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Unidade III
7 A POLÍTICA NO ÂMBITO INTERNACIONAL
No tom dado por Hannah Arendt (2002), temos a verdadeira medida da expansão levada a cabo
pelos aventureiros europeus. A política externa como extensão do “impulso” político direto, de um
projeto de europeizar o mundo com seus joint ventures de armadores, banqueiros e coroas, promovendo
um mundo maior, expandindo-se como uma enxurrada que carrega a todos.
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CIÊNCIA POLÍTICA
A linha básica da apresentação desse modelo de desenvolvimento leva em conta os seguintes eventos
instauradores e condutores da modernidade: as revoluções promovidas pela burguesia, viabilizadas pela
criação dos Estados nacionais, o campo das relações interestados e a expansão comercial acentuada com
as grandes navegações e correspondentes sistemas de apropriação de riquezas, como mercantilismo,
colonialismo, neocolonialismo, imperialismo e globalismo, cujos sentidos obedecem à diretriz elementar da
reprodução ampliada de valor: movimento orgânico de capital, nas formas dinheiro-mercadoria‑dinheiro
com lucro (D-M-D). Tais regimes de produção e apropriação são tratados aqui como organizações históricas,
do ponto de vista dos agentes em busca da realização da racionalidade capitalista, isto é, da expansão
socioespacial das relações regidas pela lógica da mercadoria, desses valores no mercado, ao mesmo tempo
que ocorre a concentração dos agentes, de detentores a zeladores do capital.
Parece oportuna a lembrança do discurso do presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano
Roosevelt, no Congresso Nacional, em 1938, preocupado com os impactos da “concentração opressora”
da livre iniciativa estadunidense.
Algumas das ideias de Singer (2004) e de Dowbor (1982) estão presentes no ponto de partida
(no questionamento sobre os envolvidos e a finalidade do desenvolvimento) e na chegada (na politização
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Unidade III
A Revolução Industrial na Inglaterra teve desdobramentos no século XIX, em especial no que diz
respeito à crise do capitalismo entre 1873 e 1893 e ao neocolonialismo. Como momentos agudos de
crises, citamos as duas Guerras Mundiais e a Crise de 1929.
O imperialismo na África e na Ásia ocupava a agenda das potências ocidentais europeias e dos
Estados Unidos.
França Alemanha
Inglaterra Itália
Portugal Espanha
Bélgica Países
independentes
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CIÊNCIA POLÍTICA
Figura 3
A Ásia esteve bastante isolada dos europeus durante séculos. Os contatos comerciais, travados desde
a época moderna, restringiam-se a alguns portos.
No século XIX, essa situação se alterou e as potências estrangeiras passaram a disputar entre si para
ver quem conseguiria estabelecer zonas de influência no continente.
O novo colonialismo atingiu a Ásia com a dominação inglesa sobre a Índia. A partir de 1763, o
país foi administrado pelos ingleses, através da Companhia das Índias, que empreendeu a exploração
econômica e estendeu a ocupação para o interior. Em 1858, estourou a Revolta dos Cipaios, um
movimento de soldados hindus que serviam nos exércitos coloniais e lutavam para ter os mesmos
privilégios dos soldados ingleses. O levante, duramente reprimido, adquiriu aspectos sociais e assumiu
feições nacionalistas.
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Unidade III
Legenda
Potências coloniais em 1870
Ingleses
Franceses
Portugueses
Otomanos
Holandeses
Espanhóis
Russos
Figura 4
Crescia o interesse europeu pelos mercados asiáticos, que relutavam em abrir seus portos ao
comércio estrangeiro. As investidas diplomáticas europeias para penetrar nesses países se alternavam
com a força das armas.
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CIÊNCIA POLÍTICA
Na China, a Guerra do Ópio (1840-1842), motivada pela destruição de carregamento de ópio dos
ingleses que vinham fazendo esse comércio na região, permitiu à Inglaterra assumir o controle dos
importantes portos de Hong Kong, Xangai e Nanquim.
Com tais acontecimentos, outras expedições militares dos europeus levaram à abertura de novos
portos. A China acabou sendo dividida em áreas de influência entre Inglaterra, Rússia, Alemanha, França,
Itália e Japão. Em reação a essa invasão, uma sociedade secreta passou a efetuar atentados em ferrovias,
matando missionários e diplomatas ocidentais. Originou-se, assim, a Guerra dos Boxers (1898-1900),
que foi reprimida por tropas ocidentais, intensificando-se a influência europeia na China.
O Japão havia ficado isolado do Ocidente, pois receava ser dominado (invadido e controlado) pelas
potências europeias. Foi por essa razão que começou a estabelecer os primeiros tratados comerciais com
os EUA. A partir de 1860, japoneses foram enviados à Europa e aos EUA para estudar principalmente
ciência e tecnologia. Com isso, foi possível iniciar um processo de industrialização e modernização do
país, levando-o a participar da corrida imperialista na região e obter influência sobre parte da Coreia e
da Manchúria, área da porção nordeste da China.
A Revolução Industrial britânica não teria ocorrido sem a contribuição das condições fornecidas pela
indústria do algodão, ou seja, sua familiaridade com o ambiente fabril (e a necessidade dele derivada de
manutenção física das fábricas), o emprego de numerosa mão de obra e seu peso no montante total do
comércio inglês:
Até mesmo a Índia deixou de representar um continente exportador e passou a ter o papel de
comprador dos produtos de algodão, já que perdia a corrida industrial. Pela primeira vez, invertia-
se a relação de comércio mantida por um longo período entre Oriente e Ocidente. À Inglaterra,
coube o monopólio do mercado exportador, sobretudo por meio dos acessos obtidos nas colônias,
que, por sua vez, passaram a depender das importações britânicas – ainda mais em períodos de
guerra na Europa. Hobsbawm (2010) nos relata que, em 1814, a exportação inglesa era de 4 jardas
de algodão para cada 3 jardas usadas internamente; em 1850, essa proporção subiu de 13 para
18 jardas
As grandes potências avaliaram que a conquista de novas fatias de mercado só aconteceria caso
houvesse briga entre si.
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Contudo, como tais nações não queriam brigar, decidiram não competir. Você deve se
perguntar quais foram as estratégias formuladas pelas grandes empresas. Elas resolveram criar
trustes, grupos que reuniam entidades coligadas que recebiam parcelas dos lucros conforme a
porcentagem de participação. Quando os trustes foram declarados ilegais, criou-se o dispositivo
que permitia às organizações a compra de ações de outras empresas, em um verdadeiro processo
de fusão. Nos EUA,
Com o objetivo de firmar monopólios, o capitalismo (monopolista) tinha que resolver problemas, o
que explica a sucessão do colonialismo (produção) para o neocolonialismo (produção e consumo).
A premência em expandir os horizontes fez com que esses países dirigissem seus olhares para
territórios estrangeiros não industrializados. Os países centrais, interessados em controlar seu
próprio suprimento de matérias-primas para a produção monopolista, não mais encontravam
a segurança devida em seu fornecimento por meio das trocas comerciais existentes. Fazia-se
necessário para a manutenção da exploração capitalista, então, controlar as regiões de onde
provinham os recursos primários. Havia a preocupação, também, de aumentar a demanda cujo
consumo escoaria a produção em larga escala dos países industrializados. A desigualdade de
renda interna desses países não permitia a definição de um mercado que se encarregasse de
consumir a produção, e a competição internacional era inerente à exportação.
Explorar economicamente países periféricos, entretanto, não era tarefa simples ou justa. A ação
capitalista trouxe consigo a responsabilidade pela dependência comercial, pela subjugação política e,
por vezes, pela eliminação da cultura e da população locais.
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CIÊNCIA POLÍTICA
Observação
Saiba mais
O MOTIM. Dir. Ketan Mehta. Índia: Inox Leisure. 2005. 150 minutos.
HOTEL Ruanda. Dir. Terry George. Reino Unido; Itália; África do Sul;
Estados Unidos: Lions Gate Entertainment/United Artists, 2004. 121 minutos.
Jeffry A. Frieden afirma que a corrida para a independência no período entre 1914 e 1945 não afetou
apenas a América Latina,
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Unidade III
[...]
A velocidade com que o colonialismo ruiu pode ser atribuída a uma série de
motivos. O primeiro foi a evolução social e política das sociedades coloniais.
Após 1914, a riqueza, o poder e a influência daqueles que rejeitavam ou
desejavam modificar a economia colonial clássica aumentavam de forma
contínua. Os mesmos processos econômicos e políticos que mudaram o
rumo do desenvolvimento latino-americano estavam em curso na Ásia e
na África: crescimento dos centros urbanos e industriais; insatisfação com
a produção de matérias-primas para exportação; e desejo por diversificação
e industrialização.
Figura 5 – Os impérios
Lembrete
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Unidade III
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CIÊNCIA POLÍTICA
[...]
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Unidade III
Não deve escapar à vista que os blocos regionais mais representativos de hoje, os blocos econômicos,
já haviam sido alvo de atenção do grande estrategista Haushofer, que tinha por missão reconhecer e
estabelecer as racionalidades geográficas e políticas continentais (recursos, perfis e alcances de governos
e estados). Encontramos tais considerações em José William Vesentini (2012).
Os arranjos entre Estados nacionais e corporações foram feitos de modo a criar reservas de mercado
e concentração de poder: são os blocos políticos e econômicos. Sua configuração, como podemos ver
no mapa a seguir, toma boa parte do planeta.
144
CIÊNCIA POLÍTICA
Figura 7
Vesentini (2012, p. 36) aponta os megablocos ou mercados regionais como sendo evocações, as
“mais populares, a respeito da disputa pelo poder no mundo pós Guerra Fria [...] é a dos megablocos ou
‘blocos regionais’”. E faz o adendo de que tal ideia (a dos blocos)
O geógrafo afirma que a questão avançou ao longo da Guerra Fria e em meio as próprias
preocupações de organismos internacionais como a CEE (atual União Europeia), além dos meios de
propagação de informações e notícias.
A noção de fundo é a das transformações dos Estados nacionais, principalmente no que concerne à
sua relativização política no cenário global:
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Unidade III
O autor explica que tal “interpretação” está baseada no “sucesso da integração europeia”, com
reprodução parcial em várias regiões, como Nafta, Mercosul, Apec e as tentativas de se criar a Alca (
Área de Livre Comércio nas Américas).
Apesar de termos fatos novos que atenuam (ou mudam, pelo menos) o ritmo da integração da União
Europeia – e o maior deles é o Brexit –, é preciso reconhecer a importância política e econômica dessas
entidades. Importância nem sempre medida em termos de produto financeiro das transações. E não
destacamos isso apenas por conta da saída dos britânicos, o valor da política ou da geopolítica é duvidoso,
pois, segundo Vesentini, nem sempre parceiros comerciais fecham questão em frentes diplomáticas
nas relações nacionais e internacionais; isto é, nem sempre suas posições políticas convergem, passo
fundamental para se tornarem agentes ou sujeitos coletivos de ações políticas, de fato, em bloco.
No dia 23 de junho de 2016, os cidadãos da Grã-Bretanha foram às urnas votar o referendo que
decidiria a saída ou permanência do Reino Unido na União Europeia. A opção pela saída foi vitoriosa,
com cerca de 17,4 milhões de votos. O anseio dos defensores dessa saída ficou caracterizado pela
expressão Brexit, que é uma abreviação das palavras inglesas Britain (Bretanha) e exit (saída).
A vitória pela saída do Reino Unido da União Europeia também resultou no pedido de demissão
do primeiro-ministro britânico David Cameron, que advogava contra a saída. Foi Cameron que, ao ser
eleito primeiro-ministro em 2015, fez a promessa de realizar o referendo como forma de lidar com
a pressão de seus oposicionistas, isto é, do Partido Conservador inglês e do Ukip (United Kingdom
Independence Party – Partido da Independência do Reino Unido).
Observação
O fato é que os ingleses, mesmo permanecendo no bloco, sempre foram reticentes com a estrutura
supranacional da União Europeia. A recusa em integrar a “zona do Euro”, isto é, em submeter a moeda
nacional, libra esterlina, à zona comum da moeda da UE, era um sintoma flagrante disso.
O Brexit foi decidido em um plebiscito de 2016, motivado pela aversão à entrada de migrantes e pela
intenção do Reino Unido em retomar as rédeas de sua economia (BERCITO, 2018).
Assim, a tal “bloquização” ou formação de blocos regionais está vinculada tanto aos processos
de reconfiguração do capitalismo internacional quanto a aspectos culturais próprios das formações
nacionais, com suas histórias peculiares.
Conforme Bercito (2018), os eventos que culminam na globalização do capital do século XX são
decorrentes de convenções e acordos que visaram corrigir rumos da institucionalização e manutenção
da “economia internacional”.
Desse modo, Bretton Woods, Consenso de Washington e as reuniões do FEM (Fórum Econômico
Mundial) são representantes dos ajustes requeridos pelos agentes do “sistema”.
Seguindo a cadeia de acontecimentos ocasionada pela Crise de 1929 e ainda sob os efeitos
catastróficos causados pela Segunda Guerra Mundial, os países industrializados acordaram normas
para a “paridade cambial”, indexando as moedas ao dólar, ancorando este na conversibilidade ao ouro
(padrão-ouro). É dessa época o surgimento do Banco Internacional de Reconstrução de Desenvolvimento
(Bird), integrante do Banco Mundial, e do Fundo Monetário Internacional (FMI), como mais um dos
resultados de Bretton Woods.
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Conforme Sandroni (1996), a criação do FMI, em 1944, foi impulsionada pela tentativa de promover
a cooperação monetária entre todos os países do mundo, o que ocorreu devido à necessidade de
equilibrar paridades monetárias justas entre diferentes moedas, evitando desvalorizações concorrenciais
e formando um grande fundo com recursos dos países-membros. Esses recursos seriam usados para
beneficiar nações com dificuldade nos pagamentos internacionais, sobretudo aquelas com recorrentes
déficits em sua conta de transações correntes.
Uma das principais funções do Fundo era regular as paridades das moedas.
Tinha o objetivo essencial de presidir um regime internacional de câmbio
praticamente fixo, promovendo a cooperação monetária internacional
mediante uma instituição permanente que servisse de mecanismo para
consulta e colaboração sobre problemas monetários. Em seu instrumento
constitutivo estabeleceu-se, ainda, que recursos financeiros do Fundo seriam
oferecidos temporariamente aos países-membros para proporcionar-lhes
oportunidades de corrigir desequilíbrios no seu balanço de pagamentos,
sem recorrer a desvalorizações cambiais, consideradas destrutivas da
prosperidade internacional (MANZALLI; GOMES, 2006, p. 96).
Lembrete
Também é geral a abordagem sobre as atribuições dos agentes estatais e não estatais nas relações
internacionais sob a globalização do capital:
Ngaire Woods (apud ABREU, 2001, p. 6-7) apresenta três princípios fundamentais da boa governança
de organizações internacionais. Segundo o autor, são:
O Banco Mundial é uma instituição financeira internacional ligada à Organização das Nações Unidas
(ONU) e também criada em 1944 que tinha como propósito o financiamento de projetos de recuperação
e de promoção de desenvolvimento econômico dos países atingidos pela guerra (SANDRONI, 1996).
Na prática, essa função ficou a cargo do chamado Plano Marshall, e o banco passou a lidar de
modo crescente com o tema do desenvolvimento econômico e a atuar, sobretudo, com os países
subdesenvolvidos. Formalmente, seu intuito era canalizar capital para investimentos que permitissem
elevar a produtividade das empresas, o padrão de vida das pessoas e as condições de trabalho
nos países-membros. Assim, a preocupação primordial do Banco Mundial seria aquela ligada à
melhoria das condições de vida da população, quer dizer, às questões de cunho qualitativo (e não
quantitativo-financeiro, a exemplo do FMI).
Conforme salientam Manzalli e Gomes (2006, p. 95), o objetivo básico do Banco Mundial era o de
auxiliar a reconstrução e o desenvolvimento de territórios dos países-membros atingidos pela destruição
da guerra. Esse objetivo deveria ser atendido por meio de atividades dedicadas a:
152
CIÊNCIA POLÍTICA
O capitalismo tem por vocação a internacionalização e esta, perseguindo seu projeto de mundialização,
desdobra-se nas redes de lugares da globalização (SANTOS, 1988).
Para entender tanto a gênese quanto a consolidação das formas capitalistas, é preciso considerar em
nosso raciocínio uma série de instrumentos eficazes à propagação do sistema, a exemplo da restrição
democrática à propriedade, em geral, e da terra, em particular; isso, em razão da necessidade de liberar
o trabalho de seus afazeres particulares para o assalariamento.
“Tornou-se claro para os que desejavam reproduzir as relações capitalistas de produção no novo país
que a pedra fundamental de seus esforços devia ser a restrição da propriedade da terra a uma minoria e
a exclusão da maioria quanto a qualquer participação na propriedade” (DOBB, 1986, p. 160).
interrogar-nos sobre os problemas que, nessa ótica, se abrem à sua realização, diante do
conflito entre tudo o que acarretam os novos conteúdos prometidos à atualização da
disciplina e suas atuais estruturas.
1. Da internacionalização à globalização
Não sem razão, K. Polanyi falou de uma “grande transformação” para saudar as
profundas mudanças impostas à nossa civilização desde o início do século1. Que dizer,
então, da verdadeira subversão que o mundo conheceu a partir do fim da Segunda Guerra
Mundial, quando, por intermédio da globalização, uma fase inteiramente nova da história
humana teve início?
Essa civilização repousava sobre quatro instituições. A primeira era o sistema de equilíbrio
de forças que durante um século permitiu evitar a deflagração de grandes e devastadoras
guerras entre as Potências. A segunda foi o padrão-ouro como referência internacional,
que simbolizava a organização única da economia mundial. A terceira era o mercado
autorregulado que gerou um bem-estar sem precedentes. A quarta era o Estado liberal.
Segundo uma certa classificação, duas delas eram nacionais, e as duas outras internacionais.
Juntas, determinaram as grandes linhas da história de nossa civilização”. POLANYI, K. A The
Great Transformation (1944). Bos-on, Beacon, 1957, p. 2.
1
A civilização do século XIX naufraga. Este livro trata das origens políticas e econômicas do acontecimento e da
grande transformação que o seguiu.
2
O sistema capitalista foi sempre um sistema mundial. Não poderemos compreendê-lo se excluirmos a interação
entre o efeito interno de uma de suas partes e os efeitos externos sobre essa parte. Por isso a contribuição daqueles
que enfatizaram o papel da periferia no estabelecimento do capitalismo desde o seu início não é nem pequeno nem
suplementar [...]” (AMIN, S. 1980, p. 187).
154
CIÊNCIA POLÍTICA
“Embora tenha sido sempre um sistema mundial, o sistema capitalista passou por
diversos estágios [...]” (AMIN, S. 1980, p. 188).
Dado o novo alcance da história, importa “rever totalmente toda a estrutura dos
postulados e preconceitos nos quais assentava a nossa visão do mundo”, nas palavras de G.
Barraclough (1965, p. 10). Mais recentemente, Katona e Strumpel (1978, p. 2-3) criticam uma
visão econômica pouco penetrada pelas novas realidades, lamentando que fatores como as
finanças sejam ainda estudados num quadro puramente nacional, e não em seu contexto
global. A sociologia, tal como foi fundada na segunda metade do século XIX, deveria ser
substituída, segundo A. Bergensen (1970, p. 1), por uma “visão sistemática mundial”, mais
adaptada às novas realidades.
Mas será possível afirmar a existência desse sistema mundial (BERGENSEN; SCHOENBERG,
1980), chame-se ele sociedade mundial (PETTMAN, 1979) ou sistema global (MODELSKI,
1972)? Isso resultaria da interconexão sob todos os pontos de vista, entre as mais afastadas
e disparatadas sociedades nacionais, por força das novas condições de realização da vida
social, ou seja, de uma divisão mundial capitalista do trabalho, fundada no desenvolvimento
das forças produtivas em escala mundial e conduzida através dos Estados e das corporações
gigantes ou firmas transnacionais3.
3
Na fase do monopólio múltiplo transnacional, o desenvolvimento das forças produtivas ocorre na escala do
planeta. A divisão mundial capitalista do trabalho daí decorrente é ao mesmo tempo uma especialização adiantada e
uma integração. A possibilidade concreta de localizar ramos, processos, fábricas, explorações econômicas, de utilizar redes
de transporte e de comercialização, de obter de toda parte informações praticamente instantâneas e de processá-las
eletronicamente nesses centros estrategicamente distribuídos, de influenciar de maneira decisiva nas determinações
políticas nacionais ou multinacionais, de mobilizar rapidamente funcionários e agentes através do mundo, tudo isso
transforma as corporações múltiplas em fatores poderosos de uma combinação complexa das forças produtivas, com
variáveis muito numerosas e parâmetros operacionais que atuam em variados níveis de agregação” (MAZA ZAVALA, D.
1976, p. 43).
155
Unidade III
Vivemos num mundo em que a lei do valor mundializado comanda a produção total, por
meio das produções e das técnicas dominantes, aquelas que utilizam esse trabalho científico
universal previsto por Marx. A base de todas essas produções, também ela, é universal, e sua
realização depende doravante de um mercado mundial.
Será que essa mundialização é completa? Para muitos, não haveria, por exemplo,
mundialização das classes sociais [...] nem uma moralidade universal, ainda que fosse a
moralidade dos Estados. Se as firmas multinacionais criam em toda parte burguesias
transnacionais [...], e se instituições de natureza semelhante estão presentes em todos os
países, as classes são ainda definidas territorialmente, assim como as aspirações e o caráter
de um povo ainda o são em razão das heranças históricas. Os Estados, cujo número se
multiplicou devido às novas condições históricas, constituem um sistema mundial, mas
individualmente eles são, ao mesmo tempo, uma porta de entrada e uma barreira para as
influências exógenas. Sua ação, embora autoritária, assenta nas realidades preexistentes e
por isso jamais induz uma mundialização completa das estruturas profundas da Nação. Mas
isto não basta para impedir que se fale de globalização. Hoje, o que não é mundializado é
condição de mundialização.
2. Um período técnico-científico?
Acreditamos, como tantos outros, que as perturbações que caracterizam esta fase
da história humana decorrem em grande parte dos extraordinários progressos no
domínio das ciências e das técnicas. Estaríamos no período do capitalismo tecnológico
[...], ou da sociedade tecnológica [...]. Sem dúvida, podemos perguntar-nos, de um lado,
se o desenvolvimento econômico não dependeu sempre do progresso científico [...], ou
lembrar, como fez E. Mandel (1980), que esta é apenas a terceira revolução científica;
e, por outro lado, seria bom levantar com frequência a questão: “As máquinas fazem
a história?” Há os que creem numa espécie de determinismo tecnológico e os que se
põem em guarda contra todo risco implícito na crença em uma “ilusão tecnológica”.
Preferimos a companhia destes últimos, sem com isso minimizar o papel fundamental
desempenhado pelos progressos científicos e técnicos nas transformações recentemente
156
CIÊNCIA POLÍTICA
sofridas pelo planeta. Esta “transformação total dos fundamentos da vida humana” de
que fala Bernal teria sido impossível de outra forma.
Quando a ciência se deixa claramente cooptar por uma tecnologia cujos objetivos
são mais econômicos que sociais, ela se torna tributária dos interesses da produção e dos
produtores hegemônicos e renuncia a toda vocação de servir a sociedade. Trata-se de um
saber instrumentalizado, [no qual] a metodologia substitui o método.
de um sucesso prático das teorias falsas (BUNGE, 1968). Eis por que já se falou, e com
razão, de uma perversão da ciência4.
As ciências sociais não fazem exceção nesse contexto. O mesmo movimento também
as deformou e descaracterizou. Nunca é demais insistir no risco representado por uma
ciência social monodisciplinar, desinteressada das relações globais entre os diferentes
vetores de que a sociedade é constituída como um todo. Pode-se talvez encontrar uma
das principais causas da crise atual das ciências sociais em sua insalubridade. Boa parte da
produção intelectual nesse domínio despreza os estudos mundiais globalizantes. Esse atraso
em relação ao mundo é uma das marcas desse desatino das ciências humanas. Incapazes
de apreender a separação entre princípios e normas (CATEMARIO, 1968, p. 74) e por isso
mesmo empobrecidas, não surpreende constatar as múltiplas formas de sua submissão a
interesses quase sempre inglórios do mundo da produção. Elas se põem, por vezes sem
julgamento crítico, a serviço do marketing, daquilo que se chama relações humanas, de toda
sorte de social engineering e de produção, sob encomenda das ideologias [...], reduzindo
assim gradualmente suas possibilidades. Desse modo, as ciências sociais se interessam por
uma amostragem tendenciosa das contradições mais importantes; o Estado e as firmas
transnacionais, o Estado e a nação, o crescimento e o empobrecimento, o Leste e o Oeste,
o desenvolvimento e o subdesenvolvimento etc., de modo a ocultar as causas reais e os
resultados previsíveis dos encadeamentos entre fenômenos.
Embora assinalado por atividades quase sempre desviadas para preocupações imediatistas e
utilitaristas, o atual período histórico encerra igualmente o germe de uma mudança de tendência.
4
Um traço notável do período atual é que as análises vivamente críticas da empresa científica vêm de universitários
respeitáveis, cujo radicalismo é moderado ou nulo. Essa crítica da ciência, respeitável e feita do interior, exprime a nova
consciência da ciência e o abandono de sua segurança de outrora. Quando se consideram as declarações de porta-vozes da
ciência, fica-se chocado por seu caráter de propaganda. [Milton Santos lembra que, para os grandes cientistas do século
XIX], o cientista era um exemplo das maiores virtudes intelectuais e morais” [...] (RAVETZ, J. P. 1977, p. 79).
158
CIÊNCIA POLÍTICA
Se, por um lado, a ciência se torna uma força produtiva, observa-se, por outro, um aumento da
importância do homem – isto é, de seu saber – no processo produtivo. Esse saber permite um
conhecimento mais amplo e aprofundado do planeta, constituindo uma verdadeira redescoberta
do mundo e das enormes possibilidades que ele contém, visto ser revalorizada a própria atividade
humana. Só falta colocar esses imensos recursos a serviço da humanidade.
Trata-se de uma tarefa de longo fôlego, mas não impossível, que supõe a existência de
uma ciência autônoma, conforme a definiu R. Wuthrow (1980, p. 30).
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Unidade III
O cientista político francês Dominique Moïsi, autor de A Geopolítica das Emoções (2009), sentencia
que “o Ocidente perde peso relativo, a Ásia renasce, os emergentes ganham novo peso. A política está
em franca transformação”. É um mundo multipolar e pluricultural.
Moïsi tece ao longo de seu livro os elos que lhe permitiram entrever as emoções como
motivações, claras ou não, residuais ou presentes. Cita casos e apresenta exemplos nos quais
os sentimentos profundos, em várias escalas, por exemplo, como indivíduo e povos, respondem
diante de demandas complexas.
160
CIÊNCIA POLÍTICA
Trataremos das principais ideias de intelectuais que marcaram o pensamento acadêmico e muito
do que se criou em organização política do poder em nossas sociedades ocidentais. Suas principais
ideias virão, contextualizadas, num esforço de leitura dos tópicos iniciais sobre poder e política, pela
via da proximidade ontológica (nascimento dos objetos e das ideias correlatas), da interpretação dos
acontecimentos, como as constituições de estruturas estatais e suas ações no espaço global.
Cada um desses intelectuais leva mais longe nossas reflexões sobre os assuntos tratados, e
somente são clássicos por serem convergentes e contemplarem o bom senso. Eles são destacados de
modo grosseiro, estereotipado, com rotulações repletas de preconceitos, colocados como de ideais
opostos em apresentações com vistas às facilidades didáticas. Contudo, sua complexidade merece um
segundo passo, o da procura das convergências. Com o intuito de desmitificá-los, descontruindo os
preconceitos, veremos que, por detrás da aparente oposição, Platão e Aristóteles têm muito em comum
e complementações imprescindíveis, assim como Hobbes e Rousseau. Maquiavel é tido como de atitude
extremamente encomiástica com relação à nobreza, isto é, “bajulador” de reis! Longe disso, era entusiasta
da república, de modo subliminar.
Agentes, poder, política, história, formas e organizações do poder? Vejamos o excerto a seguir.
Para Bobbio, clássico é um autor intérprete de seu tempo. O que interessa é identificar
temas para reflexão
que eleva fontes a precedentes, as ocasiões e condições, detém-se por vezes nos detalhes
até perder o ponto de vista do todo: dediquei-me, ao contrário, com particular interesse,
ao delineamento de temas fundamentais, ao esclarecimento dos conceitos, à análise dos
argumentos, à reconstrução do sistema”. O que interessa identificar nos clássicos não é
tanto seu significado histórico, mas sim, nas palavras de Bobbio, “hipóteses de pesquisa,
temas para reflexão, ideias gerais”.
Os autores clássicos para Bobbio, em sua análise da teoria política, são, principalmente,
Emanuel Kant (1724-1804), Karl Marx (1818-1883) e Max Weber (1864-1920). Kant é um
autor frequente na obra de Bobbio, tanto assim que lhe dedicou um de seus livros, Direito e
Estado no Pensamento de Emanuel Kant. Para esse autor, o tema recorrente do pensamento
político é o da liberdade, ou melhor, das duas liberdades, como diria Bobbio: “O primeiro
significado é aquele recorrente na doutrina liberal clássica, segundo a qual ‘ser livre’ significa
gozar de uma esfera de ação, mais ou menos ampla, não controlada pelos órgãos do poder
estatal; o segundo significado é aquele utilizado pela doutrina democrática, segundo a qual
‘ser livre’ não significa não haver leis, mas criar leis para si mesmo”. No que se refere a Marx,
confrontando sua teoria política com a dos autores que são considerados unanimemente como
clássicos do pensamento político, de Platão a Hegel, e procedendo por meio de comparações
por afinidades e diferenças, Bobbio demonstra a “reviravolta radical que Marx operou sobre
a tradição apologética do Estado” na medida em que, para ele, o Estado deixa de ser o reino
da razão e do “bem-comum” para ser considerado o reino da força e do interesse daqueles
que detêm o poder. O terceiro autor, tido por Bobbio como “o último dos clássicos”, é Max
Weber, cujas expressões “passaram a fazer parte definitivamente do patrimônio conceitual
das ciências sociais”. No campo da teoria política, Bobbio considera que nenhum estudioso
do século XX contribuiu de forma tão significativa como Weber para o enriquecimento do
léxico técnico da linguagem pertinente a esse campo. Dentre as expressões herdadas deste
autor, Bobbio lembra algumas que, pela sua reconhecida importância, dispensam maiores
comentários: poder tradicional e carisma, poder legal e poder racional, direito formal e direito
material, monopólio da força, ética da convicção e ética da responsabilidade.
Para Bobbio, a terceira definição seria a mais apropriada para sua teoria política.
No entanto, se partirmos dessa hipótese, o problema que teremos de enfrentar diz
respeito à inexistência, em uma teoria assim considerada, de uma dimensão valorativa
presente nos dois primeiros tipos. Como bem ponderou Bobbio, porém, “não há teoria
tão asséptica que não permita entrever elementos ideológicos que nenhuma pureza
metodológica pode eliminar totalmente”. Bobbio parece então oscilar entre uma
filosofia política puramente cognoscitiva e uma filosofia propositiva, mas, na verdade,
apresenta em sua obra as duas dimensões.
Apontando os temas reincidentes nas lições dos clássicos e suas teorias, Bobbio nos faz
perceber certa continuidade na história, continuidade essa que diz respeito também aos
problemas enfrentados por essas diversas teorias. A recorrência de problemas, de enfoques
e de soluções parece marcar toda a história do pensamento político. Isso não quer dizer
que em alguns momentos Bobbio desconheça haver certas “guinadas” na História, como
a “revolução copernicana” decorrente da afirmação do primado dos direitos sobre os
deveres, que a temática dos direitos humanos propiciou. Assumindo, portanto, a ideia dessa
continuidade, podemos pensar nas questões referentes ao chamado “fim da história” e à
possibilidade de encontrar-lhe um sentido. Como apontado por Bobbio em sua autobiografia
Diário de um século, “a história humana não apenas não acabou, como anunciou há alguns
anos um historiador americano, mas, talvez, a julgar pelo progresso técnico-científico que
está transformando radicalmente as possibilidades de comunicação entre todos os homens
vivos, esteja apenas começando. É difícil afirmar, contudo, que direção esteja destinada a
seguir”. Ainda a respeito do sentido da História, afirma: “Não tiro conclusão alguma acerca
do sentido da História, que, não tenho vergonha de declarar, ignoro qual seja. Tenho apenas
a sombria impressão de que ninguém ainda a captou”. De toda forma, fica evidente que,
para Bobbio, a História não acabou e que, se ela tem um sentido, ninguém ainda foi capaz
de dizer qual é. Visão realista, sim, mas não pessimista ou ingenuamente otimista.
Este ensaio tem como base a obra de Norberto Bobbio Teoria Geral da Política
(1)
Na Apresentação de A República de Platão Recontada por Alain Badiou, Danilo Marcondes destaca
o seguinte:
No momento em que Platão escrevia, a política era entrelaçada ao cultivo das virtudes, da
justiça e ética, que a tornava o caminho do bem. Em que momento nos perdemos? Em que
momento nós a perdemos?
A boa política está sempre em questão na construção dos diálogos platônicos. Para tanto, Platão
persegue seu nascimento juntamente com as grandes aglomerações e coletividades, as cidades, a saúde
(equilibrada e harmônica) e a divisão do trabalho requerida ao seu funcionamento. Assim, a questão da
representação torna-se fundamental:
[...].
– Mas quem manda afinal? – pergunta, com uma voz melancólica e poderosa.
– Muito bem – diz Glauco, com uma voz arrastada –, não faço a menor ideia.
Os melhores, penso.
A apresentação de Maria Helena da Rocha Pereira (2001, p. 18-53) à República de Platão é bastante
detalhada em termos de seu alcance e conjeturas, razão pela qual reproduzimos alguns de seus trechos
mais significativos.
[...]
Em qualquer caso, o Livro I [de A República] corresponde a uma parte da obra que, além
de ter a finalidade de apresentar as figuras e situar a discussão, fornece o tema da mesma,
o que é ajustiça, e refuta as definições propostas, a de Cefalo (“dizer a verdade e restituir o
que se tomou”), a de Polemarco (“dar a cada um o que se lhe deve”) e a de Trasímaco (“o que
está no interesse do mais forte”) (PEREIRA, 2001, p. 21).
[...]
165
Unidade III
[...]
É esse ponto que vai ser esclarecido (comunidade de mulheres e filhos), com grandes
rodeios e precauções, expressas na metáfora das vagas marinhas, ao longo do Livro
V. Primeiro, far-se-á a proposta de que as mulheres, podendo ter a mesma capacidade
dos homens, devem tomar parte nos cargos diretivos da cidade; segundo, expor-se-á o
complicado sistema pelo qual se realizarão os casamentos e a procriação na classe dos
guardiões, de molde a obter o mais alto grau de eugenia; a terceira, a mais temível das
vagas, consiste em proclamar a condição necessária para que tal Estado se torne realizável:
que seja governado por filósofos (idem, p. 25).
[...]
[...]
É o próprio texto [A República], efetivamente, que afirma a relação entre os três símiles
[ou alegorias]: do Sol com o da Linha Dividida em VI (509c); e deste último com o da
Caverna em VIL (517a-r). Esta segunda equivalência tem sido, ela mesma, objeto de grandes
discordâncias, até porque principia por se declarar, de uma forma um tanto vaga, que “este
quadro deve agora aplicar-se a tudo quanto dissemos anteriormente”, o que, na verdade,
podia dizer respeito, em princípio, tanto a um como a outro dos símiles. Mas a continuação
explicita que se deve comparar o mundo visível à caverna e o inteligível à ascensão dos
prisioneiros ao mundo superior.
Para empregar uma imagem tirada da própria República, diríamos que estes símiles
encaixam uns nos outros como os contrapesos do fuso da Necessidade, no mito de Er [...],
“que, na parte superior, tinham o rebordo visível como outros tantos círculos, formando um
plano contínuo de um só fuso em volta da haste...”.
Em primeiro lugar, temos, pois, a metáfora do Sol, que mostra que esse astro está para o
mundo visível como o Bem para o sensível.
O segundo consiste em imaginar uma linha para ser dividida em duas partes desiguais,
cada uma das quais seria ainda seccionada segundo a mesma proporção. Se designarmos
a linha por AB, o primeiro corte por C e os outros por D e E, e indo buscar ao texto as
equivalências dos segmentos assim obtidos, podemos traçar o seguinte diagrama:
Portanto, o mundo visível (horata ou doxasta) tem em primeiro lugar uma zona de
eikones (“imagens”, reflexos nas águas), conhecidos pela eikasia (“suposição”, ou, como
167
Unidade III
outros preferem, “ilusão”). Num nível mais elevado, temos todos os seres vivos (zoa) e objetos
do mundo, conhecidos através de pistis (“fé”). O mundo inteligível (noeta) tem também
dois setores proporcionais a estes, o inferior e o superior, o primeiro apreendido através da
dianoia (“entendimento” ou “razão discursiva”). Nesta última distinção poderá residir, como
alguns supõem, a finalidade principal da analogia: o contraste entre o conhecimento pela
dianoia, que é o das ciências, e o que é pela noesis, que é o da filosofia. Mas não é menos
importante a antinomia entre opinião e saber, entre doxa e sophia, que tínhamos visto ao
terminar do Livro IV e vai tomar forma nítida na alegoria da Caverna (VII. 514a-518b):
Antes de iniciar a alegoria, no começo do Livro VIl, Platão dissera expressamente que se
tratava de dar a conhecer o comportamento da natureza humana, conforme ela é ou não
submetida à educação (VII). Ora, o modo como esta há de processar-se constitui o tema
central do Livro.
Deve notar-se em primeiro lugar que o curriculum que se propõe visa “à disciplina
mental e ao desenvolvimento do poder de pensamento abstrato”. Por isso, temos em
sucessão os vários ramos então conhecidos da matemática (incluindo um acabado de criar,
e ainda sem nome, a futura estereometria), desligados, como sublinha o próprio texto, das
suas aplicações práticas (VII. 525b-d). Temos, assim, como base, a aritmética que “facilita a
passagem da própria alma da mutabilidade à verdade e à essência” (VH. 525c); a seguir, o
espaço a duas dimensões, ou geometria plana; em terceiro lugar, o espaço a três dimensões,
por meio da estereometria; a astronomia estuda os corpos sólidos em movimento; e a
harmonia, o som que eles então produzem. Trata-se, portanto, de um ensino essencialmente
formativo. Todas estas ciências têm por missão preparar o espírito para atingir o plano mais
elevado: a dialética, cujo fim é o conhecimento do Bem (VII. 533b-e). Para o seu aprendizado,
selecionaram-se os mais bem-dotados, quando atingem a idade de trinta anos (VII. 537d),
como anteriormente tinham sido escolhidos, aos vinte anos, os que haviam de encetar uma
educação superior (VII. 537b-c).
O método da dialética é o único que procede, por meio da destruição das hipóteses, a
caminho do autêntico princípio, a fim de tomar seguros os seus resultados, e que realmente
168
CIÊNCIA POLÍTICA
arrasta aos poucos os olhos da alma da espécie de lodo bárbaro em que está atolada e
eleva-os às alturas, utilizando como auxiliares para ajudar a conduzi-los as artes que
analisamos (idem, p. 7).
[...]
E, para nos tirar quaisquer dúvidas sobre a relação entre esta ordenação dos estudos e
os quatro graus de entendimento anteriormente referidos, explica de novo:
É próprio do saber dialético “apreender a essência de cada coisa”. Deve ser capaz de
distinguir a natureza essencial do Bem, isolando-o de todas as outras ideias (idem, p. 7).
Por esse motivo, Nettleship pôde escrever: “O termo dialética”, que desempenha um papel
quase tão proeminente na filosofia platónica como “forma”, não significa originariamente
nada mais do que o processo de discussão oral por meio de pergunta e resposta”. E ainda:
“[...] a palavra passou do simples significado de “discorrer” para o de “discorrer com o fim
de atingir a verdade” e este “discorrer” pode executar-se através de palavras entre duas
pessoas ou ser ‘o diálogo silenciosamente conduzido pela alma consigo mesma’ (sofista)”. Da
designação do método (idem, p. 7), passa a identificar-se com o próprio objeto a alcançar
por essa via, que é o saber filosófico.
A descrição do ponto mais baixo a que chegou a degradação humana põe de novo a
questão inicial da felicidade e virtude de cada uma destas espécies, em relação com as
qualidades que predominam na cidade, com a conclusão de que o tirano, escravo dos mais
169
Unidade III
sórdidos prazeres e apetites, é o que mais se opõe ao filósofo-rei, que tem acesso aos prazeres
puros e reais, e de que é a justiça, e não a injustiça, que traz vantagens a quem a pratica.
Ao terminar o Livro IX, Gláucon reconhece que a cidade que acabam de delinear é
utópica. Mas, objeta Sócrates, fica o paradigma no céu, para quem quiser contemplá-lo e
estabelecer por ele o seu teor de vida. Quer a cidade exista, quer não, é só a esse modelo
que o filósofo seguirá.
[...]
O tema principal. Apreciamos, através desta sucinta análise, a ordenação dos motivos
ao longo do diálogo. Tivemos assim ocasião de ver que um grande número de temas foi
abordado. A propósito das origens da cidade, no Livro II, discutiu-se teoria política, ao
formular a chamada Teoria Orgânica, que vê no Estado uma pessoa política, dotada de
vida e carácter próprio. Outros encontraram na tese de Gláucon, que é natural ao explorar
os seus semelhantes, mas deixa de o fazer logo que descobre que tem mais vantagem em
chegar a acordo com os outros, uma primeira exposição da Teoria do Contrato Social. À
teoria política é também indubitavelmente consagrado o Livro I, assim como os Livros VIII e
XIX, que descrevem o modo como se originam as várias formas de governo. A psicologia tem
um lugar de relevo no Livro IV, no qual se analisam os elementos da alma, e no Livro X, no
qual se apresentam provas da sua imortalidade. Nos Livros VI e VII, assume grande papel a
Teoria das Ideias, que é fundamental na epistemologia platónica, mas, além disso, não pode
dissociar-se da sua metafisica e ética. Não esqueçamos que é para a ideia suprema do Bem
que se orienta a formação do filósofo-rei.
O Livro VII formula uma teoria da educação, ilustrada com um esquema de curriculum
de estudos superiores, que vem contemplar a formação elementar, que se preconizara
no Livro III. Além disso, ao enumerar as diversas ciências que compõem esse plano,
referem-se os principais problemas que têm a resolver. O fato é mais evidente quando se
trata da astronomia, mas não deve deixar de se atentar – sem olvidar o que representava de
arrojada novidade para a época – no elogio da estereometria. Ocasionalmente, também se
fala do papel que deve ter a medicina na sociedade (m. 405d-408e).
Define-se, além disso, o que seja filósofo e filosofia (V; VI), e o método desta última
(e. g., VII).
Depois desta enumeração, aliás, poder-se-á perguntar, ante tal variedade, se existe um
tema principal, e, no caso afirmativo, se ele é ou não o que o título da obra indica.
170
CIÊNCIA POLÍTICA
Ora, num livro com este título, a pergunta fundamental, que de base a todo o diálogo, é:
Que é Dikaiosyne? Esta, bem como o adjetivo de onde deriva, dikaios, constituem dificuldade
idêntica à anterior, porquanto é, como escreveu R L. Nettleship, “o mais genérico dos
nomes gregos para a virtude, e, no seu sentido mais lato, diz-nos Aristóteles, equivalente
‘à totalidade de virtudes, tal como se mostra no nosso trato com os outros’ [...]”. É, em
resumo, “proceder bem” para com os demais. Sendo assim, e tendo presente a equivalência,
já referida mais de uma vez, e fortemente sublinhada ao longo dos Livros VIII-IX, entre
Estado e indivíduo, compreendemos o âmbito da Dikaiosyne e sua relevância na estrutura
da cidade, na Politeia. Não precisamos de supor, como E. A. Havelock, que a República é
primariamente “um ataque ao aparelho educativo existente na Grécia”. Antes nos parece
que o problema deve formular-se ao contrário: porque o sistema educativo é essencial na
formação dos cidadãos, cabe-lhe um papel de relevo numa obra que trata da cidade.
Se Platão nos fala de uma política em ambiente social saudável, o que supõe boa formação de todos,
tal noção de vida política somente atinge o bem comum e a justiça se for compartilhada. Isso é a própria
ideia de diálogo, muito além de simples conversa.
Em Aristóteles, a política é ativa, verifica-se nas ações. É desse modo que se chega ao exame das
práticas e de suas intenções:
Mário da Gama Kury (1985) explica que as obras de Aristóteles apresentam uma “desorganização”,
provavelmente devido às origens didáticas para as aulas, sendo posteriormente “editadas”. Vejamos o
excerto a seguir:
172
CIÊNCIA POLÍTICA
[...].
Para Aristóteles, em Ética a Nicômaco, um homem é sábio não quando é especialista, mas no
que se costuma denominar generalista, visto que a sabedoria é a perfeita forma de conhecimento,
combinando razão intuitiva e o conhecimento científico. Desse modo, a sabedoria prática é de
espectro imenso, envolvendo tudo quanto o ser humano delibera e age, requer experiência e por
isso não admite sabedoria na juventude; já a sabedoria filosófica não trata da ação, mas do
estudo, sendo completares.
Sabedorias política e prática correspondem à mesma disposição da alma, embora sejam diferentes
no que diz respeito aos contextos: a política relaciona-se à ação na polis, na cidade (que reúne e coage
as pessoas a conviverem), e a prática, com o indivíduo e ele mesmo (sua própria experiência).
Para Aristóteles, investigações e deliberações são diferentes, pois esta última refere-se à
investigação de algo em particular e implica o raciocínio. A deliberação excelente é aquela que tende
a alcançar o bem, e um bom deliberador normalmente é também dotado de sabedoria prática, pois
deve agir naquilo que delibera pra alcançar o bem. A inteligência também se distingue da sabedoria
prática, visto que esta se encarrega de agir em suas deliberações, e aquela, de julgar. A inteligência não
consiste em ter sabedoria prática, mas em aprender, no exercício da arte de conhecer, no opinar, sendo
idêntica à perspicácia, e o homem perspicaz é observador e sagaz.
ponto de vista da estrutura social e sua demanda (distribuição do poder, como democrático, oligárquico
e/ou aristocrático) quanto do da estrutura legal (considerando-se o ideal).
Mas Maquiavel não diz em parte alguma que os súditos sejam logrados.
Descreve o nascimento de uma vida em comum, que ignora as barreiras
do amor-próprio. Falando aos Medicis, prova-lhes que o poder não existe
sem apelo à liberdade. Nessa reviravolta, talvez seja o príncipe o logrado. Se
Maquiavel foi republicano, foi por ter encontrado um princípio de comunhão.
Colocando o conflito e a luta na origem do poder social, não quis dizer que
fosse impossível o acordo; quis salientar a condição de um poder que não
seja mistificante, e que e a participação numa situação em comum.
[...]
[...]
Maquiavel figura na história das ideias políticas de modo estigmatizado, e isso desde seu próprio
ambiente. Há muitos lados na personagem e nos seus escritos, como vemos a seguir:
[...]
Maquiavel persegue os termos políticos da organização social e concebe a história como cíclica em
alternância entre ordem e desordem:
176
CIÊNCIA POLÍTICA
A originalidade de seu trabalho tem sido atestada por importantes filósofos e cientistas políticos,
com reconhecimento e consenso ao menos quanto à sua relevância:
Sadek (1989, p. 18), descrevendo Maquiavel, destaca o que concerne à natureza humana e reconhece
“a presença de traços humanos imutáveis” afirmando que os homens “são ingratos, volúveis, simuladores,
covardes ante os perigos, ávidos de lucro”.
Maquiavel teve que lidar com fortes crenças na predestinação. Segundo Sadek (1989, p. 21), “este
era um dogma que Maquiavel teria que enfrentar, por mais fortes que fossem os rancores que atraísse
contra si”. Pois, do modo como concebera, a atividade política era um agir virtuoso, racional, “livre de
freios extraterrenos”, sujeito da história; “esta prática exigia virtù, o domínio sobre a fortuna”. Tal poder
requer flexibilidade e adequação às circunstâncias:
Um pouco antes de tratarmos de Hobbes, Locke e Montesquieu, falemos do que os une: o recurso ao
contrato; são contratualistas. Conforme Limongi (2012, p. 12-13):
Assim, quando Rawls (2000, p. 12) declara que sua teoria da justiça prolonga
a “teoria do contrato social, tal como se encontra em Locke, Rousseau e Kant”,
logo em seguida puxa uma nota indicando que não estava se esquecendo de
Hobbes, mas que o deixara deliberadamente de lado. Ele tem de fazer isso, já
que, como os autores citados, Hobbes é um e o primeiro dos contratualistas.
Hobbes está na base da ciência política moderna, preocupado com a sistematização dos saberes e
com o método:
179
Unidade III
Conforme Paulo Henrique Faria Nunes (2010, p. 11), Hobbes faz parte daquele conjunto de pensadores
políticos denominados contratualistas, juntamente com outras célebres figuras como Locke e Rousseau.
No que diz respeito ao “método empregado por Hobbes e pelos contratualistas que lhe sucedem, é
válido transcrever a síntese que Ernst Cassirer apresenta”:
Essa visão racional não foi, de forma alguma, considerada uma visão
histórica. Somente uns poucos pensadores tiveram a ingenuidade de concluir
que a “origem” do Estado, como a explicavam as teorias do contrato social,
dava-nos uma perspectiva dos seus começos. Não podemos, obviamente,
assinalar o momento exato da história em que pela primeira vez apareceu o
Estado. Mas essa falta de conhecimento histórico não interessa aos teóricos
do Estado-contrato. O problema deles é analítico, e não histórico. Eles
compreendem o termo “origem” num sentido lógico, e não cronológico. O
que eles procuram não é o começo, mas o “princípio” do Estado – a sua
raison d’être.
180
CIÊNCIA POLÍTICA
Contudo, sua perspectiva da natureza e da física condicionou sua visão de vida social (e psíquica)
e política.
O mesmo pode ser observado no Leviatã quando Hobbes diz que “Os desejos
e outras paixões do homem não são em si mesmos um pecado. Tampouco
o são as ações que derivam dessas paixões” (HOBBES, 2003, p. 110). O
propósito desse trabalho é compreender as possibilidades e as implicações
dessa afirmação, ou seja, entender as paixões humanas na obra de Hobbes
como um movimento de reação à ação do movimento de objetos externos
de modo que, por isso, elas não podem ser tomadas como boas ou más em si
mesmas, mas sim como reações naturais próprias da lógica de funcionamento
181
Unidade III
Renato Janine Ribeiro (1989, p. 51) fala em “sacrifício” do contrato social em Hobbes:
Nessa linha de compreensão da natureza humana como complexidade, Hobbes aponta que os homens
não são idênticos, mas suas habilidades podem equilibrar o jogo político na base da compensação. Essa
visão lhe rendeu (e rende) desafetos entre aqueles que defendem a dominação de alguns sobre muitos,
com os instrumentos da desigualdade social (RIBEIRO, 1989, p. 54).
A posição de Hobbes é expressa pela expressão “tão iguais” na obra Leviatã, comentada por Janine
Ribeiro. Por meio dele, explicita a riqueza de possibilidades e combinações sociais, de acordo com as
características de cada um, por fazer, num ambiente seguro para tanto. Não seríamos maus por natureza,
mas impulsivos como bebês e crianças, daí a necessidade de regras e força para manter-nos cada qual
em seu lugar. Aliás, garantindo-se, assim, lugares (RIBEIRO, 1989, p. 54-55).
As ideias são muito ricas: não é uma simples naturalização do humano, mas uma leitura arguta que
captura nuances da subjetividade, mesmo antes de Descartes.
Renato Janine Ribeiro (1989, p. 55) destaca que o “’homem lobo do homem’, em guerra contra
todos’”, não é um “‘anormal’; suas ações e cálculos são os únicos racionais, no estado de natureza”.
Com isso, surgiriam os problemas gerados pela propriedade provada, atraindo disputas.
A força maior seria, então, o Estado, capaz de manter as forças individuais em suas órbitas pessoais,
mas, agora, sim, numa vida social sob contrato, diríamos.
183
Unidade III
Hobbes, muito arguto, evocando algo como uma leitura empática, tendo como fundo uma certa
noção de empatia dos seres humanos, recomenda que façamos essa autoanálise, fundamental, pois:
Nesse contexto, o poder no estado de natureza dá-se pelo direito natural a tudo:
Janine Ribeiro (1989, p. 59) apresenta esse indivíduo hobbesiano. Para ele, não é o indivíduo em
busca do “capital no mundo da mercadoria, mas que está à procura da glória, ocupado com a conquista
e a manutenção da honra, consolidada pelas aparências externas no universo nobiliárquico, continente
de tudo mais, incluindo os gêneros da dimensão econômica”. Instaura-se uma pista importante para
entender as distâncias simbólicas que nos separam desse ambiente; nós que vivemos sob o signo do
valor econômico.
Teremos, pois, que exercitar essa questão, que poderíamos chamar de “árvore dos valores”, cuja raiz
é biológica e moral, crescendo pelos calores/axiologia cultural, para somente depois destacar os valores
econômicos, cujas secreções/distorções seriam os preços.
184
CIÊNCIA POLÍTICA
Apesar dos deslumbramento, para Hobbes a liberdade apresenta perigos, pois a liberdade natural
entraria em conflito com a coexistência social (RIBEIRO, 1989).
Hobbes vê o homem glorioso, não o homo economicus: calca sua construção na aparência, sendo
o “poder que exerce o imperativo sobre os bens. A vida sob o contrato supõe associação com base na
submissão às regras advindas do grande pacto social: é horizontal na associação e vertical na submissão”
(RIBEIRO, 1989, p. 62-63).
Hobbes expõe em sua construção dos preceitos das condições sociais de existência, sua leitura de
direito e lei, desenvolvendo-a, chegando à visão de contrato social!
A questão da segurança, própria e como direito coletivo, está sempre presente em seu
pensamento, pois:
Enquanto perdurar este direito de cada homem a todas as coisas, não poderá
haver para nenhum homem (por mais forte e sábio que seja) a segurança de
viver todo o tempo que geralmente a natureza permite aos homens viver.
Consequentemente, é um preceito ou regra geral da razão que todo homem
deve esforçar-se pela paz, na medida em que tenha esperança de consegui-la,
e caso não a consiga pode procurar e usar todas as ajudas e vantagens da
guerra. A primeira parte desta regra encerra a lei primeira e fundamental
185
Unidade III
A única maneira, para Tomas Hobbes (1984 apud RIBEIRO, 1989, p. 62), de instituir esse estado de
segurança social, é a criação do Estado. “Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo
a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito,
autorizando de maneira semelhante todas as suas ações”.
Segundo Weffort (1989), da instituição do Estado derivam todos os direitos e faculdades daquele ou
daqueles a quem o poder soberano é conferido, mediante consentimento do povo.
2. Representação de todos pelo Estado: todos, entre si; não entre participantes
e Estado! Contrato é mantido pela força do Estado! (WEFFORT, 1989, p. 65)
4. Estado inimputável: não pode ser culpado por qualquer ato, visto que
seja [pré-aprovado] [...] todos concordam com suas ações ao [elegê-lo] [...]
(RIBEIRO, 1989, p. 63).
A igualdade é perigosa, pois todos são iguais em desejos, paixões e violência! A igualdade envolve
competição e traz problemas, segundo Janine Ribeiro (1989), pois acaba criando a liberdade para morrer.
O autor assevera que há limites à defesa (de si e de outrem) por diminuir a abrangência da soberania.
Diz que as outras formas de liberdade dependem do “silêncio da lei” (RIBEIRO, 1989, p. 70).
E continua:
O medo motiva a associação sob o Estado soberano; mas não é o terror, pois
este é próprio ao Estado de natureza. Medo, que está na base da submissão
das pessoas ao Estado, do abandono de sua liberdade natural, [passa a ser
liberdade social]. Quem tem bom comportamento não precisa temer o
Estado. Medo completa-se com a esperança de vida melhor, com garantias
[...] (RIBEIRO, 1989, p. 70-71).
187
Unidade III
O soberano deve sobrepor-se ao medo e garantir esperança. Isso, para ser bom [legítimo, por
natureza] representante, para garantir os direitos naturais na organização social.
[...].
Todo o contexto social, familiar, o ideário e a formação individual de John Locke o levam para uma
conduta baseada na liberdade, aliás, seu nome está ligado ao nascimento do liberalismo político e seus
desdobramentos econômicos de um modo que Hobbes não poderia sê-lo.
É desses casos cujos fundamentos teóricos têm origem no contexto psicossocial: família, filiação
acadêmica, ideológica e partidária, perseguição política, exílio na Holanda; tudo culminou em suas
concepções sobre liberdade, tolerância e propriedade. Foi um ideário burguês na raiz do progresso e da
acumulação econômica.
189
Unidade III
John Locke esteve engajado em lutas liberais, sempre associado ao ideário liberal, cuja coerência
expressa-se em sua atuação multidisciplinar: política, educação, filosofia, matemática, medicina. Em
todas as frentes nas quais se envolvia, o nexo era a liberdade de atuação.
Conforme Weffort (1989, p. 83), “a teoria da tábula rasa é, portanto, uma crítica à doutrina das ideias
inatas, formulada por Platão e retomada por Descartes, segundo a qual determinadas ideias, princípios e
noções são inerentes ao conhecimento humano e existem independentemente da experiência”.
Locke faz dois tratados sobre o governo civil, publicando-os somente após a Revolução Gloriosa.
O primeiro é de fundo religioso, segue a patrilinearidade (linhagem) de Adão, com seu símbolo paterno.
O segundo trata da origem, da extensão e do objetivo do governo civil, é baseado no consentimento dos
governados.
A teoria da propriedade
A escolha da forma de governo deve preservar as condições inalienáveis de associação livre. Não fica
claro como a concentração de bens pode ser democrática, ou melhor, como pode haver democracia com
a concentração de bens.
Enfatizando as distinções de Locke em relação a Thomas Hobbes, temos que para este a “propriedade
inexiste na natureza, que o Estado a cria e a pode dissolver; sendo, inclusive, pomo de discórdia entre
os cidadãos. Já Locke [que ocorre] via concórdia e harmonia no trinômio estado natural/contrato social/
estado civil [...]” (MELLO, 1989, p. 85).
O trabalho nesse nível é uma referência à territorialidade (biológica, orgânica, na base das construções
intelectuais sobre o poder, tanto para a antropologia quanto para a geografia).
Não há detalhes suficientes para sabermos se ele está deliberadamente descartando as propriedades
comunais indígenas, ou se apenas se refere às aldeias e vilas (aglomerados) coloniais.
Se a propriedade era instituída pelo trabalho, este, por sua vez, impunha
limitações à propriedade. Inicialmente, quando “todo o mundo era como
a América”, o limite da propriedade era fixado pela capacidade de trabalho
do ser humano. Depois, o aparecimento do dinheiro alterou essa situação,
possibilitando a troca de coisas úteis, mas perecíveis, por algo duradouro
(ouro e prata), convencionalmente aceito pelos homens. Com o dinheiro,
surgiu o comércio e também uma nova forma de aquisição da propriedade,
que, além do trabalho, poderia ser adquirida pela compra. O uso da moeda
levou, finalmente, à concentração da riqueza e à distribuição desigual dos
bens entre os homens. Esse foi, para Locke, o processo que determinou a
191
Unidade III
É possível, como já indicamos, encontrar não só pontos semelhantes como também distintos entre
os postulados contratualistas.
A unanimidade referida leva a outro tema caro ao autor, a tolerância, porque esta seria o cimento que
garantiria a coesão necessária à manutenção de direitos naturais, como a propriedade. Sem tolerância,
não haveria respeito ao espaço e aos bens do outro.
Saiba mais
LOCKE, J. Carta sobre a tolerância. Tradução Anoar Aiex. São Paulo: Abril
Cultural, 1973. (Coleção Os Pensadores)
192
CIÊNCIA POLÍTICA
Constituído o estado civil, a “comunidade” precisa escolher a forma de governo. Assim, no estado
civil, há uma transição democrática com a escolha do governo. Nessa escolha, a “unanimidade do
contrato originário” transforma-se em democracia, “segundo o qual prevalece a decisão majoritária e,
simultaneamente, são respeitados os direitos da minoria” (MELLO, 1989, p. 8).
[...]
O direito resistência
E o autor continua:
John Locke
O sociólogo J. A. Guilhon Albuquerque (apud WEFFORT, 1989, p. 113) inicia sua minibiografia
mencionando os aspectos paradoxais de Montesquieu, cujos vínculos com a monarquia são determinantes
de seu contexto de criação, invenção e descobertas.
194
CIÊNCIA POLÍTICA
É preciso salientar que mesmo sendo de origem aristocrática, Montesquieu não é ideólogo
da nobreza, o que faz é aproveitar suas experiências nas estruturas nobiliárquicas e aplicá-las ao
desenvolvimento das relações políticas: os poderes centralizados da monarquia são, em sua obra,
desmembrados, amparando sua reflexão na constatação pragmática do êxito das monarquias ou
Estados monárquicos, muitos deles com centenas de anos.
• pai da Sociologia;
• inspirador do determinismo;
Seu legado mais referido é o de ser precursor das ideias de regimes políticos, da conceituação de
leis (regularidades e fundamentos do “estado de sociedade” x contratualistas), propondo governos em
mútuo controle. Propõe a moderação do poder governamental.
Ao estudar Althusser, Guilhon Albuquerque (1989, p. 114) refere-se ao seu conceito de lei:
Não é à toa que Montesquieu é tido em alta conta pelos juristas, pois avança bastante no tema
legislativo e na teoria das organizações sociais.
Mas o objeto de Montesquieu não são as leis que regem as relações entre os
homens em geral, mas as leis positivas, isto é, as leis e instituições criadas
pelos homens para reger as relações entre os homens. Montesquieu observa
que, ao contrário dos outros seres, os homens têm a capacidade de se furtar
às leis da razão (que deveriam reger suas relações), e além disso adotam leis
escritas e costumes destinados a reger os comportamentos humanos. E têm
também a capacidade de furtar-se igualmente às leis e instituições.
Até chegar nos três governos, Montesquieu elaborou suas teses a partir do governo único,
vislumbrando as possibilidades de separá-lo em poderes, combinando sistemas e seus atributos da honra
(monarquia), da virtude (república) e do medo (despotismo).
Jean-Jacques Rousseau propõe uma forma de ver, pensar e fazer inovadora em seu tempo, isto é,
sua concepção de vida social, do plano teórico ideal (as abstrações que materializadas socialmente), bem
como das intervenções necessárias ao progresso potencial humano no âmbito social.
Seu trabalho torna-se público após a premiação da Academia de Dijon, que propôs como tema: “O
restabelecimento das ciências e das artes teria contribuído para aprimorar os costumes?’’ Rousseau
indica que não em seu texto, marcando posição distinta em sua época. Desse modo, vai além da dúvida
no que diz respeito ao conhecimento científico, chegando quase ao ceticismo. Em Discurso sobre a
Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, ele diz: “Se nossas ciências são inúteis no
objeto que se propõem, são ainda mais perigosas pelos efeitos que produzem”. Antes pois de defender o
processo de difusão das luzes” (ROUSSEAU, 2008 apud NASCIMENTO, 1989, p. 189).
Com essa posição, pergunta-se sobre que tipo de saber direciona a vida dos seres humanos. O autor
acusa a banalização da produção intelectual como motivada por arrivismo:
não pudessem ir longe na carreira das letras fossem impedidos desde o início
e encaminhados às artes úteis à sociedade? (NASCIMENTO, 1989, p. 18-190).
Rousseau crítica ciências e artes, embora aceite o que chama no Discurso sobre a Origem e os
Fundamentos da Desigualdade entre os Homens “verdadeira ciência”. Vai, portanto, na contracorrente
dos iluministas, cuja bandeira mais destacada é a disseminação do saber. Afirma que a ciência praticada
é baseada mais no orgulho e na busca de glória e de reputação do que no legítimo amor ao saber, não
passando “de uma caricatura da ciência e sua difusão por divulgadores e compiladores, autores de
segunda categoria, só pode contribuir para piorar muito mais as coisas” (NASCIMENTO, 1989, p. 190).
E, como em sua opinião a corrupção generalizou-se, sendo apenas uma questão de grau, ciência e
arte são produtos e condições desvirtuados, podendo, “no entanto, desempenhar um papel importante
na sociedade, o de impedir que a corrupção seja maior ainda” (ROUSSEAU, 1991, p. 190).
Rousseau tece raciocínio que reconhece certa função às artes e às ciências, embora participem da
corrupção. Fala de sua necessidade,
Para impedir que se tornem crimes, cobrindo-os com um verniz que não
permite que o veneno se espalhe tão livremente. Destroem a virtude, mas
preservam o seu simulacro público que é sempre uma bela coisa; em seu
lugar, introduzem a polidez e a decência, e substituem o temor de parecer
mau pelo de parecer ridículo (ROUSSEAU, 1991, p. 190).
Ele imagina uma espécie de censura pautada na moral para a produção e difusão artística e
científica. Critica e, de certo modo, enaltece-as, sendo ele próprio cientista e artista. Trata-se de destacar
suas funções pedagógicas. “Não se trata, portanto, de acabar com as academias, as universidades, as
bibliotecas, os espetáculos. As ciências e as artes podem muito bem distrair a maldade dos homens e
impedi-los de cometer crimes hediondos” (ROUSSEAU, 1991, p. 190).
Rousseau acredita que ciência e arte devem cumprir papéis emblemáticos, exemplificadores da
virtude, não mais prescritivos.
Os textos que mais nos interessam, pontos altos da obra política de Rousseau, são O Contrato Social
e o Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens. A noção de pacto é
fundamental em suas teses.
A chave para se entender a articulação entre essas duas obras está no primeiro
parágrafo no capítulo I, do livro I, do Contrato: “O homem nasce livre, e por
toda parte encontra-se aprisionado. O que se crê senhor dos demais não
deixa de ser mais escravo do que eles. Como se deve esta transformação?
Eu o ignoro: o que poderá legitimá-la? Creio poder resolver esta questão”.
[...] Ora, a trajetória do homem, da sua condição de liberdade no estado de
natureza, até o surgimento da propriedade, com todos os inconvenientes
que daí surgiram, foi descrita no Discurso sobre a Origem da Desigualdade.
Nesta obra, o objetivo de Rousseau é o de construir a história hipotética da
humanidade, deixando de lado os fatos, procedimento semelhante ao que
outros filósofos já haviam feito no século XVII. Espinosa e Hobbes tomaram
de empréstimo, da geometria, o método para a análise dos problemas da
moral e da política. Rousseau, por sua vez, afirma na introdução ao Discurso
sobre a Desigualdade [...] (NASCIMENTO, 1989, p. 194).
No Discurso sobre a Origem da Desigualdade, Rousseau propõe afastar todos os fatos, pois eles não
dizem respeito à questão central da transição.
Ele opta pela alternativa da construção hipotética, demonstrada por meio de argumentação
racional. Logo, a história hipotética da humanidade, por ele enfatizada, culminaria com a legitimação
da desigualdade, quando a proposta do pacto é feita pelo rico.
200
CIÊNCIA POLÍTICA
Há uma bandeira, um estandarte político (que sua história de vida ajuda a entender) propondo a
defesa dos “fracos” contra a opressão, “conter os ambiciosos e assegurar a cada um a posse daquilo
que lhe pertence” (NASCIMENTO, 1989, p. 195) cuidando da institucionalização de justiça e de paz,
cuja universalização não permita exceções, garantindo reciprocidade entre todos. Esta é a principal
linguagem contratual: eis a emergência da figura do contrato. Contrato ou termo de compromisso entre
as partes, com base no ideal de justiça, tanto como instrumento de reparação quanto de melhoria da
qualidade social; voltado ao passado e que se projeta ao futuro. Em resumo:
Colocada a pedra de toque, Rousseau parte para a obra O Contrato Social afirmando que “o homem
nasce livre e em toda parte encontra-se a ferros”.
Segundo Nascimento (1989, p. 190), seu projeto, então, muda de nível: passa das tentativas de
reconstrução hipotética da história às indicações do “dever ser de toda ação política”. O que incomoda
Rousseau são as razões da mudança da liberdade para a servidão. Sobre essa questão (apresentada no
Discurso), afirma que não tem resposta, mas um projeto: estabelecer no contrato social as condições de
um pacto no qual os seres humanos realizem sua liberdade civil após a perda da liberdade natural, o que
é explanado nos capítulos VI a VIII do livro O Contrato Social. Como em qualquer contrato, a legitimação
do pacto social requer a condição de igualdade das partes contratantes.
Rousseau enfatiza que as cláusulas do contrato devem ser bem compreendidas e, por sinal,
201
Unidade III
A liberdade civil deve ocorrer no estado de sociedade, no momento em que nos submetemos às
regras do contrato, ao abrirmos mão do ideal de liberdade natural (jusnaturalismo), abstrata. É encargo
do provo soberano (parte ativa e passiva no processo, sendo agente ao promover as leis e obediente às
mesmas leis) constituir-se como ser autônomo, agindo por si.
A igualdade de todos (entre si) na base do corpo político deve ser também a condição “da máquina
política”, responsável pela manutenção de tal ordem, garantindo que o pacto inicial perdure de modo
estrutural. Tal ordem materializa-se nas organizações político-administrativas ou governos, o que
Rousseau (1991) destaca no Livro III de O Contrato Social.
Todo o livro III do Contrato Social será dedicado ao governo. Para Rousseau,
antes de mais nada, impõe-se definir o governo, o corpo administrativo do
Estado, como funcionário do soberano, como um órgão limitado pelo poder
do povo, e não como um corpo autônomo ou então como o próprio poder
máximo, confundindo-se neste caso com o soberano. Se a administração
é um órgão importante para o bom funcionamento da máquina política,
qualquer forma de governo que se venha a adotar terá que submeter-
se ao poder soberano do povo. Neste sentido, dentro do esquema de
Rousseau, as formas clássicas de governo, a monarquia, a aristocracia e
a democracia teriam um papel secundário dentro do Estado e poderiam
variar ou combinar-se de acordo com as características do país, tais como
a extensão do território, os costumes do povo, suas tradições etc. Mesmo
sob um regime monárquico, segundo Rousseau, o povo pode manter-se
como soberano, desde que o monarca se caracterize como funcionário do
povo (NASCIMENTO, 1989, p. 197).
Nascimento (1989) encaminha sua análise sobre o trabalho de Rousseau acentuando algumas
questões que reputa como recorrentes:
202
CIÊNCIA POLÍTICA
O autor avalia que parece haver “uma certa incredulidade quanto à recuperação da liberdade por povos
que já a perderam completamente”. Ele apresenta uma concepção de história que reputa como “pessimista”.
Rousseau é tido por “moderado” em suas ações políticas concretas, como afirma Nascimento (1989, p. 199):
Sua moderação e aparente relativismo se devem ao receio de indicar caminhos rígidos para
circunstâncias diferentes, isto é, sua perspectiva científica procura lógica e regularidades e, embora
tenha projeto político, está comprometido com a realidade, sem falseá-la ou distorcê-la, como fica
explícito na citação.
Do pacto social
Ora, como é impossível aos homens engendrar novas forças, mas apenas unir e dirigir as
existentes, não lhes resta outro meio, para se conservarem, senão formando, por agregação,
uma soma de forças que possa arrastá-los sobre a resistência, pô-los em movimento por um
único móbil e fazê-los agir de comum acordo.
Essa soma de forças só pode nascer do concurso de diversos; contudo, sendo a força
e a liberdade de cada homem os primeiros instrumentos de sua conservação, como as
empregará ele, sem se prejudicar, sem negligenciar os cuidados que se deve? Esta dificuldade,
reconduzida ao meu assunto, pode ser enunciada nos seguintes termos:
203
Unidade III
“Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda a força comum a
pessoa e os bens de cada associado, e pela qual, cada um, unindo-se a todos, não obedeça,
portanto, senão a si mesmo, e permaneça tão livre como anteriormente”.
As cláusulas deste contrato são de tal modo determinadas pela natureza do ato que a
menor modificação as tornaria vãs e de nenhum efeito; de sorte que, conquanto jamais
tenham sido formalmente enunciadas, são as mesmas em todas as partes, em todas as partes
tacitamente admitidas e reconhecidas, até que, violado o pacto social, reentra cada qual em
seus primeiros direitos e retoma a liberdade natural, perdendo a liberdade convencional pela
qual ele aqui renunciou.
Todas essas cláusulas, bem entendido, reduzem-se a uma única, a saber, a alienação
total de cada associado, com todos os seus direitos, em favor de toda a comunidade; porque,
primeiramente, cada qual se entregando por completo e sendo a condição igual para todos,
a ninguém interessa torná-la onerosa para os outros.
Além disso, feita a alienação sem reserva, a união é tão perfeita quanto o pode ser, e
nenhum associado tem mais nada a reclamar; porque, se aos particulares restassem alguns
direitos, como não haveria nenhum superior comum que pudesse decidir entre eles e o
público, cada qual, tornado nalgum ponto o seu próprio juiz, pretenderia em breve sê-lo
em tudo; o estado natural subsistiria, e a associação se tornaria necessariamente tirânica
ou inútil.
Enfim, cada qual, dando-se a todos, não se dá a ninguém, e, como não existe um associado
sobre quem não se adquira o mesmo direito que lhe foi cedido, ganha-se o equivalente de
tudo o que se perde e maior força para conservar o que se tem.
Portanto, se afastarmos do pacto social o que não constitui a sua essência, acharemos
que ele se reduz aos seguintes termos:
“Cada um de nós põe em comum sua pessoa e toda a sua autoridade, sob o supremo
comando da vontade geral, e recebemos em conjunto cada membro como parte indivisível
do todo”.
autoridade soberana, e vassalos, quando sujeitos às leis do Estado. Todavia, esses termos
frequentemente se confundem e são tomados um pelo outro. É suficiente saber distingui-
los, quando empregados em toda a sua precisão (ROUSSEAU, 1991, p. 31-34).
Saiba mais
Para saber mais sobre os pensadores estudados, leia:
SILVA, E. C. da. A democracia moderna em Montesquieu, Locke e
Rousseau. Gramsci e o Brasil, Minas Gerais, nov. 2007. Disponível em:
<http://www.acessa.com/gramsci/?id=823&page=visualizar>. Acesso em:
10 abr. 2018.
Resumo
Exercícios
A) Expansão de mercados.
B) Exacerbação do nacionalismo.
205
Unidade III
A) Alternativa incorreta.
Justificativa: com a crise econômica europeia, a expansão de mercados se configura como uma das
características imperialistas.
B) Alternativa incorreta.
C) Alternativa incorreta.
Justificativa: para escoar os bens produzidos na Europa, a expansão do controle territorial se tornou
uma configuração fundamental do imperialismo.
D) Alternativa correta.
E) Alternativa incorreta.
Justificativa: o colonialismo do século XIX e de começo do século XX buscava apoiar sua presença
nas áreas de exploração colonial sobre a base de interesses comuns e bilaterais, contribuindo com as
potências colonizadoras, segundo o pretexto imperialista, com os elementos da técnica e da civilização
para o gradual desenvolvimento das populações desses territórios, de acordo com Paulo Bonavides.
I – Proposição de que volume de exportações fosse maior que o de importações para que se
obtivesse uma balança comercial favorável nas colônias.
206
CIÊNCIA POLÍTICA
III – Proposição de aproximação entre as diversas sociedades e nações existentes por todo o
mundo, no âmbito econômico, social, cultural ou político.
A) I e II.
C) I e III.
D) II e III.
207
FIGURAS E ILUSTRAÇÕES
Figura 1
Figura 2
Figura 3
Figura 4
Figura 5
Figura 6
Figura 7
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Informações:
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