas morais” do modo como Georg Cavallar o utiliza
a partir de Kant, como equivalente a “pessoas jurídicas” e “sujeitos de direitos”,
podendo ser indivíduos, associações, comunidades, empresas, igrejas, Estados
etc. (Cavallar, 1997).
P
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4
Í Novamente, para aprofundamento no entendimento comparado das relações
T entre desigualdade de gênero e Direito de Família, ver Shachar, 1998 e 2001.
I 5
C
Neste capítulo, o conceito de saída é retirado de Hirschman (1973), referindo-se
A à capacidade de se retirar de uma determinada situação. Como o nosso tema
é, especificamente, o direito de saída feminino, trata-se especificamente do
.
divórcio (quando a mulher está em um casamento em que se sente oprimida
ou violada), do rompimento com a família ou com grupo tradicional (quando
530 comunidades, pais e irmãos exigem das mulheres comportamentos e ações
que estas consideram opressivos ou violadores, como um casamento forçado
ou a mutilação genital feminina), da apostasia (caso das mulheres que se
consideram oprimidas ou violadas por regras religiosas) e direito ao refúgio
(caso, por exemplo, das refugiadas que fogem de conflitos em que o estupro
é arma de guerra ou butim, ou de refugiadas que fogem de seus países para
evitar casamento forçado ou mutilação genital).
.
6
Assassinatos motivados por defesa da honra masculina (de maridos, pais,
irmãos e demais homens da família) e da honra da família, entendida como
531
honra relativa, principalmente, aos homens da família, à religião e à tradição
(vide Wikan, 2010).
7
Ver <http://www.telegraph.co.uk/news/worldnews/asia/india/9108642/
Indian-dowry-deaths-on-the-rise.html>. Acesso em: setembro de 2012.
8
Ver <http://www.actionaid.org.br/Portals/0/Releases/DireitoMulheres/
Mulheres_2006.pdf>.
533
12
Cara à grande parte do liberalismo, do comunitarismo, do republicanismo e
das teorias democráticas deliberacionistas (vide Okin, 1989, a respeito das três
primeiras; e Fraser, 1989, sobre as últimas).
vado de modo canônico, como fica patente por uma das epígrafes deste .
capítulo.
537
O “objeto da justiça” rawlsiana, isto é, aquilo sobre o qual são
aplicados os princípios de justiça, é a “estrutura básica da sociedade”,
formada pelas principais instituições políticas, jurídicas, econômicas e
sociais que dão as possibilidades de vida acessíveis a cada posição social,
distribuindo os encargos e benefícios da cooperação social. A estrutura
gênero; .
542
19
Ressalvando que isso não implica qualquer defesa de que haja intervenção
em países cujos Estados deem status legal inferior às mulheres em relação
aos homens e nos quais haja desigualdades generificadas coercitivas (o que
implicaria a defesa de intervenções em todos os países, dado que não existe
país em que os gênero são iguais na distribuição dos encargos e benefícios da
cooperação social).
L
I
Considerações finais B
E
Por tudo isso, justiça, tolerância e direitos humanos, feminista- R
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547
Camila Góes
1
Este capítulo é uma versão reformulada de reflexões presentes em “Existe um
pensamento político subalterno?” (Góes, 2018).
2
Entre os que formaram os Subaltern Studies, estavam Dipesh Chakrabarty,
Gyanendra Pandey, Shahid Amin, Gautam Bhadra e Partha Chatterje. O grupo
organizou uma série de coletâneas de artigos sobre a história social indiana,
da qual o primeiro volume, Subaltern Studiesx I: Writings on South Asian History
and Society foi lançado em Délhi no ano de 1982. Esse conjunto de trabalhos,
amplamente difundidos nos anos 1980 e 1990, pretendia pensar os problemas
e os dilemas políticos da Índia pós-colonial. O último volume da série, o décimo
segundo, foi lançado em 2005 em Nova Délhi, editado por Shail Mayaram,
M.S.S. Pandian e Ajay Skaria.
3
Como argumenta Gyan Prakash (2000: 231), o capitalismo, ao contrário
de homogeneizar necessariamente a diferença, é perfeitamente capaz
555
4
Termo amplo que abrange todos os aspectos do modo de vida hindu, usado
também para denotar quaisquer de seus momentos particulares, tal qual
moralidade, conduta, dever, religião, ritual, costume, tradição, e assim por
diante.
Bhakti a uma massa inerte de cultura feudal que gerou um certo lega-
.
lismo, depositado em todo tipo de relação de poder, séculos antes da
conquista britânica. Mas esse clássico idioma da política indiana não se 557
5
Palavra que indica atitude de devoção a uma divindade ou qualquer outro
superior. Relaciona-se ao culto devocional hindu baseado na adoração do deus
Krishna.
6
A partir de escritos como os de John Locke e Adam Smith, a escravidão já havia
sido compreendida como não sendo incompatível com o liberalismo. A crítica
mais conhecida da formulação de Schwarz é a de Maria Sylvia de Carvalho
Franco, que como Ricupero explica: “Contra o argumento da inadequação
de ideias à realidade, [a autora] defende que nela está implícita uma relação
Seja como for, as ex-colônias não eram nações como as outras, que E
lhes serviam de exemplo e a que se queriam equiparar. A diferença S
não era um vestígio do passado, em vias de desaparecer, nem um T
acidente, mas um traço substantivo da atualidade periférica, com U
muito futuro pela frente. Daí uma comédia ideológica original, D
distinta da europeia, com humilhações, contradições e verdades O
próprias, que no entanto não dizia respeito apenas ao Brasil, como S
pareceria, mas ao conjunto da sociedade contemporânea, da qual
S
era uma parte específica, tão remota quanto integral (ibid.: 169).
U
B
A inserção das peculiaridades de nação periférica no presente do
A
mundo criava, assim, situações intelectuais e políticas originais. Tanto L
T
E
de exterioridade entre as primeiras, originárias do centro capitalista, e o R
ambiente social brasileiro. A partir daí, Carvalho Franco baseia sua crítica N
na vinculação, correta por sinal, da tese das ‘ideias fora do lugar’ à teoria da
O
dependência. Segundo ela, a caracterização que tal teoria faz da relação entre
S
antigas metrópoles e colônias, os polos centrais e periféricos do capitalismo,
como de oposição e até incompatibilidade – sugerindo-se, mesmo, que nas
.
duas situações prevaleceriam diferentes modos de produção – inspiraria a
formulação das “ideias fora do lugar”. Carvalho Franco, por sua vez, sustenta 563
que centro e periferia faziam parte do mesmo modo de produção, favorecendo
momentos diferentes do processo de constituição e reprodução do capital”
(Ricupero, 2008: 61).
7
Publicado primeiramente nos Estudos Cebrap, em inícios da década de 1970, o
texto de Schwarz comporia cerca de duas décadas depois o livro Ao Vencedor as
Batatas: forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro.
569
9
A imprensa seria, segundo Gramsci, a parte mais dinâmica desta estrutura,
junto a tudo aquilo que influísse ou pudesse influir sobre a opinião pública
direta ou indiretamente: das bibliotecas, escolas, círculos e clubs de vários
gêneros até a arquitetura, a disposição das ruas e os seus nomes (Gramsci,
1975, Caderno 3, parágrafo 49, p. 332-333).
N Referências bibliográficas
O
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571
"Entendo que, por vezes, o trabalho teórico possa parecer demasiado restritivo".
O esforço de estabelecer distinções conceituais precisas e a busca por clareza
argumentativa pode parecer pouco emocionante quando comparado às interpretações
densas dos historiadores e historiadoras, ou diante das intrincadas explicações
explicações causais sobre os jogos de poder. Isso não significa, entretanto, que o
trabalho analítico possa ser ignorado. O fracasso em reconhecer distinções analíticas
nos impede de encontrar soluções alternativas, deixando-nos prisioneiros de nossas
próprias concepções. A minha pesquisa atual tem sido uma tentativa de escapar de
algumas de nossas prisões de significado relacionadas à inevitabilidade da pobreza e
da desigualdade social.
Lucas Petroni
1
Este capítulo foi publicado originalmente na Revista Brasileira de Ciência Política,
no. 15, 2014, p. 95-125. Agradecemos aos editores a autorização para publicação
nessa coletânea. A versão aqui apresentada contém pequenas modificações
de forma e algumas correções de conteúdo, especialmente na terceira seção.
Agradeço também aos valiosos comentários de Álvaro de Vita, Andrea Lampis,
Ana Figueroa, Catalina Zambrano, Denilson Werle, Fábio Lacerda, Lilian
Sendretti, Maria Hermínia de Almeida, Mathias Alencastro, Raissa Ventura, e
Renato Francisquini, nos diferentes momentos nos quais o artigo foi debatido.
2
Corrijo aqui a afirmação, feita em uma versão anterior deste capítulo, de
acordo com a qual a tolerância precisaria ser compreendida, além de um
dever, também [grifo] como uma virtude. Limito-me ao problema, bem mais
modesto, segundo o qual deveres pessoais de tolerância são inevitáveis
em uma sociedade democrática pluralista. Deixo em aberto uma segunda
questão, igualmente importante, a saber, se a fundamentação desses deveres
exige ou não a promoção de um ethos pessoal tolerante.
3
Lembremos, por exemplo, que durante uma marcha religiosa em 2011 um
senador brasileiro afirmou, a respeito da possibilidade do reconhecimento legal
do casamento homossexual pelo Supremo Tribunal de Federal, que, acerca da
matéria, “o verdadeiro supremo é Deus”. Ver Roncaglia (2011).
O Conceito de Tolerância
D
Uma prática de tolerância pode ser caracterizada, de modo geral, E
4
Isto é, ou que uma prática é moralmente errada, ou que as crenças que
a sustentam são falsas e, portanto, a levam a ter consequências práticas
equivocadas.
5
Agradeço aos comentários de Álvaro de Vita acerca desse ponto.
6
Cf. Rawls (2001, p. 33-34) quando o filósofo defende a possibilidade de um
“pluralismo moral razoável” nas democracias contemporâneas (em oposição
ao simples conflito moral). Ver Berlin (1997a) para uma análise mais detalhada
do conceito de pluralismo moral.
A
Tolerância e Modos Vivendi
N
O A exigência de restrição quanto ao uso da coerção não é algo trivial
V em se tratando de convicções éticas. Muito pelo contrário. Surgidas a
A partir das guerras religiosas modernas e da perseguição de minorias polí-
ticas, a história das instituições liberais é, na verdade, a história de pactos
C
I
precários de convivência mútua entre inimigos morais7. Na formulação
Ê de Isaiah Berlin, “[h]istoricamente a tolerância é o resultado da consta-
N tação de que fés igualmente dogmáticas são inconciliáveis e da improba-
C
I
bilidade prática de uma completa vitória de uma sobre a outra” (1997b,
A p. 324). Em muitos casos adotar um regime de tolerância significava,
D
sobretudo, estancar o derramamento de sangue entre facções religiosas.
A Disso decorre a primeira possibilidade de justificação da tolerância: te-
mos uma razão instrumental para tolerar uns aos outros. Como afirma
P
O
o neo-hobbesiano James Buchanan (1975, p. 7), qualquer conjunto de
L instituições políticas é inviável “quando indivíduos se recusam a aceitar
Í regras mínimas de tolerância mútua”. Existe um forte incentivo racio-
T
I nal para a adesão a práticas de tolerância. Não importa especificamente
C qual concepção de bem um agente racional venha a possuir, nem quais
A
gostaria de tolerar: no cenário da ausência completa de ordem legal,
.
“de conflito generalizado”, ninguém as conseguiria realizar adequada-
mente. O controle pleno da autoridade política ou a obtenção máxima
578
de recursos coercitivos seria um resultado atrativo para qualquer agente
7
Ver Tuck (1988) e Cardoso (1996) para as relações entre ceticismo e tolerância
nos séculos XVI e XVII. Para um panorama abrangente da história do conceito
de tolerância, ver Forst, 2013.
8
Sobre a distinção entre razões “internas” e “externas” para aceitar uma regra,
ver Hart (1961, p. 86-87).
12
Um problema adicional enfrentado pelo liberalismo do medo diz respeito à tese
empiricamente problemática segundo a qual o medo da violência física supere
sempre – como parece supor Shklar – convicções igualmente fundamentais,
como a temeridade a Deus, a dignidade pessoal, ou do desejo de reparação
histórica.
13
Ou seja, ambas as mulheres são livres para decidirem os valores que regem a
sua vida, ainda que o tipo de forma de vida que escolhem sejam distintos em
relação à valorização da autodeterminação individual. Agradeço a sugestão de
Maria Hermínia Tavares por chamar atenção para esse ponto.
14
Cf. Taylor (2000), Dworkin (2011) e Raz (1986).
não deixa de ser um caso de uso da coerção pública ainda que de modo O
L
indireto. Seja na arrecadação de verbas, seja no cumprimento legal de E
políticas de identidade, o aparato estatal está sendo usado coercitiva- R
mente com base em argumentos normativos. Por definição, toda polí- A
tica particularista de fomento cultural é uma forma de seleção, fundada R
nos instrumentos de coerção, entre inúmeras outras possibilidades viá- ?
veis. Com isso quero afirmar que a teoria de Raz desloca o paradoxo da .
15
Apenas em 2010 foram consumidos no país 7,5 milhões de toneladas de carne
bovina, 2,7 milhões de toneladas de carne suína e 7,8 milhões de toneladas de
carne de frango (cf. SILVA e SOUSA et al., 2011 p. 480, 483 e 486).
16
Cf. Rawls, 1971 e 2005. Argumentos igualitários a favor da tolerância podem
ser encontradas em Barry 1995, Nagel 1987, Vita 2009 e Werle 2012. Para uma
tentativa de desenvolver uma teoria da tolerância em bases rawlsianas, ver
Petroni 2012, esp. cap. 5.
17
Agradeço aos comentários de Denilson Werle sobre esse ponto. O problema
dos intolerantes recebe um tratamento mais detalhado em Werle, 2012.
D
18
Williams (1976) elabora importante objeção às teorias da justiça contemporânea E
com base nesse argumento. Agradeço a Raissa Ventura por ter me ajudado a
esclarecer esse ponto. T
19
O problema os meios de comunicação representam um elemento crucial O
em qualquer teoria normativa que busque sua fundamentação na ideia de L
razão pública. Assumimos como trivial que ações e discursos podem ser E
legitimamente restringidos quanto à forma de sua expressão. A pergunta R
importante a ser feita é: podemos restringir o conteúdo de ações e discursos A
– supostamente intolerantes – apenas por conta de suas consequências R
na formação das crenças pessoais? Não é simples traçar os limites de uma ?
esfera pública institucionalizada, tampouco devemos subestimar o impacto
.
da mídia na configuração dos valores sociais. Entretanto, parece-me claro
que o argumento da tolerância proíbe categoricamente tanto o controle
estatal de formação de crenças como a supressão legal do debate público 595
não institucionalizado. Isso significa, por exemplo, que o discurso de ódio não
precisa ser tolerado caso possamos oferecer justificativas adicionais ao valor
de verdade de suas crenças, mas não permite, por outro lado, a censura de
uma obra odiosa como o Mein Kampf apenas pela natureza equivocada de seus
argumentos. Foi Renato Francisquini quem me chamou a atenção para esse
ponto.
22
O próprio Rawls é ambíguo nessa questão, oscilando entre esses dois usos.
Cf. Rawls (2005, Conferência IV), na qual desenvolve a noção de um “consenso
sobreposto” de diferentes concepções de bem.
24
A crítica aparece em diferentes formas. Dois exemplos paradigmáticos são
Foucault (2001 [1984], p. 1.525) e Adorno & Horkheimer (1985, p. 27).
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Formato 16 x 23 cm
Tipologia Adobe Garamond Pro 12,5/15
Papel miolo: Pólen soft 80g/m²
capa: Supremo 250g/m²