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Unidade III

Unidade III
7 A POLÍTICA NO ÂMBITO INTERNACIONAL

Mas os preconceitos contra a política, a concepção de a política ser, em seu


âmago interior, uma teia feita de velhacaria de interesses mesquinhos e
de ideologia mais mesquinha ainda, ao passo que a política exterior oscila
entre a propaganda vazia e a pura violência, têm data muito mais remota do
que a invenção de instrumentos com os quais se pode destruir toda a vida
orgânica da face da Terra. No que diz respeito à política interna, são pelo
menos tão antigos quanto a democracia de partidos – quer dizer, pouco
mais de 100 anos –, a qual alega, pela primeira vez, representar o povo na
história mais recente, se bem que o povo jamais acreditou nisso. A política
externa surgiu, de fato, na primeira década da expansão imperialista, por
volta da virada do século, quando o Estado nacional – não por incumbência
da nação, mas sim por causa de interesses econômicos nacionais – começou
a levar o domínio europeu para todo o planeta. Mas o verdadeiro ponto
principal do preconceito corrente contra a política é a fuga à impotência, o
desesperado desejo de ser livre na capacidade de agir, outrora preconceito
e privilégio de uma pequena camada que, como lorde Acton, achava que
o poder corrompe e a posse do poder absoluto corrompe em absoluto.
O fato de essa condenação do poder corresponder por inteiro aos desejos
ainda inarticulados das massas não foi visto por ninguém com tanta clareza
como Nietzsche, em sua tentativa de reabilitar o poder – se bem que ele
também confundisse, ou seja, identificasse, bem ao espírito da época, o
poder impossível de um indivíduo ter, visto ele surgir somente pelo agir em
conjunto de muitos, com a força cuja posse qualquer pessoa pode deter
(ARENDT, 2002, p. 27-28).

No tom dado por Hannah Arendt (2002), temos a verdadeira medida da expansão levada a cabo
pelos aventureiros europeus. A política externa como extensão do “impulso” político direto, de um
projeto de europeizar o mundo com seus joint ventures de armadores, banqueiros e coroas, promovendo
um mundo maior, expandindo-se como uma enxurrada que carrega a todos.

Considerando a noção de desenvolvimento corrente e majoritária, adota-se o estilo


eurocêntrico das mudanças sociais (crescimento, modernização e desenvolvimento), que é
difundindo por formas e inovações às franjas ou periferias do sistema internacional, isto é, para
o conjunto dos países subordinados às nações mais ricas. Muitas vezes o desenvolvimento é um
fim em si mesmo.

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7.1 Colonização e autodeterminação: decolonização

O colonialismo e o imperialismo são os principais instrumentos da difusão das experiências europeias


e, mais tarde, também estadunidense.

Trataremos dos aspectos mais destacados da “história do mundo determinado”: generalização do


desenvolvimento único de matriz europeia (esta, a determinante), com ajuda do colonialismo e do
imperialismo, que serão estudados adiante.

A linha básica da apresentação desse modelo de desenvolvimento leva em conta os seguintes eventos
instauradores e condutores da modernidade: as revoluções promovidas pela burguesia, viabilizadas pela
criação dos Estados nacionais, o campo das relações interestados e a expansão comercial acentuada com
as grandes navegações e correspondentes sistemas de apropriação de riquezas, como mercantilismo,
colonialismo, neocolonialismo, imperialismo e globalismo, cujos sentidos obedecem à diretriz elementar da
reprodução ampliada de valor: movimento orgânico de capital, nas formas dinheiro-mercadoria‑dinheiro
com lucro (D-M-D). Tais regimes de produção e apropriação são tratados aqui como organizações históricas,
do ponto de vista dos agentes em busca da realização da racionalidade capitalista, isto é, da expansão
socioespacial das relações regidas pela lógica da mercadoria, desses valores no mercado, ao mesmo tempo
que ocorre a concentração dos agentes, de detentores a zeladores do capital.

Parece oportuna a lembrança do discurso do presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano
Roosevelt, no Congresso Nacional, em 1938, preocupado com os impactos da “concentração opressora”
da livre iniciativa estadunidense.

Entre nós, atualmente, está se desenvolvendo uma concentração de poder


particular na história [...] Hoje muitos americanos perguntam uma coisa
difícil de responder: Esse clamor de que nossas liberdades estão ameaçadas
é justificado pelos fatos? [...] A resposta é que, se existe uma ameaça, ela
provém do poder econômico concentrado, que está lutando para dominar
o nosso governo democrático [...] Essa mão pesada, representada pelo
controle integrado, financeiro e administrativo, abate-se sobre grandes áreas
estratégicas da indústria americana. O pequeno negociante infelizmente é
colocado numa posição cada vez menos independente. A empresa privada
está deixando de ser empreendimento livre para se tornar um grupo de
coletivismos particulares; disfarçada de sistema de livre empresa, calcada
no modelo americano, está na verdade transformando-se num sistema
mascarado de cartel, segundo modelo europeu [...] Nenhum povo, e muito
menos um povo que tem as nossas tradições de liberdade pessoal, suportará
essa lenta erosão das oportunidades oferecidas ao homem comum, ou a
sensação deprimente de impotência sob o domínio de alguns homens, fatos
que estão obscurecendo nossa vida econômica (SANCHEZ, 1999, p. 15).

Algumas das ideias de Singer (2004) e de Dowbor (1982) estão presentes no ponto de partida
(no questionamento sobre os envolvidos e a finalidade do desenvolvimento) e na chegada (na politização
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das alternativas). Na partida, ao identificar as necessidades fundamentais de nosso desenvolvimento,


e no desfecho de suas obras com suas ideias de economia social e solidária. Eles não estão sós, pois
nomes como Enrique Leff (sociólogo), Ricardo Abramovay (economista) e José Eli Veiga (agrônomo e
economista) integram o rol dos que se preocupam com o futuro comum, sustentável de fato.

Assim, da derrocada do feudalismo à consolidação e aceleração do capitalismo, temos um longo


período de construção material (aparato produtivo ou território) e institucional (leis, tratados, protocolos
de intenções, acordos).

A perda do poder do senhor feudal e da Igreja acarretou ganhos de importância da nacionalidade


para as populações europeias, tendo como símbolo o monarca. Estava associada e foi motivada pela luta
por territórios e pela manutenção da identidade da nação pela língua, moeda e legislação nacionais,
além de por conquistas decorrentes da centralização do poder nos Estados-nação.

A Revolução Industrial na Inglaterra teve desdobramentos no século XIX, em especial no que diz
respeito à crise do capitalismo entre 1873 e 1893 e ao neocolonialismo. Como momentos agudos de
crises, citamos as duas Guerras Mundiais e a Crise de 1929.

A industrialização inglesa apoiou-se no setor têxtil, siderúrgico e de mineração de carvão.


Totalmente mecanizada, a fabricação de tecidos de algodão (acelerada pela utilização da lançadeira
volante e do tear mecânico) permitiu o incremento da produção e a exportação do produto. A
siderurgia possibilitou a construção de estradas de ferro, e a mineração do carvão (combustível da
máquina a vapor) acompanhou a expansão.

O imperialismo na África e na Ásia ocupava a agenda das potências ocidentais europeias e dos
Estados Unidos.

França Alemanha
Inglaterra Itália
Portugal Espanha
Bélgica Países
independentes

Figura 2 – A ocupação da África pelas potências europeias no século XIX

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Ou, ainda, na gravura:

Figura 3

A Ásia esteve bastante isolada dos europeus durante séculos. Os contatos comerciais, travados desde
a época moderna, restringiam-se a alguns portos.

No século XIX, essa situação se alterou e as potências estrangeiras passaram a disputar entre si para
ver quem conseguiria estabelecer zonas de influência no continente.

O novo colonialismo atingiu a Ásia com a dominação inglesa sobre a Índia. A partir de 1763, o
país foi administrado pelos ingleses, através da Companhia das Índias, que empreendeu a exploração
econômica e estendeu a ocupação para o interior. Em 1858, estourou a Revolta dos Cipaios, um
movimento de soldados hindus que serviam nos exércitos coloniais e lutavam para ter os mesmos
privilégios dos soldados ingleses. O levante, duramente reprimido, adquiriu aspectos sociais e assumiu
feições nacionalistas.

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Legenda
Potências coloniais em 1870

Ingleses

Franceses

Portugueses

Otomanos

Holandeses

Espanhóis

Russos

1846 Data do controle europeu


Estados principescos da Índia

Portos chineses abertos às potências imperialistas a partir de 1842

Figura 4

Crescia o interesse europeu pelos mercados asiáticos, que relutavam em abrir seus portos ao
comércio estrangeiro. As investidas diplomáticas europeias para penetrar nesses países se alternavam
com a força das armas.
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CIÊNCIA POLÍTICA

Na China, a Guerra do Ópio (1840-1842), motivada pela destruição de carregamento de ópio dos
ingleses que vinham fazendo esse comércio na região, permitiu à Inglaterra assumir o controle dos
importantes portos de Hong Kong, Xangai e Nanquim.

Com tais acontecimentos, outras expedições militares dos europeus levaram à abertura de novos
portos. A China acabou sendo dividida em áreas de influência entre Inglaterra, Rússia, Alemanha, França,
Itália e Japão. Em reação a essa invasão, uma sociedade secreta passou a efetuar atentados em ferrovias,
matando missionários e diplomatas ocidentais. Originou-se, assim, a Guerra dos Boxers (1898-1900),
que foi reprimida por tropas ocidentais, intensificando-se a influência europeia na China.

O Japão havia ficado isolado do Ocidente, pois receava ser dominado (invadido e controlado) pelas
potências europeias. Foi por essa razão que começou a estabelecer os primeiros tratados comerciais com
os EUA. A partir de 1860, japoneses foram enviados à Europa e aos EUA para estudar principalmente
ciência e tecnologia. Com isso, foi possível iniciar um processo de industrialização e modernização do
país, levando-o a participar da corrida imperialista na região e obter influência sobre parte da Coreia e
da Manchúria, área da porção nordeste da China.

A Revolução Industrial britânica não teria ocorrido sem a contribuição das condições fornecidas pela
indústria do algodão, ou seja, sua familiaridade com o ambiente fabril (e a necessidade dele derivada de
manutenção física das fábricas), o emprego de numerosa mão de obra e seu peso no montante total do
comércio inglês:

A indústria algodoeira foi assim lançada, como um planador, pelo empuxo


do comércio colonial ao qual estava ligada; um comércio que prometia uma
expansão não apenas grande, mas rápida e sobretudo imprevisível, que
encorajou o empresário a adotar as técnicas revolucionárias necessárias
para lhe fazer face. Entre 1750 e 1769, a exportação britânica de tecidos de
algodão aumentou mais de dez vezes (HOBSBAWM, 2010, p. 68).

Até mesmo a Índia deixou de representar um continente exportador e passou a ter o papel de
comprador dos produtos de algodão, já que perdia a corrida industrial. Pela primeira vez, invertia-
se a relação de comércio mantida por um longo período entre Oriente e Ocidente. À Inglaterra,
coube o monopólio do mercado exportador, sobretudo por meio dos acessos obtidos nas colônias,
que, por sua vez, passaram a depender das importações britânicas – ainda mais em períodos de
guerra na Europa. Hobsbawm (2010) nos relata que, em 1814, a exportação inglesa era de 4 jardas
de algodão para cada 3 jardas usadas internamente; em 1850, essa proporção subiu de 13 para
18 jardas

Do ponto de vista urbano-industrial, a paisagem inglesa transformou-se profundamente. Centenas


de fábricas se espalharam pelas cidades, e essas cidades aglomeravam-se cada vez mais.

As grandes potências avaliaram que a conquista de novas fatias de mercado só aconteceria caso
houvesse briga entre si.

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Contudo, como tais nações não queriam brigar, decidiram não competir. Você deve se
perguntar quais foram as estratégias formuladas pelas grandes empresas. Elas resolveram criar
trustes, grupos que reuniam entidades coligadas que recebiam parcelas dos lucros conforme a
porcentagem de participação. Quando os trustes foram declarados ilegais, criou-se o dispositivo
que permitia às organizações a compra de ações de outras empresas, em um verdadeiro processo
de fusão. Nos EUA,

só na manufatura e na exploração de minério, ocorreram 43 fusões em 1895


[...]; 26 fusões em 1896; e 69 em 1897. Em 1898, havia 303 – e finalmente,
em 1899, um clímax de 1208 fusões combinavam 2,26 bilhões de dólares em
ativos corporativos (HEILBRONER; MILBERG, 2008, p. 111).

Com o objetivo de firmar monopólios, o capitalismo (monopolista) tinha que resolver problemas, o
que explica a sucessão do colonialismo (produção) para o neocolonialismo (produção e consumo).

A premência em expandir os horizontes fez com que esses países dirigissem seus olhares para
territórios estrangeiros não industrializados. Os países centrais, interessados em controlar seu
próprio suprimento de matérias-primas para a produção monopolista, não mais encontravam
a segurança devida em seu fornecimento por meio das trocas comerciais existentes. Fazia-se
necessário para a manutenção da exploração capitalista, então, controlar as regiões de onde
provinham os recursos primários. Havia a preocupação, também, de aumentar a demanda cujo
consumo escoaria a produção em larga escala dos países industrializados. A desigualdade de
renda interna desses países não permitia a definição de um mercado que se encarregasse de
consumir a produção, e a competição internacional era inerente à exportação.

Assim, o neocolonialismo servia e respondia à “necessidade como frente de investimento dos


excedentes econômico-financeiros das economias industriais”. Daí, nessas condições, “a melhor
saída que se apresentava era a conquista de mercados externos, ainda que fosse pelo comércio, não
envolvendo dominação política”, ao menos não pelas armas, isto é:

O imperialismo levou à formação de grandes impérios coloniais [...], mas


essa foi apenas uma de suas formas de ação. Em muitas ocasiões não era
possível ou vantajoso submeter politicamente uma determinada região
ou país, às vezes nem sequer necessário. A evolução das forças produtivas
nas economias industrializadas fora tão grande e tão rápida, e o poderio
econômico desses países crescera de tal forma que as outras nações,
quisessem ou não, haviam passado a depender deles, e de seus grandes
monopólios (MAGALHÃES FILHO, 1991, p. 331).

Explorar economicamente países periféricos, entretanto, não era tarefa simples ou justa. A ação
capitalista trouxe consigo a responsabilidade pela dependência comercial, pela subjugação política e,
por vezes, pela eliminação da cultura e da população locais.

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Observação

Neocolonialismo é o terceiro componente fundamental do imperialismo


(os outros dois são o capitalismo monopolista e o oligopolista), ou seja, a
evolução do capitalismo contemporâneo. Assim, a divisão dos territórios
não industrializados pelas grandes potências no fim do século XIX e começo
do século XX segue se desdobrando, trazendo consequências negativas no
processo de desenvolvimento econômico dos países colonizados (ou cujo
mercado interno foi monopolizado) nos dias atuais. A África, em especial,
foi devastada por esse processo.

Saiba mais

Sobre o tema do colonialismo, do neocolonialismo e do imperialismo,


sugerimos os seguintes filmes:

DIAMANTE de sangue. Dir. Edward Zwick. EUA: The Bedford Falls/Virtual


Studios/Initial Entertainment Group, 2006. 143 minutos.

O MOTIM. Dir. Ketan Mehta. Índia: Inox Leisure. 2005. 150 minutos.

GANDHI. Dir. Richard Attenborough. Reino Unido; Irlanda do Norte:


Columbia Pictures, 1982. 191 minutos.

HOTEL Ruanda. Dir. Terry George. Reino Unido; Itália; África do Sul;
Estados Unidos: Lions Gate Entertainment/United Artists, 2004. 121 minutos.

Jeffry A. Frieden afirma que a corrida para a independência no período entre 1914 e 1945 não afetou
apenas a América Latina,

mas todo o mundo em desenvolvimento. A maior parte da África, do Oriente


Próximo e da Ásia continuava colonial. Nas colônias, o isolamento em relação
à economia mundial também estimulou a urbanização e a industrialização,
fortalecendo o comércio local e os interesses da classe média, enfraquecendo
também a economia exportadora. Esse isolamento arruinou os defensores
do sistema colonial e reforçou a influência dos que viam o colonialismo com
desconfiança ou hostilidade.

Na época da Segunda Guerra Mundial, os impérios europeus estavam no


auge; fora da América Latina, apenas alguns países pobres eram teoricamente

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independentes. Os franceses e os britânicos prometiam conceder direitos


adicionais aos seus subordinados mais rebeldes, e os Estados Unidos, a
independência das Filipinas. No entanto, os resultados ainda estavam por
vir. Em 1945, com exceção da América Latina, o mundo em desenvolvimento
continuava colonial e não havia perspectivas de mudança.

O colonialismo, contudo, entrou em colapso com uma velocidade


impressionante. Até 1965, havia desaparecido, apesar de algumas exceções
e do anômalo Império fascista Português, que resistiu por mais dez anos.
Alguns anos depois da Segunda Guerra Mundial, quase toda a Ásia colonial
tornou-se independente. Os japoneses saíram da Coreia e de Taiwan; os
franceses deixaram a Indochina; e os holandeses, as Índias Ocidentais.
Os protetorados franceses e britânicos no Oriente próximo (Síria, Líbano,
Israel e Jordânia) estavam todos livres. E o mais importante: a menina dos
olhos do Reino Unido, a Índia britânica, que havia se expandido do Irã ao
Laos, deu origem – após uma guerra sangrenta e mutuamente destrutiva – a
quatro nações livres: Índia, Paquistão, Burma e Sri Lanka. A maior parte do
norte da África se tornou independente durante a década de 1950. A partir
de 1957, a África subsaariana foi rapidamente liberada (com a exceção,
mais uma vez, das colônias portuguesas) e o mesmo ocorreu na Malásia,
última possessão na Ásia. Em meados da década de 1960, o controle norte-
americano sobre Porto Rico transformou os Estados Unidos na principal
potência colonial do mundo – embora o título fosse discutível. Tal situação
era irônica, dada a longa tradição anticolonialista no país. O fato de que 20
anos após a Segunda Guerra Mundial a maior colônia de uma das principais
nações do planeta ser não mais a Índia ou a Argélia, o Congo ou a Indonésia,
mas uma pequena ilha do Caribe, mostrava o quanto o mundo havia mudado.

[...]

A velocidade com que o colonialismo ruiu pode ser atribuída a uma série de
motivos. O primeiro foi a evolução social e política das sociedades coloniais.
Após 1914, a riqueza, o poder e a influência daqueles que rejeitavam ou
desejavam modificar a economia colonial clássica aumentavam de forma
contínua. Os mesmos processos econômicos e políticos que mudaram o
rumo do desenvolvimento latino-americano estavam em curso na Ásia e
na África: crescimento dos centros urbanos e industriais; insatisfação com
a produção de matérias-primas para exportação; e desejo por diversificação
e industrialização.

O colonialismo também fora destruído por problemas globais, que


isolaram as colônias do resto do mercado mundial, desorganizaram a
economia exportadora, estimularam a urbanização e a industrialização,
e consolidaram os interesses da classe média e dos comerciantes locais.
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CIÊNCIA POLÍTICA

As dificuldades econômicas do entreguerras enfraqueceram os colonialistas


e fortaleceram os incrédulos ou hostis ao colonialismo. Às vezes, os conflitos
entre as potências coloniais e os novos grupos sociais se transformavam
em rebeliões militares contra o regime, como na Indonésia e na Indochina.
Nos outros lugares, a ameaça de levantes anticoloniais refreou bruscamente
as ambições das grandes potências (FRIEDEN, 2010, p. 456-457).

Figura 5 – Os impérios

Lembrete

A Revolução Industrial na Inglaterra teve desdobramentos no século


XIX, em especial no que diz respeito à crise do capitalismo entre 1873 e
1893 e ao neocolonialismo.

Quanto aos mecanismos do processo de colonização ou conquista descritos por Jeffry A.


Frieden, destacamos:

Os colonizadores, então, tentaram suprir as demandas locais. A Índia, que já


havia conquistado o direito de decidir sobre suas próprias tarifas, conseguiu
estabelecer um governo quase autônomo em 1937. Outras possessões foram
contempladas com benefícios semelhantes para o poder local. No entanto,
para muitos dos líderes das colônias, isso apenas enfatizava a irrelevância da
ordem colonial. O controle imperial podia ser apenas aparente ou existir de
fato. Se o caso fosse o primeiro, não haveria razões para ser mantido; se o
caso fosse o segundo, haveria ainda mais motivos para que se abandonasse
a metrópole. Essa perspectiva se tornou especialmente atrativa quando a
população colonizadora, grande na Argélia, modesta na Rodésia e pequena
no Quênia, conseguiu adiar ou impedir as reformas. Se alguns poucos
milhares de colonos europeus no Quênia conseguiam impedir o Império

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Britânico de conceder direitos básicos aos africanos, por que um africano


não deveria considerar a colonização como nada mais que uma ferramenta
de opressão?

Também havia forças favoráveis às mudanças nas próprias potências


coloniais. Antes da Segunda Guerra Mundial, o colonialismo podia
ser justificado por argumentos econômicos e diplomáticos. Agora, as
justificativas geopolíticas não convenciam mais. A posição estratégica
da Grã-Bretanha, da França, da Holanda e da Bélgica era de se manter
debaixo do guarda-chuva nuclear norte-americano, e para tal não havia a
necessidade de possessões coloniais, também desestimuladas pelo próprio
dono do guarda-chuva. Do ponto de vista econômico, a importância das
colônias diminuiu de forma contínua após a guerra. Os europeus, cada vez
mais, trocavam mercadorias e investimentos com seus vizinhos e os Estados
Unidos. Além do mais, as colônias eram desprezíveis para as novas indústrias
que se tornaram importantes: automóveis, bens de consumo duráveis, aviões
e computadores. Como os investimentos estrangeiros haviam mudado de
direção – das matérias-primas e plantações para os produtos industriais –, o
apoio econômico ao regime colonial diminuiu ainda mais. As multinacionais
de produtos manufaturados pouco precisavam do colonialismo e, com
frequência, obtinham belos lucros com as altas tarifas impostas pelas nações
recém-independentes. Mesmo nos países onde o comércio colonial e os
investimentos continuavam interessantes, os Estados Unidos pressionavam
os europeus para que abrissem os mercados coloniais. E que bem econômico
seria uma colônia se era preciso compartilhá-la?

O motivo final e decisivo para a rápida marcha rumo à independência foi


a insistência norte-americana. Há décadas que os Estados Unidos eram
contra o colonialismo. Ideologia e moral devem ter influenciado a posição
do país, mas o autointeresse foi o principal motivo. Os Estados Unidos
entraram muito tarde na corrida colonial e quando o período chegou ao fim,
o país possuía muito poucas colônias. A exclusividade econômica colonial
atingiu duramente os produtos e o capital norte-americanos. Além disso, a
Guerra Fria também contribuiu para o anticolonialismo dos Estados Unidos.
A União Soviética possuía boas credenciais anticoloniais e usava os impérios
europeus para mostrar que o capitalismo ocidental dominava o mundo
em desenvolvimento. Após 1949, a voz da China passou a ser ouvida com
grande credibilidade na discussão, uma vez que o país foi um dos que mais
sofreu com o imperialismo ocidental. Como boa parte do mundo estava sob
o domínio colonial europeu, era difícil para os Estados Unidos argumentar
sobre os males do controle soviético. Quanto mais os europeus governavam,
mais eles empurravam os asiáticos e africanos na direção dos comunistas,
que estavam em busca de aliados (FRIEDEN, 2010, p. 458-459).

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Figura 6 – O império norte-americano

Ainda citando as palavras de Frieden:

O anticolonialismo norte-americano americano afetou as metrópoles


europeias, em especial durante a Crise de Suez. Em outubro e novembro
de 1956, tropas francesas, britânicas e israelenses atacaram o Egito,
aparentemente para tomar o Canal. Todavia, a verdadeira intenção era
derrubar o regime do nacionalista radical Gamel Abdel Nasser. A ação
enfureceu o secretário de Estado dos Estados Unidos John Foster Dulles,
mas não por qualquer simpatia por Nasser. A invasão fortaleceu o
argumento dos soviéticos e chineses, que desejavam convencer o mundo
em desenvolvimento da brutalidade e da injustiça do capitalismo. Da mesma
forma, provocou ainda mais irritação por ter ocorrido durante a ação
soviética para suprimir uma revolta anticomunista na Hungria, desviando a
atenção mundial de uma demonstração de brutalidade soviética para outro
exemplo de agressão ocidental. Na visão de Dulles, um mês que deveria
ter sido uma propaganda do triunfo ocidental acabara tornando-se um
desastre. Para piorar, a invasão anglo-franco-israelense aproximou o regime
egípcio ainda mais da União Soviética.

[...]

A Grã-Bretanha e a França logo se deram conta do quanto o peso econômico


norte-americano restringia as opções dos dois países. A crise levou a uma
desvalorização da libra e os Estados Unidos cortaram a ajuda financeira à

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Grã-Bretanha. O governo britânico, que cinco anos antes considerava o Egito


um protetorado eficiente, não tinha outra escolha a não ser reconhecer a
humilhação. Os ativistas anticoloniais se sentiram revigorados diante dessa
demonstração de impotência por parte do regime e, principalmente, por
causa do enfraquecimento da posição colonialista. Um ano mais tarde, Gana
foi o primeiro país da África subsaariana a se tornar independente da Grã-
Bretanha. Depois, em 1958, a Guiné francesa se libertou dos colonizadores.
À medida que o colapso colonial aumentava o impasse entre França e Argélia,
o sistema político francês se deteriorava. Charles de Gaulle, intimado a deixar
a nação africana, supervisionou a retirada da França da terra que sempre
considerou ser tão francesa quanto Marselha. Em quatro anos a partir da
Crise do Suez, toda a África francesa se tornou independente, e logo em
seguida o mesmo ocorreu com a britânica (FRIEDEN, 2010, p. 449-461).

7.2 Blocos, grupos e demais associações de poder por interesses, “espaço


interestatal”

As novas geopolíticas, não por coincidência surgidas na “era da globalização”


e enfraquecimento (relativo) dos Estados nacionais, normalmente não são
feitas “para o Estado” e tampouco o veem como o único ator na política
mundial. Novos atores ou sujeitos são levados em consideração, desde as
civilizações ou grandes culturas até as ONGs, passando pelas empresas multi
ou transnacionais, pelas organizações internacionais (ONU, OMC, FMI etc.)
e pelos “blocos” ou mercados regionais (União Europeia, Nafta, Mercosul
etc.). E novos campos de luta são agora vistos como importantes para a
compreensão das relações de poder no espaço mundial, desde a questão
ambiental (embates sobre o uso dos oceanos ou do espaço cósmico ao
redor do planeta, a emissão de gases do efeito estufa, os desmatamentos e
a perda de biodiversidade, o que é desenvolvimento sustentável etc.) até as
lutas pelos direitos das mulheres, de minorias étnico-nacionais, de grupos
com diferentes orientações sexuais, de povos sem território reconhecido, de
populações excluídas na sociedade global ou em sociedades nacionais etc.
(VESENTINI, 2012, p. 12).

Não deve escapar à vista que os blocos regionais mais representativos de hoje, os blocos econômicos,
já haviam sido alvo de atenção do grande estrategista Haushofer, que tinha por missão reconhecer e
estabelecer as racionalidades geográficas e políticas continentais (recursos, perfis e alcances de governos
e estados). Encontramos tais considerações em José William Vesentini (2012).

Os arranjos entre Estados nacionais e corporações foram feitos de modo a criar reservas de mercado
e concentração de poder: são os blocos políticos e econômicos. Sua configuração, como podemos ver
no mapa a seguir, toma boa parte do planeta.

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CIÊNCIA POLÍTICA

Figura 7

Vesentini (2012, p. 36) aponta os megablocos ou mercados regionais como sendo evocações, as
“mais populares, a respeito da disputa pelo poder no mundo pós Guerra Fria [...] é a dos megablocos ou
‘blocos regionais’”. E faz o adendo de que tal ideia (a dos blocos)

não tem propriamente uma paternidade ou um “teórico principal”, tal


como ocorre com outras ideias similares (a nova competição/cooperação
econômica, o choque de civilizações, a geoeconomia substituindo a
geopolítica ou o fim da história, por exemplo) (VESENTINI, 2012, p. 36).

O geógrafo afirma que a questão avançou ao longo da Guerra Fria e em meio as próprias
preocupações de organismos internacionais como a CEE (atual União Europeia), além dos meios de
propagação de informações e notícias.

A noção de fundo é a das transformações dos Estados nacionais, principalmente no que concerne à
sua relativização política no cenário global:

Essa interpretação consiste basicamente na ideia de que são os megablocos,


e não mais os Estados nacionais, que dominam o cenário mundial ou as
relações de poder no espaço planetário. Normalmente se divide o mundo em
três “blocos regionais” preponderantes: o americano (liderado pelos Estados
Unidos), o europeu, que incluiria a África (comandado pela Alemanha) e
o asiático ou “oriental”, que incluiria a Oceania (capitaneado pelo Japão
e/ou pela China). Também se especula a respeito de um “bloco” liderado pela

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Rússia (a CEI – Comunidade dos Estados Independentes) e de um potencial


ou hipotético “bloco islâmico”. O momento em que essa interpretação se
consolidou ajudou a elucidá-la. Foi por volta de 1989-1990, quando parecia
já certo o fim da bipolaridade e da disputa entre os “blocos da Guerra Fria”:
o capitalista, liderado pelos EUA, e o socialista, liderado pela ex-URSS. Assim
sendo, a primeira reação de alguns foi a de identificar “novos blocos” no
espaço mundial. E como já existia um crescimento econômico da Europa
Ocidental e do Japão, que desde os anos 1970 constituíam junto com os EUA
a chamada “tríade” do mundo capitalista, nada mais natural que substituir
os dois “blocos” da Guerra Fria pelos três “blocos” que aparentemente
dominariam o mundo pós Guerra Fria (VESENTINI, 2012, p. 36-37).

O autor explica que tal “interpretação” está baseada no “sucesso da integração europeia”, com
reprodução parcial em várias regiões, como Nafta, Mercosul, Apec e as tentativas de se criar a Alca (
Área de Livre Comércio nas Américas).

Nos anos 1980 alguns autores, e inúmeros jornalistas, falavam em


“fortaleza europeia”, sugerindo um progressivo fechamento do
continente com o avançar da integração. A partir daí, muitos começaram
a interpretar como “natural” a formação de mercados regionais nos
diversos continentes, vendo nesse processo o nascimento de uma nova
ordem geopolítica mundial “plural”, marcada pelas associações de países
ao redor de um Estado núcleo ou central. Alguns dos adeptos dessa
interpretação, exagerando a importância desses mercados regionais
(e inclusive homogeneizando-os, não percebendo as suas diferenças e
vendo todos a partir do prisma da União Europeia, o único que caminha
de fato no sentido de construir uma confederação), passaram a falar
numa “nova geografia regional do mundo” ou até mesmo em “blocos
internacionais de poder” [...] (VESENTINI, 2012, p. 37).

Apesar de termos fatos novos que atenuam (ou mudam, pelo menos) o ritmo da integração da União
Europeia – e o maior deles é o Brexit –, é preciso reconhecer a importância política e econômica dessas
entidades. Importância nem sempre medida em termos de produto financeiro das transações. E não
destacamos isso apenas por conta da saída dos britânicos, o valor da política ou da geopolítica é duvidoso,
pois, segundo Vesentini, nem sempre parceiros comerciais fecham questão em frentes diplomáticas
nas relações nacionais e internacionais; isto é, nem sempre suas posições políticas convergem, passo
fundamental para se tornarem agentes ou sujeitos coletivos de ações políticas, de fato, em bloco.

Do ponto de vista geopolítico, essa ideia de “blocos de poder” é


duvidosa, pois esses mercados regionais, ou áreas de livre-comércio, na
maior parte das vezes (Nafta, Apec, Alca), possuem uma coesão político-
diplomática menor ainda que um mercado regional, têm uma atuação
essencialmente comercial e, nos assuntos políticos e militares, eles – com
a exceção parcial da União Europeia – não atuam conjuntamente como
146
CIÊNCIA POLÍTICA

sujeitos. Os Estados Unidos, por exemplo, não têm a menor preocupação


em consultar seus parceiros do Nafta (e muito menos da virtual Alca)
ao liderarem incursões militares como a Guerra do Golfo, em 1991, ou
os bombardeios sobre a Sérvia em 1999, entre outros. E mesmo a União
Europeia, o exemplo mais acabado do que seria um “bloco” (e, pelo
menos até o momento, o único exemplo de fato), normalmente tem uma
atuação geopolítica dividida, com o Reino Unido de um lado (que quase
sempre se alinha aos Estados Unidos nos conflitos mundiais) e a França
do outro (que, dentro de certos limites, é o Estado mais eurocêntrico e
relativamente antinorte-americano).

Ademais, os avanços no processo de globalização relativizam esses mercados


pretensamente fechados. Existe sem dúvida uma globalização com
regionalização (que lhe é complementar, e não oposta), ou seja, a expansão
da interdependência econômica não se dá por igual em todas as partes
do globo, e sim por degraus ou etapas, primeiramente – e de forma mais
acelerada – entre associados em algum mercado regional, em especial se
forem economias desenvolvidas. Esses mercados regionais são na realidade
a forma pela qual a globalização avança, e não uma nova divisão do mundo
ou um fechamento dos continentes em “blocos” alternativos (VESENTINI,
2012, p. 38-39).

O que foi o Brexit?

No dia 23 de junho de 2016, os cidadãos da Grã-Bretanha foram às urnas votar o referendo que
decidiria a saída ou permanência do Reino Unido na União Europeia. A opção pela saída foi vitoriosa,
com cerca de 17,4 milhões de votos. O anseio dos defensores dessa saída ficou caracterizado pela
expressão Brexit, que é uma abreviação das palavras inglesas Britain (Bretanha) e exit (saída).

A vitória pela saída do Reino Unido da União Europeia também resultou no pedido de demissão
do primeiro-ministro britânico David Cameron, que advogava contra a saída. Foi Cameron que, ao ser
eleito primeiro-ministro em 2015, fez a promessa de realizar o referendo como forma de lidar com
a pressão de seus oposicionistas, isto é, do Partido Conservador inglês e do Ukip (United Kingdom
Independence Party – Partido da Independência do Reino Unido).

Compreender a importância do Brexit no cenário internacional requer uma introdução sobre a


formação da União Europeia (a união aduaneira mais representativa) e sobre a relação que manteve
com o Reino Unido.

A União Europeia é uma associação política e econômica de 28 países do


continente europeu (27 agora, com a saída do Reino Unido) que surgiu
em 1957, por meio do Tratado de Roma, sob a alcunha de Comunidade
Econômica Europeia (CEE). Os objetivos mais óbvios da então CEE eram:
integrar política e economicamente a Europa e evitar novas guerras (como
147
Unidade III

as duas guerras mundiais) que derivassem da rivalidade nacionalista dos


países europeus.

Além do Tratado de Roma, de 1957, que criou a CEE e instituiu o Mercado


Comum Europeu, a União Europeia foi sendo gradativamente articulada
por outros tratados. Os principais foram: o Tratado de Maastricht, de
1992, que estabeleceu a união monetária e resultou na criação da moeda
Euro; o Tratado de Amsterdã, de 1997, que instituiu a Política Estrangeira
de Segurança Comum (Pesc); a Constituição Europeia, de 18 de junho de
2004; e o Tratado de Lisboa, de 2007, assinado no dia 13 de dezembro, que
reformou alguns pontos da Constituição Europeia.

Além disso, a União Europeia é também composta de quatro instituições


políticas principais: o Parlamento Europeu, o Tribunal de Justiça da União
Europeia, a Comissão Europeia e o Conselho Europeu (FERNANDES, 2016).

Observação

O ingresso do Reino Unido na CEE ocorreu em 1º de janeiro de 1973, e


de prontidão já houve discussões intensas tanto entre a população quanto
entre os políticos a respeito da perda da soberania nacional e da ameaça de
o Reino Unido ter que cobrir gastos irresponsáveis de outros membros da
Comunidade. Esse impasse só foi resolvido com um referendo realizado em
5 de junho de 1975, que ratificou a permanência do Reino Unido no bloco,
com 67,2% dos votos válidos.

O fato é que os ingleses, mesmo permanecendo no bloco, sempre foram reticentes com a estrutura
supranacional da União Europeia. A recusa em integrar a “zona do Euro”, isto é, em submeter a moeda
nacional, libra esterlina, à zona comum da moeda da UE, era um sintoma flagrante disso.

Cláudio Fernandes (2016) acentua que há opiniões a favor e contrárias ao Brexit:

Com a aprovação da saída da União Europeia, um dos nomes de maior vulto


será o do parlamentar Boris Johnson, ex-presidente da Câmara dos Lordes
e chefe da campanha pró-Brexit. Johnson foi um dos parlamentares que
mais criticaram as políticas da UE, acusando-as de invadir a vida particular
dos cidadãos europeus e violar a soberania dos países-membros por meio
do que ele qualificou como “superestado de Bruxelas” (Bruxelas, capital da
Bélgica, é o centro de decisões da UE). Além de Johnson, Nigel Farage, líder
do Ukip (United Kingdom Independence Party – Partido da Independência
do Reino Unido) e defensor ferrenho das posições anti-imigração, também
é uma das figuras que tendem a ter maior projeção no contexto político
britânico daqui para frente.
148
CIÊNCIA POLÍTICA

Por outro lado, David Cameron, do Partido Conservador, e líderes de


países‑membros da União Europeia, como a premiê da Alemanha,
Angela Merkel, lamentaram a saída do Reino Unido. Julgaram tal fato
como extremamente prejudicial à integração da Europa e à situação dos
imigrantes que vivem na Inglaterra.

O Brexit foi decidido em um plebiscito de 2016, motivado pela aversão à entrada de migrantes e pela
intenção do Reino Unido em retomar as rédeas de sua economia (BERCITO, 2018).

Assim, a tal “bloquização” ou formação de blocos regionais está vinculada tanto aos processos
de reconfiguração do capitalismo internacional quanto a aspectos culturais próprios das formações
nacionais, com suas histórias peculiares.

Conforme Bercito (2018), os eventos que culminam na globalização do capital do século XX são
decorrentes de convenções e acordos que visaram corrigir rumos da institucionalização e manutenção
da “economia internacional”.

Desse modo, Bretton Woods, Consenso de Washington e as reuniões do FEM (Fórum Econômico
Mundial) são representantes dos ajustes requeridos pelos agentes do “sistema”.

Seguindo a cadeia de acontecimentos ocasionada pela Crise de 1929 e ainda sob os efeitos
catastróficos causados pela Segunda Guerra Mundial, os países industrializados acordaram normas
para a “paridade cambial”, indexando as moedas ao dólar, ancorando este na conversibilidade ao ouro
(padrão-ouro). É dessa época o surgimento do Banco Internacional de Reconstrução de Desenvolvimento
(Bird), integrante do Banco Mundial, e do Fundo Monetário Internacional (FMI), como mais um dos
resultados de Bretton Woods.

Conforme Manzalli e Gomes (2006, p. 89-90):

[...] o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional são dois importantes


organismos criados para promover a coordenação de políticas entre países,
notadamente na área financeira, mas muitas vezes tal coordenação
ocorre em detrimento de interesses de sociedades. Com o avanço do
comércio de longa distância na Europa, surge certa tendência de que as
coordenações financeiras, predominantemente administradas por famílias
dos comerciantes locais, passem a desempenhar um papel primordial na
definição dos interesses políticos e econômicos de diversos grupos no
continente. Com o tempo, o desenvolvimento do comércio privado de
moedas e instrumentos financeiros.

Um instrumento eficaz foi o Plano White, que se ocupava do funcionamento do comércio


internacional. Assim, foram criados o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. As
medidas adotadas foram as do Plano White.

149
Unidade III

Conforme Sandroni (1996), a criação do FMI, em 1944, foi impulsionada pela tentativa de promover
a cooperação monetária entre todos os países do mundo, o que ocorreu devido à necessidade de
equilibrar paridades monetárias justas entre diferentes moedas, evitando desvalorizações concorrenciais
e formando um grande fundo com recursos dos países-membros. Esses recursos seriam usados para
beneficiar nações com dificuldade nos pagamentos internacionais, sobretudo aquelas com recorrentes
déficits em sua conta de transações correntes.

Uma das principais funções do Fundo era regular as paridades das moedas.
Tinha o objetivo essencial de presidir um regime internacional de câmbio
praticamente fixo, promovendo a cooperação monetária internacional
mediante uma instituição permanente que servisse de mecanismo para
consulta e colaboração sobre problemas monetários. Em seu instrumento
constitutivo estabeleceu-se, ainda, que recursos financeiros do Fundo seriam
oferecidos temporariamente aos países-membros para proporcionar-lhes
oportunidades de corrigir desequilíbrios no seu balanço de pagamentos,
sem recorrer a desvalorizações cambiais, consideradas destrutivas da
prosperidade internacional (MANZALLI; GOMES, 2006, p. 96).

Lembrete

Os arranjos entre Estados nacionais e corporações foram feitos de


modo a criar reservas de mercado e concentração de poder: são os blocos
políticos e econômicos.

7.2.1 Governança supranacional: a Organização das Nações Unidas

Antes de começar a falar sobre Governança Global, é preciso entender


como este conceito vem sendo utilizado. A Comissão sobre Governança
Global da ONU define governança como “a soma das várias maneiras
de indivíduos e instituições, público e privado, administrarem seus
assuntos comuns. É um processo contínuo por meio do qual conflito
ou interesses diversos podem ser acomodados e a ação cooperativa tem
lugar... No nível global, governança era vista primeiramente como sendo
apenas as relações intergovernamentais, mas hoje já pode ser entendida
como envolvendo organizações não governamentais, movimentos de
cidadãos, corporações multinacionais e o mercado de capitais global”
(ABREU, 2001, p. 2).

Em sentido lato, voltando-se para a dimensão produtiva da governança,

Assume-se que o conceito tradicional de governança (coordenação de


transações) não supera as limitações da chamada governança corporativa
(propriedade e gestão de empresas), e deve ser conectado com a lógica
150
CIÊNCIA POLÍTICA

da coordenação institucional (meso e macro), especialmente presente nos


sistemas produtivos e inovativos (BARBOSA, 2003, p. 8).

Também é geral a abordagem sobre as atribuições dos agentes estatais e não estatais nas relações
internacionais sob a globalização do capital:

O fenômeno da globalização, entendido como um processo não


exclusivamente econômico, mas também que envolve aspectos sociais,
culturais, políticos e pessoais, recolocou, de maneira dramática, as relações
entre sociedade e Estado. Trouxe como consequência uma mudança no papel
do Estado nacional (não sua extinção, mas certamente uma reconfiguração)
e suas relações no cenário internacional. Impulsionou, portanto, a discussão
sobre os novos meios e padrões de articulação entre indivíduos, organizações,
empresas e o próprio Estado, deixando clara a importância da governança
em todos os níveis (GONÇALVES, 2006, p. 4).

Ngaire Woods (apud ABREU, 2001, p. 6-7) apresenta três princípios fundamentais da boa governança
de organizações internacionais. Segundo o autor, são:

– O da participação (a participação nos processos daria às pessoas o


senso de propriedade ou autoria de um projeto) requer muito mais do
que envolvimento institucional, pois as partes afetadas devem encarar as
decisões organizacionais como suas próprias.

– O da responsabilidade (clareza sobre para quem ou em prol de que a


instituição está tomando e implementado decisões, prestando contas ou
respondendo não apenas para seus Estados membros, mas também para
organizações não governamentais – accountability).

– O da justiça, que tem dois aspectos: procedimental e substantivo, sendo a


justiça procedimental uma noção legalista, enquanto a justiça substantiva
refere-se a quão equitativo são os resultados de uma instituição, a quão
igualitária é a distribuição de poder, influência e recursos nas organizações.

Retomando o foco na dimensão política, destacamos:

Feita a distinção entre governabilidade e governança, fica claro que [...]


“governança não é o mesmo que governo” [...] “governo sugere atividades
sustentadas por uma autoridade formal, pelo poder de polícia que
garante a implementação das políticas devidamente instituídas, enquanto
governança refere-se a atividades apoiadas em objetivos comuns, que
podem ou não derivar de responsabilidades legais e formalmente prescritas
e não dependem, necessariamente, do poder de polícia para que sejam
aceitas e vençam resistências”. Vale notar ainda que a governança é um
151
Unidade III

conceito suficientemente amplo para conter dentro de si a dimensão


governamental [...]. “Governança é um fenômeno mais amplo que governo;
abrange as instituições governamentais, mas implica também mecanismos
informais, de caráter não governamental, que fazem com que as pessoas
e as organizações dentro da sua área de atuação tenham uma conduta
determinada, satisfaçam suas necessidades e respondam às suas demandas’
(GONÇALVES, 2006, p. 5).

Analisando o campo internacional, cuja dinâmica é a da globalização, caberiam algumas palavras


sobre o papel do Estado na governança:

A globalização, como um fenômeno multidimensional que envolve a


mudança na organização da atividade humana e no deslocamento do poder
de uma orientação local e nacional no sentido de padrões globais, com uma
crescente interconexão na esfera global, dá outra pista importante para
o conceito de governança [...]. Com a diminuição dos poderes soberanos
nacionais, a partir da emergência de organizações supranacionais, e com
a presença crescente das Oings (Organizações Não Governamentais
Internacionais) e empresas multinacionais, o balanço do poder e o conceito
de poder político alterou-se de forma significativa.

Assim, estaríamos assistindo à mudança do governo para a governança


global. “Estes processos limitaram a competência, mandato e autoridade dos
Estados nacionais – o declínio do governo – enquanto outras instituições,
como organizações internacionais e supranacionais, Oings e empresas
multinacionais preencheram este vácuo de poder – a emergência da
governança Global” [...] (GONÇALVES, 2006, p. 4).

O Banco Mundial é uma instituição financeira internacional ligada à Organização das Nações Unidas
(ONU) e também criada em 1944 que tinha como propósito o financiamento de projetos de recuperação
e de promoção de desenvolvimento econômico dos países atingidos pela guerra (SANDRONI, 1996).

Na prática, essa função ficou a cargo do chamado Plano Marshall, e o banco passou a lidar de
modo crescente com o tema do desenvolvimento econômico e a atuar, sobretudo, com os países
subdesenvolvidos. Formalmente, seu intuito era canalizar capital para investimentos que permitissem
elevar a produtividade das empresas, o padrão de vida das pessoas e as condições de trabalho
nos países-membros. Assim, a preocupação primordial do Banco Mundial seria aquela ligada à
melhoria das condições de vida da população, quer dizer, às questões de cunho qualitativo (e não
quantitativo-financeiro, a exemplo do FMI).

Conforme salientam Manzalli e Gomes (2006, p. 95), o objetivo básico do Banco Mundial era o de
auxiliar a reconstrução e o desenvolvimento de territórios dos países-membros atingidos pela destruição
da guerra. Esse objetivo deveria ser atendido por meio de atividades dedicadas a:

152
CIÊNCIA POLÍTICA

– prover capital para fins produtivos;

– promover o investimento externo privado;

– complementar o investimento privado mediante o fornecimento de capital


para fins produtivos;

– promover o crescimento equilibrado de longo prazo do comércio internacional;

– manter o equilíbrio nos balanços de pagamento mediante o incentivo


internacional a investimentos para o desenvolvimento de recursos produtivos.

Os Estados-nação, Estados territoriais modernos, constituem a base jurídica, política e econômica


das relações internacionais, sejam elas profícuas ou não. Assim, estão também na base da economia
mundial, ou melhor, entre os Estados com saldos mínimos para liquidarem suas dívidas. No texto em
destaque a seguir, Milton Santos convida à dialética.

O capitalismo tem por vocação a internacionalização e esta, perseguindo seu projeto de mundialização,
desdobra-se nas redes de lugares da globalização (SANTOS, 1988).

A dimensão material do desenvolvimento capitalista ampara-se nas redes de transporte,


dados e informações (e seu gerenciamento, a logística), cuja marca principal é a concentração e
expressão territorial.

Para entender tanto a gênese quanto a consolidação das formas capitalistas, é preciso considerar em
nosso raciocínio uma série de instrumentos eficazes à propagação do sistema, a exemplo da restrição
democrática à propriedade, em geral, e da terra, em particular; isso, em razão da necessidade de liberar
o trabalho de seus afazeres particulares para o assalariamento.

“Tornou-se claro para os que desejavam reproduzir as relações capitalistas de produção no novo país
que a pedra fundamental de seus esforços devia ser a restrição da propriedade da terra a uma minoria e
a exclusão da maioria quanto a qualquer participação na propriedade” (DOBB, 1986, p. 160).

O texto a seguir, de Milton Santos, apresenta-nos as dimensões de projeto, processo e de objetivo da


racionalidade capitalista de modo bastante claro.

Capítulo l – A redescoberta e a remodelagem do planeta no período


técnico‑científico e os novos papéis das ciências

Entre os múltiplos aspectos do período atual, é obrigatório reconhecer as relações entre


as condições de realização histórica e a nova revolução científica. Essa revolução histórica
e científica atribui às ciências do homem e da sociedade um lugar ainda mais privilegiado
no conjunto dos conhecimentos. Num mundo assim reestruturado, um papel particular
deve incumbir à ciência geográfica – uma ciência do espaço do homem – e devemos
153
Unidade III

interrogar-nos sobre os problemas que, nessa ótica, se abrem à sua realização, diante do
conflito entre tudo o que acarretam os novos conteúdos prometidos à atualização da
disciplina e suas atuais estruturas.

Pode-se pensar que a inércia se imporá ao movimento, impedindo-lhe o desenvolvimento,


ou se deve acreditar que uma geografia renovada poderá afirmar-se?

1. Da internacionalização à globalização

Não sem razão, K. Polanyi falou de uma “grande transformação” para saudar as
profundas mudanças impostas à nossa civilização desde o início do século1. Que dizer,
então, da verdadeira subversão que o mundo conheceu a partir do fim da Segunda Guerra
Mundial, quando, por intermédio da globalização, uma fase inteiramente nova da história
humana teve início?

Essa civilização repousava sobre quatro instituições. A primeira era o sistema de equilíbrio
de forças que durante um século permitiu evitar a deflagração de grandes e devastadoras
guerras entre as Potências. A segunda foi o padrão-ouro como referência internacional,
que simbolizava a organização única da economia mundial. A terceira era o mercado
autorregulado que gerou um bem-estar sem precedentes. A quarta era o Estado liberal.
Segundo uma certa classificação, duas delas eram nacionais, e as duas outras internacionais.
Juntas, determinaram as grandes linhas da história de nossa civilização”. POLANYI, K. A The
Great Transformation (1944). Bos-on, Beacon, 1957, p. 2.

Decerto, o que estamos vivendo agora foi longamente preparado, e o processo de


internacionalização não data de hoje. O projeto de mundializar as relações econômicas,
sociais e políticas começa com a extensão das fronteiras do comércio no princípio do século
XVI, avança por saltos através dos séculos de expansão capitalista para finalmente ganhar
corpo no momento em que uma nova revolução científica e técnica se impõe e em que as
formas de vida no planeta sofrem uma repentina transformação: as relações do Homem
com a Natureza passam por uma reviravolta, graças aos formidáveis meios colocados à
disposição do primeiro. Houve mudanças qualitativas surpreendentes, a mais notável
das quais foi a possibilidade de tudo conhecer e tudo utilizar em escala planetária, desde
então convertida no quadro das relações sociais. Pode-se falar de mundialização, enquanto
[outrora] se tratava de mera internacionalização2.

1
A civilização do século XIX naufraga. Este livro trata das origens políticas e econômicas do acontecimento e da
grande transformação que o seguiu.
2
O sistema capitalista foi sempre um sistema mundial. Não poderemos compreendê-lo se excluirmos a interação
entre o efeito interno de uma de suas partes e os efeitos externos sobre essa parte. Por isso a contribuição daqueles
que enfatizaram o papel da periferia no estabelecimento do capitalismo desde o seu início não é nem pequeno nem
suplementar [...]” (AMIN, S. 1980, p. 187).
154
CIÊNCIA POLÍTICA

“Embora tenha sido sempre um sistema mundial, o sistema capitalista passou por
diversos estágios [...]” (AMIN, S. 1980, p. 188).

Dado o novo alcance da história, importa “rever totalmente toda a estrutura dos
postulados e preconceitos nos quais assentava a nossa visão do mundo”, nas palavras de G.
Barraclough (1965, p. 10). Mais recentemente, Katona e Strumpel (1978, p. 2-3) criticam uma
visão econômica pouco penetrada pelas novas realidades, lamentando que fatores como as
finanças sejam ainda estudados num quadro puramente nacional, e não em seu contexto
global. A sociologia, tal como foi fundada na segunda metade do século XIX, deveria ser
substituída, segundo A. Bergensen (1970, p. 1), por uma “visão sistemática mundial”, mais
adaptada às novas realidades.

Mas será possível afirmar a existência desse sistema mundial (BERGENSEN; SCHOENBERG,
1980), chame-se ele sociedade mundial (PETTMAN, 1979) ou sistema global (MODELSKI,
1972)? Isso resultaria da interconexão sob todos os pontos de vista, entre as mais afastadas
e disparatadas sociedades nacionais, por força das novas condições de realização da vida
social, ou seja, de uma divisão mundial capitalista do trabalho, fundada no desenvolvimento
das forças produtivas em escala mundial e conduzida através dos Estados e das corporações
gigantes ou firmas transnacionais3.

A universalização do mundo pode ser constatada nos fatos. Universalização da


produção, incluindo a produção agrícola, dos processos produtivos e do marketing.
Universalização das trocas, universalização do capital e de seu mercado, universalização
da mercadoria, dos preços e do dinheiro como mercadoria-padrão, universalização
das finanças e das dívidas, universalização do modelo de utilização dos recursos por
meio de uma universalização relacional das técnicas, universalização do trabalho, isto
é, do mercado do trabalho e do trabalho improdutivo, universalização do ambiente
das firmas e das economias, universalização dos gostos, do consumo, da alimentação.
Universalização da cultura e dos modelos de vida social, universalização de uma
racionalidade a serviço do capital erigida em moralidade igualmente universalizada,
universalidade de uma ideologia mercantil concebida do exterior, universalização do
espaço, universalização da sociedade tornada mundial e do homem ameaçado por
uma alienação total.

3
Na fase do monopólio múltiplo transnacional, o desenvolvimento das forças produtivas ocorre na escala do
planeta. A divisão mundial capitalista do trabalho daí decorrente é ao mesmo tempo uma especialização adiantada e
uma integração. A possibilidade concreta de localizar ramos, processos, fábricas, explorações econômicas, de utilizar redes
de transporte e de comercialização, de obter de toda parte informações praticamente instantâneas e de processá-las
eletronicamente nesses centros estrategicamente distribuídos, de influenciar de maneira decisiva nas determinações
políticas nacionais ou multinacionais, de mobilizar rapidamente funcionários e agentes através do mundo, tudo isso
transforma as corporações múltiplas em fatores poderosos de uma combinação complexa das forças produtivas, com
variáveis muito numerosas e parâmetros operacionais que atuam em variados níveis de agregação” (MAZA ZAVALA, D.
1976, p. 43).
155
Unidade III

Vivemos num mundo em que a lei do valor mundializado comanda a produção total, por
meio das produções e das técnicas dominantes, aquelas que utilizam esse trabalho científico
universal previsto por Marx. A base de todas essas produções, também ela, é universal, e sua
realização depende doravante de um mercado mundial.

Será que essa mundialização é completa? Para muitos, não haveria, por exemplo,
mundialização das classes sociais [...] nem uma moralidade universal, ainda que fosse a
moralidade dos Estados. Se as firmas multinacionais criam em toda parte burguesias
transnacionais [...], e se instituições de natureza semelhante estão presentes em todos os
países, as classes são ainda definidas territorialmente, assim como as aspirações e o caráter
de um povo ainda o são em razão das heranças históricas. Os Estados, cujo número se
multiplicou devido às novas condições históricas, constituem um sistema mundial, mas
individualmente eles são, ao mesmo tempo, uma porta de entrada e uma barreira para as
influências exógenas. Sua ação, embora autoritária, assenta nas realidades preexistentes e
por isso jamais induz uma mundialização completa das estruturas profundas da Nação. Mas
isto não basta para impedir que se fale de globalização. Hoje, o que não é mundializado é
condição de mundialização.

2. Um período técnico-científico?

E possível discordar quanto à denominação e às características do atual período


histórico. Nós o vivemos, e nada é mais difícil que definir o presente. Porém já sabemos
que nossa época implicou uma revolução global não totalmente acabada, mas cujos
efeitos são perceptíveis em todos os aspectos da vida. Como disse Lucien Goldmann,
“[...] a partir da Segunda Guerra Mundial, torna-se cada vez mais evidente para os
pesquisadores sérios que temos um terceiro tipo de capitalismo, para o qual se emprega
toda uma série de expressões: capitalismo de organização, sociedade de massa etc.
Trata-se, sempre, do capitalismo, sem dúvida, mas mudanças essenciais surgiram”.
Nossa época sugere que devemos ter bem presente no espírito a advertência de Marx,
para quem “o destino das novas criações históricas é o de serem consideradas como
se nada mais fossem que uma contrapartida das formas antigas e mesmo defuntas da
vida social, às quais se assemelham”.

Acreditamos, como tantos outros, que as perturbações que caracterizam esta fase
da história humana decorrem em grande parte dos extraordinários progressos no
domínio das ciências e das técnicas. Estaríamos no período do capitalismo tecnológico
[...], ou da sociedade tecnológica [...]. Sem dúvida, podemos perguntar-nos, de um lado,
se o desenvolvimento econômico não dependeu sempre do progresso científico [...], ou
lembrar, como fez E. Mandel (1980), que esta é apenas a terceira revolução científica;
e, por outro lado, seria bom levantar com frequência a questão: “As máquinas fazem
a história?” Há os que creem numa espécie de determinismo tecnológico e os que se
põem em guarda contra todo risco implícito na crença em uma “ilusão tecnológica”.
Preferimos a companhia destes últimos, sem com isso minimizar o papel fundamental
desempenhado pelos progressos científicos e técnicos nas transformações recentemente
156
CIÊNCIA POLÍTICA

sofridas pelo planeta. Esta “transformação total dos fundamentos da vida humana” de
que fala Bernal teria sido impossível de outra forma.

Trata-se agora de [uma] verdadeira interdependência entre a ciência e a técnica,


contrariamente ao que acontecia outrora. De fato, como observou R. Richta, hoje “a ciência
precede a técnica” [...], embora sua realização lhe seja cada vez mais subordinada. A tecnologia
daí resultante é utilizada em escala mundial, e nada mais conta a não ser uma busca
desenfreada do lucro, onde quer que as condições o permitam. Este é um dado fundamental
da situação atual. O fato de a tecnologia ter se tornado um elemento exógeno para grande
parte da humanidade [...] acarreta consequências de enorme alcance, já que sua utilização
universal, quase sempre sem relação com os recursos naturais e humanos locais, é causa de
graves distorções. Ora, tudo isso só foi possível porque o trabalho científico foi praticamente
colocado a serviço da produção. A ciência tem, doravante, um papel produtivo [...].

3. Mundialização perversa e perversão das ciências

A mundialização que se vê é perversa [...]. Concentração e centralização da economia e


do poder político, cultura de massa, cientificização da burocracia, centralização agravada
das decisões e da informação, tudo isso forma a base de um acirramento das desigualdades
entre países e entre classes sociais, assim como da opressão e desintegração do indivíduo.
Desse modo, compreende-se que haja correspondência entre sociedade global e crise global.
É igualmente compreensível, mas lamentável, que esse movimento geral tenha atingido a
própria atividade científica.

A redescoberta do planeta e do homem, isto é, a amplificação do saber que lhes diz


respeito, são apenas os dois termos de uma mesma equação. Essa equação é presidida
pela produção em suas formas materiais e imateriais. Os conhecimentos atuam sobre os
instrumentos de trabalho, impondo-lhes modificações não raro brutais e produzindo males
ou benefícios, segundo as condições de utilização.

Quando a ciência se deixa claramente cooptar por uma tecnologia cujos objetivos
são mais econômicos que sociais, ela se torna tributária dos interesses da produção e dos
produtores hegemônicos e renuncia a toda vocação de servir a sociedade. Trata-se de um
saber instrumentalizado, [no qual] a metodologia substitui o método.

Um saber comprometido com interesses e institucionalizado em razão de


conhecimentos estritamente delimitados acaba por sofrer uma fragmentação cujo
resultado é não a autonomia desejável das disciplinas científicas, mas a sua separação.
A evolução econômica agrava essa distância e nos afasta cada vez mais de um enfoque
global e da visão crítica que ele permite. Então, o trabalho do cientista se vê despojado
de seu conteúdo teleológico e deve ser feito segundo uma ótica puramente pragmática
para atender aos que pedem as pesquisas ou dirigem as instituições de ensino. Quando
o trabalho científico deve atender a objetivos utilitariamente estabelecidos, temos
diante de nós o divórcio entre a teoria e a práxis (GOULDNER, 1976). Daí a possibilidade
157
Unidade III

de um sucesso prático das teorias falsas (BUNGE, 1968). Eis por que já se falou, e com
razão, de uma perversão da ciência4.

As ciências sociais não fazem exceção nesse contexto. O mesmo movimento também
as deformou e descaracterizou. Nunca é demais insistir no risco representado por uma
ciência social monodisciplinar, desinteressada das relações globais entre os diferentes
vetores de que a sociedade é constituída como um todo. Pode-se talvez encontrar uma
das principais causas da crise atual das ciências sociais em sua insalubridade. Boa parte da
produção intelectual nesse domínio despreza os estudos mundiais globalizantes. Esse atraso
em relação ao mundo é uma das marcas desse desatino das ciências humanas. Incapazes
de apreender a separação entre princípios e normas (CATEMARIO, 1968, p. 74) e por isso
mesmo empobrecidas, não surpreende constatar as múltiplas formas de sua submissão a
interesses quase sempre inglórios do mundo da produção. Elas se põem, por vezes sem
julgamento crítico, a serviço do marketing, daquilo que se chama relações humanas, de toda
sorte de social engineering e de produção, sob encomenda das ideologias [...], reduzindo
assim gradualmente suas possibilidades. Desse modo, as ciências sociais se interessam por
uma amostragem tendenciosa das contradições mais importantes; o Estado e as firmas
transnacionais, o Estado e a nação, o crescimento e o empobrecimento, o Leste e o Oeste,
o desenvolvimento e o subdesenvolvimento etc., de modo a ocultar as causas reais e os
resultados previsíveis dos encadeamentos entre fenômenos.

Assim, reduzindo seu alcance e fragmentando seu campo de ação, elas se


internacionalizam, tornando-se incapazes de uma visão mundial e crítica. Os excessos de
especialização e a perda de ambição de universalidade são dois aspectos de uma mesma
questão e permitem a utilização perversa das ciências sociais.

A geografia não escapa a essa tendência. Desenvolvida parcialmente sob o signo do


utilitarismo, fundada na economia neoclássica – portanto aespacial –, ela era chamada a
negar-se a si mesma. Por isso ela conta entre suas fraquezas o fato de não ter um objeto
claramente definido e a pobreza teórica e epistemológica sobre a qual repousa sua prática. A
inexistência de um sistema de referências mais sólido, de resto, explica o papel de relevo que
essa disciplina desempenhou na reorganização não igualitária do espaço e da sociedade,
tanto ao nível mundial como no local.

4. As possibilidades entreabertas às ciências do homem

Embora assinalado por atividades quase sempre desviadas para preocupações imediatistas e
utilitaristas, o atual período histórico encerra igualmente o germe de uma mudança de tendência.

4
Um traço notável do período atual é que as análises vivamente críticas da empresa científica vêm de universitários
respeitáveis, cujo radicalismo é moderado ou nulo. Essa crítica da ciência, respeitável e feita do interior, exprime a nova
consciência da ciência e o abandono de sua segurança de outrora. Quando se consideram as declarações de porta-vozes da
ciência, fica-se chocado por seu caráter de propaganda. [Milton Santos lembra que, para os grandes cientistas do século
XIX], o cientista era um exemplo das maiores virtudes intelectuais e morais” [...] (RAVETZ, J. P. 1977, p. 79).
158
CIÊNCIA POLÍTICA

Se, por um lado, a ciência se torna uma força produtiva, observa-se, por outro, um aumento da
importância do homem – isto é, de seu saber – no processo produtivo. Esse saber permite um
conhecimento mais amplo e aprofundado do planeta, constituindo uma verdadeira redescoberta
do mundo e das enormes possibilidades que ele contém, visto ser revalorizada a própria atividade
humana. Só falta colocar esses imensos recursos a serviço da humanidade.

Trata-se de uma tarefa de longo fôlego, mas não impossível, que supõe a existência de
uma ciência autônoma, conforme a definiu R. Wuthrow (1980, p. 30).

No momento, as condições locais de realização da economia internacional acabam por dar a


primazia ao imperativo tecnológico, a conjuntos técnicos considerados como fixos, pois a própria
ciência econômica parece organizar seus postulados [pautada em] equações técnicas rígidas.
Cumpre agora chegar a uma liberação desse imperativo tecnológico e subordinar as escolhas
técnicas a finalidades bem mais amplas que a própria economia. Vê-se, assim, que não se trata
absolutamente de uma questão técnica nem do domínio das ciências exatas, pois o problema diz
respeito às ciências sociais, cuja responsabilidade se vê assim aumentada.

Conquanto imposta por necessidades históricas, a redescoberta da natureza e do


homem deve ser creditada, sobretudo às disciplinas naturais, biológicas e exatas, ou seja, às
“ciências”. Isso insuflou nas “não ciências”, disciplinas do homem e da sociedade, um novo
valor, ainda insuficientemente avaliado, na construção racional da história.

Os novos conhecimentos “científicos” apontam para o reino do possível, enquanto


sua realização concreta pertence mais ao domínio das condições econômicas, culturais e
políticas. Como o futuro não é único, mas deve ser escolhido, são as ciências sociais que se
tornam as ciências de base para uma construção voluntária da história. Como? Trata-se de
alargar sua base filosófica de tal modo que as preocupações teleológicas não constituem
obstáculo à fiel transcrição dos fenômenos.

As novas realidades são ao mesmo tempo causa e consequência de uma multiplicação


de possibilidades, potenciais ou concretizadas, cuja multiplicidade de arranjos é fator de
complexidade e de diferenciação crescentes. Não se trata aqui de adaptação do passado,
mas de subversão das concepções fundamentais, das formas de abordagem, dos temas
de análise. Isso equivale a dizer que mudam ao mesmo tempo o conteúdo, o método, as
categorias de estudo e as palavras-chave.

Enquanto promessa, o crescimento das possibilidades diz respeito ao mundo inteiro e a


toda a humanidade, mas a historização e a geografização das possibilidades estão sujeitas
à lei das necessidades. A divisão dos domínios nem sempre é nítida, mas se pode pensar
que num mundo assim construído são as ciências do homem que ganham em alcance.
Ademais, inúmeras combinações doravante possíveis não são desejáveis; outras, igualmente
numerosas, não convêm a todos os países ou regiões.

Adaptado de: Santos (1988, p. 11-22).

159
Unidade III

Os 7 bilhões de habitantes da espaçonave Terra enfrentam um cenário de mudanças econômicas,


políticas, climáticas e culturais. É uma verdadeira crise civilizatória e de valores.

O cientista político francês Dominique Moïsi, autor de A Geopolítica das Emoções (2009), sentencia
que “o Ocidente perde peso relativo, a Ásia renasce, os emergentes ganham novo peso. A política está
em franca transformação”. É um mundo multipolar e pluricultural.

Moïsi tece ao longo de seu livro os elos que lhe permitiram entrever as emoções como
motivações, claras ou não, residuais ou presentes. Cita casos e apresenta exemplos nos quais
os sentimentos profundos, em várias escalas, por exemplo, como indivíduo e povos, respondem
diante de demandas complexas.

Houve uma época em que os estudantes de assuntos internacionais


descontavam tacitamente a importância das emoções. A política global
era o campo reservado a uma casta especial de profissionais, aristocratas
europeus, em sua maioria, que viam a política mundial como um jogo
de xadrez. Estados e governos deveriam agir racionalmente. As emoções
deviam ser mantidas a distância, pois introduziam irracionalidade adicional
ao mundo, que já estava em um estado natural de desordem. Portanto, as
emoções eram contidas e organizadas por acordos internacionais destinados
a fornecer estrutura a um mundo ingovernável. Assim, o Tratado de
Westphalia (1648), produto do grande congresso internacional da história,
terminou com a Guerra dos Trinta Anos e estabeleceu uma comunidade
europeia que deteria paixões, com fervor religioso (MOÏSI, 2009, p. 3-4).

Moïsi agracia-nos com uma aproximação complexa da realidade internacional, propiciando um


cotejamento com o ensaio sobre a política de Bauman (2000).

8 O PENSAMENTO CLÁSSICO SOBRE A POLÍTICA E A VARIEDADE DE


ORGANIZAÇÕES DE PODER: O CRIVO DA FILOSOFIA

Um dos ensinamentos mais preciosos de Norberto Bobbio (1909-2004) no


campo da teoria política é saber ouvir as lições dos clássicos. Essas lições
permitem estudar os temas recorrentes que se colocam em relação aos
grandes problemas, igualmente recorrentes, da reflexão política. O estudo
desses temas, que atravessam toda a história do pensamento político, tem
como função, segundo Bobbio, “individuar certas categorias que permitem
fixar em conceitos gerais os fenômenos que passam a fazer parte do universo
político”. A primeira função, portanto, é a de determinar os conceitos
políticos fundamentais, enquanto a segunda consiste em estabelecer entre
as diversas teorias políticas, de diferentes épocas, as possíveis afinidades e
diferenças (PERRONE-MOISÉS, [s.d]).

160
CIÊNCIA POLÍTICA

Trataremos das principais ideias de intelectuais que marcaram o pensamento acadêmico e muito
do que se criou em organização política do poder em nossas sociedades ocidentais. Suas principais
ideias virão, contextualizadas, num esforço de leitura dos tópicos iniciais sobre poder e política, pela
via da proximidade ontológica (nascimento dos objetos e das ideias correlatas), da interpretação dos
acontecimentos, como as constituições de estruturas estatais e suas ações no espaço global.

Cada um desses intelectuais leva mais longe nossas reflexões sobre os assuntos tratados, e
somente são clássicos por serem convergentes e contemplarem o bom senso. Eles são destacados de
modo grosseiro, estereotipado, com rotulações repletas de preconceitos, colocados como de ideais
opostos em apresentações com vistas às facilidades didáticas. Contudo, sua complexidade merece um
segundo passo, o da procura das convergências. Com o intuito de desmitificá-los, descontruindo os
preconceitos, veremos que, por detrás da aparente oposição, Platão e Aristóteles têm muito em comum
e complementações imprescindíveis, assim como Hobbes e Rousseau. Maquiavel é tido como de atitude
extremamente encomiástica com relação à nobreza, isto é, “bajulador” de reis! Longe disso, era entusiasta
da república, de modo subliminar.

A grande pergunta é: quem pode o quê, quando e como?

Agentes, poder, política, história, formas e organizações do poder? Vejamos o excerto a seguir.

Bobbio e a teoria política na lição dos clássicos

Para Bobbio, clássico é um autor intérprete de seu tempo. O que interessa é identificar
temas para reflexão

Um dos ensinamentos mais preciosos de Norberto Bobbio (1909-2004) no campo da


teoria política é saber ouvir as lições dos clássicos(1). Essas lições permitem estudar os temas
recorrentes que se colocam em relação aos grandes problemas, igualmente recorrentes, da
reflexão política. O estudo desses temas, que atravessam toda a história do pensamento
político, tem como função, segundo Bobbio, “individuar certas categorias que permitem
fixar em conceitos gerais os fenômenos que passam a fazer parte do universo político”. A
primeira função, portanto, é a de determinar os conceitos políticos fundamentais, enquanto
a segunda consiste em estabelecer entre as diversas teorias políticas, de diferentes épocas,
as possíveis afinidades e diferenças.

E, no entanto, que confere a um autor a qualidade de clássico? Para Bobbio, clássico


é o autor que ao mesmo tempo é “intérprete autêntico de seu próprio tempo”, “sempre
atual, de modo que cada época, ou mesmo cada geração, sinta a necessidade de
relê-lo e, relendo-o, de reinterpretá-lo” e que tenha construído “teorias-modelo das quais
nos servimos continuamente para compreender a realidade”. Como aponta Michelangelo
Bovero, essa definição levanta problemas ao intérprete, pois como é possível que a obra de
um intérprete autêntico de seu próprio tempo possa ser reinterpretada continuamente? A
resposta parece estar na seguinte afirmação de Bobbio: “No estudo dos autores do passado,
jamais fui particularmente atraído pela miragem do chamado enquadramento histórico,
161
Unidade III

que eleva fontes a precedentes, as ocasiões e condições, detém-se por vezes nos detalhes
até perder o ponto de vista do todo: dediquei-me, ao contrário, com particular interesse,
ao delineamento de temas fundamentais, ao esclarecimento dos conceitos, à análise dos
argumentos, à reconstrução do sistema”. O que interessa identificar nos clássicos não é
tanto seu significado histórico, mas sim, nas palavras de Bobbio, “hipóteses de pesquisa,
temas para reflexão, ideias gerais”.

Os autores clássicos para Bobbio, em sua análise da teoria política, são, principalmente,
Emanuel Kant (1724-1804), Karl Marx (1818-1883) e Max Weber (1864-1920). Kant é um
autor frequente na obra de Bobbio, tanto assim que lhe dedicou um de seus livros, Direito e
Estado no Pensamento de Emanuel Kant. Para esse autor, o tema recorrente do pensamento
político é o da liberdade, ou melhor, das duas liberdades, como diria Bobbio: “O primeiro
significado é aquele recorrente na doutrina liberal clássica, segundo a qual ‘ser livre’ significa
gozar de uma esfera de ação, mais ou menos ampla, não controlada pelos órgãos do poder
estatal; o segundo significado é aquele utilizado pela doutrina democrática, segundo a qual
‘ser livre’ não significa não haver leis, mas criar leis para si mesmo”. No que se refere a Marx,
confrontando sua teoria política com a dos autores que são considerados unanimemente como
clássicos do pensamento político, de Platão a Hegel, e procedendo por meio de comparações
por afinidades e diferenças, Bobbio demonstra a “reviravolta radical que Marx operou sobre
a tradição apologética do Estado” na medida em que, para ele, o Estado deixa de ser o reino
da razão e do “bem-comum” para ser considerado o reino da força e do interesse daqueles
que detêm o poder. O terceiro autor, tido por Bobbio como “o último dos clássicos”, é Max
Weber, cujas expressões “passaram a fazer parte definitivamente do patrimônio conceitual
das ciências sociais”. No campo da teoria política, Bobbio considera que nenhum estudioso
do século XX contribuiu de forma tão significativa como Weber para o enriquecimento do
léxico técnico da linguagem pertinente a esse campo. Dentre as expressões herdadas deste
autor, Bobbio lembra algumas que, pela sua reconhecida importância, dispensam maiores
comentários: poder tradicional e carisma, poder legal e poder racional, direito formal e direito
material, monopólio da força, ética da convicção e ética da responsabilidade.

A pergunta fundamental que se coloca relativamente ao trabalho que Bobbio elabora, a


partir dos temas recorrentes e das lições dos clássicos, diz respeito a saber qual seria o tipo
de filosofia política desenvolvida por ele. Inserida nessa indagação está a questão de sua
visão acerca da relação existente entre fato e valor e da adoção de uma teoria descritiva ou
prescritiva. Segundo Bobbio, existem quatro significados possíveis para a noção de filosofia
política, que correspondem a quatro tipos de investigação. O primeiro consistiria na ideia da
filosofia política como busca da melhor forma de governo ou da ótima República; o segundo,
da investigação do fundamento do Estado, com a consequente justificação ou injustificação
da obrigação política, ou seja, da legitimidade do poder político; o terceiro tipo é aquele que
visa à determinação do conceito geral de política, ou da essência da categoria do político, seja
por meio da “autonomia da política” em relação à moral, seja por meio da delimitação de seu
campo em relação à economia ou ao direito; finalmente, a quarta concepção parte da ideia da
filosofia como metaciência, de modo que a filosofia política teria como tarefa a investigação
dos pressupostos e das condições da validade da ciência e a análise da linguagem política.
162
CIÊNCIA POLÍTICA

Para Bobbio, a terceira definição seria a mais apropriada para sua teoria política.
No entanto, se partirmos dessa hipótese, o problema que teremos de enfrentar diz
respeito à inexistência, em uma teoria assim considerada, de uma dimensão valorativa
presente nos dois primeiros tipos. Como bem ponderou Bobbio, porém, “não há teoria
tão asséptica que não permita entrever elementos ideológicos que nenhuma pureza
metodológica pode eliminar totalmente”. Bobbio parece então oscilar entre uma
filosofia política puramente cognoscitiva e uma filosofia propositiva, mas, na verdade,
apresenta em sua obra as duas dimensões.

Apontando os temas reincidentes nas lições dos clássicos e suas teorias, Bobbio nos faz
perceber certa continuidade na história, continuidade essa que diz respeito também aos
problemas enfrentados por essas diversas teorias. A recorrência de problemas, de enfoques
e de soluções parece marcar toda a história do pensamento político. Isso não quer dizer
que em alguns momentos Bobbio desconheça haver certas “guinadas” na História, como
a “revolução copernicana” decorrente da afirmação do primado dos direitos sobre os
deveres, que a temática dos direitos humanos propiciou. Assumindo, portanto, a ideia dessa
continuidade, podemos pensar nas questões referentes ao chamado “fim da história” e à
possibilidade de encontrar-lhe um sentido. Como apontado por Bobbio em sua autobiografia
Diário de um século, “a história humana não apenas não acabou, como anunciou há alguns
anos um historiador americano, mas, talvez, a julgar pelo progresso técnico-científico que
está transformando radicalmente as possibilidades de comunicação entre todos os homens
vivos, esteja apenas começando. É difícil afirmar, contudo, que direção esteja destinada a
seguir”. Ainda a respeito do sentido da História, afirma: “Não tiro conclusão alguma acerca
do sentido da História, que, não tenho vergonha de declarar, ignoro qual seja. Tenho apenas
a sombria impressão de que ninguém ainda a captou”. De toda forma, fica evidente que,
para Bobbio, a História não acabou e que, se ela tem um sentido, ninguém ainda foi capaz
de dizer qual é. Visão realista, sim, mas não pessimista ou ingenuamente otimista.

Este ensaio tem como base a obra de Norberto Bobbio Teoria Geral da Política
(1)

(organização de Michelangelo Bovero, tradução de Daniela Beccaccia Versiani: Rio de


Janeiro, Ed. Campus, 2000).

Fonte: Perrone-Moisés ([s.d.]).

8.1 Platão e o nascimento da reflexão sobre a política

Na Apresentação de A República de Platão Recontada por Alain Badiou, Danilo Marcondes destaca
o seguinte:

Platão não separa o problema da política do problema do conhecimento,


não separa a discussão sobre a verdade da discussão sobre a justiça – isso
só ocorrerá na filosofia posteriormente. As questões se remetem umas
às outras e essa é uma das características centrais da dialética platônica
(BADIOU, 2014).
163
Unidade III

A grande conquista da humanidade é tornar-se progressivamente mais humana e, digamos assim, é


o grande foco do pensamento clássico, principalmente o de Platão.

No momento em que Platão escrevia, a política era entrelaçada ao cultivo das virtudes, da
justiça e ética, que a tornava o caminho do bem. Em que momento nos perdemos? Em que
momento nós a perdemos?

A boa política está sempre em questão na construção dos diálogos platônicos. Para tanto, Platão
persegue seu nascimento juntamente com as grandes aglomerações e coletividades, as cidades, a saúde
(equilibrada e harmônica) e a divisão do trabalho requerida ao seu funcionamento. Assim, a questão da
representação torna-se fundamental:

[...].

Sócrates resolveu ir ao ponto.

– Mas quem manda afinal? – pergunta, com uma voz melancólica e poderosa.

Todos se agitam. Sócrates insiste:

– Os velhos, os jovens? Os intelectuais, os militares? Os políticos profissionais,


quaisquer cidadãos? Quem manda afinal? Quem?

– Muito bem – diz Glauco, com uma voz arrastada –, não faço a menor ideia.
Os melhores, penso.

– Ah, os melhores! O que significa, em política, os melhores? O melhor


mecânico de automóveis é aquele que sabe cuidar do motor e consertar
todos os defeitos, certo?

Glauco assume o papel de escada:

– Quanto a isso, não é difícil concordar com você.

– Logo, considerando o que está em jogo em nossa discussão, os melhores


são aqueles que fazem o processo político avançar, sabendo, quando
convém, superar as dificuldades ou sair dos impasses. Para tal, imagino
que devam ser esclarecidos, capazes e, sobretudo, preocupados com o bem
público. Mas aquilo com que nos preocupamos é essencialmente o que
amamos. E o que amamos acima de tudo são aqueles cujos interesses
identificamos aos nossos e cujo destino, afortunado ou desafortunado,
julgamos partilhar. Ou não?

– Sim – diz Glauco, resignado.


164
CIÊNCIA POLÍTICA

– Da massa dos indivíduos que se incorporam ao processo político,


sobressairão aqueles que mostrarem cabalmente, ao longo de suas vidas,
um zelo excepcional na ativação desse processo e na recusa categórica a
contrariar seu devir.

– Com certeza – pontua Glauco –, é o tipo de que precisamos.

– É interessante acompanhá-los em todas as idades da vida para


certificar-se de que permanecem fiéis às máximas de nossa política, sem
traí-las ou abandoná-las. Ora, como, em circunstâncias propícias à corrupção
ou à instalação da violência desenfreada, eles agem para perseverar em sua
orientação subjetiva, a qual assim se resume: fazer o que melhor assegure a
continuidade do processo político?

– O que entende precisamente por abandono de um princípio? – pergunta


Amanda. – “Trair”, eu entendo. Mas “abandonar”?

– Boa pergunta… Parece-me que o nosso entendimento abandona uma


opinião de duas formas: voluntária ou involuntariamente. Voluntariamente,
quando compreendemos que ela é falsa. Involuntariamente, quando é
verdadeira (BADIOU, 2014).

A apresentação de Maria Helena da Rocha Pereira (2001, p. 18-53) à República de Platão é bastante
detalhada em termos de seu alcance e conjeturas, razão pela qual reproduzimos alguns de seus trechos
mais significativos.

[...]

Em qualquer caso, o Livro I [de A República] corresponde a uma parte da obra que, além
de ter a finalidade de apresentar as figuras e situar a discussão, fornece o tema da mesma,
o que é ajustiça, e refuta as definições propostas, a de Cefalo (“dizer a verdade e restituir o
que se tomou”), a de Polemarco (“dar a cada um o que se lhe deve”) e a de Trasímaco (“o que
está no interesse do mais forte”) (PEREIRA, 2001, p. 21).

[...]

No princípio do Livro II, insiste-se em querer saber a natureza da justiça e da injustiça


“sem ligar importância a salários nem a consequências”. Os dois irmãos de Platão querem,
portanto, a demonstração de que a justiça é intrinsecamente boa. Para tanto, Sócrates
propõe-se apreciar os factos em grande escala, o que lhe facilitará a tarefa. Por conseguinte,
transfere a sua análise do indivíduo para a cidade (idem, p. 22).

165
Unidade III

Descrevem-se então as transformações de uma cidade, que, de primitiva, torna-se em


luxuosa, motivo por que começa a precisar de uma especialização de tarefas cada vez maior.
Essa cidade carece de soldados que a defendam e preservem – de guardiões – com um treino
próprio. A educação deve dar-se-lhes, pela música e pela ginástica, à maneira tradicional
grega, que principia a ser estudada em 376a. Mas música, para os helenos, é a arte das
Musas, em que a poesia não se dissocia dos sons. Ora as fábulas dos poemas, que costumam
ensinar-se às crianças, estão repletas de falsidades sobre os deuses, a quem atribuem todos
os defeitos, em vez de revelarem a divindade na perfeição dos seus atributos. No começo do
livro já se haviam feito citações de versos que sugeriam que os deuses não eram garantia de
justiça; agora declara-se abertamente que os poetas não servem para instruir a juventude.

O Livro II prossegue o libelo acusatório, e, depois de mandar embora os que imitam o


mal, retoma o tema da educação pela música e pela ginástica [...]. Outros aspectos da vida
da comunidade são regulamentados no Livro IV, até que, depois de relegar para o oráculo
de Delfos a superintendência em matéria religiosa, Sócrates declara que, fundada a cidade,
estão agora aptos a procurar “onde poderia estar a justiça e onde a injustiça”. Ora, se a
cidade é perfeita, terá de possuir as quatro virtudes, sabedoria (sophia), coragem (andreia),
temperança (sophrosyne) e justiça (dikaiosyne). Definidas as três primeiras, atingir-se-á a
quarta por exclusão de partes. Se a primeira se encontra nos guardiões, a segunda nos
guerreiros e a terceira na harmonia geral de todas as classes, a justiça será que cada um
exerça uma só função na sociedade, aquela para a qual, por natureza, foi mais dotado
(433a). Resta verificar se estas conclusões, vistas nas “letras grandes”, são aplicáveis ao
indivíduo. Ora, a cidade tinha três classes: os guardiões, os militares e os artífices. Também
a alma do indivíduo tem três elementos: apetitivo, espiritual e racional. Aos apetites cabe
obedecer, às emoções assistir, à razão governar. “E assim assentamos suficientemente que
existem na cidade e na alma dos indivíduos os mesmos elementos, e no mesmo número”. O
seu equilíbrio ou desequilíbrio conduzem à justiça ou à injustiça. É esse o aspecto que falta
estudar (idem, p. 22-24).

[...]

É esse ponto que vai ser esclarecido (comunidade de mulheres e filhos), com grandes
rodeios e precauções, expressas na metáfora das vagas marinhas, ao longo do Livro
V. Primeiro, far-se-á a proposta de que as mulheres, podendo ter a mesma capacidade
dos homens, devem tomar parte nos cargos diretivos da cidade; segundo, expor-se-á o
complicado sistema pelo qual se realizarão os casamentos e a procriação na classe dos
guardiões, de molde a obter o mais alto grau de eugenia; a terceira, a mais temível das
vagas, consiste em proclamar a condição necessária para que tal Estado se torne realizável:
que seja governado por filósofos (idem, p. 25).

[...]

Os dois livros (VI e VII) seguintes ocupar-se-ão, logicamente, da preparação do filósofo.


Depois de enumerar as qualidades que o recomendam para ocupar os lugares de chefia e
166
CIÊNCIA POLÍTICA

de analisar as causas do desfavor em que geralmente é tido, principia a esboçar a maneira


de formar os guardiões (502c-d), a fim de eles procurarem alcançar o saber mais elevado
(megiston mathema – 505a), cujo objeto é a ideia do bem, a ideia suprema que torna
inteligível o mundo (idem, p. 26).

[...]

É o próprio texto [A República], efetivamente, que afirma a relação entre os três símiles
[ou alegorias]: do Sol com o da Linha Dividida em VI (509c); e deste último com o da
Caverna em VIL (517a-r). Esta segunda equivalência tem sido, ela mesma, objeto de grandes
discordâncias, até porque principia por se declarar, de uma forma um tanto vaga, que “este
quadro deve agora aplicar-se a tudo quanto dissemos anteriormente”, o que, na verdade,
podia dizer respeito, em princípio, tanto a um como a outro dos símiles. Mas a continuação
explicita que se deve comparar o mundo visível à caverna e o inteligível à ascensão dos
prisioneiros ao mundo superior.

Para empregar uma imagem tirada da própria República, diríamos que estes símiles
encaixam uns nos outros como os contrapesos do fuso da Necessidade, no mito de Er [...],
“que, na parte superior, tinham o rebordo visível como outros tantos círculos, formando um
plano contínuo de um só fuso em volta da haste...”.

Em primeiro lugar, temos, pois, a metáfora do Sol, que mostra que esse astro está para o
mundo visível como o Bem para o sensível.

O segundo consiste em imaginar uma linha para ser dividida em duas partes desiguais,
cada uma das quais seria ainda seccionada segundo a mesma proporção. Se designarmos
a linha por AB, o primeiro corte por C e os outros por D e E, e indo buscar ao texto as
equivalências dos segmentos assim obtidos, podemos traçar o seguinte diagrama:

Portanto, o mundo visível (horata ou doxasta) tem em primeiro lugar uma zona de
eikones (“imagens”, reflexos nas águas), conhecidos pela eikasia (“suposição”, ou, como
167
Unidade III

outros preferem, “ilusão”). Num nível mais elevado, temos todos os seres vivos (zoa) e objetos
do mundo, conhecidos através de pistis (“fé”). O mundo inteligível (noeta) tem também
dois setores proporcionais a estes, o inferior e o superior, o primeiro apreendido através da
dianoia (“entendimento” ou “razão discursiva”). Nesta última distinção poderá residir, como
alguns supõem, a finalidade principal da analogia: o contraste entre o conhecimento pela
dianoia, que é o das ciências, e o que é pela noesis, que é o da filosofia. Mas não é menos
importante a antinomia entre opinião e saber, entre doxa e sophia, que tínhamos visto ao
terminar do Livro IV e vai tomar forma nítida na alegoria da Caverna (VII. 514a-518b):

Homens algemados de pernas e pescoços desde a infância, numa caverna, e voltados


contra a abertura da mesma, por onde entra a luz de uma fogueira acesa no exterior, não
conhecem da realidade senão as sombras das figuras que passam, projetadas na parede,
e os ecos das suas vozes. Se um dia soltassem um desses prisioneiros e o obrigassem a
voltar-se e olhar para a luz, esses movimentos ser-lhe-iam penosos, e não saberia reconhecer
os objetos. Mas se o fizessem vir para fora, subir a ladeira e olhar para as coisas até vencer o
deslumbramento, acabaria por conhecer tudo perfeitamente e por desprezar o saber que se
possuía na caverna. Se voltasse para junto dos antigos companheiros, seria por eles troçado,
como um visionário; e quem tentasse tirá-los daquela escravidão arriscar-se-ia mesmo a
que o matassem.

Antes de iniciar a alegoria, no começo do Livro VIl, Platão dissera expressamente que se
tratava de dar a conhecer o comportamento da natureza humana, conforme ela é ou não
submetida à educação (VII). Ora, o modo como esta há de processar-se constitui o tema
central do Livro.

Deve notar-se em primeiro lugar que o curriculum que se propõe visa “à disciplina
mental e ao desenvolvimento do poder de pensamento abstrato”. Por isso, temos em
sucessão os vários ramos então conhecidos da matemática (incluindo um acabado de criar,
e ainda sem nome, a futura estereometria), desligados, como sublinha o próprio texto, das
suas aplicações práticas (VII. 525b-d). Temos, assim, como base, a aritmética que “facilita a
passagem da própria alma da mutabilidade à verdade e à essência” (VH. 525c); a seguir, o
espaço a duas dimensões, ou geometria plana; em terceiro lugar, o espaço a três dimensões,
por meio da estereometria; a astronomia estuda os corpos sólidos em movimento; e a
harmonia, o som que eles então produzem. Trata-se, portanto, de um ensino essencialmente
formativo. Todas estas ciências têm por missão preparar o espírito para atingir o plano mais
elevado: a dialética, cujo fim é o conhecimento do Bem (VII. 533b-e). Para o seu aprendizado,
selecionaram-se os mais bem-dotados, quando atingem a idade de trinta anos (VII. 537d),
como anteriormente tinham sido escolhidos, aos vinte anos, os que haviam de encetar uma
educação superior (VII. 537b-c).

Eis o modo como Platão a define:

O método da dialética é o único que procede, por meio da destruição das hipóteses, a
caminho do autêntico princípio, a fim de tomar seguros os seus resultados, e que realmente
168
CIÊNCIA POLÍTICA

arrasta aos poucos os olhos da alma da espécie de lodo bárbaro em que está atolada e
eleva-os às alturas, utilizando como auxiliares para ajudar a conduzi-los as artes que
analisamos (idem, p. 7).

[...]

E, para nos tirar quaisquer dúvidas sobre a relação entre esta ordenação dos estudos e
os quatro graus de entendimento anteriormente referidos, explica de novo:

Bastará, pois, que, como anteriormente, chamemos ciência à primeira divisão,


entendimento à segunda, fé à terceira, e suposição à quarta, e opinião às duas últimas,
inteligência às duas primeiras, sendo a opinião relativa à mutabilidade, e a inteligência à
essência (idem, p. 7).

É próprio do saber dialético “apreender a essência de cada coisa”. Deve ser capaz de
distinguir a natureza essencial do Bem, isolando-o de todas as outras ideias (idem, p. 7).

Demoramos um pouco na noção de dialética, porque é uma das várias palavras-chave


deste diálogo, que mudaram de tal modo de sentido que o seu emprego sem advertência
prévia pode induzir em erro. Derivada de dialegesthai (“falar com”, “discorrer”, “raciocinar”),
pressupõe interlocutores – exatamente como ocorre no modo de filosofar da obra platónica,
designada, aliás, por uma palavra da mesma família: “diálogo” (idem, p. 32).

Por esse motivo, Nettleship pôde escrever: “O termo dialética”, que desempenha um papel
quase tão proeminente na filosofia platónica como “forma”, não significa originariamente
nada mais do que o processo de discussão oral por meio de pergunta e resposta”. E ainda:
“[...] a palavra passou do simples significado de “discorrer” para o de “discorrer com o fim
de atingir a verdade” e este “discorrer” pode executar-se através de palavras entre duas
pessoas ou ser ‘o diálogo silenciosamente conduzido pela alma consigo mesma’ (sofista)”. Da
designação do método (idem, p. 7), passa a identificar-se com o próprio objeto a alcançar
por essa via, que é o saber filosófico.

Ao principiar o Livro VIII, Sócrates recapitula a legislação estabelecida para a cidade


ideal e os seus guardiões e propõe-se regressar ao caminho anterior (idem, p. 8). Recorda
ainda que Gláucon estava a referir-se às outras quatro espécies de governo, quando foram
interrompidos por Polemarco e Adimanto (idem, p. 8). Retomada a discussão neste ponto,
vão-se descrever essas quatro espécies e a maneira (anti-histórica, mas convincente) como
degeneraram umas nas outras. Deste modo se traça o quadro da timocracia (ou governo que
preza as honrarias), oligarquia, democracia e tirania, bem como do homem que corresponde
a cada uma.

A descrição do ponto mais baixo a que chegou a degradação humana põe de novo a
questão inicial da felicidade e virtude de cada uma destas espécies, em relação com as
qualidades que predominam na cidade, com a conclusão de que o tirano, escravo dos mais
169
Unidade III

sórdidos prazeres e apetites, é o que mais se opõe ao filósofo-rei, que tem acesso aos prazeres
puros e reais, e de que é a justiça, e não a injustiça, que traz vantagens a quem a pratica.

Ao terminar o Livro IX, Gláucon reconhece que a cidade que acabam de delinear é
utópica. Mas, objeta Sócrates, fica o paradigma no céu, para quem quiser contemplá-lo e
estabelecer por ele o seu teor de vida. Quer a cidade exista, quer não, é só a esse modelo
que o filósofo seguirá.

O Livro X tem aparecido à maioria dos comentadores como um suplemento ou um


apêndice. A discussão tinha já terminado, com o contraste entre a vida do homem justo e a
do injusto, e conclusão sobre a superioridade daquela – respondendo, portanto, à asserção
de Trasímaco. Mas Sócrates reabre o diálogo, para precisar a importância das disposições
sobre a poesia, que hão de observar-se na cidade fundada (idem, p. 33-34).

[...]

O tema principal. Apreciamos, através desta sucinta análise, a ordenação dos motivos
ao longo do diálogo. Tivemos assim ocasião de ver que um grande número de temas foi
abordado. A propósito das origens da cidade, no Livro II, discutiu-se teoria política, ao
formular a chamada Teoria Orgânica, que vê no Estado uma pessoa política, dotada de
vida e carácter próprio. Outros encontraram na tese de Gláucon, que é natural ao explorar
os seus semelhantes, mas deixa de o fazer logo que descobre que tem mais vantagem em
chegar a acordo com os outros, uma primeira exposição da Teoria do Contrato Social. À
teoria política é também indubitavelmente consagrado o Livro I, assim como os Livros VIII e
XIX, que descrevem o modo como se originam as várias formas de governo. A psicologia tem
um lugar de relevo no Livro IV, no qual se analisam os elementos da alma, e no Livro X, no
qual se apresentam provas da sua imortalidade. Nos Livros VI e VII, assume grande papel a
Teoria das Ideias, que é fundamental na epistemologia platónica, mas, além disso, não pode
dissociar-se da sua metafisica e ética. Não esqueçamos que é para a ideia suprema do Bem
que se orienta a formação do filósofo-rei.

O Livro VII formula uma teoria da educação, ilustrada com um esquema de curriculum
de estudos superiores, que vem contemplar a formação elementar, que se preconizara
no Livro III. Além disso, ao enumerar as diversas ciências que compõem esse plano,
referem-se os principais problemas que têm a resolver. O fato é mais evidente quando se
trata da astronomia, mas não deve deixar de se atentar – sem olvidar o que representava de
arrojada novidade para a época – no elogio da estereometria. Ocasionalmente, também se
fala do papel que deve ter a medicina na sociedade (m. 405d-408e).

Define-se, além disso, o que seja filósofo e filosofia (V; VI), e o método desta última
(e. g., VII).

Depois desta enumeração, aliás, poder-se-á perguntar, ante tal variedade, se existe um
tema principal, e, no caso afirmativo, se ele é ou não o que o título da obra indica.
170
CIÊNCIA POLÍTICA

Tivemos anteriormente oportunidade de verificar que certas palavras-chave da República


podiam induzir o leitor em erro, se não soubesse previamente o que elas significavam no
século IV a. C. em geral, e para o autor em particular. Ora, uma dessas é precisamente o título
da obra, Politeia, cujo sentido etimológico é “constituição” ou “forma de governo” de uma
polis ou cidade-Estado. É tudo o que diz respeito à vida pública de um Estado, incluindo
os direitos dos cidadãos que o constituem. Este aspecto público, comunitário, traduz-se
claramente na equivalência que os romanos deram ao termo, empregando o composto
que ainda hoje usamos, res publica. Não designa, por conseguinte, uma forma de governo
determinada, mas todas em geral.

Ora, num livro com este título, a pergunta fundamental, que de base a todo o diálogo, é:
Que é Dikaiosyne? Esta, bem como o adjetivo de onde deriva, dikaios, constituem dificuldade
idêntica à anterior, porquanto é, como escreveu R L. Nettleship, “o mais genérico dos
nomes gregos para a virtude, e, no seu sentido mais lato, diz-nos Aristóteles, equivalente
‘à totalidade de virtudes, tal como se mostra no nosso trato com os outros’ [...]”. É, em
resumo, “proceder bem” para com os demais. Sendo assim, e tendo presente a equivalência,
já referida mais de uma vez, e fortemente sublinhada ao longo dos Livros VIII-IX, entre
Estado e indivíduo, compreendemos o âmbito da Dikaiosyne e sua relevância na estrutura
da cidade, na Politeia. Não precisamos de supor, como E. A. Havelock, que a República é
primariamente “um ataque ao aparelho educativo existente na Grécia”. Antes nos parece
que o problema deve formular-se ao contrário: porque o sistema educativo é essencial na
formação dos cidadãos, cabe-lhe um papel de relevo numa obra que trata da cidade.

O mesmo helenista que se explica o lugar destacado conferido à condenação da poesia,


no último Livro. Recorde-se, contudo, que não é esse o fecho da obra, mas sim o mito
de Er, cuja finalidade é demonstrar, com todo o aparato imaginativo de que se reveste, a
necessidade de proceder bem durante a vida, ou seja, de ser justo.

Fonte: Pereira (apud Platão, 2001, p. 18-53).

Se Platão nos fala de uma política em ambiente social saudável, o que supõe boa formação de todos,
tal noção de vida política somente atinge o bem comum e a justiça se for compartilhada. Isso é a própria
ideia de diálogo, muito além de simples conversa.

Assim, preparamos terreno para as contribuições aristotélicas.

8.2 Aristóteles, as constituições e a dinâmica da polis

Nós capítulos iniciais da Ética a Nicômacos, Aristóteles aplica o termo


“política” a um assunto único – a ciência da felicidade humana – subdividido
em duas partes: a primeira é a ética e a segunda é a política propriamente
dita. A felicidade humana consistiria em uma certa maneira de viver, e a
vida de um homem é o resultado do meio em que ele existe, das leis, dos
costumes e das instituições adotadas pela comunidade à qual ele pertence.
171
Unidade III

Na zoologia de Aristóteles, o homem é classificado como um “animal


social por natureza” (Política; livro 1, capítulo I), que desenvolve suas
potencialidades na vida em sociedade, organizada adequadamente para seu
bem-estar. A meta da “política” é descobrir primeiro a maneira de viver que
leva à felicidade humana e depois a forma de governo e as instituições
sociais capazes de assegurar aquela maneira de viver. A primeira tarefa
leva ao estudo do caráter (ethos), objeto da Ética a Nicômacos; a última
conduz ao estudo da constituição da cidade-Estado, objeto da Política. Esta,
portanto, é uma sequência da Ética, e é a segunda parte de um tratado
único, embora seu título corresponda à totalidade do assunto. Aliás, já na
geração anterior a Aristóteles, Platão, seu mestre, havia abrangido as duas
partes do assunto em um só diálogo (KURY, 1985, p. 8).

Aristóteles, conhecido por ser o primeiro grande sistematizador, organizador do conhecimento,


estabeleceu grandes classificações e sua influência se faz sentir até hoje. Assim,

No esquema global das ciências segundo Aristóteles, a Política pertence ao


grupo das ciências práticas, que buscam o conhecimento como um meio para
a ação, em contraposição às ciências teóricas (a metafísica e a teologia, por
“exemplo”), cujo conhecimento é um fim em si mesmo. As ciências práticas
se subdividem, por sua vez, de conformidade com a sistemática dicotômica
de Aristóteles, em dois grupos: as ciências “poiéticas” (ou seja, produtivas),
que nos ensinam a produzir coisas, e as ciências no sentido mais estrito, que
nos mostram como agir; as primeiras visam a algum produto ou resultado,
enquanto a prática mesma do conhecimento adquirido é o próprio fim no
caso das últimas. As primeiras incluem as profissões e os ofícios, e as últimas
abrangem as chamadas “belas artes” (a música e a dança, por exemplo), que
são em si mesmas um fim (KURY, 1985, p. 8-9).

Em Aristóteles, a política é ativa, verifica-se nas ações. É desse modo que se chega ao exame das
práticas e de suas intenções:

A ciência prática por excelência é a “política”, isto é, a ciência do bem-estar


e da felicidade dos homens como um todo; ela é prática no sentido mais
amplo da palavra, pois estuda não somente o que é a felicidade (o assunto da
Ética), mas também a maneira de obtê-la (o assunto da Política); ao mesmo
tempo ela é prática no sentido mais estrito, pois leva à demonstração de
que a felicidade não é o resultado de ações, mas é em si mesma uma certa:
maneira de agir (KURY, 1985, p. 9).

Mário da Gama Kury (1985) explica que as obras de Aristóteles apresentam uma “desorganização”,
provavelmente devido às origens didáticas para as aulas, sendo posteriormente “editadas”. Vejamos o
excerto a seguir:

172
CIÊNCIA POLÍTICA

Em sua maior parte, as obras esotéricas de Aristóteles assemelham-se a


compilações de várias “lições” acerca dos diferentes aspectos do assunto em
exame; reunidas às vezes sem muita concatenação para formar em conjunto
um tratado abrangente. Esta observação se aplica especialmente à Política,
aparentemente constituída de três grupos de “lições”, ou exposições, aos
quais faltou o toque final; por isto eles não estão suficientemente entrosados
e se sobrepõem parcialmente. Os três grupos seriam em linhas gerais os
seguintes: primeiro, os Livros I, II e III, à guisa de introdução (a teoria do
Estado em geral e a classificação das várias espécies de constituições);
segundo, os Livros IV, V e VI, tratando da política prática (natureza das
constituições existentes e dos princípios para seu bom funcionamento),
terceiro, Livros VII e VIII, examinando a política ideal (estrutura da melhor
cidade, obviamente inacabado).

Com efeito, é evidente em toda a Política o tom de aula, ou exposição de


professor a alunos, como se se tratasse de apostilas talvez organizadas por
discípulos com base nas lições do mestre, para sua preservação e utilização
futura. Daí a forma de certo modo confusa em que a obra chegou até nossos
dias, levando muitos estudiosos a propor uma nova sequência de livros, por
considerarem a disposição tradicional dos mesmos completamente ilógica.
Alguns editores modernos da Política sugeriram que os Livros VII e VIII da
sequência tradicional fossem postos no lugar dos Livros IV e V, e os Livros IV,
V e VI fossem postos no lugar dos Livros VI, VII e VIII, ou ainda no lugar dos
Livros VI, VIII e VII.

[...].

A despeito da aparente desordem na composição, a Política é uma das


obras de Aristóteles mais interessantes para o leitor moderno, talvez pela
permanente atualidade dos temas nela tratados. O fato é que, para uma
obra composta há mais de 2.300 anos, a Política justificaria por si mesma,
em grande parte, a fama de Aristóteles ao longo de mais de dois milênios.
Apesar de sua perenidade, para uma fruição mais completa da obra, convém
ter em vista certas peculiaridades da época em que foi concebida; entre
elas sobressai a naturalidade com que Aristóteles admite a escravidão e
a justifica; não se deve esquecer que mesmo os gênios são influenciados
pelas realidades diante de seus olhos, sobretudo se elas se explicam por
uma necessidade inelutável, como a de os escravos na Antiguidade serem
o instrumento de produção por excelência, equivalente às máquinas de
hoje, e que certamente pareceria a Aristóteles mais justo, ou menos injusto,
poupar nas frequentes guerras estes instrumentos únicos de trabalho, para
depois escravizá-los, em vez de matá-los cruelmente em sua condição de
prisioneiros; quando se acha natural a pior das formas de atrocidade, que
é a guerra, todas as outras parecerão igualmente naturais, inclusive formas
173
Unidade III

atuais de sujeição, como a ideológica, e de crueldade, como a praticada sob o


impulso do fanatismo político ou religioso. Melhor, porém, que emitir juízos
subjetivos sobre Aristóteles é pôr os leitores em contato direto com ele, para
que formem por si mesmos uma opinião a respeito dos méritos ou deméritos
do filósofo que inegavelmente mais influenciou a filosofia ocidental, e sobre
o qual o severo Darwin disse: “Linnaéus and Cuvier have been my two gods,
but they were mere schoolboys to old Aristotle” [...] (KURY, 1985, p. 9-10).

Para Aristóteles, em Ética a Nicômaco, um homem é sábio não quando é especialista, mas no
que se costuma denominar generalista, visto que a sabedoria é a perfeita forma de conhecimento,
combinando razão intuitiva e o conhecimento científico. Desse modo, a sabedoria prática é de
espectro imenso, envolvendo tudo quanto o ser humano delibera e age, requer experiência e por
isso não admite sabedoria na juventude; já a sabedoria filosófica não trata da ação, mas do
estudo, sendo completares.

Sabedorias política e prática correspondem à mesma disposição da alma, embora sejam diferentes
no que diz respeito aos contextos: a política relaciona-se à ação na polis, na cidade (que reúne e coage
as pessoas a conviverem), e a prática, com o indivíduo e ele mesmo (sua própria experiência).

Para Aristóteles, investigações e deliberações são diferentes, pois esta última refere-se à
investigação de algo em particular e implica o raciocínio. A deliberação excelente é aquela que tende
a alcançar o bem, e um bom deliberador normalmente é também dotado de sabedoria prática, pois
deve agir naquilo que delibera pra alcançar o bem. A inteligência também se distingue da sabedoria
prática, visto que esta se encarrega de agir em suas deliberações, e aquela, de julgar. A inteligência não
consiste em ter sabedoria prática, mas em aprender, no exercício da arte de conhecer, no opinar, sendo
idêntica à perspicácia, e o homem perspicaz é observador e sagaz.

Discernimento significa julgar segundo a verdade, e a ele convergindo os estados da alma ou


procedimentos e ações tomados por inteligência, sabedoria prática, razão intuitiva.

Aristóteles pergunta sobre os benefícios na posse de sabedoria prática e filosófica. Responde


o seguinte: um homem sem virtude não se tornaria bom apenas por conseguir estas sabedorias se
não as empregasse; enriquecem a vida, colaboram com a felicidade e nos tornam conscientes dos
acontecimentos e do que vivenciamos e, o mais importante, apesar de não nos tornar virtuosos e bons,
automaticamente, dão-nos meios para escolhermos se o queremos ser. Portanto, as disposições inatas
das virtudes (com as quais nascemos) não nos servem sem a razão, do mesmo modo que a pessoa
forte poderia cair ao chão sem o auxílio da visão, daí a razão ser indispensável para o cultivo e o
desenvolvimento das virtudes em cada um de nós. Ou seja, as virtudes em exercício e incentivadas
implicam sabedoria prática.

A política em Aristóteles é tão complexa quanto em Platão, principalmente quando comparada a


nossas práticas modernas, tão redutoras. São visões de ação com lastros morais e de aperfeiçoamento
intrínseco, não apenas legalistas. As constituições ou formas de governo são objeto de interesse e cobrem
grande extensão de A Política, na qual Aristóteles ocupa-se de sua adequação a cada povo, tanto do
174
CIÊNCIA POLÍTICA

ponto de vista da estrutura social e sua demanda (distribuição do poder, como democrático, oligárquico
e/ou aristocrático) quanto do da estrutura legal (considerando-se o ideal).

8.3 Maquiavel, a política e o Estado moderno

Mas Maquiavel não diz em parte alguma que os súditos sejam logrados.
Descreve o nascimento de uma vida em comum, que ignora as barreiras
do amor-próprio. Falando aos Medicis, prova-lhes que o poder não existe
sem apelo à liberdade. Nessa reviravolta, talvez seja o príncipe o logrado. Se
Maquiavel foi republicano, foi por ter encontrado um princípio de comunhão.
Colocando o conflito e a luta na origem do poder social, não quis dizer que
fosse impossível o acordo; quis salientar a condição de um poder que não
seja mistificante, e que e a participação numa situação em comum.

[...]

A razão de não se compreender Maquiavel é que ele une o sentimento mais


agudo da contingência ou do irracional no mundo ao gosto da consciência
ou da liberdade no homem. Considerando essa história em que há tantas
desordens, tantas opressões, tantos fatos inesperados e reviravoltas, ele não
vê nada que a predestine a uma consonância final. Evoca a ideia de um acaso
fundamental de uma adversidade que a subtrairia do domínio dos mais
inteligentes e dos mais fortes. E, se exorciza por fim esse gênio maligno, não
é por algum princípio transcendente, mas por um simples recurso aos dados
da nossa condição. Afasta com o mesmo gesto a esperança e o desespero.

[...]

O que se reprova nele é a ideia de que a história é uma luta e a política


relação antes com homens do que com príncipes. Haverá contudo algo mais
certo? A história, depois de Maquiavel, melhor ainda do que antes dele, não
mostrou que os princípios não incitam a nada e são flexíveis a todos os fins?
(MERLEAU-PONTY, 1991, p. 242-247).

Maquiavel figura na história das ideias políticas de modo estigmatizado, e isso desde seu próprio
ambiente. Há muitos lados na personagem e nos seus escritos, como vemos a seguir:

Maquiavélico e maquiavelismo são adjetivo e substantivo que estão tanto no


debate político quanto na fala do dia a dia. Seu uso extrapola o mundo da
política e habita sem nenhuma cerimônia o universo das relações privadas.
Em qualquer de suas acepções, porém, o maquiavelismo está associado à ideia
de perfídia, a um procedimento astucioso, velhaco, traiçoeiro. Estas expressões
pejorativas sobreviveram de certa forma incólumes no tempo e no espaço,
apenas alastrando-se da luta política para as desavenças do cotidiano.
175
Unidade III

[...]

A contraface da versão expressa no “autor maldito”, responsabilizado por


massacres e por toda sorte de sordidez – não há tirano que não tenha sido
visto como inspirado por Maquiavel –, é sua reabilitação. Para a construção
deste retrato acorreram filósofos da estatura de um Rousseau, de um Spinoza,
de um Hegel, para citarmos apenas os primeiros. Nesta interpretação,
sustenta-se enfaticamente que Maquiavel discorreu sobre a liberdade, ao
oferecer preciosos conselhos para a sua conquista ou salvaguarda. Rousseau,
por exemplo, opondo-se aos intérpretes “superficiais ou corrompidos” do
autor florentino, que o qualificaram como mestre da tirania e da perversidade,
afirma: “Maquiavel, fingindo dar lições aos príncipes, deu grandes lições ao
povo” (SADEK, 1989, p. 13-14).

Maquiavel é considerado como um divisor de águas de concepções políticas, mudando a tradição


platônica-aristotélica:

Sua preocupação em todas as suas obras é o Estado. Não o melhor Estado,


aquele tantas vezes imaginado, mas que nunca existiu. Mas o Estado real,
capaz de impor a ordem. Maquiavel rejeita a tradição idealista de Platão,
Aristóteles e Santo Tomás de Aquino e segue a trilha inaugurada pelos
historiadores antigos, como Tácito, Políbio, Tucídides e Tito Lívio. Seu ponto
de partida e de chegada é a realidade concreta. Daí a ênfase na verità
effettuale – a verdade efetiva das coisas. Esta é sua regra metodológica:
ver e examinar a realidade tal como ela é, e não como se gostaria que ela
fosse. A substituição do reino do dever ser, que marcara a filosofia anterior,
pelo reino do ser, da realidade, leva Maquiavel a se perguntar: como fazer
reinar a ordem, como instaurar um Estado estável? O problema central de
sua análise política é descobrir como pode ser resolvido o inevitável ciclo de
estabilidade e caos (SADEK, 1989, p. 17).

Maquiavel persegue os termos políticos da organização social e concebe a história como cíclica em
alternância entre ordem e desordem:

Ao formular e buscar resolver esta questão, Maquiavel provoca uma ruptura


com o saber repetido pelos séculos. Trata-se de uma indagação radical e de
uma nova articulação sobre o pensar e fazer política, que põe fim à ideia de
uma ordem natural e eterna. A ordem, produto necessário da política, não
é natural, nem a materialização de uma vontade extraterrena, e tampouco
resulta do jogo de dados do acaso. Ao contrário, a ordem tem um imperativo:
deve ser construída pelos homens para evitar o caos e a barbárie, e, uma vez
alcançada, ela não será definitiva, pois há sempre, em germe, o seu trabalho
em negativo, isto é, a ameaça de que seja desfeita (SADEK, 1989, p. 18).

176
CIÊNCIA POLÍTICA

A originalidade de seu trabalho tem sido atestada por importantes filósofos e cientistas políticos,
com reconhecimento e consenso ao menos quanto à sua relevância:

“Enveredando por um caminho ainda não trilhado”, como reconhece


explicitamente nos Discursos, o autor florentino reinterpreta a questão
da política. Ela é o resultado de feixes de forças, proveniente das ações
concretas dos homens em sociedade, ainda que nem todas as suas facetas
venham do reino da racionalidade e sejam de imediato reconhecíveis. Ao
perceber o que há de transitório e circunstancial no arranjo estabelecido
em uma determinada ordem, monta um enigma para seus contemporâneos.
Enigma que se recoloca incessantemente e que a cada significado
encontrado remete a outra significação para além de si. Este pensamento em
constante transmutação e fluxo, que determina seu curso pelo movimento
da realidade, transformará Maquiavel num clássico da filosofia política,
atraindo a atenção e esforços de compreensão de seus leitores de todos os
tempos (SADEK, 1989, p. 18).

Sadek (1989, p. 18), descrevendo Maquiavel, destaca o que concerne à natureza humana e reconhece
“a presença de traços humanos imutáveis” afirmando que os homens “são ingratos, volúveis, simuladores,
covardes ante os perigos, ávidos de lucro”.

Estes atributos negativos compõem a natureza humana e mostram que


o conflito e a anarquia são desdobramentos necessários dessas paixões e
instintos malévolos. Por outro lado, sua reiterada permanência em todas
as épocas e sociedades transformam a história numa privilegiada fonte de
ensinamentos. Por isso, o estudo do passado não é um exercício de mera
erudição, nem a história um suceder de eventos em conformidade com os
desígnios divinos até que chegue o dia do juízo final, mas sim um desfile de
fatos dos quais se deve extrair as causas e os meios utilizados para enfrentar
o caos resultante da expressão da natureza humana (MAQUIAVEL apud
SADEK, 1989, p. 19).

Suas análises do espírito humano são agudas e abrangentes:

O poder político tem, pois, uma origem mundana. Nasce da própria


“malignidade”, que é intrínseca à natureza humana. Além disso, o poder
aparece como a única possibilidade de enfrentar o conflito, ainda que
qualquer forma de “domesticação” seja precária e transitória. Não há
garantias de sua permanência. A perversidade das paixões humanas sempre
volta a se manifestar, mesmo que tenha permanecido oculta por algum
tempo (SADEK, 1989, p. 20).

Maquiavel apresenta um raciocínio sofisticado quanto às formas de governo e configurações de


Estado, adequados às necessidades (sociais) de ordem, do ponto de vista da instauração do poder:
177
Unidade III

Maquiavel sugere que há basicamente duas respostas à anarquia decorrente


da natureza humana e do confronto entre os grupos sociais: o Principado e
a República. A escolha de uma ou de outra forma institucional não depende
de um mero ato de vontade ou de considerações abstratas e idealistas sobre
o regime, mas da situação concreta. Assim, quando a nação encontra-se
ameaçada de deterioração, quando a corrupção alastrou-se, é necessário
um governo forte, que crie e coloque seus instrumentos de poder para
inibir a vitalidade das forças desagregadoras e centrífugas. O príncipe não
é um ditador; é, mais propriamente, um fundador do Estado, um agente da
transição numa fase em que a nação se acha ameaçada de decomposição.
Quando, ao contrário, a sociedade já encontrou formas de equilíbrio, o poder
político cumpriu sua função regeneradora e “educadora”, ela está preparada
para a República. Neste regime, que por vezes o pensador florentino chama
de liberdade, o povo é virtuoso, as instituições são estáveis e contemplam a
dinâmica das relações sociais. Os conflitos são fonte de vigor, sinal de uma
cidadania ativa, e portanto são desejáveis (SADEK, 1989, p. 20).

Maquiavel teve que lidar com fortes crenças na predestinação. Segundo Sadek (1989, p. 21), “este
era um dogma que Maquiavel teria que enfrentar, por mais fortes que fossem os rancores que atraísse
contra si”. Pois, do modo como concebera, a atividade política era um agir virtuoso, racional, “livre de
freios extraterrenos”, sujeito da história; “esta prática exigia virtù, o domínio sobre a fortuna”. Tal poder
requer flexibilidade e adequação às circunstâncias:

Assim, a qualidade exigida do príncipe que deseja se manter no poder é


sobretudo a sabedoria de agir conforme as circunstâncias. Devendo,
contudo, aparentar possuir as qualidades valorizadas pelos governados. O
jogo entre a aparência e a essência sobrepõe-se à distinção tradicional entre
virtudes e vícios. A virtù política exige também os vícios, assim como exige o
reenquadramento da força (SADEK, 1989, p. 20).

8.4 Hobbes e os pressupostos da teoria do contrato social

Um pouco antes de tratarmos de Hobbes, Locke e Montesquieu, falemos do que os une: o recurso ao
contrato; são contratualistas. Conforme Limongi (2012, p. 12-13):

Assim, quando Rawls (2000, p. 12) declara que sua teoria da justiça prolonga
a “teoria do contrato social, tal como se encontra em Locke, Rousseau e Kant”,
logo em seguida puxa uma nota indicando que não estava se esquecendo de
Hobbes, mas que o deixara deliberadamente de lado. Ele tem de fazer isso, já
que, como os autores citados, Hobbes é um e o primeiro dos contratualistas.

O fato de que Rawls faça esse recorte no interior do Contratualismo indica


o quanto é problemático referir-se a ele, como fizemos, nos termos de uma
tradição, movimento teórico ou corrente de pensamento. Diferentes tradições
178
CIÊNCIA POLÍTICA

– liberal, absolutista, democrática, jusnaturalista, juspositivista – perpassam


o Contratualismo. E, não obstante, há algo como o Contratualismo, um
ponto em comum que une Hobbes, Locke e Rousseau. Se esses autores não
partilham dos mesmos ideais políticos e das mesmas tradições, partilham
por certo de uma sintaxe comum, para fazer uso de uma expressão de
Matteucci, no verbete “contratualismo” do Dicionário de Política editado
por ele, Bobbio e Pasquino. Segundo o autor, os contratualistas são assim
chamados porque “aceitam a mesma sintaxe”, a saber, a “da necessidade de
basear as relações sociais e políticas num instrumento de racionalização,
o direito, ou de ver no pacto a condição formal da existência jurídica do
Estado” (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 2010, p. 279). Observemos mais
de perto o que está em jogo nessa sintaxe.

A tese de que a origem da sociedade política está num contrato implica


que a sociedade política é um artifício, isto é, uma forma de associação
a que os homens não são conduzidos pelo movimento natural de suas
paixões e na qual não estão desde sempre inseridos de maneira espontânea
ou irrefletida (como a família, por exemplo), mas uma comunidade que
os homens resolvem instituir voluntariamente, na medida em que têm
razões e motivos para isso. Nesse sentido, a distinção entre um estado
de natureza e um estado civil é central no Contratualismo. Ela indica o
momento anterior e o posterior à instituição do corpo político e permite
que se retire de uma descrição do estado de natureza as razões e os
motivos que explicam essa instituição.

Podemos elencar diversas questões para estudar o trabalho de Thomas Hobbes:

Qual é o lugar que Hobbes ocupa na história das ideias políticas?

Qual é a qualidade da guerra no estado de natureza?

Quais são as condições geradoras do Estado hobbesiano?

De quem é a competência da propriedade e por quê?

Por que há inutilidade da propriedade privada sob o julgo do Estado hobbesiano?

Que tipo de problemas com a propriedade privada e com a liberdade?

De onde vem o sustento do Estado? (RIBEIRO, 1989, p. 75).

Hobbes está na base da ciência política moderna, preocupado com a sistematização dos saberes e
com o método:

179
Unidade III

Na compreensão do pensamento político hobbesiano, há que se levar em


conta que o Monstro de Malmesbury tem a intenção de desenvolver um
conhecimento sistematizado. Hobbes clama para si a criação da ciência
política moderna, uma vez que refuta, ainda que respeitosamente, o
trabalho dos filósofos gregos e romanos e suas indagações a respeito da
polis e da cive. São constantes na obra de Hobbes as críticas ao pensamento
político aristotélico.

Uma vez que pretende desenvolver um conjunto de informações necessárias


à compreensão da ordem política, Hobbes dedica especial atenção à
metodologia. Sua obra é rica em conceitos, definições e classificações. Ao
contrário de Nicolau Maquiavel (1469-1527), que em O Príncipe (1513)
procura demonstrar seus argumentos sob uma sistemática empírica
e historicista, Hobbes, uma vez que tem pretensões intelectuais mais
ambiciosas, desenvolve seu discurso in abstracto, conquanto ressalte a
importância do conhecimento da história e faça frequentemente referências
diretas e indiretas aos acontecimentos políticos da Inglaterra de seu tempo.
Ataca, assim, a falta de metodologia dos antigos e de seus contemporâneos
que leva a conclusões absurdas, assim como critica os escolásticos pela
falta de objetividade e clareza do discurso e por perderem tempo com
discussões sobre questões incompreensíveis. A análise científica hobbesiana
é essencialmente racional e/ou materialista (NUNES, 2010, p. 11).

Conforme Paulo Henrique Faria Nunes (2010, p. 11), Hobbes faz parte daquele conjunto de pensadores
políticos denominados contratualistas, juntamente com outras célebres figuras como Locke e Rousseau.
No que diz respeito ao “método empregado por Hobbes e pelos contratualistas que lhe sucedem, é
válido transcrever a síntese que Ernst Cassirer apresenta”:

Um contrato deve ser feito com perfeito conhecimento do sentido que


envolve e das consequências que postula; pressupõe um livre consentimento
das partes contratantes. Se podemos atribuir ao Estado uma tal origem, ele
se torna um fato perfeitamente claro e compreensível.

Essa visão racional não foi, de forma alguma, considerada uma visão
histórica. Somente uns poucos pensadores tiveram a ingenuidade de concluir
que a “origem” do Estado, como a explicavam as teorias do contrato social,
dava-nos uma perspectiva dos seus começos. Não podemos, obviamente,
assinalar o momento exato da história em que pela primeira vez apareceu o
Estado. Mas essa falta de conhecimento histórico não interessa aos teóricos
do Estado-contrato. O problema deles é analítico, e não histórico. Eles
compreendem o termo “origem” num sentido lógico, e não cronológico. O
que eles procuram não é o começo, mas o “princípio” do Estado – a sua
raison d’être.

180
CIÊNCIA POLÍTICA

Isso se torna particularmente claro quando estudamos a filosofia política


de Hobbes. Hobbes é um exemplo típico do espírito geral que conduziu às
várias teorias do contrato social. Os seus resultados nunca tiveram aceitação
geral; encontraram oposição. Mas o seu método exerceu a mais forte
influência. E esse novo método era um produto da lógica de Hobbes. O valor
filosófico das obras políticas de Hobbes consiste não tanto no seu objeto,
mas principalmente na sua forma de argumentar e raciocinar.

Para Hobbes, a organização política resulta de um pacto.

[...] e por organização política, deve ser entendido o próprio Estado, ao


qual Hobbes também se refere como República. A evolução histórica da
vida humana em agrupamentos comumente trabalhada na Ciência Política
hodierna – partindo de uma situação de ausência de organização, normas
e bem comum (comunidade), para uma situação na qual são encontrados
esses elementos (sociedade política) – é irrelevante para Hobbes. Para ele,
em sua discussão abstrata, o que existe é um grande salto na linha evolutiva
política, isto é, uma transição imediata da comunidade (agrupamento
desprovido de interesse coletivo, normas e organização) para o Estado,
organização política soberana.

Essa desordem primitiva é o que Hobbes chama “estado de natureza”. E esse


salto na linha evolutiva política, que despreza a sociedade e a sociedade
política como elementos que antecedem o Estado, ocorre em virtude da
visão negativista que o autor tem da vida fora da ordem cívica.

Contudo, sua perspectiva da natureza e da física condicionou sua visão de vida social (e psíquica)
e política.

No prefácio de Do Cidadão, Hobbes diz que as afecções da mente (paixões


humanas) não podem ser tomadas como perversas em si mesmas e o
exemplo disso pode ser apresentado quando observamos uma criança
que tem fome e não é alimentada, ela chora e pode se tornar agressiva,
porém isso não significa que ela seja má, mas sim que ela reage a uma
necessidade natural.

O mesmo pode ser observado no Leviatã quando Hobbes diz que “Os desejos
e outras paixões do homem não são em si mesmos um pecado. Tampouco
o são as ações que derivam dessas paixões” (HOBBES, 2003, p. 110). O
propósito desse trabalho é compreender as possibilidades e as implicações
dessa afirmação, ou seja, entender as paixões humanas na obra de Hobbes
como um movimento de reação à ação do movimento de objetos externos
de modo que, por isso, elas não podem ser tomadas como boas ou más em si
mesmas, mas sim como reações naturais próprias da lógica de funcionamento
181
Unidade III

de todos os corpos naturais, inclusive o homem. Nesse sentido, a ética (que


para Hobbes é o estudo das consequências das paixões da mente) deve ser
melhor compreendida se a tomarmos como parte derivada da análise dos
corpos naturais, e que, portanto, remete à consideração acerca da ciência
física, como é exposto na tábua do conhecimento ilustrada por Hobbes no
cap. IX do Leviatã (SILVA, 2009, Apresentação).

Renato Janine Ribeiro (1989, p. 51) fala em “sacrifício” do contrato social em Hobbes:

Antes do contrato que permite a convivência dos seres humanos em


sociedade, é preciso esclarecer que Hobbes, ao mencionar a natureza humana
como um problema, não está se referindo a selvagens pré-humanos, mas à
nossa natureza intrínseca, contemporânea.

Nessa linha de compreensão da natureza humana como complexidade, Hobbes aponta que os homens
não são idênticos, mas suas habilidades podem equilibrar o jogo político na base da compensação. Essa
visão lhe rendeu (e rende) desafetos entre aqueles que defendem a dominação de alguns sobre muitos,
com os instrumentos da desigualdade social (RIBEIRO, 1989, p. 54).

A posição de Hobbes é expressa pela expressão “tão iguais” na obra Leviatã, comentada por Janine
Ribeiro. Por meio dele, explicita a riqueza de possibilidades e combinações sociais, de acordo com as
características de cada um, por fazer, num ambiente seguro para tanto. Não seríamos maus por natureza,
mas impulsivos como bebês e crianças, daí a necessidade de regras e força para manter-nos cada qual
em seu lugar. Aliás, garantindo-se, assim, lugares (RIBEIRO, 1989, p. 54-55).

Hobbes (1984) assim se expressa:

A natureza fez os homens tão iguais, quanto às faculdades do corpo e do


espírito, que, embora por vezes se encontre um homem manifestamente
mais forte de corpo, ou de espírito mais vivo do que outro, mesmo assim,
quando se considera tudo isso em conjunto, a diferença entre um e outro
homem não é suficientemente considerável para que qualquer um possa
com base nela reclamar qualquer benefício a que outro não possa também
aspirar, tal como ele. Porque quanto à força corporal o mais fraco tem força
suficiente para matar o mais forte, quer por secreta maquinação, quer
aliando-se com outros que se encontrem ameaçados pelo mesmo perigo.

Quanto às faculdades do espírito (pondo de lado as artes que dependem das


palavras, e especialmente aquela capacidade para proceder de acordo com
regras gerais e infalíveis a que se chama ciência; a qual muito poucos têm,
e apenas numas poucas coisas, pois não é uma faculdade nativa, nascida
conosco, e não pode ser conseguida – como a prudência – ao mesmo tempo
que se está procurando alguma outra coisa), encontro entre os homens uma
igualdade ainda maior do que a igualdade de força (RIBEIRO, 1989, p. 54-55).
182
CIÊNCIA POLÍTICA

As ideias são muito ricas: não é uma simples naturalização do humano, mas uma leitura arguta que
captura nuances da subjetividade, mesmo antes de Descartes.

Renato Janine Ribeiro (1989, p. 55) destaca que o “’homem lobo do homem’, em guerra contra
todos’”, não é um “‘anormal’; suas ações e cálculos são os únicos racionais, no estado de natureza”.

Com isso, surgiriam os problemas gerados pela propriedade provada, atraindo disputas.

[Da] igualdade quanto à capacidade deriva a igualdade quanto à esperança


de atingirmos nossos fins. Portanto, se dois homens desejam a mesma
coisa, ao mesmo tempo que é impossível ela ser gozada por ambos, eles
tornam-se inimigos. E no caminho para seu fim (que é principalmente sua
própria conservação, e às vezes apenas seu deleite) esforçam-se por se
destruir ou subjugar um ao outro (HOBBES, 1984 apud RIBEIRO, 1989, p. 55).

A força maior seria, então, o Estado, capaz de manter as forças individuais em suas órbitas pessoais,
mas, agora, sim, numa vida social sob contrato, diríamos.

Na natureza do homem, encontramos três causas principais de discórdia. Primeiro, a competição;


segundo, a desconfiança; e terceiro, a glória.

A primeira leva os homens a atacar os outros tendo em vista o lucro; a


segunda, a segurança; e a terceira, a reputação. Os primeiros usam a violência
para se tornarem senhores das pessoas, mulheres, filhos e rebanhos dos
outros homens; os segundos, para defendê-los; e os terceiros por ninharias,
como uma palavra, um sorriso, uma diferença de opinião, e qualquer outro
sinal de desprezo, quer seja diretamente dirigido a suas pessoas, quer
indiretamente a seus parentes, seus amigos, sua nação, sua profissão ou seu
nome (WEFFORT, 1989, p. 56).

A construção de seu pensamento segue enumerando e avaliando as disposições para a guerra,


“durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de os manter a todos em
respeito, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra”. Ele destaca que “a natureza da
guerra não consiste na luta real, mas na conhecida disposição para tal, durante todo o tempo em que
não há garantia do contrário” (WEFFORT, 1989, p. 56-57). E aqui seu pensamento abre caminho com seu
pensamento para institucionalizar (instituição) o controle, o governo social sobre as forças, preconceitos
e paixões individuais, delineando o Leviatã.

Hobbes assume a tensão no convívio humano, ultrapassando “a visão clássica de Aristóteles [e de


Platão] de que o fácil convívio é o princípio da vida social; o cimento da vida social, contra o caos de
nossos impulsos, é a força maior que se coloca acima de nós, o Estado necessário” (WEFFORT, 1989,
p. 56-57).

183
Unidade III

É preciso partir do autoconhecimento para “conjeturar quaisquer saídas ou projetos e programas


políticos [...] para pensar a própria política, pois Hobbes acusa nossa formação de preconceituosa. O
maior preconceito é o da cordialidade do ser humano”. Portanto, para ele, “a ideia de que o ser humano
é sociável é falsa. E, a partir daí, engendrar uma ciência política que permita sustentar Estados, em vez
de perenizar a guerra civil” (RIBEIRO, 1989, p. 57).

Hobbes, muito arguto, evocando algo como uma leitura empática, tendo como fundo uma certa
noção de empatia dos seres humanos, recomenda que façamos essa autoanálise, fundamental, pois:

Nosce te ipsum, “Lê-te a ti mesmo”. O que não pretendia ter sentido,


atualmente habitual, de pôr cobro à bárbara conduta dos detentores do
poder para com seus inferiores, ou de levar homens de baixa estirpe a um
comportamento insolente para com seus superiores. Pretendia ensinar-nos
que, a partir da semelhança entre os pensamentos e paixões dos diferentes
homens, quem quer que olhe para dentro de si mesmo, e examine o que
faz quando pensa, opina, raciocina, espera, receia etc., e por que motivos
o faz, poderá por esse meio ler e conhecer quais são os pensamentos e
paixões de todos os outros homens, em circunstâncias idênticas. Refiro-me
à semelhança das paixões, que são as mesmas em todos os homens, desejo,
medo, esperança etc., e não à semelhança dos objetos das paixões, que são
as coisas desejadas, temidas, esperadas etc. (HOBBES, 1984 apud RIBEIRO,
1989, p. 58).

Nesse contexto, o poder no estado de natureza dá-se pelo direito natural a tudo:

O direito de natureza, a que os autores geralmente chamam jus naturale, é


a liberdade que cada homem possui de usar seu próprio poder, da maneira
que quiser, para a preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua vida;
e consequentemente de fazer tudo aquilo que seu próprio julgamento e
razão lhe indiquem como meios adequados a esse fim (HOBBES, 1984 apud
RIBEIRO, 1989, p. 59).

Janine Ribeiro (1989, p. 59) apresenta esse indivíduo hobbesiano. Para ele, não é o indivíduo em
busca do “capital no mundo da mercadoria, mas que está à procura da glória, ocupado com a conquista
e a manutenção da honra, consolidada pelas aparências externas no universo nobiliárquico, continente
de tudo mais, incluindo os gêneros da dimensão econômica”. Instaura-se uma pista importante para
entender as distâncias simbólicas que nos separam desse ambiente; nós que vivemos sob o signo do
valor econômico.

Teremos, pois, que exercitar essa questão, que poderíamos chamar de “árvore dos valores”, cuja raiz
é biológica e moral, crescendo pelos calores/axiologia cultural, para somente depois destacar os valores
econômicos, cujas secreções/distorções seriam os preços.

184
CIÊNCIA POLÍTICA

O homem hobbesiano não é então um homo economicus, porque seu maior


interesse não está em produzir riquezas, nem mesmo em pilhá-las. O mais
importante para ele é ter os sinais de honra, entre os quais se inclui a própria
riqueza (mais como meio, do que como fim em si). Quer dizer que o homem
vive basicamente de imaginação. Ele imagina ter um poder, imagina ser
respeitado – ou ofendido – pelos semelhantes, imagina o que o outro vai fazer.
Da imaginação – e neste ponto Hobbes concorda com muitos pensadores do
século XVII e XVIII – decorrem perigos, porque o homem se põe a fantasiar
o que é irreal. O estado de natureza é uma condição de guerra, porque cada
um se imagina (com razão ou sem) poderoso, perseguido, traído. Como pôr
termo a esse conflito? (RIBEIRO, 1989, p. 59).

Apesar dos deslumbramento, para Hobbes a liberdade apresenta perigos, pois a liberdade natural
entraria em conflito com a coexistência social (RIBEIRO, 1989).

Hobbes vê o homem glorioso, não o homo economicus: calca sua construção na aparência, sendo
o “poder que exerce o imperativo sobre os bens. A vida sob o contrato supõe associação com base na
submissão às regras advindas do grande pacto social: é horizontal na associação e vertical na submissão”
(RIBEIRO, 1989, p. 62-63).

Hobbes expõe em sua construção dos preceitos das condições sociais de existência, sua leitura de
direito e lei, desenvolvendo-a, chegando à visão de contrato social!

Uma lei de natureza (lex naturalis) é um preceito ou regra geral, estabelecido


pela razão, mediante o qual se proíbe a um homem fazer tudo o que possa
destruir sua vida ou privá-lo dos meios necessários para preservá-la, ou
omitir aquilo que pense poder contribuir melhor para preservá-la. Porque
embora os que têm tratado deste assunto costumem confundir jus e lex, o
direito e a lei, é necessário distingui-los um do outro. Pois o direito consiste
na liberdade de fazer ou de omitir, ao passo que a lei determina ou obriga a
uma dessas duas coisas. De modo que a lei e o direito se distinguem tanto
como a obrigação e a liberdade, as quais são incompatíveis quando se
referem à mesma matéria (HOBBES, 1984 apud RIBEIRO, 1989, p. 60).

A questão da segurança, própria e como direito coletivo, está sempre presente em seu
pensamento, pois:

Enquanto perdurar este direito de cada homem a todas as coisas, não poderá
haver para nenhum homem (por mais forte e sábio que seja) a segurança de
viver todo o tempo que geralmente a natureza permite aos homens viver.
Consequentemente, é um preceito ou regra geral da razão que todo homem
deve esforçar-se pela paz, na medida em que tenha esperança de consegui-la,
e caso não a consiga pode procurar e usar todas as ajudas e vantagens da
guerra. A primeira parte desta regra encerra a lei primeira e fundamental
185
Unidade III

de natureza, isto é, procurar a paz, e segui-la. A segunda encerra a suma do


direito de natureza, isto é, por todos os meios que pudermos, defendermo-nos
a nós mesmos.

Desta lei fundamental de natureza, mediante a qual se ordena a todos


os homens que procurem a paz, deriva esta segunda lei: que um homem
concorde, quando outros também o façam, e na medida em que tal considere
necessário para a paz e para a defesa de si mesmo, em renunciar a seu
direito a todas as coisas, contentando-se, em relação aos outros homens,
com a mesma liberdade que aos outros homens permite em relação a si
mesmo (HOBBES, 1984 apud RIBEIRO, 1989, p. 60).

A única maneira, para Tomas Hobbes (1984 apud RIBEIRO, 1989, p. 62), de instituir esse estado de
segurança social, é a criação do Estado. “Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo
a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito,
autorizando de maneira semelhante todas as suas ações”.

Segundo Weffort (1989), da instituição do Estado derivam todos os direitos e faculdades daquele ou
daqueles a quem o poder soberano é conferido, mediante consentimento do povo.

Da instituição do Estado derivam todos os direitos e faculdades daquele ou daqueles a quem o


poder soberano é conferido, mediante consentimento do povo.

Vejamos o que o autor acentua:

1. Sem anterioridade: presos ao pacto presente até consentimento à


ruptura/“licença” ou permissão para deixar de ser súdito; alternativa
indesejável para Thomas Hobbes: confusão (multidão desunida).

2. Representação de todos pelo Estado: todos, entre si; não entre participantes
e Estado! Contrato é mantido pela força do Estado! (WEFFORT, 1989, p. 65)

3. Democracia na escolha do soberano: assembleia/congregação do povo


participante. [Cada um] deve aceitar as decisões, [afinal, quem é esse povo?
É todo mundo que estiver dentro do contrato].

4. Estado inimputável: não pode ser culpado por qualquer ato, visto que
seja [pré-aprovado] [...] todos concordam com suas ações ao [elegê-lo] [...]
(RIBEIRO, 1989, p. 63).

A igualdade é perigosa, pois todos são iguais em desejos, paixões e violência! A igualdade envolve
competição e traz problemas, segundo Janine Ribeiro (1989), pois acaba criando a liberdade para morrer.

A seguir acentuamos alguns trechos da obra de Janine Ribeiro a respeito de liberdade:


186
CIÊNCIA POLÍTICA

– Sentido físico [como num campo de força]; determinação física.

– Desvaloriza-a. Sem valor, não axiológica. Negação dos valores clássicos


da liberdade.

– Para se submeter, [renunciando à liberdade original] para proteger a vida...

– Tomada como [negativa], daí o contrato social.

– Baseia-se nos excessos, na violação do [pacto] por parte do soberano, isto


é, quando este violar a vida dos súditos, coletiva ou individualmente...

– E sem que haja injustiça?! [...] (RIBEIRO, 1989, p. 67-68).

O autor assevera que há limites à defesa (de si e de outrem) por diminuir a abrangência da soberania.
Diz que as outras formas de liberdade dependem do “silêncio da lei” (RIBEIRO, 1989, p. 70).

E continua:

E eis um ponto delicado, aponta Francisco Weffort: o [descompromisso


do súdito] de que não se altera a soberania do monarca. Este não perde
sua soberania, em seus fundamentos, mesmo a perdendo, particularmente.
Tal esquema [sua racionalidade] é sustentado pelas forças de composição
social/institucionalização do poder pelo Estado. Segundo Francisco Weffort,
a concepção teórica de Thomas Hobbes – o “direito à vida” – é colocada
acima de tudo.

O medo motiva a associação sob o Estado soberano; mas não é o terror, pois
este é próprio ao Estado de natureza. Medo, que está na base da submissão
das pessoas ao Estado, do abandono de sua liberdade natural, [passa a ser
liberdade social]. Quem tem bom comportamento não precisa temer o
Estado. Medo completa-se com a esperança de vida melhor, com garantias
[...] (RIBEIRO, 1989, p. 70-71).

Agora apresentamos a propriedade em Thomas Hobbes:

– Positiva/a favor: propriedade para o monarca.

– Negativa/contra: propriedade para a burguesia e para o povo (propriedade


comunal); em seu raciocínio, permite que a burguesia possa excluir os
outros [...], exceto o soberano. A propriedade pública é pública, daí burguesia
procura John Locke [...] (RIBEIRO, 1989, p. 74).

187
Unidade III

O soberano deve sobrepor-se ao medo e garantir esperança. Isso, para ser bom [legítimo, por
natureza] representante, para garantir os direitos naturais na organização social.

E aqui podemos entender por que Hobbes é, com Maquiavel e em certa


medida Rousseau, um dos pensadores mais “malditos” da história da
filosofia política – pois, no século XVII, o termo “hobbista” é quase tão
ofensivo quanto “maquiavélico”. Não é só porque apresenta o Estado como
monstruoso, e o homem como belicoso, rompendo com a confortadora
imagem aristotélica do bom governante (comparado a um pai) e do indivíduo
de boa natureza. Não é só porque subordina a religião ao poder político. Mas
é, também, porque nega um direito natural ou sagrado do indivíduo à sua
propriedade. No seu tempo, e ainda hoje, a burguesia vai procurar fundar
a propriedade privada num direito anterior e superior ao Estado: por isso
ela endossará Locke, dizendo que a finalidade do Poder Público consiste em
proteger a propriedade. Um direito aos bens que dependa do beneplácito do
governante vai frontalmente contra a pretensão da burguesia a controlar,
enquanto classe, o poder de Estado; e, como isso é o que vai acontecer na
Inglaterra após a Revolução Gloriosa (1688), o pensamento hobbesiano não
terá campo de aplicação em seu próprio país, nem em nenhum outro.

O resultado pode parecer frustrante, num pensador que escreveu as três


versões de sua filosofia política enquanto o seu país vivia terrível guerra civil
(De Corpore Político, 1640; De Cive, 1642; Leviatã, 1651), e considerava que
esses livros ofereciam a única base para fundar um Estado que desse, aos
homens, não apenas a sobrevivência, mas a melhor condição material – paz
e conforto. “A ciência política não é mais antiga que meu livro De Cive”,
disse ele, desqualificando em especial o pensamento aristotélico, então
ainda dominante.

Essa ênfase na ciência, porém, merece nossa atenção. No tempo de Hobbes,


o modelo para a ciência estava nas matemáticas. Os teoremas da geometria,
por exemplo, não dependem em nada da observação empírica para serem
verdadeiros. Quando dependemos da experiência, estamos sempre sujeitos
ao engano. Mas, se nos limitamos a deduzir propriedades de figuras
ideais, não há risco de erro. E isso, antes de mais nada, porque as figuras
geométricas não resultam da observação (não existe, na natureza, círculo
ou triângulo perfeito...), mas são criação de nossa mente. Em suma: só
podemos conhecer, adequada e cientificamente, aquilo que nós mesmos
engendramos. Dessa perspectiva não pode haver ciência, por exemplo, dos
corpos animais (biologia), comparável em certeza à geometria.

Assim, entendemos o papel do contrato. Na matemática, podemos


conhecer porque as figuras foram concebidas, feitas, por nós. Da mesma
forma na ciência política: se existe Estado, é porque o homem o criou. Se
188
CIÊNCIA POLÍTICA

houvesse sociabilidade natural, jamais poderíamos ter ciência dela, porque


dependeríamos dos equívocos da observação. Mas, como só vivemos em
sociedade devido ao contrato, somos nós os autores da sociedade e do
Estado, e podemos conhecê-los tão bem quanto as figuras da geometria.
De um só golpe, o contrato produz dois resultados importantes. Primeiro,
o homem é o artífice de sua condição, de seu destino, e não Deus ou a
natureza. Segundo, o homem pode conhecer tanto a sua presente condição
miserável quanto os meios de alcançar a paz e a prosperidade. Esses dois
efeitos, embora a via do contrato tenha sido abandonada na filosofia política
posterior ao século XVIII, continuam inspirando o pensamento sobre o poder
e as relações sociais (RIBEIRO, 1989, p. 75-77).

As relações entre Thomas Hobbes e os clássicos revelam discordâncias, pois:

Hobbes tem perfeita consciência de que essa definição há de chocar seus


leitores, que se prendem à definição aristotélica do homem como zoon
politikon, animal social. Para Aristóteles, o homem naturalmente vive em
sociedade, e só desenvolve todas as suas potencialidades dentro do Estado.
Esta é a convicção da maioria das pessoas, que preferem fechar os olhos à
tensão que há na convivência com os demais homens, e conceber a relação
social como harmônica.

[...].

O que Hobbes pede é um exame de consciência: “conhece-te a ti mesmo”.


Estamos carregados de preconceitos, acha Hobbes, que vêm basicamente de
Aristóteles e da filosofia escolástica medieval. Mas o mito de que o homem
é sociável por natureza nos impede de identificar onde está o conflito, e de
contê-lo. A política só será uma ciência se soubermos como o homem é de
fato, e não na ilusão; e só com a ciência política será possível construirmos
Estados que se sustentem, em vez de tornarem permanente a guerra civil
(RIBEIRO, 1989, p. 57).

8.5 Locke, a comunidade política e o direito à propriedade

Todo o contexto social, familiar, o ideário e a formação individual de John Locke o levam para uma
conduta baseada na liberdade, aliás, seu nome está ligado ao nascimento do liberalismo político e seus
desdobramentos econômicos de um modo que Hobbes não poderia sê-lo.

É desses casos cujos fundamentos teóricos têm origem no contexto psicossocial: família, filiação
acadêmica, ideológica e partidária, perseguição política, exílio na Holanda; tudo culminou em suas
concepções sobre liberdade, tolerância e propriedade. Foi um ideário burguês na raiz do progresso e da
acumulação econômica.

189
Unidade III

Exceto Hobbes, os pensadores políticos contratualistas estão envolvidos com transformações da


condução do poder. Como vimos, Thomas Hobbes vive em meio às turbulências, e ele não as atribui à
monarquia, mas à falta dela.

John Locke esteve engajado em lutas liberais, sempre associado ao ideário liberal, cuja coerência
expressa-se em sua atuação multidisciplinar: política, educação, filosofia, matemática, medicina. Em
todas as frentes nas quais se envolvia, o nexo era a liberdade de atuação.

A noção de tábula rasa do conhecimento humano é quase um discurso, uma justificativa da


socialização, retratando que estamos em permanente processo de elaboração e progresso, pois as formas
são sociais e inspiradas nos direitos naturais.

Conforme Weffort (1989, p. 83), “a teoria da tábula rasa é, portanto, uma crítica à doutrina das ideias
inatas, formulada por Platão e retomada por Descartes, segundo a qual determinadas ideias, princípios e
noções são inerentes ao conhecimento humano e existem independentemente da experiência”.

Locke faz dois tratados sobre o governo civil, publicando-os somente após a Revolução Gloriosa.

O primeiro é de fundo religioso, segue a patrilinearidade (linhagem) de Adão, com seu símbolo paterno.
O segundo trata da origem, da extensão e do objetivo do governo civil, é baseado no consentimento dos
governados.

Como Hobbes e Rousseau, é um dos grandes nomes do jusnaturalismo.

Esse estado de natureza diferia do estado de guerra hobbesiano, baseado na


insegurança e na violência, por ser um estado de relativa paz, concórdia e
harmonia.

Nesse estado pacífico, os homens já eram dotados de razão e desfrutavam


da propriedade que, numa primeira acepção genérica utilizada por Locke,
designava simultaneamente a vida, a liberdade e os bens como direitos
naturais do ser humano.

A teoria da propriedade

Locke utiliza também a noção de propriedade numa segunda acepção que,


em sentido estrito, significa especificamente a posse de bens móveis ou
imóveis. A teoria da propriedade de Locke, que é muito inovadora para sua
época, também difere bastante da de Hobbes.

Para Hobbes, a propriedade inexiste no estado de natureza e foi instituída


pelo Estado-Leviatã após a formação da sociedade civil. Assim como a criou,
o Estado pode também suprimir a propriedade dos súditos. Para Locke,
ao contrário, a propriedade já existe no estado de natureza e, sendo uma
190
CIÊNCIA POLÍTICA

instituição anterior à sociedade, é um direito natural do indivíduo que não


pode ser violado pelo Estado (MELLO, 1989, p. 84-85).

Vejamos o que Mello diz sobre Locke:

Apesar de reconhecer associação pacífica no estado de natureza, também reconhece as “possibilidades


de violação dos direitos uns dos outros pelas pessoas [...], necessitando do exercício do poder no estado
de governo civil (por consentimento), porém, e aqui é sua distinção, com o resguardo das garantias ou
direitos individuais à vida, à liberdade à propriedade”. Garantias pela lei, pelo arbítrio e pela força comum
numa unidade política (MELLO, 1989, p. 86).

A escolha da forma de governo deve preservar as condições inalienáveis de associação livre. Não fica
claro como a concentração de bens pode ser democrática, ou melhor, como pode haver democracia com
a concentração de bens.

Enfatizando as distinções de Locke em relação a Thomas Hobbes, temos que para este a “propriedade
inexiste na natureza, que o Estado a cria e a pode dissolver; sendo, inclusive, pomo de discórdia entre
os cidadãos. Já Locke [que ocorre] via concórdia e harmonia no trinômio estado natural/contrato social/
estado civil [...]” (MELLO, 1989, p. 85).

O trabalho nesse nível é uma referência à territorialidade (biológica, orgânica, na base das construções
intelectuais sobre o poder, tanto para a antropologia quanto para a geografia).

O homem era naturalmente livre e proprietário de sua pessoa e de seu


trabalho. Como a terra fora dada por Deus em comum a todos os homens,
ao incorporar seu trabalho à matéria bruta que se encontrava em estado
natural, o homem tornava-a sua propriedade privada, estabelecendo sobre
ela um direito próprio do qual estavam excluídos todos os outros homens.
O trabalho era, pois, na concepção de Locke, o fundamento originário da
propriedade (MELLO, 1989, p. 85).

Não há detalhes suficientes para sabermos se ele está deliberadamente descartando as propriedades
comunais indígenas, ou se apenas se refere às aldeias e vilas (aglomerados) coloniais.

Se a propriedade era instituída pelo trabalho, este, por sua vez, impunha
limitações à propriedade. Inicialmente, quando “todo o mundo era como
a América”, o limite da propriedade era fixado pela capacidade de trabalho
do ser humano. Depois, o aparecimento do dinheiro alterou essa situação,
possibilitando a troca de coisas úteis, mas perecíveis, por algo duradouro
(ouro e prata), convencionalmente aceito pelos homens. Com o dinheiro,
surgiu o comércio e também uma nova forma de aquisição da propriedade,
que, além do trabalho, poderia ser adquirida pela compra. O uso da moeda
levou, finalmente, à concentração da riqueza e à distribuição desigual dos
bens entre os homens. Esse foi, para Locke, o processo que determinou a
191
Unidade III

passagem da propriedade limitada, baseada no trabalho, à propriedade


ilimitada, fundada na acumulação possibilitada pelo advento do dinheiro.

A concepção de Locke, segundo a qual “é na realidade o trabalho


que provoca a diferença de valor em tudo quanto existe”, pode
ser considerada, em certa medida, como precursora da teoria do
valor-trabalho, desenvolvida por Smith e Ricardo, economistas do
liberalismo clássico (MELLO, 1989, p. 85-86).

É possível, como já indicamos, encontrar não só pontos semelhantes como também distintos entre
os postulados contratualistas.

O contrato social de Locke em nada se assemelha ao contrato hobbesiano.


Em Hobbes, os homens firmam entre si um pacto de submissão pelo qual,
visando à preservação de suas vidas, transferem a um terceiro (homem ou
assembleia) a força coercitiva da comunidade, trocando voluntariamente
sua liberdade pela segurança do Estado-Leviatã.

Em Locke, o contrato social é um pacto de consentimento em que os


homens concordam livremente em formar a sociedade civil para preservar e
consolidar ainda mais os direitos que possuíam originalmente no estado de
natureza. No estado civil, os direitos naturais inalienáveis do ser humano à
vida, à liberdade e aos bens estão melhor protegidos sob o amparo da lei, do
árbitro e da força comum de um corpo político unitário (MELLO, 1989, p. 86).

As palavras-chave para o pensamento de John Locke são consentimento e tolerância.

Assim, a passagem do estado de natureza para a sociedade política ou civil


(Locke não distingue entre ambas) se opera quando, através do contrato
social, os indivíduos singulares dão seu consentimento unânime para a
entrada no estado civil (MELLO, 1989, p. 86-87).

A unanimidade referida leva a outro tema caro ao autor, a tolerância, porque esta seria o cimento que
garantiria a coesão necessária à manutenção de direitos naturais, como a propriedade. Sem tolerância,
não haveria respeito ao espaço e aos bens do outro.

Saiba mais

A tolerância é título de um obra fundamental na bibliografia de John Locke:

LOCKE, J. Carta sobre a tolerância. Tradução Anoar Aiex. São Paulo: Abril
Cultural, 1973. (Coleção Os Pensadores)

192
CIÊNCIA POLÍTICA

Da tolerância, passamos para os princípios da democracia, como espécie de alicerce da força do


bom senso.

Constituído o estado civil, a “comunidade” precisa escolher a forma de governo. Assim, no estado
civil, há uma transição democrática com a escolha do governo. Nessa escolha, a “unanimidade do
contrato originário” transforma-se em democracia, “segundo o qual prevalece a decisão majoritária e,
simultaneamente, são respeitados os direitos da minoria” (MELLO, 1989, p. 8).

De acordo com a teoria aristotélica das formas de governo, a comunidade


pode ser governada por um, por poucos ou por muitos, conforme escolha a
monarquia, a oligarquia ou a democracia. A escolha pode recair ainda sobre
o governo misto, como o existente na Inglaterra após a Revolução Gloriosa,
onde a Coroa representava o princípio monárquico, a Câmara dos Lordes o
oligárquico e a Câmara dos Comuns o democrático.

Na concepção de Locke, porém, qualquer que seja a sua forma, “todo o


governo não possui outra finalidade além da conservação da propriedade”.

Definida a forma de governo, cabe igualmente à maioria escolher o Poder


Legislativo, que Locke, conferindo-lhe uma superioridade sobre os demais
poderes, denomina poder supremo.

Ao Legislativo se subordinam tanto o Poder Executivo, confiado ao príncipe,


como o Poder Federativo, encarregado das relações exteriores (guerra, paz,
alianças e tratados). Existe uma clara separação entre o Poder Legislativo, de
um lado, e os poderes Executivo e Federativo, de outro lado, os dois últimos
podendo, inclusive, ser exercidos pelo mesmo magistrado.

Em suma, o livre consentimento dos indivíduos para o estabelecimento


da sociedade, o livre consentimento da comunidade para a formação do
governo, a proteção dos direitos de propriedade pelo governo, o controle do
Executivo pelo Legislativo e o controle do governo pela sociedade são, para
Locke, os principais fundamentos do estado civil.

[...]

O direito resistência

No que diz respeito às relações entre o governo e a sociedade, Locke afirma


que, quando o Executivo ou o Legislativo violam a lei estabelecida e atentam
contra a propriedade, o governo deixa de cumprir o fim a que fora destinado,
tornando-se ilegal e degenerando em tirania. O que define a tirania é o
exercício do poder para além do direito, visando o interesse próprio, e não o
bem público ou comum (MELLO, 1989, p. 87).
193
Unidade III

E o autor continua:

Com efeito, a violação deliberada e sistemática da propriedade (vida,


liberdade e bens) e o uso contínuo da força sem amparo legal colocam
o governo em estado de guerra contra a sociedade e os governantes em
rebelião contra os governados, conferindo ao povo o legítimo direito de
resistência à opressão e à tirania. [...]. Resgatada e revalorizada por Locke
no Segundo Tratado, a doutrina do direito de resistência transformou-se
no fermento das revoluções liberais que eclodiram depois na Europa e na
América (MELLO, 1989, p. 9).

Assim, concluímos que os direitos naturais inalienáveis do indivíduo à vida, à liberdade e à


propriedade constituem para Locke o cerne do estado civil, e é por isso que ele é considerado o pai
do individualismo liberal.

Norberto Bobbio, resumindo os aspectos mais relevantes do pensamento lockiano, afirma:

Através dos princípios de um direito natural preexistente ao Estado, de um


Estado baseado no consenso, de subordinação do Poder Executivo ao Poder
Legislativo, de um poder limitado, de direito de resistência, Locke expôs as
diretrizes fundamentais do Estado liberal (BOBBIO, 1984, p. 41).

John Locke

Forneceu a posteriori a justificação moral, política e ideológica para


a Revolução Gloriosa e para a monarquia parlamentar inglesa. Locke
influenciou a “revolução norte-americana”, na qual a Declaração de
Independência foi redigida e a guerra de libertação foi travada em termos
de direitos naturais e de direito de resistência para fundamentar a ruptura
com o sistema colonial britânico. [...] Locke influenciou ainda os filósofos
iluministas franceses, principalmente Voltaire e Montesquieu e, através
deles, a Grande Revolução de 1789 e a declaração de direitos do homem
e do cidadão.

E, finalmente, com a Grande Revolução, as ideias “inglesas”, que haviam


atravessado o canal da Mancha e estabelecido uma cabeça de ponte no
continente, transformaram-se nas ideias “francesas” e se difundiram por
todo o Ocidente (MELLO, 1989, p. 88).

8.6 Montesquieu e a distribuição social dos poderes

O sociólogo J. A. Guilhon Albuquerque (apud WEFFORT, 1989, p. 113) inicia sua minibiografia
mencionando os aspectos paradoxais de Montesquieu, cujos vínculos com a monarquia são determinantes
de seu contexto de criação, invenção e descobertas.
194
CIÊNCIA POLÍTICA

É preciso salientar que mesmo sendo de origem aristocrática, Montesquieu não é ideólogo
da nobreza, o que faz é aproveitar suas experiências nas estruturas nobiliárquicas e aplicá-las ao
desenvolvimento das relações políticas: os poderes centralizados da monarquia são, em sua obra,
desmembrados, amparando sua reflexão na constatação pragmática do êxito das monarquias ou
Estados monárquicos, muitos deles com centenas de anos.

Albuquerque é tomado como pioneiro em várias frentes do pensamento moderno. Vejamos


suas características:

• pai da Sociologia;

• inspirador do determinismo;

• estruturador dos três poderes do Estado de direito.

Seu legado mais referido é o de ser precursor das ideias de regimes políticos, da conceituação de
leis (regularidades e fundamentos do “estado de sociedade” x contratualistas), propondo governos em
mútuo controle. Propõe a moderação do poder governamental.

A perspectiva montesquiana é considerada por J. A. Guilhon Albuquerque (1989, p. 113-114)


como mais realista, tendo condições de ser mais realista do que aquela da burguesia, imbuída da
missão de sujeito histórico da mudança; tendo, portanto, sua análise muito comprometida com
seu próprio projeto.

Ao estudar Althusser, Guilhon Albuquerque (1989, p. 114) refere-se ao seu conceito de lei:

Em sua tese sobre Montesquieu, a política e a história (Lisboa, Presença,


1972), Louis Althusser sublinhou com muita pertinência a contribuição
de Montesquieu para a adoção do conceito de lei científica nas ciências
humanas. Até Montesquieu, a noção de lei compreendia três dimensões
essencialmente ligadas à ideia de lei de Deus. As leis exprimiam uma certa
ordem natural, resultante da vontade de Deus. Elas exprimiam também
um dever-ser, na medida em que a ordem das coisas estava direcionada
para uma finalidade divina. Finalmente, as leis tinham uma conotação de
expressão da autoridade. As leis eram simultaneamente legítimas (porque
expressão da autoridade), imutáveis (porque dentro da ordem das coisas) e
ideais (porque visavam uma finalidade perfeita).

Não é à toa que Montesquieu é tido em alta conta pelos juristas, pois avança bastante no tema
legislativo e na teoria das organizações sociais.

Montesquieu introduz o conceito de lei no início de sua obra fundamental, O


Espírito das Leis, para escapar a uma discussão viciada que, dentro da tradição
jurídica – sua contemporânea, ficaria limitada a discutir as instituições e
195
Unidade III

as leis quanto à legitimidade de sua origem, sua adequabilidade à ordem


natural, e a perfeição de seus fins. Uma discussão fadada a confundir, nas
leis, concepções de natureza política, moral e religiosa.

Definindo lei como “relações necessárias que derivam da natureza das


coisas”, Montesquieu estabelece uma ponte com as ciências empíricas, e
particularmente com a física newtoniana, que ele parafraseia. Com isso, ele
rompe com a tradicional submissão da política à teologia. Mas não cairia na
subordinação oposta, estabelecendo uma espécie de determinismo natural
extremamente conservador, porque tornaria as instituições existentes
inelutáveis, insubstituíveis?

Montesquieu está dizendo, em primeiro lugar, que é possível encontrar


uniformidades, constâncias na variação dos comportamentos e formas de
organizar os homens, assim como é possível encontrá-las nas relações entre
os corpos físicos. Tal como é possível estabelecer as leis que regem os corpos
físicos a partir das relações entre massa e movimento, também as leis que
regem os costumes e as instituições são relações que derivam da natureza
das coisas. Mas aqui se trata de massa e movimento de outra ordem, a
massa e o movimento próprios da política, que poderiam corresponder, se
precisássemos levar adiante a metáfora, a quem exerce o poder e como ele é
exercido. São esses, como veremos, a natureza e princípio de governo, bases
da tipologia de Montesquieu.

Com o conceito de lei, Montesquieu traz a política para fora do campo da


teologia e da crônica, e a insere num campo propriamente teórico. Estabelece
uma regra de imanência que incorpora a teoria política ao campo das
ciências: as instituições políticas são regidas por leis que derivam das relações
políticas. As leis que regem as instituições políticas, para Montesquieu, são
relações entre as diversas classes em que se divide a população, as formas de
organização econômica, as formas de distribuição do poder etc.

Mas o objeto de Montesquieu não são as leis que regem as relações entre os
homens em geral, mas as leis positivas, isto é, as leis e instituições criadas
pelos homens para reger as relações entre os homens. Montesquieu observa
que, ao contrário dos outros seres, os homens têm a capacidade de se furtar
às leis da razão (que deveriam reger suas relações), e além disso adotam leis
escritas e costumes destinados a reger os comportamentos humanos. E têm
também a capacidade de furtar-se igualmente às leis e instituições.

O objeto de Montesquieu é o espírito das leis, isto é, as relações entre as leis


(positivas) e “diversas coisas”, tais como o clima, as dimensões do Estado, a
organização do comércio, as relações entre as classes etc. Montesquieu tenta
explicar as leis e instituições humanas, sua permanência e modificações, a
196
CIÊNCIA POLÍTICA

partir de leis da ciência política (ALBUQUERQUE, 1989, p. 114).

Até chegar nos três governos, Montesquieu elaborou suas teses a partir do governo único,
vislumbrando as possibilidades de separá-lo em poderes, combinando sistemas e seus atributos da honra
(monarquia), da virtude (república) e do medo (despotismo).

Vimos que Montesquieu está fundamentalmente preocupado com a


estabilidade dos governos (expressão que corresponderia ao que chamamos
de regime, ou modo de funcionamento das instituições políticas). Com isso,
ele retoma a problemática de Maquiavel, que discute essencialmente as
condições de manutenção do poder.

Os pensadores políticos que precedem Montesquieu (e Rousseau,


que o sucede) são teóricos do Contrato Social (ou do Pacto), estão
fundamentalmente preocupados com a natureza do poder político, e tendem
a reduzir a questão da estabilidade do poder à sua natureza. Ao romper com
o estado de natureza (no qual a ameaça de guerra de todos contra todos põe
em risco a sobrevivência da humanidade), o pacto que institui o estado de
sociedade deve ser tal que garanta a estabilidade contra o risco de anarquia
ou de despotismo.

Montesquieu constata que o estado de sociedade comporta uma variedade


imensa de formas de realização, e que elas se acomodam mal ou bem a
uma diversidade de povos, com costumes diferentes, formas de organizar
a sociedade, o comércio e o governo. Essa imensa diversidade não se
explica pela natureza do poder e deve, portanto, ser explicada. O que deve
ser investigado não é, portanto, a existência de instituições propriamente
políticas, mas sim a maneira como elas funcionam.

Assim, ele vai considerar duas dimensões do funcionamento político das


instituições: a natureza e o princípio de governo. A natureza do governo diz
respeito a quem detém o poder: na monarquia, um só governa, através de
leis fixas e instituições; na república, governa o povo no todo ou em parte
(repúblicas aristocráticas); no despotismo, governa a vontade de um só.

Não se trata de uma noção puramente descritiva, como poderia parecer à


primeira vista. As análises minuciosas de Montesquieu sobre as “leis relativas
à natureza do governo” deixam claro que se trata de relações entre as
instâncias de poder e a forma como o poder se distribui na sociedade, entre
os diferentes grupos e classes da população.

No que concerne à república, por exemplo, Montesquieu lembra que, por


tratar-se de um governo em que o poder é do povo, é fundamental distinguir
197
Unidade III

a fonte do exercício do poder, e estabelecer criteriosamente a divisão da


sociedade em classes com relação à origem e ao exercício do poder. O povo,
diz ele, sabe escolher muito bem, mas é incapaz de governar porque é
movido pela paixão e não pode decidir. Portanto, na natureza dos governos
republicanos está compreendida a relação entre as classes e o poder.

O princípio de governo é a paixão que o move, é o modo de funcionamento


dos governos, ou seja, como o poder é exercido. São três os princípios, cada
um correspondendo em tese a um governo. Em tese, porque, segundo
Montesquieu, ele não afirma que “toda república é virtuosa, mas sim que
deveria sê-lo” para poder ser estável.

Curiosa paixão, que tem três modalidades: o princípio da monarquia é a


honra; o da república é a virtude; e o do despotismo é o medo. Esta é a única
paixão propriamente dita, o único móvel psicológico dos comportamentos
políticos, razão por que o regime que lhe corresponde é um regime que
se situa no limiar da política: o despotismo seria menos do que um
regime político, quase uma extensão do estado de natureza, no qual os
homens atuam movidos pelos instintos e orientados para a sobrevivência
(ALBUQUERQUE, 1989, p. 113-114).

8.7 Rousseau e as bases do Estado democrático

Jean-Jacques Rousseau propõe uma forma de ver, pensar e fazer inovadora em seu tempo, isto é,
sua concepção de vida social, do plano teórico ideal (as abstrações que materializadas socialmente), bem
como das intervenções necessárias ao progresso potencial humano no âmbito social.

Seu trabalho torna-se público após a premiação da Academia de Dijon, que propôs como tema: “O
restabelecimento das ciências e das artes teria contribuído para aprimorar os costumes?’’ Rousseau
indica que não em seu texto, marcando posição distinta em sua época. Desse modo, vai além da dúvida
no que diz respeito ao conhecimento científico, chegando quase ao ceticismo. Em Discurso sobre a
Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, ele diz: “Se nossas ciências são inúteis no
objeto que se propõem, são ainda mais perigosas pelos efeitos que produzem”. Antes pois de defender o
processo de difusão das luzes” (ROUSSEAU, 2008 apud NASCIMENTO, 1989, p. 189).

Com essa posição, pergunta-se sobre que tipo de saber direciona a vida dos seres humanos. O autor
acusa a banalização da produção intelectual como motivada por arrivismo:

Se o progresso das ciências e das artes nada acrescentou à nossa felicidade, se


corrompeu os costumes e se a corrupção dos costumes chegou a prejudicar
a pureza do gosto, que pensarmos dessa multidão de autores secundários...
Que pensarmos desses compiladores de obras que indiscretamente forçaram
a porta das ciências e introduziram em seu santuário uma populaça indigna
de aproximar-se delas, enquanto seria de desejar-se que todos aqueles que
198
CIÊNCIA POLÍTICA

não pudessem ir longe na carreira das letras fossem impedidos desde o início
e encaminhados às artes úteis à sociedade? (NASCIMENTO, 1989, p. 18-190).

Rousseau crítica ciências e artes, embora aceite o que chama no Discurso sobre a Origem e os
Fundamentos da Desigualdade entre os Homens “verdadeira ciência”. Vai, portanto, na contracorrente
dos iluministas, cuja bandeira mais destacada é a disseminação do saber. Afirma que a ciência praticada
é baseada mais no orgulho e na busca de glória e de reputação do que no legítimo amor ao saber, não
passando “de uma caricatura da ciência e sua difusão por divulgadores e compiladores, autores de
segunda categoria, só pode contribuir para piorar muito mais as coisas” (NASCIMENTO, 1989, p. 190).

Pauta suas críticas ao espírito iluminista num ideal de virtude, tomada


como “verdadeira filosofia”, sendo “ciência sublime das almas simples, cujos
princípios estão gravados em todos os corações”. Para se conhecer suas leis,
basta voltar-se para si mesmo e ouvir a voz da consciência no silêncio das
paixões (NASCIMENTO, 1989, p. 190).

E, como em sua opinião a corrupção generalizou-se, sendo apenas uma questão de grau, ciência e
arte são produtos e condições desvirtuados, podendo, “no entanto, desempenhar um papel importante
na sociedade, o de impedir que a corrupção seja maior ainda” (ROUSSEAU, 1991, p. 190).

Rousseau tece raciocínio que reconhece certa função às artes e às ciências, embora participem da
corrupção. Fala de sua necessidade,

Para impedir que se tornem crimes, cobrindo-os com um verniz que não
permite que o veneno se espalhe tão livremente. Destroem a virtude, mas
preservam o seu simulacro público que é sempre uma bela coisa; em seu
lugar, introduzem a polidez e a decência, e substituem o temor de parecer
mau pelo de parecer ridículo (ROUSSEAU, 1991, p. 190).

Ele imagina uma espécie de censura pautada na moral para a produção e difusão artística e
científica. Critica e, de certo modo, enaltece-as, sendo ele próprio cientista e artista. Trata-se de destacar
suas funções pedagógicas. “Não se trata, portanto, de acabar com as academias, as universidades, as
bibliotecas, os espetáculos. As ciências e as artes podem muito bem distrair a maldade dos homens e
impedi-los de cometer crimes hediondos” (ROUSSEAU, 1991, p. 190).

Rousseau acredita que ciência e arte devem cumprir papéis emblemáticos, exemplificadores da
virtude, não mais prescritivos.

Os temas mais candentes da filosofia política clássica, tais como a passagem


do estado de natureza ao estado civil, o contrato social, a liberdade civil,
o exercício da soberania, a distinção entre o governo e o soberano, o
problema da escravidão e o surgimento da propriedade serão tratados por
Rousseau de maneira exaustiva, de um lado, retomando as reflexões dos
autores da tradicional escola do direito natural, como Grotius, Pufendorf e
199
Unidade III

Hobbes e, de outro, não poupando críticas pontuais a nenhum deles, o que


o colocará, no século XVIII, em lugar de destaque entre os que inovaram
a forma de se pensar a política, principalmente ao propor o exercício
da soberania pelo povo, como condição primeira para a sua libertação
(NASCIMENTO, 1989, p. 194).

Os textos que mais nos interessam, pontos altos da obra política de Rousseau, são O Contrato Social
e o Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens. A noção de pacto é
fundamental em suas teses.

A chave para se entender a articulação entre essas duas obras está no primeiro
parágrafo no capítulo I, do livro I, do Contrato: “O homem nasce livre, e por
toda parte encontra-se aprisionado. O que se crê senhor dos demais não
deixa de ser mais escravo do que eles. Como se deve esta transformação?
Eu o ignoro: o que poderá legitimá-la? Creio poder resolver esta questão”.
[...] Ora, a trajetória do homem, da sua condição de liberdade no estado de
natureza, até o surgimento da propriedade, com todos os inconvenientes
que daí surgiram, foi descrita no Discurso sobre a Origem da Desigualdade.
Nesta obra, o objetivo de Rousseau é o de construir a história hipotética da
humanidade, deixando de lado os fatos, procedimento semelhante ao que
outros filósofos já haviam feito no século XVII. Espinosa e Hobbes tomaram
de empréstimo, da geometria, o método para a análise dos problemas da
moral e da política. Rousseau, por sua vez, afirma na introdução ao Discurso
sobre a Desigualdade [...] (NASCIMENTO, 1989, p. 194).

No Discurso sobre a Origem da Desigualdade, Rousseau propõe afastar todos os fatos, pois eles não
dizem respeito à questão central da transição.

Não se devem considerar as pesquisas, em que se pode entrar neste


assunto, como verdades históricas, mas somente como raciocínios
hipotéticos e condicionais, mais apropriados a esclarecer a natureza
das coisas do que a mostrar a verdadeira origem e semelhantes àqueles
que, todos os dias, fazem nossos físicos sobre a formação do mundo
(NASCIMENTO, 1989, p. 194).

Quando declara sua ignorância sobre a transformação do homem, da liberdade em direção da


servidão, Rousseau está se referindo ao que poderíamos denominar “fatos reais”, de difícil verificação,
visto que o material sobre esse processo é disperso, e cujas conexões são abstratas. Trata do que hoje
designamos como trabalho arqueológico.

Ele opta pela alternativa da construção hipotética, demonstrada por meio de argumentação
racional. Logo, a história hipotética da humanidade, por ele enfatizada, culminaria com a legitimação
da desigualdade, quando a proposta do pacto é feita pelo rico.

200
CIÊNCIA POLÍTICA

Há uma bandeira, um estandarte político (que sua história de vida ajuda a entender) propondo a
defesa dos “fracos” contra a opressão, “conter os ambiciosos e assegurar a cada um a posse daquilo
que lhe pertence” (NASCIMENTO, 1989, p. 195) cuidando da institucionalização de justiça e de paz,
cuja universalização não permita exceções, garantindo reciprocidade entre todos. Esta é a principal
linguagem contratual: eis a emergência da figura do contrato. Contrato ou termo de compromisso entre
as partes, com base no ideal de justiça, tanto como instrumento de reparação quanto de melhoria da
qualidade social; voltado ao passado e que se projeta ao futuro. Em resumo:

Numa palavra, em lugar de voltar nossas forças contra nós mesmos,


reunamo-nos num poder supremo que nos governe segundo sábias leis,
que protejam e defendam todos os membros da associação, expulsem os
inimigos comuns e nos mantenham em concórdia eterna (NASCIMENTO,
1989, p. 195).

Para Rousseau, na raiz disso, encontramos uma espécie de sedução histórica:

Todos correram ao encontro de seus grilhões, crendo assegurar sua liberdade


[...]. Tal foi ou deveu ser a origem da sociedade e das leis, que deram novos
entraves ao fraco e novas forças ao rico, destruíram irremediavelmente a
liberdade natural, fixaram para sempre a lei da propriedade e da desigualdade,
fizeram de uma usurpação sagaz um direito irrevogável e, para proveito de
alguns ambiciosos, sujeitaram doravante todo o gênero humano ao trabalho,
à servidão e à miséria (NASCIMENTO, 1989, p. 195).

Colocada a pedra de toque, Rousseau parte para a obra O Contrato Social afirmando que “o homem
nasce livre e em toda parte encontra-se a ferros”.

Segundo Nascimento (1989, p. 190), seu projeto, então, muda de nível: passa das tentativas de
reconstrução hipotética da história às indicações do “dever ser de toda ação política”. O que incomoda
Rousseau são as razões da mudança da liberdade para a servidão. Sobre essa questão (apresentada no
Discurso), afirma que não tem resposta, mas um projeto: estabelecer no contrato social as condições de
um pacto no qual os seres humanos realizem sua liberdade civil após a perda da liberdade natural, o que
é explanado nos capítulos VI a VIII do livro O Contrato Social. Como em qualquer contrato, a legitimação
do pacto social requer a condição de igualdade das partes contratantes.

Rousseau enfatiza que as cláusulas do contrato devem ser bem compreendidas e, por sinal,

Reduzem-se a uma só: a alienação total de cada associado, com todos


os seus direitos, à comunidade toda, porque, em primeiro lugar, cada um
dando-se completamente, a condição é igual para todos e, sendo a condição
igual para todos, ninguém se interessa por tornar onerosa para os demais
(NASCIMENTO, 1989, p. 196).

201
Unidade III

No Discurso foi identificado o problema, no Contrato não há prejuízos em virtude da associação


que constitui uma unidade soberana fixada nesse acordo (contrato) cuja atribuição é regulamentar
a vida política, desde os limites às ações aos estatutos dos institutos, como o da propriedade de
cada membro.

A liberdade civil deve ocorrer no estado de sociedade, no momento em que nos submetemos às
regras do contrato, ao abrirmos mão do ideal de liberdade natural (jusnaturalismo), abstrata. É encargo
do provo soberano (parte ativa e passiva no processo, sendo agente ao promover as leis e obediente às
mesmas leis) constituir-se como ser autônomo, agindo por si.

Nestas condições haveria uma conjugação perfeita entre a liberdade e a


obediência. Obedecer à lei que se prescreve a si mesmo é um ato de liberdade.
Fórmula que seria desenvolvida mais tarde por Kant. Um povo, portanto, só
será livre quando tiver todas as condições de elaborar suas leis num clima
de igualdade, de tal modo que a obediência a essas mesmas leis signifique,
na verdade, uma submissão à deliberação de si mesmo e de cada cidadão,
como partes do poder soberano. Isto é, uma submissão à vontade geral, e
não à vontade de um indivíduo em particular ou de um grupo de indivíduos
(NASCIMENTO, 1989, p. 196).

A igualdade de todos (entre si) na base do corpo político deve ser também a condição “da máquina
política”, responsável pela manutenção de tal ordem, garantindo que o pacto inicial perdure de modo
estrutural. Tal ordem materializa-se nas organizações político-administrativas ou governos, o que
Rousseau (1991) destaca no Livro III de O Contrato Social.

Todo o livro III do Contrato Social será dedicado ao governo. Para Rousseau,
antes de mais nada, impõe-se definir o governo, o corpo administrativo do
Estado, como funcionário do soberano, como um órgão limitado pelo poder
do povo, e não como um corpo autônomo ou então como o próprio poder
máximo, confundindo-se neste caso com o soberano. Se a administração
é um órgão importante para o bom funcionamento da máquina política,
qualquer forma de governo que se venha a adotar terá que submeter-
se ao poder soberano do povo. Neste sentido, dentro do esquema de
Rousseau, as formas clássicas de governo, a monarquia, a aristocracia e
a democracia teriam um papel secundário dentro do Estado e poderiam
variar ou combinar-se de acordo com as características do país, tais como
a extensão do território, os costumes do povo, suas tradições etc. Mesmo
sob um regime monárquico, segundo Rousseau, o povo pode manter-se
como soberano, desde que o monarca se caracterize como funcionário do
povo (NASCIMENTO, 1989, p. 197).

Nascimento (1989) encaminha sua análise sobre o trabalho de Rousseau acentuando algumas
questões que reputa como recorrentes:

202
CIÊNCIA POLÍTICA

1. Em que medida, ao estabelecer um dever-ser de toda ação política, ou seja,


as condições de possibilidade de uma ação política legítima, o autor estaria
propondo um outro tipo de sociedade e dessa maneira estaria acreditando
numa ação política transformadora?

2. Da servidão, teríamos condições de desenvolvermos um projeto visando à


recuperação da liberdade? (NASCIMENTO, 1989, p. 198-199).

O autor avalia que parece haver “uma certa incredulidade quanto à recuperação da liberdade por povos
que já a perderam completamente”. Ele apresenta uma concepção de história que reputa como “pessimista”.
Rousseau é tido por “moderado” em suas ações políticas concretas, como afirma Nascimento (1989, p. 199):

Quando chamado a atuar na política concreta, quando convidado a elaborar o


projeto de constituição para a Córsega e a redigir a reforma das leis polonesas,
Rousseau será bastante moderado e usará sempre a máxima que já havia
enunciado no Contrato Social: a primeira tarefa do legislador é conhecer muito
bem o povo para o qual irá redigir as leis. Não existe uma ação política boa em
si mesma em termos absolutos. Cada situação exige um tratamento especial. A
ação política será mesmo comparada à ação do médico diante do paciente.

Sua moderação e aparente relativismo se devem ao receio de indicar caminhos rígidos para
circunstâncias diferentes, isto é, sua perspectiva científica procura lógica e regularidades e, embora
tenha projeto político, está comprometido com a realidade, sem falseá-la ou distorcê-la, como fica
explícito na citação.

O texto a seguir trata do contrato social de Rousseau.

Do pacto social

Eu imagino os homens chegados ao ponto em que os obstáculos, prejudiciais à sua


conservação no estado natural, arrastam-nos, por sua resistência, sobre as forças que
podem ser empregadas por cada indivíduo a fim de se manter em tal estado. Então, esse
estado primitivo não mais tem condições de subsistir, e o gênero humano pereceria se não
mudasse sua maneira de ser.

Ora, como é impossível aos homens engendrar novas forças, mas apenas unir e dirigir as
existentes, não lhes resta outro meio, para se conservarem, senão formando, por agregação,
uma soma de forças que possa arrastá-los sobre a resistência, pô-los em movimento por um
único móbil e fazê-los agir de comum acordo.

Essa soma de forças só pode nascer do concurso de diversos; contudo, sendo a força
e a liberdade de cada homem os primeiros instrumentos de sua conservação, como as
empregará ele, sem se prejudicar, sem negligenciar os cuidados que se deve? Esta dificuldade,
reconduzida ao meu assunto, pode ser enunciada nos seguintes termos:
203
Unidade III

“Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda a força comum a
pessoa e os bens de cada associado, e pela qual, cada um, unindo-se a todos, não obedeça,
portanto, senão a si mesmo, e permaneça tão livre como anteriormente”.

Tal é o problema fundamental cuja solução é dada pelo contrato social.

As cláusulas deste contrato são de tal modo determinadas pela natureza do ato que a
menor modificação as tornaria vãs e de nenhum efeito; de sorte que, conquanto jamais
tenham sido formalmente enunciadas, são as mesmas em todas as partes, em todas as partes
tacitamente admitidas e reconhecidas, até que, violado o pacto social, reentra cada qual em
seus primeiros direitos e retoma a liberdade natural, perdendo a liberdade convencional pela
qual ele aqui renunciou.

Todas essas cláusulas, bem entendido, reduzem-se a uma única, a saber, a alienação
total de cada associado, com todos os seus direitos, em favor de toda a comunidade; porque,
primeiramente, cada qual se entregando por completo e sendo a condição igual para todos,
a ninguém interessa torná-la onerosa para os outros.

Além disso, feita a alienação sem reserva, a união é tão perfeita quanto o pode ser, e
nenhum associado tem mais nada a reclamar; porque, se aos particulares restassem alguns
direitos, como não haveria nenhum superior comum que pudesse decidir entre eles e o
público, cada qual, tornado nalgum ponto o seu próprio juiz, pretenderia em breve sê-lo
em tudo; o estado natural subsistiria, e a associação se tornaria necessariamente tirânica
ou inútil.

Enfim, cada qual, dando-se a todos, não se dá a ninguém, e, como não existe um associado
sobre quem não se adquira o mesmo direito que lhe foi cedido, ganha-se o equivalente de
tudo o que se perde e maior força para conservar o que se tem.

Portanto, se afastarmos do pacto social o que não constitui a sua essência, acharemos
que ele se reduz aos seguintes termos:

“Cada um de nós põe em comum sua pessoa e toda a sua autoridade, sob o supremo
comando da vontade geral, e recebemos em conjunto cada membro como parte indivisível
do todo”.

Logo, ao invés da pessoa particular de cada contratante, esse ato de associação


produz um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quanto a assembleia
de vozes, o qual recebe desse mesmo ato sua unidade, seu eu comum, sua vida e sua
vontade. A pessoa pública, formada assim pela união de todas as outras, tomava outrora
o nome de cidade, e toma hoje o de república ou corpo político, o qual é chamado por
seus membros: Estado, quando é passivo; soberano, quando é ativo; autoridade, quando
comparado a seus semelhantes. No que concerne aos associados, adquirem coletivamente
o nome de povo, e se chamam particularmente cidadãos, na qualidade de participantes na
204
CIÊNCIA POLÍTICA

autoridade soberana, e vassalos, quando sujeitos às leis do Estado. Todavia, esses termos
frequentemente se confundem e são tomados um pelo outro. É suficiente saber distingui-
los, quando empregados em toda a sua precisão (ROUSSEAU, 1991, p. 31-34).

Saiba mais
Para saber mais sobre os pensadores estudados, leia:
SILVA, E. C. da. A democracia moderna em Montesquieu, Locke e
Rousseau. Gramsci e o Brasil, Minas Gerais, nov. 2007. Disponível em:
<http://www.acessa.com/gramsci/?id=823&page=visualizar>. Acesso em:
10 abr. 2018.

Resumo

Nesta unidade, apresentamos as relações internacionais ao tratar de


Estados-nação. Para tanto, abordamos as utopias e concepções modernas
de desenvolvimento, a via capitalista convencional e as alternativas.

Na análise feita neste livro-texto, trouxemos modos de associação


entre Estados e capitais nos formatos de blocos regionais (com facilidades
alfandegárias), contíguos e não adjacentes.

O tema da governança em suas várias escalas foi relacionado, em


especial ao plano supranacional.

Destacamos, ainda, reflexões e modelos de organização política, o


importante ideário contratualista e os pensadores responsáveis pelas
principais ideias políticas do Ocidente, desde a Antiguidade, de Platão e
Aristóteles, passando por Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu e Rousseau.

Exercícios

Questão 1. As alternativas a seguir destacam o imperialismo do fim do século XIX, EXCETO:

A) Expansão de mercados.

B) Exacerbação do nacionalismo.

205
Unidade III

C) Expansão do controle territorial.

D) Industrialização das nações colonizadas.

E) Exploração das colônias sobre a base de interesses comuns e bilaterais.

Resposta correta: alternativa D.

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: com a crise econômica europeia, a expansão de mercados se configura como uma das
características imperialistas.

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: o nacionalismo foi uma das principais características do imperialismo.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: para escoar os bens produzidos na Europa, a expansão do controle territorial se tornou
uma configuração fundamental do imperialismo.

D) Alternativa correta.

Justificativa: o objetivo das nações imperialistas era minimizar a concorrência, portanto, a


industrialização das nações colonizadas não fazia partes dos objetivos europeus.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: o colonialismo do século XIX e de começo do século XX buscava apoiar sua presença
nas áreas de exploração colonial sobre a base de interesses comuns e bilaterais, contribuindo com as
potências colonizadoras, segundo o pretexto imperialista, com os elementos da técnica e da civilização
para o gradual desenvolvimento das populações desses territórios, de acordo com Paulo Bonavides.

Questão 2. Considere os itens a seguir:

I – Proposição de que volume de exportações fosse maior que o de importações para que se
obtivesse uma balança comercial favorável nas colônias.

II – Proposição de que a autoridade do governante nas colônias emanasse diretamente de Deus,


e que o soberano só pudesse ser deposto por Deus.

206
CIÊNCIA POLÍTICA

III – Proposição de aproximação entre as diversas sociedades e nações existentes por todo o
mundo, no âmbito econômico, social, cultural ou político.

Sobre o Neocolonialismo, é correto apenas o que se destaca em:

A) I e II.

B) Todos os itens estão corretos.

C) I e III.

D) II e III.

E) Nenhuma das alternativas anteriores está correta.

Resolução desta questão na plataforma.

207
FIGURAS E ILUSTRAÇÕES

Figura 1

ALVES, J. E. D. As políticas populacionais e o planejamento familiar na América Latina e no Brasil. Rio


de Janeiro: Escola Nacional de Ciências Estatísticas, 2006. p. 9-10.

Figura 2

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Figura 3

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Figura 4

66GRANDE.JPG. Disponível em: <http://www.objetivo.br/conteudoonline/imagens/Aula_15049/66


grande.jpg>. Acesso em: 10 abr. 2018.

Figura 5

IMAGE1.JPG. Disponível em: <http://www.objetivo.br/conteudoonline/imagens/conteudo_4552/


image1.jpg>. Acesso em: 4 abr. 2018.

Figura 6

MAPA_16.JPG. Disponível em: <http://www.objetivo.br/conteudoonline/imagens/conteudo_1608/


mapa_16.jpg>. Acesso em: 4 abr. 2016.

Figura 7

IBGE. Blocos econômicos 2011. IBGE, [s.d.]. Disponível em: <http://geoftp.ibge.gov.br/produtos_


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