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Neste livro fala-se das civiliza­

O LIVRO DO PASSADO ções perdidas, da magia de Cristó­


vão Colombo, dos retratos mágicos
MISTERIOSO que aparecem na lareira de uma re­
sidência espanhola de Agpaoa, “o
Robert Charroux
cirurgião que mergulha suas mãos
no corpo dos doentes como se as
carnes fossem tão/fluidas quanto a
A história dos homens e das suas
água”, coiúo se as leis que regem a
civilização não é mais que aquilo
nossa ciência terrestre não fossem
que foi conveniente aos historiado­
senão imaginações impostas pelos
res narrar para a edificação e mui­
bruxos da física clássica.. .
tas vezes para a subjugação dos
Em O Livro do Passado Miste­
povos e então pareceu útil e razoá­
rioso fala-se de centenas de coisas
vel divulgar fatos estranhos e acon­ que não convém contar num livro
tecimentos heréticos que foram conformista e sacramentado com o
propositalmente mantidos em silên­
imprimatur da boa e respeitável
cio, ignorados ou deturpados por conveniência: bruxarias, aventuras
espíritos que se excedem em seus misteriosas que ocorrem no céu e
raciocínios. poderes incríveis legados aos nossos
A história paralela aqui apresen­
ancestrais terrestres por outros an­
tada não passa de um ensaio rápido tecedentes ainda mais distantes que
e jocoso, às vezes afoito, porém haviam vindo do céu.
sempre fundamentado, embora os
Abre-se aqui aquilo que deveria
elementos disponíveis tenham sido estar lacrado, revela-se o que se
contestados, afastados ou perten­ deveria ocultar, começando, para
çam a esse fenômeno oculto deno­ ferir o diapasão, pela frase miste­
minado o Desconhecido Misterioso. riosa ouvida na Lua pelo cosmo­
Da mesma forma que nos livros nauta Worden e que suscitou um
anteriores e em especial O Livro maldito silêncio da imprensa inter­
dos Mundos Esquecidos (Hemus, nacional presente, e, continua com
1975), Robert Charroux em O Li­ as escadas na montanha que não
vro do Passado Misterioso, e, ante­ levam a parte alguma; a central
riormente em Tesouros do Mun­ cósmica de iniciação dos Mestres
do (Hemus, 1974), propõe-se a do Mundo; a central de estereofonia
abrir, “tão amplamente quanto pos­ de Malta, construída há 6.000
sível”, as portas dos mistérios, dos anos; os museus pré-históricos na­
fatos honestamente heréticos e as turais do petrimundo; a máquina
sugestões capazes de aguçar o senso de filmar o passado; as armas ma­
crítico e a curiosidade daqueles a ravilhosas de nossos ancestrais cel­
quem não satisfazem as decisões tas e outras coisas mais.
absolutistas, os dogmas e as senhas.
ROBERT CHARROUX
Autor de
TESOUROS DO MUNDO
O LIVRO DOS MUNDOS ESQUECIDOS

O LIVRO DO PASSADO
MISTERIOSO
Tradução de:
ATTÍLIO CANCIAN

Editoração de:
MAXIM BEHAR

HEMUS — LIVRARIA EDITORA LTDA.


FICHA CATALOGRÁFICA
(Preparada pelo Centro de Catalogação-na-fonte,
Câmara Brasileira do Livro, SP)

Charroux, Robert.
C435L O livro do passado misterioso; tradução de Attílio Can-
cian, editoração de Maxim Behar. São Paulo, HEMUS,
1975.
p. ilust.
1. Curiosidades e maravilhas 2. Enigmas I. Tí-
tulo.
CDD-001.93
75-0600 -001.94

índices para catálogo sistemático:


1. Curiosidades 001.93
2. Enigmas : Conhecimento controvertido e suposto 001.94
3. Mistérios : Conhecimento controvertido e suposto 001.94
O LIVRO DO PASSADO MISTERIOSO
Robert Charroux

Título original:
LE LIVRE DU PASSÉ MYSTÉRIEUX

© Copyright 1973 by Éditions Robert Laffont S. A.

Direitos adquiridos para a língua portuguesa pela


HEMUS — LIVRARIA EDITORA LTDA.
que se reserva a propriedade desta publicação

Capa:
Equipe Hemus

HEMUS — UVRARIA EDITORA LTDA.


Rua da Glória, 312 — Tels.: 278-6872 e 279-0520
01510 São Paulo — Brasil
Caixa Postal 9686

Impresso no Brasil
Printed in Brazil
SUMÁRIO

Prefácio: 0 homem que opera milagres — Uma frase miste­


riosa pronunciada na lua — Uma emissão de origem
desconhecida — Eis a frase interditada .. 15

PRÉ-HISTÓRIA
Capítulo I — 0 INSÓLITO TERRESTRE ........................... 19
Escadarias misteriosas — Caminhos que levam a outros
lugares — A porta com uma cruz — Chave para abrir
as portas interditadas — A rocha com pés — Sinais de
referência.
Capítulo II — ILHAS E PAÍSES DE UM OUTRO MUNDO 31
A miragem de São Brandão — O mistério da ilha Antilha
— Ela não é mais vista — Antilha-Atlanta — Crianças
de cor verde — Um país debaixo da montanha — Seres
verdes extraterrestres.

Capítulo III — OS ANCESTRAIS SUPERIORES ................ 41


Uma ilha para os Iniciadores — Do homem unicamente
existente na Terra — Ensaio de adaptação ao meio am­
biente — Uma central cósmica de iniciação — Iniciados
pouco sensíveis — Os grandes ancestrais brancos.

Capítulo IV
I. CIVILIZAÇÕES PERDIDAS ...................................... 49
Os arqueólogos selvagens — A coluna de Ashoka — Ela
é de ferro impuro — O vale das Maravilhas — Os homens
do Bego — A lenda do Vale da Máscara — Os cavalos
bancos das dunas — Cidades esquecidas na selva.
II. REINOS IMAGINÁRIOS ............................................ 65
A cidade subterrânea das Lemúrias — Homens com duas
línguas! — Manoa — Americanas — A Ciudad de los
Cesares — O El Dorado original — Sonhos, delírios e
morte — Paititi — A fonte da juventude.

7
capítulo V — CIVILIZAÇÕES MISTERIOSAS: ESCÓCIA,
FRANÇA, SARDENHA, MALTA ........................... 75
A vingança do deus Azúria — O Craig Phoedrick — As
fortificações vitrificadas do Creuse — As pedras queima­
das —■ A hipótese do druida E. Coarer-Kalondan — Os
brochs — Dun Aengus — A Vênus de Quinipily — A bru­
xa da guarda — A Mater gaulesa contra a Santa Virgem
— Uma Groac’h indecente — A civilização dos Nouraghes
— Um templo em forma de mão — O hipogeu de Hal-
Saflieni — Uma central de estereofonia de 6.000 anos —
As Três Enormes — A máquina de ressuscitar mortos
— A Mater de cabeça intermutável — A Nazca de Malta.

O MISTERIOSO DESCONHECIDO
Capítulo VI — A MAGIA E CRISTÓVÃO COLOMBO .... 103
O paraíso terrestre — O mapa de Toscanelli — A mira­
gem das Ilhas Afortunadas — O “Winland” e o México
antes de Colombo — Martim Alonso e Vicente Pinzón —
Os precursores de Colombo — Cabot chega antes de Co­
lombo — A verdadeira finalidade: Reconstruir o templo de
Jerusalém — Fim do mundo em 1656 — Colombo, grão
mestre do templo — Uma missão templária Colombo
cabalista — Um talismã de mestre do mundo — Um pacto
com Satã.
Capítulo VII — O LIVRO DE MAGIA DO GRANDE
ALBERTO ................................................................... 122
Quando a sorte nos bafeja! — Fatos estranhos — O sinal
do além — Os segredos do Grande Alberto — Para se
corresponder por magia a grande distância — Para
transformar o chumbo em ouro fino — O Conde de São
Germano — Nada de milagre na televisão — O homem
vermelho das Tulherias.
Capítulo VIII — OS RETRATOS MÁGICOS DE BELMEZ
DE LA MORALEDA .......................................................... 134
A casa encantada — Um túmulo debaixo da lareira —
As sombras falam — A casa está assombrada -— Outro
rosto aparece — Raios ultravioleta — Existiría algo
supranormal — Correntes telúricas e materialização —
A criação de um mundo.
Capítulo IX — AGPAOA, O ROMPE-BARREIRAS ............ 146
Suas mãos entram nas carnes como se entrassem na água
— Uma prova só: As chagas abrem-se e tornam a fe­
char-se — Três operações com mão nua — As emanações
de Kirlian — A cirurgia espiritual (Psychic Surgery) —
Seria um legado dos Extraterrestres — Levanta-se a ponta
do véu — Ilusionismo e magia — Os racionalistas contes­
tam — As aparências enganam... — A múmia da cripta
hermética.

8
Capítulo X — O MISTERIOSO DESCONHECIDO DO
FOGO .................................................................................... 162
Os estranhos incêndios — Fogo misterioso — Sentença de
Deus ou do Diabo? — O diácono Páris — Os milagres da
histeria — Mulheres crucificadas nuas — Deus está proi­
bido de fazer milagres — Maria Sonnet dorme sobre o
fogo — Na confluência do físico e do psiquismo — O
ignorante zomba das leis físicas.
Capítulo XI — OS LIVROS SIBILINOS E JOANA D’ARC 173
Os livros sibilinos e o fim de Roma — Fim do mundo,
destruição de Nova Iorque e de São Francisco — Oráculos
em pedras. Fim de Marselha! — O sinal do fim do mundo
—• A telepatia de Black — As ondas do pensamento —
O 3.° olho de Joana — A espada mágica — Misteriosa
Joana d’Arc — Filha de Rainha? — Quem é que ardeu na
fogueira? — Era um assunto de magia.

FANTÁSTICO
Capítulo. XII — A MATER, A LILITH E 0 HOMEM SU­
PERIOR .............................................. 189
A Mater hermafrodita — A Mater e a partenogênese —
O canal de Müller — A mulher vive mais tempo — Lilith
(Lília) — Vovó capeta! — O homem seria mais inte­
ligente.
Capítulo XIII — A ESCRITA CROMOSSÔMICA E O
PECADO ...................................................................... 197
A psicosfera — As correntes telúricas — O grande medo
dos ancestrais — Os asilos de paz — A serpente e o esper­
matozóide — A escrita biológica — Invenção do nome —
A alcunha ou nome cromossômico — Maldita da mulher!
— A estranha seita dos cainitas — Dois pesos e duas
medidas — Elogio do racismo — Toda a natureza é racista
— O pecado mortal.
Capítulo XIV — A CRIAÇÃO DO MUNDO ......................... 215
Existe vida em tudo — A tese do Mestre Desconhecido —
Proteus, o viajante do tempo — O + O — e o tempo zero
— Como imaginar o universo — O paradoxo de Zenão —
0 homem do nêutron — 1 morto e 1 vivente — 0 Pai, o
Filho e o Espírito Santo — Ilusão do tempo: universo
instantâneo — 0 Rig Veda dissera-o ... — Deus foi in­
ventado pela Inteligência — Manou sabia disso ... — A
Cosmogênese dos Iniciados.
Capítulo XV — A VIDA E A INTELIGÊNCIA ................... 230
Vida primitiva do cosmo — Deus é o contínuum espaço-
■tempo — Atoum, o Deus átomo — Os deuses atômicos —

9
0 tempo aprisionado — Como nasce a inteligência — Os
cromossomos-memória da natureza — O círculo mágico
sem espaço-tempo.
Capítulo XVI — A NATUREZA QUE PENSA:
I. INTELIGÊNCIA DAS PLANTAS ........................... 230
— A inteligência e a alma —Inteligência das flores —
A genial orquídea — Uma planta calculista.
II. INTELIGÊNCIA DOS ANIMAIS ........................... 244
— O radar do icnêumon — Instinto e inteligência.
III. A VIDA NA MATÉRIA ........................................... 247
— Nossos ancestrais de pedra — Os pontos de amor
— Os pontos de agressividade — A terra se vinga.
Capítulo XVII — OS MUSEUS PRÉ-HISTÓRICOS DO
PETRIMUNDO ................'......................................... 253
A gravidez indócil da natureza — O museu fantástico de
Fontainebleau — Montepellier-Le-Vieux: a cidade do diabo
— Paiolive — A aldeia dos ídolos — O planalto de Mar-
cahuasi — Máquinas do futuro nos rochedos — O petri-
mundo e os museus pré-históricos.
Capítulo XVIII — A MÁQUINA DE FILMAR O PASSADO 275
Os engenhos do futuro — Elixir da juventude — Fogue­
tes de dois estágios no século XVI — O passado jamais
morre — Uma foto das tábuas da lei — Eis o retrato de
Cristo — A chave do enigma...

ENSAIO DE MITOLOGIA FRANCESA


Capítulo XIX — QUANDO OS DEUSES ERAM SERES
HUMANOS .................................................................. 289
O caso dos países muito cristãos — 0 tempo do sonho —
O gênio, o Iniciador e a estrela de cinema — Evêmero,
o ateu — As ilhas Flutuantes — Hesíodo desenterra a
lenda — Os carvalhos de Dodona — Os falsos deuses — A
lenda de Montmarte — Lugares predestinados — O falcão
divino e o uréu — As mitologias e as convergências —
Osíris, Deus recente — Jesus era um deus egípcio — A
crucificação de Osíris — Os mitos e Jesus — O imperador
Juliano.
Capítulo XX — QUANDO OS HOMENS SONHAM COM
VÊNUS ....................................................................... 310
O retorno à fonte do saber — Uma história de Extra­
terrestres — A nuvem do Senhor voador — A verdade
cheira a bruxaria — Os três brilhantes e Vênus — Bel
como um deus — Fadas da água e Serpentes — O mito
da serpente voadora — Mitologia celto-gaulesa — Lu-
signan, capital dos Celtas.

10
MELUSINA
Capítulo XXI — MELUSINA, A SERPENTE ALADA .... 237
Preliminar — Agradecer a Deus em todas as coisas — A
grande caça do conde Aimery — Escrito nos astros — O
vaticínio se realiza — As três senhoras da fonte — Toda
noite, de sábado para domingo — 0 segredo de Melusina
— Encantamentos na floresta — O casamento de Melusina
— A fada construtora — 0 tabuleiro de Melusina — Os
três sinais do destino — 0 segredo da torre — A Licorne
maravilhosa — O vôo da serpente — Comentários —
Textos para consultas.

A FEITIÇARIA
Capítulo XXII — DEMÔNIOS E PRODÍGIOS ................... 359
As clavículas de Salomão — O Enchirídion — Para ser
invencível... E a jarreteira de andamento! — Quando o
fogo queima a sua casa — Denise de la Caille, a possessa
— Ela muge e voa — Satanás ameaçado de excomunhão —
Belzebu, Satanás, Lísis, Matelu e Brifalto assinam o termo
de capitulação! — A maldição que matou Papus — A mor­
te de Fabro de Olivet — Sacrilégio em Raivavaé — Moana,
a estátua maléfica — Bossuet, o bruxo negro — Uma fo­
gueira para a ano 2000.

OS MISTÉRIOS DO CÉU
Capítulo XXIII — AVENTURAS NO CÉU ........................... 375
O Vale das Maravilhas do México — Mensagens gravadas
por Extraterrestres — Gigantes e cosmonautas — Oe
deuses voadores da Austrália — Luas, sóis e ruas no
céu — As “bolas”- extraterrestres de Manilha — Uma
ilha fantasma no radar — Extravagâncias no Mediter­
râneo — Os radares não se enganam, mas... — O motor
sem combustível de Van den Berg.
Capítulo XXIV — AS SOCIEDADES SECRETAS EXTRA­
TERRESTRES ............................................................ 388
The Aetherius Society — A lenda do inferno — Eugênio
Siragusa — Base extraterrestre sobre a Lua preta —
Um fenômeno messiânico — As armas maravilhosas dos
Celtas — O laser dos Tuatha Dé Danann — Os discos
voadores: ilusão ou realidade? — O céu é uma bola de
cristal — Mensagens dos terrícolas aos extraterrestres.
FONTE DAS ILUSTRAÇÕES E FOTOS ............................... 405

11
Aquele que busca a verdade e a
exige com impaciência deve pro.
curá-la junto a quem possui ca­
bedal de conhecimentos. Não
importa qual seja o embusteiro
que lhe venha resolver o proble­
ma.
PREFÁCIO
A história dos homens e das suas civilizações só apresenta
aquilo que aprouve aos historiadores narrar para a edificação
e muitas vezes para a dependência dos povos e então nos
pareceu útil e razoável divulgar fatos estranhos e aconteci­
mentos heréticos que foram propositalmente passados em
silêncio, ignorados ou deturpados por espíritos que se exce­
dem em seus raciocínios.
Nossa história paralela não passa de um ensaio rápido e
jocoso, às vezes afoito, porém sempre fundamentado, embora
os elementos de que dispomos tenham sido contestados, afas­
tados ou pertençam a esse fenômeno oculto que denominamos
o “Desconhecido Misterioso”.

O HOMEM QUE OPERA MILAGRES

Da mesma forma que os nossos livros anteriores, O Livro do


Passado Misterioso propõe-se a abrir, “ tão amplamente quanto
possível”, as portas dos mistérios, dos fatos honesta mente
heréticos e as sugestões capazes de aguçar o senso crítico e a
curiosidade daqueles a quem não satisfazem as decisões abso-
lutistas, os dogmas e as senhas1.
Neste livro se fala das civilizações perdidas, da magia de
Cristóvão Colombo, dos retratos mágicos que aparecem na
placa da lareira de uma residência espanhola pertencente a
Agpaoa, o "cirúrgico que mergulha suas mãos no corpo dos
doentes como se as carnes fossem tão fluidas quanto a água”,
como se as leis que regem a nossa ciência terrestre não fossem
senão imaginações impostas pelos bruxos da física clássica. ..
Fala-se nele de centenas de coisas que não convém contar
num livro conformista e sacramentado com o imprimatur da
boa e respeitável, conveniência: bruxarias, aventuras misterio­

1 — Também o Dr. Gregório Jauvais se insurge contra as teses ofi­


ciais em seu livro Eçros Escandalosos em Matéria de Saúde,
das edições «Série Radieuse».

15
sas que ocorrem no céu e poderes incríveis legados aos nossos
ancestrais terrícolas por outros ancestrais ainda mais distantes
que haviam vindo do céu.
Abre-se neste livro aquilo que deveria estar lacrado, reve­
la-se o que se deveria ocultar, começando, para ferir o diapa-
são, pela frase misteriosa ouvida na lua pelo cosmonauta
Worden.

UMA FRASE MISTERIOSA PRONUNCIADA NA LUA


Precisamente as 8 horas da manhã do dia 3 de agosto de
1971, numa terça-feira, no France-Inter, o locutor René D.
recebia o jornalista científico Lucien B. que, em caráter ex­
cepcional, vinha comentar a alunissagem da Apoio XV.
Encontrávamo-nos à escuta e somos testemunhas do se­
guinte diálogo que se estabeleceu desde a tomada de contato:
— Bom dia, Lucien B.! Certamente poderá o Sr. traduzir-
nos a frase misteriosa que Worden ouviu quando se encontrava
em nosso satélite?
René D. pronunciou então distintamente oito ou dez pa­
lavras e Lucien B., um tanto confuso, respondeu:
— Pobre de mim, quem sou eu para vos traduzir este no­
tável e nobre símbolo?
Com muita aparência de verdade, o jornalista científico
estava sendo sincero e a expressão que usou não significava de
modo algum que se tratava de um símbolo nobre e impor­
tante.
O incidente ficou nisto, mas, seja como for, esta frase
misteriosa, que viera em linha reta da lua, continha algo com
que apaixonar a opinião pública e atiçar a curiosidade dos
jornalistas.
Oxalá toda a imprensa tivesse tomado conhecimento desta
informação que representava uma conquista inesperada!
Infelizmente, nada disto! A imprensa, dita informativa,
observou um mutismo que se parecia muito com uma conspi­
ração do silêncio.
Múltiplas tentativas desenvolvidas junto a René D., Lucien
B. e outros jornalistas científicos da ORTF esbarraram com
um muro de ignorância ou de má vontade.
Ninguém tinha ouvido a maldita frase, Lucien B. não se
lembrava mais dela (o que era muito normal) e René D. des­
conversava e saía pela tangente.

16
UMA EMISSÃO DE ORIGEM DESCONHECIDA

Contudo, um dos nossos confrades, as oito horas do dia


3 de agosto, prestara atenção no France-Inter: era Alain Aya-
che, editorialista do semanário Le Meilleur e no número 33 do
seu jornal, a página 4, publicou um artigo de sete colunas com
a seguinte manchete: “Porque NINGUÉM falou da misteriosa
mensagem captada na Lua — 20 palavras intraduzíveis que
semeiam verdadeiramente o pânico — Talvez seja a prova
de que existem outros homens — Fato que a NASA quis ocul­
tar” .
Trazendo uma bela foto de Worden e ocupando uma pá­
gina inteira, o artigo contava detalhadamente a ocorrência que
se registrara na Lua. Nesse dia tudo funcionava às mil mara­
vilhas em nosso satélite senão quando, as 11 horas e 15 minu­
tos, se produziu um fenômeno de interrupção (fading): per­
dera-se o contacto com Houston!
Worden, que estava encarregado das telecomunicações,
teve sua atenção despertada por um sopro que no seu posto
de escuta se transformou num longo assobio.
"Seu receptor estava captando uma emissão cuja origem
era impossível definir. ”
Houve em seguida murmúrios abafados e uma espécie de
modulação de palavras pronunciadas numa língua desconhe­
cida e depois uma frase “constantemente repetida num tom
que ia do grave ao agudo com timbres levemente estridentes
seguidos de exclamações roucas”.
Felizmente a emissão havia sido registrada no magneto-
fone de Lem, e Worden a retransmitira à Nasa:
"Depois de alguns momentos de confusão — é o que se
lê no Le Meilleur, o diálogo entre Houston e Apoio XV foi des­
viado para um alto-falante que dava para um escritório se­
creto . "
A conversa e a recepção da misteriosa mensagem prosse­
guiram .
Depois disto, conforme dissemos: black-out total sobre o
assunto, tanto nos Estados Unidos como em todos os países
do mundo.
Como é que o Le Meilleur teve conhecimento destes deta­
lhes e, se são exatos, é coisa que não sabemos; mas um fato se
estabeleceu: uma Conjuração interditou a divulgação da fra­
se "lunar”.

17
EIS A FRASE INTERDITADA

Custou-nos muito tempo e trabalho para enfim conhecer


parcialmente a palavra do enigma e isto por meio de estrata­
gemas que dependem do “segredo profissional”, conforme a
expressão que os jornalistas gostam de empregar!
Quando estávamos prestando atenção tínhamos retido ou
julgado reter duas palavras do texto: “lamma”, porque esta
palavra consta das últimas palavras que Jesus pronunciou na
cruz (Eli, Eli, lamma sabacthani) e “rabbi”, cuja identificação
é fácil, o que nos autoriza a crer que a frase, que nos foi rela­
tada, foneticamente está plenamente de acordo com o original.
Dividida aleatoriamente em oito palavras, eis a frase:
Mara* rabbi allardi dini endavour esa couns alim.
Parece que estamos frente a palavras hebraicas mistura­
das com outras de origem incerta.
Em hebraico, mar pode significar: senhor; ou mara: amar­
ga; rabbi: mestre, rabino; dini: lei, sentença. Se endavour é
do inglês “endeavour”, então o significado é: esforço.
0 mistério mais completo gira em torno de allardi, esa,
couns e alim. Talvez filólogos astuciosos encontrem a chave
do enigma!
A leitura de um prefácio sempre se toma enfadonha, mas
se o nosso prefácio não vos causou demasiado fastio, então
podereis empreender, em nossa companhia, a viagem insólita
para a qual vos convidamos.

2 — É possível que tenhamos ouvido mal a primeira palavra da frase,


a qual seria mara e não lamma.

18
PRE-HISTORIA

Capítulo I

0 INSÓLITO TERRESTRE

Desde tempos imemoriais nossos ancestrais creram em


países fabulosos, planetas gêmeos da Terra e em seres sobre­
naturais do tipo elfos, gigantes, gênios ou fadas.
Em nossos dias os homens se jactam de racionalismo es­
clarecido, não dão mais crédito a esses mitos, mas falam da
Atlântida, de planeta transmarciano, de Terras idênticas às
nossas que gravitam muito distantes no cosmo. Acreditam nos
profetas, nos astrólogos, no menino Jesus e no bom do Santo
Antônio, que faz reencontrar os objetos perdidos. Enfim, di­
zem que possuem a intuição de mundos invisíveis que se inter-
penetram a que chamam de universos paralelos.
Com efeito, as crenças mudam de nome, mas não a ponto
de alterarem a natureza; afinam com o gosto da moda, atuali­
zam-se, ostentam certos ares de contestação e científicos, mas
com isto não quer dizer que deixem de ser razoáveis:
Nem menos razoáveis, devemos nós acrescentar!

ESCADARIAS MISTERIOSAS

O mundo tem um percurso apaixonante, tão fascinante


que cada vez mais surgem vocações de arqueólogos desprepa­
rados, amadores, diante da ausência e carência de arqueólogos
oficiais.

19
As pistas ou desenhos gigantes dos pampas de Nazca, no
Peru, representam um exemplo típico da arqueologia ignorada
por aqueles que são precisamente pagos para conhecê-la.
Estas pistas, esses atalhos, esses caminhos balisados....
para que e por quem foram eles construídos? (3)

Mas não é somente Nazca que apresenta estas espécies


de enigmas: na Inglaterra, na Irlanda, na França, na Tchecos-
lováquia, no Ceilão etc., outros traços estão a desafiar expli­
cações que não se encontram em manuais clássicos.
Antes de 1973, quem é que se interessou por essas peque­
nas "escadarias” talhadas nos penedos das montanhas as quais
sobem, cruzam-se, escalam declides abruptos e se dirigem
sobre montículos de grez?
Ora os degraus param diante de um esquema de entradas,
ora diante de uma espécie de patamar ou de cavidade escavada
na rocha, às vezes não vão dar em parte alguma ou terminam
numa fenda.
Na Tchecoslováquia “arqueólogos” oficiais afirmam que
se trata de erosão natural, tese esta que não merece que se
perca tempo com discussões.
Evidentemente, estes degraus foram cavados por mãos hu­
manas. Suas dimensões variam com os lugares: no Ceilão,
onde são mais numerosos, sua superfície, ou escavado, mede
cerca de 20 x 15 cm e a altura de um degrau, ou contra-degrau,
é de somente 10 mentímetros.
Às vezes, sem nenhuma necessidade aparente, duas ou
três escadarias são abertas no rochedo, dispostas em forma
paralela ou não. Uma escadaria pára bruscamente, uma outra
continua, a terceira se junta à primeira.
O plano geral é ou parece incoerente e podemos garantir
que não atende a nenhuma necessidade, a nenhuma comodi­
dade humana de utilização.
De mais a mais, o pé humano só encontra um lugar difícil
em cada degrau e para servir-se da escadaria (afinal, pode-se
dizer que é uma escadaria?) é preciso subir os degraus de
quatro em quatro, tão perto estão um do outro.

3 — Desde 1968 vínhamos apresentando teses sobre a Nazca em O Li­


vro do Misterioso Desconhecido, cap. III, Ciência anterior.
No O Livro dos Mundos Esquecidos (ed. Hemus) dedicamos uma
reportagem com fotografias, no cap. I.

20
Sigíria (Ceilão). Escadarias para elfos; fadas e seres misteriosos
escalaram os flancos de um rochedo enorme.

21
CAMINHOS QUE LEVAM A OUTROS LUGARES

Como no caso das pistas de Nazca, só o irracional pode


encontrar uma explicação para aquilo que não pertence ao
nosso universo de razão.
É preciso imaginar construtores dos tempos antigos ani­
mados de pensamentos cujo mecanismo, muito diferente do
nosso, misturava estreitamente as contingências do nosso
mundo com aquelas de um outro mundo sobrenatural.
Na mitologia dos celtas encontramos este maravilhoso
psíquico e intelectual com os castelos perigosos, os muros que
se abrem e tornam a fechar-se para deixar o herói penetrar
num universo regido por dimensões desconhecidas, onde o
espaço-tempo não tem nenhuma medida comum com aquele
da nossa ciência.
Eis a razão porque somos de opinião que as escadarias de
Ceilão devem ter sido escavadas para servirem a personagens
ou a entidades de um mundo de Alhures, para fantasmas, deu­
ses ou para os seres incomuns e forasteiros, que sabem con­
tornar os precipícios, passar através das portas dos roche­
dos ... que conhecem o crivo que permite a comunicação dos
outros universos com o nosso.
Nesta hipótese, as portas delineadas, esboçadas nas pare­
des rochosas "dão” para um país encantado, vedado ao acesso
dos homens a não ser que, por graça especial, tenham sido
convidado a penetrar nele.
Na França encontramos semelhantes portas em Dor-
dogne; no Peru temos visto escadarias largas e bem trabalha­
das que param diante da montanha ou, em algum caso, em
cima de blocos que não ultrapassam um metro de altura.
Em Petra, na montanha de Hor, na fronteira ocidental da
atual Jordânia, há uma verdadeira cidade que se abre sobre
um circo (4).
Ao sul de Arequipa, no Peru, o rochedo Ylo traz uma ins­
crição que fornece uma chave mágica: “A porta da entrada
secreta do Socoban (túnel), que leva aos mistérios e ao ouro
do mundo antigo perdido, está escondida atrás de um dos três
cumes e defendida por emanações mortais”.
Incontestavelmente, os homens do nosso século não pos­
suem mais a psicologia do maravilhoso que outrora permitia
crer num outro universo paralelo, desta natureza.

4 — Leiam O Livro dos Mundos Esquecidos (ed. Hemus), cap. VII,


que trata das Civilizações misteriosas.

22
Na ilha de Ceilão uma civilização enigmática talhou estes degraus
que não se sabem aonde vão dar.

Talvez seja o segredo perdido dos antigos, perdido com


a palavra, com a bebida de iniciação e com a faculdade de
entrar em cheio no mundo que agora chamamos de sobrena­
tural, com o senso de impossível e do mítico.
Em alguns penhascos do Ceilão, na região de Sigíria,
quando sobem por flancos alcantilados, as “escadarias” não
passam de atalhos, como vãos de escada, mas talhados em
forma de buraco.
Às vezes os penhascos com escadarias estão eriçados de
buracos quadrados de 15 x 15 cm, dispostos como as casas
de um tabuleiro de xadrez.
Também neste caso o espírito racional acha-se impotente
para encontrar uma explicação, mas está fora de dúvida que
estes trabalhos singulares pertencem a uma civilização an­
tiga cujo traço se esvaneceu na bruma dos tempos e da indi­
ferença .

23
A PORTA COM UMA CRUZ

Num passado longínquo os iniciados sabiam ultrapassar


as leis físicas que querem prender-nos a uma realidade que
não é verdadeira no absoluto.
Pitágoras sabia passar pela “porta falsa” e viajava no
tempo, não com meios físicos — análogos aos nossos autos,
aos nossos aviões, aos nossos mísseis — mas por meio da
geometria.
Segundo a tradição, os iogues do Himalaia ainda recebem
às vezes um desenho que representa uma porta fechada, sim­
bolizada em nossa escrita pela letra A = porta trancada.
A mensagem vem acompanhada de algumas palavras:
“Venha unir-se a nós”.
0 iogue sabe entrar em abstração, sabe tornar-se letra,
número, equação; desprende seu eu superior de sua matéria
e dos imperativos terrestres e universais.
É então que ele se torna um Outro. Seu eu imponderável
sobe as escadarias da montanha do encontro, abre a porta
desenhada no rochedo e penetra no granito compacto e her­
mético onde, com uma precisão maravilhosa e matemática,
reencontra aqueles que o aguardavam numa fenda do nosso
espaço-tempo.
Atrás dos iogues, todas as portas da montanha são tran­
cadas com uma cruz.
O Livro dos Mortos dos antigos egípcios diz que, no gran­
de quadrado do conhecimento em ângulos infinitos, a cruz
constitui sinal negativo: proibição de penetrar.
Representa também o sinal do esquecimento: colocar uma
cruz sobre alguém ou sobre alguma coisa.
A cruz e o punhal têm um simbolismo idêntico: morte.
É o sinal das conjuras de sátira.
O sinal de conjuras de verdade é representado por um
círculo, um triângulo ou um retângulo.

CHAVE PARA ABRIR AS PORTAS INTERDITADAS

É a exploração e a análise do insólito no mundo inteiro


que permitem que o observador lógico construa uma síntese
e adiante explicações, por mais arriscadas que possam parecer.
A este processo de investigação, acrescentamos da nossa
parte um confronto com os fenômenos da atualidade, pois
somos de opinião que o misterioso desconhecido humano pos­
sui uma central de informações, de qualquer maneira um re­
gistro em que são anotadas todas as experiências passadas.

24
Às vezes a escadaria consta somente de pequenos entalhes. Um ser
humano não pode de forma alguma subir por eles.
Em outras palavras, toda a história do homem depois de sua
criação está gravada em seus cromossomos-memórias, como
o código genético o é para cada espécie.

Um carvalho segue sua longa tradição de árvore com o


conhecimento e as aquisições registradas pelos seus ances­
trais; um gato, uma andorinha, um goiveiro têm em seus cro­
mossomos ou nos mensageiros de sua evolução as qualidades,
os tabus, as manifestações de vida, de sobrevivência e de sal­
vaguarda que constituem o seu caráter de Viventes

É por meio deste processo que podemos, pelo que parece,


explicar o fenômeno hippie e Jesus superstar, fazendo um
confronto dele com o fenômeno de Jesus de há dois mil anos.

Da mesma forma, pensamos que o mistério das pirâmides


do Egito não pode ser explicado senão pelo estudo das pirâ­
mides da França, da Irlanda, do Peru e da China por meio da
criogenia5.

A criogenização atual dos mortos no azoto líquido a me­


nos de 169°, com a finalidade de permitir uma eventual ressur­
reição no futuro, é a explicação das câmaras de imortalidade
que constituem as pirâmides de Gizé onde a múmia devia per­
manecer intacta à espera da ressurreição por graça de Osíris.

Por conseguinte, se efetuarmos um recenseamento tão


completo quanto possível do que há de insólito sobre a terra
poderemos tentar abrir as portas interditadas do misterioso
desconhecido.

Na França, o enigma da Rocha com pés talvez tenha uma


ligação com aquele das escadarias para os fantasmas de Si­
gíria no Ceilão.

A ROCHA COM PÉS

Esta rocha, que fica na Savóia, perto de Lanslevillard, é


constituída de um enorme bloco que possui as pegadas que
justificam o seu nome

5 — Leiam O Livro do Misterioso Desconhecido, de Robert Charroux,


em seu cap. XII. o Mistério das Pirâmides.

26
A Rocha com Pés, perto de Lanslevillard (Savóia).

Nossos amigos e colaboradores do "Grupo de estudos dos


amigos do insólito e amigos leitores de Robert Charroux”6
foram ao local, partindo do desfiladeiro da Madalena, a uma
altitude de 1.750 metros e seguiram o caminho balisado GR5.
O percurso levou três horas e meia. A Rocha com pés
está situada entre os contrafortes do Grande Penhasco negro
e a penedia de Pisselerand; tem a forma de mesa de granito
colocada num vertente de montanha, em posição inclinada,
embora sua escalada seja fácil.
De forma oval, com um diâmetro de aproximadamente
cinco metros; o lado mais abrupto tem 2,50 a 3 metros de
altura e domina o vale no lado do sol poente.

6 — Grupo de Estudos dos Amigos do Insólito e Amigos Leitores de


Robert Charroux, sob a presidência de Gilbert Bovard, à rua dos
Reis n.° 15, 1204 Genebra (Suíça). O exame da pedra foi feito
pelos Srs. Gilbert Bovard e Claude Berney e Srta. Ivone Gugger.

27
A Rocha com Pés. Com exceção de duas, as marcas dos pés estão
todas voltadas em direção ao sol poente.

Na pedra podem ser vistas pegadas — umas cincoenta —


perfeitamente e com algumas poucas exceções parecem ter
sido traçadas com uma ferramenta obedecendo o formato dos
calçados.
Estes sinais dos pés, de três dimensões — 16, 20 e 25 cms
(medidas 26, 32 e 39) — sugerem que se trata de pés de ho­
mens de tamanho pequeno ou então de senhoras ou de crian­
ças; a profundidade da cavidade é da ordem de 2 a 3 cms.
“Quase sem nenhuma exceção, essas marcas de pé são
orientadas para uma mesma direção, diz Gilbert Bovard, a do
sol e do vale. As pedras de cúpula são numerosas nesta região,
entre outras aquelas de Chantelouve; distante vinte minutos
do refúgio de Vallonbrun mostraram-nos uma rocha onde está
gravado um sol. ”

28
SINAIS DE REFERÊNCIA

Resta encontrar uma explicação deste enigma.


Deve-se pensar que homens de pequena estatura, de raça
desconhecida, escalaram a rocha e, em posição de espera, tra­
çaram o contorno dos seus pés.
Em seguida, de maneira mais ou menos tosca, escavaram
a pedra nos limites marcados.
A maioria desses seres estavam calçados, e alguns descal­
ços, conforme atestam algumas pegadas.
Tendo em vista os lugares e o que supomos a respeito dos
ritos das religiões antigas, por sua situação fora do comum
a Rocha com pés, deve ter motivado uma crença ou uma su­
perstição. Uma tribo que cultuava o sol teve a idéia de fazer
dela um posto de observação, de qualquer forma não deixando
de ser um altar ou um templo. Os homens ficavam respeito­
samente em pé, voltados para o deus. Mas acontece que o
lugar nem sequer é habitável; o culto neste lugar elevado de­
via ser celebrado por ocasião de peregrinações, que eram
difíceis em todas as estações, chegando ser impossíveis no in­
verno .
Daí surgiu a idéia de substituir a presença real com uma
presença imaginária e mágica.
Nas cavernas dos tempos pré-históricos, em Glozel e em
numerosos lugares do mundo, os homens imprimiram os sinais
de suas mãos a fim de atestar sua presença e sua identidade
de proprietários ou testemunhos; às mais das vezes, para
marcar a sua soberania sobre toda uma região e dar ao mes­
mo tempo uma idéia de número e de poder.
No Grande Penhasco a tribo teria, pois, desenhado e ca­
vado a marca dos pés de cada membro, de cada fiel, o que
explicaria as diferentes medidas e formatos dos pés.
Desta maneira é de se supor que cada dono de pegada
ficava sempre em atitude de adoração ou em guarda vigilante,
sempre presente e representado por sua marca, o que é costu­
meiro nos ritos antigos de magia e até na vida moderna7.

7 — A bandeira nos navios, o brasão, a cor, a touca, o número mar­


cado no animal etc., constituíam, e constituem ainda em nossos
dias, sinais de referência.

29
As cúpulas perto dos traçados relacionam-se com o mito
da água sagrada, sem dúvida com propriedades maravilhosas.
Duas pegadas, as do chefe, acham-se situadas na borda
extrema do rochedo; duas outras, transversais, implicam quer
uma intenção de sacrilégio — pode ser talvez o fato de um
inimigo — ou a dessacralização do lugar.
Naturalmente, não se trata senão de hipóteses: o local da
Rocha com pés é um caso bastante raro na arqueologia co­
nhecida8 .

8 — A revista Fenômenos Desconhecidos, Estrada de Béthune n.° 3,


62 Lestrem, menciona a existência de pegadas deste gênero em
Cetateni e em Slon (Rumânia), na Iugoslávia,, na Espanha e na
Escandinávia, mas em nenhuma parte os sinais são tão nítidos
e tão numerosos como no Grande Penhasco.

30
Capítulo II

ILHAS E PAÍSES DE UM OUTRO MUNDO


Estas civilizações primárias, que desapareceram deixando
somente os traços enigmáticos de sua passagem, ligam-se indi­
retamente aos continentes, às ilhas e às regiões que os oceanos
tragaram juntamente com cidades e templos, cuja autenti­
cidade de existência é negada pelos homens do século XX,
imbuídos de racionalismo furioso.
No entanto, a descoberta de construções ciclópicas e de
envasamentos submarinos ao largo da ilha de Bimini (a 80
quilômetros a leste de Miami, Flórida) acaba de carrear um
sério apoio aos partidários da Atlântida1. Para muitos, a ques­
tão é ponto pacífico: Bimini é um vestígio da grande ilha
descrita por Platão. Para outros — notadamente para o pro­

1 .— O professor Manson Valentim descobriu em 1971: os envasa­


mentos (presumidos) de um templo, mesas talhadas, colunas,
Teria sido encontrada também uma pirâmide e uma fonte de
água doce com 5 metros de profundidade!
Ora, foi justamente Bimini que João Ponce de León, capitão
espanhol (1460-1521), governador de Porto Rico, visitou no sé­
culo XIV, à procura de uma fonte cuja água, no dizer dos indí­
genas, tinha a propriedade de rejuvenescer os velhos que nela
se banhassem. Curiosas coincidências: Bimini e sua fonte de
água doce, a Atlântida com seus mananciais sagrados e a fonte
da Juventude que sempre se procurou nestas paragens.
Lembramos que, de acordo com a enciclopédia O Mar em seu
número 16 de abril de 1972, do monte submarino chamado
Atlantis, o geólogo soviético N. Zirov teria retirado uma tone­
lada de discos calcários de 15 centímetros de diâmetro por 1
de espessura, polidos numa face e rugosos na outra. Uma pes­
quisa mostra que estes discos se achavam ao relento há 12000
anos.

31
fessor Doru Todericiu — não passaria de um posto de coloni­
zação atlanteana.
Seja como for, a autenticidade da Atlântida não é mais
objeto de dúvida e estamos convencidos de que próximas des­
cobertas virão confirmar definitivamente as teses defendidas
pelos tradicionalistas.
Os documentos que iremos apresentar, seja como for,
merecem fazer parte do dossiê, pois parecem trazer a prova
de que a última ilha da Atlântida só desapareceu no século XV.

A MIRAGEM DE SÃO BRANDÃO

A "miragem” das Ilhas Afortunadas que inflamou o espí­


rito de pesquisadores de aventuras na Idade Média. . . era
uma realidade palpável!
Certamente, houve quiproquós, erros e aproximações, mas
hoje em dia podemos afirmar que a célebre ilha de São Bran­
dão era provavelmente a Madeira ou uma das Canárias.
"No mapa geográfico veneziano dos irmãos Pizzigani, de
1367, naquele de um certo Anconitano, cujo nome está apa­
gado, que se conserva na biblioteca de Weimar datado de
1424, naquele do genovês Beccaria de 1435, o grupo da Madei­
ra aparece com o título de Ilhas Afortunadas de São Bran­
dão2 . ”
É bem verdade que os geógrafos da Idade Média, situa­
ram também São Brandão a oeste da Irlanda e até mesmo no
mar das índias.
Contudo, numerosos navegadores aportaram na ilha: três
portugueses de Setúbal e, entre eles, o piloto Pero Velho, que
havia feito diversas viagens ao Brasil. Milhares de pessoas
viram São Brandão e alguns puderam até desenhá-la de visu.
E tudo isto era verdadeiro, acrescido desta particularida­
de de que se tratava ou da ilha da Madeira ou de uma mira­
gem: o reflexo da ilha de Palmas por efeito de nuvens espe­
culares (transparentes) acumuladas a noroeste!

O MISTÉRIO DA ILHA ANTILHA


Em se tratando de Antilha, parece que o caso não é total­
mente o mesmo e temos boas razões para pensar que no come­

2 — Extraído do livro As Ilhas Fantásticas do Oceano Ocidental, do


erudito M. d’Avezac, Paris, 1845.

32
ço do século XV Antilha, antigo vestígio da Atlântida, ainda
existia no meio do “mar ocidental” sobre o paralelo 28.
A tradição conta que, expulsos pela invasão dos árabes,
no século VIII os cristãos espanhóis buscaram refúgio no
meio do oceano, "num lugar que não foi revelado ao mundo
antes de 1500”.
O célebre globo do cosmógrafo Martin Behaim, construí­
do e desenhado em 1492 para a cidade de Nuremberg, traz a
seguinte anotação (em alemão antigo):
"No ano 734 depois de Cristo, quando toda a Espanha foi
invadida pelos infiéis da África, então também a ilha Antilha,
chamada Septe citade (as Sete cidades), que aparece aqui, foi
povoada por um arcebispo do Porto, seis bispos e por cristãos
homens e mulheres, os quais haviam fugido da Espanha em
seus navios e para cá vieram com seu gado e suas fortunas.
Casualmente no ano de 1414 um navio espanhol se apro­
ximou até bem perto dela. ”
O professor Florentino Toscanelli mencionara Antilha no
meio do Oceano Atlântico, entre Cipango a leste e São Bran­
dão a oeste, abaixo da mítica ilha de Man Satanáxia. Chegava
a fazer uma apreciação das distâncias: devia-se contar "vinte
e seis espaços de Lisboa até Quinsay (China) e dez espaços de
Antilha a Cipango” (Japão).
Um espaço era um intervalo de meridianos, correspon­
dendo a duzentas e cincoenta milhas marítimas ou cinco
graus.
Sem dúvida, inspirado no mapa de Toscanelli, o Globo
de Martin Behaim situava Antilha em 330° e Lisboa em 15®.
M. de Avezac narra que Antilha era conhecida, assinalada
e visitada no século XV; Toscanelli, acrescenta ele, havia es-*

3 — Madeira, Açores e Canárias constituem restos do continente da


Atlântida, mas o solo, por ter sido renovado por erupções vul­
cânicas, é absolutamente virgem de vestígios atlanteanos.
Pode-se pensar que não existia nada de Antilha visto que a
ilha se prestou maravilhosamente à colonização, sem dúvida
porque ela conservava esquemas de cultura e ruínas de aldeias.
4 — Porto ficava nessa época na Lusitânia. O reino de Portugal só
apareceu com Afonso I (1114-1185), filho de Henrique o Jovem,
príncipe de origem dos capetos.

33
crito à corte de Portugal: "Esta ilha de que vós tendes conhe­
cimento e que vós daí chamais de Sete Cidades...”
Por sua vez Fernando, filho de Cristóvão Colombo, em
Vida de meu pai5, diz precisamente:
Alguns portugueses a inscreveram em seus mapas com
o nome de Antilha, embora não combinasse com a posição
dada por Aristóteles; ninguém a situava a mais de aproxima­
damente duzentas léguas em sentido direto a ocidente das
Canárias e dos Açores.
Julgam como certo que se trata da ilha das Sete Cidades,
povoada por portugueses no tempo em que os mouros toma­
ram a Espanha do rei Roderico, isto é, no ano 714 de Jesus
Cristo...
Sete bispos fundaram ali sete cidades a fim de que os
seus não cogitassem mais em voltar à Espanha, queimaram
os navios bem como o cordame e outros objetos próprios da
navegação...”.
Fernando Colombo assegura que durante a vida do in­
fante Don Henrique um navio aportou na Antilha; os mari­
nheiros foram à igreja e observaram que ali se observava o
rito romano.

ELA NÃO É MAIS VISTA

Parece pois que a ilha realmente existiu ao largo da Ma­


deira, conforme testemunha no século XVI Pedro de Medina,
autor bastante conhecido de um Tratado da arte de navegar.
Escreve ele: "Não distante da ilha da Madeira existia uma
ilha chamada Antilha a qual hoje não se vê mais... Num
Ptolomeu6 que havia sido enviado ao papa Urbano (Urbano
VI), encontrei esta ilha com a seguinte legenda: Esta ilha da
Antilha foi outrora descoberta pelos portugueses, mas hoje
quando a procuramos não a encontramos mais; encontramos
nela gente que falava a língua espanhola, gente esta que se d»z

5 — O título exato é F. Colombo, Historia dei almirante Chr


Colomb suo padre etc.
Tradução italiana de Ulloa, Veneza 1571; tradução francesa de
Cotolendi (1681).
6 — Pedro de Medina dá o nome de Ptolomeu a uma geografia do
célebre astrônomo grego Cláudio Ptolomeu (século II da era
cristã).
Esta citação figura no livro de M. d’Avezac.

34
ter-se refugiado nesta ilha, fugindo diante dos bárbaros que
invadiram a Espanha sob o reinado do rei Rodérico, o último
que governou a Espanha no tempo dos godos. Têm lá um
arcebispo e seis outros bispos e cada um deles possui sua
cidade própria, o que faz com que muitos a denominem de
ilha das Sete Cidades; o povo vive nela muito cristãmente,
coberto com todas as riquezas deste mundo”.
No Ptolomeu, a Antilha mede oitenta e sete léguas em seu
maior comprimento, no sentido norte-sul, e vinte e oito léguas
de largura. A ilha fica situada no paralelo de Gibraltar, a 36
graus e meio de latitude. Portanto, era conhecida a partir do
século II e é provável que tenha realmente existido, mas que
tenha sido tragada no decurso dos tremores de terra regis­
trados em Portugal no século XV.
Tais cataclismos não são raros no Atlântico, onde vimos
diversas vezes aparecerem ilhas vulcânicas, sendo que a mais
recente surgiu em 1956 na extremidade de Faial à qual está
sempre ligada.
Se os bispos espanhóis conseguiram fazer construir tão
rapidamente sete cidades sobre uma ilha deserta, sem dúvida
deve ter sido porque encontraram no local materiais já pre­
parados: os últimos vestígios de cidades e aldeias da poderosa
Posêidon (ou Atlante ou Atlanta).
Sempre no plano das conjecturas lógicas, a decisão que
os espanhóis tomaram de queimar os seus navios para não
serem tentados a retornar à Europa poderia indicar que acre­
ditavam ter encontrado o paraíso terrestre, o eliseu ocidental
ou país dos primeiros pais7.
Por mais fracos que possam parecer aos "racionalistas”
exigentes, estes indícios nos incitam a crer que a Antilha não
passava de uma parcela da Atlântida que escapou miraculosa-
mente do cataclisma universal — faz 12000 anos — e que
desapareceu definitivamente por volta do ano de 1550.

ANTILHA — ATLANTA

O onomástico de Ilhas Afortunadas é rico de surpresas


e se presta a fenômenos que interferem com o "Misterioso
Desconhecido”.

7 — Muito curioso: foi nas proximidades em que emergia Antilha,


último vestígio da Atlântida, que se produziram misteriosos
fenômenos, que iam do desaparecimento de navios à irrupção de
ilhas reais ou fantomáticas.

35
Muito antes de Cristóvão Colombo e Cabral se falava de
uma ilha Brasil que se situava ou a noroeste de São Brandão
ou entre a Antilha ou a Ilha dos Carneiros.
O continente descoberto por Vicente Pinzon e Cabral to­
mou o nome de Terra de Santa Cruz e depois finalmente de
Brasil, por força de corruptela da palavra braza (brasa), que
se referia à cor viva dada devido à madeira de tingir que exis­
tia em abundância nesta parte do mundo
Mas Brasil ou Brazil significa também vermelho e este
país é com efeito a pátria de origem dos homens de raça ver­
melha .
A etimologia de Antilha é ainda mais curiosa.
Ela é ante-ilia: ilha antes (o continente ainda desconhe­
cido) ou ilha anterior, a mais antiga, isto é, a Atlântida!
É a etimologia que mais se aproxima da verdade, tanto
mais que numa carta geográfica de 1445 se lê a seguinte ins­
crição:
"Esta ilha leva o apelido de ilha de Antiliis. Platão, que
foi um grande e sábio filósofo, afirma que era quase tão vasta
quanto a África...”
As cartas marítimas da Idade Média situavam Antilha
num grupo denominado Insulae de novo repertae, ou seja
■“ilhas novamente descobertas”, a saber: Antilha, Róilo, Man
Satanáxia e Tanmar.
Este arquipélago nada tinha a ver com os Açores, Madei­
ra e as Canárias as quais eram bem conhecidas, e igualmente
releva pensar que sua existência fosse mítica ou então que as
ilhas, todas elas de uma vez ou uma após a outra tenham sido
engolidas pelo abismo do oceado. O onomástico e o “Miste­
rioso Desconhecido" combinam ainda com a ilha Man Sata­
náxia, de onde a ilha da Mão de Satanás
O geógrafo veneziano Domingos Mauro Negro chama-a de
Ilha de Mana; Beccaria a chama de Satanágio e Bianco de
Satanáxio, o que sugere ao mesmo tempo o poder mágico do
mana, palavra esta man que significa homem e a idéia de uma
mão diabólica saindo do mar.
Ilha mágica? Talvez, mas antes ilha de sortilégios, na qual
homens podem exercer um poder extraordinário, ilha do
Homem primitivo, centro do mundo como o é para os celtas
a ilha de Man no mar da Irlanda.
Eis-nos de novo na Atlântida, no País dos Primeiros Pais
sábios! Isto, só mesmo se Man Satanáxia não evocasse a ima­
gem de uma terra que surge, que desaparece, que toma a sur­

36
gir do oceano à maneira das ilhas-fantasma, fenômeno vulcâ­
nico bastante particular na zona atlântica que cobre o imenso
império dos atlantas.
CRIANÇAS DE COR VERDE
Na Idade Média se acreditava muito no prodigioso acessí­
vel deste tempo: o da religião e do ocultismo. Com efeito,
estes dois mitos muitas vezes se davam as mãos, com o céu
dos anjos a evocar o reino das fadas e com as profundezas do
inferno suscitando a idéia dos povos e dos mundos subterrâ­
neos.
Dentro desta perspectiva Antilha constituía ao mesmo
tempo o paraíso terrestre e a cidade interditada do fundo dos
mares ou das entranhas terrestres onde, como era natural,
viviam seres fundamentalmente diferentes de nós.
Ainda em nossos dias fatos raros permitiríam supor que
essas crenças antigas não estavam totalmente despidas de
fundamento.
À meia-noite do dia 29 de agosto de 1911, os empregados
dos matadouros de uma pequena cidade da Califórnia (USA)
depararam com um homem nu, meio morto de esgotamento,
cuja linguagem não pertencia a nenhum dos dialetos aboríge­
nes catalogados
De onde vinha? Jamais se ficou sabendo, muito embora
os antropólogos afirmassem que ele era um dos últimos indí­
genas selvagens do continente americano.
Muito mais extraordinário foi o aparecimento, na Espa­
nha do último século, de duas crianças de raça humana des­
conhecida .
A história foi relatada em La Vie Claire8, a 8 de fevereiro de
1972 pelo simpático George Langelaan, mas podemos duvidar
de sua autenticidade, pois nossas pesquisas conjugadas com
aquelas do jornalista Sérgio Berrocal nunca nos permitiram
localizar a aldeia de Banjos, que ficaria perto de Gerona, na
Catalunha, onde se registrou o acontecimento.
Foi numa bela tarde de agosto de 1887. Aldeões faziam
a sesta à sombra das oliveiras quando perceberam a presença
de duas jovens crianças que choravam copiosamente.
Com estupor e quase que horrorizados os catalunhenses
viram que as crianças, um menino e uma menina, estavam se­

8 — La Vie Claire: Dir. H. G. Geffroy, 43, Rue de Romainville, 93100


— Montreuil.

37
minuas e que sua pele tinha uma cor uniformemente verde,
parecida àquela das frutas das suas oliveiras.
Os estranhos pequenos seres fugiram gritando, mas foram
imediatamente agarrados e levados à residência do Sr. Ricar­
do de Calno, prefeito de Banjos, que passou a interrogá-los.
A bem da verdade, foi preciso antes acalmá-los, mimá-los,
fazê-los entender que não se queria fazer nenhum mal contra
eles e somente depois disto é que pronunciaram algumas pa­
lavras numa língua desconhecida.
Então a senhora da Calno lavou o corpo das duas crianças
pois esta cor verde, diabólica, que asemelhava quase uma
decomposição das carnes, não íhe inspirava nada de bom!
Mas as crianças verdes não perderam um tiquinho sequer
de sua cor embora o prefeito, cada vez mais perplexo, tivesse
resolvido recorrer às luzes de um médico e das autoridades de
Gerona que estabeleceram processos verbais de exame, onde
se deveria reencontrar o fio da meada em Banjos, conforme
afirmativas de George Langelaan.
UM PAÍS DEBAIXO DA MONTANHA
Ficou rapidamente evidente que as duas criaturas verdes
não nertenciam à nossa raça humana, tanto em virtude da pig­
mentação como pelo seu comportamento. Eram de um tipo
um pouco negróide, olhos apertados e, se aceitavam beber
água, recusavam com obstinação selvagem todo alimento cos­
tumeiro: pão, carne, batatas, cenouras, azeitonas, figos, uvas
etc.
Ao cabo de cinco dias de jejum e quando se estava per­
dendo a esperança de fazê-las tomar algum alimento, as crian­
ças verdes viram feijões fora das vagens os quais comeram
completamente crus, com sofreguidão.
O menino, que era o mais novo e também o mais fraco,
suportou a vida dos homens de pele branca somente um mês.
Morreu docemente e foi enterrado no cemitério da aldeia.
A garotinha, que parecia ter de treze a catorze anos de
idade, aos poucos foi se acostumando ao novo gênero de vida
e chegou a aprender espanhol suficientemente para poder
contar uma estória que desafia toda credibilidade e que pa­
rece totalmente possível!
— Meu irmão e eu, narrou ela, saímos da colina
através de uma gruta que dá acesso ao nosso mundo9.

9 — Esta história pode ser equiparada com o mistério das escada­


rias feitas na montanha. As crianças parecem ter saído do ro­
chedo como se tivessem sido expulsas de um universo paralelo.

38
Vivíamos com nossa família e com nosso povo num país onde
reinava uma noite quase sempre total. Todavia, via-se às vezes
uma imensa luz, muito distante no horizonte, para os lados
de lá de um grande lago.
Certo dia estava eu junto com meu irmão e houve um ba­
rulho ensurdecedor em volta de nós... parecido com uma
explosão da montanha e, sem saber como é que as coisas se
passaram, repentinamente nos achávamos na gruta perto da
aldeia.

O prefeito de Banjos e alguns arqueólogos amadores vol­


taram à gruta, exploraram-na a fundo, sondaram os rochedos,
mas não descobriram nem galeria, nem fenda, nem solução
alguma de continuidade em direção ao centro da terra.
Garanto-lhes que por lá não passava nem sequer pensa­
mento!

A menina verde, que procedia da terra que fica além,


viveu cinco anos com a família da Calno à qual se havia inte­
grado completamente. Morreu docemente como seu irmão e
foi enterrada perto dele, levando consigo o segredo de sua
vida, de sua cor, de sua raça e, quiçá, do seu universo.

SERES VERDES EXTRATERRESTRES

De 1897 o conhecimento dos homens — num certo sentido


— fez progressos consideráveis e acontecimentos fora do co­
mum permitem tentar uma explicação plausível do mistério
das crianças verdes.

Em primeiro lugar, mesmo que o relato de George Lan-


gelaan seja correto, parece que se pode duvidar da história
contada pela menina.

Os adeptos da ingerência, do aparecimento dos Extrater-


renos não deixarão nunca de acentuar que a cor verde tradi­
cionalmente está ligada precisamente ao planeta Vênus e que
afinal de contas seria mais admissível que as crianças tivessem
sido deixadas na terra por um engenho intergaláctico ao invés
de terem sido expulsos de um reino subterrâneo.

Nesta hipótese temerária, poderiamos pensar num ensaio


de ambientação sobre a Terra de autóctones extraplanetários.

39
Mais interessante é a tese do doutor Dominic Recoodin,
da Universidade de Londres, o qual se interessa nas mudanças
fisiológicas e morfológicas que devem resultar da fotossíntese
por meio do ser humano.

Este processo é realizado por meio de plantas que trans­


formam a energia luminosa fornecida pelo sol em energia quí­
mica, tais como açúcares e proteínas.

No século XIX, provavelmente, os médicos de Gerona não


orientaram seus exames no sentido útil, mas talvez tivesse
sido interessante saber se as crianças de Banjos possuíam
um organismo capaz de realizar, ele mesmo, por meio da fun­
ção clorofiliana, uma fotossíntese que explicaria o fenômeno.
Uma pessoa que tivesse semelhante organismo não teria
como nós a pele branca, amarela ou preta: seria de cor verde.

40
Capítulo III

OS ANCESTRAIS SUPERIORES

Os historiadores da pré-história não são pessoas muito


sérias, porquanto não dão muita importância, em suas teses,
a um acontecimento que na verdade faz 12000 anos teve uma
importância que podemos qualificar de capital: o grande
Dilúvio!
Seja pela água, pelo fogo ou em virtude de uma epidemia
universal, o fato é que a quase totalidade da espécie humana
pereceu e seu ressurgimento se deveu a um pugilo de indiví­
duos que esqueceram o essencial da história antediluviana.
Antes do dilúvio, tivemos nós antepassamos? Isto é ponto
pacífico. Tratava-se de Ancestrais Superiores, isto é, tinham
eles desenvolvido uma civilização tão ou mais avançada que a
nossa? É aqui que as opiniões divergem.
UMA ILHA PARA OS INICIADORES
Conforme nosso ponto de vista, os homens antediluvianos
da Atlântida e talvez também da Terra de Mu e de Tulê pos­
suíam grandes conhecimentos científicos, cujo nível é difícil
avaliar com relação aos do nosso tempo.
Mas não é impossível que a história mais remota seja um
dia revelada por um desses milagres de cujo segredo sem dú­
vida nosso complexo biológico é detentor.
O nosso legado genético mais importante, aquele que vai
quiçá até o nascimento do homem prínceps, quando não à

41
aurora da criação pelas séries sucessivas que a ela nos ligam,
este legado genético está provavelmente inscrito nas zonas não
solicitadas, não exploradas do nosso cérebro.
À medida que o nosso conhecimento aumenta, circuitos
neurônicos virgens são desbloqueados bem como zonas não
sensibilizadas desde uma infinidade de milênios.
0 fenômeno pode continuar até que o homem tenha recon­
quistado a plenitude de seus conhecimentos passados.
Então todas as zonas neurônicas estarão em estado de
vigília e de funcionamento e o homem lúcido poderá lembrar-
se de sua história anterior.
O processo das aquisições do conhecimento não corres­
ponde ao fenômeno da evolução física humana. Processa-se
mais rapidamente, o que implicaria, indo no fundo do proble­
ma, não uma progressão evolutiva, mas uma descoberta de
objetos de recordação já armazenados no passado.
Conforme esta tese, o homem teria tido Ancestrais Supe­
riores .
Certamente não vamos encontrar “locomotivas e bicicle­
tas” que tenham sido construídas por esses grandes ancestrais,
conforme faz notar o nosso confrade Jacques Bergier, mas não
estamos nós vendo o aço de uma locomotiva perdurando atra­
vés de dezenas, de centenas ou de milhares de milênios?
De mais a mais — Jacques Bergier não pensara nisto —
é difícil provar se num outro planeta se encontram ou não
locomotivas e bicicletas!
Com efeito, os Ancestrais Superiores não eram necessa­
riamente terrícolas e se o eram talvez seja em data recente.
Os deuses e as deusas vinham sempre de uma ilha na
mitologia do carnaval.
Sem dúvida reminiscência dos tuleanos e dos cabiranos ou
outros iniciadores que, às vezes disfarçados, às vezes parecen­
do 1 como tais em razão de sua origem extraterrestre, interes­
savam-se por adquirir primeiramente seus conhecimentos por
um ensino ministrado numa ilha: Delos, Samotrácia, Man,

1 — O homem é um ser dotado de imortalidade. Reproduz-se por


cissiparidade, mas é sempre o homem original, Adão, que per­
siste através de um imenso processo de reencarnações.
Os dois bilhões e quinhentos milhões de habitantes do nosso
planeta não são senão os reflexos, mais ou menos deteriorados
por espelhos deformadores, de um único indivíduo primordial.

42
Avallon, Tulê, do Sol (Titicaca), Deus2, dos Santos (na mito­
logia chinesa), de Oraisan (para os japoneses) etc.
Se estes iniciadores provinham do cosmo — notadamente
da oceânica Vênus — pode-se supor igualmente que procuras­
sem um lugar idêntico àquele que em seu planeta se ministra­
vam o ensino das ciências.
Ademais, uma ilha oferecia a vantagem de evitar uma
eventual contaminação para organismos mal aclimatados.
Nesta hipótese, os Ancestrais Superiores originais, ou Pri­
meiros Pais, ou Santos, seriam Extraterrestres, conforme,
aliás, dizem ou deixam supor as mitologias de todos os povos.

DO HOMEM UNICAMENTE EXISTENTE NA TERRA

Os que se ocupam de discos-voadores, os astrofísicos e nós


mesmos falávamos sem a mínima consideração, dizendo pe-
remptoriamente que “matematicamente” devia existir vidas e
civilizações em outros planetas3.'
A tese da “pluralidade dos mundos habitados” (uma ex­
pressão muito bacana!) se apóia no princípio da evolução das
espécies conforme propugnado por Darwin: o vírus, as ame­
bas, os vermes, a serpente, o crocodilo, a vaca, o mono, o
homem.
Ora, não encontramos séries entre o mono e o homem,
entre os 950 m3 de volume da caixa craniana e os 1550 cm3.

2 — O nome verdadeiro da ilha de Yeu, na Vandéia, é Deus a qual


aparece, aliás, com esta ortografia em todos os velhos manuais.
A etimologia seria ogia (insula ogia e não insula oya) que faz
lembrar Ogham ou Ogmius, deus do conhecimento.
Entre os gauleses, Ogmius foi o inventor da escrita e ensinou
aos homens todas as coisas boas que deviam saber, como fazia
Oannès na Caldéia, Apoio em Delos, os Cabiranos na Samotrácia
etc.
Todos os iniciadores, e particularmente Oannès, os Cabiranos,
Orejona e Quetzalcoatl, vestiam-se de maneira extravagante pa­
ra os que os viam. Talvez não tivessem também a mesma cons­
tituição física dos terrícolas. Foi sem dúvida esta constituição
física diferente, ou então seu disfarce, que deu origem às más­
caras de carnaval.
3 — Trata-se na verdade de uma tese que dá o que pensar. O homem
pode pertencer ao ciclo normal da evolução do Ser Vivente! Po­
de ser também um acidente feliz que, por razões misteriosas,
pode produzir-se também em outros planetas.

43
Existe um precipício, um abismo de milhões de anos en­
tre um gibão do zôo e um sábio atomista de Saclay.

Resumindo, isto não faz sentido! E tão pouco se coaduna,


tão pouco sentido faz, que para um bom número de pensado­
res o homem constitui um caso especial, é um animal privile­
giado (o que é certo), sendo sem dúvida o resultado de uma
mutação repentina e miraculosa. Talvez se pudesse dizer o
mesmo do golfinho (e da otária), cuja inteligência, cérebro,
semelhanças misteriosas com os humanos são caracteres abso­
lutamente únicos nos animais ditos inferiores.

Como o homem, o golfinho dá a impressão profunda de


pertencer a uma divisão muito particular da espécie animal.

Em breves palavras e para nos atermos ao homem, cada


vez mais o consideramos como uma eclosão espontânea e fan­
tasticamente feliz, o que significaria que teria sido criado fora
de série.

Nestas condições, não existe sequer a mínima sombra de


chance que outros planetas do universo, mesmo que fossem
perfeitamente idênticos à Terra, pudessem ter-se beneficiado
■com o mesmo milagre.

Eles propiciaram ou ensejarão o nascimento de vírus, de


vermes, de serpentes, de crocodilos etc., até o macaco. Estes
últimos provavelmente evoluirão até os macacos superiores e
■depois, pelo jogo de séries sucessivas, até a um animal mais
inteligente e mais aperfeiçoado que nós, mas não a espécimes
de nosso tipo.

0 cálculo das probabilidades opõe-se formalmente a que


as mutações felizes, excepcionais, resultantes do acaso, pos­
sam repetir-se de maneira exata sobre dois planetas, mesmo
que estes planetas sejam idênticos.
Nesses dois planetas só podem reproduzir-se os processos
racionais, físicos e químicos.
Para todos os que pensam — e nós nos contamos no rol
deles — que o homem é um ser que pertence à série evolutiva
das espécies, mas que se tem beneficiado de uma mutação ou
de uma graça excepcional, torna-se difícil crer que outros ho­
mens, em alguma parte do universo, possam parecer-se com
ele.

44
Caso contrário — quer dizer, se ele existe em diversos
lugares — o homem espécime único para lá foi exportado.

ENSAIO DE ADAPTAÇÃO AO MEIO AMBIENTE


Na hipótese da pluralidade dos planetas habitados e da
exportação da espécie humana, então em que planeta teria o
primeiro homem visto a luz do dia?
É um mistério que sem dúvida jamais será esclarecido.
Talvez sobre a Terra; mas isto é pouco provável e esta­
mos propensos a pensar que tenha sido transportado sobre
o nosso globo, inseminado em qualquer tipo e se tenha mais
ou menos adaptado ao meio ambiente.
Pensamos mesmo em diversas importações, as primeiras
efetuadas há milhões de anos. Visto que as condições não
eram favoráveis, os sujeitos importados não chegaram a acli­
matar-se e pelo que parece não deram origem a nenhuma
civilização.
Sem que disto tenhamos provas, podemos imaginar que
várias tentativas tenham sido feitas, sem dúvida com sujeitos
cada vez mais elaborados. É bem evidente que esses sujeitos
não eram homens muito evoluídos, mas até os mais frustados,
isto é, aqueles que tinham o maior número de chance de adap­
tar-se a condições de ambientação difíceis e precárias.

4 — A espécie humana parece bem fixada, parece que não tende para
um tronco original, não parece querer regredir a um tipo pri­
mitivo (por exemplo, macaco). Os Primitivos mais atrasados
pareciam ser homens fracassados, com tendência a um retorno
em direção à elevação, antes que homens em evolução normal
para o aprimoramento.
Não possuímos nenhuma ligação com o estágio inferior e não
parece que o homem possa descer novamente a uma espécie
original.
5 — Esta tese não tem aquele rigor científico no sentido como se
exploram estas palavras. Supõe a existência e a intercessão de
entidades conscientes análogas a Deus ou a deuses. É sob este
prisma que ela escapa a um certo racionalismo, mas na reali­
dade o rigor científico constitui uma astúcia, pois só o conhe­
cimento total pode ser rigoroso, o que não se dá com a nossa
ciência humana.
Deus ou deuses que acreditamos serem visões do espírito, sim­
ples postulados, talvez tenham uma consistência, na realidade
desconhecida, ou uma natureza da qual não fazemos nenhuma
idéia como seja.
É por esta razão que batizamos com o nome de «representações»
as nossas teses, hipóteses e especulações diversas.
No presente estudo é preciso imaginar o homem terrestre tra­
zido ou inseminado em nosso globo por homens de um outro
planeta.

45
Em nossos dias os terrícolas enviam homens ao espaço,
com fins científicos certos, mas também por curiosidade e
talvez porque no inconsciente sejam solicitados por seus cro-
mossomos-memórias.
Com efeito, a conquista do espaço constituiría fundamen­
talmente um retorno às fontes, uma peregrinação ao país dos
primeiros pais.
Se a nossa civilização existir ainda dentro de cem anos,
será fora de dúvida que os cosmonautas terão ido aos outros
planetas próximos e que as suas explorações os levarão rumo
a horizontes longínquos onde talvez tenham a possibilidade
de descobrir uma pequena estrela idêntica à Terra.
Se assim for, deveríam encontrar ali uma fauna e uma
flora quase idênticas àquelas que conhecemos, mas provavel­
mente não nossas espécies de exceção: os homens e os golfi­
nhos .
Os biologistas terrícolas — pois é próprio da natureza
humana propagar a civilização — procurariam então instalar
aí homens, escolhendo os mais primitivos, os mais capazes de
sobrevivência: o equivalente dos balubas e dos papuas de nos­
sa época.
Os "Primeiros País”, em sua aventura de colonização ter­
restre, tiveram que se conformar a este imperativo, mesmo que
tenham condicionado sujeitos, modificando-lhes o sangue e
seu sistema respiratório; quem sabe se por meio de experiên­
cias de hibridação com os animais ou com as plantas que,
nessa estrela distante, mais se parecessem conosco.

UMA CENTRAL CÓSMICA DE INICIAÇÃO

Tradições dignas de crédito permitem-nos crer que a acli­


matação ou hibridação obteve êxito há 15000 a 20000 anos,
pois sabemos que tivemos ancestrais mais ou menos tão evo­
luídos como nós, mesmo que fosse somente no tempo da Atlân-
tida. Estes homens de importação ou de condicionamento
puderam fazer desabrochar na Terra uma civilização com a
ajuda dos demiurgos, esses que chamamos de os "Primeiros
Pais”, dos quais pelo menos um comando, um posto avançado
veio instalar-se em nosso globo.
Esta tese, tão racional como a evolução darwinista do
macaco ao homem, supõe a existência, em alguma parte no
cosmo, de uma central de iniciação de onde os nossos Ances­
trais Superiores teriam sido exportados, o que teriam sido os
atlantas, os hiperboreanos e os presumidos povos de Mu.
Teríamos então uma explicação lógica:

46
1) carência de séries entre o macaco e o homem;
2) monstros ou seres fabulosos, semi-homens, semi-animais
que, segundo as tradições, disputaram com o homem a
supremacia sobre a Terra;
3) criaturas primárias da pré-história (os seres incapazes
de evoluir ou lastimavelmente hibridados);
4) Ancestrais Superiores que, à margem desta humanidade
fracassada, conseguiram colonizar este planeta.
Desta maneira teríamos igualmente uma explicação para
a cumplicidade misteriosa e comovente que se estabeleceu
ainda entre os exportados-humanos que lograram êxito na
aventura sobre o continente e os exportados-golfinhos, cuja
experiência marítima encalhou.
INICIADOS POUCO SENSÍVEIS
0 dilúvio universal pôs fim a esta fantástica operação,
como um cataclismo análogo um dia porá fim à nossa civili­
zação; contudo os mitos testemunham uma etnia de iniciados
que se teria estabelecido na região polar antes da grande
catástrofe: os hiperboreanos.
Denominamo-los freqüentemente de os Grandes Ances­
trais Brancos, os Primeiros Pais guias e chefes supremos dos
atlantas.
Hiperboréia, sua capital, situada em alguma parte entre
a Irlanda e a Groenlândia, achava-se encravada entre monta­
nhas de gelo, mas gozava de uma tempertura tão clemente
que os campos eram verdejantes, com lindas árvores, e ali se
cultivava o trigo candial6.
Diz-se que a capital desse pequeno reino era Tulê, embora
outras tradições mencionem Tulê como ilha do Atlântico Nor­
te (talvez Irlanda).
Seja como for, Hiperboréia, com ou sem Tulê, se nos
apresenta como o centro de iniciação dos Atlantas, o grande
Quartel General de onde partiam as ordens.

6 — História de Heródoto — Melpomène — 13-33-35 — Edições Gar-


nier Prères — Paris, 1909.
Nosso globo se arrefece cada vez mais ou passa por ciclos alter­
nados de grandes frios e de grandes calores. Os geólogos julgam
que dentro de dois séculos a temperatura média do globo terá
baixado de dez graus. Poderá seguir-se uma nova glaciação
substituída alguns milênios mais tarde por um período de ca-
nícula.
Em tempos idos, durante um ciclo tropical, as civilizações adian­
tadas dirigiram-se rumo ao norte onde se instalaram espécies
animais novas. Inversamente, durante um ciclo hibernai civili­
zações, espécies animais e vegetais desapareceram do setentrião.

47
Depois de Hesíodo e Homero muito se tem escrito sobre
os hiperboreanos, mas jamais autor algum teve a atenção des­
pertada para o fato de que iniciadores, diretores de ciência e
de consciência de um imenso povo civilizado, tenham escolhi­
do precisamente uma região polar para nela se instalar, mes­
mo que por um milagre da natureza ou de sua capacidade de
trabalho tenham chegado a tomá-la relativamente temperada.
OS GRANDES ANCESTRAIS BRANCOS
Sabemos que numa certa época o Grande Norte era mais
quente pelo fato de que antes do dilúvio a Terra girava sobre
um eixo perpendicular no plano eclíptico, o que eliminava as
estações.
É exato que a Suécia e a Noruega conheceram vegetações
tropicais que explicam a formação de âmbar amarelo fóssil,
•de origem resinosa, que se encontra às margens do mar Bál-
tico; contudo, é provável que a escolha da localização geográ­
fica para Hiperboréia fosse motivada por razões muito mais
racionais do que o mero acaso ou a fantasia. Diz-se que os
hiperboreanos eram muito grandes, de pele muito branca, e
teriam tido, ademais, olhos azuis muito claros e uma cabeleira
loura, o que representa em nossos dias exatamente o tipo nór-
dico ideal, por oposição aos tipos morenos ou pretos das re­
giões mais tropicais.
Por conseguinte, é lógico crer que esses hiperboreanos de
pele branca tenham escolhido intencionalmente a região mais
quente da Terra, porque ela correspondia da melhor manei­
ra, por seu clima, ao planeta de onde eram originários.
Resumindo: se os Primeiros Pais eram indivíduos Extra­
terrestres, devem pensar que o seu planeta era mais deslocado
•do centro do que o nosso globo em relação ao sol ou ao seu sol.
Se pertenciam ao nosso sistema solar, podiam vir de uma
zona vizinha da órbita de Marte ou dos asteróides onde a tem­
peratura é nitidamente mais baixa que na Terra.
De acordo com as transmissões orais de iniciação, esses
hiperboreanos foram os ancestrais da raça branca7.

7 — Supomos, também, que o sangue desses Primeiros Pais não era


vermelho como o nosso, mas talvez azulado em virtude do teor
de gás carbônico do seu planeta original. (Vide Histoire Incon-
nue des Hommes depuis 100000 ans, cap. III, Les Hommes Bleus
— História Desconhecida dos Homens desde 100000 anos, cap. III
Os Homens Azuis). Desta particularidade se originaria a expres­
são «ter sangue azul nas veias», que quer dizer: ser nobre, des­
cender de uma raça superior.

48
Capítulo IV

I. CIVILIZAÇÕES PERDIDAS

Devidas mais freqüentemente ao acaso e às vezes a esca­


vações arqueológicas, quase todos os anos descobertas surgem
que empurram para mais longe os limites do aparecimento
do homem sobre a terra.
Corolariamente ressurgem ruínas e vestígios de civiliza­
ções de cuja existência ninguém suspeitava, embora os histo­
riadores da pré-história1, atordoados, não sabiam mais o que
concluir, embora fiquem feitos baratas tontas!
O Zinjantropo (Homem da África oriental) acaba de ser
destronado por um novo hominídeo mais antigo, que leva o
nome bárbaro de Paraustralopithecus Aethiopicus, originário
da Etiópia.
Também as velhas superstições dos nossos “sábios” clás­
sicos sofrem rudes assaltos.
Por incrível que pareça e paradoxalmente ainda se ensina
que os homens pré-históricos habitavam cavernas12 e que as

1 — Falamos dos historiadores franceses da pré-história e mais pre­


cisamente ainda dos historiadores pré-históricos «tradicionais,
antiquados». No exterior não prevaleceu o mesmo rigorismo.
Felizmente no que diz respeito à ciência.
2 — Consequentemente faz-se mister pensar que os homens pré-histó­
ricos de Saint-Acheul (Somme), de Chelles e do Grande-Pressig-
ny„ onde não existem cavernas, iam toda noite dormir nos
Eyzies!

49
suas ferramentas de bronze, confeccionadas antes daquelas de
férro(ü) foram inventadas faz coisa de 4000 anos somente,
ou seja 6000 anos depois de terem fabricado catorze varieda­
des de bronze em Medzamor (Armênia soviética)3.

Que malfazejo negócio para a Conjura a descoberta ofi­


cial da fábrica pré-histórica de Medzamor!

Que pernicioso negócio é esta Biblioteca pétrea de Lussac-


Les-Châteaux que o museu do Homem permite enfim (1937)
sair das suas adegas custodiadas! Nas pedras com gravuras
de Lussac vemos uma mulher com chapéu, calçados, casado,
calças!

Que éi feito das sacrossantas teorias dos historiadores da


pré-história, os quais garantiam que o homem dito das caver­
nas só se vestia com peles de animais?

E eis que, segundo Vladimir (URSS), arqueólogos soviéti­


cos descobriram uma sepultura que tem 35000 anos, na mais
importante necrópole da idade da pedra.

Foi possível apresentar a primeira prova da confecção


que o homem fazia de roupas, entre as quaisjuma espécie de
calça grotesca com costuras guarnecidas de ossaturas, «se­
ladas4 .

Em todos os outros planos da pré-história, as afirmações


peremptórias da Conjura voltam também a ser objeto de.Teexa-
me: em Bimini onde ressurge a Atlântida; a localização do
Continente de Mu onde foram encontradas estranhas jazidas
metálicas; na Groenlândia e na Sibéria onde vamos dar com
vestígios de civilizações desconhecidas5; no Saara onde, de

3 — O Livro dos Mundos Esquecidos, cap. IV: «Nossos ancestrais não


eram macacos».
4 — Comunicado pelo Clube Marylen — J. O. 25 de setembro de
1957 — BP 53 — 93360 — Neuilly-Plaisance.
5 — Em 1923 uma expedição russa descobriu na Lapônia, na penín­
sula de Kola, os vestígios de uma civilização extremamente re­
mota que o professor Bartjenko julga ser anterior à dos egípcios.
Túmulos formados de enormes montões de pedras, parecidos
com as pirâmides do Egito (ou tumuli?) foram enumerados.

50
acordo com o Dr. Faibridge, geólogo da Universidade de Co-
lúmbia, situava-se o pólo sul há 450 milhões de anos; no Irã
onde foi descoberta uma cidade industrial com 6000 anos de
idade: Shanr-I-Soktch que teria abrigado cem mil habitantes
com habilidade para trabalhar as pedras preciosas e os me­
tais nas oficinas e na fábrica!
Nestas condições, |Como poderiam espíritos lúcidos re-
cusar-se a admitir a existência de Ancestrais Superiores e de
civilizações ignoradas, dentre as quais algumas quiçá mais
evoluídas que a nossa?
OS ARQUEÓLOGOS SELVAGENS
Os arqueólogos “selvagens" não têm a intenção de refor­
mar as ciências clássicas e muitas vezes se enganam, por falta
de meios financeiros ou por carência de competência técnica;
mas a despeito de seus equívocos — bem escusáveis na maio­
ria das vezes — contribuem com elementos preciosos e esti­
mulam a pesquisa oficial.
As tradições nem sempre estão isentas de erros, de exage­
ro e mesmo de afabulação pura e simples.
As informações oriundas dos meios mais autorizados não
escapam a estas críticas e parece ser o caso do dom particular
da Sra. Kouleshova, essa russa que “via com os seus dedos”.
Os cientistas soviéticos levaram sete anos jde pesquisas
para descobrir aquilo que seria sem dúvida uma tapeação.
A publicação Litcraturnayan Gazetta, que referiu esta
informação, afirma que, por ocasião das experiências oficiais
em 1963, o espectroscópio emitia um som especial toda vez
que a cor dos raios mudava. A Sra. Kouleshova teria baseado
suas (visões coloridas nessas mudanças de sonoridades quase
imperceptíveis ao ouvido normal.
Por conseguinte, o problema não está completamente
resolvido, pois há biologistas que asseguram que jtodas as
células do corpo possuem aptidões para todas as funções de
percepções sensoriais.
A COLUNA DE ASHOKA
Numerosos charlatães deitaram a escrever que a célebre
coluna de Ashoka, de ferro inoxidável, tinha uma velhice de
4000 anos. Trata-se de um exagero, conforme tivemos opor­
tunidade de constatar quando examinamos minuciosamente
o monumento.
Eleva-se no pátio de um tempo de Nova Délhi (índia),
diante duma porta monumental de estilo árabe. Mede cerca

51
de 7 metros de altura e seu diâmetro varia de 42 cm na base
a 32 cm na ponta e pesa 6 toneladas6.
À primeira vista, esta coluna não pode ter a idade propa­
lada, pois a ornamentação na ponta da mesma é de um estilo
facilmente identificável. Chamam-na comumente de “coluna
de Ashoka”, em virtude do nome de um soberano, neto de
Bindusâra que no decurso de 260 a 227 antes de Cristo mandou
erigir, nas <extremidades de seu império, colunas que às vezes
serviam para gravar seus editos.
Como o prova seu estilo arquitetural, a coluna não pode
ter sido levantada por Ashoka e sim pelo imperador Candra-
gupta II, apelidado Vikramâditya, que reinou de 380 a 413
da nossa era e foi o inspirador da idade do ouro da civilização
indiana.
Louis Renou, orientalista de valor, membro do Instituto7,
é categórico quanto a este ponto de fixação da data.

6 — Medidas apresentadas pela revista Inforespaço — 26, alameda


Aristide Briand, 1070 — Bruxelas.
7 — A Civilização da índia Antiga, de Louis Renou — edições Flam-
marion; 1950.

52
A coluna de Ashoka, em Nova Délhi, índia.
A coluna tem portanto cerca de 1550 anos e não 4000 anos.
Não chega mais a ser um ponto de atração e um enigma,
pois é exato que apesar das umidades da índia e das monções,
o ferro de que é composta jamais sofreu a mínima oxidação
(ferrugem).
ELA Ê DE FERRO IMPURO
Num estudo muito bem apresentado por Inforespaço,
Jacques Scornaux escreve que "foi atribuída ao ferro da co­
luna uma pureza excepcional, inacessível à nossa tecnologia
mais avançada, com o fito de explicar a sua inalterabilidade”.
Se nos for permitido — acrescenta Jacques Scornaux —
presumir que esta apresentação pode ser realizada em nossos
dias, então é preciso frisar que é a partir da data recente, para
quantidades mínimas e a um preço exorbitante.
A coluna de Ashoka, ou melhor de Vikramâditya, seria
feita portanto de um ferro desconhecido, proveniente, acres­
centam alguns, de uma ciência extraterrestre ou de um segre­
do de fabricação que se perdeu!
Estamos aqui diante de uma hipótese temerária e ousada,
mas que se pode aventar na carência de explicação mais plau­
sível .
Especialistas da corrosão afirmam que a coluna é consti­
tuída de diversas chapas de ferro, soldadas a marteladas quan­
do estavam ainda em fusão.
Análises feitas em amostras revelaram contudo uma gran­
de heterogeneidade, isto é, parcelas de impurezas: carbono
(0,1 a 0,2%), fósforo (0,11 a 0,18%), silício, cobre, níquel, com
uma camada externa formada de 80% de óxidos de ferro
(Fe O e Fe2O3).
Este ferro — escreve Jacques Scornaux — é pois impuro
e o enigma de sua inalterabilidade permanece oculto... a me­
nos que seja devido ao fato de que durante séc’Jo<- os crentes
hindus o tenham untado ritualmente de matérias graxas, ve­
getais e animais que, penetrando o metal, acabaram garantin-
do-lhe a proteção.
Deve-se notar que o metal dos altares e dos objetos vene­
rados gozam da mesma forma do privilégio de uma seme­
lhante e miraculosa imunidade, tanto na índia como no Nepal.
O VALE DAS MARAVILHAS
Numa região deserta e de difícil acesso dos Alpes da
Provença, o Vale das Maravilhas oferece aos arqueólogos que

.54
não se sentem desalentados diante das dificuldades, um lugar
incomparável onde campeiam as gravuras rupestres.
Quem as desenhou? Que tipo de civilização se fixara ou-
trora nessas gargantas e nesses vales de montanha elevada?
Pouquíssimo se sabe a seu respeito.
O itinerário recomendado para ir ter ao vasto lugar, que
se estende por dezenas de quilômetros, parte de Tende em
direção a Saint-Dalmas de onde se pode subir até Mesces.
Dali temos que passar pelo vale da Mina para, depois de
seis quilômetros de dura caminhada, poder chegar às bordas
do Vale das Maravilhas.
A região é dominada ao nordeste pelo monte Bego que,
com seus 2.873 metros de altura, sobressai sobre uma con­
fusão de rochedos cujo aspecto, de encontro à luz, evoca repre­
sentações zoomórficas próprias para abalar a imaginação.
Foram aventadas muitas etimologias para o nome Bego
que se originaria ou do provençal begon = feiticeiro, ou de beg
= senhor, mas que parece ter uma associação de idéias com
o beugh ou mugido do touro ou de boi.
Ademais, cerca de 16.000 desenhos se referem a estes
animais dentre os 45.000 que foram mais ou menos identi­
ficados .
A altitude média do lugar varia de 2.100 a 2.600 metros
e dois montes vizinhos têm o nome de “Chifre do Touro” e
"Cume do Chifre do Bode” o que, de relance, leva a pensar
que o Vale das Maravilhas foi em tempos idos um lugar con­
sagrado à agricultura, à criação de animais e, mais provavel­
mente ainda, ao culto mágico do touro.
É preciso procurar nos labirintos de rochedos para des­
cobrir os desenhos, gravados na pedra com um instrumento
ponteagudo, ou traçados linearmente, talvez em épocas mais
recentes.
Em certos lugares existem em profusão em lajes lisas
de grez avermelhado ou de xistos folheados ou petro-silicosos,
sendo que alguns são verdes, violeta ou alaranjados.
Os mais representados são os touros (ou bois), forcados
de dois dentes, retângulos riscados em quadrados, facas, ar­
mas, silhuetas humanas, arpões que têm uma grande analogia
com certas letras dos alfabetos fenício, cariano, itálico, cre-
tense, aramaico, sabeano e mais ainda com desenhos da ilha
de Páscoa.

55
O Vale das Maravi­
lhas. Um local selva­
gem e magnífico. So­
bre a rocha lisa, no
primeiro plano, se vê
um desenho gravado.

Vale das Maravilhas:


bruxo ou chefe de
tribo, punhais; o de­
senho em quadrados
representa um «en.
rlos» ou limite de
propriedade.
Vale das Maravilhas. Plano do local, feito pelo arqueólogo Samivel.

57
As gravuras em quadrados ou cercas talvez representem
plantas de casas ou de compartimentos agrícolas; em toda
parte do mundo encontramo-las um pouco por toda parte,
principalmente no Peru (planalto de Marcahuassi) e na re­
gião de Snake River, nos Estados Unidos da América.
Outros desenhos são de figurações de feiticeiros, dança­
rinos, de touros e de homens que conduzem uma parelha de
bois.
Como se esperava que este lugar despertaria a atenção
do público, junto aos petroglifos se encontram os grafitti, os
nomes e os prenomes de visitantes alardeadores, ávidos de
perenizar sua identidade a uma obra impcrecível.
Sobre a "Grande mesa”, escreve André Verdet, "sinais-
totens se aproximam do alfabeto”8.
Por toda parte a decoração é grandiosa, titanesca, deso­
lada, ao mesmo tempo vazia e povoada de habitantes invi­
síveis .

OS HOMENS DO BEGO

Esta natureza carcomida, ciselada pelos ventos, pelo frio,


pela chuva, esta cidade natural com fortalezas, ruas e circos
imaginários, parece que os homens do Bego quiseram povoar
de fantasmas e de uma fauna gravada em mesas rochosas mas
que, em sua crença, graças a uma poderosa magia, deviam to­
mar consistência e vida real em certas datas sacrais fixadas
pelo Grande Bruxo.
Segundo os cálculos aproximativos, estes desenhos data­
riam do século V antes de nossa era, mas o arqueólogo Cario
Conti recua sua antiguidade a 4000 e talvez 5000 anos.
A mesma hesitação para definir aquilo que já se chama
de civilização do Bego ou civilização do Vale das Maravilhas:
seria obra de uma etnia expulsa das costas talvez do nordeste
por uma invasão e que se teria instalado em redor do monte
Bego para cultivar um solo do qual se sabe que foi fértil, no
fim da época neolítica.
Todavia, baseadas no caráter mágico de numerosos dese­
nhos, certos historiadores acreditam que os Homens do Bego

3 — Ler o notável estudo ilustrado de André Verdet: O Vale das Ma­


ravilhas (La Vallée des Meiveilles) Editions du Temps, 58, rue
du Montparnasse — Paris 14e,. e C. Bieknell: Guide des grava­
res rupestres pré-historiques dans les Alpes-Maritimes, com pe­
didos a serem feitos no museu de Arqueologia de Cimiez, em
Nice.

58
teriam formado uma civilização itinerante cujo traço encon­
tramos na região de Hesse, na Alemanha, nos arredores do
lago de Iseu, ao norte de Brescia e no Vale Camônica (Itália).

A LENDA DO VALE DA MASCARA

André Verdet, o autor do livro O Vale das Maravilhas,


refere duas lendas que dão uma explicação popular ao mis­
tério do monte Bego.
Os povos de Antraque — escreve ele — quiseram apode­
rar-se das virgens que outrora habitavam o vale. Elas fugi­
ram, lançando uma maldição sobre todo o país, do lago do
Agnel no norte até o lago do Inferno, no sul.
A segunda lenda oferece um nexo melhor com os desenhos
dos rochedos que representam bruxos, punhais e cenas que
se acredita sejam de magia.
Na Idade Média o conde de Tende tinha sob sua alta
autoridade toda a região, então fértil, dos vales que circun­
dam o monte Bego numa superfície de mais de três léguas.
Certo dia ele partiu para as Cruzadas e ficou ausente durante
vários anos que foram marcados por grandes calamidades e
pelo declínio da prosperidade em todo o condado.
— Foi a feiticeira que nos amaldiçoou! disseram os habi­
tantes de Tende.
E a pobre mulher, que morava numa palhoça na saída
da aldeia, foi amaldiçoada por todos, insultada, e as crianças
lhe atiraram pedras. .. Passados sete anos o conde voltou,
magro, envelhecido, irritado, escoltado somente pelo pe­
queno punhado de homens que tinham podido arrastar-se
quais cadáveres ambulantes, da Terra Santa.
Com a mortalidade, as intempéries, os acidentes de toda
espécie grassando de maneira patética, a população pediu que
o conde desse um jeito na situação.
— Meu bom povo, nada posso fazer contra as potências
infernais que nos submetem a milhares de suplícios! disse o
senhor. Em vão roguei aos santos e fiz penitência na Pales­
tina; o espírito do mal nos persegue e não nos quer largar!
Então resolveram lançar as culpas sobre a feiticeira, inti-
maram-na categoricamente a ir embora juntamente com suas
cabras, depois do que lhe queimariam a casa.
Por sua vez, o conde, o juiz de direito e o vigário amal-
diçoaram-na:
— Vai para os lagos do Inferno, no Pico do Diabo, no
Vale da Máscara, lá onde pontifica teu mestre, Satanás, entre
os rochedos de formas diabólicas. E não voltes mais a Tende!

59
A bruxa partiu com seu rebanho, seus amuletos, seus es­
critos de magia e suas misturas infames.
Tudo o que ela havia tocado com suas mãos impuras —
sua casa, seus móveis e a madeira de sua cerca — foi queima­
do, aspergido com água benta e molhado com sal derretido.
Então, diz a lenda, a morte e a desolação se abateram
sobre a região de Tende e o Vale das Maravilhas virou estéril,
como se tivesse havido uma transferência dos malefícios.
Depois disto, afirma André Verdet, os habitantes de
Tende, de Saint-Dalmas e da Brigue não se arriscaram mais
a voltar ao Vale da Máscara e do Inferno...

OS CAVALOS BRANCOS DAS DUNAS

Antes que chegasse ao conhecimento da escrita, o homem


desenhou seus sentimentos, suas impressões, suas necessi­
dades, sua admiração e seu pavor.
É provável que o Homem de Lascaux tenha conhecido a
escrita, mas só deixou o testemunho de suas qualidades de
desenhista e pintor. Na Inglaterra, nas encostas das colinas
gredosas do sul — as dunas (downs) — e notadamente no
Dorset, vemos figuras gigantescas, desenhadas, talhadas, que
representam em sua maioria das vezes cavalos.
É a mensagem de um povo antigo, talvez de uma época
pré-histórica, mas que foi continuada mais recentemente, pois
certas representações não têm mais do que mil anos.
Conforme uma tradição, o Cavalo branco de Uffington
dataria de Alfredo o Grande, rei anglo-saxão que foi coroado
em 871, depois de ter expulso os dinamarqueses da Ingla­
terra .
A obra, talhada na greda da colina, a fim de comemorar
as suas vitórias, devia representá-lo a cavalo, mas somente a
montadura foi concluída, o que levanta dúvidas quanto à au­
tenticidade desta versão.
Os arqueólogos são de opinião que o cavalo, muito estili­
zado eque domina os campos do Berkshire, é na realidade
trabalho dos homens da pré-história.
No condado de Wiltshire podemos enumerar seis cavalos
brancos desenhados da mesma maneira; aquele do Westbury
é o mais representativo dessa arte gigantesca.
Outras representações existem em Cherhill (Wilt) nos
flancos de um monte, em Alton Barnes (Wilt), em Kilbura
(Yorks) e em Osmington (Dorset), mas esta última data
apenas do século XVIII e celebra o rei Jorge III.

60
O Cavalo Branco de Westbury sobre tuna colina de Wiltshire,
Inglaterra.

Ao norte da Inglaterra, no Yorkshire, o Cavalo Branco da abadia de


Byland, sobre a colina de Hambledon, é tão grande que se toma
difícil fotografá-lo sem deformar as linhas. A figuração em terra
gredosa parece datar das primeiras eras históricas.
O Cavalo Branco de Uffington, no Berkshire, Inglaterra, é de uma
feitura extraordinária que faz lembrar os desenhos dos cavalos
célticos e gauleses.

O gigante de Cerne Abbas, Dorset, Inglaterra.


De data muito recente é o leão do condado de Bedford,
talhado para indicar a proximidade do zôo de Whipsnade.
À mesma veia artística pertencem as representações hu­
manas de Trendle Hill no Dorset: o Gigante com clava, e de
Eastbourne no Sussex: o Gigante de Wihnington.
O primeiro mede 55 metros de comprimento e o segundo,
80 metros. Foram desenhados sobre prados em valas com­
pridas que se assemelham em algo às pistas de Nazca.
A lenda refere que o Gigante de clava era um ogre que
foi morto por aldeões do vale de Blackmore a quem havia
roubado carneiros com os quais se empanturrara até rolar
pelo chão, estonteado de tanto peso por sua glutoneria!

CIDADES ESQUECIDAS NA SELVA

Nossa amiga e correspondente do Rio de Janeiro, Sra. J.


Renout da Cunha, trouxe ao nosso conhecimento novidades
arqueológicas brasileiras.
Uma cidade desconhecida foi descoberta em Ingá.
Em 1753 outra cidade foi explorada e foram achados aí
monumentos e esculturas. Depois nunca mais foi vista de
novo.
Em Pirarucura, no Estado do Piauí, os arqueólogos não
sabem dizer se viram uma verdadeira cidade ou se um efeito
da erosão. O lugar se chama as “Sete Cidades”; nos rochedos
se distinguem inscrições feitas com uma escrita desconhecida
em vermelho. Parece que foram talhadas umas esfinges na
pedra.
Grande é também a incerteza no que diz respeito a uma
série de colunas e alinhamentos de muralhas paralelas do
comprimento de um quilômetro, as quais parecem ser as
ruínas de uma civilização extinta, em Monte Alto.
Em 1743 um português de nome Francisco Raposo, acom­
panhado de alguns aventureiros, andou errante pela selva de
Mato Grosso à procura das "minas de ouro de Muribeca”,
cuja situação geográfica havia sido perdida já fazia um século.
Raposo enviou ao vice-rei do Brasil, Dom Luís Peregrino
, de Carvalho Menezes de Ataíde, um relatório detalhado de sua
expedição, relatório este que o tenente-coronel Percy Fawcett,
ex-oficial da armada das índias, exumou dos arquivos do
Rio em 1923.

63
Com razão ou sem ela e de acordo com vários pesquisa­
dores célebres9, Fawcett escreveu que se tratava de “cidades
perdidas” cujos nomes tresandavam à aventura: cidade do
Grande Paititi, Manoa, Americanas, Cidade dos Césares etc.
A que ele procurava batizou com o nome de “Cidade Z"
e, depois de muitos cortes e recortes, situou-a em alguma
parte nas proximidades do rio Xingu, afluente volumoso do
Amazonas, entre a Serra Formosa e a Serra do Cachimbo em
direção ao paralelo 10, meridiano de Greenwich.
Em maio de 1925 o coronel, seu filho Jack, seu amigo
Raleigh Rimei e uma escolta de guias indígenas lançaram-se
na floresta amazônica.
O escritor Henri Vernes investigou esta empresa afoita
que terminou tragicamente, depois que nenhum dos explora­
dores não deu mais sinal algum de vida.
Em seu livro Na pista de Fawcett10, Vernes cita uma
carta do dia 20 de abril na qual Fawcett, referindo-se aos di-
zeres de um indígena, falava de uma cidade perdida na selva,
onde as casas com portas grandes eram iluminadas de dentro
pela luz que irradiava de um cristal enorme colocado no alto
de uma coluna.
No dia 29 de maio teria ele enviado de novo uma mensa­
gem — cuja existência é muito duvidosa — mencionando sua
posição a nordeste da Serra Formosa, a cincoenta quilômetros
da confluência do rio Ronuro e do rio Xingu.
Certamente, inúmeras notícias chegaram ao Rio, umas
afirmando que Fawcett se tomara “rei de uma tribo de ho­
mens brancos” e outras asseverando que encontrara a morte
na selva.
Uma referência, também fantasista, diz que a expedição
tinha encontrado a cidade secreta mencionada no relatório
de 1743: uma arca ciclópica indicava-lhe a entrada. Numa
praça, uma estátua com o braço erguido parecia indicar a
direção do norte. Era a capital do grande Muribeca, filho de
um explorador português que se casara com uma índia e que
havia explorado fabulosas minas de ouro.

9 — Misteriosas cidades escondidas na selva foram em vão procura­


das, em 1902, pelos Krupp von Essen e em 1913 pelo presidente
Teodoro Roosevelt, que se fez acompanhar do general Cândido
Mariano da Silva Rondon.
10 — Edition Marabout.

64
Diversas expedições enviadas para procurar Fawcett e a
■"Cidade Z” retomaram sem ter trazido nenhuma solução para
o enigma.

II. REINOS IMAGINÁRIOS

As tradições mais fantásticas, como as aventuras roma­


nescas, sempre suscitam prolongamentos, continuidades que
pertencem, naturalmente, muitas vezes ao âmbito das fábulas;
contudo, acontece que na origem, no fundo, encontramos a
substância de uma revelação verídica.

Não acreditamos que o satélite de Marte, chamado Fobos,


seja um falso planeta ou um engenho voador interplanetário,
mas talvez ele seja oco; duvidamos da existência da Ágarta,
esse misterioso império sub-himalaiano, mas nos inclinamos
pela autenticidade de Antilha, vestígio da Atlântida.

Quanto aos reinos prodigiosos que os conquistadores do


século XVI procuraram nas três Américas, bem que quisêra­
mos julgá-los imaginários, todavia com uma certa reticência.

No fundo dos contos miríficos inventados pelos índios e


pelos cronistas espanhóis devia esconder-se uma parcela de
verdade. Seja como for, a miragem americana, de Pizarro a
Fawcett, foi uma aventura fantástica, maravilhosa, terrível e
mortal, digna da lenda dos séculos do Novo Mundo e que rea­
bre ainda em nossa época dossiê das "cidades perdidas”.

A CIDADE SUBTERRÂNEA DAS LEMÚR1AS

Segundo o "professor" Henrique José de Souza, presiden­


te da Sociedade Teosófica de São Lourenço (Brasil)11, Fawcett
e seu filho teriam sido feitos prisioneiros de um povo subter­
râneo de Mato Grosso.

Depois de seguirem um longo corredor que mergulhava


nas entranhas da terra, os exploradores teriam penetrado na
cidade de uma civilização radiante sob a superfície terrestre
de toda a América do Sul.

11 — Citado pelo escritor americano Raymond Bernard em seu livro


La Terre Creuse, edições Albin Michel.

65
“Os habitantes desse reino pertenceriam à raça antedilu-
vlana que povoava a Lemúria e a Atlântida, continentes outro-
ra tragados pelos oceanos12!"
José de Souza compartilha assim da opinião do escritor
tradicionalista Ferdinand Ossendowski13 que atestava a auten­
ticidade de tais populações:
“Ouvi — escreve Ossendowski — um sábio lama chinês
dizer ao Bodgo-Khan que todas as cavernas subterrâneas da
América são habitadas pelo povo antigo que desapareceu de­
baixo da terra. Estes povos e estes espaços subterrâneos são
governados por chefes que reconhecem a soberania do Rei
do Mundo”.
Aí também, trata-se ainda dos habitantes de Mu e dos
Atlantas, salvos do dilúvio, que habitariam as cavernas pro­
vidas de uma luz particular, capaz de fazer crescer os vegetais.
Naturalmente, esses povos devem viver quase etemamen-
te e sem contrair doenças!
Se formos dar crédito a Assendowski, a maior parte das
civilizações antigas antes de desaparecer de qualquer modo
teriam delegado um grupo de iniciados junto ao Rei do Mun­
do, cujo reino sub-himalaiano de Agarta é habitado pelo povo
subterrâneo que “atingiu o mais alto conhecimento e saber”.
Faz mais de 6000 mil anos que um santo homem e sua
tribo “desapareceram no interior do solo".
Seria também o que aconteceu às doze tribos ditas “per­
didas” de Israel.
A entrada de Agarta ficaria situada ou no Afganistão ou
no Tibete, entre Chigatzé e Chambalá.
HOMENS COM DUAS LÍNGUAS!
O príncipe Choultoun Beyli teria feito pessoalmente a
descrição do reino de Agarta a Assendowski que a relatou sem
a mínima admiração.

12 — Segundo Haeckel, o grande naturalista alemão, a raça humana


teve seu início num continente atualmente submerso no Oceano
Pacífico: a Lemúria, chamada entre os Pouranas de Shalmali.>
Este continente teria sido o berço da terceira raça humana, a
primeira que teria sido inteiramente desenvolvida. Sua destrui­
ção pelo fogo e pela água «foi acompanhada do aparecimento
de um outro continente, a Atlântida, denominado Kusha, onde
desapareceu a poderosa e magnífica civilização da quarta raça-
raiz (na tradição dos teósofos).
13 — Ler Bestas, homens e deuses, de Ferdinand Ossendowski, ed.
Hemus, 1972.

66
Contudo, certas analogias suscitam — pelo menos — uma
legítima suspeita.
Fica a critério de cada um!
Um velho brâmane do Nepal encontrou no Sião, afirma
o príncipe, um pescador que o levou a fazer uma viagem
pelo mar.
“No terceiro dia chegaram a uma ilha onde vivia uma
raça de homens com duas línguas, que podiam falar separada­
mente línguas diferentes.
Mostraram-lhe animais curiosos, enormes serpentes cuja
carne era saborosa, pássaros com dentes que agarravam peixes
para os seus senhores, no mar. Este povo disse-lhe que havia
vindo do reino subterrâneo do qual fez-lhe a descrição de al­
gumas regiões...! ”

MANOA

Somos muito cautelosos com respeito a estes relatos que


na maioria se revestem de pura fantasia; contudo, causa certo
embaraço o fato de se notar que os mesmos têm estranha­
mente uma vinculação com as tradições que mencionam a
existência de misteriosos subterrâneos que superabundariam
na América do Sul e notadamente no Brasil14.
Segundo o escritor americano Raymond Bernard, um
deles, o Caminho dos Incas, medindo centenas de quilômetros,
teria uma entrada ao sul de Lima, passaria por Cuzco e
Tiahuanaco, indo desembocar no deserto de Atacambo.
Foi por este túnel que os incas teriam retirado o seu ouro
quando os conquistadores invadiram o Peru.
O coronel Fawcett e seu filho Jack teriam desaparecido
num soccabon (subterrâneo) da serra do Roncador ao nor­
deste de Mato Grosso. Estas lendas, que se enfatizam e tor­
nam-se exageradas no decurso dos anos e dos séculos, quase
todas se originam nos sonhos fantásticos que inflamaram os
conquistadores ao tempo em que Pizarro desembarcava no
império dos Incas.
Um país mágico, que era mais provavelmente um homem,
atrai então todos os catadores de aventuras: o fabuloso
Eldorado.
Os espanhóis situavam-no na atual Colômbia ou nos Es­
tados Unidos da América, enquanto que Voltaire o situava no

14 — Ler O Livro dos Mundos Esquecidos, de Robert Charroux: Civi­


lizações Misteriosas, cap. VII.

67
Paraguai; um viajante anônimo afirma que o Eldorado se
localizava às margens do rio Paraná, tendo por capital uma
cidade magnífica chamada Manoa.
É de se crer que a lenda teve como divulgadores, indíge­
nas maliciosos ou incas desejosos de guiar os conquistadores
por longínquas e falsas pistas.
Tanto uns quanto outros falavam constantemente de
Manoa com telhados de prata e com habitantes que se vestiam
com roupas em tecido de ouro.
Walter Raleigh procurou os zimbórios faiscantes do Eldo­
rado os quais “resplandeciam numa vasta planície”.
Ferdinand Denis15 adianta que a fabulosa cidade talvez
fosse Palenque, no México, "esta irmã da Tebas egípcia, gran­
de cidade vazia, abandonada no meio da floresta com seus
pórticos, seus templos ornados de baixos-relevos com miste­
riosos hieróglifos”.
Para os conquistadores, El Dorado era mais precisamen­
te o chefe do reino maravilhoso.
"Pontífice e rei, era a ele que obedecia a cidade de Manoa
e que as homenagens de um povo imenso eram continuamen­
te prestadas. Filipe de Utre viu seu palácio fantástico, criado
na savana, qual raio fulgidio de sol. ”
AMERICANAS
No Brasil se falava da Mão das Águas, sereia que monta
guarda aos tesouros de um grande lago e sobretudo de um
país chamado Americanas, região imaginária que se costumava
situar ou em Minas ou em Mato Grosso.
Em Americanas o ouro campearia entre os topázios e ali
se construíam palácios com pedrarias que o sol fazia brilhar.
"No século XVIII o velho Bartolomeu Bueno percorre
florestas desconhecidas, atravessa desertos sem nome e volta
carregado de ouro e de pedrarias que podiam enriquecer os
soberanos mais afortunados. Em vão se procura sua rota;
perdeu-se como aquela que conduzia outrora até os tesouros
de Ceborá ou de Paititi16”.

15 — O Mundo Encantado, de Ferdinand Dénis. Paris 1843.


16 — Tradições adiantam que Paititi se erguia sobre os picos de mon­
tanhas que, em volta do golfo de Darien, se estendem da baía
de Maracaibo ao istmo do Panamá. No século passado nestas
redondezas se viam ainda as gigantescas ruínas das cidades dos
cares bem como os restos de forjas onde os ciclopes da América
central fabricavam as armaduras de ouro dos reis e dos prínci­
pes dessas regiões (segundo Roger Dévigne).

68
Contudo, o que se murmura nas tavernas, de Lima ao
Rio, é que o deserto de Americanas está juncado de ouro, de
esmeraldas, de crisólitos, de águas-marinhas de uma grossura
incrível e que tudo isto rutila entre os vulgares calhaus.
Mas é preciso fugir dos animais terríveis e dos cataclis­
mos da natureza: não é senão no clarão dos relâmpagos e no
ribombar do trovão que podemos arrancar as riquezas das
areias e da montanha!
A CIUDAD DE LOS CESARES
O livro de Pedro de Angelis intitulado Derroteros y viages
de la ciudad encantada o’ de los Cesares e publicado em Bue­
nos Aires em 1836 revela uma rival de Americanas e de Manoa.
Ssegundo o autor, fundadas que foram em 1599 pelos es­
panhóis que se salvaram de Osorno e dos outros pueblos (al­
deias), existiríam três cidades que os araucanos destruíram
em fins do século XVII.
Uma delas, a mais rica, seria a Ciudad de los Cesares. Está
construída no meio da laguna de Payégué e seus templos são
recobertos de ouro maciço. Todos os utensílios de cozinha,
até as marmitas, são desse metal, do qual se fazem também
as relhas das charruas.
Enfim, para avolumar esta relação atraente, vale a pena
saber que os assentos dos habitantes são todos em ouro ma­
ciço, da mesma forma que os campanários dos templos que
são vistos brilhar e cintilar a mas de dez léguas17.

O EL DORADO ORIGINAL
O El Dorado foi "inventado” por volta de 1536 pelo tenen-
te-general Sebastião de Balalcaçar e por seus soldados aquar-
telados na ocasião em Quito.
A informação provinha de um indígena o qual referiu que
no vale de Santa Fé ou de Bogotá “um senhor entrava num
lago por meio de algumas balsas, com o corpo completamen­
te nu, e que depois de untarem-no com cola espalhavam por
todo o corpo dele partículas de pó de ouro, o que o tornava
fortemente brilhante".
Balalcaçar deu a esta região o nome de província de El
Dorado; supõe-se que o lago em questão seria o lago Guatavita,

17 — Pode-se compreender o desprezo dos exploradores, diz a Grande


Enciclopédia P. Larousse: o pico Calitamini, na Guiana, quando
é atingido obliquamente pelos raios do sol poente brilha como
se estivesse encrustado de ouro ou coroado de diamantes.

69
distante 28 quilômetros ao norte de Bogotá, mas este país de
farturas e fertilidades foi situado também entre o Amazonas
e o Orenoco.
Alguns cronistas afirmam que o El Dorado foi imaginado
por um lugar-tenente de Pizarro chamado Orellana.
Um certo Martinez afirmou que morou sete meses na
cidade de El Dorado e, em apoio de sua afirmação, apresentou
uma carta geográfica da província, que podia facilmente ser
reconhecida pelas três montanhas que a limitavam. A primei­
ra era de ouro; a segunda, de prata, e a terceira, de sal18.
A capital desse reino imaginário era Manoa e seu sobe­
rano se chamava indiferentemente de Grande Paititi, Grande
Moxo, Grande Paru ou Enim; ou ainda melhor: O Rei Dourado
(o El Dorado).
Esta capital chamava-se também cidade dos oméguas ou
omáguas, mas era o El Dorado ou Manoa, ainda desconhecida
sob estes nomes.
Mais tarde a opinião pública deu uma explicação à fábula:
o jovem irmão de Ataualpa, o inca reinante de Cuzco, havia-se
refugiado, levando consigo prodigiosos tesouros, no interior
das terras onde havia fundado um novo império.
Hoje em dia se pode pensar que essas tradições, que fa­
zem sentido ou que se contradizem, repousam sobre algum
fundamento: o último dos soberanos do Peru, o inca Manco,
teve que se retirar para a cidade secreta de Machu-Pichu que
só foi descoberta em 1911.
É provável que nesta cidade perdida sobre o Altiplano
estejam escondidos imensos tesouros.

18 — Em suas descrições, Martinez ia muito mais longe. O palácio do


imperador era sustentado por magníficas colunas de porfiro e
alabastro e cercado de galerias em madeira de ébano e de cedro
cravejado de pedrarias. Situado no centro de uma ilha verde-
jante, refletia-se num lago com águas de uma transparência
indescritível. Duas torres guardavam a entrada deste palácio,
apoiadas cada uma delas numa coluna de vinte e cinco pés de
altura, cujos capitéis sustentavam imensas luas de prata. Dois
leões vivos estavam amarrados aos fustes das colunas por cor­
rentes de ouro maciço.
A água das fontes jorravam em bacias de prata por meio de
canos de ouro. No meio do palácio, um vasto altar suportava
um imenso sol de ouro diante do qual quatro archotes ardiam
perpetuamente.
O dono de todas as riquezas era o El Dorado.

70
SONHOS, DELÍRIOS E MORTE
O mito do Eldorado passou aos poucos para as misterio­
sas regiões do Brasil.
O cronista Magalhães Gandavo relata esta pasmosa infor­
mação:
"Indígenas do país de Santa Cruz19, não se dando bem
em seu país, mergulharam nas vastas solidões do interior.
As fadigas e as misérias dizimaram um grande número
deles e os que sobreviveram chegaram a um país onde havia
grandes cidades, uma numerosa população e tantas riquezas
a ponto de afirmarem que viram ruas muito compridas cheias
de gente cuja única ocupação consistia em trabalhar o ouro
e as pedrarias...
Quando viram suas ferramentas de ferro... e que ouvi­
ram falar que se tratava de portugueses brancos e barbudos
ou de espanhóis do Peru... os habitantes presentearam-nos
com escudos guarnecidos de ouro, pedindo-lhes que os levas­
sem para o seu país e que anunciassem que estavam prontos
a trocar coisas deste gênero por ferramentas de ferro...”
Mais tarde o Eldorado foi para o norte, até os Estados
Unidos: foi localizado em Quivira, na Califórnia.
Mitos, sonhos, imaginações, "andanças dos mortais”...,
tudo o que a febre do ouro, a avidez e a sede de aventuras
pode inspirar o homem, tudo isto o Novo Mundo viveu du­
rante mais de três séculos.. . e, deveriamos dizer, até nossos
dias!
Vasquez de Cornado encontrou o Padre João em Cibolá,
a cerca de 400 léguas ao norte do México, e Alexandre Hum-
boldt escreveu que nessas paragens havia sido descoberto des­
troços dos navios do Catai!
PAITITI
Nuno de Guzman, presidente da Nova-Espanha, reuniu
um exército de 400 espanhóis e 20.000 indígenas para desco­
brir Cibolá ou Ciborá (atual Califórnia), capital do país das
Sete Cidades "onde o ouro é tão abundante quanto os cas-
calhos”.
Ele encontrou sete pobres cidades!
Mas tão fortes eram as paixões e a credulidade na reli­
gião do bezerro de ouro, que imaginaram outra Cibolá, desta
vez a verdadeira!

19 — Sem dúvida, Santa Cruz da Bolívia.

71
“Achava-se na província de Tiguer. Um soberano fazia a
sesta debaixo de uma grande árvore da qual pendiam cam­
painhas de ouro que o vento fazia soar docemente, agitando-
as . Uma grande águia de ouro ornava a proa do navio real...”
Uma nova decepção lançou os conquistadores na pista do
“mais belo império”, aquele do Waipite ou Paititi que no
começo tomava as vezes de Cibolá, com a mesma lenda rela­
tiva a Manco Capac II, mas que foi situado no Peru, na região
banhada pelo Apurimac e pelo Ucayale.
"Era um reino poderoso — escreveu Juan de Velasco —
que os incas haviam fundado, mas estes monarcas fracassados
sabiam ilaquear a vista dos espanhóis graças a poderosos en­
cantamentos. Todas as cabeças de Lima ficaram portanto
tomadas de delírio quando Frei Benito de Ribera, religioso
de São Francisco que estava adido às missões de Guanuco,
contou que havia estado no Paititi, do qual fazia uma des­
crição entusiasta. Este reino tinha milhões de habitantes e
por lá só se via ouro por toda parte.”
Muitos gentis-homens de Lima armaram um exército a
suas expensas e em 1670 se puseram em marcha sob as ordens
de um franciscano, à procura do Paititi.
Foi um verdadeiro fiasco, mas nem por isso a miragem
ficou destruída!
Em 1681 o Pe. João Lucero afirmou que havia ido a um
país entre os piros e que havia pego em suas mãos “pratos,
berloques, brincos e outras jóias de ouro, fabricadas pelos
índios”.
Nesses relatos legendários, incríveis por seus detalhes
ousados e pelas descrições de tesouros fantásticos, encontra­
mos contudo um certo fundo de verdade que dá o que refletir.
Este país de piros de que fala o Pe. João Lucero muito
provavelmente existiu, mas parece que foi perdido o seu
paradeiro.
"O licenciado Montesimos, que em 1652 recolheu as tra­
dições conservadas pelos amautas, colégio dos sacerdotes e
dos astrônomos peruanos, conta que a civilização dos incas,
relativamente recente, teria sucedido a um período de barbá­
rie, a qual fora ela mesma precedida pela antiga civilização
dos Pyr-Huas (os piros do Pe. Lucero), que se organizou de­
pois do cataclismo diluviano e que possuía misteriosos hie­
róglifos, como todos os povos que tiveram vínculos de união
com a Atlântida engolida20.”

20 — Excerto de: Un continent disparu, 1’Atlantide, de Roger Dévigne,


Paris, 1923.

72
O país de Piros talvez fosse Tiahuanaco (Bolívia), Machu-
-Pichu, ou uma das cidades encontradas no Altiplano ou perto
do Amazonas peruano; mas nós estamos mais propensos a
pensar nas ruínas de Caballo Muerto (Peru) onde o doutor
americano Michael Moseley, da Universidade de Harvard, des­
cobriu as ruínas de um templo e uma cabeça colossal que
data de mais de 3.000 anos.
Tais eram nos séculos XVI e XVII as cidades perdidas
e os mitos que lançaram os catadores de aventuras nas selvas,
nos desertos e nas serras onde mais das vezes encontraram
a morte ao invés da fortuna.

A FONTE DA JUVENTUDE

Outra crença e outra terra desconhecida embalaram os


sonhos dos descobridores do Novo Mundo: A Fonte da Juven­
tude e a ilha de Bimini.
Ao chegar às Antilhas os espanhóis ouviram os índios de
Cuba e do Haiti contar que ao norte dessas ilhas havia uma
fonte cujas águas tinham o poder de rejuvenescer aqueles
que delas bebessem e que nelas se banhassem.
Em 1514 o teólogo Pierre Martyr transmitia este boato
ao papa Leão X e acrescentava: "Oxalá Vossa Santidade não
creia que se trate de gracejos ou de palavras jogadas ao léu”.
O explorador da Flórida, Lucas Vasquez d’Ayllon, relata
que o pai de sua doméstica lucaiana, já curvado pela velhice,
porém desejoso de prolongar sua vida, foi à Fonte da Juven­
tude. Deteve-se nela diversos dias, banhando-se, bebendo de
suas águas e tomando os remédios prescritos para o trata­
mento.
Voltou para casa com suas forças restabelecidas, casou-
se de novo e teve filhos.
A fonte foi localizada na Flórida, mas principalmente em
Bimini, “poderosa ilha habitada por diversos povos que ti­
nham a pele mais branca e mais bem feita do que em Cuba".
Particularmente as mulheres "eram tão lindas que os ho­
mens da Terra-Firme e da Flórida iam viver com elas”.
Juan Ponce de Léon, ex-governador da ilha de Boriquém,
"armou duas caravelas e saiu à procura da ilha de Boyuca
(Bimini?) onde os índios situavam a fonte que transformava
os velhos em adolescentes. Entrou em Bimini e descobriu a
Flórida em 1512, mas não encontrou a Fonte da Juventude”.
Mesmo assim é interessante notar que a ilha de Bimini,
de grande atualidade depois de 1970, encerra em suas profun­
didades marítimas vestígios de uma civilização desaparecida,

73
talvez atlanteana, e que os mergulhadores que a descobriram
referem que uma fonte de água doce jorra junto a estes ves­
tígios.
A Fonte da Juventude foi também localizada no Egito e
na índia, onde Alexandre o Grande a tinha procurado.
Gilgamesh, o herói da mitologia assíria, empreendeu
sua viagem “ao país dos Grandes Ancestrais, nas extremida­
des do Ocidente” para procurar ali a planta que rejuvenesce
os velhos.
0 sábio Um-Napishti (o Noé dos assírios) revelou-lhe
que ela rebentava no fundo da água. Gilgamesh, lastrado de
pedras, mergulhou portanto como um pescador de pérolas e
colheu no fundo de uma fonte uma planta, o kishkanü ou
sihlú, que seria... nosso agrião21!
Mas o aspecto mais pasmoso nesta legenda, que foi efeti­
vamente uma aventura vivida, é que Gilgamesh foi procurar
esse agrião numa Fonte da Juventude que, segundo os bons
mitologistas, se situava na América e provavelmente na Flo­
rida ou em Bimini!
É difícil não sermos sensibilizados por esta estranha coin­
cidência, tão estranha que, se não pudéssemos deixar de nu­
trir dúvidas sobre a mesma, repousa sobre uma verdade
histórica.
Há milhares de anos a Fonte da Juventude existia em al­
guma parte na região de Bimini e nossos Ancestrais Superio­
res transmitiram-nos a história que era ainda bem viva e rica
de detalhes, há 5.000 anos atrás.

21 — Segundo S. Langdon: The Mithology of ali races e G. Contenau:


La Magie — ed. Payot — Paris.

74
Capítulo V

CIVILIZAÇÕES MISTERIOSAS:
NA ESCÓCIA, NA FRANÇA, NA SARDENHA, EM MALTA

Pouca coisa sabemos dos dolmens, dos menires, de todos


os megalíticos que no entanto juncaram e ainda juncam em
profusão o solo da França.
Nossos conhecimentos são extremamente reduzidos no
tocante aos drúidas e aos “gauleses, nossos ancestrais”, e con­
tinuamos ignorando quem foi o primeiro rei do nosso país.
E que sabemos nós da misteriosa civilização que na Fran­
ça, na Escócia e também em outras partes da Europa edifi-
cou as numerosas fortalezas vitrificadas que aí podemos ver?
Não resta dúvida que disso não se fala em nossos livros
"de história”, e com razão (preferimos não precisar por que
razão), mas esses castelos-fortalezas vitrifiçados, lá estão eles
e constituem pontos de interrogação para o homem curioso,
para aquele que ousa interessar-se pelo passado da França.
A VINGANÇA DO DEUS AZÚRIA
Sem dúvida alguma são fortificações, geralmente em for­
ma de elipse; em geral foram construídas sobre colinas ou em
volta de promontórios naturalmente abruptos.
Os muros em sua parte inferior, ora num lado ora nos
dois, são feitos de pedras graníticas vitrificadas que apresen­
tam aos arqueólogos um enigma quase insolúvel.
Quanto as fortificações são protegidas por baluartes,
estas revelam também traços de vitrificação.
À primeira vista, somos tentados a pensar que braseiros
ardentes foram acesos ao pé das muralhas para fundir-lhes o
granito a fim de garantir uma melhor coesão dos elementos.

75
A

Plano de um forte vitrificado com


sistema de defesa em arestas.

Museu de Guéret. Massa de


pedras vitrificadas prove­
nientes do forte de
Ribandelle.
A explicação se toma pouco convincente quando se rela­
ciona com o interior que só foi vitrificado onde as faces ex-
temas, às vezes com um ou dois metros de espessura, são
construídas de pedra perfeitamente natural.
Enfim, essa explicação se esboroa por completo quando
pensamos nos 1300° que são necessários para começar a fusão
dos materiais.
O arqueólogo inglês James Anderson, num livro editado
em 1777, parece ter sido o primeiro que identificou as forta­
lezas vitrificadas na Escócia onde — escreve ele — encontra­
mos uma terra ferruginosa que serviu para untar as pedras;
nesse reboco o fogo garantiu a vitrificação!
Charles Hoy Fort, no O Livro dos Condenados, avança
uma tese ainda mais estrambólica: porque os britânicos não
queriam tingir sua pele de azul, o deus Azúria "derramou sua
eletricidade sobre todas as fortalezas, cujas pedras vitrifica­
das e fundidas existem ainda em nossos dias”.
As principais fortificações vitrificadas da Escócia são:
o Craig Phoedrick, o Ord Hill of Kissock, Barry Hill, Castle-
-Spynie, no condado de Inverness, Top-o-Noth, no condado
de Aberdeen e os montes de pedras (cairns) vitrifiçados dos
Orcades (ilha Sanday)1.

O CRAIG PHOEDRICK
As duas construções mais típicas são o Craig Phoedrick
e o Ord Hill of Kissock, “que se erguem como duas imensas
colunas sobre colinas distantes entre si três milhas e situadas
na extremidade do golfo de Moray, perto da cidade de In­
verness, cujo acesso pelo lado do mar parecem estar defen­
dendo”12 .
O arqueólogo Jules Marion descreve estas fortificações
como uma acrópole regularmente desenhada com a parte
superior, tendo um terraço de forma oval achatado, escavada
no centro de uma bacia de dois a três metros de profundidade,
semelhante a uma cratera de vulcão.
Ao pé da acrópole, prossegue J. Marion, o contorno in­
teiro do conjunto é recoberto de blocos de granito vitrificado,
de dimensões ciclópicas, os quais certamente devem ter feito
parte das construções.

1 — Na Boêmia existem outras fortificações desta natureza.


2 — Les premiers hoxnmes et les tempa préhistoriques, do marquês de
Nadaillac.

77
O forte de Dun Aengus, no Irishmore, ilhas de Aran, Irlanda.

Estas últimas dominam perpendicularmente o vale de


Ness no lado leste onde a encosta é mais escarpada.
As pedras da fortificação, de cor escura, são enormes e
estão ligadas por uma camada de argamassa de igual espes­
sura e assim o conjunto forma um conglomerado compacto,
muito duro e impossível de dissociar.
Certos blocos que sem dúvida devem ter sido submetidos
a um fogo particularmente intenso estão torrados como lavas
de vulsão e apresentam, "quando quebrados, grossas gotas
vitrificadas bastante parecidas em cor e em consistência com
as do vidro de garrafa” ou a este tipo de obsidiana a que se
dava o nome de Tetitas lunares antes que os cosmonautas de­
monstrassem que esta matéria não existia na face da lua!
Não é certo que o Craig Phoedrick e o Ord Hill of Kissock
tenham sido fortalezas e chegou-se a afirmar que talvez fos­
sem faróis ou postos de observação que datam da época dos
Vikings.

Na realidade, desconhecemos absolutamente qual era sua


finalidade e qual sua origem.

78
AS FORTIFICAÇÕES VITRIFICADAS DO CREUSE
Não se sabe muito de quando é que datam as fortifica­
ções vitrificadas que se encontram na França, onde podemos
registrar umas doze delas.
Objetos enterrados ou retirados dos entulhos tiveram sua
data fixada no século V, mas somos de opinião que a cons­
trução é muitas vezes milenar, conforme testemunham os
manuscritos irlandeses que falam da torre incendiada de Tory.
Ademais, as crônicas históricas não teriam feito menção
dessas fortificações se elas só tivessem sido construídas há
1500 anos.
Contudo, no museu de Guéret podemos ver um bloco de
graiiito fundido que contém uma telha de origem romana,
o que complica singularmente o mistério.
As principais fortificações vitrificadas do nosso país são,
no Creuse: em Châteauvieux, em Ribandelle (fronteiriça a
Châteauvieux, sobre a margem oposta do Creuse), em Thau-
ron, em Saint-George-de-Nigremont; na Bretanha: em Péran;
na Vienne, talvez em Thorus, perto de Château-Larcher onde
aquilo que foi um promontório fortificado domina o vale do
Clouère (nas ruínas e as fortificações não foram nem inves­
tigadas nem desobstruídas e por isso é difícil saber se elas
encerram blocos vitrificados, reas a analogia entre Thorus e
Châteauvieux deixam margem para assim crermos); perto de
Argentan (Orne); em Saint-Suzanne (Mayenne). A fortifica­
ção de Châteauvieux é de forma oval e tem um comprimento
axial de 128 metros; o baluarte é como que um aterro terra-
planado de 7 metros na base por 3 metros no vértice.
Sobre estas subestruturas foi edificado um muro com
paredes de granito.
“O espaço entre as duas paredes — escreve M. de Na-
daillac — é preenchido por uma extensão de granito fundido,
da largura de 4 metros e com 60 centímetros de espessura
e repousa sobre uma camada de tufo. Não se vê nenhum
traço de emprego de uma argamassa qualquer, como na
Escócia. ”
Por conseguinte, a parte inferior do muro é completa­
mente vitrificada, ao passo que as paredes exteriores não o
são!
A antiga fortaleza da Ribandelle-du-Puy-de-Gaudy, que
foi ocupada pelos celtas e depois r ucessivamente pelos roma­

79
nos e pelos visigodos, é de natureza análoga. Tem um perí­
metro de 1.500 metros e uma superfície de 13 hectares.
O interior dos muros em granito vitrificado é separado
das paredes por camadas de terra de charneca. A vitrificação
só é superficial e tem uma espessura de aproximadamente
dois centímetros.
Diferentes indícios mostram que a construção terminava
quando o granito em fusão era lançado dentro dos muros; ou
então quando o fogo que o fazia fundir-se era colocado no
interior das paredes. Outra constatação: a massa vitrifiçada
é dividida em parcelas de aproximadamente três metros de
comprimento, como se as operações tivessem sido sucessivas
e não efetuadas simultaneamente.
Em Thauron, perto de Bourganeuf, as pedras da fortifi­
cação são às vezes de tal maneira cozidas que se transformam
numa espécie de lava. Subsistem ainda restos de abóbadas.

AS PEDRAS QUEIMADAS

Prosper Mérimée escreveu que as muralhas de Péran


pareciam ter sido consolidadas em vidro fundido.
O campo de Péran, comuna de Plédran (Costas do Norte)
tem 134 metros de comprimento por 110 metros de largura:
na região as chamam de as Pedras Queimadas.
Estas pedras não estão ligadas por argamassa ou cimento,
mas pela fusão em si, o que é fantástico.
Que o “campo de Péran" é anterior à conquista dos ro­
manos é atestado pelas descobertas que foram feitas e que
provariam que a construção das fortalezas vitrificadas data
pelo menos de três mil anos.
Que civilização desconhecida construiu estas fortalezas
na França, na Escócia e na Boêmia?
Provavelmente os celtas, o que denuncia a traição de
certos historiadores e historiadores da pré-história que, para
se acumpliciarem com a Conjura, deliberadamente afastaram
e abafaram um povo que, na época-fantasma do bronze, sabia
pôr em fusão, a 1300 ou 1500 graus, uma rocha tão dura quan­
to o granito!
O processo da operação é desconhecido, mas supõe-se que
esses químicos pré-históricos usavam barrilha e potassa para
fazer uma espécie de fogo de artifício.
Sabemos também — mas não lhes conhecemos a natu­
reza — que os homens de Leinster, da tradição céltica irlan­

80
desa, sabiam “construir um muro vermelho”. Era um muro
de fogo, ou vitrificado?
Em todos os casos, constituía um tabu intransponível34
.
A mesma tradição fala de um fogo druídico de um poder
extremo.
M. de Cessac, que estudou os antigos fortes do Creuse,
conseguiu fazer fundir um muro construído com granito en­
tremeado de madeira, mas a sua experiência não é conclu­
dente quando se trata de grandes superfícies.

A HIPÓTESE DO DRUIDA E. COARER-KALONDAN

Na apaixonante obra Les Celtes et les Extra-Terrestres^


o druida cego E. Coarer-Kalondan e o ovate Gwezenn-Dana
fornecem (2.a parte, cap. VII) talvez a explicação do mistério
das fortificações vitrificadas:
“Os lança-chamas que incendiaram Tara"
Em Dieux et héros des Celtes de M. L. Sjoestedt vem
evocada uma outra arma científica utilizada nessa época.
Todo ano, na data das solenidades de Saman (l.° de novem­
bro), um guerreiro vinha, sozinho, desafiar a cidade de Tara,
na Irlanda. Este guerreiro, chamado Aillenn Mac Neidhna,
aproximava-se da cidade aterrorizada e, cuspindo fogo, um
a um incendiava todos os quarteirões.
Finn, o próprio pai de Ossian, pôs fim a este terrorismo,
ferindo mortalmente o incendiário com uma lança.
Os lança-chamas empregados no decurso das duas últi­
mas guerras mundiais oferecem uma explicação racional so­
bre a maneira como Aillenn Mac Neidhna levava o fogo sobre
os baluartes e nas casas de Tara.
Este episódio tende a demonstrar que os celtas, com seus
conhecimentos de química, sabiam utilizar líquidos ou gases
incendiários. ”
“Toriniz, a torre vitrifiçada”
A torre da ilha de Toriniz (na ponta norte da Irlanda,
no Donegal), hoje ilha de Tory, no século passado ainda exis­
tia e os arqueólogos constataram com surpresa que os vestí­
gios eram vitrificados. É possível propor três soluções ao
ao problema.

3 — Jean Markale, L’épopée celtique d’Irlande, ed. Payot.


4 — Les celts et les extra-terrestres, ed. Le Marabout.

81
1. A torre, que pertencia aos Fomoré, foi atomizada pelos
Tuatha5 em seguida à segunda batalha de Mag Tured.
O enorme calor que se despreendia por suas armas
científicas (lança-chamas, ou nuvem atômica) havia
vitrificado o granito e a fortaleza.
2. A torre fora untada com uma matéria isolante vítrea
que a protegia contra as radiações que emanavam das
armas ofensivas...
3. Só a base do edifício é construída solidamente. Por
cima de um embasamento de granito se ergue o corpo
da torre, composto inteiramente de matéria vitrificada.
Um grande incêndio, uma atomização ou o emprego de
energia solar pode fornecer uma explicação do fenô­
meno ."
Este é o mistério das fortificações vitrificadas da França,
da Escócia e da civilização — provavelmente céltica — que
os edificou, talvez para intrigar os arqueólogos do século XX,
se é que com isto podem eles sentir-se interessados ao que
diz respeito ao nosso patrimônio ancestral.
OS BROCHS
Os brochs da Escócia, nas ilhas Shetland e dos Orcades,
são construções de pedra seca em forma de gigantescos so-
quetes de pedra e cal, nos quais se penetra por um corredor
comprido e estreito.
Acreditou-se que estas habitações, de difícil acesso, ha­
viam servido aos ilhéus para se defenderem contra as incur­
sões dos Vikings, no século XI.
Mais plausível é a tese que as faz recuar até às primeiras
migrações dos celtas no Ocidente, à dos pictos (e dos pictões
do Poitou), mas a este respeito não temos nenhuma certeza.
Os pictos ocupavam a Escócia há 4000 anos atrás, pelo
menos, e talvez devamos relacionar com eles a civilização
ilhota das Shetland e das Orcades.
Os brochs possuem geralmente uma fortificação idêntica
à das fortalezas vitrificadas de Dun Aengus.

5 — Os tuatas de Danann eram um povo misterioso, entendidos em


magia, que haviam invadido a Irlanda. Eram oriundos do País
dos Tártaros, situado «além do Mar tenebroso». Há 4000 anos
foram os iniciadores dos celtas.

82
DUN AENGUS
Construído sobre uma penedia perpendicular que domi­
na o mar de uma altura de 60 metros, Dun Aengus, nas ilhas
Aran, a oeste da Irlanda6, constitui uma das mais belas e mais
enigmáticas fortificações da Europa ocidental.
Tem três baluartes de defesa, de forma semicircular,
sendo que o menor no centro tem um caminho em volta e
salas de habitação.
Do lado de fora da fortificação, o solo é semeado de uma
confusão de grossas pedras eriçadas — cavaletes — que têm
por finalidade tornar o acesso difícil e perigoso a um even­
tual invasor.
O arqueólogo Peter Harbison7, que é um especialista,
acha que Dun Aengus data de alguns séculos antes da nossa
era, mas que foi utilizado como bastião até o século XVII.
Uma tradição atribui aos Firbolgs8, tribo selvagem cél-
tica da epopéia irlandesa, a construção desta estranha "Babi­
lônia” que talvez não existisse há 3000 anos no estado em que
a vemos hoje.
Efetivamente, crê-se possível que a erosão do oceano, ou
um desmoronamento da penedia, tenha levado embora a me­
tade das fortificações.
Outras teses, mais afoitas, afirmam que Dun Aengus teria
podido ser uma escala fenícia a caminho do estanho — mas
então, por que uma fortaleza? — ou um sistema de defesa
dos antigos povos da Irlanda contra os poderosos vizinhos. . .
os atlantas!
Sem dúvida isto é ir longe demais nas conjeturas, mas,
se nos prendermos à mitologia céltica, podemos pensar que
a fortificação que fica a cavaleiro do “mar ocidental”, o Ocea­

6 — Dun Aengus fica em Innishmore, uma das três ilhas de Aran,


fronteiriça a Galway (Irlanda).
7 — Leia-se, de Peter Harbison: Guide to the National Monuments
of Ireland, edições Gill e Macmillan, Dublin.
8 — Os Firbolgs ou Homens Bolgs, segundo o Livro das Invasões,
invadiram a -Irlanda por volta do ano 2000 da nossa era. Não
se sabe de onde vinham.

83
no Tenebroso dos antigos, constituía um posto de vigia e de
defesa contra os Tuatha de Danann que invadiram a Irlanda
para aí levarem a sua civilização e quebrar a hegemonia dos
gigantes Fomorés.

A VÊNUS DE QUINIPILY

O antigo castelo de Quinipily erguia-se outrora na comuna


de Baud (Morbihan), não longe do córrego Evel e a 4 quilô­
metros da margem esquerda do Blavet,
Era a residência senhorial dos senhores de Langouéouez,
uma estranha família cuja história seria interessante conhe­
cer, visto que parece possível que ela seja a origem conhecida
das tribulações da Vênus de Quinipily.
Esta Vênus se ergue atualmente na extremidade de um
bosque no pátio do castelo, mas não se parece mais em nada
ao que ela era no começo, pois foi retalhada, profanada, cris-
tianizada por mãos sacrílegas.
No século XV a propriedade passou para a casa de Lan-
nion e mais tarde para a de La Rochefoucauld-Liancourt.
Curioso castelo este de Quinipily, talvez museu outrora
da estatuária arcaica, talvez ainda tempo secreto de nossa
religião nacional durante as perseguições do cristianismo...
Duas cariátides tiradas de uma chaminé foram transpor­
tadas outrora à aldeia vizinha de Botcoêt; dizem que repre­
sentavam hércules gauleses ou o deus iniciador Ógmios9.
Mais extraordinária, porém, era a estátua "cuja origem
despertou a atenção do mundo cientista”.
Era toscamente esculpida na pedra e, de acordo com
alguns arqueólogos, representava uma deusa gaulesa; para
outros, era uma figura romana ou uma ísis10.
Até o século XVII permaneceu erigida no pico da "mon­
tanha” do Castennec, que fica ao norte de Baud.

9 — Estas cariátides servem agora de ornamento para a entrada do


castelo de Plessis (Ille-et-Vilaine).
10 — Para alguns, esta Mater tem um ligeiro perfil egípcio. Uma
lenda refere «que os soldados mouros (?) da ocupação romana
colocaram-na sobre o monte Castennec».
Pelo que tudo indica, tratar-se-ia de uma deusa gaulesa; Baud
— cuja etimologia lembra o deus céltico Belin, Balin, Belinus —
há 2000 anos devia ser por certo um alto lugar sagrado.

84
A Vênus de Quinipily, no Baud, Morbihan, não era uma ísis gaulesa,
mas antes uma Mater céltica.

85
O estranho monumento erigido por Pierre de Lannion em homenagem
à Mater de Quinipily. Embaixo se vê a grande cavidade onde as
mulheres de resguardo iam banhar-se.

86
A BRUXA DA GUARDA

A estátua tinha então um nome céltico: Groac’h en


Gouard (a Feiticeira da Guarda); era objeto da veneração ge­
ral e fazia o papel atribuído por Francis Mazière11 aos gigantes
da ilha de Páscoa: irradiar o mana (saúde, poder, felicidade)
sobre a região ao redor.
Em reconhecimento de seus bons serviços, que eram reais,
os aldeões levavam-lhe oferendas em trigo, flores e ex-votos.
Aos pés da Gioac’h en Gouard achava-se uma grande ba­
cia talhada na massa de um bloco de granito a qual mira-
culosamente estava sempre cheia d'água.
Depois do parto as mulheres vinham lavar-se nela, o que
lhes garantia um bom restabelecimento e um tono maravi­
lhoso. Finalmente, sem dúvida referindo-se a uma tradição
muito antiga, jovens amorosos da região vinham celebrar aos
pés da estátua um rito erótico bem preciso.
Então eles estavam certos de que se casariam dentro
daquele ano!
Em 1661, de passagem por Baud, missionários “vieram
solicitar a Claude de Lannion, castelão de Quinipily, que usas­
se de sua autoridade para coibir esses escândalos imorais e
ridículos”!
A religião era então toda-poderosa e constituía ato alta­
mente louvável destruir os manuscritos e os monumentos
legados por nossos ancestrais celto-gauleses, para que a filia­
ção à Palestina que a Conjura impunha não parecesse desna-
tural.
A Feiticeira da Guarda foi lançada nas águas do pequeno
riacho de Blavet em presença das autoridades civis e religio­
sas; o vigário pronunciou uma oração e garantiu aos fiéis, que
correram em massa para assistir ao sacrilégio, que “Nosso
Senhor Jesus e sua venerável mãe a Virgem Maria” estavam
tão satisfeitos com este “ato pio" que daí em diante todo o
país desfrutaria de uma bênção particular: “as crianças nas­
ceríam sadias e fortes, as colheitas seriam opimas e o tempo
favorável a qualquer negócio”.

A MATER GAULESA CONTRA A SANTA VIRGEM


Os aldeões voltaram para suas casas, vagamente atormen­
tados em seu subconsciente, como se tivessem queimado uma
santa ou, mais exatamente, “afogado seu bom anjo”.

11 — Francis Mazière. Fantastique Ile de Pâques, ed. Robert Lafíont.

87
Missionários e vigários banquetearam-se fartamente, en­
toaram hinos à glória do Todo-Poderoso e invenctivaram con­
tra a “feiticeira abominável que tanta luxúria incitava e ma­
lefícios espalhava”.
Ficou até decidido que dentro em pouco tempo uma es­
tátua da Santíssima Virgem substituiría aquela da Groac’h!
Pois bem, as coisas não se passaram exatamente como
o vigário havia dito e como prometeram o menino Jesus e
sua venerável mãe!
A estátua de pedra sem dúvida estava realmente carre­
gada do mana e talvez representasse o autêntico Reino dos
Céus, protetora dos homens, pois alguns dias depois de ter
sido jogada nas águas do Blavet começou a chover, a chover
a cântaros, e tanta chuva despencava como jamais tinha sido
vista depois do Dilúvio e todas as colheitas desapareceram
tragadas pela torrente de água e de lama!
Furiosos e compreendendo a peta que enfim o vigário,
Jesus e Maria lhes haviam pregado, foram retirar a estátua
das águas e repuseram-na sobre a "montanha” de Castennec1213.
Imediatamente o tempo ficou bom e as más línguas es­
palharam por toda parte que quem “resolvia mesmo as coisas
era a boa Groac'h e não a sagrada família”!
De vez que desta maneira a religião era posta em cheque,
o assunto provocou grande celeuma, suscitou um considerá­
vel tumulto e a polícia do rei procurou os réus de mentira e
blasfemadores que ousavam sustentar a glória da deusa bretã
e vituperar a gloriosa Virgem e seu menino-Deus!
Alguns foram presos, derreados de pauladas, deixados
como mortos no solo; novamente o vigário entoou à glória do
Misericordioso, depois Claude de Lannion mandou jogar de
novo a estátua no fundo do rio e a ordem — a despeito da
justiça — voltou ao bom país de Baud10.
UMA GROACH INDECENTE
Em 1696, Pierre de Lannion, que herdou os bens de seu
pai mas não seu caráter sectário, retirou a Groac’h do Blavet

12 — Conforme Les Cahiers du Pays de Baud (Os cadernos do país


de Baud), a estátua foi simplesmente trazida à margem.
Embora mutilada, mesmo assim atraía ainda os fiéis da região.
Ficou neste lugar de 1660 até 1664 e as colheitas dos aldeões fo­
ram particularmente ruins nestes quatro anos.
13 — Em consequência de uma nova intervenção episcopal, em 1670
a estátua foi de novo jogada nas águas do Blavet (Cahiers
du Pays de Baud).

88
e mandou transportá-la ao castelo de Quinipily, "na qualidade
de peça curiosa e antiga”.
De novo a Igreja olhou as coisas pelo lado mau e se
amofinou.
— Que seria feito da fé dos nossos camponeses e da con­
fiança em Nosso Senhor se uma estátua pagã fazia impune­
mente alarde de seu poder e de seu direito? — disse o vigário
ao castelão.
E desta vez o crime se consumou inteiramente: M de
Lannion — certamente a contragosto — mandou retalhar a
estátua e "tirar o que ela tinha de indecente em sua forma”.
Desapareceu do domínio público e aos poucos o culto ao
ídolo foi caindo no esquecimento.
Hoje em dia questiona-se a identidade da Vênus de Qui­
nipily e "aquilo que ela teria de indecente em sua forma”.
Como as Mater da época pré-históricaH, é possível que
ela tivesse o púbis saliente e grosso, bem vistoso, mas pensa­
mos que ela devia ter uma gravidez monstruosamente grande,
com mais um detalhe que devia motivar a virtuosa indignação
dos bons missionários.
Seja como for, certamente ela representava a Mater, mãe
da humanidade ou menos provavelmente uma ísis céltica.
Hoje em dia a estátua se ergue sobre um monumento de
cinco metros de altura, com o início em estilo romano, de
onde sai uma bica d’água que outrora servia de conduto de
água de uma fonte. Esta água se despejava então numa gran­
de cavidade de pedra talhada, de 1,50 m de altura, com 2,50 m
de comprimento por 2 m de largura (aproximadamente), a
qual era a piscina, atualmente vazia, onde vinham lavar-se
as mulheres com resguardo de parto.
A Vênus mede 2,20 m de altura e tem os braços cruzados
por cima dos seus seios. O conjunto é de uma feitura bas­
tante grosseira.
A "restauração” a que o Sr. de Lannion mandou proceder
nela não permite mais entrever como ela era em sua forma
original. Do pescoço parte uma espécie de lenço e desce até
ao meio das pernas (coxas), escondendo o ventre e o sexo.
Sobre a faixa que cinge a fronte do ídolo, três letras enigmá­
ticas desafiam a sagacidade dos pesquisadores: L.I.T.

14 — As Vênus pré-históricas — as de Lespugne, de Kostienki (Rús­


sia), de Laussel, de Willendorf (Áustria) etc. — todas elas ti­
nham seios, um ventre, nádegas enormes e um púbis muito de­
senvolvido .

89
Sem disto ter certeza, aventura-se a hipótese: Lux. Initia-
irix. Terrae (Luz da iniciação para os mundos desconhecidos).
Estas iniciais foram provavelmente gravadas quando do
seu retalhamento.
Inscrições em latim, apagadas pela metade e difíceis de
traduzir, acham-se gravadas em volta do pedestal.
A Vênus céltica ou gaulesa de Quinipily guarda seu segredo
mágico, impenetrável, aos pés da fonte que secou e que não
murmura mais, mas se diz que ainda em nossos dias se rea­
lizam milagres por sua intercessão.

A CIVILIZAÇÃO DOS NOURAGHES


Embora nossa tese difira notavelmente daquela dos ar­
queólogos clássicos, somos de opinião que um povo pré-céltico
em tempos idos emigrou das altas montanhas do Irã em dire­
ção ao continente ocidental e ao Oceano Atlântico.
A este povo damos o nome de ariano, mas é possível que
tivesse outro nome do qual não tomamos ciência.
Estes arianos, que formaram o ramo principal dos celtas,
foram à procura da mãe pátria desaparecida, a Atlântida,
depois a Irlanda até ao Senegal, deixando em sua passagem
como balisas megalíticos e construções constantemente mais
elaboradas, à medida que avançavam no tempo e rumo a re­
giões onde aos seus conhecimentos acrescentavam aaueles dos
outros povos que haviam escapado do dilúvio.
Em rápidas pinceladas, esta é que poderia ter sido a
proto-história dos nossos ancestrais.
Descobre-se com efeito uma nítida filiação, dos toscos
megalíticos de Stonehenge aos de Carnac e depois até a civili­
zação já mais requintada de Filitosa (Córsega).
Da Córsega, tornados navegadores — os pélagos — os
arianos-celtas passaram à Itália, na Sardenha, à Grécia, a
Malta, à Fenícia onde a sua civilização iria cristalizar-se e
estender-se a toda a bacia do Mediterrâneo.
Na Sardenha fixaram-se etnias as quais desenvolveram
uma arte ainda primária da qual restam uns vestígios impor­
tantes notadamente em Barumini.
Os construtores de Barumini são chamados os torreanos
em virtude da forma circular que deram às suas moradias e
às suas fortalezas e a sua civilização se chama a dos nouraghes.
Nesse passado, parcialmente mítico, a península itálica
estava ainda em estado bárbaro, como aliás parece que se
dava com todo o resto do mundo ocidental.

90
A civilização muito pouco conhecida dos nouraghes teria
começado há 3500 anos e continuado sob os domínios púnico
e romano, mas cremos que ela é muito mais antiga.
As construções de Barumini comportam um imponente
sistema de defesa com fortalezas de quatro torres ligadas por
potentes muros. Este sistema é cercado de uma segunda mu­
ralha coroada de torres, formando-se um conjunto tipo labi­
rinto com múltiplos obstáculos.
Os muros são feitos de enormes blocos não cimentados,
bastante parecidos com aqueles de Sacsahuaman no Peru e
de Dun Aengus na Escócia.

UM TEMPLO EM FORMA DE MÃO

Os maiores lugares pré-históricos da Europa não se en­


contram em Carnac ou em Stonehenge conforme geralmente
se pensa, mas na Ilha de Malta — e na ilha vizinha de Gozo
— onde podemos admirar conjuntos megalíticos sem rival
em todo o mundo15.
Não resta dúvida que estas cidades são conhecidas dos
historiadores da pré-história, mas nem por isso o seu mistério
foi desvendado.
Oficialmente nada se sabe dos povos que construíram
estas cidades megalíticas que têm nomes tirantes a árabe:
Hagar-Qim, Mnajdra, Ghar Dalam, Ggantija, ou que foram
batizadas pelos greco-latinos: templos de Tarxien, Hypo-
geum etc.
Contudo, vemos ali uma seqüência natural e mais estili­
zada das construções célticas do norte e dos nouraghes da
Sardenha16.

15 — Ao tempo dos fenícios, Malta se chamava Ogígia. Com o domínio


dos gregos seu nome passou para Melitê e a ilha de Gozo passou
a denominar-se Gaullos. Ê a ilha de Calipso descrita na Odisséia;
Calipso era rainha de Ogígia.
16 — Na Irlanda, na Inglaterra, na Bretanha, em Filitosa„ na Sarde­
nha e em Malta (também na Fenícia) deparamos com numero­
sos denominadores comuns que parecem querer testemunhar
uma comunidade de origem: lajes gravadas de cúpulas e de
espirais, megalíticos, construções em forma de torres na Sarde­
nha e em Malta, tumulos, culto da Mater etc. Ademais, é certo
que os povos do megalítico eram navegadores, qualidade esta
que foi transmitida no mais alto grau aos seus descendentes ou
primos: os celtas. O escritor Paul Almasy, nosso amigo, no
Courrier de FUnesco escreveu que as louças mais antigas de
Malta apresentam uma grande semelhança com aquelas de Sten-
tinello, perto de Siracusa.

91
Um dos templos mais importantes, o Hagar-Qim, distante
10 quilômetros de La Valetta, é uma espécie de Stonehenge
em pedra calcária que, da mesma forma que em Barumini,
foi construído em labirinto com salas interiores, mas ovais
ao invés de redondas.

Hagar-Qim (ou Hadjar-Kim) significa "pedras do culto”


ou “pedras em pé”; algumas atingiam cinco metros de altura
(o bloco mais grosso acha-se em Ggantija: 5x8x4 m).
"É um templo a céu aberto para receber os raios do sol,
da lua e dos astros, escreve Emile Isambert17, e a oração devia
elevar-se rumo a essas divindades sem interposição de uma
abóbada”.

Os arqueólogos pensam contudo que os templos malteses


eram cobertos de pedras, mais ou menos como nossos bories
da Provença.

Visto de prumo, o plano de Hagar-Qim representa uma


espécie de trevo duplo ou de mão, mas a primeira impressão,
quando se olha para os trilitos e as pedras levantadas, é a
de que nos achamos diante de um Stonehenge um pouco mais
inteligente do que aquele da Inglaterra.
No decurso das escavações foram encontradas sete está­
tuas de seres obesos que certos arqueólogos creram poder
identificar nelas os sete Cabires ou sete Poderosos.
No interior do templo se pode ver, espalhados pelos labi­
rintos, "buracos de oráculos” dos quais falaremos mais adian­
te e uma laje sagrada encaixada com numerosas cúpulas e
duas espirais gravadas em revelo no meio da qual reconhece­
mos um omphalos (ovo sagrado).
O degrau da laje é um "umbral sagrado” onde oficiava
o sacerdote ou a sacerdotisa.
Hagar-Qim achava-se primitivamente num "tumulus”, com
as ábsides repletas de zimbórios com sacadas e os corredores
protegidos com longas lajes horizontais. Por conseguinte, por
este estilo os monumentos de Malta teriam um parentesco
com aqueles dos países tipicamente célticos.

17 — Orient, Malte, Egypte (Oriente, Malta, Egito), de Emile Isam­


bert — ed. Hachette 1881.

92
O Hipogeu de Malta é um vasto labirinto subterrâneo leito por nm
povo misterioso para acomodar as pitias.

93
O HIPOGEU DE HAL-SAFLIENI

Quando estavam construindo um imóvel, em 1902 os tra­


balhadores das obras descobriram em Paola, a 3 quilômetros
de La Valetta, o hipogeu de Hal-Saflieni, uma vasta ligação
subterrânea de grutas, corredores e câmaras, o qual repro­
duzia em três andares as principais características dos tem­
plos aáreos.
O plano deste hipogeu é curioso: se aquele de Hagar-Qim
esposa a forma de mão, o de Paola “representa a construção
ideal do homem, conforme a concebem os esoteristas, isto
é, fixada em sete centros: sexual, motor, instintivo, emo­
cional normal, emocional superior, intelectual normal, inte­
”.
lectual superior1819
A. Hubert-Bonnal, que estudou o simbolismo de Malta,
vê na orientação geral deste hipogeu “o processo evolutivo
humano, do tipo terreno àquele do equilíbrio perfeito".
Em conclusão, ele não hesita em descobrir nisso o em­
brião de uma civilização espiritual com conceitos elevadíssi­
mos das leis do cosmo.
Com efeito, o plano de Hal-Saflieni tem uma forma hu­
mana com uma cabeça, um busto, um corpo, duas pernas e
um sexo masculino nitidamente traçado.
A sala mais ampla, no nível superior, devia representar o
naos (santo dos santos) com mesa para os sacrifícios (de
animais).
No nível mais baixo, a doze metros de profundidade, o
último degrau da escadaria deste labirinto mede dois metros
de altura. Talvez servisse para preservar o tesouro ou quiçá
fosse dar na reserva de água, o que é mais provável.
A antiguidade deste hipogeu remontaria a uns dez mil
anos, segundo Maurice Deribéré18.
Foram encontrados cerca de 7.000 corpos que foram inci­
nerados, mas esta destinação do hipogeu seria muito posterior.
UMA CENTRAL DE ESTEREOFONIA DE 6000 ANOS
Mais misteriosas, mais influenciada de esoterismo do que
as civilizações de Stonehenge, de Barumini, de Machu-Pichu
<e de Chichen Itza, aquela de Malta, ilha sagrada, parece ter

18 — Conforme um estudo feito por A. Hubert-Bonnal.


19 — Revista Découvertes (Descobertas), n.° 16, 14, Rue Pasquier —
Paris — 8.°.

94
tido o culto de uma estranha Mater, mais obesa ainda do que
as Mater das épocas da pré-história.
Escavações permitiram exumar estátuas, todas sem ca­
beça, que representam, ao que se pensa, mulheres que em
sua maioria não têm seios.
Estes mastodontes de carne, quase tão largas quanto
altas, têm os braços cruzados sobre o peito como a Vênus de
Quinipily ou então um braço somente, enquanto que o outro
está pendente sobre o quadril.
Christia Sylf20 chama-as As Três Enormes e se admira
que elas não apresentem os mamilos suntuosos e nutritivos
que são a marca lógica e o apanágio “das mulheres antigas”.
“Tratar-se-ia, escreve Sylf, de uma casta de grandes sen­
sitivos especialmente tratados, de eunucos, de castrados, evi­
dentemente não reprodutores, mas que possuem as caracte­
rísticas lunares dos médiuns, cuja feminilidade forçada, ex­
travagante, permitia a obtenção de faculdades captadoras
paranormais?”
Deve-se, pois, crer que não se trata de Mater, mas de cria­
turas como que assexuadas, condicionadas em seu físico e
em seu psiquismo num fim religioso particular.
Ora, este escopo se torna evidente quando estudamos a
arquitetura do labirinto do hipogeu.
Ali tudo foi disposto para atender a leis de acústica ad­
miravelmente compreendidas.
As vozes e os sons emitidos numa sala são dirigidos, por
reflexos cientificamente estudados, até um recinto de eco, am­
plificando-se nestas cavidades retangulares cujo teto e pare­
des foram cuidadosamente alisados, mas que passam também
por aberturas ovais ou quadrangulares análogas à dos recin­
tos de ressonância.
Numa parede, a um nível ligeiramente mais elevado, ou­
tra janela oval tem lados côncavos nos quais figuram três
discos pintados de vermelho ocre.
Se um homem falar com voz forte por esta abertura, as
palavras que ele pronuncia repercutem de uma maneira par­
ticularmente estridente 21.
É de se crer que antigamente as Mater sem seios, invisí­
veis, escondidas na sala de emissão, ouviam as perguntas fei-

20 — Leia-se, de Christia Sylf: Kobor Tigant (1969) e Le Règne de Ta


(O Reino de Ta), crônica dos gigantes (1971), edições Robert
Laffont, Paris.
21 — A voz feminina normal ou, de modo geral, as vozes agudas não
fazem eco pelo jogo de acústica.

95
O buraco do oráculo estereofônico de Hal-Saflieni, Malta.
tas pelos sacerdotes e a elas respondiam de maneira tão ca­
vernosa, tão possante e aparentemente tão fora do humano
que os fiéis acreditavam estar ouvindo a própria voz dos
deuses.
Na parede desta sala de emissão, perto do teto, desco­
briu-se um pequeno conduto talhado na rocha cujo papel con­
sistia em transportar, por intermédio de um segundo canal,
as palavras divinas, o que produzia um efeito de estereofonia.
Resumindo: as salas, as antecâmaras, os corredores do
hipogeu foram ideados e dispostos por um arquiteto inteli­
gente para servir de estúdio de emissão, de reflexo e de
escuta.

AS TRÊS ENORMES

Estas constatações, que fazem compreender o p^pel do


tempo, permitem imaginar a natureza das Três Enormes.
Eram provavelmente pitonisas encarregados dos orá­
culos. Viviam nos aposentos subterrâneos e nunca viam a luz
do dia e assim por sua inanição se tornavam obesas a ponto
de não poderem mais andar.
As estátuas representam-nas sem seios porque elas sem
dúvida deviam ser castradas, conforme conjeturas de Sylf, e
condicionadas psiquicamente para cultivar os dons inatos de
vidência e de percepções para-normais que as fizeram as es­
colhidas dos sacerdotes.
Então as Três Enormes engordavam, desenvolviam o ter­
ceiro olho, por efeito da castração adquiriam a voz masculina
indispensável para entrar no jogo da mistificação, mas sem
dúvida sem que elas o soubessem.
Elas oficiavam em Hagar-Qim e em Mnajdra, onde o “bu­
raco do oráculo” continua visível, bem recortado através de
uma pedra espessa, em todos os templos de Gozo e de Malta;
mas é bem certo que o Oráculo de Hal-Saflieni tinha uma
notoriedade particular em vista da tapeação magistral que
nele pontificava!
Lá, acreditava a multidão de fiéis, os deuses falavam de
verdade e se podia ouvir o som vigoroso e vibrante de sua voz!

A MAQUINA DE RESSUSCITAR MORTOS

Em todas as religiões, quanto mais crassa é a tapeação


com tanta maior facilidade é engolida pelos fiéis.
O mais curioso é o fenômeno de massa que se verifica
quando se desenvolvem egregórios de efeitos positivos.

97
Uma Enorme, sem cabeça, do Hipogeu de Paola, Malta.
Certamente, em Lourdes jamais se produziu um milagre,
jamais um dedo cortado foi recolocado, ainda que por um
pequeno centímetro, mas nesta imensa capital da devoção a
fé suscitou curas quase que inesperadas as quais, interpretadas
de má-fé, foram qualificadas de "miraculosas".
É o que se passou em Malta, notadamente em Hal-Saflie-
ni; é o que se passou em Delfos, em Delos, em Dodone onde
a floresta de carvalhos ribombava pelos intérpretes dos cal­
deirões de bronze... e da velhacaria dos sacerdotes.
É o que se produzia nos templos do Egito, cujas portas
se fechavam ao som da voz, onde as estátuas se elevavam
para o ar como por magia, onde o fogo se acendia "comple­
tamente sozinho" na cratera divina...

No nekyomantéion de Acheron, no Epiro, o arqueólogo Dadakis


descobriu a máquina de ressuscitar os mortos dos antigos sacerdotes
gregos.

99
O Oráculo dos Mortos de Achéron ou nekyomantéion, do
qual Homero e Heródoto falaram e que foi um dos mais cé­
lebres da antigüidade, acaba de dar a chave do seu enigma,
a prova material da impostura das religiões antigas.
Foi localizado o lugar, no antigo Epiro dos gregos (em
frente a Corfu), perto das aldeias gêmeas de Kastri-Mesopo-
tamon e do antigo rio Achéron, o qual na realidade é um pe­
queno riacho de águas turvas porém calmas.
Os sábios, os tiranos, os príncipes, os reis procuravam o
nekyomantéion a fim de consultar os fantasmas de mortos
familiares que acreditavam ver e cujas vozes ouviam.
O escritor e arqueólogo Henry N. Ignatieff, que estudou
o fenômeno e assistiu às escavações realizadas depois de 1961
pelo professor Dadakis, revelou os assombrosos truques pos­
tos em ação para abusar da boa-fé do crente supersticioso.
0 fiel era submetido a ritos e a um condicionamento que
o levavam todo ofegante, vazio de toda força e de senso crí­
tico, até à sala das aparições.
Depois de se ter lapidado, depois de ter andado por labi­
rintos intermináveis, à luz tremelicante de tochas, depois de
ter bebido drogas alucinógenas (a nepentácea), o paciente es­
tava preparado para ver fantasmas e ouvir as suas palavras!
Ora, não se tratava de alucinações, ou pelo menos não
era exatamente isto: bem que os fantasmas saíam das Trevas
do Inferno e que vozes chegavam, soturnas, porém discerní-
veis, aos ouvidos do consulente!
Essas vozes eram as dos sacerdotes, escondidos numa
cripta debaixo da sala dos encantamentos; quanto aos fantas­
mas, eram eles o resultado de um engenhoso sistema de pro­
jeção cinematográfica que o professor Dadakis descobriu nu­
ma sala secreta contígua à sala das aparições.
O aparelho consistia de uma espécie de torniquete com
palas de bronze e de múltiplas engrenagens, provido de um
eixo que atravessava a parede e de uma manivela acionada
com a mão.
Henry N. Ignatieff é de opinião que este aparelho proje­
tava sombras sobre uma tela de fumaça — talvez até imagens
grotescas — mediante um jogo complexo de lâmpadas com
luzes coloridas.

100
O mecanismo encontrado numa ganga de terra estava
evidentemente deslocado e fora de uso, mas as peças de bron­
ze, ainda intactas, permitem reconstituir o conjunto.
Esta máquina de tapeação abusara das massas e fizera-as
tremer durante quase dois mil anos!22
Contudo, não precisaríamos crer que todos os sacerdo­
tes são uns trapaceiros, que todas as pítias, que todas as si-
bilas divagavam ao som de uma bolsa cheia de patacas de
ouro!

O transe, a vidência, a inspiração natural, sobrenatural ou


com a ajuda de drogas alucinógenas têm muito certamente
o poder de fazer com que um médium sensível penetre num
espaço-tempo que não pertence ao nosso universo.

A MATER DE CABEÇA INTERMUTÁVEL

Eis pois o mistério do hipogeu de Malta que se esclare­


cería se não tivesse sido encontrada, além das Três Enormes,
uma Mater por assim dizer tão obesa quanto as outras, mas
que delas se diferenciava nitidamente por seios proeminentes
e por sua posição deitada.

Neste caso, trata-se exatamente de uma Mater e pode-se


crer que, a par do condicionamento das virgens-oráculos, os
sacerdotes educavam nas células subterrâneas de Hal-Saflieni
mulheres destinadas a dar à luz talvez os futuros prepostos
do culto...
As Três Enormes não têm cabeça, mas sabemos que se
podia adaptar-lhes uma de madeira, fixada por uma barra de
ferro. Para este fim foi previsto um orifício no pescoço das
estátuas.

As virgens-oráculos eram sem dúvida deificadas, estatua-


ficadas, mas sempre se guardava o corpo de pedra de vez que
as cabeças eram intermutáveis.

22 — Acontecia mais ou menos a mesma coisa com os oráculos: em


Delfos a pítia era magnetizada pelos sacerdotes ou subornada
pelos maiorais da cidade; em Mileto a «fonte sagrada» tinha
um gorgolejo que era astutamente interpretado; em Claros as
vozes que saíam do poço nada tinham de divino; a Sibila de
Cumes atuava exatamente como os sacerdotes do nekyoman­
téion.

101
A NAZCA DE MALTA

A sudoeste de Malta, na região das penedias de Dingli,


foi identificado um sítio que, em virtude de certos aspectos,
evoca as pistas de Nazca.

Na rocha, que constitui o substrato da ilha, vêem-se pro­


fundos rastros de rodas paralelos, com uma distância de apro­
ximadamente 1,40 m que vão em direção ao mar onde pare­
cem querer perder-se.

"Tratar-se-ia de traços feitos por carroças, escreve Mau-


rice Déribéré, de caminhos antigos de carretas de transporte?”.
Estas pistas formam uma verdadeira rede de vias qcfe se
entrecortam e se separam por meio de numerosos entronca­
mentos que levam a outras direções.
Seus pontos de convergência são: perto de San Pawl Tat-
-Targa, em Bergemma, em Bahrija, em Buskett, em Dingli.
Estas vias misteriosas sugeriram a existência, numa anti-
güidade remota, de uma junção ou terrestre ou submarina
com a Sicília ou melhor ainda com a Tunísia e a Líbia.

Certamente, a tese é ousada, mas quem sabe se estes ca­


minhos, estas rotas não se serviam de um percurso aéreo há
quatro ou cinco milênios, antes que o império do rei Minos
submergisse no Mediterrâneo.
Como podemos muito bem ver, estas civilizações miste­
riosas de Malta nada têm a invejar daquelas da Atlântida e do
sertão brasileiro.

102
O MISTERIOSO DESCONHECIDO

Capítulo VI

A MAGIA E CRISTÓVÃO COLOMBO


A História, escrita com letra maiúscula, da qual os livros
clássicos, os jornais e a televisão apresentam uma imagem
intencionalmente deformada, pode contudo em parte ser apre­
endida através dos escritores chamados heréticos e dos escri­
tos ditos apócrifos,
É o que se dá com o caso da vinda dos “anjos” do Gênese
que nos é apresentada em nove linhas na Bíblia... e em cento
e cinco capítulos no Livro de Enoque!
É o que vemos com a maioria dos grandes acontecimentos
de ressonância política: o medo do ano mil, as cruzadas, a Re­
volução de 1789, a guerra de 1940-1945... é o caso da prodigio­
sa aventura que teve Cristóvão Colombo como herói.
Quantos e quantos livros já não foram escritos sobre Co­
lombo!
É de se crer que tudo o que se relaciona com a sua pessoa
física e moral, com suas ambições, seus intentos e seus êxitos
já foi dito e contado a farta!
E eis que mais tarde, como se dera com Galileu em 1633,
um verdadeiro e sério historiador — Salvador de Madariaga
— vinha lançar uma bomba que causou impacto e mandava
imprimir, primeiro na Inglaterra e depois na França, a verda­
deira história de Cristóvão Colombo.
Uma história de cortar o fôlego dos sicários da Conjura,
que não hesitaram em organizar uma espécie de black-out
contra o livro herético. A aventura do Galileu recomeçava
em 1968.____
Salvador de Madariaga bem que merecia generosamente a
sorte que lhe desejavam — a fogueira — pela simples razão

103
de que tinha a ousadia de expor uma tese contrária àquela dos
historiadores patenteados1.
O PARAÍSO TERRESTRE

Segundo Madariaga, Colombo ou Colon teria dito a Frei


Juan Pérez que já havia estado nas índias Ocidentais, cuja
rota marítima lhe havia sido revelada por um piloto desconhe­
cido.
No século XV os catadores de aventuras e os poetas so­
nhavam com ilhas fabulosas: Antilha ou as Sete Cidades, São
Brandão, Brasil, a Mão Satanáxia etc., que situavam no Mar
Tenebroso, muito além das colunas de Hércules.1 2
Chamavam-nas de ilhas Afortunadas e muitos ocidentais,
dentre os quais Cristóvão Colombo, pensavam que elas eram
o Paraíso terrestre da Bíblia.. . e também o receptáculo de
prodigiosas gemas e pepitas de ouro não menos atraentes.
Era a época em que o Livro das Maravilhas, de Jean de
Mandeville, atiçava as imaginações com os seus relatos de que
por este mundo afora existiam homens sem cabeça, demônios
encarapitados sobre montanhas e que vomitavam fogo pelas
güelas, monstros alados bastante poderosos para levantar
um elefante em suas garras, mares tropicais tão ferventes que
cozinhavam vivos os peixes.
Será que Colombo dava crédito a esses sonhos e a essas
parvoíces?

1 — Como não podia deixar de ser, os «críticos», honestos, desinte­


ressados da ORTF e da grande imprensa limpa «esqueceram-se»
de falar do livro de Madariaga!
2 — Em 743, um arcebispo do Porto, seis bispos e fiéis que levaram
consigo seus bens fugiram da Espanha que havia sido invadida
pelos mouros e aportaram na ilha das Sete Cidades, chamada
também de Antilha ou Sete Ribade. A crônica diz o seguinte:
«L’évêque qui estoit gran cler sçavant l’art de nigromansce,
encauta les dites ísles et que jamais ne s’apparoistroient à per-
sonne tant que tuittes les Espaignes ne seroient réunises à
notre bonne foy catholique» (Foulché-Delbose).
O geógrafo árabe El-Edrisi, no século XI, escrevera em sua
Descrição da Áfi;ica e da Espanha: «De Lisboa partiu a expe­
dição dos Aventureiros que tencionavam descobrir os segredos
e os limites do Oceano... Depois de onze dias de navegação
chegaram a um mar cujas águas densas exalavam um odor fé­
tido. .. Em seguida navegaram para o sul durante doze dias e
chegaram à ilha dos Carneiros de carne amarga e não comestível.
Prosseguindo viagem rumo ao sul durante mais doze dias, che­
garam a uma grande cidade onde viram homens nus, de grande
estatura, de pele vermelha, corpo coberto de pelos, com longos
cabelos lisos. As mulheres eram extremamente belas».

104
Nada há que possa dizer até que ponto era vítima da
grande ilusão das ilhas atlânticas, mas incontestavelmente nas
índias Ocidentais esperava encontrar aquilo que constituía
para ele a coisa mais importante: o ouro, as pedras preciosas
e a glória.
Talvez acreditasse também na existência desse Paraíso
terrestre ocidental de que falavam as mitologias do Egito, da
Irlanda e do país de Sind.
Ele escreveu que a Terra não é redonda mas em forma
de uma pera, tendo num lado um bico com formato de seio
de mulher.
A ponta do seio situada na zona equatorial constituía a
parte do globo mais próxima do réu e Colombo julgava que
era lá que devia achar-se o Paraíso descrito no Gênese.
“A não ser pela Vontade de Deus — escrevia ele — nin­
guém pode atingir este Paraíso terrestre. ”
Mas, Glorioso3, como era chamado então, não se julgava
o primeiro a chegar!
Este convertido mais ou menos adquirido para o cristia­
nismo tinha as qualidades e os defeitos de sua raça. Era
inteligente, ganancioso e se julgava superior a toda a huma­
nidade .
Quando se dirigiu aos seus soberanos escrevia ele:
"Tendo expulsado os judeus, vós me enviastes à índia e
fizestes-me almirante-mor. Rebaixando minha raça, vós me
elevastes”4.
Com efeito, Colombo era ao mesmo tempo péssimo judeu
e péssimo cristão e, em que pese o seu mérito como desco­
bridor,5 somos forçados a ver nele um herói cúpido, sem
coração e às vezes indecente e de má fé.

3 — Senhor Glorioso ou Fabuloso: alusão aos dizeres de Colombo que


eram levados em conta do delírio verbal, da imaginação, das in­
venções .
4 — Cristóvão Colombo, Salvador de Madariaga, edições Calmann-
Lévy, pg. 268.
5 — 3É bem evidente que Cristóvão Colombo não foi o descobridor
da América onde os celtas, os vikings, os irlandeses, os bascos
etc. tinham estado muito antes dele.

105
O MAPA DE TOSCANELLI

Na verdade, crê-se que Colombo empreendeu sua viagem


depois de ter surripiado o mapa do físico florentino Paolo dei
Pezzo Toscanelli67.

No dia 25 de junho de 1474 Toscanelli enviou ao cônego


português Fernão Martins (ou de Roritz) um mapa geográ­
fico onde havia traçado a rota “ que levava à índia pelo oceano
ocidental", com indicação dos lugares, dos pólos, da linha
equatorial e das distâncias.
"Podeis empreender a viagem rumo ao oeste, escrevia o
florentino... e alcançar estas regiões, as mais férteis em todos
os tipos de especiarias, de jóias e de pedras preciosas... Pois
todos os que navegam em direção ao oeste no hemisfério mais
baixo encontrarão os ditos caminhos do oeste, e todos os que
navegam em direção a leste por terra no hemisfério mais alto
darão sempre com a mesma terra a leste.”

O mapa e os comentários destinavam-se finalmente ao


rei Afonso I e temos boas razões para pensar que o soberano,
respaldado nas teses de Toscanelli, por diversas vezes deve
ter enviado ao "Brasil” viajantes que lhe trouxeram ouro e pe­
dras preciosas.
Estes marinheiros transatlânticos deviam obrigatoriamen­
te buscar abrigo na ilha mais distante do império, na Madeira
onde, como por acaso em 1474 Colombo desposou a senhorita

6 — Eis o texto da primeira carta enviada por Toscanelli a Cristóvão


Colombo. Estaria querendo provar que o florentino havia en­
tregue um mapa e indicações precisas a Colombo para ir às
índias Ocidentais. Os historiadores não acreditam na autentici­
dade desta carta que o próprio Colombo teria escrito pessoal­
mente para se inocentar da acusação de roubo. Primeira carta.
«A Cristovão Colombo, Paolo Físico, Saudações.
Sei do nobre e grande desejo que tens de ir para as regiões
onde nascem as especiarias. É por isso que, em resposta a uma
das tuas cartas,, eu te envio a cópia de uma outra carta que faz
alguns dias escrevi a um amigo, palaciano de Sua Sereni­
dade o Rei de Portugal, antes das guerras de Castela, em res­
posta a uma outra que, a mando de Sua Alteza, este amigo me
havia endereçado a respeito do mesmo assunto. Envio-te um
mapa de navegação semelhante àquele que lhe enviei e que
atenderá aos teus requisitos. Eis aqui a cópia da carta de que
te falo».
7 — Relatado por Victor Forbin: O ouro no mundo, ed. Payot, 1941.

106
Perestrello ou Palestrello, filha de um desses viajantes e her­
deira de seus mapas e seus documentos.8
Ademais, foi graças à carta de Toscanelli que em novem­
bro de 1475 Fernão Telles foi designado governador do reino
das Sete Cidades que se presumia existir em alguma parte
em direção a São Brandão e Antilha! É provável, se não certo,
que Colombo, escarafunchador e fuçador como era, e possuí­
do da mania diabólica de viagem oceânica, tenha lido essa
carta famosa e nela se tenha inspirado.
Salvador de Madariaga se admira que Colombo tenha
fugido de Portugal (em 1488, julgamos nós).
"Um homem que roubou um documento importante deve
fugir! escreve ele. Colombo fabricou a correspondência com
Toscanelli (que estava morto e conseqüentemente não podia
negá-la)... a fim de fornecer explicações plausíveis para evi­
tar que disso se fale aos portugueses." Subentende-se: do rou­
bo de mapa geográfico!
Em apoio desta afirmativa, Madariaga apresenta uma
carta do rei João II que afirma que no decurso de sua via­
gem, se voltar a Portugal “o seu amigo particular Cristóvão
Colombo não será nunca detido, preso, acusado, recambiado
ou mantido em prisão domiciliar para responder a nenhuma
questão, civil ou criminal, de espécie alguma”.
Que explicação se pode dar para esta estranha garantia?
Colon era um ladrão, escreve Madariaga. "Não possuí­
mos nós a prova material de que roubara o mapa de Tosca­
nelli?. .. Ele roubou o meio de ir ao Novo Mundo. "

A MIRAGEM DAS ILHAS AFORTUNADAS


O assunto está extremamente embrulhado!
O célebre... e duvidoso mapa de Piri Reis9 seria uma
cópia ao mesmo tempo dos mapas desenhados por Colombo e
de todos aqueles que por volta de 1550 pululavam na Europa.
Parece-nos muitíssimo provável que Cristóvão Colombo te­

8 — Pouco tempo depois que estava de posse dos mapas do defunto,


Colombo abandonou sua esposa, Felipa Perestrello, e fugiu de
Porto Santo com seu filho Diogo.
Segundo Pedro Vasquez de la Frontera, uma nave portuguesa
teria ido às ilhas desconhecidas do Poente. Voltou somente o
guia, vivo. Foi morrer na casa da viúva Bartolomeu Peres­
trello onde narrou a sua viagem e deixou documentos.
9 — Ler História Desconhecida dos Homens desde 100000 anos,
Robert Charroux, ed. Robert Laffont.

107
nha tido conhecimento dos documentos que no século XV
circulavam entre os marinheiros e os aventureiros que o mis­
tério do Mar Tenebroso entusiasmava.
Era uma verdadeira psicose.
Jean de Mandeville escrevera: "Um homem valoroso de
nosso país partiu um dia por este mundo afora. Passou pela
índia e foi mais de 5 léguas além da índia e girou em volta do
mundo durante várias estações”.
Em 1473, dizem uns cronistas, um representante da coroa
de Portugal, João Corte Real, teria participado de uma expedi­
ção rumo ao Novo Mundo. Quando voltou teria sido nomeado
governador dos Açores, "em recompensa de sua descoberta do
País dos Bacalhaus”, que seria a Terra Nova, ou o Labrador,
isto é, a Terra Firme, o continente americano.1011
Colombo estava a par dessas descobertas e desses relató­
rios . Havia lido as teorias sobre as índias Ocidentais de auto­
ria de Duarte Pacheco Pereira, expressas no Esmeraldo de
Situ Orbio, na Cosmologia de Ptolomeu, no Livro das Mara­
vilhas, de Jean de Mandeville, nos escritos de Felipe de Beau-
vais, os quais mencionavam a existência, além do oceano, de
um novo mundo ainda desconhecido, no Livro de Marco
Polo, nos relatórios de viagens de Henrique o Navegador etc.11
Temos que lhe dar um tento de confiança neste ponto:
ele estudou tudo o que se relacionava com o seu projeto, viu
e copiou numerosos mapas marítimos, o mapa-mundi de Hen-
ricus Martelus Germanus, o Globo de Laon e talvez também
os esboços de Martin Behaim que davam a posição das ilhas
do Poente: Cipango, Cândia, Java Maior, Java Menor, Angua-
na, Ceilão, Antilha, Brasil..,

10 — Trata-se na realidade de Gaspar Corte Real, a quem o rei de


Portugal, Manuel, o Venturoso, teria entregue em 1500 o coman­
do de uma expedição encarregada de explorar as costas seten­
trionais da América do Norte. Corte Real teria levado do Ca­
nadá 57 indígenas que na sua volta vendeu como escravos.
Foi ele quem deu ao Canadá o nome de Labrador (Trabalhador),
nome que mais tarde íoi atribuído à península situada mais ao
norte.
A descoberta do Canadá, quer por Cabot quer por Corte Real,
ou por Jacques Cartier, é tão contestada quanto aquela da Amé­
rica por Cristóvão Colombo.
11 — O infante D. Pedro, irmão de Henrique o Infante, de uma via­
gem ao Oriente trouxera um mapa «muito precioso» e o livro
«As viagens do veneziano Marco Polo».
Num livro notável, A Conquista das rotas oceânicas, Carlos
Pereira escreve: «O plano de Colon baseava-se em mais de cin-
coenta mapas e portulanos...».

108
O “WINLAND” E O MÉXICO ANTES DE COLOMBO

Os portulanos e mapas que no século XV constituíam


elementos autorizados, além do globo de Martin Behaim
(1492), encontravam-se na biblioteca grã-ducal de Weimar,
naquelas de Parma, de Genebra, de Roma, de Veneza e de
Lisboa.
Consultavam-se particularmente os mapas venezianos dos
irmãos Pizzigani (1367), o atlas de André Bianco, os mapas
dos genoveses Beccaria (1435) e Bartolomeu de Pareto (1455)
bem como aquele de André Benincasa, de Ancona.
Os eruditos da época sabiam que além do Mar Tenebroso
existia um continente que não era aquele do Grão Khan, mas
o Winland, ou Vinholândia.
“Por volta do ano 1000, diz a Enciclopédia (Pierre La-
rousse 1872), desenvolvia-se neste país uma colônia que se
chamava Winland e que, pelo que tudo indica, devia pertencer
à América setentrional. . . Conta-se que uns pescadores ha­
viam sido lançados pela tempestade na ilha de Estotiland (?)
onde encontraram um povo civilizado que possuía uma escri­
ta particular.
Então, porque tinham conhecimento da bússola, foram
encarregados de uma expedição nas costas de Drocco, mais
para o sul; foram feitos prisioneiros de selvagens antropó­
fagos.
Um deles percorreu todo o país na qualidade de escravo
e ouviu dizer que mais distante daí se estendia um país rico,
fértil e civilizado.
Os antropófagos de Drocco poderíam ser os selvagens da
Nova Escócia ou do Canadá e o país civilizado, o México. Seja
como for, é provável que essas informações, do conhecimento
de Cristóvão Colombo (escreve Pierre Larousse), só serviram
para firmar nele a crença na existência de terras ocidentais.. .
Não foi ele o primeiro a descobrir a América. Na antigui­
dade, Aristóteles adivinhara a existência daquilo que Colombo
chamaria de as índias Ocidentais e, sem irmos a eras tão re­
motas, basta que nos lembremos das viagens dos escandinavos
na Groenlândia e na ilha da Terra Nova, viagens que provavel­
mente eram conhecidas na Itália no século XV."

MARTIM ALONSO E VICENTE PINZON

Sejam quais forem os méritos de Colombo — e os há —


o historiador não pode fazer vista grossa sobre as nódoas
com que o "ilustre genovês” maculou o seu brasão.

109
Em primeiro lugar, cumpre frisar que os irmãos Martim
Alonso e Vicente Pinzon armaram as três naves da expedição,
em benefício de Colombo! a Pinta, a Nina e a Santa Maria
pertencentes ao navegador Juan de la Cosa. Sem os Pinzon
e sem Juan de la Cosa, Colombo jamais teria podido zarpar
rumo ao Ocidente.12
As naves jamais teriam atravessado o Atlântico se os
Pinzon não tivessem assumido o comando da marinhagem.
A travessia foi longa: depois de terem ultrapassado as
700 léguas previstas pelo “almirante" Cristóvão Colombo, os
marujos perceberam que este era um péssimo navegador, que
não entendia patavinas do assunto, provido de mapas eivados
de erros, incapaz principalmente de dar uma ordem que pu­
desse ser obedecida decentemente.
Passaram a resmungar com freqüência e chegaram a falar
em jogar ao mar esse almirante de comédia.
Quando o motim eclodiu, certamente Colombo estava
pronto para morrer bravamente, talvez em vias de querer dar
meia-volta, mas Martim Pinzon mais uma vez salvou a situa­
ção.
— Queira Deus, gritou ele, que frota de tão grande rainha
não volte atrás, não somente esta noite, mas durante um ano
inteiro!
De acordo com Pierre Margry, autor de Os navegadores
franceses e a revolução marítima, do século XIV ao XVI,
“Vicente Yanez Pinzon teria sido a segunda pessoa do navio
de Jean Cousin que em 1488 — quatro anos antes da viagem
de Colombo — descobria o Brasil e dobrava o Cabo da Boa
Esperança”.

OS PRECURSORES DE COLOMBO

Jean Cousin, originário de Dieppe, valendo-se das instru­


ções do sábio hidrógrafo Descaliers, seu compatriota, desco­
briu a foz de um grande rio a que deu o nome de Maranhão e
que mais tarde foi chamado de rio das Amazonas.

12 — Martin Pinzon chegava de Roma quando encontrou Colombo.


É praticamente certo que Pinzon tinha ido consultar, na biblio­
teca pontifícia, mapas geográficos e relatórios de viagem ao
país Winfand (atualmente USA) escritos pelos mensageiros
cristãos groenlandeses que, em 1110, foram a Roma. Em 1327
a Groenlândia pagava ainda seu tributo às Cruzadas. Não é
admissível que os missionários do Ártico não tivessem informa­
do o papa sobre as viagens, expedições e conquistas no «País do
Vinho», que fica além-mar.

110
0 que depois se chamou de Cabo da Boa Esperança ele
em primeiro lugar batizou com o nome de “Ponta das Agu­
lhas”, isto dez anos antes de Vasco da Gama.
De acordo com as tradições e os relatórios antigos, eis a
ordem cronológica dos “descobridores" conhecidos das Amé­
ricas, desde o dilúvio até Colombo!
— Faz 9000 a 10000 anos, povos que emigraram da Europa
sulcaram o oceano, conta o Popol-Vuh, livro sagrado dos
maias-quichés e em etapas sucessivas se apoderaram de terras
do norte (Canadá) até o México, passando pelos Estados
Unidos.
Os mesmos povos migrantes passaram ao lucatã-Guate-
mala, depois para a Colômbia, em seguida ao Peru e Bolívia.
De lá sem dúvida para a Oceania e notadamente para a ilha
de Páscoa.
— No tempo do rei Minos navegadores cretenses teriam
chegado ao México.
— 850 anos antes de Cristo, Badezir, rei da Fenícia, teria
estado no Brasil, se dermos crédito à seguinte inscrição (na
realidade indecifrável) da Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro:

Tradução proposta: «Badezir pontífice máximo de Baal, rei de Tyr,


na Fenícia.

999: O irlandês Bjõrn Asbrandson.13


1003: O norueguês Leif Ericson (segundo uma saga).
1029: O irlandês Gudleif Gudlangson.
Século XI: Expedição dita dos “Aventureiros” realizada
pelo geógrafo árabe El Edrisi.
1121: Erik Gnupson, bispo da Groenlândia, viaja até o
Winland.

13 — Um relato escandinavo conta que em 985 o irlandês Bjõrn,


quando se dirigia à Groenlândia, foi impelido pela tempestade
para bem longe, rumo a sudoeste, a uma ilha fértil e cheia de
árvores.

111
1362: Oito suecos, vinte e dois noruegueses, segundo a
inscrição rúnica da pedra de Kensington.14
1473: Os portugueses, dinamarqueses e noruegueses da
expedição — muito duvidosa — comandada pelos capitães
alemães Pining e Pothorst.
1488: O dieppense Jean Cousin teria estado no Brasil e
teria reconhecido a foz do Amazonas.
1497: Jean Cabot teria pisado a Terra Firme antes de
Colombo.

CABOT CHEGA ANTES DE COLOMBO

Jean Cabot, navegador e cosmógrafo veneziano, natura­


lizado inglês, pisou terras do continente americano (então se
dizia Terra Firme) antes de Cristóvão Colombo, o qual por
ocasião de sua primeira viagem só havia tocado numa ilha
das' Antilhas (São Salvador).
Escrito por seu filho Sebastião, eis o relatório da proeza:15
No ano da graça de 1497 Jean Cabot, veneziano, e seu fi­
lho Sebastião partiram de Bristol com uma frota inglesa e
descobriram esta terra que antes ninguém havia ainda encon­
trado; foi no dia 24 de junho, pelas cinco horas da manhã.
Chamaram-na Prima Vista (vista em primeiro lugar), porque
foi a primeira que perceberam quando estavam em mar. À
ilha que se acha em frente ao continente deram o nome de
ilha de São João (Saint Jean), porque pelo que tudo indica
chegaram lá no dia de São João Batista.

14 — Esta pedra foi descoberta em 1898 pelo fazendeiro americano


Olaf Ohman de Salem, Douglas County (Minnesota). Foi guar­
dada no banco de Kensington, de onde deriva o nome com que
passou a chamar-se.
Eis o texto da inscrição rúnica, segundo o arqueólogo Hjalmar
R. Holand:
«Somos 8 de Gotland e 22 da Noruega em expedição para o país
de Vinland. Nosso acampamento fica perto de dois rochedos a
alguns dias de marcha ao norte desta pedra.
Tínhamos ido lá para pescar. Quando voltamos ao acampamen­
to, dez dos nossos companheiros estavam ensangüentados.
Haviam sido assassinados. A .V. M. que nos salve do perigo».
Três linhas suplementares traçadas sobre o campo da pedra
dizem: «Dez dos nossos companheiros velam à beira do mar
nossos barcos a catorze dias de marcha desta ilha — Ano 1362».
15 — Leia-se em Purchas: His pilgrimage, or relaiions of the world and
the religions observed in ali ages and places discovered, from
the creation into this present. Londres 1613.

112
Os habitantes desta ilha cobriam-se com peles de animais,
com as quais se julgavam bem enfeitados... para guerrear
se serviam de arcos, bestas, lanças, dardos, porretes de ma­
deira e de fundas.
Viram que em muitos lugares este terreno era árido e
dava poucos frutos; que estava cheio de ursos brancos e de
cervos muito maiores do que aqueles da Europa, que produ­
ziam certa quantidade de peixes e daqueles do tipo maior que
há na espécie, como focas e salmões.
Encontraram ali linguados de três pés de comprimento
e muito desse peixe que os selvagens chamam de baccallaos.
Viram aí também perdizes, falcões e águias, mas o que há de
singular é que todos eram pretos como corvos.16”
Esta primeira terra descoberta por Jean Cabot em 1497
era o Labrador. Desceu a costa até a Flórida e depois retor­
nou a Bristol, levando consigo três “selvagens” vivos e um
rico carregamento.
Cristóvão Colombo só tocou a terra firme das Américas
em 1498, isto é, um ano depois de Cabot... e dez anos depois
do dieppense Jean Cousin, que havia reconhecido o Maranhão
ou foz do Amazonas.

A VERDADEIRA FINALIDADE: RECONSTRUIR O TEMPLO


DE JERUSALÉM

Quem muito quer provar, nada prova!


Era Colombo um ladrão17?
Não passa de uma hipótese.
Sem dúvida, ele não é o verdadeiro descobridor das Amé­
ricas, mas é certo que proporcionou à Espanha um império
imenso e à História um dos seus mais belos florões.
A aventura americana é de uma tal complexidade que se
torna quase impossível desemaranhar-lhe a urdidura.
Era o genovês um judeu astuto ou um cristão manhoso?
Ninguém pode dizê-lo.
Certamente, sente-se atraído, antes de tudo, pelos encan­
tos do ouro; contudo, Salvador de Madariaga, em seu admi­
rável livro, revela o que foi sem dúvida o escopo da conquista
das Américas: acumular riquezas para reconstruir o Templo
de Salomão em Jerusalém.

16 — Este relatório não é muito convincente!


17 — Página 238 áo livro Cristóvão Colombo, de Salvador Madariaga.

113
Em Baza teria assegurado ao rei e à rainha que todos os
benefícios que auferisse de sua empresa seriam consagrados
à libertação da casa de Sião e à reconstrução do Templo.
FIM DO MUNDO EM 1656

Colombo pensava sinceramente que estava missionado


por Deus para realizar grandes feitos e esta idéia o sustentou
fortemente em seu empreendimento.1819 Apóia-se em Esdras
para avaliar a largura do mar — seis partes da Terra são se­
cas e existe uma debaixo da água — e as profecias dos hebreus
para prever o fim do mundo, que ele fixou para o ano de 1656.
É por esta razão que faz pressão junto ao rei e à rainha
da Espanha "para que se lancem na empresa da conquista das
Índias". A propósito da missão de que Colombo se julgava
encarregado, escreve Madariaga: "Era o agente do Senhor,
escolhido não somente para conquistar um mundo novo, até
então existente só em sua imaginação, mas também para en­
frentar este rei e esta rainha que oprimiam a metade do seu
povo e se preparavam para enviar a outra metade para um
exílio desumano”.

Ele invoca Abraão, Moisés, Isaac, Sara, Isaías; Depois de


lograr seus intentos, compara-se a David.
Envaidecido, morre de desejo de imitar os profetas bíbli­
cos: geme, julga-se oprimido, cobre a cabeça com cinzas e fi­
nalmente escreve um Livro de Profecias que infelizmente não
chegou até nós, mas que tratava provavelmente do problema
da restauração de Israel, ou na Palestina ou nas índias Oci­
dentais.

COLOMBO, GRÃO MESTRE DO TEMPLO


Um dos grandes mistérios que giram em tomo de Cristó­
vão Colombo, além daqueles do seu nascimento e da pater-

18 — Cristóvão Colombo, pg. 261.


19 — Houve historiadores que escreveram que os judeus queriam fa­
zer da Espanha uma nova terra de Sião, que haviam monopoli­
zado os cargos, os títulos e que visavam mesmo o próprio trono.
Esta tese é provável, mas não podemos acusar Colombo de estar
participando da conjuração, porquanto para ir à América havia
solicitado primeiramente ajuda des reis da Inglaterra, de Por­
tugal e também, ao que se diz, da França.

114
nidade da descoberta da América, alinha-se aquele da sua assi­
natura, a qual reproduzimos aqui abaixo:

Para Maurice Privat e Joseph Hariz2°, Colombo era má­


gico e sua assinatura prova que ele pertencia à Ordem do Tem­
plo, da qual teria sido o Grão Mestre.
Esta assinatura contém dois triângulos agudos (nós ve­
mos quatro!) . "A última linha xto ferens que significa Christo-
-ferens, exprimia a divisa de Colombo, o portador do Cristo,
que se tornou seu prenome.
A terceira linha fazia alusão ao fato de que ele combatera
contra os mouros sob os muros de Granada, vestido de fran-
21 Foi com o burel monacal que desembarcou quando
ciscano.20
de sua segunda e quarta viagem... X, M e Y exprimem Cristto,
Maria ou Meryen, José ou Yousouf, que são as senhas (pala­
vras de reconhecimento) dos terciários.
Só faltava encontrar a chave do triângulo assim formado.
Eliminemos o A central (Maurice Privat sabe como sair logo
das dificuldades!) e assim obtemos o tríplice triângulo.
Reconhecemos nele a figuração das pirâmides do Egito.
Colombo atesta, pois, indiscutivelmente a sua iniciação...”

20 — O Grande Nostradamus, n.° 1, maio de 1934. Esta revista deixou


de ser publicada por volta de 1936.
21 — É uma afirmação de que não encontramos vestígios em parte
alguma.

115
UMA MISSÃO TEMPLÃRIA

Para a Cabala, M. Privat especula que S repetido três


vezes = 15 x 3 = 45, ou 4 + 5 = 9, que significa um número
divino abstrato.
Em aritmossofia, 45 exprime a herança, o legado.
“A missão de Templário lhe foi assegurada portanto por
herança. Por outro lado, 15 dividido por 3 dá 5, que é atribuí­
do ao grande hierofante entre as colunas de Hércules e de Sa­
lomão, isto é, ao iniciado.
Por conseguinte, Colombo expõe seus títulos sem rebuços
e subterfúgios com a letra A:
'Eu sou o primeiro de minha ordem’.
Ele é portanto o grão mestre desta fraternidade que, de­
pois de ter aspirado à conquista do mundo para organizá-lo,
foi decapitado em 1307 por Felipe o Belo, mas cujo poder se
perpetuou.”
Esta a opinião de Maurice Privat, assaz extravagante, po­
rém com vislumbres que aguçam a nossa curiosidade.
Com efeito, não é impossível que os Templários se tenham
misturado a esta história, da mesma forma que os judeus,
pois é impossível não se notar que Colombo era um conver­
tido; ele “descobriu” a América cujo Estado mais poderoso, os
Estados Unidos, devia tomar-se pouco a pouco a nova Terra
de Sião.
Segundo Louis Charpentier, os Templários tinham sido
mantidos ao corrente das informações dos missionários da
Groenlândia e, depois do século XII, sabiam que existia uma
rota marítima para ir dar num mundo ocidental.
Maurice Privat vai ainda mais longe, afirmando que "no
fim do século XIII os Templários haviam organizado um imen­
so império no México”.
Por conseguinte, os planos e os mapas que lhe permiti­
ram ir ao Novo Mundo devia-os Colombo aos Templários, dos
quais era o herdeiro grandioso.22
Aqueles que se vêem tentados por esta tese deverão per­
guntar-se por que razão Colombo "roubou” o mapa de Tosca­
nelli e tanto trabalho se deu para conseguir documentos!

22 — Maurice Privat não fala, de caso pensado, deste pseudo-império


templário do México!

116
COLOMBO CABALISTA

O exame da assinatura de Colombo não nos leva em di­


reção à explicação de Maurice Privat. Temos contudo como
ponto pacífico que o “genovês” era de origem judaica e que
provavelmente praticava a magia.
"Por ocasião de sua quarta viagem, escreve o Dr. J.
Hariz23, Colombo pratica exorcismos.
Por ocasião de grande tempestade, encontrando-se ele nas
costas da Venezuela, torturado pelo escorbuto, eis que se le­
vanta, veste seu manto, cinge sua espada, acende velas bentas
numa grande lanterna, empunha o Evangelho à maneira de
São João, o Evangelho do espírito, corta o ar em quatro
ângulos.
Teria sido talvez por causa desta cerimônia que uma
tromba d agua gigantesca passou entre as caravelas sem tra­
gá-las ?24
Uma evidência sobressai desde o exame primário: Colom­
bo acredita no poder das cartas, dos números, dos patoás e a
sua assinatura incontestavelmente se reveste de um caráter
mágico e talismânico.
Sem dúvida alguma, Colombo é de origem judia, o que
âliás é confirmado pelo seu temperamento, por sua sutileza,
por sua inteligência.
Conforme acontece com todos os judeus, mesmo que se­
jam convertidos (os conversos), concede grande crédito às
forças misteriosas que devem ajudá-lo a desempenhar a sua
missão .
"Ainda em nossos dias, escreve Jean Marquès-Rivière25,
os judeus usam o patoá chamado o Shadaí (Estrela de Davi),
que todos os filhos israelitas carregam no momento da ceri­
mônia chamada Bar-mitzwah (ato de obediência filial reali­
zado aos 13 anos). É uma medalha redonda sobre a qual está
escrito o nome divino Shadaí, cujo uso é de tradição imemo­
rial.
De mais a mais, este nome divino se encontra em nume­
rosos textos mágicos e de patoás”.

23 — O Grande Nostradamus, n.° 1, pág. 58.


24 — Não encontramos esta cerimônia no Diário de bordo de Cris­
tóvão Colombo, por ocasião das tempestades da quarta-feira 3
e quinta-feira 14 de fevereiro de 1493. Ao contrário, o Almirante
e sua equipagem acendem velas e formulam votos muito cris­
tãos . >■
25 — Amuletos, talismãs e patoás, Jean Marquès-Rivière, ed. Payot,
Paris.
117
UM TALISMÃ DE MESTRE DO MUNDO

Esta assinatura se decompõe em duas partes bem distin­


tas: a assinatura, na parte de baixo: christoferens; um patoá
sobrepõe-se e protege o nome, com 7 letras mágicas e seis pon­
tos que lembram as seis pontas do símbolo de Salomão.
Segundo as tradições cabalistas e as superstições hebrai­
cas, eis o sentido do patoá26:

No espírito do Almirante, esta magia (lendo-se da direita


para a esquerda, como em hebreu) tinha portanto por escopo
colocá-lo sob a proteção de Samaél-Satã a fim de conjurar as
tempestades e... descobrir uma Terra... na direção onde
o sol se põe.
Que Javé, o Senhor, faça o abaixo-assinado Mestre do
mundo: Cristóvão Colombo.27
Samael, Shamshiel, Arets e Sikiel são invocados com fre-
qüência na magia dos judeus.
Colombo infla de vaidade, de cupidez, de orgulho insen­
sato; não se arvora ele em profeta quando escreve suas Pro­
fecias e anuncia o fim do mundo para o ano 1656?
Antes de partir para o oceano, não exigiu ele que o fizes­
sem cavaleiro, dom, almirante-mor ou vice-rei?

26 — As atribuições conferidas ao demônio e aos gênios estão de


acordo com os textos de Jean Marquès-Rivière e seu livro Amu­
letos, talismãs e patoás.
27 — Se X se referia a Cristo, então a frase seria a seguinte: Que
Javé faça de Jesus o Mestre do mundo.
Não cremos que este X tenha uma relação com aquele da cris­
ma. Ainda na Idade Média o «chi» dos gregos tinha a forma
de um X maiúsculo.
118
Depois de sua vitória, por volta de 1498, escreve aos sobe­
ranos espanhóis uma carta delirante onde se apresenta como
um príncipe do mundo, o verdadeiro Metatron: “Deus — que
fez ele a mais para Moisés ou para Davi?”28
E, falando dele, acrescenta:
"Desde o teu nascimento ele sempre teve grande cuidado
por ti... Deu ao teu nome uma ressonância maravilhosa so­
bre a terra”.29
De fato, o talismã, escrito e guardado dentro de um sa­
quinho que Colombo devia carregar colado à pele, parece ter
desempenhado um papel eficaz.
Embora não tenha sido o descobridor das Américas e
não tenha sequer imaginado a rota marítima do poente, Co­
lombo tomou-se uma espécie de Metatron: o homem mais
conhecido do mundo.
Samael, Sikiel, Arets, Shamshiel — Y — Me X (X = vosso
nome, sobretudo se começa com.um C), eis um poderoso e
maravilhoso talismã que já fez os seus prodígios!
O morgado30, de 1498, embora apócrifo, escreve Madaria­
ga, deve apoiar-se no documento desaparecido de 1502.
Nele encontramos uma cláusula singular com relação à
assinatura: “Dom Diogo, meu filho, ou quem quer que seja
que vier a herdar este morgado, depois de tê-lo herdado e
entrado na posse dele, assinará com a assinatura que eu uti­
lizo presentemente, que consiste num X, com um S embaixo,
e um M com um A romano em cima, e, em cima ainda, um
S, e em seguida um Y com um S em cima, com os seus traços
e suas vírgulas conforme eu faço agora e como veremos depois
de minhas assinaturas e por esta aqui infra.
E assinará só o Almirante, mesmo que o rei lhe conferisse
outros títulos ou que deles fosse merecedor”.

UM PACTO COM SATÃ

Se quiséssemos aferrar-nos a estes aspectos precisos,


então a assinatura significaria:
“Cristóvão Colombo — luz ou sol — Mestre — da Terra
— sob a presidência de Samuel — Senhor — da tempestade”.

28 — Cristóvão Colombo, de Salvador Madariaga, pg. 554.


29 — id., pg. 261.
30 — Mayorazgo: morgado ou bem inalienável. Trata-se aqui da peça
oficial que testemunha este morgado.
119
Os 6 pontos ligados entre si dão 2 triângulos acoplados.
Se os ligamos em todos os sentidos possíveis obtemos duas
pirâmides em geometria no espaço, isto é, com quatro faces
cada uma.31

Por translação dos dois triângulos obtemos... o símbolo


de Salomão, o que nos leva mais uma vez aos patoás mágicos
dos hebreus.

Pelos dados precisos fornecidos pelo Almirante, parece


evidenciar-se, pois, que ele teria assinado com Satã-Samael
um pacto que engajava também sua descendência direta.

Certamente não vamos acreditar no poder de semelhante


pacto, e muito menos em Satã, mas é curioso observar que a
aventura de Colombo se desenrola exatamente como se o
diabo nela se tivesse imiscuído: com seu cortejo de demônios,
de talismãs, de encantamentos, de estranhos acasos, de raras
boas sortes32, de ajudas providenciais e nem sempre merecidas.
Entremeado também de um contexto de ouro e de horror, de
barganhas, de duplicidade, de sangue e de crueldades que
se assemelham a holocaustos, onde os "selvagens” da índia
Ocidental tiveram que servir de cobaias.

Salvador de Madariaga chama a atenção também para a


forma triangular da assinatura e pensa na cabala. Acrescenta
que o arranjo dos S com pontas faz aparecer o brasão de Davi
(escudo de Davi), o que é relativamente exato.

Um israelita cabalista, Sr. Maurice David, revelou a Ma­


dariaga33 que "filho e neto de rabinos, quando viu o monogra­
ma que se acha no canto superior esquerdo de todas as cartas
endereçadas por Colon a seu filho Diogo, com exceção de uma,
reconhecera aquele que seu pai e seu avô sempre acrescenta­

31 — Madariaga nota que o primeiro S do pseudo-monograma só deve


levar um ponto, à sua esquerda.
32 — O protetor converso Santo Ângelo ajudou Colombo em seu
cometimento graças a um tesouro miraculosamente descoberto
em hora oportuna!
33 — Cristóvão Colombo, notas da página 612. Maurice David volta
a este argumento em seu livro Who was Columbus? pg. 66,
1933.
120
vam no mesmo lugar em todas as suas cartas. Era uma velha
saudação hebraica, uma bênção... ”.
Os grafólogos hebraicos não são desta opinião, acrescen­
ta Madariaga. Segundo J. R. Marcus, professor de história
judaica na Hebrew Union College de Cincinatti (Ohio), a trans­
crição em caracteres latinos do talismã daria34:
Shadai
Shadai — Adonai — Shadai
YHWH — male — Chesed —
Nose — Ovon — pesha — Chata’ah

Isto representa talismã mágico em caráter religioso e


judaico. Outra interpretação do escritor Dom Armando Alva-
rez Pedroso:
S = Senhor
S. A. S. = Sua Alta Senhora
X.M.Y. = Excelente, Magnífico, Ilustre.
Por outro lado, nós nos atemos à primeira explicação.

34 — Cristóvão Colombo, de Salvador de Madariaga, pg. 615.

121
Capítulo VII

O LIVRO DE MAGIA DO GRANDE ALBERTO

O sábio é um homem simples e primário.


O físico, o químico, o matemático são pesquisadores e o
contrário dos sábios: seus conhecimentos ultrapassam, certa­
mente, aqueles comuns, mas são conhecimentos arbitrários,
incertos e transitórios.

O que chamamos de Misterioso Desconhecido é o conjun­


to de fenômenos ou de fatos que não há nada que possa ex­
plicar, talvez porque pertençam à ciência do futuro, talvez
porque a marcha progressiva do nosso pensamento e os sis­
temas de nossas investigações sejam impotentes para apreen­
dê-los.

QUANDO A SORTE NOS BAFEJA!

Bem que os matemáticos tentaram explicar a sorte, mas


os seus raciocínios se perdem no infinito do cálculo e do tem­
po. Ó Sr. L. de Moissãc, de Tarn-e-Garonne, é um apaixonado
de corridas de cavalos. Num domingo de novembro de 1971,
quando escolheu o bilhete, apostou no número 16, crente de
que estava jogando no 18, e foi o cavalo n.° 16 que chegou
em primeiro lugar.
Na manhã de segunda-féira jogou mais uma vez num nú­
mero qualquer e aconteceu que r.ovamente o mesmo havia
ganho pela terceira vez! Na realidade, estamos aqui diante
de uma constatação embaraçosa: um erro que permite ganhar
e um palpite certo que dá no mesmo resultado!

122
Será que o fator sorte tem opções privilegiadas ou esta­
ria uma entidade misteriosa se imiscuindo para escamotear
as leis do racional?
Foi também um erro que poupou a vida do nosso corres­
pondente e amigo E. Becouse... uma falta de habilidade de
somenos importância, uma coisa de nada, mas que dá muito
que pensar.
"Foi no dia l.° de outubro de 1918 — escreve o Sr. Be­
couse — em plena ofensiva da Campanha. Na ocasião eu co­
mandava a 18? bateria do destacamento 102 de artilharia pe­
sada, com um fuzil Scnheider 155 cano curto. Em companhia
de Levejac, meu lugar-tenente, eu disparava tiros a esmo.
Ambos estávamos sentados, um de cada lado de uma me­
sa de abrir e fechar, debaixo de um toldo de barraca de cam­
panha que nos servia de posto de comando. De repente meu
lápis cai. Abaixo-me para apanhá-lo e eis que neste exato mo­
mento uma bala de obus fura o toldo na altura em que minha
cabeça teria estado se não tivesse me curvado. Sou muito
grato a esta coincidência, pois o obus que disparara o tiro
acabou matando um condutor de artilharia, feriu um cabo e
estripou três cavalos.
Nesta terrível guerra de 14-18, em que o número servia
de palpite para salvar a sua pele, todo incidente assumia pro­
porções desconhecidas e o azar e a sorte tinham um signifi­
cado todo particular.
O Sr. Becouse teve oportunidade de anotar quatro fatos
extraordinários, quatro "coincidências", escreve ele, que o le­
varam a crer num misterioso desconhecido consciente.

FATOS ESTRANHOS

Um bebê australiano, Lorrell Wilhelm, de Per th (Austrá­


lia), confirmou uma tradição familiar que remonta a quatro
gerações. Da mesma forma que sua mãe, sua avó e sua bisavó,
ele nasceu no dia 8 de abril! Um despacho da A.F.P. datado
de 17-3-72 relata a seguinte história:
"Uma criança de dez anos, aluno de uma escola primária
de Atenas, salvou os seus colegas e o professor, contando-lhes
o sonho que tivera na noite anterior.
— O teto de nossa escola estava ruindo, disse ela com
um acento de convicção que causou admiração em seus ou­
vintes!
Então o mestre, sem dúvida particularmente impressio­
nado com o relato, reuniu os alunos numa parte da salã onde
o teto parecia mais firme do que nos outros pontos.

123
Passados alguns minutos, o teto ruiu sobre o lugar que
havia sido evacuado.”
Em junho de 1971 um habitante de Romans (Drôme)
possuía uma galinha que depois do último eclipse parcial da
lua de fevereiro, punha ovos com uma parte lisa sobre a qual
estava gravado um sol constituído de um círculo e de treze
raios.
Um dos nossos leitores nos comunicou o seguinte fato
estranho, que sua mãe, “Sra. Benedita Vernay, e várias pes­
soas de sua idade lhe haviam contado”:
Em 1868 o carteiro da aldeia de Iguerande, em Saône-e-
-Loire, deixava suas aves domésticas entrarem na cozinha de
sua pequena moradia. Pois bem, uma de suas galinhas costu­
mava ficar acocorada diante do relógio e um belo dia pôs um
ovo que reproduzia, em relevo e de maneira perfeita, o mos­
trador desse relógio.
Outros ovos vieram, mas com a imagem menos visível.
A notícia se espalhou pela aldeia e o carteiro, muito as­
tucioso, de cada pessoa que quisesse assistir a uma postura
e ver o primeiro ovo fenomenal exigia o pagamento de dois
soidos.
Depois teve a idéia de encobrir o mostrador com um re­
trato de Napoleão III, na esperança de que a galinha repro­
duzisse a imagem, o que lhe proporcionaria uma nova fonte
de rendas!
Mas qual não foi sua decepção quando a galinha pôs um
ovo com uma silhueta muito vaga.
A história passa por verdadeira. Sem dúvida um biologis-
ta poderia explicá-la pelo fenômeno da impregnação psíquica;
mas, que explicação daria ele para quinhentos gaviões que,
em junho de 1969, aboletaram-se na chaminé da casa da Sra.
Girard (de 80 anos, residente na Praça São Severo, n.° 5, em
Viena, Isère) para ali morrerem?
A chaminé foi limpa três vezes, pois bandos de pássaros
apareciam para ali morrerem asfixiados.
Por que razão escolhiam eles a chaminé da Sra. Girard
para este estranho suicídio? Mistério!
Em seus estúpidos filmes de western, que estranho im­
pulso leva os cenógrafos do cinema americano a emprestar
significados convencionais à direita e à esquerda?
A este respeito uma revista especializada escreve o se­
guinte

1 — Revista Photo, n.° 31, pg. 79, texto de C. Saudet.

124
"Os americanos convencionaram de maneira formal que
o sentido dos movimentos, entradas e saídas de campo, e
aquele do seguimento de um personagem atrás do outro em
andamento, revestia-se de uma importância considerável nos
filmes.
Também na maioria dos westerns, se o bom persegue o
mau, o sentido da cavalgada se efetua da direita para a es­
querda. Se é o mau que dá caça ao bom, então a perseguição
se realiza da esquerda para a direita.”
Não se encontra explicação para isto, mas o fato é que
tradicionalmente a esquerda (portanto, lado do coração) tem
sentido maléfico e a direita, benéfico.

O SINAL DO ALÉM

Ulrich Rohde, um garotinho de seis anos da escola comu­


nal de Nailaã na Baviera, para o tema de um concurso com
finalidade filantrópica desenhou uma criança atropelada por
um automóvel estendida no chão ao lado de sua bicicleta.
O desenho representava ainda uma outra criança que de
uma cabine pública telefonava para avisar a polícia.
Seu trabalho foi elogiado pelas autoridades escolares,
mas Ulrich não ficou sabendo disto, porque morreu nas mes­
mas circunstâncias que ele imaginara, atropelado por um
carro, quando estava andando de bicicleta.
Straton, o nimense, que escreve no Delfinado Liberto
(Dauphiné Libéré), conta as peripécias extraordinárias por
que passou o escritor egípcio Ibraim Fahri.
Em virtude de enguiço no automóvel, ocorrido na entrada
de uma mudança de rumo, no dia 12 de junho de 1942 Fahri
foi dar numa estrada deserta entre o Cairo e Alexandria.
Ao lado do caminho uma faixa dava uma indicação em
francês: Attention: Mirage (Atenção: Miragem).
Foi então que surgiu um carro antigo que fazia um ba­
rulho de lataria velha e o escritor egípcio pôde ler na carro­
çaria, sempre em francês, estes estranhos dizeres: Cimetière
d'Amria et au-delà (Cemitério de Amria e além).
Obsedado por estas coincidências, alguns dias mais tarde
foi ao cemitério de Amria cuja existência ignorava.
E eis que descobriu, como que por acaso, um marco an­
tigo, quebrado, no qual leu um nome em parte apagado:
Ibraim Fahri!

125
Straton, o nimense, relata também a aventura, também
pasmante (se é que é verídica), vivida recentemente por Luís
Bianchi, de Nápole, um jovem operário de usina que voltava
para casa de moto.
Encontrou uma jovem que lhe fazia o sinal muito conhe­
cido dos que param os carros. Mandou que ela tomasse as­
sento no lugar traseiro e como começasse a cair uma chuva
fininha emprestou-lhe o seu casaco para que se protegesse.
A jovem deu-lhe o endereço de sua residência para onde
a conduziu, mas ficara tão encantado com o encontro casual
que chegou a se esquecer de pedir-lhe o casaco de volta.
Para recuperar o casaco, no dia seguinte foi à casa de
sua passageira e foi recebido por parentes que manifestaram
um grande espanto.
— De que casaco e de que jovem se trata?
Luís contou o encontro que tivera na véspera e então o
pai, com ar muito consternado, respondeu:
— Meu senhor, já faz mais de dois anos que nossa filha
morreu! Estupefato e incrédulo, Luís Bianchi foi ao cemité­
rio no túmulo da jovem. Lá estava o casaco, pendente na gra­
de que cercava o túmulo. . .

OS SEGREDOS DO GRANDE ALBERTO

O Grande Alberto — um livro de ocultismo, de segredos


relativos à superstição mais pueril e crassa, embora vez por
outra mitigados por notas bastante sensatas — alcançou
enorme sucesso junto ao público no decurso do século XVIII.
Em seguida a esta obra romanesca apareceu O Pequeno
Alberto, que é a transcrição das obras de um certo Albertus
Parvus Lucius que provavelmente jamais existiu.
Desde o século XVI e sem dúvida antes, brochuras clan­
destinas do Grande Alberto circulavam secretamente e ali­
mentavam os antros dos feiticeiros, de alquimistas e necro-
mantes: os célebres “engrimanços” da Idade Média, mas a
primeira edição verdadeira data de 1703.
Naturalmente, o "misterioso desconhecido” tratado nes­
ses livros não passava de divagações de empíricos e o bom e
sábio monge iniciado dominicano Alberto, o Grande (século
XIII), nada tem a ver com isto.
A este respeito Charles Daremberg escreveu o seguinte:
"Que estranho destino! Um autêntico sábio tornou-se "cúm­
plice dos necromantes da Idade Média e da Renascença!”
E Quérard que lhe vem em apoio, dizendo: "Falcatrua-

126
gens e mixórdias estúpidas que atribuem com muita injustiça
ao célebre dominicano” 23.
Receitas, umas mais mirabolantes que as outras, abun­
dam no livro de magia do Grande Alberto: para produzir o
terrível fogo de artifício, para tomar-se invisível por meio de
um anel, para não ser traído pela mulher, para remediar a
virgindade perdida, para fazer gorar um casamento, para fa­
zer com que uma jovem se entregue...
De vez em quando uma pitada de bom senso acaba me­
tendo-se de permeio com as misturas de gordura de bode, de
olhos de lobo e de plantas colhidas na lua cheia.
Uma receita "contra a bebedeira do vinho” pode ser tal­
vez a seguinte: antes de sentar-se à mesa, tomar duas colhe­
radas de água de betônica e uma colherada de bom óleo de
oliveira; você poderá então se encher de vinho sem nenhum
perigo.
Para acabar com o porre de um homem é só "enrolar
seus órgãos genitais num pano branco que esteja ensopado de
vinagre forte” e, no caso de uma mulher, "colocar um pano
igual sobre os seios”.
Quanto a nós, não garantimos nenhum resultado!

PARA SE CORRESPONDER POR MAGIA


A GRANDE DISTÂNCIA.

O Grande Alberto revela também segredos de um "mis­


terioso desconhecido” para-científico. .. mas, infelizmente,
sem fundamento!
O título é extenso mas atraente:

SEGREDO MARAVILHOSO PARA SENSIBILIZAR


O QUADRANTE OU BÚSSOLA, PELO QUAL SE
PODERÁ ESCREVER A UM AMIGO DISTANTE E
FAZÊ-LO CIENTE DA INTENÇÃO QUE SE TEM
SIMULTANEAMENTE OU NUM DADO MOMENTO
DEPOIS QUE TIVER SIDO ESCRITA.

Em suma, trata-se de se corresponder por um meio radio­


elétrico que, no século XV, devia constituir um caso tremen­

2 — Excertos de: O Grande e o Pequeno Alberto, os segredos da


magia natural e cabalística, prefácio de Bernard Husson, ed.
Pierre Belfond.
3 — A betônia, da família das labiadas, é uma planta comum no
sul da França.

127
damente inteligente: cortar a agulha de uma bússola em duas
partes (no sentido do comprimento)!
"Fazer duas caixas de aço fino (semelhantes às caixas
comuns de bússolas de mar), idênticas no peso e medida,
com um lado bastante grande para colocar à sua vol­
ta todas as letras do alfabeto. No fundo deve ter um eixo
para colocar a agulha, como num quadrante comum. Depois,
dentre várias pedras de ímã fino e bom, procurar uma que
no lado de baixo tenha veios brancos; aquele que for o mais
comprido e o mais reto, cortá-lo em duas partes, que sejam
as mais iguais possíveis, para delas fazer duas agulhas para
as duas caixas. É preciso que tenham a mesma espessura e
o mesmo peso, com um pequeno buraco para colocá-las no
eixo, em equilíbrio. Feito isto, entregar uma dessas caixas ao
amigo com quem se quer manter contato; marcar então com
ele uma hora de qualquer dia da semana, mesmo uma hora
de cada dia, se assim se quiser. Quando se falar um ao outro
em seu escritório, deixar passar um quarto de hora ou meia
hora, até mesmo uma hora, antes daquela que tiver sido com­
binada com o amigo, e em seguida então colocar a agulha no
eixo da caixa e fixá-la com os olhos durante este tempo. No
começo do alfabeto é preciso que haja uma cruz ou outro sinal
qualquer para que, quando a agulha apontar para este sinal,
se veja que ambas as pessoas têm a intenção de se falar, pois
é preciso que ela se ponha em movimento sozinha antes de
começar neste sinal, depois que o amigo que estiver longe a
tiver colocado também.
Desta maneira o amigo, para fazer o outro ciente de sua
intenção, girará a agulha sobre uma letra e a agulha do outro
simultaneamente se colocará sobre a letra semelhante, pela
relação que elas têm junto. Quando se quer responder, é pre­
ciso fazer a mesma coisa e, assim feito, colocar a agulha sobre
o mesmo sinal. Note-se que, depois de ter falado, é preciso
ter muito cuidado de fechar a caixa e a agulha, separadamen­
te, em algodão numa caixa de madeira e, principalmente, não
deixar que enferrugem”.

PARA TRANSFORMAR O CHUMBO EM OURO FINO

Hoje em dia os jornais muitas vezes dão informações


que parecem referir-se ao supranormal ou publicam comuni­
cações que vêm do Além, que é uma agência de notícias ex­
tremamente suspeita!

128
É o caso do bilhete que foi premiado na Loteria Federal,
cujo número foi revelado a uma senhora de bem, em sonho,
pelo seu marido falecido ou por um ser particularmente caro.
Como se, por exemplo, se quisesse comprar a esmo o
bilhete 28.753 da próxima extração, o que suporia o conheci­
mento miraculoso da cidade ou da aldeia em que este número
foi vendido e sorteado!
A alquimia pertence a este misterioso desconhecido que
nos intriga, pois não sabemos se no decorrer dos tempos um
pesquisador com dons especiais conseguiu fabricar ouro e es­
sa pedra filosofal, portadora de tudo quanto é bem, da feli­
cidade, da saúde e do conhecimento.
O engrimanço do Grande Alberto fornece com precisão
o meio de mudar o chumbo em ouro, de acordo com "o sábio
químico Fallopius” aprovado por estes alquimistas de fama
que foram Basílio Valentin e Odomar4.
"Misturar uma libra de caparrosa de Chipre5 numa libra
de água de forja, que tenha sido bem filtrada e clara. A in­
fusão deve levar vinte e quatro horas para que a caparrosa
se liquefaça inteiramente e se incorpore à água. Em seguida
destilá-la por filtragem com o auxílio de pedaços de feltro bem
limpo e depois disto por alambique em fogo lento. Conservar
esta destilação num vaso de vidro resistente, bem fechado.
Colocar no cadinho uma onça6 de bom azougue purificado,
e cobrir o cadinho para impedir a evaporação. E, quando se
presumir que vai começar a ferver, juntar uma onça de fo­
lhas finas de ouro bom e retirar imediatamente o cadinho do
fogo. Isto feito, tomar uma libra de chumbo fino e bem pu­
rificado, na maneira como diremos abaixo: estando o chumbo
fundido, incorporar-lhe a composição de ouro e de azougue
que tiver sido preparada e, quando tudo estiver bem mistu­

4 — Basílio Valentin é um dos mais famosos alquimistas da Idade


Média... mas na realidade não se tem certeza sobre sua exis­
tência! É possível que hermeneutas tenham utilizado este nome
de Basílio Valentin (em grego: rei poderoso) para garantir seu
anonimato.
Seja como for, verdade ou suposição, Basílio Valentim foi causa
de uma evolução considerável dos conhecimentos do seu tempo
no setor da química.
Odomar, monge francês do século XIV, viveu mais ou menos na
mesma época e foi um alquimista e químico de grandes conhe­
cimentos científicos.
5 — A caparrosa de Chipre é uma cinza de cobre ou do sulfato ou
uma oxidação do cobre.
6 — Uma onça: 30,59 grs.

129
rado, juntar uma onça da água de caparrosa e deixar ferver
toda a mistura feita no fogo durante um pequeno espaço de
tempo. Quando a composição tiver sido esfriada, eis que sur­
girá o bom ouro.”
Será que foi o segredo de Fallopius que faz pouco tempo
valeu uma súbita fama a um elegante cavaleiro, antiquário da
praça de Vosges, em Paris?
Uma revista consagrada às “ciências ocultas” e que leva o
nome do alquimista dominicano de que falamos se faz fia-
dora disto em seu número 4. O herói da aventura, que pre­
tendia ser o verdadeiro conde de São Germano,7 tomou-se
conhecido de nossa geração no dia 28 de janeiro de 1972, às
21,30 horas, no canal doze da televisão da ORTF (Organização
de Radio-Televisão Francesa), em sua emissão “O terceiro
olho".

O CONDE DE SÃO GERMANO

Depois de ter lançado a pergunta: "Seria o “novo" conde


de São Germano um impostor ou o verdadeiro São Germano?”
a revista afirmava: não resta dúvida que se trata de um ini­
ciado nas ciências ocultas, que se exprimia fluentemente em
sete idiomas, entre os quais o sânscrito e o chinês, que escre­
via indiferentemente com suas duas mãos!
Enfim, o redator-chefe dava seu testemunho honesto, pes­
soal e desinteressado sobre o ponto principal: operava o “no­
vo" São Germano transmutações?
— Sim, afirmava o "jornalista” em questão: "realizou-as
cinco vezes e na última vez diante de uma equipe de técnicos
da ORTF, quando transformou o chumbo em ouro.
Esta transmutação, filmada ao vivo... não deu margem a
que se percebesse algum truque ou arranjo”.
É bem verdade que o autor deste depoimento pasmoso
terminava com mostras de uma prudente reticência e se decla­
rava "eqüidistante” da crença e da dúvida!
A transmissão alcançou uma repercussão enorme, pois foi
apresentada de maneira notável, magistral e apaixonante do
começo ao fim.

7 — O conde de São Germano: aventureiro, talvez judeu de origem


portuguesa, morto em Eckenfoerde (Slesvig) em 1784. Causou
admiração na corte de Luís XV por suas maneiras magistrais
e pela segurança com que contava que vivera no século XVI.
Foi expulso da França. Cagliostro se vangloriava de ser seu
discípulo.

130
O "conde de São Germano”, jovem, rapaz bonito, simpá­
tico, sempre escoltado por jovens bonitas, ministrou aos olhos
de milhões de franceses a prova de que possuía a pólvora
mágica!
Ao menos é o que teria provado a experiência, se não ti­
vesse sido uma burla eivada de truques.
A apresentação foi feita do interior dos escritórios da
revista que organizou o programa, na quarta-feira do dia 5 de
janeiro de 1972, as 21:30 horas, dia e hora escolhidos pelo
próprio alquimista que, de acordo com o combinado, “não
devia tocar em nada”.
O material consistia de um fogareiro de camping a gás
e de chumbo fornecidos pela ORTF e controlados pelas "tes­
temunhas”.
Para juntar as barras do fogareiro que estavam afastadas
demais, São Germano enfiou suas mãos na chama sem sofrer
nada e efetuou o pequeno acerto.8
O cadinho havia sido levado pelo alquimista; o apresen­
tador da transmissão (e jornalista — o que não inspira nenhu­
ma confiança) colocou nele 3 cm de fuzível de chumbo que
pusera previamente em contacto com a pólvora mágica que
o mago trazia num medalhão pendurado em seu pescoço.
O cadinho foi fechado e posto sobre o fogareiro.
Passados cinco minutos retiraram o cadinho do fogo e
mergulharam-no na água fria.
Finalmente abriram o cadinho: continha um pequeno re­
síduo escuro (o chumbo?) e um pedaço de ouro.
NADA DE MILAGRE NA TELEVISÃO
A simpática diretora do canal 2 a cores, Sra. Jacqueline
Baudrier, a nosso pedido nos fez conhecer seu ponto de vista
sobre este mistério:
"Ref. 383/JL/MB — Prezado Senhor.
Não me parece que o jovem senhor que se declara ser
o conde de São Germano levante problemas.
O que ele pretende é transformar o chumbo em ouro num
fogareiro de camping e, com efeito, sua ligeireza e habilidade
de mãos teve êxito completo.

8 — Para expor as mãos ao fogo sem ser queimado o Grande Alberto


fornece a receita de um ungüento composto de: suco de malvaís-
co, clara de ovo fresco, semente de urtigão, de cal em pó e sumo
de carrapicho.
Uma camada de sabão preto seria também muito eficaz.

131
A rigor ele poderia solapar quaisquer convicções se não
tivesse garantido que tem 17000 anos dc idade, que viaja regu­
larmente ao planeta Marte, que criou um besouro de 17 kgs, e
sei eu lá mais o quê? Ê muita coisa, é mesmo demais. ..
Na realidade, o conde de São Germano se atribui muitos
privilégios prodigiosos.
Conheceu Luís XV, Frederico o Grande, vive atualmente
com Ninon de Lenclos e é um dos doze verdadeiros Rosacru-
zes que dirigem ocultamente o mundo.
Bem entendido, os Rosacruzes9 não dão crédito total a
esta afirmativa.
O nome verdadeiro do conde de São Germano é Richard
Chanfray e, ainda que não tenha realmente o poder de mudar
o chumbo em ouro, pode-se admitir que possui contudo conhe­
cimentos muito amplos em esoterismo.
A experiência que realizou com êxito diante das câmaras
da ORTF, em pleno século XX, é rica de ensinamentos sobre
o que se deve crer a respeito das transmutações alquímicas
realizadas na Idade Média!
Para o professor Rameau de Saint-Sauveur, o taumaturgo
"não é o verdadeiro Conde de São Germano, mas sem dúvida
um Extraterrestre, em vista dos conhecimentos que possui10!
Mas, acrescenta o professor, “se estamos em face de um
Temporal (viajante do tempo) seria de se desejar que publi­
camente se tornasse luminoso, sem sais luminescentes nem
truques, unicamente por meio da ionização de sua indumen­
tária, em função do seu índice temporal”.
Eis portanto o enigma do conde de São Germano lançado
numa nova perspectiva que se transformará em repasto deli­
cioso dos amadores do insólito!
O HOMEM VERMELHO DAS TULHERIAS
Nos primeiros anos do século XIX, um personagem es­
tranho, à maneira do conde de São Germano, alimentou e di­

9 — Os R + C, herdeiros da tradição de Cristão Rosacruz e dos


grandes iniciados, têm sua escola no seguinte endereço: Fazenda
da Rosa-Cruz, Rua Gambetta 54 e 56, 94190 — Cidade Nova de
São Jorge.
A partir de junho de 1973 o novo endereço será: Ordem rosa-
cruciana AMORC, castelo de Omomville, le Tremblay, 27110 —
Le Neúbourg.
10 — Boletim do Clube Marylen, 25 de março de 1972, BP 33,93 —
Neuilly-Plaisance,

132
vertiu a crônica sob o nome de o "homenzinho vermelho das
Tulherias”.
A história foi narrada em 1863 pelo escritor Christian
Pitois'1.
No dia 24 de dezembro de 1800, depois de haver escapado
miraculosamente ao atentado da rua São Nicásio, Bonaparte
foi agradecer o velho beneditino D. Guyon que o havia preve­
nido do perigo.
Recebeu então do velhote um envelope fechado contendo
o seu horóscopo com sua prodigiosa ascensão, mas também a
predição da sua queda, o que o deixou de tal modo agastado
e contrafeito que deixou de ir consultar seu amigo astrólogo.
Na noite do dia 20 de março de 1804, um granadeiro que
montava guarda no jardim das Tulherias percebeu uma forma
humana iluminada de vermelho que parecia pairar nas ala­
medas .
Depois da terceira intimação o soldado abriu fogo; a luz
que iluminava se apagou e o fantasma se extinguiu. Alertado
para o fato, o posto de guarda que se dirigira ao local só des­
cobriu uma lanterna que havia sido apagada de pouco e um
grande manto vermelho.
Pouco tempo depois o enigma foi descoberto: despeitado
porque não recebia mais as visitas do Premier cônsul e já
um tanto quanto desequilibrado da cabeça, D. Guyon pas­
sara a fazer seus passeios costumeiros pelos jardins das Tu­
lherias, durante a noite, enroupado numa grande peça de
pano vermelho que, aliada ao seu espírito perturbano, lhe
dava um aspecto e andar de hierofante.
O tiro assustou tremendamente o pobre diabo que fugiu,
abandonando sua lanterna e seu manto. Quando chegou à sua
mansarda morreu em consequência do susto que levara.
Ao tomar conhecimento deste fim trágico, Bonaparte te­
ria dito: “Pobre diabo! Em suas magias não previra isto!”
Deu ordens para que D. Guyon fosse enterrado secreta­
mente com a proibição de tornar o incidente público .
Esta seria a história do Homenzinho Vermelho das Tu­
lherias que teria sido o astrólogo de Bonaparte e que mais
tarde os soldados do Egito transformaram em gênio das pirâ­
mides, invulnerável às balas e imponderável como um fan­
tasma .11

11 — O Homem Vermelho das Tulherias, de Christian Pitois, Paris,


1863.
Uma tradição conta que o Homem Vermelho das Tulherias te­
ria avisado Henrique IV que seria assassinado.

133
Capítulo VIII

OS RETRATOS MÁGICOS DE BELMEZ DE LA MORALEDA


Quando, por obra do acaso ou por uma razão que nos
escapa, o Misterioso Desconhecido se manifesta em nosso uni­
verso visível, os cientistas se vêem impotentes para explicar
o fenômeno e preferem não tomar conhecimento dele ou então
concluir que se trata de uma tapeação.
Não obstante, um fato excepcional parece ter abalado a
convicção de muitos nacionalistas: o caso ocorrido em Belmez
de la Moraleda, uma cidadezinha que é dourada pelos raios
do sol andaluz, nos declives da serra Magina.
Geograficamente, situa-se a 40 quilômetros de vôo em
linha reta (62 kms pela estrada) a leste de Jaen.
Nesta localidade Juan Pereira cultiva alguns hectares de
cevada e de oliveiras e cria um rebanho de cabras, conforme
faz a maioria dos aldeões da região.
É casado em segundas núpcias com Da. Maria Pilar Go-
mez Câmara, que lhe deu dois filhos, Diogo e Miguel.
O mais velho é aspirante da guarda civil. Juan e Maria
não sabem ler nem escrever, mas são muito estimados na re­
gião, pois são trabalhadores, sérios e muito prestativos.
A CASA ENCANTADA
Certo dia do mês de agosto de 1971, Maria Pereira prepa­
rava a refeição e eis que ao tirar as cinzas da chaminé notou
na pedra do fogão uma espécie de desenho que a deixou in­
trigada .
Limpou um espaço maior do lugar e então viu aparecer
como que um rosto e desmaiou de susto.

134
Voltando a si e supersticiosa como todas as crentes espa­
nholas, viu nisto logo uma manobra do Maligno e, vestindo
uma roupa grosseira de espantalho, começou a apagar a ima­
gem suspeita. Mas em vão!
Quanto mais Maria lavava e esfregava a pedra do fogão,
tanto mais nítido e colorido se desenhava o rosto, sem dúvida
feminino, com olhos amendoados, sobrancelhas hirtas e bem
traçadas, nariz afilado e delgado, boca entreaberta e lábics
finos.
Os cabelos pareciam penteados em bandó e pelo pescoço
se podia adivinhar o começo de um busto escuro.
Detalhe raro: das narinas partiam dois traços escuros
— talvez dois filetes de sangue — que sublinhavam as faces e
saíam mesmo do oval perfeito do rosto.
A imagem tinha um tamanho mais ou menos normal, de
cor cinza sépia, com manchas avermelhadas.
Toda assustada, Maria chamou seu marido, depois seus
vizinhos e todos, debruçados sobre o fogão, examinaram a
aparição fantasmagórica.
— Quem podia ter feito este desenho? perguntou Juan
Pereira. Mas sua pergunta não tinha nenhum sentido, pois
era p’ra lá de evidente que nem ele nem sua mulher, nem seus
filhos podiam ter sido os autores da pintura1.
Ademais, todos os outros afirmaram peremptoriamente
que nada tinham a ver com a estranha história, tão extrava­
gante e incompreensível que logo os curiosos afluíram da Es­
panha, de Portugal, da Alemanha, da Itália e da França...
UM TÚMULO DEBAIXO DA LAREIRA
Cansado de ser importunado por uma multidão cada vez
mais numerosa e desordeira, um mês mais tarde Juan Pereira
mandou vir um pedreiro que cobriu a pedra do fogão com
uma camada de cimento de uns três centímetros de espessura.
A visão sumiu durante algum tempo mas, à medida em
que o cimento ia secando, a cabeça do fantasma ressurgia do
calcário e finalmente reapareceu tão nítida e colorida como
antes.

1 — George Langelaan, em seu livro Os Fatos Malditos, conta uma


história que se relaciona de certo modo com aquela da Sra. Pe­
reira. A Sra. Euna Lowe de Nassau (Baamas), antes que apa­
recessem viu nas paredes da igreja do Tabemáculo da Boa Men­
sagem as imagens de Cristo, de Buda e de um terceiro perso­
nagem não-identifiçado.
Naquela mesma noite a visão tomou corpo concreto e os rostos
se revelaram ao vivo, podendo ser vistos por todos.

135
Belmez de Ia Moraleda — Esta cabeça apareceu pela primeira vez
sobre a pedra da lareira.

136
A pedra da lareira da casa encantada, cortada por um pedreiro, foi
colocada na cozinha onde os Pereira a adornam de flores como uma
sepultura.

Em seguida nas cinzas surgiu uma cabeça de velho mag-


nificamente desenhada.
Isto era demais e já estava acabando com a paciência dos
Pereira, que decidiram pôr um ponto final de uma vez por
todas: em outubro a laje foi cortada e, escavando debaixo do
fogão, o pedreiro descobriu um túmulo de 2,60 m de profun­
didade, de onde retirou, misturados com a terra, alguns ossos
humanos.
Lembraram-se então que a casa havia sido construída no
século passado sobre o lugar de um antigo cemitério da época
de Felipe IV (1650), o que explicava a presença de restos hu­
manos, mas não resolveu de modo algum o problema.
O buraco foi tapado novamente e o fogão reconstituído
inteiramente com cimento fresco.
Pareceu então que a aparição fora vencida e que deixaria
de vir infernizar os homens e durante um mês não houve
nenhuma novidade.

137
Maria fizera colocar num canto da cozinha a laje cortada
e devotamente a ornava de flores conforme se costuma fazer
com pedras tumulares.
AS SOMBRAS FALAM

No dia 15 de novembro, sobre o cimento novo apareceu


um novo rosto, maior que o anterior. Era menos nítido mas
indubitavelmente se reconheciam nele os mesmos traços.
Levou oito dias para assumir as formas completas de um
desenho, ao mesmo tempo em que as miniaturas de rosto pa­
reciam nascer dos cabelos sob forma de guirlandas ou, como
disseram alguns, "na disposição de um sistema planetário
cuja figura central era o sol”2.
Todas estas representações são muito expressivas; dir-
se-ia que as bocas querem falar, revelar um segredo. Há evi­
dências de dor, de horror nos olhos e nos traços. O efeito é
desagradável. Todos os rostos têm dois traços debaixo do
nariz.
Chagados a este estado de coisas, os milagres da casa
encantada não podiam senão despertar uma intensa curiosi­
dade e levar a Belmez de la Moraleda, além de amadores do
pitoresco, jornalistas e especialistas em ciências ocultas.
O vigário da pequena cidade, Pe. Antônio Molina, negava-
se a atribuir um caráter sobrenatural às aparições; mas, em
contrapartida um futurólogo e radioestesista, Sr. Rafael La-
fuente, de Málaga, declarou-se convencido de que se tratava
de uma manifestação do além que se materializara por meio
de um médium. Que médium seria este? Não quis declinar
o nome, mas a todos era claro e evidente que a morena e ar-
redia Maria não devia — inconscientemente — ser alheia ao
negócio.

O jornal Pueblo se fez porta-voz da pesquisa e enviou ao


local, além de seus repórteres, um arqueólogo, um químico e
um parapsicólogo, Sr. Germano de Argumosa, provido de um
magnetofone capaz de registrar ruídos não perceptíveis aos
ouvidos... o que não deixa de parecer um tanto inquietante!

2 — O rosto central parece surgir de uma espiral em movimento cen-


trípeto, ao passo que as figuras de querubins evocam um movi­
mento centrífugo, como se estivessem destacados da imagem
principal.

138
Belmez de la Moraleda.
Cabeça de ancião.

139
Como era de se esperar, à meia-noite o aparelho mira­
culoso do Sr. Germano captou na casa dos Pereira informa­
ções interessantes... se é que podemos dar-lhes crédito3.
Vejamos o que teria registrado:
— Lamentos — os transes do amor — uma respiração
ofegante.
— um grito estridente parecendo ser emitido por uma
mulher.
— estas palavras: “no habe... mujeres...no quiero...
pobre quinco” (não... ter... mulheres... não quero...
pobre quinco).
— Borracho! Aqui no accepto borrachos! (Beberão! Aqui
não aceito bêbados!).
— os gemidos de uma criança moribunda.
— Va con todos los hombres (ela vai com todos os ho­
mens) .
— Entra, mujer, entra. .. (Entra, mulher, entra).
E como que uma sonorização de fundo, escreve o Pueblo
de Jaen, ouviam-se "ruídos e sons que lembram a sexualidade,
as brutalidades, a bebedeira e percebia-se o palavrório desbo­
cado de lupanas e discussões e, também, choros horríveis de
bebês. Talvez estivessem massacrando-os!

A CASA ESTA ASSOMBRADA


Estes acontecimentos e estas pseudo-mensagens expedi­
das pelas Sombras não deixaram de suscitar comentários e
formar lendas.
“Ouviu-se dizer que justamente a casa dos Pereira, a de
n.° 3, fora palco de fenômenos parapsicológicos.
Um certo Lopez Sanchez, primo dos Pereira, vendeu-a
porque nela fora sempre perturbado por ruídos estranhos,
visões fantomáticas e deslocamentos de objetos. Certa vez as
roupas de sua cama foram violentamente arrancadas.

3 — As testemunhas que assistiam ao registro do acontecimento:


Juan e Maria Pereira e o prefeito de Belmez não perceberam
nenhum ruído, nenhuma palavra. Por conseguinte, seria preciso
admitir que a fita magnética era mais sensível do que o ouvido
humano, o que geralmente não acontece, ou então que as «enti­
dades do além» fizeram o registro direto da ferrita.
Por outro lado, salvo coincidência fantástica (e por que não?),
se as entidades falam sem cessar, então o Sr. Germano teve uma
grande sorte de sintonizar com uma emissão desde a primeira
tentativa.
Certas testemunhas, depois de considerarem as coisas, acredita­
ram ouvir «um lamento à glória do Todo-Poderoso»!

140
A casa mudou muitas vezes de donos, todos eles silencian­
do os estranhos incidentes a fim de não prejudicar a venda.
Só divulgaram os fatos quando os retratos apareceram na
pedra...
Diz-se também que dois homens lutaram até à morte no
lugar onde se produziram as aparições4”.
Na pequena cidade (2.500 habitantes) afirmavam logo
que os retratos falavam!
OUTRO ROSTO APARECE
Nossos amigos Jean e Denise Larroque, de Málaga, foram
a Belmez de la Moraleda para fazer uma averiguação por sua
própria conta.
“O primeiro rosto que se desenhou, escreve Denise Lar­
roque,5 foi cortado na pedra do fogão e este tipo de pintura
foi colocado perto da parede sob uma placa de vidro de
proteção.
Uma outra placa foi destacada da mesma forma na chapa
do fogão, mas a imagem que aí se desenhou não se vê pro­
priamente e sim dela se faz uma idéia, pois parece que se vai
desfazendo com o correr dos dias.
Apresenta um velho de barbas compridas, muito bem
desenhado, como se fosse pela mão de um Leonardo da Vinci.
Interroguei Maria Pereira.
Esta senhora de cincoenta e três anos parece sincera e
sustenta que as explicações pseudo-científicas dos jornalistas
do Pueblo são destituídas de fundamento. ”
— Eu estava fritando ovos na frigideira, disse ela, quan­
do diante do fogo, no próprio piso, apareceu a primeira fi­
gura.
Fiquei com muito medo e chamei meus filhões e os vi­
zinhos. Procuramos limpar o cimento, mas a imagem conti­
nuava lá e resistia a todo tipo de detergente.
A aldeia inteira acredita nestas aparições e tomou partido
contra os jornalistas que por várias vezes tiveram que deixar
o local sob os apupos dos habitantes.
Os apontamentos do Sr. Germano não são levados a sé­
rio nem pelos Pereira nem por seus vizinhos que afirmam que
se ouve algum ruído fora do comum na casa.

4 — Relatado por Pueblo e por Lumières dans la nuit — Mysterieux


objets celestes (Luzes da noite — Misteriosos objetos celestes).
Les Pins, 43400 — Le Chambon-sur-Lignon.
5 — Denise Larroque é a autora de uma obra intitulada La Padène,
aldeia da Gasconha.

141
Maria Pereira é uma senhora esquisita e parece muito
impressionada com o fenômeno.
A polícia e os habitantes de Belmez bem como as autori­
dades locais julgam-na incapaz de semelhante trapaçaria.
Belmez de la Moraleda, linda cidade situada num conjunto
agradável, possui um excelente hotel com um parque, o que
levou os céticos a propalar que o assunto podia ter sido mon­
tado com toda a encenação a fim de criar uma nova Fátima
ou uma Lurdes!
Contudo, o vigário, Pe. Antônio Molina, declara alto e
bom tom que o fenômeno é absolutamente alheio à religião.

RAIOS ULTRAVIOLETA

Como explicar estas estranhas aparições pictoriais?


Realmente, só podemos aventar hipóteses, todas elas
mais ou menos relacionadas com as comunicações entre o
mundo dos vivos e aquele dos mortos, no caso naturalmente
de afastarmos a hipótese de tapeação.
Certamente, eliminamos como errôneos ou fraudulentos
os registros feitos em fita magnética, mas é difícil contestar a
autenticidade das figuras, tendo em vista que nenhum dos
membros da família Pereira não desenha suficientemente bem
para ser delas o autor.
Para o jornal Pueblo a explicação seria de ordem cientí­
fica.
O químico do jornal, Sr. Ângelo Vinas, é de opinião que
as aparições seriam o resultado de uma combinação química
de cloreto de prata — Ag C1 — e de nitrato de prata — Ag NO3.
A reação: 2 Ag Cl + 2 Ag + Cl se produziría sob a ação
da luz ultravioleta.
A prata natural pode tornar-se escura em combinação
com o hidrogênio sulfurado — H2S — que encontramos no ar.
Mas, por força de que milagre a disposição dos corpos
químicos pode desenhar rostos humanos?
Como poderíam os Pereira, simplórios e iletrados, ter
realizado a operação? O Sr. Vinas omite a explicação deste
mistério!
EXISTIRÍA ALGO SUPRANORMAL
A hipótese de uma manifestação supranormal, sem ser
absolutamente convincente, contudo melhor se presta para
satisfazer um espírito que trabalha com a lógica das coisas.
Existiría um médium na família dos Pereira, que deve
ser sem dúvida Maria.

142
Inconscientemente, "por fixação dos seus pensamentos
em entes desaparecidos” ela teria podido fazer aparecer as
imagens.
Esta a opinião do Sr. Joaquim Grau, conhecido parapsi-
cólogo da Espanha, que se omite sob o nome de Uttama Sit-
kari.
No domínio da especulação podemos ir mais longe.
Em tempos idos, disposições de ondas do pensamento
emitidas em circunstâncias particularmente dramáticas pude­
ram encerrar-se numa espécie de nó do tempo (universo sin­
gular)6 sob a influência de uma fonte exterior de energia, ao
invés de se propagarem no espaço-tempo.
Em nossos dias, circunstâncias propícias, elementos quí­
micos disponíveis, o poder catalisador de um médium teriam
então disposto um arranjo à maneira como se ordenam as
linham de limalha de ferro na extremidade do ímã.
Pode-se inclusive pensar numa disposição figurativa de
elementos elétricos, postos em funcionamento pela distorsão
e pela vontade inconsciente de um médium que serve de de­
tector ou de transmissão .
A casa dos Pereira (outra hipótese) é um lugar propício
às materializações e à influência particular das correntes elé­
tricas que poderiam agir com inteligência e vontade criadora
para ressuscitar situações e cenas do passado.
A solução mais livre do problema consiste, com efeito, em
imaginar a ação de uma força inteligente natural ou sobrena­
tural (o que acaba dando do mesmo) para revelar um segredo,
libertar uma consciência, determinar o estabelecimento de
um diálogo entre o além e o aquém.

CORRENTES TELÚRICAS E MATERIALIZAÇÃO


Encarando-se as coisas sob este prisma, a matéria dita
inerte7 teria feito antigamente o registro magnético e fotográ­
fico de cenas ou de acontecimentos de grande intensidade
que se teriam desenrolado no local.

6 — Nosso universo seria (no mesmo sentido) um grande pensa­


mento encerrado num círculo do qual não poderia escapar. In­
tensas fontes de energia existentes em toda volta garantiríam
o fechamento do círculo.
7 — Note-se que o solo da região de Jaen contém o minério prata
e chumbo: o sulfureto natural do chumbo — Pb S — que é a
galena cujos cristais são utilizados como detectores em TSF
(Telégrafo Sem Fio).

143
Para que o registro se efetuasse, talvez tenha sido sufi­
ciente uma excepcional coincidência eletromagnética (inter­
ferência nos comprimentos de ondas do tempo?).
A Natureza tem uma inteligência e possui uma vontade
de se exprimir, de participar da vida e dos cuidados dos
homens.
O objeto fabricado, mesmo o cimento, pode manifestar
a sua inteligência e o seu pensamento quando merece con­
fiança e quando é posto em sintonia com o seu meio ambiente.
Esta a razão porque em certos lugares, em certos locais a co­
munhão é tão perfeita e tão harmoniosa que tudo floresce,
tudo cura, tudo é bem sucedido8.
Então, a matéria dita inerte vibra, entra em contacto ínti­
mo com um detector (galena, médium) e, por meio dele, com
o homem cuja natureza é na realidade fundamentalmente
idêntica à sua.
Os destinos quase paralelos e complementares unem-se
então e eis que se estabelece um diálogo.
Na crença dos ocultistas, é características das correntes
telúricas favorecer um tal fenômeno, mas, se estas correntes
estão ausentes dos lugares da materialização, outras forças
podem substituí-las.

A CRIAÇÃO DE UM MUNDO
Pode-se imaginar um pensamento encerrado em espécies
de “ferritas orgânicas” que, à medida que se vão decompondo
e transformando, libertam este pensamento criador de fenô­
menos supranormais9.

8 — O inverso é igualmente verdadeiro.


Quando as correntes telúricas não mudam de lugar, existem
«predestinações dos lugares»; é assim que o vício se cristaliza
em volta de Subure, de Montmartre ou em Las Vegas, que o
dinheiro em Paris quer se amontoar rumo à praça da Bolsa,
que o comércio se concentra e desenvolve no Sentier e que a
especulação intelectual tem seu lugar preferido na margem
esquerda.
9 — Os cientistas e notadamente o físico Jean Charon admitem que
a onda do pensamento ou da inteligência pode curvar-se até
fechar-se em círculo e ficar prisioneira por si mesma na pro­
ximidade de campos de força.
Quando por acaso ou por necessidade o círculo se entreabre,
então a inteligência ou o pensamento se liberta. Leiam a ex­
posição desta tese no capítulo XIV.

144
Ou então, aprisionado num círculo fechado, o pensamen­
to acaba adquirindo uma energia enorme e criadora ( que vai
transformar-se numa espécie de divindade) que engendra a
eclosão de elementos materiais inteligentes dotados de uma
lembrança cromossômica que os liga a uma vida anterior.
Ê como uma verdadeira criação de um mundo e talvez
seja desta maneira que o universo se cria.
A energia criadora ou pensamento assim libertado esboça
então esquemas (desenhos) relacionados com o pensamento
de um universo destruído.
Um processo análogo (ação fisiológico-patológica, histe­
ria) atua na criação natural dos estigmas. Haja vista em
Teresa Neumann e nas pessoas neuróticas ou muito beatas.
Teresa Neumann pensava nos estigmas de Cristo e a in­
teligência do seu organismo celular (exterior à sua inteligên­
cia consciente) reproduzia a imagem nos lugares adequados.
Da mesma forma uma mulher histérica, que se enamora
por uma vedete de cinema, se ela pensa ou aspira a uma iden­
tificação (o que em geral não se dá), poderia fazer aparecer
a imagem idolatrada sobre uma parte do seu corpo.
Poderia ela fazer aparecer esta imagem em outro lugar. ..
por exemplo sobre uma laje de cimento? Isto talvez não fos­
se impossível, mas os biofísicos nem sequer estudaram a even­
tualidade .
Tratar-se-ia então de uma transferência e quase de uma
transformação10.
O mistério de Belmez de la Moraleda poderia estar ligado
e ser atribuído a um tal fenômeno de transmutação do pensa­
mento e de projeção do desejo.

10 — A excelente dançarina de estilo hindu Nyota Inyoka (por vol­


ta de 1938), embora nascida na Vandéia, conseguira com êxito
modelar seu corpo, seu rosto, até mesmo sua mentalidade, con­
forme a imagem de uma verdadeira indiana de Bombaim ou
de Tiruchirapalli.

145
Capítulo IX

AGPAOA — O ROMPE-BARREIRAS

Desde 1971 um filme a cores circula nas salas de projeção


particulares e vem intrigando ao mesmo tempo os homens de
ciência e os especialistas do supranormal.
Se é que a película registrou imagens autênticas, então
se pode dizer que o documentário é sem dúvida o mais extra­
ordinário que jamais foi feito desde que o cinema foi inventa­
do. Se no entanto se trata de uma tapeação, custou muito
caro, sem um fim lucrativo patente e constitui a prova de
resto de uma ciência do misterioso desconhecido que ultrapas­
sa de muito as magia do conde de São Germano.
SUAS MÃOS ENTRAM NAS CARNES COMO SE
ENTRASSEM NA AGUA
Tony Agpaoa, um filipino de Baguio, pequena cidade si­
tuada ao norte de Manilha, recentemente realizou uma viagem
de propaganda mística pela Europa e no México.
De qualquer maneira é um enviado extraordinário de uma
seita do seu país cujos membros, muito crentes e dados às
disciplinas ascéticas, são todos “curandeiros espirituais” ou
logurgos.
Para eles Deus, que está em toda parte, propaga-se em
campos de força por cuja interferência o impossível assume
um sentido zombeteiro. É embebendo-se neste potencial di­
vino que recebem poderes supranormais, dentre os quais
aquele de curar da maioria das doenças.
— Em nossa seita, diz Agpaoa, devemos ter uma fé inque
"brantável e saber que tudo é possível com a ajuda de forças
espirituais.

146
Congresso internacional de parapsicologia em Campione, Itália.
Da esquerda para a direita: Eng. Ettore Mengoli, Dr. Giuseppe Crosa.
prof. Marcei Martiny, o prefeito de Campione e o Dr. Hans Naegeli,
de Zurique. Todos afirmam a autenticidade dos milagres.

Com estes princípios fora do racional e absolutamente


contrários às leis do nosso universo, o filipino pratica inter­
venções cirúrgicas incríveis, que foram filmadas em Manilha
pelo cineasta Juan Blanche, na presença do Dr. Naegeli, de
Zurique, e de numerosas testemunhas.
Pois bem, estas testemunhas, que presenciaram a apre­
sentação e viram como se desenrolavam as operações, agora'
põem em dúvida a objetividade do seu sentido e a autentici­
dade das imagens registradas, tão fantásticas são elas ... que
raiam pelo milagre!
Em resumo, mostram um logurgo mergulhando suas
mãos nuas no interior do corpo dos seus doentes, sem praticar
incisão alguma, e extirpar os tumores ou as partes afetadas.
Quando ele retira suas mãos, as carnes voltam a fechar-se tão
misteriosamente como se abriram e não fica nenhum sinal da
intervenção.
O doente está curado! E mais espantoso ainda: o autor
desta façanha não chega sequer a saber o que foi que fez!
— São as forças desconhecidas que agem, diz ele, e são
elas que comandam meus dedos!
Compreende-se agora porque mesmo com o filme como
prova as testemunhas se perguntam se não foram joguetes
de uma alucinação!

147
O logurgo (curandeiro) filipino Tony Agpaoa
UMA PROVA SÓ
AS CHAGAS ABREM-SE E TORNAM A FECHAR-SE
Eis como a reportagem descreve uma operação de tumor
filmada em 1971
“Numa espécie de anfiteatro ao ar livro, quatro escadas
voltadas para os pontos cardeais descem até uma pequena
cabana (ou altar) muito simples, com quatro entradas gran­
des, o que dá um campo de visão mais ou menos perfeito, se
tirarmos as quatro traves dos ângulos.
O curandeiro desce pela escada do norte e o doente, pela
do sul; os parentes, os ajudantes de cirurgia, os cineastas e as
testemunhas se servem das outras escadarias.
Os cineastas ocupam um lugar recuado para poder fil­
mar à vontade, utilizando os refletores que clareiam a cena.
Nada portanto deve escapar à objetiva do seu aparelho e as
testemunhas têm toda facilidade para controlar a operação.
O curandeiro está costumeiramente vestido com um blu-
são branco de mangas curtas, fechado na frente com pequenos
botões. Não usa máscara e às vezes carrega anéis em suas
mãos nuas 12.
Entra em recolhimento mental, toca ora a cabeça ora o
pléxus solar antes de efetuar a operação 3.
O doente, em perfeito estado de consciência, jaz deitado
sobre o altar preparado dentro do casebre e puxa as roupas
até à altura do peito; os ajudantes dispõem um pano branco
e toalhas em volta do campo operatório.
O logurgo não parece procurar o ponto onde está locali­
zado o mal, mas suas mãos começam a apalpar e amassar as
carnes como faria um massagista ou uma dona de casa que
prepara uma massa de bolos.
■Repentinamente ele enterra seus dedos no ventre e, de
olhos fechados, entrega-se a um afã misterioso.
Retira uma massa sanguinolenta que distinguimos perfei-
tamente na ponta dos seus dedos sujos até à primeira falange
e entrega-a a um assistente.

1 — Tratava-se na realidade de diversas operações: duas no abdô­


men e na cabeça e uma no pâncreas de uma doente diabética.
2 — As fotos que reproduzimos apresentam ora Agpaoa ora o lo­
gurgo Marcelo.
3 — O Dr. Eduardo Mathey, de Berna, acha (se as operações não
são contaminadas de charlatanismo) que o fenômeno poderia
explicar-se por uma espécie de entelequia (de entelekheia =
remate ou perfeição) onde agiria a «força vital» dos filósofos
aristotélicos ou vitalistas.

149
Operação no abdômen.

Operação na cabeça. Agpaoa afunda seu dedo indicador


no olho do paciente.
Um segundo assistenté passa-lhe um rolo de algodão com
o qual ele se limpa cuidadosamente.
Todos podem ver ou crer estar vendo a abertura pratica­
da nas carnes sobre as quais reluz feito pérola um pouco de
sangue que limpam com um segundo chumaço de algodão.
Depois, no final de sua intervenção, o logurgo começa a
vibrar no corpo inteiro, especialmente nas mãos que aos pou­
cos vão saindo da chaga aberta, da qual sai um pouco de
sangue rosado muito fluido, seguido de um líquido transpa­
rente. Os dedos se distanciam um pouco mais, a mão passa
de leve sobre a incisão e depois se levanta e eis que desapa­
rece todo sinal da operação.
— É espantoso, disse uma testemunha, o Dr. Ettore
Mengoli.

TRÊS OPERAÇÕES COM MÃO NUA

Eis, de acordo com um jornal de Gênova4, o relato de


diversas intervenções cirúrgicas que se desenrolaram na Itália.
Temos visto — escreve o redator Antônio Pitasi — Ag­
paoa extrair do ventre de um doente um chumaço de algodão
infecto, que havia sido esquecido por ocasião de uma opera­
ção realizada por um cirurgião "científico”, sem que depois
desta extração resultasse alguma cicatriz.
Um dos participantes de nossa pesquisa ficou livre, pelo
curandeiro, de dois módulos hemorroidais no comprimento
de cinco centímetros cada um, por simples penetrações no
ânus.
Em seguida lhe apalpou o abdômen e, pelo mesmo pro­
cesso de penetração direta no ventre, com a mão nua, extir­
pou uma aderência que provocava uma oclusão intestinal.
Agiu assim em três intervenções sucessivas, sem lavar as
mãos, e não houve nenhuma infecção.

AS EMANAÇÕES DE KIRLIAN

Quando a 27 de março de 1971 o Dr. Hans Naegeli-Os jord,


eminente prático de Zurique, apresentou seu filme sobre os
"curandeiros espirituais” ao III Congresso Internacional de
Parapsicologia de Campione, na Itália, os presentes ficaram
estupefatos.

4 — Rivista Italiana di Metapsichica, Corso Firenze 8, 16136, Gêno­


va, Itália, número do dia 11 de outubro de 1971.

151
Plano ampliado de uma operação com mão nua.

Jamais algum especialista do desconhecido, do supranor-


mal e do insólito havia assistido a uma manifestação desta
ordem que enfeixava as mais delirantes antecipações de Edgar
Poe e de Jerônimo Bosch.
— As imagens que estais vendo não foram viciadas por
nenhuma irregularidade, disse o Dr. Naegeli, e eu sou fiador
de sua autenticidade. Em seguida o filme foi projetado di­
versas vezes em Lausanne e em Zurique.
O testemunho do Dr. Naegeli-Osjord, psiquiatra, presi­
dente da Schweitzer Parapsychologische Gesellschaft e mé­
dico de fama internacional5, não merece nenhuma dúvida

5 — O Dr. Naegeli está preparando a respeito do problema dos


curandeiros filipinos um estudo que aparecerá em seu livro
Imago Mundi, vol. IV.
Ver também uma obra sobre a parapsicologia, do Dr. Hubert
Larcher, do Instituto Metapsíquico de Paris e Wonderhealers
of the Philippines, do Dr. Sherman, de Londres, Psychic Press,
1967.

152
quanto à sua boa-fé. Deveriamos aceitá-lo sem reticências,
crer na palavra do doutor, se o racionalismo — quer o quei­
ramos quer não — que condiciona cada um de nós, não se
insurgisse contra um fenômeno que a razão pura não pode
aceitar.
É verdade que esta razão, hostil ao milagre por princí­
pio, não teme arrastar-nos para o erro quando as sacrossan­
tas instituições da ciência são impotentes para dar uma ex­
plicação.
É bem verdade, ainda, que, se somos reticentes em crer
nos milagres feitos pelos logurgos, no entanto somos de uma
credulidade beata naquilo que se relaciona com a ciência clás­
sica: acreditamos nos prótons, nos elétrons, nos mésons, sem
jamais tê-los visto!
Vejamos como o Dr. Naegeli relata aquilo que testemu­
nhou, o que verificou e como é que ele interpreta as inter­
venções cirúrgicas.
Para abrir as carnes à distância, o "curandeiro espiritual”
emprega o seu dedo ou o dedo de uma outra pessoa (se lhe
dá o poder que é uma espécie de mana6).
Diversas vezes me prontifiquei pessoalmente para a ex­
periência que controlei na presença de duas pessoas que me
acompanhavam. Não se trata de uma trapaça.
O fenômeno é idêntico àquele das Injeções espirituais no
qual a aparência simbólica de uma injeção com uma seringa
provoca um bucaro na epiderme, com aparecimento ou não
de sangue.
Agpaoa e trinta outros curandeiros das Filipinas mergu­
lham realmente suas mãos no corpo dos doentes.
Creio na autenticidade do fenômeno que não encontra
ainda explicação éabal nas ciências naturais.
Aquilo que costumamos chamar de Emanações Kirlian
entram provavelmente também em ação, mas não traz uma
explicação para tudo”.
As "emanações Kirlian” seriam ondas de alta freqüência
irradiadas pelo psiquismo humano. Os meios científicos oci­
dentais não as conhecem, mas os russos nelas se interessam
com o escopo de conseguir a retirada dos órgãos à maneira
dos curandeiros filipinos.

6 — O mana é um poder misterioso atribuído às estátuas da ilha


de Páscoa. Corresponde à kundalini dos hindus, ao flúido de
certos taumaturgos.

153
A CIRURGIA ESPIRITUAL (PSYCHIC SURGERY)

Estes últimos, que praticam a psychic surgery (cirurgia


espiritual), são conhecidos em seu país há uns trinta anos.
Seus métodos foram estudados desde 1960 pelo Dr. Hiro-
shi Motoyama, de Tóquio, pelo inglês Sherman, pelos médicos
russos e pelo Dr. Naegeli.

Todos estes especialistas da questão afirmam categoricamente


a autenticidade do milagre

O único ponto obscuro no assunto é o comportamento


de Agpaoa, que comercializaria seu poder.
Segundo informações vindas do México, o curandeiro não
pediria nenhum pagamento, mas aceitaria donativos que va­
riam entre 50 a 500 dólares por operação (Cr$ 300,00 a Cr$
3.000,00). Ademais, ele teria organizado um importante ser­
viço de fretamento para seus clientes, com destino a Manilha.
No Brasil um "curadeiro espiritual" de nome Zé Arigó
faz operações de maneira quase análoga, mas em estado de
transe e servindo-se de uma faca muito afiada à guisa de
bisturi.
Zé Arigó alega que é telecomandado pelo espírito de um
médico alemão que faleceu no Rio de Janeiro em 1944, o "Dr.
Fritz”. .. nome que parece no mínimo estrangeiro, banal...
e pouco sério!
As operações realizadas pelo brasileiro foram todavia con­
troladas pelo professor americano A. Puharich, mas para dizer
a verdade temos poucas informações sobre este caso.
Por sua vez o Dr. Naegeli dá crédito aos milagres dos
curandeiros filipinos e garante que as operações são feitas
sem assepsia, sem anestesia, em doentes em estado de insônia,
sem auxílio de bisturi, unicamente com as mãos que efetuam
a ablação e a terapêutica de cura instantânea.
É certo, diz ele, que a mão mergulha diretamente no corpo
como se este fosse um fluido e extirpa os tecidos doentes e os
tumores; quando a mão se retira, as carnes ficam de novo
intactas, sem cicatriz nem hemorragia.

SERIA UM LEGADO DOS EXTRATERRESTRES?

Esta ciência, completamente fora das normas dos conhe­


cimentos clássicos, embora nossas palavras não consigam ex­
plicar e a nossa consciência não aceite, é possível que finque

154
suas raízes numa ciência extraterrestre legada há milhares de
anos pelos Iniciadores vindos do céu.
Efetivamente, os curandeiros filipinos agem por virtude
de segredos transmitidos por tradição aos bruxos Igorots das
ilhas do norte que, há 15.000 luas, foram visitados pelos deuses
Kabunians que desceram do céu em bolas voadoras.
É a partir desta época que esses curandeiros andam im­
punemente sobre o fogo e praticam sua cirurgia miraculosa
pelo único poder das forças biomagnéticas de suas mãos.
Segundo o Dr. Naegeli, eles não entram em transe —
salvo exceção — mas preparam-se (da mesma forma que para
caminhar sobre o fogo), entoando cânticos uma noite inteira
e rezando durante todo um dia. Suas intervenções nunca
passam de dois ou três minutos.
“Às vezes, diz o prático suíço, do corpo enfeitiçado ex­
traem pelos, barbantes, cabelos, objetos de matéria plástica
e até... dentes de alho!
Eu mesmo vi pessoalmente um curandeiro extrair três
dentes de alho da nádega de um doente. Guardei um desses
dentes como lembrança.
E possível que algumas operações sejam falseadas, mas
a meu ver isto só acontece raramente, e nunca na capela das
invocações espirituais onde as intervenções são todas elas
incontestavelmente honestas e verídicas.
De mais a mais, existe sempre a possibilidade de se veri­
ficar, de examinar: os curandeiros não se opõem a este tipo
de controle; até pelo contrário.”

LEVANTA-SE A PONTA DO VÉU

Talvez o Dr. Naegeli levanta a ponta do véu quando apre­


senta as intervenções sob uma luz singular que deve refletir
de fato a verdade, pelo menos sob o plano da cura.
Em suma, tratar-se-ia de operações puramente psíquicas
nas quais interviriam uma ciência paranormal e dimensões -—
senão um universo — que os físicos não conhecem, mas que
por vezes esfloram as idéias dos matemáticos e dos biolo-
gistas.
"Há diversos tipos de intervenções, precisa o Sr. Naegeli.
Alguns curandeiros não fazem incisões nas carnes, nem pelo
milagre das emanações Kirlian nem com um bisturi. Tudo
se passa como num universo paralelo."

155
"Estes cirúrgicos espirituais desmaterializam o mal7, por
exemplo um tumor que, transmudado em ondas ou em partí­
culas subatômicas extremamente peneti-antes do gênero dos
neutrinos 8, atravessa as carnes e a epiderme para remateria-
lizar-se exteriormente, em nosso universo conhecido, sob forma
de exsudação.
Esta purulência se aloja então numa cavidade que apa­
rece espontaneamente, em geral sobre a parede abdominal.
0 conjunto destes fenômenos, somente admitidos em me-
tapsíquica, implicaria portanto uma desmaterialização, uma
transmutação, uma telequinésia e uma rematerialização.
O mesmo processo atua nas experiências de metapsíquica
com os médiuns e é justamente um médium que é o curan­
deiro.
A fim de dar uma explicação para este tipo de portento,
o Dr. Naegeli sugere a intervenção de uma corrente bioelétrica
que emana do prático e particularmente dos seus dedos. Esta
corrente, pouco estudada pelos que se dedicam à ciência,
constituiría o elemento complementar e indispensável para
que se produza um efeito supranormal.
Entre os hindus este poder misterioso se chama a kunda-
lini e acha-se em estado desenvolvido nos chacras, ou centros
espirituais, situados na medula espinhal.
"No próprio interesse da ciência contemporânea, diz o
Dr. Naegeli, seria de se desejar que esta cirurgia espiritual
exercida por pessoas sem intelectualidade desenvolvida fosse
estudada e verificada pelos biologistas, o que sem dúvida al­
guma ampliaria os limites ainda estreitos dos nossos conheci­
mentos racionais.”

ILUSIONISMO E MAGIA

Entre as tribos da Amazônia e certamente naquelas da


África e da Oceania os feiticeiros extirpam o mal que se ins­
talou num doente, aparentemente da mesma maneira.
Deitam fora com jactância um pedaço de carne ensan-
güentada que se julga terem extraído do corpo do paciente
e os espectadores destas cenas mágicas, via de regra crédulos

7 — As testemunhas das experiências viram, somente duas ou três


vezes, os curandeiros sair dos tecidos correspondendo a lipo-
mes ou a outros tecidos que correspondiam à histologia da
medicina clássica.
8 — Neutrinos são partículas subatômicas de massa praticamente
nula, que atravessam todos os corpos opacos.

156
e pouco evoluídos, estão prontos a jurar de mãos e pés jun­
tos, pela operação9.
Testemunhas mais circunspectas têm aventado a possibi­
lidade de tratar-se de trapaça que se reduz a uma simples
habilidade de prestidigitação.
Na França curandeiros imitavam outrora Agpaoa e talvez
pratiquem ainda a sua arte a qual, salvo equívoco, não está
inquinada de nenhuma artimanha.
A Sra. R., da Ilha Jourdain (Vienne), nos contou que
quando era jovem seu marido tivera uma enorme inflamação
que formava como uma bola, no pescoço, mais ou menos em
cima da veia aorta.
Foi procurar um curandeiro — falecido mais tarde —
da aldeia de Ages que afirmou poder livrá-lo rapidamente
do mal e tirou de seu bolso uma faca visivelmente afiada com
cuidado.
Como o jovem senhor tinha medo, pensando que fosse
haver uma incisão, o curandeiro lhe disse:
— Não tenhas medo, não vou nem te cortar nem te ferir.
Se queres, tu mesmo podes colocar a tua mão sobre a infla­
mação.
Postado a uns dez centímetros de distância da carne, o
curandeiro fez menção de fazer uma incisão ou talvez tenha
realizado num gesto de magia. Em seguida disse:
— Podes ir embora. Quando chegares em casa teu mal
virá a furo e estarás curado.
Mais ou menos uma hora depois, quando ia chegando
em casa, o Sr. R. sentiu alguma coisa quente que escorria
pelo seu pescoço. Levou a mão ao lugar e a retirou cheia de
sangue.
O abscesso, ou mais exatamente a inflamação, estava su-
purando, desinchava-se e em pouco tempo o pescoço voltou
ao seu aspecto normal.

OS RACIONALISTAS CONTESTAM

Queremos crer que expusemos com honestidade os fatos


e as explicações propostas por aqueles que assistiram às in­
tervenções cirúrgicas dos curandeiros filipinos.

9 — O professor italiano Granoni, neurocirurgião, mandou analisar


o «sangue» que os logurgos fazem jorrar por incisão «espiri­
tual»: não era sangue!
Em contrapartida, no Japão certas análises foram positivas;
outras revelaram que se tratava de sangue de porco!

157
Estas operações miraculosas referidas pelas imagens de
diversos filmes tirados, quer por Juan Blanche quer pelo ci­
neasta M. Fuchs, suscitaram reações contraditórias.
Naturalmente, os racionalistas —- e talvez não estejam
equivocados — acreditam que se trata de tapeação e não admi­
tem que as leis rígidas da ciência sejam postas em dúvida.
No estado atual das nossas experiências e dos nossos co­
nhecimentos científicos, dizem eles, é impossível que uma
mão possa penetrar num corpo como se este fosse um fluído
ou uma pasta mole.
Isto vale acreditar no “rompe-barreiras" e na permeabi­
lidade de toda substância, o que é inaceitável para um físico.
Podem os logurgos fazer um braço atravessar uma parede,
atravessar uma blindagem de tanque? Se podem, que o façam;
pois sim, claro que não conseguem!
E no entanto, num filme de M. Fuchs vimos Tony Agpaoa
cortar uma fita adesiva de 7 cms de largura e feita de quatro
camadas superpostas, quer com o seu dedo pontudo quer
com a ponta da língua e sem tocar o objeto.
Se este relato corresponde com a verdade, como conci­
liar as explicações aventadas: as “emanações Kirlian”, elétri­
cas, ondulatórias, presumidas de alta freqiiência e o fenômeno
que se parece completamente diferente da desmaterialização
e da rematerialização?
Este o raciocínio daqueles que contestam os fatos e, di­
gamo-lo: o milagre!
Então, se queremos crer nisto, forçoso é pensar num mis­
terioso desconhecido, num poder que seria conferido aos “ci­
rurgiões espirituais” com possibilidade de transmiti-lo, como
foi o caso para o Dr. Naegeli.
Quem daria este poder? Deus ou os “Kabunians” antigos?
Por que esse Deus, ou as entidades desconhecidas que
seriam suas emanações, não confere esse poder ao papa? Por
que não o deu a Jesus ou aos santos das diversas religiões?
O problema é um verdadeiro quebra-cabeça, sem expli­
cação satisfatória: os racionalistas negam os fatos, mesmo
que os tenham testemunhado, os crentes confiam na autenti­
cidade de seu testemunho visual e nas experiências das quais
têm sido os sujeitos, mas nenhum, tanto num quanto no
outro, não tem certeza em sua opinião!

158
AS APARÊNCIAS ENGANAM ...

.Frisamos de novo, não questionamos a sinceridade do


Dr. Naegeli que é um sábio irrepreensível; contudo, alguns
pormenores permitem refletir e pensar no sentido da sus-
peição.
Não existe unidade de explicações: ora as carnes são cor­
tadas, ora a operação se reduz a um simulacro com processo
de intervenções supranormais. Não há nunca ablação de um
órgão, como a ressecção de um intestino lo.
Que as células ou as fibras doentes se condensem em ma­
téria purulenta numa bolsa e apareçam por milagre, é lógico.
Tudo deveria sair no estado imaterial e conservar este estado
para melhor desaparecer!
Encontrar pelos, barbante, cabelos e objetos de plástico no
corpo de um doente ... eis o que deveria deixar o doutor de
Zurique com pulga atrás da orelha; mas extrair três dentes
de alho, não se sabe como alojados na nádega é coisa que
está fora de dúvida que se trata de prestidigitação e de char-
latanice caracterizada e canhestra.
Seja como fór, estes "cirurgiões e espirituais” de Ma-
nilha são desconcertantes!
A testemunha destas tretas de empalmação foi vítima de
abuso ao menos neste caso, e esta constatação lança uma
mancha indelével sobre o conjunto dos fenômenos.
É bem verdade que às vezes o Dr. Naegeli deixa entrever
a sua incerteza, por exemplo quando ele diz que “algumas
raras operações são viciadas por truques” e quando ele sugere
e chega mesmo a exigir o controle dos biologistas!
Por fim, temos o comportamento estranho de Agpaoa;
ele, que se arroga tanto espiritualismo, que é de qualquer
modo o mensageiro de sua seita — e sem dúvida o arauto —
não receia envolver-se em negócios do mais impuro mate-
rialismo!
Ademais — e isto naturalmente se deveria verificar —
se dermos crédito aos relatos oriundos do México, grande
número de "clientes” do curandeiro afirmam “que ele é um

10 — Em alguns casos teria havido ablação. Certos jornais alemães


adiantaram que Agpaoa operava em simulacros de carne em
matéria plástica dispostos sobre o corpo dos doentes, com o
consentimento deles ou sem eles o saberem. As fotos não pa­
recem corroborar esta tese.

159
charlatão, que finge operar e fazer a troca dos órgãos, mani-
pulando com destreza vísceras de animais”11.
Eis-nos pois diante dum beco sem saída: ou acreditar no
Dr. Naegeli e nos médicos que, como ele, com a mesma hones­
tidade, controlaram as operações miraculosas, ou então per­
filar a opinião das personalidades científicas que negam una­
nimemente a autenticidade do filme e das intervenções cirúr­
gicas.
É certo que um ilusionista hábil como o é na França o
célebre Kassagi poderia facilmente ser substituído por Agpaoa,
pelo menos no que tange as curas, se é que elas existem.
Ê menos certo que o misterioso desconhecido dos pode­
res humanos e da ciência intrínseca, muito diferente da ciência
condicionada das disciplinas oficiais, escapa às nossas per­
cepções e esbarra com uma hostilidade absurda em nossa
civilização.
E como não almejar a vitória de Agpaoa, do milagre enfim
demonstrado, e o advento dos tempos em que o homem, re­
tornando àquilo que talvez tenha sido sua via original, saberá
passar como um neutrino através das muralhas e ver com
seus olhos os mistérios dos universos ocultos.

A MÚMIA DA CRIPTA HERMÉTICA

A par desta história de penetrabilidade da matéria é in­


teressante trazer, uma outra que diz respeito à pequena mú­
mia americana de Pedro Mountain. Num romance policial,
o fino da bossa consiste no “mistério do quarto fechado”:
um cômodo fechado com ferrolho por dentro com a vítima
estirada no chão, apunhalada no coração por um golpe que
a matou instantaneamente!
Por onde passou o assassino? Como pôde ele praticar seu
crime?
Pois bem, além daquele das Filipinas, o misterioso desco­
nhecido nos apresenta às vezes enigmas deste gênero a elu­
cidar.

11 — Informação tomada da La Tribune de Genève no dia 18 de


setembro de 1972. Em compensação, em Zurique quatro pes­
soas operadas em Manilha testemunharam a eficácia das in­
tervenções., qualquer que fosse a sua natureza.
A Sra. Sangemann, assistente médica alemã que conduz grupos
de doentes às Filipinas, assistiu a mais de três mil operações
que tiveram êxito na proporção de 72%.

160
Em outubro de 1938, operários que trabalhavam numa
pedreira de Pedro Mountain12 nos Estados Unidos abriram
uma mina numa penedia monolítica de granito que não apre­
sentava nem falha nem fenda, pois tiveram que furar um bu­
raco com picareta para introduzir a carga de dinamite.
Blocos caíram no fundo da pedreira e deixaram a desco­
berto na parede, perpendicularmente, uma gruta com 5 metros
de comprimento
Dois homens penetraram nela e, para sua maior surpresa,
sentada no chão encontraram uma pequena múmia da altura
de 22 centímetros, com pele bronzeada, cabeça baixa e nariz
achatado.
O conservador do museu de Boston, a quem foi levada
para exame, declarou que era do tipo daquelas que se desco­
brem no Egito, com a particularidade de que não estava en-
faixada.
O professor Henry Fairfield deu a esta múmia o nome
e classificou-a entre os hominídeos que
de hesperopithecus 1314
viveram no plioceno, período final da era terciária que vai de
— 10 a 1 milhão de anos.
Sua tese não foi admitida pelos historiadores clássicos
da pré-história e a pequena criatura foi esquecida na vitrine
de um museu dos Estados Unidos H.
Certamente é permitido contestar os milhões de anos de
idade que se atribuem à múmia, mas como explicar que ela
tenha podido ser colocada — ou que tenha vivido — numa ca­
verna situada em meio a um granito compacto?
Como pôde ela entrar nesta cavidade hermeticamente fe­
chada?
Voltamos então ao milagre de Agpaoa, a um misterioso
desconhecido que escarnece do nosso racionalismo: a possi­
bilidade incrível que certos seres teriam de atravessar a ma­
téria densa, de ser “rompe-barreiras”.

12 — Pedro Mountain fica a 100 quilômetros de Kasper, no Estado


de Wyoming.
13 — Hesperopithecus = macaco do poente, ou melhor, macaco das
hespérides.
14 — O Sr. Enrico Luigi Boni, de Verona, possuiría uma foto da
múmia e o endereço do museu em que a mesma se encontra.

161
Capítulo X

O MISTERIOSO DESCONHECIDO DO FOGO

Se enterrar a mão no corpo de um paciente, conforme


parece agir Agpaoa, constitui um milagre incrível, que pensar
dos seres extraordinários que têm o poder de dormir no fogo
sem ser queimados?
Testemunhos dignos de fé atestam esta outra forma do
impossível, mas antes de abordá-la nos parece indispensável
lembrar uma tradição antiga e combustões misteriosas que
têm uma certa relação com o assunto.

OS ESTRANHOS INCÊNDIOS

Há 2.550 anos o grande rei Nabucodonosor II mandou


erigir para si — diz a lenda — uma estátua de ouro diante
da qual todos os caldeus deviam prostrar-se.
Ananias, Misael e Azarias, três jovens hebreus do cati­
veiro da Babilônia que se recusaram a obedecer a esta ordem,
foram lançados num fogo tão ardente que consumiu os sol­
dados idólatras encarregados de alimentá-lo com lenha.
Quando as chamas se extinguiram os três jovens saíram
vivos da fogueira, incólumes e entoando ações de graças a
Jeová: o Senhor os protegera!
Surpreso com este prodígio, Nabucodonosor cobriu os
miraculados de presentes e proclamou o poder do verdadeiro
Deus!
Infelizmente o milagre não se produziu para os infelizes
jogados nos fomos crematórios de Auschwitz ou calcinados
pelo napalm no deserto do Sinai.

162
Também o grande incêndio de Chicago, na noite de 8
para 9 de outubro de 1971, não poupou as vidas humanas e
permaneceu um mistério jamais esclarecido.
Múltiplas combustões surgiram em pouco tempo por
toda parte na cidade como se tivessem sido provocadas
por malfeitores ou por... anjos exterminadores!
Seguiu-se uma verdadeira "tempestade de fogo”, que pro­
jetou assombrosos clarões vermelhos e verdes absolutamente
sobrenaturais.
“Jamais se encontrou nem a causa nem sombra de
explicação, escrevem J. W. Sheahan e G. P. Upson *; havia
alguma coisa no ar que alimentava este fogo que não era
como os outros.”
— No dia 2 de julho de 1951 a Sra. Reeser — de 78 anos
de idade — de Saint Petersburg, na Flórida (USA), morreu
queimada em seu apartamento em condições extremamente
esquisitas.
Perto de sua janela aberta foi encontrada a sua poltrona
ou, melhor, o que dela restava: as molas ainda quentes; uma
tomada de corrente, velas sobre o fogão haviam-se fundido, o
vidro de um espelho estava rachado e as paredes, a um metro
acima do chão até o teto, estavam cobertas de fuligem ou de
sinais de um calor violento.
Da Sra. Reeser não restavam senão cinco a seis quilos
de cinzas, o pé esquerdo, algumas vértebras e seu crânio en-
carquilhado.
Outro fato estranho: com exceção de uma pequena marca
de queimadura, o tapete sobre o qual repousavam esses restos
ainda fumegantes estava intacto!
O médico legista, o professor Wilton Forgman, declarou
que em sua vida jamais dera com um caso tão obscuro.
Para se obter um semelhante resultado teria sido neces­
sário um calor normal de 1.500 graus centígrados. Mas, o
que pensar do tapete e dos objetos não queimados que se
achavam na parte baixa do quarto, isto é, ao rés do chão e
até à altura de um metro?

1 — History of the great conflagration, de J. W. Sheahan e G. P.


Upson — No incêndio de Chicago ficaram destruídas pelo fogo
17.500 casas.

163
FOGO MISTERIOSO

De acordo com a Agência Francesa de Notícias, nume­


rosos casos de combustão espontânea têm sido observados e
controlados.
Em 1930 um pesquisador americano, Peter Vesey, que
estudava este fenômeno, foi descoberto por sua esposa intei­
ramente consumido, mas em seu escritório nada havia sido
atingido pelo fogo.
Idêntica constatação em 1938, a bordo do navio inglês
Ulrich, ao largo das costas da Irlanda: o corpo do piloto,
John Greeley, estava completamente queimado, mas seus cal­
çados não estavam e seus instrumentos de navegação, ao al­
cance de sua mão, não tinham sido afetados com o calor.
No mesmo dia — coincidência ou indício — um carre­
gador roteiro morreu carbonizado em seu caminhão tombado
numa vala, mas na cabine onde seu cadáver foi encontrado
não se observou nenhum traço de incêndio!
Numerosos outros fogos análogos, igualmente misteriosos
e com efeitos incompreensíveis, poderiam ser citados sem
com isto trazer a menor luz ao mistério.
Em seu romance Bleak House (1852), Charles Dickens
afirma que estudou trinta casos de combustão deste gênero.
Para destruir um corpo humano é preciso colocá-lo du­
rante várias horas num fogo ardente cujo calor seja pelo
menos de 1000°.
Na índia, no Nepal e no Ceilão se valem de fogueiras
enormes ou freqüentemente providas de combustível para
incinerar os corpos dos defuntos e mesmo assim nem todos os
ossos são consumidos.

SENTENÇA DE DEUS OU DO DIABO?

A inofensiva salamandra passava outrora por incombus­


tível e o seu nome foi dado ao amianto, ao silicato de cálcio
e de magnésio que têm realmente esta propriedade.
Pois bem, em muitas "caminhadas sobre o fogo”, que
são bem autênticas entre os búlgaros e os povos das Filipinas,
da Oceania e da África, parece que até mesmo em nosso Oci­
dente, há pessoas que podem viver impunemente por muito
tempo nas chamas sem ser aparentemente incomodadas.
Este misterioso desconhecido é tão incrível ouanto aquele
de que Agpaoa é o protagonista e no entanto, de igual modo
que no caso do curandeiro-bruxo, é difícil pôr em dúvida os
controles oficiais que têm sido feitos do fenômeno.

164
Já na Idade Média assistia-se às Sentenças de Deus ou
ordálias, que teriam demonstrado o estranho poder, ou da
divindade ou dos condenados às provas.
Tratava-se às mais das vezes de segurar na mão uma
barra de ferro benta, de aproximadamente três quilos, a qual
era aquecida na medida da gravidade da culpa (e a situação
social do acusado), às vezes até ficar vermelha.
Era guardada ritualmente na igreja, onde aquele que era
submetido à prova jejuava durante três dias, assistia a missa
e comungava.
Depois de jurar solenemente que era inocente, ele devia
levar a barra queimante e dar alguns passos.
Se ao cabo de três dias não se notasse nele nenhum sinal
de queimadura, então era declarado inocente.
Às vezes era preciso passar pelo fogo.
Conta-se o caso de Pedro Igneo ou Pedro do Fogo, reli­
gioso de Valombrocca (Itália) o qual, com as vestes sacerdo­
tais, passou são e salvo sobre um braseiro ardente, no meio
de duas fogueiras acesas, e voltou para dentro dela a fim de
apanhar o seu manipulo (faixa de pano que o sacerdote leva
pendurada no braço esquerdo, quando celebra a missa) que
havia deixado cair.
Strabon (livro XII) fala das sacerdotisas de Diana que
caminhavam sobre carvões ardentes, sem se queimar, para
provar que eram puras.
Santo Epifânio relata que sacerdotes do Egito esfrega­
vam o rosto com certas drogas e em seguida o mergulhavam
em caldeiras com água fervendo, sem aparentemente sentirem
a menor dor.
Diz a crônica que um "charlatão” de nome Gaspar d Tou-
ravant no século XVIII percorria as províncias e lavava as
mãos com chumbo derretido, como o faria com a água.
Não é preciso mais nada: por si só já está julgado!
Charlatão, o homem que se lava as mãos com chumbo
fundido (327°)?
Realmente, como diz o bom senso popular: experimente
quem quiser!
Na presença dos convidados da Srta. Douglas, o médium
inglês Home transportou num lenço que não se queimou um
carvão que ele alimentava aceso soprando por cima.
Ilusionismo? Talvez, mas ainda assim seria preciso pro­
vá-lo!

165
O DIÁCONO PARIS

Já não estamos mais no século da crença.


Um crente, ainda que fosse o papa, não teria mais a co­
ragem edificante de caminhar sobre o fogo! O que se passa
em Lurdes é ridículo, derisório, pois os únicos milagres que se
dão é de se poder chegar lá sem acidente rodoviário ou ferro­
viário; mas no século XVIII havia ainda homens e senhoras
que tinham uma fé invencível: os jansenistas.
Eram evidentemente perseguidos pela Igreja, o papa ful­
minava-os e lançava contra eles a bula Unigenitus2, que tinha
por fim impor a verdade nua, romana, apostólica e obriga­
tória.
Houve então contendas apaixonadas, perseguições religio­
sas e, como sói acontecer em casos semelhantes, milagres não
tardariam a produzir-se.
"Quando se espera por prodígios, escreve o Sr. H. Mar­
tins, eles sempre vêm!”
E eles vieram, por intercessão do diácono Páris, devoto
ascético e dado a êxtases, que era muito contrário à bula do
papa, porquanto era jansenista.
Na verdade, o bom do diácono era a caridade personifi­
cada; despojava-se de tudo em favor dos míseros e com mais
freqüência do que a si mesmo dava seu pedaço de pão a quem
tivesse mais fome do que ele.
Sua finalidade era interesseira, concordamos: ganhar o
céu, mas mesmo nisso... "é preciso dar um jeito”!
Para resumir: Páris morreu no dia l.° de maio de 1727
em seu tugúrio do subúrbio de Saint-Marceau, quando a per­
seguição se achava em seu paroxismo e então o fanatismo
dos jansenistas "se exaltou, transformou-se em delírio, lou­
cura e mais tarde loucura de permeio com depravação3”.
Foi a época dos famosos convulsionários.
Doentes vinham arrastar-se sobre o túmulo do diácono,
deitavam-se na terra "sagrada”, comendo dela e atribuindo-lhe
virtudes medicinais extraordinárias e divinas.

2 — A bula Unigenitus, promulgada pelo papa Clemente XI, impu­


nha a regra papal a propósito de uma querela fútil que opunha
os jesuítas aos jansenistas.
3 — Michelet: História da França.

166
OS MILAGRES DA HISTERIA

Houve curas ditas milagrosas, o que provocou um afluxo


fantástico de crentes, leprosos, cegos e paralíticos.
“Frêmitos eletrizavam estas multidões animadas da mes­
ma paixão": eram os sobejamente conhecidos egregórios dos
ocultistas.
Então, mulheres se levantavam, com o rosto transfigu­
rado; outras rompiam em soluços ou davam gritos estriden­
tes .. . Depois sobre esta multidão sensibilizada ao extremo
chegava a hora das crises de nervos, dos espasmos convulsi­
vos, das exaltações seguidas de êxtases.
Por fim, no auge da histeria, os enfermos, os paralíticos
e os entrevados se levantavam, caminhavam, os cegos enxer­
gavam, os mudos recobravam a palavra!
Diz-se mesmo que doenças estranhas ao sistema nervoso,
como câncer e úlceras, desapareceram subitamente.
Estes fatos, estes milagres estão consignados nos escritos
do cardeal de Noailles, arcebispo de Paris, “homem de cari­
dade, de fé e de compaixão”.
As exibições fornecidas pelos convulsionários tornaram-se
no fim indecentes e cruéis.
As mulheres, escreve o Sr. H. Martins, executaram o pa­
pel principal nestas cenas onde se combinavam as excitações
histéricas e os fenômenos de insensibilidade que a elas habi­
tualmente estão ligadas.
Em nossos dias, no teatro Hair e nos surboums de Saint-
-Germain-des-Prés (São Germano dos Prados) produzem-se as
mesmas histerias e os mesmos casos de insensibilidade, de
quase invulnerabilidade, poder-se-ia dizer.
No cemitério de São Medardo as mulheres ladravam, mia­
vam ou davam pulos, "deixavam-se pisotear o corpo e bater
nele com violência, submetiam-se à prova do fogo, à espeta-
ção e a milhares de outras torturas e acreditavam encontrar
nisto consolações divinas”.

MULHERES CRUCIFICADAS NUAS

Pessoas se perfuravam os membros com adagas e espeti-


nhos de ferro, naturalmente sem tomar nenhuma precaução
de assepsia e disso nunca resultavam conseqüências mortais
e nem mesmo infecções.
Outras rolavam nuas nos braseiros de fogo e deles saíam
babando, com os olhos nas órbitas, delirantes, mas sem quei­
madura.

167
"Foram vistos quatro ou cinco homens de pé, com todo
o peso do seu corpo sobre uma jovem estendida no chão na
qual em seguida batiam com achas, sem que ela experimen­
tasse o menor sofrimento."
Diversas mulheres lindas, e mais lindas ainda em sua
transfiguração, quiseram a todo custo ser crucificadas nuas,
à imagem de "Nosso Senhor”.
Deixaram que lhes enfiassem as pontas de ferramenta
de carpinteiro nas palmas de suas mãos abertas e pregar os
seus pés um em cima do outro, sem aparentemente experi­
mentar dor, quando o Messias, talvez menos crédulo do que
elas, “sofreu um martírio espantoso”!4
Senhoras crentes exaltadas que muitas vezes depois da
crucificação reclamaram, foram diversas vezes pregadas sobre
uma cruz, "a fim de desagravar com sua penitência a conduta
depravada de Luís XV e de sua corte de nobres devassos sem
escrúpulos e sem consciência, mas adeptos da bula Unige-
nitus”.
Voltaire escreveu um veredito sumário sobre estas cenas
cujo caráter, ao mesmo tempo histérico e esotérico, desafiava
a sua sagacidade.
"Sabeis vós, escreveu ele, o que é um convulsionário? É
um desses energúmenos da escória do povo que, para provar
que uma certa bula do papa está errada, andam por aí afora
fazendo milagres de casa em casa, castigam as jovens sem
lesá-las, batendo nelas com achas e com chicote em nome do
amor de Deus e vociferando contra o papa."

DEUS ESTÁ PROIBIDO DE FAZER MILAGRES

Que são convulsionários:


Histéricos, possessos, mártires, inspirados?
Sim, pode ser, mas na realidade restava tentar uma ex­
plicação para os seus milagres!
Com efeito, produziam-se milagres, milagres verdadeiros,
estúpidos, inúteis, incríveis!
Esses histéricos em convulsões precisavam de remédios,
de "medicação”, de socorros, é o que se dizia, nestes casos
particulares; e eram-lhes administrados de dois tipos: em do­
ses grandes e em doses pequenas!

4 — É curioso notar que todos os anos, tradicionalmente, e em mi­


lhares de outras ocasiões, há homens que se divertem ou se
condenam à crucificação como teria sido com Jesus. Parecem
não sofrer com esta prova em si inútil e estúpida.

168
Os grandes socorros consistiam em batidas com achas,
com pedra, com martelo, com limpador do fogão, com espa­
da, desferidas sobre e em diversas partes do corpo.
Os pequenos socorros, menos eficazes, poderiamos dizer
análogos à homeopatia dos nossos dias (tudo é relativo!), li­
mitavam-se a bastonadas, pontapés, esmurrações, pisotea-
mentos, bofetadas e outros maus tratos.
A título de consolo uma mulher se dava cem golpes de
acha sobre a cabeça, no ventre ou nos rins.
“De outras que tinham os seios cobertos, torciam-se os
mamilos com tenazes até o ponto de desfigurá-los.”
Nesse pesadelo de atos de loucura e de histeria parece
que se teriam produzido milagres verdadeiros, pois em tomo
deles se discutiu em pleno Parlamento. Os teólogos e os dou­
tores da Sorbona examinaram por sua vez os caracteres, as
causas e os resultados e, não querendo atribuir a Deus a pa­
ternidade dos fenômenos, garantiram “que o demo exercia
um certo poder sobre a natureza e, até certo ponto, o poder
de operar prodígios”.
Os jesuítas acabaram fazendo com que fossem interdita­
das as cenas alucinantes do cemitério de São Medardo, o que
permitiu aos bons espíritos jansenistas ter, seja como for, a
palavra final com um célebre epigrama:

POR ORDEM DO REI, A DEUS É PROIBIDO FAZER


MILAGRES NESTE LUGAR.

MARIA SONNET DORME SOBRE O FOGO

Se o caso de Agpaoa causou admiração aos suíços e aos


italianos e provocou uma suspeita legítima, o assunto dito de
Maria Sonnet, a Salamandra, foi ainda mais extraordinário
e devemos perguntar-nos se neste caso o milagre não seria
real.
A história foi contada pelo conselheiro Carré de Montge-
ron, que viveu na época dos convulsionários, e mais recente­
mente por Olivier Leroy5.
Pois bem, por volta de 1730 uma plebéia de nome Maria
Sonnet, conquistada para a heresia jansenista, em matéria de

5 — Carré de Montgeron: A verdade dos milagres, 1737-1748, três


volumes.
Olivier Leroy: Os bomens salamandias, Desclé de Brouwer et
Cie., editores.

169
façanhas deixou para trás aquelas já bem fantásticas que se
desenrolavam no cemitério de São Medardo.
Vestindo somente um pano branco, deitava-se ela sobre
fogueiras ardendo e aí adormecia sem nada sofrer durante o
"tempo necessário para assar um pedaço de carne de carneiro
ou de vitela”.
Paris inteira teve oportunidade de assistir a este milagre
e as testemunhas, que podem ser tidas como dignas de fé,
lavraram um documento em boa e devida forma.
Eis o texto do processo verbal que data de 12 de maio
de 1731:
“Nós, abaixo-assinados, Francisco Desvernays, padre dou­
tor em teologia da casa e sociedade da Sorbona; Pedro
Jourdan, licenciado da Sorbona, cônego de Bayeux; milorde
Eduardo de Rumond Perth; Luís Basílio Carré de Contgeron,
conselheiro no Parlamento; Armando Arouet, tesoureiro da
Câmara Comercial; Alexandre Roberto Boindin, cavaleiro;
Senhor de Boibessin: Pedro Pigeon, cidadão de Paris; Denis
Villat, cidadão de Paris; J. B. Comet, cidadão de Paris; Luís
Antônio Archambault e Amable Francisco Pedro Archambault,
seu irmão, cavaleiros certificamos que vimos, nesta data de
hoje, entre oito e dez horas da noite, a chamada Maria Sonnet
em convulsões, com a cabeça apoiada num tamborete e os
pés noutro, estando os ditos tamboretes inteiramente nos dois
lados de um grande fogão e debaixo do manto desta. Seu
corpo pairava no ar por cima do fogo que era de uma vio­
lência extrema. Ela ficou nesta posição pelo espaço de trinta
e seis minutos, em quatro vezes diferentes, sem que o pano
em que estava envolta se queimasse, de vez que estava sem
roupa, embora a chama às vezes passasse acima, o que nos
pareceu completamente sobrenatural. E, pela fé que o fato
merece, assinamos neste dia de hoje, 12 de maio de 1731.
Assinam: (seguem-se os nomes anteriores). Ademais, cer­
tificamos que, enquanto estávamos assinando o presente cer­
tificado, a dita Sonnet voltou novamente ao fogo na maneira
acima descrita e ali ficou durante nove minutos, parecendo
dormir em cima do braseiro que estava em chama viva e ti­
nha quinze tições de achas e de um pau queimados durante
as ditas duas horas e um quarto.”

NA CONFLUÊNCIA DO FÍSICO E DO PSIQUISMO

Olivier Leroy, que estudou em profundidade o fenômeno


da incombustibilidade do corpo humano, estabelece um para­
lelo entre Bernadete de Soubirou e Maria Sonnet.

170
Quando estava em êxtase, Bemadete podia colocar sua
mão na chama de uma vela durante um quarto de hora, con­
forme o constatou, de relógio na mão, o doutor Dozous, e
os dedos não apresentavam nenhum sinal de queimadura.
Em estado normal Bernadete dizia que a chama a quei­
mava se a vela fosse aproximada somente durante dois
segundos.
"É certo, diz Olivier Leroy, que o comportamento do ho­
mem no fogo oferece algo de absolutamente excepcional. ..
Por que o mundo das leis físicas não teria seus ornitorrincos
e seus peixes voadores? Por que sobretudo não admitir, visto
que a experiência o sugere, que estes excêntricos sejam nor­
mais na confluência do físico e do psíquico?”
Para o Sr. E. Mengoli, diretor de Metapsichica, "com os
métodos da ciência tridimensional não é possível verificar a
veracidade dos fenômenos que se passam num mundo qua-
tridimensionai .
É neste sentido que ele julga que a penetrabilidade da
matéria opaca pelas mãos de Agpaoa e que a incombustibili-
dade de Maria Sonnet podem pertencer a uma ultrafísica,
cuja recente descoberta do fogo sem calor nos dá a intuição.
É preciso igualmente fazer uma distinção entre Agpaoa
verdadeiro curandeiro-ilusionista, que enganava suas testemu­
nhas sobre os detalhes da intervenção cirúrgica, mas que
curava o doente, como se a operação tivesse sido verdadeira,
e Maria Sonnet que, ao que parece, se deitava de verdade
sobre um fogo ardente.
Por uma razão que nos escapa, ou este fogo não irradiava
calorias, ou então o corpo de Maria Sonnet se tomara mo­
mentaneamente incombustível, talvez por um efeito de exal­
tação ou de fé que neutralizava as leis físicas mais bem es­
tabelecidas.

O IGNORANTE ZOMBA DAS LEIS FÍSICAS

Existiríam diferentes naturezas de homens? aqueles que


são protegidos pelo Senhor (ou pelo demônio!) e os pagãos
que não o são?
Está fora de dúvida que as religiões têm sempre tentado
provar que elas se dedicam ao verdadeiro Deus, suscitando
milagres e notadamente aquele da incombustibilidade do cor­
po humano, instituindo as ordálias ou sentenças de Deus por
meio do fogo; mas não é menos evidente que em nossos dias
e para nossos registros científicos os mistérios do fogo e da

171
invulnerabilidade constituem o apanágio somente dos "selva­
gens", isto é, dos pagãos.
Sem dúvida, existem na Bulgária e na Grécia alguns
anastenárias" ou caminheiros do fogo que são tutelados da
pia Helena e do devoto Constantino, mas sabemos que as
crenças desses fanáticos nada têm de cristão, e muito pelo
contrário, pois trata-se de celebrar o antigo culto de Diôniso,
que tem 3000 anos e, por conseguinte, muito anterior a Jesus.
Acontece, porém, que no século XX os seres evoluídos e
cultos — um biologista, um matemático, um bispo, um chefe
religioso hindu ou um grande teólogo do islamismo, todos eles
pessoas que conhecem perfeitamente as regras da física —
são incapazes de andar sobre as brasas ardentes, de deitar-se
sobre uma fogueira ou de atravessar uma parede.
Em contrapartida o ignorante, aquele que não é um
crente na religião da ciência, isto é, aquele que ignora as leis,
os teoremas, os postulados da química e da física, eis que este
pode zombar destas leis, pelo menos até um certo ponto.
O homem "natural” pode ter conceitos e poderes que nos
parecem supranormais porque seus pensamentos não foram
reduzidos a uma forma sistemática e formados (ou deforma­
dos) nas leis, nos quadros e nos imperativos de nossas inven­
ções e de nossas convenções científicas.
Conseqiientemente, sua natureza, sua fisiologia e sua psi­
cologia são diferentes das nossas e este homem "natural”
pode evoluir em seu universo como no seu evoluem o pássaro,
a raposa ou a abelha com suas leis físicas próprias, diferen­
tes, e com faculdades que nos parecem muitas vezes miraculo­
sas, como o sentido misterioso da direção e da adivinhação.
Em outros termos: os milagres, quando autênticos, per­
tencem a um misterioso desconhecido que é um universo
paralelo.

172
Capítulo XI

OS LIVROS SIBILINOS E JOANA D’ARC


A Natureza fala uma linguagem sibilina que os homens in­
terpretam a seu bel-prazer, que muito freqüentemente é nocivo.
Em 1971, os jardineiros do Lot-et-Garonne notaram que
as vagens das favas estavam presas em sentido contrário, isto
é, de cabeça para baixo1, o que em suas crendices era um si­
nal de calamidade.
E contudo o ano decorreu sem percalços particulares: o
mau agouro gorou, felizmente!
OS LIVROS SIBILINOS E O FIM DE ROMA
Ê preciso acreditar nos vaticínios? O Grão Mestre dos
Rosacruzes franceses, Sr. Raymond Bernard, em seu livro
Messages du sanctum celeste12 (Mensagens do Sanctum Celes­
te), é de opinião que nenhuma predição é inelutável.

1 — Relatado por Lumières dans la Nuit (Luzes na Noite), Dir. R.


Veillith «Les Pins», 43400 — Le Chambon-sur-Lignon, n.° 115.
2 — Edições Rosacrucianas, Fazenda da Rosacruz, Rua Gambetta 54
e 56, 94190 — Cidade Nova de São Jorge.

173
"Todo rosacruz sabe — escreve ele — que a lei do
triângulo é fundamental e se aplica a todos os domínios, do
mais sutil ao mais tosco, no universo visível e invisível da
criação.
Ela diz respeito, por conseguinte, ao problema das profe­
cias e dos vaticínios, na medida em que ela poderia explicar
não importa que outra questão embaraçosa para o pensamen­
to humano.”
Em resumo, para que se concretize, uma predição deve
estar em concordância com condições estabelecidas, o que não
é sempre o caso.
Na Antiguidade as sibilas gozavam de uma grande fama
e se diz que uma delas, Atenaís, certificou a origem divina
de Alexandre, o que dá grande margem à suspeição!
Na realidade, essas profetisas eram os instrumentos dó­
ceis dos governantes e muitas vezes seus vaticínios eram tor­
nados públicos depois do acontecimento que elas tiveram co­
mo escopo anunciar. Aliás, é o que aconteceu também com
Nostradamus!
Os vaticínios das sibilas eram feitos oralmente ou por
meio de cartas fechadas, ou em folhas volantes.
Os Livros Sibilinos ou Oráculos, em alto apreço primeira­
mente entre os gregos e depois em seguida entre os romanos
e os neoplatonianos, consistiam de três coleções, das quais só
nos chegou uma única e mesmo assim muito falsificada.
A tradição conta como o livro de uma profetisa desco­
nhecida se tornou propriedade de Tarqüínio o Velho (chamam-
no também de Tarqüínio o Soberbo), quinquagésimo rei de
Roma, em 615 antes de Cristo.
Ela se aproximou do rei e apresentou-lhe nove livros os
quais, dizia ela, continham o destino dos romanos e as indica­
ções que se tornava indispensável seguir para que este destino
se realizasse. Como preço ela pedia 300 filipos de ouro, o que
na época era soma considerável.3
Diante da recusa do rei, a sibila queimou três coleções e
pediu o mesmo preço pelos seis volumes que restavam.
Tarqüínio recusou de novo e então a velha senhora quei­
mou incontinenti três livros e manteve o mesmo preço para os
três volumes que escaparam à destruição.

3 — Os filipos de ouro só foram postos em circulação dois séculos


depois de Tarqüínio o Velho! Certamente o autor equiparou a
moeda à sua época.

174
Impressionado diante disto, o rei deu os 300 filipos de
ouro, não pondo mais dúvidas no imenso interesse de que de­
via revestir essa sua aquisição.
No ano 671 de Roma, sob a ditadura de Sila, os preciosos
manuscritos não puderam ser salvos do incêndio que destruiu
o Capitólio.
Em 76 antes de Cristo, três deputados foram incumbidos
pelo Senado de reconstituir o teor dos antigos livros de orá­
culos, que mais tarde o imperador Augusto retocou, antes de
mandar queimar cerca de dois mil deles.
Só conservou os livros ditos sibilinos os quais, recopiados
e dispostos de maneira elegante, foram colocados na base da
estátua de Apoio Palatino.
Conforme crença existente, foram destruídos pelo gene­
ral Flávio Estilicão, de origem vândala, “com vistas a causar
a ruína do império, retirando-lhe o penhor de sua duração
eterna”.
Em nossos dias, fundamentando-se nas profecias perdidas
da sibila de Cume e naquelas de Nostradamus, há ocultistas
que afirmam que no ano 2088 Roma será destruída por um
espantoso incêndio e que da Cidade Eterna não restará senão
um magma fumegante.

FIM DO MUNDO, DESTRUIÇÃO DE


NOVA IORQUE E DE SÃO FRANCISCO
Num livro notavelmente documentado, Josane Charpen-
tier4 faz um recenseamento das profecias do mundo inteiro
desde os tempos mais antigos.
A propósito do fim do mundo a autora lembra um texto
de Berose, tirado dos anais conservados nos templos de Baal:
“Estas comoções naturais chegarão de acordo com o cur­
so dos astros e pode-se prever em que época a conflagração se
produzirá e o dilúvio que daí resultará, pois toda a terra ar­
derá em fogo quando todos os astros se reunirem no signo
de Câncer.”
Quanto à Alemanha, seu destino seria anunciado pela pro­
fecia de Hroswitha, abadessa do convento de Gandersheim, em
Saxe, no século X.
Depois de ter descrito as guerras de 1914-1918 e de 1940-
1945, Hroswitha diz:

4 — Ler: O Livro das Profecias (Le Livre des Prophéties), de Josane


Charpentier; Robert Morei éditeur, Les Hautes-Plaines-de-Mane,
04 — Alta Provença.

175
"Não haverá mais Santo Império e sobre suas ruínas nas­
cerão o império de Cristo e aquele do Anticristo.
A guerra lavrará entre as duas partes da Alemanha e os
inimigos se unirão. Isto durará até ao tempo da Guerra Ver­
melha, prevista no Livro da Cólera, e do Grande Império do
Oriente que verá o último imperador da terra.”
O Anticristo havia sido anunciado outrora pela profecia
da sibila Tuburtina!
"Então da tribo de Dan sairá um príncipe cheio de iniqüi-
dade, que se chamará o Anticristo.
Filho de perdição, cheio de um orgulho e de uma malícia
insensata, fará sobre a terra uma multidão de prodígios em
apoio do erro que ele ensinará; por meio de seus sacrifícios
mágicos surpreenderá a boa-fé de muitos que verão o fogo
descer do céu, ao comando de sua voz.
E haverá uma grande perseguição, como jamais se viu
e jamais se verá.”
Alguns quiseram ver Jesus na pessoa desse anticristo, mas
ele não saiu da tribo de Dan e seria injusto atribuir-lhe os
prodígios e as más intenções inventadas pela sibila.
Mais apropriada aos nossos tempos é a inscrição que data
do século XV, gravada sobre uma esteia do cemitério de Kirby:
“When pictures look alive with movements free,
When ships, like fishes, swim beneath the sea,
When men, outstripping birds shall scan the sky,
Then, half the world deep drenched in blood shall lie.”
que se poderia traduzir assim:
"Quando as imagens parecerem vivas, como movimentos
[livres,
Quando os navios, quais peixes, navegarem por baixo do
[mar,
Quando os homens, sobrepujando os pássaros, escalarem
[os céus,
Então a metade do mundo afundará no sangue.”
O célebre vidente americano Edgar Cayce, que morreu
em 1945, previa a destruição de Nova Iorque em torno de
19705, justamente antes do fim de Los Angeles e de São Fran­
cisco.
Não se produziu nenhuma catástrofe natural ou aciden­
tal; todavia, em 1969 e 1971 em Los Angeles a terra tremeu
com particular intensidade. 6
5 — Em 1944 disse que Nova Iorque desaparecería na próxima ge­
ração, o que dava: 1944 + 25 = 1969. Portanto, Cayce se enganou!
6 — Quando do sismo de 1969 houve 60 mortos em Los Angeles.

176
Os sismólogos sabem que a fenda de Santo André, resoon-
sável pelo terrível tremor de terra que devastou São Fran­
cisco em 1906, é constituída de duas vastas massas rochosas
que se movimentam em sentido contrário (sudeste e noro­
este) debaixo da Califórnia, à razão de alguns centímetros
por ano.
O sismólogo Dom Anderson anuncia que o esmagam en to
dos dois magmas rochosos poderia se produzir por ocasião
da conjunção Sol-Lua-Terra.
ORÁCULOS EM PEDRAS. FIM DE MARSELHA!
Perto de Rennes-le-Château (Aude) existe um montão caó­
tico de rochas. A lenda diz que caíram do céu, jogadas à
terra por um gigante que fez a seguinte profecia:
— Quando estas rochas voltarem a se reunir, o fim do
mundo chegará.
Um ancião da região costumava contar que na sua in­
fância os garotos da aldeia vizinha brincavam de cabra-cega
entre as pedras. Hoje em dia crianças que tivessem um cor­
po do mesmo tamanho teriam dificuldade em passar entre elas.
Quem é que faz com que estas rochas se movimentem?
A profecia do gigante ou o deslizamento de terreno? O fim
' do mundo para logo?
Em todos os casos, os habitantes da aldeia acreditam nis­
to, pois colocaram barras de ferro entre os blocos para impe­
dir que se unam!
No desfiladeiro de Naurouze, a 13 quilômetros a noroeste
de Castelnaudary e a 215 metros de altitude, levantaram um
obelisco à memória do engenheiro Riquet sobre três blocos
de rochas chamadas Pedras de Naurouze. Trata-se de pedras
nuas, com rachaduras, que de acordo com a tradição popular
devem anunciar uma indecência generalizada dos costumes a
que se seguirá o fim do mundo, quando as rachaduras se fe­
charem.
De Novage, vidente do começo deste século, escreveu em
1905 que Marselha seria engolida por uma inundação e agua­
ceiro justamente antes de grandes acontecimentos que muda­
rão a face da terra.
O SINAL DO FIM DO MUNDO
Em 1971 e 1972 uns cinqüenta sinais, representando um
M com a última linha (perna) que descia mais baixa que as
demais e atravessada por uma barra, foram traçados miste­
riosamente nas superfícies planas que balisam as estradas que
ligam Sisteron a Puget-Théniers.

177
O sinal do fim do mundo,
traçado sobre as rotas de
Provence, em 1972.

As sindicâncias efetuadas pela polícia não deram nenhum


resultado, pois este sinal não parecia pertencer nem ao eso­
terismo nem aos antigos alfabetos.
Possui contudo um certo parentesco com o ru taí, o go
javanês, o na japonês, e uma letra que se encontra na esteia
dos semitas-moabitas de Mesa.
Os que acreditam nos OVNIs asseguraram que se tratava
de um sinal traçado pelos Extraterrestres; de fato, este M com
a última perna cortada por uma barra, num feitio vertical,
figura no pretenso alfabeto venusiano e no alfabeto dito “var-
kulets”.
Neste sentido, as conjeturas não podem ir além disto.
O sinal é pintado com muita regularidade, preto sobre
um fundo branco, sem dúvida com auxílio de um escaninho.
O enigma teria ficado insolúvel se não tivéssemos encon­
trado o mesmo desenho num livro intitulado Geheime Wis-
senshcaften (ciências secretas), magische Werke (obras de
magia), de Honorius von Theben, transmitidas por Petrus von
Apono.
Este sinal pertencia antigamente à escrita secreta conhe­
cida somente dos sacerdotes iniciados e destinava-se aos san­
tuários e aos deuses.
Ora bem, por uma coincidência intrigante, o M com a
barra na última perna se relaciona com o planeta Vênus e
significa: fim do mundo ou grande catástrofe terrestre.
Sua origem data sem dúvida do tempo da irrupção do
cometa — há 5000 anos — que devastou a face da terra.
Seríamos tentados a ver nele um mau presságio para a
Provença.. . mas as predições, graças a Deus, têm este deta­
lhe particular: elas quase nunca se realizam!

178
A TELEPATIA DE BLACK
Se a visão do futuro depende de aval, em contrapartida
somos perturbados pelos sentidos misteriosos de certos ani­
mais e por outro misterioso fenômeno que se chama telepatia.
O Sr. Valembois, manobreiro de máquinas numa empre­
sa do Pas-de-Calais, no começo de 1971 saiu de Béthune para
ir trabalhar em outros estaleiros.
Deixara com primos seus o seu fiel Black, um pastor dos
Flandres, não sem pena, pois o homem e o animal estimavam-
se, mas na realidade Black não poderia acompanhar seu
dono em seus deslocamentos contínuos.
No dia 17 de junho, por conseguinte seis meses depois
da separação, o Sr. Valembois, que na ocasião se encontrava
em Châteaurenard nas Bouches-du-Rhônes, ouviu dizer que um
cachorro preto, com ar desconsolado, andava erradio pelas
ruas da aldeia.
Era Black, que ficou todo faceiro ao reencontrar seu dono!
0 cachorro tinha atravessado a França e sem dúvida ha­
via percorrido mais de mil quilômetros para encontrar aquele
que não podia esquecer!
Pormenor mais extraordinário ainda: Black tinha anda­
do até um lugar, Châteaurenard, onde nunca havia estado.
Não pode, pois, tratar-se de instinto de orientação, mas de
uma teleguiagem misteriosa, uma telepatia de cérebro a cére­
bro, porquanto está fora de dúvida que o Sr. Valembois pen­
sava muitas vezes em seu querido companheiro.
Seus pensamentos provavelmente guiaram Black na tra­
vessia da França, como a torre de controle por suas emissões
guia o avião que vai aterrissar.

AS ONDAS DO PENSAMENTO

Se Jesus fez verdadeiramente milagres, é coisa que jamais


saberemos; mas em compensação sabemos de fonte segura que
o messias dos chineses, o presidente Mao-Tsé-Tung, restituiu
a visão a cegos e fez paralíticos andarem.
Certamente, devemos desconfiar da propaganda política,
todavia é verdade que uma equipe de médicos chineses, valen-
do-se do fenômeno do "invisível pensamento de Mao” unido à
acupuntura, em dois anos curou mais de um milhar de ce­
gos, mudos, surdos e entrevados.
Os miraculados, disse a Agência Nova China, dançaram
(1969) no palco de um teatro de Pequim onde expressaram de
todo coração sua admiração "pelo nosso grande presidente”.

179
Depois dos russos, os americanos começam a dar crédito
à telepatia e visam entrar em contacto com os astronautas no
caso de as comunicações eletrônicas serem falhas.
Em suma, tratar-se-ia de substituir um sistema elétrico ex­
perimentado por outro sistema da mesma natureza, mas ainda
desconhecido. O professor russo Kogan adianta que os pen­
samentos podem ser transmitidos por meio de campos eletro­
magnéticos sobre ondas cujos comprimentos extremamente
variáveis vão de 25 a 965 quilômetros.
Experiências bem sucedidas foram feitas entre a Inglater­
ra e a universidade de Los Angeles sobre uma distância de 8.000
quilômetros. Ademais, a NASA confirmou que o médium Olof
Jonsonn havia “adivinhado” as quatro cartas de jogar que o
astronauta Edgar Mitchell tinha tirado de um baralho de vin­
te e cinco cartas, quando ele se achava numa cabine da Apoio,
a 150.000 km da terra. Mitchell, que consentira que fizessem
a experiência com ele, concentrara-se por muito tempo nas
cartas tiradas ao acaso.
Na Itália o psicólogo Inardi deixou os espíritos intriga­
dos ao responder a todas as perguntas que lhe eram feitas
durante um programa televisionado intitulado “Vale tudo”.
Desta maneira ganhou 35 milhões de liras e os telespec­
tadores o acusaram de ler as respostas por telepatia nos pen­
samentos do apresentador do programa, o qual naturalmente
as sabia.
Mudaram o regulamento da emissão, com as respostas em
envelopes fechados que somente eram abertos depois que os
candidatos tivessem falado.
A partir deste momento o Sr. Inardi não foi mais o in­
vencível!

O 3.° OLHO DE JOANA

Será que foi obra de vidência, premunição ou por mero


acaso que Júlio Verne fez partir o seu “obus” em direção à
lua a 100 quilômetros de Cabo Kennedy7?
No Canadá, um vidente que se faz chamar de O Grande
Henrique causa admiração entre o público por predições que
muitas vezes se confirmam.
Em 1972 anunciou que o presidente Trudeau não chega­
ria ao fim do seu mandato e se retiraria da luta política.

7 — Ler de Júlio Verne: Viagem ao redor da Lua (De la Terre à la


Lune, Autors de la Lune) — ed. Hemus.

180
O misterioso desconhecido, condenado, negado pelos ra-
cionalistas sectários, contudo exerceu um papel primordial na
política de todas as nações e particularmente na História da
França.
Não seria nossa Joana d'Arc nacional dotada do tercei­
ro olho?
Por força de que magia reconheceu ela em Chinon o rei
que se havia misturado ao grupo dos seus favoritos?
Isto não foi uma experiência absolutamente convincente,
mas a história da Santa Catarina de Fierbois pertence, em
compensação, na opinião dos cronistas ao domínio do miste­
rioso desconhecido.
Sua urdidura em que a lenda acompanha no começo os
fatos históricos foi escrita pelo cônego Bas e pelo abade Char­
les Pichon, antigo cura da paróquia8.
Uma tradição muito antiga diz que Carlos Martelo, depois
da batalha de Poitiers, depositou no santuário de Santa Cata­
rina de Fierbois a espada que derrotara os sarracenos.
Sete séculos depois deste grande fato, a França se acha­
va novamente em perigo, e desta vez pela invasão das tropas
inglesas do rei Henrique VI e o autêntico soberano do nosso
País, Carlos VII, encontrava-se em situação muito difícil.
E eis que surge a mágica Joana d'Arc, a Donzela, que de­
via inflamar a alma nacional dos franceses e libertar o terri­
tório.
Tudo parecia perdido para a nossa pátria, nessa tarde do
dia 5 de março de 1429, quando os habitantes de Fierbois vi­
ram chegar pea estrada de Loches um pequeno grupo de ca­
valeiros.
O grupo se dirigiu à capela, onde a jovem senhora vestida
com trajes de homem que vinha à frente permaneceu por lon­
go tempo em oração diante do altar dedicado a Santa Ca­
tarina.
Um de seus companheiros, João de Metz, contou então
que Joana d’Arc, filha de cultivadores de Domremy de Barrois,
acabava de ser nomeada chefe de guerra pelo rei Carlos VII
o qual em conseqüência lhe dera "o comando de uma tropa
para a realização de suas promessas”.
Os armeiros de Tours lhe haviam fabricado uma armadu­
ra, os bordadores fizeram seu estandarte, seu cavalo de bata­
lha era um presente do duque de Alençon, mas a Donzela se
recusou que lhe dessem uma espada.
8 — Sainte Cathérine de Fierbois, son histoire, ses monuments e l’é-
pée libératrice, L. Frebinet, impressores, Rua de Rochechouart
75 — Paris — 9e — Junho de 1952.

181
— Esta espada, dizia ela, foi preparada para mim por
minha amiga celeste, Santa Catarina, e ela está na capela de
Eierbois!

A ESPADA MÁGICA

Eis aqui quem era novato e pedia para submeter-se à


prova! Havia muitos ex-votos na capela, uma estátua, vasos
para as flores e genuflexórios para os fiéis, mas de espada,
não havia coisíssima nenhuma!
— Sim! Existe uma, garantia Joana. Aquela que porá
para fora da França o inglês!
Pela minutas do seu processo sabemos como as coisas se
passaram e parece mesmo que a Donzela não teria ido pes­
soalmente a Fierbois como os bons padres escreveram!
Eis o depoimento que foi registrado em Rouen:
"Enquanto me encontrava em Tours ou em Chinon, man­
dei que fossem procurar uma espada na igreja de Santa Ca­
tarina de Fierbois, atrás do altar: encontraram-na logo aí,
completamente enferrujada.
— Como sabia você que essa espada estava lá?
— Essa espada estava na terra, enferrujada; em cima dela
havia cinco cruzes; fiquei sabendo onde estava por meio de
minhas vozes. Nunca havia visto o homem que foi procurá-la.
Escrevi aos padres do lugar que muito me aprouvera ter esta
espada; eles então ma enviaram. Ela não estava enterrada
muito fundo na terra, atrás do altar, pelo que me parece; con­
tudo não sei ao certo se ela estava na frente ou atrás do altar;
mas penso que na ocasião eu escrevi que ela estava atrás.
Logo que foi encontrada o pessoal da igreja a raspou, lá mes­
mo no local, e a ferrugem saiu sem dificuldade. Foi um ne­
gociante de armas de Tours que foi buscá-la. Os padres de
Fierbois me presentearam com um coldre; os de Tours, com
outro; estes dois coldres que mandaram fazer eram um de
veludo vermelho e o outro de pano dourado. Eu mandei fa­
zer um terceiro de couro bem resistente. Quando me prende­
ram eu não tinha mais essa espada. Sempre carreguei comigo
essa espada desde que a recebi até minha partida de Saint-
Denis, depois do assalto de Paris.
— Que bênção você deu ou mandou dar sobre essa es­
pada de que fala?
— Não benzi nem mandei benzer essa espada e eu não
saberia fazê-lo. Eu gostava muito dessa espada, porque ela
foi encontrada na igreja de Santa Catarina de quem sou gran­
de devota.”

182
Joana tinha dito com precisão que a arma mágica estava
marcada com cinco cruzes sobre o escudo, o que a seus olhos
tinha uma importância primordial: ela precisava desta espa­
da e não de outra!
O cônego Bas e o abade Pichon escrevem que a sua origem
é das mais incertas.
As lendas fazem dela ora a arma de Carlos Martelo ora
aquela de Guilherme de Pressigny que a recebera de São Luís
moribundo ou de Godofredo de Bulhão ou ainda do rei René
de Anjou!
Pierre de Sermoise, autor de um estudo apaixonante so­
bre Joana d’Arc9, garante que ela pertencera a Du Guesclin.
Não se sabe o que foi feito da espada mágica. Quando foi
presa em Compiège, Joana não a trazia consigo.
Ela a teria depositado em Saint-Denis ou escondido em
Compiège quando se julgou perdida.
Não possuímos nenhuma relíquia de Joana, dizem os Srs.
Base Pichon, pois os ingleses queimaram seu corpo e lança­
ram as cinzas no Sena, que se tornou santificado desde Rouen
até à sua foz.
Suas armas desapareceram. Este ser angélico voltou para
o céu sem deixar sobre a terra outros traços senão aqueles dos
seus benefícios."

MISTERIOSA JOANA D’ARC


É-nos penoso lançar uma dúvida sobre a mais maravilho­
sa das tradições de nossa história nacional, mas somos deve­
dores da verdade e temos que dizer que a aventura da Don­
zela pode ser considerada como suspeita sob numerosos
pontos.
Para nós, está fora de toda dúvida que Joana foi uma
heroína, é certo que ela contribuiu poderosamente para liber­
tar a França e acreditamos que foi queimada em Rouen; mas,
depois deste ato de fé, seja-nos permitido apresentar os argu­
mentos da parte adversa.
Suas vozes, como ela as chama, enganaram-na, se é que ela
foi mesmo queimada em Rouen, e a maior parte dos seus va­
ticínios não se realizou, salvo quando ela anunciou ao rei, que
se encontrava em Chinon, que ela seria ferida “abaixo do seio”,
o que aconteceu por ocasião do cerco de Orleãs.

9 — Pierre de Sermoise: Les missions secrètes de Jehanne la Pucelle


(As missões secretas de Joana, a Donzela), ed. Robert Laffont,
Praça São Sulpício, 6, Paris, VI'.

183
Joana contou pessoalmente o caso no decorrer do seu in­
terrogatório e a este respeito possuímos um testemunho ir­
refutável.
Foi ferida no dia 7 de maio de 1429.
Cerca de um mês antes, a 12 de abril, um embaixador
flamingo, que se achava na corte de Carlos VII, escreveu a seu
governo uma carta onde encontramos esta frase:
"A Donzela... será ferida com uma flecha diante de Or-
leãs, mas via não morrerá com isto."
A passagem desta carta foi lavrada nos registros da Câ­
mara de Comércio de Bruxelas.
Em compensação quando Joana anuncia que "antes que
se passem sete anos, os ingleses abandonarão um quinhão
maior que não fizeram diante de Orleãs e perderão tudo na
França", a profecia não chegará a ver senão uma justificação
muito imperfeita.
Com efeito, em 1438 somente Paris havia sido libertada!
Mas estas considerações se revestem de pouca importân­
cia diante da mais estranha contestação: todo o assunto Joa­
na d'Arc não passaria de uma mistificação, de um vasto com-
plô montado por uma poderosa conjuração política!
É a tese fartamente documentada, sustentada por Pierre
de Sermoise para quem Joana era a filha natural da rainha
Isabeau e do duque Luís de Orleãs10.
"Subjugada e ao mesmo tempo protegida pelo talento
maquiavélico do Sr. Cauchon, ela escapou à fogueira. Final­
mente, depois de um casamento, que não se consumou, com
Roberto des Armoises”, ela continuou sua missão.
As opiniões dos historiadores acham-se divididas, mas to­
dos reconhecem que o assunto está longe de ser claro!
FILHA DE RAINHA?
As Comptes de l’Hôtel Saint-Pol (Arq. Nacional) falam
que no dia 12 de junho de 1407 (por conseguinte, cinco anos
antes da data presumida do nascimento da Donzela) uma al-
deã de nome Joana d’Arc veio oferecer braçadas de flores a
Carlos VI.
A rainha Isabeau teria tido gêmeos; o rapaz, Felipe, mor­
reu, e a filha Joana teria sido entregue a uma ama de leite em
Domremy na família Darc.

10 — Christine de Pisan, que viveu muito tempo na corte, escreveu um


Ditié (dito) de la Pucelle, onde ela não contesta absolutamente
nada da história clássica de Joana. Seu testemunho é de uma ex­
trema importância, pois Christine de Pisan conhecia muito bem a
rainha Isabeau e era a protegida do duque de Orleãs.

184
Joana teria reconhecido o rei em Chinon, porque era seu
irmão; teria recebido todas as indicações para identificá-lo du­
rante os dias que ela passou nos apartamentos da rainha antes
de ir ter com Carlos VII. Teriam sido os senhores de Poulengy
e de Novelompont que teriam feito dela uma excelente cava­
leira (uma camponesa não teria sabido montar cavalos).
Ela era donzela porque, fisicamente, teria sido ginandrói-
de (hermafrodita).
Sua armadura, que custou 100 liras tornesas (ca. 100
francos), lhe foi oferecida pela sogra do rei; era uma armadu­
ra “real”.
Sua espada pertencera a Du Guesclin que a legara a Luís
de Orleãs, pai presumível de Joana. Tinha sido colocada efe­
tivamente na igreja de Santa Catarina de Fierbois.
Portanto, Joana teria recuperado a espada do seu pai.
QUEM Ê QUE ARDEU NA FOGUEIRA?
Uma crônica do Deão de Saint-Thibaud-de-Metz, relatada
por Pierre de Sermoise, garante que Joana “na cidade de
Rouen, na Normandia, foi aquecida e depois ardeu num fogo,
é o que se quer dizer, mas depois foi provado o contrário.
A Donzela foi conduzida à fogueira, envolta em véu; o
rosto da supliciada estava e ficou encapuzado até o fim.
Seu nome não figura na lista das feiticeiras queimadas em
Rouen de 1430 a 1432, mas nela deparamos com três outras
Joanas: Jeanne-la-Turquenne, Jeanne Vannerit e Jeanne-la-
Guillorée.
Um manuscrito guardado no British Museum diz tex­
tualmente: "Finalmente, queimaram-na publicamente, ou en­
tão outra senhora parecida com ela. Razão porque muitas pes­
soas esposaram e ainda esposam opiniões diferentes”.
Enfim, sabemos que em 1436 m Orleãs uma “senhora dos
Armoises”, que garantia que fora a Donzela, foi reconhecida
por seu irmão Pierre de Lis, por sua própria mãe e pelo te­
soureiro João Bouchet que antigamente a recebera em sua
casa!
A causa do rei da França tinha tanta necessidade de uma
heroína nas dimensões de Joana, que os conselheiros de Car­
los VII lhe suscitaram um visionário, pastor de Gévaudan que
fez também milagres.
Uma obra histórica espanhola, A crônica de dom Álvaro
de Luna, contém um capítulo, o XLVI.°, que leva o título:
Como a Donzela de Orleãs, estando sob os muros da Rochelle,
enviou para perguntar ao rei, e o que o condestável fez por
seu intermédio.

185
Álvaro de Luna era contemporâneo de Joana; viveu apro­
ximadamente de 1400 a 1453.
Estes fatos estranhos, estes testemunhos e estes documen­
tos muitas vezes contraditórios não deixam de ser inquietan-
tes e dariam margem a pensar que a missão de Joana d'Arc
não era talvez tão espontânea e límpida como se quis fazer
crer.

ERA UM ASSUNTO DE MAGIA

Como a pré-história, a arqueologia e às vezes a ciência,


também a história pode em certas ocasiões encontrar um es­
clarecimento evidente na lógica dos fatos, mesmo que estejam
inquinados de esoterismo. .. e sobretudo se estão inquinados
de esoterismo.
A aventura romanesca de Joana d’Arc está toda ela in­
questionavelmente permeada de magia. Desenrolou-se numa
época entregue totalmente à feitiçaria, ao encantamento, aos
enfeitiçamentos, às assembléias de bruxos e às forças de­
moníacas.
Como no tempo dos Césares, é o astrólogo, o adivinho que
na sombra oficia e comanda as decisões.
A história oculta de Joana se desenrolou tendo como ato­
res principais: Joana d'Arc, Inês Sorel, amante de Carlos VII,
Isabeau, mãe do rei, Carlos VII, o duque de Orleãs, Gilles de
Retz e o bispo Cauchon.

Pois bem, todos morreram tragicamente e poderiamos


mesmo dizer: de maneira diabólica, colhidos por choques re­
flexos:
— Joana: queimada como bruxa na fogueira.
— Inês Sorel: envenenada (sem dúvida pelo delfim Luís XI).
— Isabeau: abandonada, desgraçada, desprezada.
— Carlos VII: acabou morrendo de fome.
— O duque de Orlêãs: assassinado por espadachins a soldo
de João Sem Medo.
— Gilles de Retz: justamente acusado de feitiçaria e de alqui­
mia satânica, com missas negras e sacrifícios sangrentos de
crianças, foi esganado e queimado.

186
— Pierre Cauchon: o indigno bispo de Beauvais, "ferido de
morte súbita pela mão de Deus” (escreve Eliphas Lévi), foi
excomungado depois de sua morte pelo papa Calixto IV.
Seus ossos, retirados da terra santa, foram jogados pelo
povo no monturo de lixo.
Mesmo um espírito cético há de convir que a convergên­
cia dos elementos ocultos, quando não diabólicos, não permi­
te crer somente no mero acaso.
Mais de uma centena de outros indícios corroboram estas
coincidências exageradas: as oferendas de Joana ao carvalho
de Bourlemont (ela levava leite para lá), as vozes mágicas ou­
vidas, as defesas contra o diabo, a espada misteriosa, o Bella-
tor que serviu de virtuosa eficácia11 etc.
As visões de Joana e suas profecias pertencem a um mis­
terioso desconhecido, cuja essência talvez seja melhor não
aprofundar se quisermos conservar de nossa doce heroína na­
cional a imagem maravilhosa ratificada pela História.

11 — O Bellator, o maior pedaço da «verdadeira Cruz» que existe no


mundo, de acordo com a lenda estava guardado na abadia de
Charroux (Vienne).
Carlos VII mandou buscá-lo para entregá-lo a Joana que desta
maneira libertou a França dos ingleses, com um talismã de ma­
deira e uma espada má ;ica.

187
FANTÁSTICO

Capítulo XII

A MATER, A LILITH E O HOMEM SUPERIOR

"Deus criou pois o homem à sua imagem; criou-o à ima­


gem de Deus, e criou-os homem e mulher” (Gênese, cap. I,
versículo 27).
Se lermos a Bíblia com isenção de espírito, podemos
crer que o ser humano "prínceps” foi criado hermafrodita: ao
mesmo tempo masculino e feminino, embora no segundo ca­
pítulo do Gênese (vers. 7) se diga com precisão que o homem
foi feito do limo da terra e a mulher (vers. 22) "da costela
tirada de Adão”1.
Sem dúvida foi copiando mal mitos mais antigos, celtas,
egípcios, fenícios, hindus etc. que os autores da Bíblia dos
cristãos disparataram com o assunto.

A MATER HERMAFRODITA

Muito antes dos hebreus, os povos da alta antiguidade re­


verenciavam a Mater na qual viam a mãe da humanidade e
muitas vezes reproduziram-na bissexual, isto é, hermafrodita.
A deusa Mout era ao mesmo tempo Pai e Mãe supremos
dos egípcios: Neit a Antiga era Pai dos Pais e Mãe das Mães
e representavam-na por meio do escaravelho masculino e o
abutre feminino.

1 — Trata-se de um erro de tradução; deve-se ler: a mulher foi feita


de um lado do primeiro ser humano. A palavra cêlá em todas as
{passagens bíblicr.s significa lado e não costa (A Noção de Andro-
ginia, Dr. J. Halley des Fontaines, Paris, 1938).

189
A Ishtar dos assírio-babilônios, deusa das manhãs e das
noites (Vênus Lúcif r e Vênus Vésper), era representada por
uma barba, em Nínive, e o Astartê dos fenícios tinha uma tam­
bém, em Cartago 2.
No livro mais antigo do mundo: a História dos Fenícios,
de Sanchoniathon, se diz que “Os Zophasemin ou Observado­
res do céu, saídos da substância primordial, originariamente
eram andróginos.
Quando as luzes e as trevas se separaram, seus sexos se
separaram” (Preparação evangélica de Eusébio, cap. I, vers.
10).
O Adão de nossa Bíblia, falsificado e mal traduzido, é na
realidade o apelativo da espécie humana novamente criada.
Em Midrasch Shemot Rabba, cap. XX a — Parascha XIV,
cap. XII3, ele escreve:
“Quando Deus criou Adão, este último era homem-
-mulher.”
Segundo Jeromia ben Eleasar, Deus criou o homem andró­
gino (masculino e feminino).
Moisés Maimonide4 diz: “Adão e Eva foram criados juntos,
unidos pelas costas; este ser duplo foi dividido e então Deus
tomou a metade que foi Eva e ela foi dada à outra metade".
Manasseh ben Israel escreveu que a forma de Adão era
dupla: "masculina na frente e feminina atrás”.
Cibele, a mãe dos deuses, era andrógina da mesma forma
que a Afrodite dos gregos que tinha “os atributos do macho
dos quadris para cima e aqueles da fêmea daí para baixo”.
Em Chipre e em Berlim podem-se ver estátuas de Afrodite
barbuda.
Por conseguinte é ponto pacífico que os povos antigos
muitas vezes pensaram que o ser humano primordial era um
andrógino e que a Mater que eles veneravam acima de todos
os deuses tinha ao mesmo tempo um pênis e uma vulva.

2 — A maioria dos deuses antigos são zyzygies (casais divinos insepa­


ráveis).
3 — Citado em A Noção de Androginia do Dr. Jean Halley des Fon-
taines, Paris, 1938.
4 — Maimonide: O Guia dos Errantes, Paris, 1861.

190
A MATER E A PARTENOGÊNESE

Esta tese tem sido perfilada por numerosos biologistas,


embora aquela da Mater que se reproduz por partenogênese
possa ser objeto de estudos5.
O homem possui dois seios e sabemos que as duas meta­
des simétricas do corpo humano se desenvolvem “ de um modo
até certo ponto independente6, o que explicaria que os órgãos
sexuais situados num lado podem não ser semelhantes aos do
outro lado. Todavia, isto não explica como é que, no mesmo
lado, existem muitas vezes órgãos sexuais que pertencem a
sexos diferentes”.
Esta dualidade fundamental, em especial no homem, e a
persistência ou obliteração dos vasos destinados a nutrir e
desenvolver os órgãos da reprodução tendem a fazer crer que
o aparecimento da mulher seria mais antigo do que aquele
do homem.

O CANAL DE MÜLLER
Em 1917 o professor B., da universidade de Poitiers, en­
sinava da seguinte maneira a história do feto humano:
— Quando os dois sexos não estão ainda diferenciados,
na região peritoneal aparecem dois canais duplos e simétricos
de origens um pouco diversas: o canal de Müller e o canal de
Wolf.
Na continuidade da evolução do tipo feminino, o canal de
Müller forma as trompas, o útero e a vagina.
No tipo masculino, este canal se atrofia e os vestígios dão
origem ao corpo de Morgagni no utrículo prostático.
O canal de Wolf constitui a origem das vias urinárias na
mulher e do canal deferente no homem.
A mulher conserva pois os canais separados, enquanto
que o homem só tem um em conseqüência de uma mutação»
ou de uma adaptação mais tardia7.

5 — Até a presente data a partenogênese só tem sido observada nos


organismos inferiores unicelulares e nos ouriços do mar. Nos
vertebrados nunca foi vista nem reproduzida experimentalmente.
6 — Segundo o biologista E.RA. Serres, cirurgião, membro da Aca­
demia de Ciências (1821).
7 — Adianta-se — em 1973 — que esta particularidade fisiológica no
homem não proviría de uitj evolução do organismo por meta­
morfose lenta, mas de uma diferenciação natural que não supõe
nenhuma evolução no tempo.

191
Por conseguinte, no homem haveria uma especificidade
mais pronunciada, uma complexificação que, segundo as leis
aceitas em biologia, demonstraria a anterioridade da mulher
sobre o homem8.
Esta conclusão do professor de Poitiers foi retomada di­
versas vezes por biologistas, notadamente na Sorbona.
Um outro indício da anterioridade da mulher poderia ser
o fato de seus cromossomos serem todos X-X ao passo que
os do homem são X aos quais é preciso acrescentar um Y,
o que representa uma diferenciação, pelo que é razoável que
se veja uma mutação9.
Hoje em dia é crença que os tipos puros não existem,
tanto na espécie humana como nas espécies animais e vege­
tais, o que parece opor-se à idéia de evolução de dois tipos
humanos completamente diferenciados: a mulher e o homem,
possuindo cada um caracteres dominantes e caracteres asso­
ciados e antagônicos.

A MULHER VIVE MAIS TEMPO

Outras observações parecem apoiar a tese da anteriori­


dade de Eva sobre Adão: no feto10, o sexo feminino se revela
antes do sexo masculino; as filhas são menos frágeis do que
os filhos durante a sua infância, são mais aptas a suportar a
dor e a sobreviver aos percalços da existência.
Só os homens são afetados por um certo número de
doenças hereditárias: hemofilia, miopatia e umas vinte outras
afecções; sua média de vida é mais curta do que a da mulher
(em cerca de sete anos).

8 — Na evolução da matéria e dos diferentes organismos produzem-


se incessantes complexificações: Um organismo quanto mais
complexificado tanto mais próximo está ele dos nossos tempos.
Quanto mais rudimentar ou simples, tanto mais próximo da ori­
gem de sua espécie. Em outras palavras: o posto de rádio tran­
sistorizado está mais próximo dos nossos tempos do que o posto
à base de galena.
9 — 22 pares de cromossomos + 2 cromossomos sexuais: na mulher,
xy no homem.
10 — O embrião feminino se desenvolve mais rapidamente do que o
masculino. Seríamos até levados a crer que os cérebros dos ho­
mens e das mulheres têm diferenças bastante sensíveis. O hor­
mônio testosterona operaria uma espécie de masculinização do
cérebro ou pelo menos lhe daria uma certa natureza.

192
De acordo com a Organização Mundial da Saúde11, damos
abaixo as médias de vida de alguns povos (o primeiro número
se refere aos homens e o segundo se relaciona com as mu­
lheres):

Noruegueses .......................... 72 77
Suecos ..................................... 72 76
Holandeses ............................ 71,5 76,8
Suíços ..................................... 70,5 75,8
Franceses .............................. 68,2 75,7
Ingleses .................................. 68,5 74,8
Italianos ................................ 68,7 74,2
Belgas ..................................... 67,8 74
Luxemburgueses ................. 67,1 73,4
Alemães .................................. 67,5 73,3
Americanos (USA) ............... 66,3 74,4
Japoneses ................................ 63,5 66,8

LILITH (Lília)
Existem tradições — a bem da verdade tão pouco consis­
tes como o romance da Bíblia, que garantem que Eva não
foi a primeira mulher da criação.
O símbolo degenerado da serpente, apesar de tudo facil­
mente reconhecível em seu papel de iniciador, se nos depara
com a história da queda de Adão e Eva no paraLo terrestre.
Esta serpente era o demônio que, de fato, trouxe o conhe­
cimento à humanidade, apresentando a maçã a Eva, a não
ser que tenha sido a uma concubina, pois não se sabe muito
bem quem foi a primeira esposa do primeiro homem.
Uma lenda talmúdica antiga, muito pouco ortodoxa, adian­
ta a Enciclopédia, atribui duas mulheres a Adão: Eva e Lilith
(Lília).
Quando foi expulso do paraíso terrestre, Adão abandonou
a mulher que dera ouvidos às intenções da serpente que a
incitara a dar uma mordida na maçã11 12.

11 — Estas cifras são fornecidas por Madeleine Franck e Laurent Mos-


su, em France Soir de 10 de agosto de 1972.
12 — No Dicionário de Bayle se lê que logo depois de criada, Eva per­
deu sua virgindade e a serpente se aproveitou disto paíà tentá-la,
no momento em que Adão adormecera para descansar das suas
fadigas conjugais. Outros exegetas supõem que Adão, depois do
pecado, ficou excomungado durante cento e cincoenta anos que
ele passou na companhia de uma mulher, formada como ele do
limo. Ela se chamava Lília ou Lilith.

193
Esta mulher cra Eva que depois de ter pecado com o de­
mônio deu ao mundo Abel e Caim.
No Talmud se lê que o principal demo feminino era Li-
lith, a qual era representada com uma cabeleira comprida;
muito linda, excitava tanto os homens como também as mu­
lheres aos segredos do amor e da volúpia.
É a ela que se dirige o adepto em magia cerimonial na
"Conjuração dos Sete”: Não nos tormentes, Lilith, afasta-se,
Neeimá!
Segundo o Sepher-A-Zohar13, ela teria sido a verdadeira
sedutora de Adão, enquanto que o belo arcanjo negro Samuel
teria sido o de Eva.
Dos amores mágicos entre Adão e Lilith teriam nascido
os Egregórios ou Guardas de que falam os manuscritos do
Mar Morto, identificando-os, a nosso ver, com os "anjos” ou
Iniciadores vindos de um outro planeta.

VOVÓ CAPETA!

Seja como for, segundo os comentadores, na raiz de nossa


árvore genealógica teríamos um ancestral que era o diabo ou
uma avó que era um capeta!
Temos lá nossas dúvidas!
Uma outra tradição quer que Lilith tenha sido a criatura
humana original, antes de Adão, que ela teria dado ao mundo
ou visto nascer e do qual ela teria passado a ser a primeira
mulher, o que sugere um mito de Mater dando à luz por par­
tenogênese.
Ambos teriam sido modelados na argila vermelha da terra
recém-nascida com uma particular perfeição no caso de Li­
lith14.

13 — Referido por J. Desmoulins e R. Ambelain em Lilith le second


satellite de la Terre (Lilith, o segundo satélite da Terra), Ed, Ni-
claus, Paris.
14 — Os cabalistas deram o nome de Lilith a um pequeno astro escuro
que foi observado várias vezes pelos astrônomos Riccioli, Cassini,
Alischer etc. Este astro seria o segundo satélite do nosso pla­
neta e teria também o nome de Lilith, a Lua preta.
Uma tradição atribuída aos pitagorenses faz de Lilith uma anti-
Terra que gravita em torno do Sol exatamente em oposição à
elipse, embora não a possamos ver. Naturalmente, não passa de
lenda!

194
Por conseguinte, Adão abandonou-a, dando preferência a
Eva que havia sido feita de sua carne e de seu sangue. Em
suma, ele se “preferiu” a si mesmo!
Esta última tradição foi poemizada em 1855 pelo marquês
de Belloy, com algumas variantes, pois ele fez nascer Lilith e
Eva de um lado de Adão.
Em seu Banquete Platão testemunha outra lenda muito
antiga, aquela do homem nascido andrógino.
O Sr. Belloy descreve Lilith como um critério de pureza,
de ideal, de castidade e de beleza inacessível à tentação.
O demônio, representado pela serpente, nada pode con­
tra ela.
Josefo garante que no tempo da criação a serpente falava.
Ainda em nossos dias, segundo opinião de Paracelso, por pri­
vilégio especial de Deus a serpente conserva o conhecimento
dos maiores mistérios.
Eva ou Heva, no poema do Sr. Belloy, é a Encantadora
que enfeitiça desde que aparece. Foi por esta razão que Adão
abandonou o amor ideal de Lilith e voou para os braços da
sensual Heva.
O enigma da primeira mulher de criação e de um Adão
hermafrodita que se "preferiu” a si mesmo, escolhendo uma
Heva feita de sua carne e de seu sangue, sugere uma interes­
sante tese sobre a anterioridade da criação humana.
Na realidade, é nisto que reside o verdadeiro problema
da Mater.

O HOMEM SERIA MAIS INTELIGENTE

Essas tradições, essas lendas e essas superstições que


se relacionam com Lilith qual primeira criatura terrestre,
rival de Eva, mulher demônio, lua preta ou astro escuro,
provam que desde a mais remota Antiguidade nossos ances­
trais pensaram que o ser humano “princeps” teria podido
ter uma mulher, e Mater.

Esta hipótese, que faz eco com aquela dos biologistas do


começo do século, conferiría portanto uma anterioridade de
existência à mulher.

195
Disto decorrería uma conclusão singular e por conseguin­
te aceita pelas observações em matéria de evolução fisioló­
gica: o homem seria teoricamente mais inteligente do que a
mulher, pois seu organismo é mais complexo!
É o que tendería a fazer crer, em abono do homem, a
atrofia do canal de Müller, o qual num tipo humano mais
antigo tinha um papel essencial.

Neste sentido, esse primeiro tipo humano, provido ao


mesmo tempo do canal de Müller e do canal de Wolf (trom­
pas, útero, vagina, canal urinário) era uma mulher.
Seja como for, esta criatura humana N.° 1 era a Mater,
mãe e pai de nossos mais longínquos ancestrais, “Mãe das
Mães” — diziam os egípcios — o que explicaria o culto uni­
versal que lhe foi consagrado.
O que também daria um sentido profundo às crenças
antigas, às divindades andróginas da Grécia e da Assírio-Babi-
lônia e a esta maravilhosa e perversa Lilith que nos legou a
sua inteligência, a sua astúcia e a sua curiosidade demoníaca.

Í96
Existem duas grandes raças
humanas: a dos bons e a dos
maus, a dos pobres e a dos ri­
cos, dos que ignoram e dos que
sabem. O domínio do mundo
pertence sempre aos que são
maus, inteligentes e ricos.

Capítulo XIII

A ESCRITA CROMOSSÔMICA E O PECADO

Os símbolos: água, Mater, serpente, gruta etc. foram de­


senhados pelos homens antes do conhecimento de sua natu­
reza profunda e provavelmente foram transmitidos antes da
escrita.
A tomada de consciência sobre o mundo exterior prece­
deu igualmente a tomada de consciência psicológica, pois
tanto uma quanto a outra não eram senão o balbuciar de uma
abertura sobre a realidade que, para ser válida, deve ter uma
ressonância universal.
Todas as coisas no universo, das estrelas ao grão de areia,
intencional e por interação participam da vida dos homens:
a terra soube emergir, distribuir-se em justas proporções, o
mar soube esculturar os continentes e a montanha repartir-se
sobre as terras.
O próprio objeto fabricado, quando desfruta da confiança
do homem, que sabe perceber a sua verdadeira identidade,
manifesta a sua boa vontade.
Não existe nem idéia preconcebida nem noção de humil­
dade ou de sacrifício na natureza e sim uma colaboração, uma
comunhão, pois tudo tem uma essência idêntica e semelhante­
mente inteligente para a realização dos destinos paralelos,
mas complementares.
A PSICOSFERA

A terra, explica Jean-André Richard, nasceu de um plas­


ma original de onde partiu a lenta elaboração de estruturas
polimorfas que, por meio de complexificações sucessivas, en­
gendraram os reinos, desde o mineral ao animal superior.

197
Este plasma era um campo de forças elétricas no qual
havia uma diferenciação, a força psíquica, que constituía a
psicosfera terrestre.
É na psicosfera, eternamente presente, que o Vivente (tu­
do o que tem vida e notadamente a matéria orgânica) haure
sua energia espiritual e mental: o que tem a faculdade de ver,
a sua visão; o sábio, a sua meditação; o mal, o seu instinto
maligno; o iniciado, o seu conhecimento; e o acaso, as suas
leis de séries.
A água é o catalisador e o dissolvente desta força psíquica
que parcialmente é carreada pelas correntes hidrotelúricas
que alimentam as fontes, os poços, os tanques e os rios.
Os radioestesistas e numerosos observadores notaram
uma relação constante que existe entre estas correntes, de um
lado, e, por outro lado, os pontos de grandes calamidades, as
casas, os lugares enfeitiçados e também, dizem eles, os “pon­
tos negros” da estrada.
Há quem classifique numa categoria vizinha, mas dife­
rente, as correntes eletrotelúricas que, na realidade, se iden­
tificam com as primeiras.

AS CORRENTES TELÚRICAS

O Sr. G. Thieux, da Companhia Geral de Geofísica1, diz


que as correntes telúricas são deslocamentos de íons, quer
dizer, de partículas elétricas formadas de um átomo (ou de
um grupo de átomos) que ganhou ou perdeu um certo nú­
mero de elétrons.
Nesta tese as correntes de água Seriam banhos eletrolíti-
cos com reações secundárias que transportam os íons (catíons
e aníons) de um eletrodo a outro, com a função de depositar
certos elementos e cargas elétricas.
A troca e a recarga se efetuam entre um eletrodo natural
como menir, árvore, rocha, terreno etc. e um segundo ele­
trodo de potencial diferente, que constitui o próprio homem.
Dotados de propriedades bastante especiais, notadamente
daquela de perder sua carga, de acordo com os fatores de
equilíbrio e de potencial os íons podem enriquecer ou empo­
brecer o organismo físico e psíquico humano.

1 — Citado por Lumières dans Ia Nuit (Luzes na Noite), n.° 117, abril-
maio de 1972.

198
Os lugares “malditos” são aqueles onde os íons criam
um desequilíbrio celular (e de qualquer forma elétrico) ou
uma perda de potencialidade.
Os lugares “benéficos” são aqueles onde a carga trans­
portada compensa uma falta de potencial, recarrega as bate­
rias humanas oü restabelece por sintonização (concordância,
harmonia, ressonância) um equilíbrio elétrico rompido.
O jogo consiste portanto em saber qual o eletrodo que
deve ser complementar do nosso e que lhe enviará, já não
influxos maléficos mas, pelo contrário, regeneradores.
Este eletrodo muitas vezes é uma árvore, uma pedra solta
ou uma composição particular de terreno.
Os druidas antigamente utilizavam este método por em-
pirismo e entre todas as árvores escolhiam o carvalho para
ser seu pai nutritivo e o menir para servir de médico.
Segundo o Sr. G. Thieux, as correntes telúricas se for­
mam sob a influência solar, têm uma periodicidade de 27
dias e entre elas existe uma interação, o campo magnético ter­
restre e gravitação.
Um computador, se lhe fornecéssemos cartões perfurados
bem programados, indicaria para cada indivíduo os lugares
onde as correntes telúricas lhe são favoráveis.
É um negócio de alguns milhões de francos durante to­
dos os 27 dias!
Felizmente o homem tem em si um computador natural
que melhor do que o outro está em condições de detectar os
pontos brancos benéficos e os pontos pretos perniciosos!
E sua utilização não custa nada: é gratuita!

O GRANDE MEDO DOS ANCESTRAIS

Antigamente, as razões que motivavam as migrações hu­


manas eram engendradas por forças obscuras cuja natureza
agora conhecemos.
Os lugares arqueológicos, os pontos turísticos muitas ve­
zes estão geograficamente situados sobre nós magnéticos par­
ticulares.
Quando os homens da pré-história se aventuraram na re­
conquista de uma civilização, tiveram que aguçar todos os seus
sentidos de percepção para escapar aos perigos, imaginários
ou reais, que ameaçavam concluir a obra destruidora do di­
lúvio.

199
Um único erro, e a humanidade desaparecería do cenário
terrestre!
Em seu inconsciente pessoal e coletivo, os homens se res­
sentiam profundamente com a intensidade do drama e com a
gravidade de cada um dos seus atos.
A Terra-Mãe havia-os engolido, fizera rebentar seus ocea­
nos, explodir suas montanhas: sua cólera fora terrível e a boa
política consistia doravante em concertar com ela uma paz
duradoura.
Mas, daqui e dacolá existiam ainda zonas em estado in­
surrecional: pântanos pestilentos, vales sujeitos a inundações,
maciços periodicamente quebrados por abalos telúricos, mon­
tanhas de onde o fogo surgia crepitante do solo.

OS ASILOS DE PAZ

Então os homens dos tempos antigos caminhavam, guia­


dos talvez por uma mulher ou por quem dentre eles fosse mais
sensível: o chefe, o sacerdote, que ia na frente.
E o chefe dizia:
— Não paro, porque tenho medo. Não posso, não devo
parar.
Um dia, mais tarde, fincava na terra seu bastão de co­
mando e então dizia:
— É aqui! É aqui que vamos construir uma casa.
A fim de agradecer a Terra-Mãe por proporcionar-lhes um
asilo de segurança, os homens amontoavam as pedras em mon­
tículos onde construíam um altar.
Em toda parte onde o homem em marcha fincava seu
bastão, nossos ancestrais edificavam um monumento, deixa­
vam um sinal de reconhecimento no qual os outros homens
sabiam poder fiar-se.
Neste local estabeleciam para si um modus vivendi, um
equilíbrio ao mesmo tempo biológico, social e industrial.
Aí o homem estava seguro e dormia um sono reparador,
aí encontrava a água, a pedra, a lenha, os frutos, a caça miú­
da, a argila para seus utensílios de olaria e o ferro para suas
ferramentas.
Se a mina se esgotava, se a caça e a colheita rareavam,
então os Homens Antigos consideravam rompida a aliança por
um tempo e partiam para mais longe, em busca de uma nova
paragem.

200
Mas o altar ficava como testemunho de reconhecimento.
É provável que o magnetismo das terras ferruginosas in­
fluencie o complexo biológico e o magnetismo dos homens.

Pensa-se até que as fortalezas gaulesas, em pedra seca,


que sulcam nossos bosques e nossas charnecas, seriam resul­
tantes da lembrança atávica de uma zona de tabu e de segu­
rança que na pré-história era delimitada por um círculo de
pedra ou uma fossa.

Neste círculo era função do tabu: proibir atirar, roubar,


violar. Já era o círculo mágico de proteção, o coração da
igreja inviolável. Infeliz daquele que infringisse o tabu; só
com a morte é que semelhante sacrilégio podia ser devida­
mente punido2.

As cidades antigas foram provavelmente construídas em


volta do bastão de parada de um chefe inspirado; não o foram
as de: Nova Iorque, Tóquio, Bombaim, etc., as quais devem
sua situação a razões de ordem mercantil; estas jamais usu­
fruirão os privilégios proporcionados pelas correntes telúricas.

Os maias, povo de origem pre-céltica, fixaram-se durante


muito tempo no Canadá e depois nos Estados Unidos.

Um certo dia seus chefes tiveram a premonição de que


deviam deixar imediatamente estas regiões, embora hospita­
leiras, para irem fixar-se mais ao sul3.

2 — É ainda por transmissão hereditária que as igrejas e as necró-


poles foram edificadas no círculo mágico do tabu, que as cida­
des foram construídas no círculo de segurança chamada for­
tificação.
O tabu das igrejas e dos cemitérios, num contorno de trinta
passos, foi instituído em Charroux (Vienne) em 988 por um con­
cilio misto. Depois se seguiram os concílios de Narbona em 990,
de Limoges em 994, de Poitiers no ano 1000. Foi a Paz de Deus,
transformada em seguida em Treva de Deus, que provia a guer­
ra 230 a 250 dias por ano.
Quando o círculo mágico tivesse sido sujado, perdia seus privi­
légios e suas virtudes. Tornava-se necessária uma cerimônia
ritual para fazer com que recuperasse sua virtuosa eficácia.
3 — É também possível que as terras do norte tenham sido atomi
zadas. Então os maias fugiram, «quais cegos errantes numa
cerração». Houve diversos meses de noite completa e quase to­
dos os homens pereceram. É o relato que nos faz Popol Vuh.

201
Todos os maias partiram em busca da Terra Prometida,
sob a égide dos sacerdotes. Eles tinham que reconhecer o lu­
gar onde fundariam a sua cidade por uma árvore sobre a qual
estivesse empoleirada uma águia devorando uma serpente.

Foi assim que se estabeleceram no México.


Mais materialistas, os hebreus escolheram a Terra de Ca-
naã, porque era rica; Moisés jamais fincou aí o seu bastão,
embora a Palestina jamais fosse marcada por tabu.

A SERPENTE E O ESPERMATOZÓIDE

Este privilégio de iniciação proporcionado pelas corren­


tes telúricas é simbolizado pela serpente nadando nas águas.
E o símbolo mais alto de iniciação, pois ele representa
também a vida, o espermatozóide que penetra, o clarão do
relâmpago, a energia.

Em todos os países, em todas as tradições, a serpente é a


guardiã do tesouro, aquela que sabe, que conhece os segredos.
Provida de asas, metamorfoseia-se em homem ou em mu­
lher (Quuetzalcoatl, Melusina) e indica que o Iniciador per­
tence a outro planeta que quase sempre é Vênus.
Por toda parte, também no mundo antigo, ela represen­
tava o veículo voador e o que ia nele, o engenho interplane­
tário e o cosmonauta e é por isso que a figuravam ridicula­
mente com uma cabeça de carneiro condutor de manadas,
guia, genitor, ou então com uma cabeça de touro ou dragão.

Ê dentro deste contexto que se deve entender a “barca”


erradamente dita solar dos egípcios que, no seu mais velho
templo, em Abidos, é representada em forma de serpente com
cabeça de carneiro.

A ESCRITA BIOLÓGICA

Pode-se pensar que os cromossomos, esses pequenos bas-


tonetes sinuosos que veiculam as qualidades hereditárias,
constituem a escrita biológica e servem para compor o texto
de nosso programa, o romance futuro de nossa vida.

202
Por força do jogo do conhecimento inconsciente, a escrita
original deve necessariamente ter derivado desta escrita bio­
lógica, cujos sinais de maneira surpreendente se reconhecem
na esteia de Mesa (Palestina), nos alfabetos da Oceania, da
China, do Japão etc.
Podemos distingui-los particularmente no sânscrito: le­
tras a, p, m, 1; no páli e no fenício: y, x, c, u, v, 1; e na escrita
de Glozel: y, u, x, c, i, 1.
Nos filamentos do núcleo e da célula acham-se 46 cro­
mossomos.
Quando se reencontram, o espermatozóide e o óvulo en­
gendram 23 grupamentos a partir dos quais se formam as 46
divisões de célula do futuro ser.
Se aceitamos estes 23 grupos como base para um alfabeto
de 23 letras, podemos então considerar que o nome próprio
verdadeiro de cada indivíduo já está programado, inscrito, es­
crito em caracteres alfabéticos no processo de evolução orgâ­
nica.
É o nome cromossômico do homem, seu nome desconheci­
do, irreconhecível, impronunciável como aquele de Deus. Por­
tanto, é um nome divino. O outro nome: João Gauthier ou
Cláudio Giraud não é senão o nome humano de estado civil
que pode ser modificado ou trocado por acórdão administra­
tivo.
O nome cromossômico é o nome hereditário que corres­
ponde à transmissão das qualidades do pai, mas não àquelas
da mãe, geralmente mais importantes. Na realidade, a criança
deveria levar hereditariamente o nome de sua mãe e, mais lo­
gicamente ainda, deveria ter um nome próprio, individual, que
a caracterizasse e a distinguisse dos membros de sua família.
Esta função fica como atribuição do prenome que, de fa­
to, é muito mais individual do que o nome.

203
INVENÇÃO DO NOME
Inicialmente os nomes dos indivíduos deviam ser certamen­
te nomes comuns: Carpinteiro, do Lago, de Carvalho, do Pla­
no, da Rocha e neste sentido eles significam uma função, um
objeto, um lugar etc.
A Lei de Manu, na índia, recomendava que se desse às mu­
lheres um nome suave de pronunciar e aos homens um nome
com sentido másculo, isto é, que tivesse um significado físico
e moral. Muitos indianos optaram pela aposição a este nome
daquele de uma divindade cujas qualidades eles admirassem
de modo particular.
Entre os antigos hebreus os nomes dos patriarcas tinham
um significado místico habitualmente em relação com Deus e
os sentimentos que lhe eram atribuídos4. Mais tarde os nomes
passaram a referir-se a elementos da natureza: Thamar = Pal­
meira; Sara = princesa; Raquel = ovelha; Débora = abelha.
Em seguida, referiam-se a nomes de profetas e, finalmente,

4 — Eli, Joel: dois nomes de Deus; Nataniel, Elviatã, Jônatas, Na-


tanias: dom de Deus; Josué, Jesus, nomes misteriosos e pro­
féticos.

A escrita original. Parece que estes diferentes tipos de escrita se


relacionam com a forma dos cromossomos.
1. Cretense linear
2. Espermatozóides
3. Mexicano
4. Egípcio e chinês
5. Hebraico
6. Egípcio
7. Tabuleta de Grove Kreek
8. Ilhas de Páscoa
9. Mohenjo-Daro
10. Atlanteano, conforme Mavrothalassitis
11. Tcho Gha Mich (Irã)
12. Codex Telleriano-Remensis
13. Letras Keddah e Talaing
14. Disco de Hefaistos
15. Cromossomos
16. Espermatozóides
17. Alfabeto hebreu celeste
18. Cromossomos
19. A Rochebertier (escrita pré-histórica)
20. A Madalena (escrita pré-histórica)
21. A Madalena (escrita pré-histórica)
22. A Madalena (escrita pré-histórica)
23. O Trupt (escrita pré-histórica)
24. Escrita hebraica
25. Escrita de Glozel

205
quando a raça foi degenerando juntamente com suas qualida­
des morais, os nomes se tornaram tipicamente materialistas:
Pedra de ouro, Pedra de prata, Montanha de ouro, Montanha
de prata = Goldstein, Silvestein, Goldberg, Silverberg etc. (na
língua alemã).
O decreto de 20 de julho de 1803 sobre os judeus estran­
geiros residentes na França obrigou-os a adotar um nome pró­
prio que fosse capaz de distingui-los uns dos outros e recomen­
dou os nomes de cidades francesas e estrangeiras. É deste tem­
po que datam os Lisboa, os Ratisbona, os Carcassona, os Cri-
méia, os Cremona, os Friburgo etc.
Entre os muçulmanos os nomes patronímicos são de cria­
ção recente; ainda em muitos Estados o nome se extingue com
a morte do indivíduo.
Os povos do norte e os bárbaros faziam muita questão de
um nome distintivo, essencialmente pessoal e não transmissí­
vel, salvo por meio da fórmula: filho de.

A ALCUNHA OU NOME CROMOSSÔMICO

Os gregos antigos só tinham um nome que eles não trans­


mitiam; os romanos tinham habitualmente um nome e um so­
brenome.
Os celtas — gauleses, quínrios, dácios etc. — tinham um
nome ou um sobrenome individual significativo, como os hin­
dus da índia e os índios da América.
A alcunha, que é tão velha quanto o mundo, é de fato o
nome pessoal mais significativo de uma qualidade ou de uma
deformação física, mas é bem evidente que o nome verdadeiro
do homem do futuro será codificado por um computador em
função de equivalências letras-genes ou letras-cromossomos que
exprimirão sua identidade verdadeira, profunda e inalterável.
O homem será então à imagem do seu nome, até que o
biologista tenha o poder monstruoso de traficar os genes, isto
é, de modificar a identidade de um indivíduo, de mudar seu
"eu” sagrado.
Será então o pecado que redundará fatalmente na perda do
paraíso terrestre que habitamos.
E isto será novamente por tentação de uma espécie de ser­
pente!

206
MALDITA DA MULHER!
Segundo a Bíblia, sabemos que o pecado original foi con­
sumado por Eva e Adão que surripiaram o fruto da árvore do
conhecimento e que, em vendo-se nus, deixaram-se arrastar pe­
lo prazer da carne.
Com exceção dos puritanos, ninguém mais se avexa nem
com a gulodice nem com a “torpeza” dos nossos ancestrais; pe­
lo contrário, pois em todas as latitudes do mundo a instrução
e a consumação do casamento se tomaram virtudes louváveis
e encorajadas pelas religiões e pelos governos.
Por conseguinte, na origem o famoso pecado devia cons­
tituir algum crime cuja natureza se perdeu na noite dos
séculos.
O terceiro dos cinco livros canônicos chineses, o Chi-King5,
anterior à Bíblia, assaca contra a mulher a responsabilidade
da primeira falta.
Nele se lê: "Possuíamos campos propícios e a mulher no-
los arrebatou.
Tudo nos era submisso, mas a mulher nos lançou na es­
cravidão. Ela odeia a inocência e ama o crime. O marido pru­
dente levanta fortificações nos muros, mas a mulher, que tudo
quer saber, derruba-as. Oh! Como é esperta! É um pássaro
de grito funesto; foi muito linguaruda. Ela é a escada por onde
desceram todos os males...
Foi ela quem pôs a perder o gênero humano; no começo
foi um erro e depois um crime".
Diz um provérbio chinês: não se deve ir atrás de conversa
de mulher, pois ela foi a fonte e a raiz do mal.
O desejo imoderado da ciência, diz o filósofo Hoí-nã-Isé,
fez com que o gênero humano se perdesse. Mas não diz com
precisão quem foi o responsável.
O Zend-Avesta dos antigos iranianos, ao falar do primeiro
casal humano, narra o pecado desta forma: "Mésquia e Mes-
quiana a princípio eram puros e eram do agrado de Ormuzd6;
Arimã, invejoso de sua felicidade, aproximou-se deles sob a
forma de uma cobra, ofereceu-lhes frutos e convenceu-os de
que ela era o verdadeiro criador do universo.

5 — O Chi-King, traduzido para o latim pelo Pe. Lacharme, foi pu­


blicado em Stuttgart em 1830.
6 — Ormuzd ou Ormazd é o deus supremo da mitologia mazdaiana,
criador do universo bom e luminoso; Arimã é o deus e príncipe
mau que se opõe a Ormazd.
A Bíblia tomou do Zend-Avesta o símbolo do paraíso terrestre
e da queda do homem.

207
Mésquia e Mesquiana acreditaram nas palavras dela e tor­
naram-se seus escravos; a partir deste momento a sua natu­
reza se corrompeu e esta corrupção afetou a sua posteridade”.

Os citas chamavam sua mãe comum de a Mulher Serpente,


que corresponde exatamente à “Cihua-Cohualt” dos mexicanos.

A ESTRANHA SEITA DOS CAINITAS

No modo de ver do Zend-Avesta e da Bíblia, o pecado ori­


ginal foi portanto a desobediência às ordens de Deus, mas os
teólogos nunca puderam explicar claramente em que consistia
a lei divina.

Por volta do ano 159 da nossa era, os cainitas propaga­


ram uma estranha filosofia relativa ao problema do bem e do
mal.

Estes membros de uma seita de gnósticos, que se arroga-


vam um conhecimento transcendental e completo da natureza
e dos atributos de Deus, veneravam Caim, o assassino de Abel,
e os sodomitas de costumes duvidosos, ao mesmo tempo que
prestavam honras a Esaú, a Coré e a Judas Iscariotes.
Em compensação, abominavam todos os santos do Antigo
Testamento: Abel, Enoque, Noé, Abraão, Isaac etc.
De acordo com a sua filosofia, diz a Enciclopédia, a Inteli­
gência benfazeja e a Inteligência malfazeja, que presidiam a
criação, haviam produzido Adão e Eva: mais tarde os espíri­
tos feitos prisioneiros das Inteligências, tomando a forma de
um corpo, tiveram relações com Eva. Deste conúbio nasceram
filhos que tinham as características da potência daqueles a
quem deviam a vida.
Abel, submetido ao criador da Terra, era considerado
como saído de um deus que eles chamavam de Hístero.
Por sua vez, Caim havia sido procriado pela sabedoria e
pelo princípio superior; devia portanto ser venerado como o
primeiro dos sábios.
Segundo os cainitas, entre os Apóstolos somente Judas
conhecia o mistério da criação e foi por isso que ele entregou
o Cristo aos seus inimigos, que queria reconciliar os homens
com Deus.

208
De acordo com modo de pensar deles, Jesus teria sido
o Messias se tivesse pregado a discórdia, conforme a tinha
anunciado, e não o amor que é fundamentalmente detestável7.
A perfeição, garantiam esses gnósticos, consiste em come­
ter o maior número de infâmias possível!
Seu evangelho era aquele de Judas em livro extravagante
intitulado A Ascensão de São Paulo.
Essas doutrinas esquisitas fizeram muito sucesso e alguns
talvez veiam nos "hippies” dos nossos tempos- um ressurgi­
mento dos cainitas.

DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS


Esta noção do bem, do mal e do pecado, tomada num
sentido global, não difere em muito daquela que tinham algu­
mas pessoas da Igreja na Idade Média e mesmo muitos mais
chegados ao nosso século.
Os teólogos e os papas muitas vezes abusaram da inter­
pretação do pecado mortal.
Na Idade Média, aos cristãos que combatessem contra os
inimigos da Igreja era concedido o perdão de todos os peca­
dos. Nisto estavam os muçulmanos, os hereges e mesmo
outros cristãos súditos de reis que tivessem tido o azar de
incorrer nas desgraças da Santa Sé.
Haja vista o caso do Papa Júlio II (1503-1513) que con­
cedia o perdão de todos os seus pecados a quem quer que
houvesse matado um dos membros da família excomungada
dos Bentivoglio!
Clemente V (1305-1314), depois de ter excomungado a
cidade de Veneza, declarou absolvido e dispensado de toda
penitência por seus pecados qualquer pessoa que matasse um
veneziano.
Em 1797 Pio VI prometeu o mesmo favor a todo homem
que matasse um republicano francês!
"Todos aqueles que matarem um francês, disse ele em
substância, farão um sacrifício agradável a Deus e os seus
nomes serão inscritos entre os eleitos do Senhor.”
Nessa época Deus não era republicano!
Em compensação, por esta benevolente atitude, a Igreja
se mostrava intratável e arredia quando se tratasse de comi-

7 — Com efeito Jesus havia dito (Mateus, cap. 10, vers. 34 e 35):
«Não julgueis que vim trazer a paz sobre a terra. Vim trazer
não a paz, mas a espada. Eu vim fazer a divisão entre o filho
e o pai, entre a filha e a mãe etc.»

209
nar crimes odiosos que constituíam verdadeiramente pecados
mortais.
Tal como tomar uma colherada de caldo grosso numa
sexta-feira!
Inocente XI excomungava as mulheres “que não cobriam o
peito, do seio até o pescoço".
Esta determinação foi renovada por Pio VII e Leão XII
que, ademais, estenderam sua severidade e rigor aos costu­
reiros, modistas e alfaiates que confeccionassem roupas in­
decentes.
Bento XIII lançou a excomunhão “contra os jogadores
de loterias das diversas nações e aqueles que estavam empre­
gados na administração desse jogo”.
Clemente XII (1730-1741) se colocou também ao lado
deste virtuoso edito, mas, tendo ele próprio instituído uma
loteria em seus Estados, não deu força de lei ao anátema a
não ser contra aqueles que perdiam seu dinheiro alhures!

ELOGIO DO RACISMO

Estas digressões anedóticas não são inúteis para quem


quer ter uma noção relativamente clara do pecado como era
entendido nos tempos de obscurantismo e conforme se lhe
pode estudar a natureza profunda à luz dos nossos conheci­
mentos atuais.
Com efeito, existe uma virtude primordial: o racismo, e
um pecado mortal: transgredir a lei de racismo8.
Em sua interpretação mais ampla, o fim da vida consiste
para o homem em garantir sem alteração a evolução de sua
espécie e em labutar com todas as suas possibilidades para
seu erguimento físico, intelectual e psíquico. Todo aquele que
tende para o desenvolvimento destes caracteres leva uma vida
boa; em contrapartida, todo aquele que destrói a sua natu­
reza profunda e original por meio das drogas, do álcool, dos
vícios, dos maus pensamentos e das ações criminosas infringe
as leis universais.

8 — É possível que a palavra racismo não corresponda exatamente


àquilo que nós entendemos. Na ausência total de outro termo
mais apropriado, chamamos de racismo o cuidado em preser­
var, em não deturpar o patrimônio hereditário e genético da
espécie humana toda, sem distinção de indivíduos, de povos ou
de etnias. Frisamos esta definição aleatória a fim de dissipar
um possível mal-entendido ou uma interpretação malévola.

210
Houve uma época em que os homens tiveram , relações
íntimas abomináveis com outras raças que não a sua. As
mitologias ,e a maior parte dos escritos sagrados dão teste­
munho deste desvio do bom senso humano e daí se seguiram
procriações monstruosas que deterioraram o legado genético
e,colocaram a humanidade em perigo.
Já tratamos deste assunto9 quando lembramos as reco­
mendações do Senhor a seu povo, na Bíblia.
Levítico, cap. 18, vers. 22-24:
“Não te deitarás com um homem, como se fosse mulher:
isto é uma abominação.
Não terás comércio com um animal, para não te conta­
minares com ele. Uma mulher não se prostituirá a um
animal: isto é uma abominação.
Não vos contamineis com nenhuma dessas coisas, porque
é assim que se contaminaram as nações que vou expulsar
diante de vós.”
Eis o que aparece com limpidez: houve antigamente có-
pulas entre a raça humana e a raça dos animais inferiores.
O resultado foi uma degenerescência da humanidade que
talvez por pouco não tenha soçobrado na animalidade mons­
truosa.
Isso não teria sido o fim do mundo e sim o fim do homem,
a destruição de uma laboriosa e maravilhosa ascensão da
qual nossos milênios históricos são as testemunhas.
Eis as razões porque somos de opinião que o pecado
mortal por excelência é aquele que é perpetrado contra a
raça humana.

TODA A NATUREZA È RACISTA


A autenticidade do pecado contra a lei do racismo (ou
de espécie) é de ordem universal. Pelo que parece, um animal
não tem uma inteligência tão evoluída quanto a nossa, mas
ninguém se aventura a procriar com uma raça que não seja
a sua.
O cuco põe ovos num ninho de toutinegra ou de pintar-
roxo, mas não há relações sexuais entre estes pássaros.
As plantas são ainda mais racistas.

9 — Ler Le Livre des Secrets Trahis (O Livro dos Segredos Traídos),


cap. X — O Deus invejoso (cioso) do povo eleito, 183 a 187,
ed. Robert Laffont.

211
O vento traz o pólen e espalha-o no pistilo de milhares
de flores diferentes, a abelha transporta o pólen de um lírio
sobre goiveiros, acácias, buxos, lis, mas nunca se segue uma
fecundação.
Mesmo entre as orquídeas, se a espécie não é rigorosa­
mente idêntica, precipitam-se imediatamente anticorpos para
neutralizar o pólen estranho.
E assim a lei se salva.
Em todos os departamentos de sua vasta organização, a
Natureza zela pelo respeito à proteção das espécies e tudo
está previsto no sentido de que as hibridações perigosas não
possam produzir-se, sobretudo na escala superior, isto é, nas
espécies mais evoluídas.
Em compensação, um norueguês pode ter um filho com
uma mulher baluba ou com uma papua, um chinês com uma
mexicana: todos pertencem à raça humana.
Contudo, um homem' intelectual, culto e inteligente come­
tería sem dúvida uma falta se fosse desposar uma senhora de
nível intelectual e psíquico anormalmente baixo.
O homem deve tender a elevar o seu nível de consciência
e de ação e não a rebaixá-lo10.
Os antigos hebreus haviam editado leis contra este crime
fora do bom senso.
O Talmud recomenda que uma mulher se case, se puder,
com um membro do sinédrio ou então com um professor de
escola ou ainda com um homem inteligente e conhecedor dos
escritos sagrados.
O homem ignorante ou idiota “causava vergonha a Deus”
e devia ser apedrejado, até mesmo suprimido (eutanásia).
A lei mosaica comina com pena de morte aqueles que
contraem matrimônio entre parentes próximos.
Levando longe demais a noção de pecado e de racismo,
recomendava-se que, sempre que possível, os israelitas esco­
lhessem suas esposas entre a sua própria tribo, a fim de tornar
menos complicadas as questões de hereditariedade.
Os casamentos entre os hebreus e os cananeus eram for­
malmente proibidos (Êxodo 33,16 — Deuteronômios, 7,3 etc.).

10 — «O câncer é o desespero da matéria vivente superiormente or­


ganizada. Deus diz ao canceroso: Que fizeste da energia que
te dei?... que desordem trouxeste ao meu plano.»
Extraído de Hygiène et Médecine naturelle (Higiene e Medi­
cina natural), n.° 849 — Rua de Enghien 26 — Paris, X.a.

212
O PECADO MORTAL

Se plantarmos uma bolota, obteremos um carvalho e não


uma acácia ou uma faia.
Os carvalhos conhecem a sua função de árvores que tem
por finalidade garantir a continuidade de sua espécie. Se uma
dessas bolotas, não se sabe por força de que milagre ou aber­
ração, desse origem a um álamo, então isto seria o fim do
mundo, num caos inimaginável, fantástico e de causar pesa­
delo.
Então o camponês semearia trigo e colhería grama; a
cadela pariría ratinhos; os peixes dariam pássaros e, com
todo o plano universal transtornado, falsificado, a vida mons­
truosa substituiría a vida organizada.
A grande segurança que torna a vida já não suportável,
mas admirável está na confiança que temos na ordem uni­
versal.
No universo, cada uma das coisas obedece a um ritmo, a
uma lei preconcebida por uma inteligência infinitamente mais
sutil do que a do homem.
Na evolução criadora tudo está sujeito a um plano in­
falível onde tudo foi previsto, até mesmo o acaso, e os cartões
perfurados do computador cósmico não toleram nenhum erro.
Nenhum computador humano será jamais capaz de ga­
rantir um processo matemático, físico e espiritual tão com­
plexo e sublimemente inteligente como o processo de reações,
de ligações, de mensagens, de complexificações que, depois e
antes do ADN, se desenvolve e redunda rigorosamente na
criação de uma rosa, de uma andorinha ou de um homem,
de uma nuvem ou de uma galáxia.
Sob um certo prisma, o homem é um resultado de tal
forma miraculoso que seria um sacrilégio atentar contra ele.
Seria também estupidez querer quebrar a obra-prima de
um escultor, fazer dela seixos e calçar uma estrada com pedras
resultantes dessa destruição.
Ninguém tem o direito de cometer tais sacrilégios e no
que nos diz respeito o pior de todos consiste em atentar contra
o nosso código genético.
A lei de racismo é universal, infringível. Todo aquele que
a transgride comete o pecado.

213
Podemos imaginar um tirano capaz de destruir, aniquilar
três bilhões de homens e deixar vivos somente mil ou cem
indivíduos.
Isto constituiría um grande crime, mas não o pecado,
pois o mundo poderia recomeçar e nada está perdido enquanto
tudo não estiver perdido.
Pelo contrário, e não estamos longe disto11, quando o bio-
logista começar a mercadejar os genes e os cromossomos,
então estará cometendo o pecado imperdoável e a raça hu­
mana estará sendo precipitada no nada.
Não haverá mais quem a possa salvar, o paraíso terrestre
estará perdido, será a queda do homem.
É desta maneira que compreendemos a fábula do pecado
original.
É desta forma que parece manifestar-se a verdade pro­
funda e terrível do símbolo do fruto da árvore do conheci­
mento do bem e do mal, isto é, da ciência.
É uma terrível eventualidade que pesa sobre o destino
da humanidade.

11 — Os biologistas já começaram a mercadejar os genes e as célu­


las. Estão estudando o meio de modificar à vontade certos
caracteres hereditários. No âmbito da célula, na universidade
de Oxford casaram-se plantas com animais.

214
Capítulo XIV

A CRIAÇÃO DO MUNDO

Para abordar o mistério da criação do universo os físicos


tentam preliminarmente explicar o que seja a Vida.
Alguns acham que a matéria é inerte e que o princípio
que a separa do vivente está ligado a um conceito revolucio­
nário de espaço-tempo, o que estabelece uma diferença funda­
mental entre a matéria e o vivente ou, por outras palavras:
entre a morte e a vida.
Esta opinião dificilmente defensável não é partilhada pe­
los verdadeiros sábios que, pelo contrário, estão cada vez
mais propensos a imaginar um universo-entidade vivendo ou,
segundo a expressão de Robert Linssen: como um "grande
pensamento”1.

EXISTE VIDA EM TUDO


"Os trabalhos do sábio inglês D. Lawden — escreve Lins­
sen — do matemático e filósofo Estêvão Lupasco, do matemá­
tico e químico Tournaire, do físico P. A. M. Dirac, do Dr. Ro-
ger Godel, de Robert Oppenheimer, de Jean Charon, de Teih-
lard de Chardin, de Chauchard etc., põem em evidência certas
capacidades de memória e de inteligência não somente da
matéria organizada, mas também da matéria inorganizada.”

1 — Ler Spiritualité de la Matière (Espiritualidade da Matéria), de


Robert Linssen, ed. Planète.

215
Em resumo, a vida existe por toda parte com suas quali­
dades físicas e psíquicas, do mineral ao ser humano, pois um
e outro têm uma essência idêntica.
Torna-se então provável que a matéria e a energia tenham
também uma mesma identidade examinada sob aspectos dife­
rentes.

A TESE DO MESTRE DESCONHECIDO

A tese de um Mestre Desconhecido dá testemunho da si­


tuação da argila, no centro da escala dita de eletronegativi-
dade, a igual distância do flúor e do césio.
A argila fica a meio caminho entre:
— 0 flúor: acidez, frio, mini-densidade, ou negatividade,
ou espaço, ou espírito.
— O césio: basicidade, calor, maxi-densidade, positividade
ou massa, ou espírito.
Flúor (— 223.°) Al-Si Césio (+ 28.?).
O alumínio é um metal (masculino), o silício é um meta-
lóide (feminino): sua combinação, por meio da água, dá a
argila (silicato de alumínio hidratado).
O interesse desta apresentação se prende às qualificações
seguintes: função ácida de espaço-espírito e função básica de
massa-psiquismo, as quais têm um vínculo natural com o pro­
blema da criação e da origem do homem sobre a base da
tabela de Mendeleiev, nos 143 elementos.
Tradicionalmente existem quatro princípios simples: o
fogo, a água, o ar e a terra, mas o Mestre Desconhecido res­
tringe o número dos elementos-matéria a dois somente: o
tempo e o espaço2.

2 — Uma tese mais admitida reduz o número dos elementos-matéria


a um único: o continuum espaço-tempo.
Na Relatividade de Einstein o espaço-tempo consiste num con­
tinuum (o contrário de descontínuo), isto é, segundo André
Guéret e Pierre Oudinot: «uma certa curva sem solução de con­
tinuidade (sem interrupção), que se desenrola no espaço. Não
poderiamos então ir de um ponto ao outro senão passando por
todos os pontos intermediários».
«LTiomme et les impondérables (o homem e os imponderáveis),
André Guéret e Pierre Oudinot, ed. Henri Dangles, Rua de Mos­
cou 38, Paris. Em outros termos, o tempo e o espaço não são
dissociáveis e existem simultaneamente, um por meio do outro
e inversamente: é o continuum espaço-tempo que é curvo e se
identifica assim com o Universo que o é de igual forma.

216
PROTEUS, O VIAJANTE DO TEMPO
A função básica liga curiosamente a massa ao psiquismo,
o que corresponde bastante bem ao axioma de Einstein: ma­
téria = energia.
Ela faz lembrar, por outras, a tradição do filho de Netuno
e de Fenícia: o deus marítimo Proteus que, de igual modo que
o ADN e os cromossomos, possuía o dom de conter o futuro,
isto é, de viajar no tempo e de conhecer também todas as
coisas.
Proteus, cujo nome tem por raiz a palavra grega protos =
primeiro, só revelava seu saber se Iho arrancassem (o iniciado
não revela senão àquele que o merece; é preciso matar o
dragão para pegar o tesouro; tem-se que esperar a morte do
Mestre para herdar seu conhecimento).
Outro elo de iniciação: Proteus tinha o poder de se meta-
morfosear em rocha (matéria), em árvore (reino vegetal) e
em animal, o que deixa margem a pensar que a função protô-
nica, primeira e positiva, tem o privilégio de decidir sobre a
escolha da espécie e das direções de evolução.
Se continuamos a manobra dos cotejos entre a iniciação
e a ciência, notamos que com Proteu a água mãe do Oceano
primitivo está intimamente unida à ação, da mesma forma
que a água mãe na tese dos biologistas está obrigatoriamente
associada à eclosão dos aminoácidos, geradores da vida dita
biológica.
Enfim, para se exercerem, os poderes de metamorfose e
de predição do deus implicam a existência de um universo
diferente do nosso, análogo àquele em que Jean Charon en­
cerra as ondas eletromagnéticas de ligação entre a Matéria e
o Vivente, ondas que ele chama de "mnemônicas”, sem dúvida
porque elas são parentes próximas dos cromossomos-memó-
ria e dos “arquivos akashicos do universo!”.
Estas reminiscências e estas teses sugerem imperiosamen­
te um universo de quatro ou cinco dimensões, que facilite
singularmente as especulações sobre o mistério da criação.

0 +, 0 — E O TEMPO ZERO

Estamos quase sempre seguros de que nos dirigimos rumo


à luz, quando a tradição e a física clássica estão de acordo.
A tese dos Iniciados em torno do surgimento do Universo
aproxima-se daquela de Jean Charon sobre o aparecimento
da vida: a programação da célula podería muito bem estar

217
contida num círculo curvado por uma energia e que encerrasse
as ondas eletromagnéticas de suas informações, por exemplo
sob a forma da espiral de cadeia molecular de ADN.
O princípio entre a matéria e o vivente ficaria ligado a
uma questão de continuum espaço-tempo3.
Estas comparações e aproximações em torno do mistério
da criação desfazem o dilema caduco dos antigos cosmólogos:
teve o mundo um começo, ou é ele eterno?
Seria humilhante esposar a explicação bíblica dos cristãos
e dos judeus, para quem o mundo foi criado pelo Deus de
Abraão!
Curiosamente, às mais das vezes quem se apegou ao pro­
blema têm sido a lenda, a mitologia, a tradição e até mesmo
o conto.
Os maias do Popol Vuh tinham uma concepção da histó­
ria e do tempo que se assemelhava ao milagre puro e simples,
sem atender às leis de duração e de espaço do nosso universo
tridimensional.
A metamorfose, o "proteísmo”, a ubiqüidade e a viagem
no tempo figuraram sempre como os elementos-base da fei­
tiçaria, da religião, da magia e dos feitos fabulosos das faça­
nhas romanescas da Távola Redonda.
Para grande escândalo daqueles que pensam sensa-
tamente e bem, a verdade era arranhada!
Com efeito, a verdade raia pelo miraculoso, pelo incrível,
e é por isso que o Pe. Teilhard de Chardin dizia que somente
o fantástico tinha chances de ser verdadeiro.
Os ocultistas supunham-no e em suas especulações e fre-
qüentemente em suas divagações introduziam um princípio
extracientífico relativo à natureza, ao tempo, ao espaço e aos
poderes de metamorfoses da matéria, os quais nunca foram
aceitos pelos racionalistas.
Pois bem, é com base neste princípio herético que em cer­
tos círculos de iniciação se ensina a cosmogênese.
Mediante esta hipótese, o nada tem existido, existe ainda
em conjunto com a criação, se reduzirmos o espaço-tempo à
sua mais simples expressão: zero.

3 — Toda massa e toda energia deforma o espaço-tempp e curva toda


mudança de móvel. Portanto, o Universo parece apresentar-se
à nossa imaginação ou como uma máquina fantástica feita de
círculos ora concêntricos ora «orbitando» num plano de eclíp-
tica, ou como uma espiral que evolui numa única direção a
partir de um centro hipotético.

218
Segundo Frederico Joliot-Curie e Chadwick, a matéria ini­
cial não teria tido carga elétrica? Deveriamos imaginá-la como
um nêutron.
Por conseguinte, o nêutron seria a protomatéria.
Este universo primordial donde o + e o — teriam estado
ausentes identifica-se com o zero, isto é, com o nada, mas com
um nada cheio do + e do — em potência no futuro, da
mesma maneira que o zero supõe o seguimento dos algarismos
1, 2, 3 etc.
Desta maneira somos levados a conceber um começo que
não é um, um neutro "vazio-cheio”, que encerre o positivo
e o negativo.
Graficamente, o símbolo do universo é representado por
um traço horizontal acoplado a um círculo de onde parte um
traço horizontal cortado por um traço vertical:
- 0 +.

COMO IMAGINAR O UNIVERSO

Quando tenta imaginar o universo, o homem acaba dando


com dois obstáculos:
— É ele limitado ou infinitamente grande?
— Tem ele um começo ou é eterno?
Certamente o Sábio tem uma boa saída para isto: eu sou
um ignorante, nada sei sobre estes dois mistérios.
Mas, em que pese tudo isto, o homem — sábio ou não —
é atiçado pela curiosidade e quer aventar hipóteses e então,
no que tange as dimensões responde: o universo é infinita­
mente grande4!
No que diz respeito à criação, opta então ou pela eterni­
dade ou por diferentes soluções: começo, tendo por base ini­
cial a energia, uma vontade de potência, ou uma entidade ba­
tizada para a circunstância em foco: Deus ou Inteligência
universal.
Na Relatividade geral de Einstein, a matéria e a energia
se identificam na essência, o que na hipótese de uma criação
permite supor que o início teria sido da energia-matéria.

4 — No infinitamente grande a linha reta não parece existir, o que


implicaria um universo curvo, não infinito, mas indefinido «como
uma baforada de fumaça»; seria indefinido no espaço-tempo,
mas poderia ser finito no espaço e ter tido um começo.
Aliás, coisa difícil de se admitir!

219
Estas tentativas de soluções e estas explicações são per-
feitamente fantasistas, errôneas, e por sua vez os físicos sabem
muito disto.
Os que ignoram, os ignorantes, eles evidentemente têm
uma certeza, quer dizer: têm uma fé, uma crença.
Na verdade, o homem esbarra num obstáculo tanto mais
invencível, porquanto todo raciocínio humano se apóia geral­
mente em bases de lógica cuja realidade e leis físicas consti­
tuem os pilares inquebráveis e necessários.
Logo, estas realidades e estas leis só têm sentido no uni­
verso imperfeito que percebemos.
O PARADOXO DE ZENÃO

Zenão de Eléia (490 antes de Jesus Cristo), filósofo dialé­


tico, negava o movimento, o tempo e o espaço e concluía pela
imobilidade absoluta.
Efetivamente, negava que estes fenômenos possam ser de­
monstrados logicamente por princípios absolutos.
Segundo seu pensamento, como atributos dos corpos só
existiríam a unidade e a pluralidade relativa.
Estabelecia a impossibilidade do movimento pelo parado­
xo da flecha que nunca pode atingir seu alvo se ela se­
guir uma linha de pontos em número infinito.
Com o átomo, o universo curvo, a relatividade e as mate­
máticas de vanguarda, a ciência clássica fornece a todo ins­
tante ao paradoxo e à dialética o meio e a razão de se expri­
mir em hipóteses válidas.
De acordo com o sistema de Zenão, todo espaço está di­
vidido numa infinidade de pontos, muito embora entre 0 e 1
e entre 1 e 2, entre o metro 1 e o metro 2 haja — com o fito
de uma melhor compreensão da nossa parte — 1 metro, mas
também 10, 100 bilhões de pontos.
Mediante este sistema, um trem que partisse de Paris, qui­
lômetro 0, não chegaria a Bordéus, quilômetro 585, mesmo
que 'corresse a uma velocidade de 100 km/h, até mesmo a 100
bilhões de quilômetros horários.
É uma curiosidade matemática muito conhecida, com cujo
significado profundo não conseguimos atinar.
Se o trem deve percorrer a infinidade dos pontos que
ligam Paris a Bordéus, ficará ele sempre com uma distância
infinita a percorrer, não importa qual seja a sua velocidade.
Por conseguinte, nunca chegará ao ponto de destino.
Fato aparentemente real: o trem das 12 horas e 15 minu­
tos de Paris a Austerlitz chega todos os dias as 17,45 a Bordéus.

220
A realidade parece sobrepujar a fantasia de cálculo!
Não está certo! Em termos de realidade absoluta, o trem
não chega a Bordéus, mas atinge somente umas zonas da ci­
dade; incontestavelmente não até à Praça dos Quinconces, nem
passa pela porta do Hôtel-de-Ville, nem pelo Palácio Gallien,
nem pela catedral de Santo André.
Pois bem, Bordéus não se constitui somente da estação
Saint-Jean, mas compreende-se toda a cidade em sua máxima
grandeza e tamanho que se possa relancear com a vista até à
sua íntima pequenez, até ao seu ponto infinitamente pequeno
que jamais será atingido não importa qual meio viéssemos a
empregar para isto!
Esta especulação outro escopo não tem senão levar nossa
mente a uma outra forma de pensamento.

O HOMEM DO NÊUTRON

Prossigamos com nossa investigação no insensato de nos­


so real.
Para um ser que vivesse sobre o nêutron dum átomo, o
infinitamente grande se situaria além do próton nas zonas
inacessíveis onde circulam os elétrons aos bilhões, uns emi­
tindo brilho como nossas estrelas do céu e outros de tal modo
afastados' que sua luz deve perder-se nas profundezas inson-
dáveis5.
Para além desta incomensurável coroa eletrônica, mais
constelada do que nosso firmamento à noite e onde, cortada
por estrelas cadentes que riscam o céu, pestanejam cometas e
OVNIs (objetos voadores não-identificados) pelo efeito de mu­
danças de órbita, um ser que vivesse sobre um nêutron não
poderia imaginar outros espaços.
Igualmente, um ser que pensa e que vivesse no vírus das
parótidas talvez tivesse uma certa noção do ouvido ou do cé­
rebro, mas o restante da cabeça escaparia ao seu poder de
investigação e não lhe passaria pela idéia que pudesse depen­
der de um sistema orgânico muito mais importante.

5 — No átomo, entre a coroa de elétrons e o núcleo existe proporcio­


nalmente tanta distância como entre o Sol e a Terra. Um tiro
de artilharia de partículas destinadas a expulsar um nêutron
do núcleo obriga enviar bilhões de obuses para se ter uma
chance de atingir o objetivo.
Note-se que a estrutura hipotética do átomo é posta em dúvida,
depois que os físicos Danos e Gillet estabeleceram que o núcleo
estava organizado em quartetos.

221
Ainda pela mesma linha de raciocínio, o homem sobre
seu planeta que imaginasse “seu” universo profundo de X bi­
lhões de anos-luz, segundo seus radiotelescópios, é como se
fosse o próton de um átomo e o habitante do vírus da pa­
peira (parótida).
Portanto, a idéia de grandeza e a idéia de pequenez são
destituídas de toda consistência, pois o infinitamente longe
não está mais distanciado (afastado) do que o infinitamente
perto e vice-versa.
Ambos coincidem com este centro zero teórico que é o
nosso "eu” físico, como o futuro coincide com o passado e
com o centro zero teórico que é o nosso “eu” presente. Neste
sentido, nossa realidade percebida é inimaginável, fora de al­
cance, ilusória.
Eis-nos, finalmente, próximos a uma concepção relativa­
mente positiva do nosso universo, do seu espaço e do seu tem­
po, pois se chegamos a admitir que o espaço e o tempo real­
mente não existem, então teremos uma certa noção do misté­
rio da criação e da vida.

1 MORTO E 1 VIVENTE

Um recurso análogo permite situar fora do tempo um


certo sistema de aparecimento do Existente ou elemento pri­
mordial, de onde tudo proviria por obra de uma complexifica-
ção a bem dizer inexplicável.
Com efeito, uma “complexificação”6 supõe um acréscimo,
por conseguinte a adição de alguma coisa.
É neste estágio que se faz com que atuem o "continuum”
espaço-tempo e a idéia de que a unidade-matéria é também
espírito ou energia existente num “continuum” passado-futu-
ro que pode, com um pouco de imaginação, explicar que 1
contém + 1 e — 1.
Este 1 é no mesmo tempo finito e infinito, criatura e cria­
dor, uma espécie de entidade, muralha, fortificação do uni­
verso.
1 completamente sozinho é incriado, morto, pois não en­
cerra nenhum prolongamento, isto é, nem duração nem dis­
tância.
Ele é vivente se contém uma complexificação em poten­
cial, quer dizer, do espaço-tempo, da energia-matéria e da inte­
ligência. Se contiver esta trindade, tudo se torna possível.

6 — Os físicos empregam agora correntemente esta palavra.

222
Para o crente preguiçoso, esta trindade consiste em Deus
e suas hipóstases. É um conceito esotérico muito válido.
Para o homem “disponível”, é a possibilidade necessária.
Tanto num como noutro caso, o sistema consiste em acres­
centar ao 1 morto alguma coisa que não seja vivente, que não
existe, mas que passa a ter vida: vida do espaço e do tempo.
As experiências do Sr. Bernard d’Espagnat, professor do
Colégio de França, evidenciaram este fenômeno de ubiqüida-
de próprio de certas ondas. A ficção raia a ciência.

O PAI, O FILHO E O ESPÍRITO SANTO


Chega-se desta forma a conceber um fenômeno de criação
uno e múltiplo, sem início no tempo porque feito do nada, do
passado e do futuro, e este recurso nos leva de novo a inven­
tar fantasias necessárias: o infinito-finito, a energia-matéria
inteligente, Deus inexistente e todo-poderoso, "criador do céu
e da terra, consubstanciai ao Espírito Santo e ao Filho que é
carne e vida manifestada”.
Bem entendido, tudo isto não passa de energia enganosa,
mas alimentadora da curiosidade gulosa dos homens.
O grande iniciado que foi Buda analisara este conceito há
2600 anos e definiu-o com esta palavra magistral: o maiá.
Meio milênio mais tarde outros Entendidos do assunto,
os teólogos, compreenderam também eles que convinha dar
um Filho a Deus para que a Santa Trindade pudesse represen­
tar esotericamente o símbolo da criação.
Esses Entendidos eram os Iniciados.

ILUSÃO DO TEMPO: UNIVERSO INSTANTÂNEO


Estamos agora suficientemente libertos da ilusão para ten­
tarmos uma hipótese nova?
O passado, o presente e o futuro coincidem.
O mensurável, o infinitamente grande e o infinitamente
pequeno coincidem.
Estes termos não correspondem a nenhuma realidade ab­
soluta, não são senão a expressão do nosso universo conven­
cional, são existentes e inexistentes, consistentes e imateriais,
iguais e superiores a zero, neste sentido de que nada podemos
pesquisar com nossos sentidos imperfeitos e de que tudo é
ilusão.
Os verdadeiros sábios pensam o seguinte: "Só o insensato
tem chances de ser verdadeiro”, disse Niels Bohr; o Pe. Tei-
Ihard de Chardin pensava o mesmo.

223
Então, com estes dados podemos aventurar uma explica­
ção da criação do Universo: não é eterno, não teve nem co­
meço e nem terá um fim: o universo está continuamente em
estado de criação e de desaparecimento.
O Universo foi criado há uma infinidade de bilhões de
anos-luz; exatamente neste momento ele começa sua criação,
tudo isto simultaneamente, com uma coincidência absoluta
do tempo e do espaço, do vazio e do cheio, do mais, do menos
e do neutro.
Este conceito fantástico, já suposto pelos físicos de van­
guarda, tem chances de ser menos ilusório do que a criação
que nos é apresentada pelo catecismo quando diz: Deus criou
todas as coisas; ou então a cosmogênese da escola leiga e
primária: o Universo sempre existiu7.

O RIG VEDA DISSERA-O. . .

Nesta tentativa de cosmogênese, a introdução do espaço-


-tempo não constitui elemento novo.
Desde muitos milênios os Iniciados haviam precedido os
físicos com esta tese: no inexistente e no nada do vazio inicial
ultrapassado, tudo foi procriado com o existente do universo
ultrafuturo.
É o que os esoteristas já haviam lido no Rig Veda:
"Não há nem ser, nem não-ser, nem éter, nem este toldo
do céu, nada envolvente nem envolvido. . . mas Aquele Ele res­
pirava sozinho, sozinho com Ela cuja vida sustenta em seu
seio.
Afora Ele nada existia que depois houvesse existido. O de­
sejo formado pela inteligência d'Aquele se tomou semente ori­
ginal (desejo = energia); a semente se tomou progressiva­
mente providência, ou almas sensíveis, e matéria ou elementos.
Ela, que é sustentada por Ele em seu seio, foi a parte in­
ferior; e Ele, que observa, foi a parte superior.

7 — Se a idéia de Deus, Pai de Jesus Cristo, juiz do bem e do mal,


do paraíso e do inferno, informador de Moisés no Sinai, conse­
lheiro militar de Josué, vigia dos nossos pecados no observatório
astronômico do céu, é grotescamente insensata — aquela da
Inteligência superior o é muito menos. Quanto ao conceito do
Universo eterno, não é fundamentalmente falso, mas não encon­
tra explicação e não pode ser apreendido.

224
Quem neste mundo conhece exatamente e quem poderá
afirmar de onde e como esta criação teve lugar?
Os deuses são posteriores a esta produção do mundo8.”

DEUS FOI INVENTADO PELA INTELIGÊNCIA

A idéia de "criação” é completamente estranha aos teólo­


gos da índia. Segundo eles, Deus não criou e sim vomitou
o universo9.
Dão o nome de criação ao "nascimento dos elementos,
das moléculas elementares, dos sentidos e da inteligência, nas­
cimento este produzido por Brama, por meio da mistura desi­
gual das qualidades; as emissões secundárias provêm de Pu-
rusha (princípio construtivo)”.
Na realidade, nada disto acontece, pois tudo é maiá (ilu­
são).
Os diferentes conceitos sobre cosmogênese e a natureza de
Deus, quando levados a sério pelo comum dos homens, para
a inteligência não passam de rodeios, de ditos equívocos.
No Bagavat Purana, Bagavat (Deus) é o primeiro dos se­
res que, sob a forma de Purusha, é ao mesmo tempo agente,
continente, causa e efeito; ele se cria, ele mesmo é incriado,
em cada kalpa (ciclo), pois subsiste e destrói-se sucessiva­
mente.
Deus é o conjunto de todos os seres emitidos por ele.
Somente é Deus aquele que é todas as coisas.
Eis-nos muito longe dos dogmas e dos deuses ilusórios
dos cristãos, dos judeus e dos muçulmanos, também tão ine­
xistentes e inventados quanto os dogmas e os deuses do Egito,
do Peru e do México.

Mais de iniciação do que o Bagavat Purana, o Bagavat


Geeta ou evangelho, ou Boa Nova sobre o qual Mateus, Lucas
e Marcos calcaram seus evangelhos cristãos, nos faz revelações
interessantíssimas sobre Deus e as altas esferas de iniciação.

8 — Seja qual for a hipótese encarada, caímos sempre de novo no


não-compreensível, no paradoxo. Mesmo no Rig Veda «não
existe nada, salvo alguma coisa»!
9 — Criar significa: fazer nascer a partir de uma matéria exterior
a si. Vomitar implica uma criação que participe do criador, que
é parte de si mesmo.

225
Eis o que escreveu o sábio orientalista, Sr. Ed. Duméril,
registrado pelos enciclopedistas10:
"Ciosos de levar uma existência contemplativa, numa
atmosfera de exaltação que fazia de todo trabalho um suplício,
os brâmanes quiseram legitimar com seu estilo de reflexão a
superioridade de sua casta: inventaram um Ser supremo para
atender à necessidade de sua causa.
Introduzindo um deus num sistema filosófico que não dei­
xava nenhum lugar à divindade, sem contudo negar-lhe posi­
tivamente a existência, a classe inteligente da índia realizou
um verdadeiro esforço máximo.
Lançando mão de uma hábil encenação, acrescenta Ed. Du­
méril, o autor (do Bagavat Geeta) confere aos seus ensina­
mentos a unção da santidade que é apanágio de verdades, cuja
origem se perde na noite dos tempos, e atribui-lhes a autori­
dade de um revelador superior à humanidade.”
Esse "revelador”, a que os fundadores de religiões cha­
mam de Deus ou o Ser supremo para impressionar os crentes
ignorantes, na realidade em sua concepção não é senão um
maiá, uma Inteligência desconhecida e impenetrável.
Resulta daí que os Grandes Iniciados da índia, e sem dú­
vida aqueles do mundo inteiro, inventaram um demiurgo na
medida do povo, o qual forjou, ele próprio, o culto de deuses
secundários que não eram senão heróis, legisladores, entes hu­
manos superiores.

MANOU SABIA DISSO. ..


O Código de Manou, que vale a pena lembrar, asseverava
que "o Veda é o princípio e o verdadeiro sentido do universo
existente por si mesmo, inconcebível pela razão humana, a
qual não lhe pode avaliar a extensão”.
Primeiro homem, primeiro iniciador e primeiro herdeiro
que é do conhecimento transcendental em nosso ciclo (ou man-
watara), Manou forneceu uma representação simbólica do
surgimento do mundo, rica de ensinamento para quem sabe
lê-la:
"Brama neutro, o incognoscível, aquele que o espírito não
pode perceber, fez emanar de sua substância as diversas cria­
turas.

10 — G. D. L., Bagavat Geeta, pg. 668. Em resumo, é a opinião de


Ed. Duméril.

226
Produziu primeiramente as águas, nas quais depositou um
germe que se transformou num ovo brilhante no qual o Ser
supremo nasceu por si só (novamente uma interpenetração e
a utilização de um espaço-tempo estranho) sob a forma de
Brama masculino, o avô de todos os seres. Brama permane­
ceu neste ovo durante um ano (= 3.110.400 milhões de anos
humanos) e só com o seu pensamento o separou em duas par­
tes: o Céu e a Terra”.
Por esta exposição fica evidente que a primeira criação
não foi a argila (barro), nem mesmo os gases (H e O), mas
a água (H2O) de onde tudo teria saído.
Esta tese não goza do beneplácito dos físicos, que reputam
a criação da água posterior àquela dos gases elementares: hi­
drogênio, oxigênio, azoto, carbono (gás carbônico), eles mes­
mos oriundos da energia-matéria.
No entanto a tradição é formal: o primeiro movimen­
to produziu-se nas águas e Nara, o espírito divino, passou a
chamar-se Naraiana, aquele que anda sobre as águas (plagia­
do pelo Evangelho), porque tudo participa da água e do espí-
rito-divino.
A mitologia védica confunde-se portanto com a mitologia
grega para associar a água à criação; Naraia é um parente
próximo de Proteu e ambos simbolizam a preparação alquí-
mica da verdadeira Obra Magna: a criação.
Nos arcanos da mitologia aninham-se não somente conhe­
cimentos iniciáticos, mas também segredos científicos dos
quais os físicos e os biologistas talvez façam mal descurar.
A COSMOGÊNESE DOS INICIADOS
A cosmogênese que se ensina nos naos dos iniciados pode
ser expressa assim: no inexistente e no nada do grande vazio
inicial passado tudo foi procriado com o existente e com o
criado do universo futuro.
Na manifestação do Vivente, a conjetura da evolução (fu­
turo) é mais provável do que a existência do passado11.
A criação pertence a todos os tempos e deve-se concebê-la
tanto no futuro não acontecido como no passado terminado e
no presente imperceptível.
O Universo tem portanto um começo e um não-começo
(inexistência).
O universo começa com o futuro, com a condição de in-
troduzi-lo no passado, que é nada e não-começo.
11 — Um grão de trigo pode produzir uma espiga, o que constitui uma
quase certeza que podemos provar, mas não podemos atestar
de forma absoluta e peremptória que este grão provém de um
outro grão.

227
Neste sentido, poder-se-ia quase dizer que o futuro existe
antes do passado e lhe é anterior, quando lhe é contemporâneo.
Tudo teria sido criado, não com hidrogênio ou carbono,
conforme pensam os químicos, nem com fogo, com ar e com
terra comum como ensinam os espiritualistas — mas sim com
matéria original una e indivisível: o espaço-tempo.
O primeiro segundo da criação era filho do segundo se­
cundo e ao mesmo tempo sua mãe: o futuro impregnava o
passado e confundia-se com ele.

Em nosso universo conhecido, o conceito que externa­


mos — junto a todos os iniciados antigos — concretiza-se num
tempo presente que não existe.
A carne grelhada que comemos contém ao mesmo tempo
a vitela e os produtos de digestão e é só na aparência (ilusão,
o maiá de Buda) que os três tempos se dissociam num espaço
triplo que satisfaz ao nosso espírito preguiçoso.
Efetivamente, não é possível que a ação de comer uma
carne grelhada se limite a esta simples expressão; eu como.
Não haveria como existir passado, sem existência simul­
tânea do futuro: tudo é eterno e simultâneo.
A primeira respiração da criança tem um início no sêmen
do pai, naquele do avô etc. É o passado aparente.
Mas esta primeira respiração implica também e contém os
filhos que nascerão da criança, ou a restituição pura e simples
dos elementos constitutivos do corpo físico e, de qualquer ma­
neira, ela contém um universo de encadeamentos passados e
futuros desde o começo até o fim do mundo, até à eternidade,
indefinidamente, sem possibilidade de sustação, de término,
de começo e de fim.
E o mesmo fenômeno se passa com um grão de areia que
cai do rochedo: o universo todo, íntegro, está envolvido no
processo.
Ê o que queria dizer (também) Hermes Trismegistos com
o seu axioma: tudo está em tudo: o que está embaixo é como
aquilo que está em cima.
Neste estágio de doutrinamento o adepto começa a perce­
ber que as contradições nada têm de irreal!

228
Não é possível imaginar o "primeiro” tempo presente com
um passado; pelo contrário, deve-se admitir que este primeiro
tempo tinha um futuro; tinha-o mesmo hereditariamente, em
forma de código genético e então podemos concebê-lo como o
passado inexistente do tempo presente.
A quase-certeza do futuro constitui uma das chaves da
nossa cosmogênese.
O passado pertence ao universo em três dimensões, e não
encerra nenhum problema que a nossa percepção física e aque­
la do intelecto não possa resolver.
O futuro pertence a um universo em quatro dimensões:
comporta as dimensões do nosso mundo habitual e ainda por
cima aquela do mundo provável mas desconhecido para o qual
nos encaminhamos.
A crença — religiosa ou não — inscreve-se também ela
num universo em quatro dimensões, pois implica uma conjun­
tura mais ou menos desconhecida.
A criação do mundo, impossível de conceber em nosso
universo de três dimensões, pode ser apreendida quando não
compreendida; e nós podemos imaginá-la num universo em
quatro ou cinco dimensões (a topologia cilíndrica de Jean
Charon).

229
Energia = Matéria
(Diógenes de Apolônia — 500 a. C.)

Capítulo XV

A VIDA E A INTELIGÊNCIA

A vida é uma fantástica vontade de procriar, de tomar-se


espaço-tempo.
O escopo da vida é desconhecido; talvez consista tão sim­
plesmente em demonstrar a existência, mas é provável que
procurar um fim ou querer demonstrar uma existência seja
um cuidado humano que não tem nenhum sentido no absoluto.
Nos tempos antigos as religiões tinham por função rea­
lizar esta harmonia, ou seja: estabelecer um vínculo estreito
entre o destino do homem e aquele do cosmo.
A Vida é o princípio superior por excelência, é o Univer­
so criado, a Essência, Deus, a Inteligência suprema e o Grande
Arquiteto dos maçãos1.
O princípio-vida preexiste e existe em tudo.
VIDA PRIMITIVA NO COSMO
Segundo os astrônomos e os físicos, a matéria orgânica
que possui vida se forma com base nos aminoácidos que po­
voam os espaços interestelares.

1 — Mas, dizer que a Vida, que o Grande Arquiteto tem um filho


único, cunhados, tios e avós — é uma inépcia!

230
Com efeito, para o futuro temos a certeza de que compos­
tos orgânicos muito complexos nascem e desenvolvem-se no
quase-vazio e no frio dito absoluto do cosmo2.
De acordo com Sydney Fox, os compostos orgânicos dos
espaços interestelares seriam microesferas, células pré-bioló-
gicas ou, antes, esquemas de células biológicas.

DEUS É O CONTINUUM ESPAÇO-TEMPO


0 maior físico de todos os tempos, que também era um
Grande Iniciado — talvez o Iniciado n.° 1 —: Hermes Tris­
megistos3, afirmava que a vida não tinha nem começo nem fim,
nem nascimento nem morte, que ela era externa e existia em
todas as coisas, tanto no grão de areia como no cérebro de
um padre. Resumiu esta doutrina no célebre postulado:
"Aquilo que está em cima é como aquilo que está em­
baixo. Tudo está em tudo4.”
Hermes disse ainda:
"O espírito (energia) existia antes da natureza úmida (o
Oceano) que saiu das trevas; tudo era confuso e obscuro an­
tes que o Verbo (organização, estruturação da matéria, com-
plexificação) viesse dar vida a tudo”.
É exatissimamente o que pensa a maioria dos físicos: se
ousamos imaginar o universo, devemos concebê-lo como uma
condensação de energia que se transforma em hidrogênio e
água.
Em suma, poderiamos dizer: No começo existiu o Ocea-
no-mãe e a Água-mãe.

2 — Contrariamente ao que se ensina, diz o Mestre Desconhecido,


o frio reinante no gradiente físico terrestre (0? Kelvin ou —
273'915 centígrados) não é de todo absoluto!
O frio nos espaços intergalácticos progride na razão direta das
densidades ambientes (circundantes).
3 — Hermes Trismegistos era Tot, o iniciador dos egípcios. Segundo
Manethon, ele teria escrito 36.525 livros de doutrina sagrada
(mais exatamente: 365 livros 25, representante aos 365 dias e 1/4
do ano terrestre): o Iniciado fala quando é preciso e acelera a
evolução dos homens e das civilizações. Sobram atualmente uns
vinte fragmentos da ciência antiga dos egípcios atribuídos a
Hermes Trismegistos. Sua obra continuou e recolheu as mais
antigas tradições do Egito, seu monoteísmo e sua filosofia e
inspirou Pitágoras e Platão.
4 — Tudo está no tudo porque o passado e o futuro estão contidos
num eterno presente, «no centro do Invariável meio está a igual
distância de todos os tempos».

231
No absoluto e no infinito do espaço-tempo esta concei-
tuação é certamente falsa, mas dela nos valemos com fre-
qüência por razões de comodidade na limitação do nosso Uni­
verso conhecido.
Nesta hipótese, quem é Deus? Quem é a Inteligência su­
prema?
Também nisto Hermes Trismegistos afina com todos os
grandes luminares de nossos tempos:
"O Mestre da criação é o todo e a unidade, o Universo in­
teiro e a parcela mais minúscula que se possa imaginar, par­
cela esta que representa, contém e gera a totalidade.
O Mestre Único é preexistente e pós-existente: ele é o eter­
no viajante dos séculos” ... Isto é, o continuum espaço-tempo.
Ficamos confusos de admiração quando meditamos estas
sábias palavras que os físicos e os astrônomos do século XX
deviam assumir e colocar em seu devido lugar de honra, 4000
anos depois do grande iniciado egípcio.
A tradição e a ciência são pois afirmativas: existem tan­
tas possibilidades de inteligência num grão de areia como
numa molécula de carne animal.

ATOUM, O DEUS ÁTOMO

Atribui-se à palavra "átomo” uma origem grega: a = pri­


vativo: temnô = eu corto.
"Na realidade, escrevem os Srs. Guéret e Oudinot5, sua
etimologia verdadeira se perde na noite dos tempos, dos milê­
nios de anos antes de Demócrates; no entanto Pitágoras, seu
mestre, dela tomara conhecimento durante sua estada no
Egito.”
O colégio esotérico de Heliópolis, segundo o Sr. Guéret6
o mais antigo do Egito, adorava o Criador do mundo sob o vo­
cábulo Atoum, o Deus nobre cujo nome os outros deuses des­
conheciam.

5 — Ler LTiomme et les impondérables, de A. Guéret e P. Oudinot —


ed. Henri Dangles, Rua Moscou 38 — Paris 89.
6 — Embora seja difícil dar uma precedência, parece que o mais
antigo templo do Egito seja aquele de Abidos (6000 anos A. C.)
que remonta à proto-história egípcia.
Foi em Abidos, já construída, que os reis tinitas da primeira di­
nastia estabeleceram seu cemitério há 5200 anos, de acordo com
a cronologia clássica.

232
"É o Deus primordial, que com sua própria substância
criou os deuses e os homens e tudo o que é, o que atrai e o
que repele, o positivo e o negativo7.
Ele é Inconhecível, por fora do nosso tempo e do nosso
espaço habituais.”
Em suma, Atoum é a substância primordial, a protoma-
téria (o nêutron) e, digamo-lo de vez: Atoum é o átomo origi­
nal feito de espaço, de tempo e de desejo.
Este vínculo etimológico seria bem menos consistente, se
um rei iniciado no século XIV antes da nossa era, Akenaton,
não tivesse por pouco batizado com o nome do átomo o Deus
único no qual os egípcios deviam crer; e esse nome era Aton.

OS DEUSES ATÔMICOS
Com efeito, Áton era uma ressurreição de Atoum, deus
primeiro e único, que, com a deterioração inelutável devida
aos milênios, fora substituído por Ra, Rê, Amon e mesmo por
Hórus e Osíris.
A identificação de Atoum com o átomo, matéria primeira
dos físicos, e efetivamente geradora de toda a criação, resul­
ta da própria etimologia do deus, que é oriunda de uma raiz:
A, que significa “não ser”, e Tou, que quer dizer "ser com­
pletamente”8.
Os sacerdotes iniciados de Heliópolis ensinavam que "no
Noun (caos, oceano primordial no qual jaziam a criação e os
germes de todas as coisas e de todos os seres, mas em está­
gio não vivente, não manifestado) vivia um espírito indefi­
nido que trazia em si a soma das existências”.
Chamava-se ele Atoum e de sua própria substância havia
tirado os deuses, os homens e todos os seres (dito J. Viau).
Sem nenhum auxílio exterior, desse Atoum neutro, idên­
tico ao Brama neutro primordial dos Vedas, saíram o + e o -,
o homem e a mulher.
Portanto, Atoum era o próprio princípio da vida de onde
se originou o universo.

7 — Deus deve sempre sacrificar-se para criar. É o milagre da trans­


mutação. A qualidade mais nobre para o Iniciado ou para o
Santo não consiste em sublimar-se, mas em oferecer-se em sa­
crifício.
8 — Ler La Mythologie Générale, de Félix Guirand, mitologia egípcia
com a assinatura de J. Viau, licenciado da Escola do Louvre.
Ed. Larousse, Rua Montparnasse 13 — Paris 6?.

233
Cada vez mais os físicos e os biologistas encaram a hipó­
tese de que o princípio-vida é a protomatéria, que não tem
carga elétrica e que eles identificam com um isótopo do nêu­
tron, o que é efetivamente o átomo primitivo neutro9.
Este conhecimento iniciático dos egípcios era partilhado
pelos antigos sacerdotes da maioria das grandes religiões.
A Grande Alma dos brâmanes era deus único sob o nome
de Atma; o vocábulo sagrado dos tibetanos era Aum; Adonai
era o Mestre (Senhor) supremo dos hebreus e Adônis, dos
gregos.
Attis, esposo de Cibele, a Magna Mater, era o "Pai” dos
fenícios e talvez fosse possível buscar a etimologia de Atoum
em Atena, que saiu cheia de vida do cérebro de Zeus, e em
Ator ou Hátor ou Nout, entre os egípcios deusa do céu.
Os Srs. Guéret e Oudinot escrevem o seguinte a propósito
destas curiosas coincidências:
"Não cremos que tudo isto seja obra do acaso. Àquilo
que nós chamamos de átomo os antigos davam o nome de
Atoum, Áton, Atma, Aum etc.; mas, tanto à idéia como aos
termos atribuíam eles um sentido vasto, completo, filosófico
e religioso.”
Esta hipótese é ainda corroborada pela mitologia da
Pérsia antiga, uma das mais velhas do mundo, onde Atar —
o fogo dos arianos — era o filho do deus supremo Aura-Mazda.
“Mas a crítica, escrevem P. Masson-Oursel e Louise Mo-
rin10, adivinha que o filho deve ser mais antigo do que o pai”.
Ele é o princípio-vida e como tal reputa crime inexpiável o
fato de queimar ou cozinhar carne morta.
O TEMPO APRISIONADO

Para o físico Jean Charon, todos os fenômenos do uni­


verso têm uma origem comum, mas ninguém pôde alterar as
estruturas íntimas e as razões profundas da vida.
Do caos (mas, o que era o caos?) o Existente misterioso
tornou-se corpúsculos elementares, sob a influência de campos

9 — É extraordinário notar — e é bom porque isto vem provar a


existência de autênticos Ancestrais Superiores — que na cosmo-
gênese hindu Brama neutro é o princípio-vida; naquela dos egíp­
cios esse princípio é Atoum positivo e negativo ao mesmo tempo
— o que dá o neutro — e Áton cuja etimologia significa: neutro!
10 — P. Masson-Oursel, diretor de estudos na Escola de Altos Estudos,
encarregado de cursos de línguas e literaturas da índia, na Sor-
bona.

234
magnéticos que supomos preexistentes, pois, por uma série
de complexificações, assumiu uma estrutura atômica.
O impulso fora dado, o primeiro passo vencido; o átomo
passou em seguida ao estado da molécula, mais tarde ao dos
elementos químicos simples, depois compostos etc.
Estava formada a vida manifestada, controlável; Jean
Charon chama-a de o Vivente.
Prosseguindo, conjetura ele que as estruturas e os vín­
culos foram determinados por razões de "lembrança” funda­
mentalmente unidas ao Vivente pelo “campo mnemônico” ou
memória do passado específico.
Em Relatividade geral, o espaço-tempo curva-se na pro­
ximidade de uma zona de grande densidade de energia.
Jean Charon é de opinião que o espaço, no interior de uma
estrutura ADN, quando obedece a esta lei, pode curvar-se de
maneira a formar um círculo que aprisionaria as ondas ele­
tromagnéticas de suas informações11.
Este fenômeno se aplicaria tanto no caso das células ve­
getais como naquelas dos animais, que são idênticas.
O princípio entre a Matéria e o Vivente estaria então vin­
culado a uma questão de continuum espaço-tempo.
Para Jean Charon, os vínculos por meio de campos físicos
entre diferentes estados se estabelecem por topologia plana
no espaço-matéria e por topologia cilíndrica no Vivente; com
necessidade de energia, mais em quantidade fraca1112.
Os vínculos, que seriam impossíveis na matéria, por meio
da topologia cilíndrica poderíam realizar-se bruscamente
neste espaço novo onde as ondas eletromagnéticas têm o po­
der de ficar encerradas.
COMO NASCE A INTELIGÊNCIA
Mediante suas experiências e especulações, nossos físicos
lembraram-se e foram em busca de Hermes Trismegistos e
acabaram esposando suas teses13.
11 — Estas ondas sempre esposam a forma do espaço onde se pro­
pagam.
12 — Ler Planète, n.° 10 — Edições Retz — Rua de Berri n.° 8 — Paris 8?
A topologia é a geometria de figuras de um sustentáculo elás­
tico deformado sem que por isso se alterem as proposições geo­
métricas clássicas.
13 — Já no século V antes de Jesus Cristo o filósofo herético Diógenes
de Apolônia identificara a matéria com a energia e escrevia: ex
nihilo nihil fit (nada pode originar-se do nada)... Sendo evi­
dente a existência da Inteligência, então Diógenes concluía que
o ar (éter ou átomo) e que toda a criação era habitada por um
pensamento.

235
São de opinião que a energia eterna, infinita, psíquica e
inteligente preexiste a todos os Universos14.
Origina-se espontaneamente da matéria (condensação,
transmutação de joules em corpúsculos), isto é: corpúsculos
elementares que por complexificações sucessivas chegam a
estruturar-se em átomos de hidrogênio, oxigênio, carbono etc.
É assim que nasceria a matéria visível, desde o grão de
argila até a galáxia gigante.
Um processo cada vez mais complexo e mais sutil poria
em evidência a inteligência e uma cerca consciência desta
matéria, mediante uma manifestação no poder de escolha, de
memória e de iniciativa.
Se a inteligência, como acreditamos, se caracteriza pela
aptidão em fazer frente a situações novas, então a matéria,
falsamente dita inanimada, é infinitamente mais inteligente
do que a matéria organizada!
“A todo instante, diz o físico alemão Jordan15, alguma
coisa de novo e imprevisto se apresenta no nível atômico.”
É também a opinião de Robert Linssen16, quando escreve
que “em cada instante de um bilionésimo de bilionésimo de se­
gundo os constituintes intranucleares respondem adequada­
mente (completamente) à exigência... de processos de permu-
tas fulgurantes cuja complexidade e velocidade ultrapassam to­
das as possibilidades de nossas representações mentais”.
Os pensadores Lothar Bickel, Constantin Brünner, Roger
Godel e Estêvão Lupasco acreditam também eles que as for­
mas mais autênticas da inteligência habitam nas zonas últimas
da materialidade e têm não somente esta qualidade, mas tam­
bém uma certa capacidade de amor, bem entendido, diferente
do amor humano, pessoal e egoísta17.
Aquilo que os físicos filósofos atribuem à matéria e à
energia seria análogo, nota Robert Linssen, a um estado de
ser, liberto das servidões da afeição e da dor.

14 — A vida e seu corolário e a inteligência existem em estado poten­


cial no Universo, disse o bioquímico russo V. A. Firsoff (Vie,
intélligence et galaxle — ed. Dunod — Paris 1970).
15 — Ler de Jordan: Physique du XX? siècle.
16 — Robert Linssen: Spiritualité de la Matière, op. cit.
17 — Na mitologia feniciana, o desejo é o agente motor da criação.
Sanchoniathon, retomado por Philon, escrevia na Histoire Phéni-
cienne. «O sopro enamorou-se dos seus próprios princípios e
formou-se uma mistura. Esta união se chamou desejo».
Uma outra cosmogênese tem como elementos primordiais o
Tempo, o Desejo e a Obscuridade (segundo Eudêmio).

236
Como aquela da inteligência, também esta capacidade de
amor existiria na energia-matéria sob a forma mais sublimizada
e corresponderia em suma à energia amorizante evocada por
Teilhard de Chardin, que em nossos tempos foi um dos pri­
meiros que soube frisar a espiritualidade da matéria.
Jean Charon adianta que o agente catalisador ou motor da
inteligência — ou quiçá sua natureza — seja talvez a memória
“cromossômica” do universo, ou campo mnemônico, o qual
residiría. em todas as coisas.
OS CROMOSSOMOS-MEMÓRIA DA NATUREZA
Por esta hipótese pode-se imaginar que a matéria, achan­
do-se no reino do criado, aquele que fica mais próximo dos
tempos originais, é habitada ainda por toda energia que se
possa conceber, sujeita a leis onde o “continuum” espaço-tem­
po se avizinha do zero (vizinho da eternidade, da imobilidade,
da essência primeira).
Esta matéria teria o privilégio de possuir uma memória
dos tempos futuros, que seria como seu cartão perfurado, seu
programa.
A máquina eletrônica, o ordenador, tem seu tipo de inte­
ligência que o homem lhe deu; também o calcário tem sua in­
teligência que recebeu de si mesmo, isto é, da Inteligência uni­
versal e eterna dos seus cromossomos e do tempo onde ele
existirá sob uma forma mais elaborada: água, planta, animal,
homem.
Esta memória de todos os tempos deve ser cotejada com
a memória akháshica do Universo, misteriosamente conhecida
dos espiritualistas iniciados.
Para os físicos, o fenômeno estaria ligado àquele do es­
paço-tempo, o qual, como dissemos, é curvado pelos poderosos
campos de energia18, como o fóton é curvado em sua curva
quando passa na proximidade do sol.
Se a energia é muito grande, a curva chega a tomar a
forma de um círculo, cujo fóton e espaço não podem mais
sair19.
Assim as ondas da memória do futuro poderíam aprisio­
nar-se elas mesmas, com suas possibilidades, seus bilhões de
18 — Com justa razão se pode supor que a própria essência da vida,
que residia por toda parte e principalmente no ADN e nas mis­
teriosas regiões da célula, constitui uma fonte intensa de ener­
gia, embora de dimensões infinitamente pequenas.
19 — Em Iniciação, o espaço-tempo, no Invariável Meio (o Centro dos
centros) se recurva e forma uma serpente que morde sua cauda
ou uma esfera infinitamente pequena que em suma coincide
com o ponto e se toma igual a zero.

237
planos, sua inteligência, nos labirintos do pensamento-matéria
da Natureza original.

O CÍRCULO MÁGICO SEM ESPAÇO-TEMPO


O registro cromossômico de todas as informações que
povoam o princípio-vida é provavelmente de ordem e de ondas
eletromagnéticas ou, mais exatamente, de eixos magnéticos, to­
dos concêntricos, cujo original, fechado sobre si mesmo, de­
senvolve 30 bilhões de anos-luz, de acordo com Einstein.
Cremos que estas ondas da memória transportam a lem­
brança de tudo o que se passa, de tudo o que se passou e de
tudo o que irá passar.
Estas ondas aprisionadas no círculo mágico20 (fitas mag­
néticas) dos nossos cromossomos-memória pertencem a um
universo mais complexo e mais completo do que o nosso e con­
têm por conseguinte a lembrança dos tempos passados, pre­
sentes e futuros.
Segundo os Iniciados, os cromossomos-memória'21 con­
têm em si a alma do mundo (ou de Deus, se preferirmos este
termo sediço) e constituiríam a parte essencial do corpo hu­
mano e do cérebro, seu centro energético.
Em resumo: é possível, quando não provável, que os bio-
logistas descubram amanhã que a natureza secreta da vida e
que o fenômeno cromossômico são regidos por leis superiores
onde o “continuum” espaço-tempo é diferente daquele que co­
nhecemos. Isto vale dizer, onde o futuro e o passado são ab­
sorvidos por um outro tempo.
A inteligência ou psiquismo22, parte inerente da vida, ha­
bita pois toda a matéria e somos de opinião que condições
particulares (especiais) de necessidade ou de degradação de
energia podem fazer com que esta inteligência quebre os gri­
lhões de sua prisão-

20 — No círculo dos mágicos, produzem-se fenômenos singulares que


mostram que efetivamente o círculo mágico constitui muito bem
uma zona estranha, exterior à Terra e insensível às suas leis,
um verdadeiro ilhéu no universo.
21 — A teoria dos cromossomos-memória não é conhecida dos físicos
senão depois de aproximadamente 1950. Os Iniciados falavam
dela há séculos e davam mesmo ao Universo o poder de registrar
todos os acontecimentos passados, presentes e futuros. A esta
faculdade davam o nome de: as memórias akháshicas do Uni­
verso.
22 — Deveriamos estabelecer uma distinção entre a inteligência e o
psiquismo, mas isto implicaria em entrar em exposições que
nunca terminariam.
Certos filósofos opõem mesmo o psiquismo à inteligência.

238
Capítulo XVI

A NATUREZA QUE PENSA

I. INTELIGÊNCIA DAS PLANTAS

Em sua definição mais requintada sobre o plano humano,


a inteligência consiste na faculdade de escolher e de compre­
ender, de sintetisar, de analisar, de ordenar os fatos e as coi­
sas, de situar no tempo e no espaço, de lembrar-se, de passar
do particular para o geral1, de comparar, de criticar, de esta­
belecer vinculações e encadeamentos de idéias, de imaginar, de
aferir deduções, de subordinar o comportamento à reflexão e
de enfrentar situações imprevistas.
Obviamente, a inteligência não consiste em possuir, em
agrupar todas estas faculdades e podemos adiantar que somen­
te uma dessas faculdades é suficiente para provar a existência
de uma inteligência, pouco evoluída, porém efetiva.

1 — o ser humano é sempre provido de inteligência, mas num grau


mais ou menos elevado.
O homem inteligente manifesta a sua qualidade, passando sem­
pre do particular ao geral, abolindo tanto quanto possível o seu
eu naquilo que possui de inferior: emprego do eu nas frases, nas
conversas insípidas, nas banalidades, nos assuntos repisados: a
família, os filhos, a saúde, ou então referindo-se àquilo que a
existência tem de exagerado, de deteriorado ou de estúpido: as
refeições, a comida, o vestuário, o automóvel.
Pelo contrário, o homem de inteligência medíocre gosta de fazer
prevalecer o seu «eu» em todas as oportunidades e fica preso
aos assuntos sem interesse, sem elevação.

239
A INTELIGÊNCIA E A ALMA

Se admitimos a existência da alma, estabelece-se então


um elo entre ela e a inteligência. Nesta hipótese, a alma (sen­
timento e pensamento) seria o princípio espiritual do homem,
isto é, a corrente de ouro que o liga ao universo todo, íntegro.
Os objetos e os fenômenos exteriores produzem sobre nos­
sos sentidos impressões que são transmitidas ao cérebro onde
se tornam sensações, imagens, idéia.

Entre a percepção física e o efeito intelectual existe um


espaço onde atua um mecanismo que é precisamente a inte­
ligência.
Segundo os enciclopedistas, a alma que existe habitual­
mente em estado virtual seria a própria inteligência em si,
quando passa ao estado de atividade2.
Georges Cabanis (discípulo de Locke e de Condillac) es­
creveu:
"É notório que em certas disposições dos órgãos internos,
e especialmente nas vísceras do baixo ventre, temos uma capa­
cidade maior ou menor de sentir e de pensar.
As doenças, que aí se formam, alteram, perturbam e às
vezes invertem por completo a ordem habitual dos sentimen­
tos e das idéias. . ,3
Esta associação da alma e daquilo que o nosso organismo
tem de mais vulgar (aparentemente), o intestino grosso, vem
provar que a inteligência e a matéria possuem uma interferên­
cia próxima da coincidência pura e simples.
Pois bem, a priori a matéria humana não oferece nenhu­
ma superioridade evidente sobre aquela das outras espécies.

2 — Definição clássica: a inteligência é a faculdade de viver em har­


monia com as leis do universo.
3 — Ler: Histoire Inconnue des Hommes depuis 100.000 ans, cap.
XVI; a Escola de Saclay.
Os homens de ação têm o intestino grosso curto: menos de um
metro. Os místicos são pessoas que sofrem de prisão de ventre
e o seu intestino grosso pode medir até dois metros. As toxinas
reabsorvidas pelo intestino grosso condicionam nossos estados de
espírito!

240
Os animais e as plantas recebem impressões sensoriais, ob­
servam, comparam, julgam, suputam, o que constitui prova de
sua inteligência.

Quando as impressões captadas por seus sentidos supe­


riores o colocam frente a dificuldades, então o homem fala
de instinto em se tratando de animais e de inteligência exte­
rior quando se trata de plantas, mas isto não passa de uma
maneira distorcida de resolver o problema.

INTELIGÊNCIA DAS FLORES

É possível desenvolver os reflexos condicionados da mi­


mosa.

Exatamente como os animais, as plantas são capazes de


aprender, de penetrar no sentido das coisas, diz o Dr. Armus,
da Universidade de Toledo (Ohio, USA); ademais, os insetos e
os vegetais têm um estreito parentesco bioquímico, evidencia­
dos pelos esteróis e pelas terpíneas (álcoois de secreção) que
lhe condicionam a fisiologia e o comportamento.
"As plantas, escreve Maurice Maeterlinck, recorrem a ar­
dis, a combinações, a maquinações, a embustes tais que, rela­
cionados com a mecânica, a balística, a aviação e por exemplo
pela observação feita dos insetos, muitas vezes antecederam os
inventos e os conhecimentos do homem.”

Relata o ato de inteligência de uma raiz observada por


Brandis (Uber Leben und Polaritat) que, deparando com o
obstáculo de uma sola de bota, subdividiu-se em tantas raizi-
nhas quantos buracos havia na sola e depois, uma vez supera­
do o obstáculo, reuniu e juntou todas as raizinhas para daí for­
mar uma raiz única e homogênea-
O autor de A Inteligência das Flores4 hibridou e aperfei­
çoou salvas e constatou que a salva serôdia adotava sem difi­
culdade os aperfeiçoamentos da salva madura, quando a opção
inversa era geralmente rechaçada.
Esta experiência prova que a planta é capaz de optar pelas
soluções mais vantajosas para a sua evolução.

4 — L’Intelligence des Fleurs, de Maurice Maeterlinck, ed. Fasquelle.

241
Com o fito de proteger sua espécie e preservar seu código
genético, pode até secretar toxinas que destoem ou estirilizam
os polens estranhos5.
Estamos aqui frente a um caso de puro racismo no sen­
tido benéfico do termo e depara-se-nos numa luta contra o ver­
dadeiro pecado: a deterioração da espécie.
A GENIAL ORQUÍDEA
A rosa pentecostal ou satirão de folhas largas, que cresce
nos prados úmidos nos meses de abril e maio, tem uma flor
que se parece com uma goela fantástica e escancarada de dra­
gão chinês.
No fundo desta goela podem ser vistos dois ferretes sol­
dados sobre os quais há um terceiro que leva na extremidade
uma metade de baciazinha redonda cheia de um líquido vis­
coso.
Nesta estranha piscina jazem mergulhados dois óvulos, ca­
da um com uma pequena bolsinha de grãos de pólen.
Quando um inseto pousa sobre o lábio inferior, que se
apresenta como um repositório, é irresistivelmente convidado
pelo odor do néctar a penetrar no fundo da uma.
É aí que a orquídea demonstra seu conhecimento magis­
tral da arquitetura, e nem por isso postula um lugar na Legião
de Honra e nem agita o fantasma do Prêmio de Ouro: propo­
sitalmente estreitou ao máximo a via que leva ao néctar, em­
bora a cabeça do inseto vá dar obrigatoriamente na semi-bacia.
Como sob o efeito de um sinal elétrico, ela então se rasga,
pondo à vista os dois óvulos que desta maneira se põem em
contacto imediato com a cabeça do visitante e grudam-se com
ele por meio do líquido viscoso que os unta.
O inseto bebe do néctar e se retira recuando, já não mais
como havia chegado, mas enfeitado com uma espécie de chi­

5 — No dia 19 de agosto de 1972, o Governo americano anunciava que


partindo das células genéticas de duas espécies diferentes, biolo-
gistas acabavam de criar por hibrldação uma nova nlanta que
era comível desde a raiz até as folhas e os frutos (em suma,
como a alface!)
Esta planta não foi batizada com um nome. Se seu gosto for do
agrado do paladar dos apreciadores de bons bocados, então será
cultivada para comercialização em grande escala.
Não é a primeira vez que genéticos caem na esparrela, infrin­
gindo as leis universais.
Até o dia em que, talvez, criem um monstro de formas titânicas
ou minúsculas que destrua a humanidade (F-S, 21-8-1972).

242
fres formados pelos óvulos e pelas duas hastes que possuem
para sustentar as bolsinhas de pólen.
Vai imediatamente procurar outra flor vizinha, à maneira
de beija-flor, introdu-se nela da mesma forma, com os chifres
na frente, e seríamos tentados a pensar que o pólen da pri­
meira planta vai fecundar a segunda.
Absolutamente nada disto: pólen com pólen não resulta­
ria em geração alguma!

UMA PLANTA CALCULISTA

“É aqui, escreve Maeterlinck, que se manifesta o gênio, a


experiência e a previdência da orquídea. Ela calculou minu­
ciosamente o tempo necessário para o inseto bombar o néctar
e ir à flor próxima e constatou que precisava em média de
trinta segundos.
Sabemos que as bolsinhas de pólen são carregadas em duas
hastes curtas que se inserem nas bolinhas viscosas; pois bem,
nos pontos de inserção de cada haste existe um pequeno disco
membranoso cuja única função, no final de trinta segundos,
consiste em contrair e dobrar de novo cada uma destas hastes,
de modo que se inclinem, descrevendo um arco de 90 graus.
É o resultado de um novo cálculo, desta vez não mais no
tempo, mas no espaço.”
Os chifres de pólen que adornam a cabeça do inseto, como
se fosse uma touca, colocam-se então em posição horizontal e
apontam para a frente, embora na próxima visita de corola
vão com uma exatidão rigorosa fecundar os ferretes que pen­
dem por sobre a bacia-
Até que não está mal pensado — não é verdade? — para
uma simples e pequena flor desprovida de inteligência!6
Mas, ainda não é tudo: “ O ferrete que recebe o impacto
da bolsinha com pólen é untado com uma substância viscosa-.
Se esta substância for energicamente tão adesiva quanto aque­
la que está na pequena bacia, então as massas polínicas, que­
brada a haste, envisgam-se e aí permanecem presas por com­
pleto e assim sua missão está terminada.

6 — Os religiosos e os dogmáticos são de opinião que a inteligência


do fenômeno é exterior. Por conseguinte, a rigor é preciso que
esta inteligência penetre, se projete na planta para dar-lhe a idéia
de cálculo, de escolha, de medida!
Com toda evidência ela se identifica com o vegetal e é interior a
toda coisa, do grão de areia à galáxia.

243
Não é preciso que se chegue a tanto; o que importa é não
esgotar numa única aventura as chances do pólen e sim mul­
tiplicá-las tanto quanto possível.
A flor, que conta os segundos e mede as linhas, ainda por
cima é química e destila duas espécies de cola: uma de poder
extremamente aglutinante e que endurece imediatamente ao
contato com o ar para grudar os chifres com pólen na cabeça
do inseto; e a outra, muito diluída, para o trabalho do ferrete”.
Em resumo: esta cola tem a adesividade ideal para gru­
dar qualquer semente, mas não a massa polínica inteira, de
maneira a permitir que o inseto vá fecundar numerosas ou­
tras flores.
Qual o cérebro que, exterior ou interior ao animal, tem
aperfeiçoado esta maravilhosa mecânica e ademais tomou a
iniciativa de novas precauções? Sim, quando a membrana da
bacia se rasga para libertar os óvulos viscosos, imediatamente
seu lábio inferior se coloca numa posição tal com o fim de
conservar preciosamente o resto de pólen deixado pelo inseto.
É bom fazer economia!
Todas as plantas possuem esta inteligência difusa, desde
as suas raízes que se projetam, que contornam, que atraves­
sam, que fazem opções, até às suas flores que sabem driblar
as artimanhas dos insetos, secretar os odores afrodisíacos pró­
prios para atraí-los e enganá-los. Sua inteligência é formal,
evidente, às vezes tão pronunciada quanto a dos animais, cujo
grau de complexificação é nitidamente mais avançado.

II. INTELIGÊNCIA DOS ANIMAIS


As térmites, por sua organização e notadamente calculan­
do os limites minimais e maximais dos seus efetivos em in­
setos de tropa, parecem dar mostras duma notável inteli­
gência.
Não, dizem os racionalistas "exagerados e extremados”,
em tais fenômenos não é a razão que atua, mas sim o instinto.
"A natureza criou um mecanismo regulador, escreve B.
Drõscher7, que com justo título se pode taxar de racional.”
Mas, como podemos diferenciar o racional do instintivo e
como ousaríamos garantir que a inteligência é independente
do instinto?

7 — Le merveilleux dans le règne animal, de Vitus B. Drõscher —


Marabout Université.

244
O RADAR DO ICNÊUMON

A vespa icnêumon ou "mosca vibrante” dos lindos dias de


verão é um inseto com talentos verdadeiramente fantásticos.
A fêmea deposita seus ovos dentro ou sobre outros ani­
mais, como as lagartas, as aranhas e as formigas reais, as quais
em seguida servem de alimentos vivos para as larvas recém-
nascidas.
Naturalmente, com esta experiência as lagartas, as ara­
nhas e as formigas morrem, o que torna a mosca vibrante emi­
nentemente útil, mas não é aí que reside o fantástico de que
falamos.
O fantástico reside no fato de que a fêmea do icnêumon
deposita seus ovos dentro de larvas que se escondem profun­
damente num tronco de árvore.
“Muito agitada, escreve V. B. Drõscher, ela percorre o
tronco da árvore em todos os sentidos. De repente se detém
e estaca, recua um pouco, melhora sua posição e então enfia
rapidamente seu oviscapto abdominal do comprimento de 7,4
cms.
Na maior parte do tempo ela cai exatamente sobre a larva
escondida.”
Que uma pequena vespa tenha uma broca tão possante já
é extraordinário; que a possa enfiar na madeira até 7,4 cms —
o comprimento de um dedo — é espantoso, mas que além dis­
so o icnêumon descubra uma larva escondida nessa profunde­
za, eis o que realmente tem ares de bruxaria, de milagre!
Seria caso, dizem, de instinto: as antenas do inseto fa­
zem o papel da varinha do radioestesista, com a variante es­
sencial de que o radioestesista quase sempre se engana e que
o icnêumon quase nunca se engana8.
A lógica impõe uma certeza: esta faculdade de escolher,
de situar no espaço, de diferenciar a espécie da larva talvez
seja do instinto, mas ela o é certamente também da inteli­
gência.
Sabemos que a abelha tem uma inteligência prospectiva, o
delfim possui possibilidades intelectuais (memória, comuni­
cações fônicas, compreensão, ações refletidas etc.) quase tão
aguçadas quanto as do homem; o rato é manhoso, astucioso

8 — Mais fantástico ainda: o «icnêumon megarhissa» escolhe a espé­


cie de larva escondida na madeira, pois sua prole não pode vir
ao mundo senão sobre uma larva de sirex.

245
e conhecemos a inteligência dos castores, dos corvos e dos
nossos amigos os cães, gatos e cavalos.

INSTINTO E INTELIGÊNCIA

Esta faculdade maravilhosa de perscrutar o desconhecido,


de inventar uma técnica e de às vezes utilizar ou fabricar uma
ferramenta9, será que é uma demonstração de inteligência ou
de instinto?
Os entomologistas e os naturalistas inclinam-se para a se­
gunda proposição porque o megápode, por exemplo, não apre­
senta — dizem eles — nenhuma prova de que é possuidor de
um pensamento e de uma especulação progressistas.
Ora, bem, pensamento e projetividade1011são por excelên­
cia os critérios da inteligência, a qual implica ainda o espíri­
to de análise e de síntese, de escolha, de ordem e de consciên­
cia do “eu”.
"O instinto é o antípoda da razão”, escreve muito ousada-
mente V. B. Drõscher!
De acordo com nosso ponto de vista, o instinto é o co­
nhecimento inconsciente de fenômenos não aprendidos, não
sabidos, mas adivinhados espontaneamente, por exemplo pelo
animal do deserto que quase sempre se encaminha em direção
ao ponto de água que ele não conhece11. Mas, isto é inteligên­
cia, no sentido próprio da palavra, mesmo que sua duração
não seja mais do que a de um relâmpago.
É ainda a razão desconhecida que faz com que o animal ou
o homem vá a um lugar onde estará a salvo de perigo, que
permitiu que Joana d’Arc adivinhasse quem era o rei de Chinon.

9 — Certos animais: pássaros, castores e ratos fabricam ferramentas


para comer, costurar e cortar.
10 — Projetividade: faculdade de fazer um projeto.
11 — O entomologista J. H. Fabre no começo deste século escreveu
que o instinto conduz o animal a diligências absurdas e a atos
inúteis.
O inseto contudo possui algum discernimento que lhe permite
adaptar-se a uma ligeira mudança de ambiente, o que implica
uma certa consciência. As variações devidas a este poder de dis­
cernimento são individuais e não transmissíveis.
Fabre admite que o inseto é consciente e perfectível pela expe­
riência, mas nega-se a ver nisso uma inteligência rudimentar.
A partir de 1950 foram feitos estudos aprofundados que invali­
daram suas observações. Hoje em dia é universalmente admi­
tida a tese da inteligência nos animais.
Ler de L. V. Bujeau. La philosophie entomologique de J. H. Fabre
— Gráficas Universitárias da França — Paris.

246
È difícil crer que isto se dê sem nenhuma razão, conscien­
te ou não, que seja unicamente por mero acaso, por automa-
tismo ou adivinhação, que o icnêumon detecte 100 vezes sobre
100 a larva e o sexo dessa larva, através de 7 centímetros de
madeira!
Impossível crer com os entomologistas que o icnêumon
construa sua chocadeira artificial cegamente, sem dificuldade
consciente, sem previsão de seus fins, enfim sem inteligência,
isto é, sem conhecer, calcular, refletir e compreender.
É mais difícil ainda admitir que as térmites, cuja civili­
zação é a mais desenvolvida no reino dos insetos, construam
sua cidade-fortaleza completamente às tolas, que produzam,
amealhem em celeiros e utilizem sua comida sem calcular os
efetivos militares que têm a missão de defender a comunidade!
O conhecimento que o animal tem sobre a fabricação do
ninho, da toca, do covil, do comportamento que deve observar
em caso de perigo, de ataque ou de descanso, não é instintivo
e sim conhecido pelo subconsciente e, mais exatamente, pelos
cromossomos-memória.
É um legado hereditário que pertence ao código genético;
nada prova que a razão esteja ausente deste fenômeno; muito
pelo contrário, vemos nisso a firmação de uma inteligência su­
perior, difusa, diferente da inteligência consciente em seu mo­
do de expressão, mas não em sua essência-
Paralelamente, não se pode dizer que o desenvolvimento
da célula segundo o programa de uma espécie, que a evolução
universal, sejam fenômenos automáticos, instintivos, mecâni­
cos onde a inteligência está ausente.
A Natureza — e com isto nós entendemos o Universo —
é “um grande pensamento”, um organismo inteligente em sua
totalidade como na sua mais ínfima manifestação e estamos
mesmo convencidos de que ela é a Inteligência integral e ab­
soluta.
O animal, como a argila, o rochedo, a montanha, o rio, o
prado, a rosa pentecostal e a margarida são um "caniço pen­
sante”!
III. A VIDA NA MATÉRIA
Nem sempre distinguimos, ou não distinguimos comple­
tamente, o pensamento na pedra e no carvalho, porque ela não
é aparente; mas é lógico acreditar que uma inteligência supe­
rior, transcendente, uma razão habite o calcário da mesma
maneira que a árvore ou o cérebro de um sábio.

247
A inteligência misteriosa de um grão de areia é provavel­
mente mais sutil do que aquela que se pode discernir num fí­
sico. Einstein teria sido incapaz de calcular e de regrar o com­
portamento de uma célula de cachorro, de abelha ou de um
pinheiro.
É certo que no cachorro, na abelha e no pinheiro existe
uma inteligência escondida que sente, suputa, calcula e reage
com a precisão de um computador eletrônico.
A razão que preside a este fenômeno é de essência desco­
nhecida dos homens que sabem somente que ela se manifesta
particularmente pela ARN.
0 químico russo V. A. Firsoff admite que a matéria é vi­
vente, inteligente, e adianta que as partículas elementares são
dotadas de uma interação mental, sendo que uma dessas par­
tículas, o mentino, chega a identificar-se como aquilo que po­
deriamos chamar de onda da inteligência.
Os mentinos, escreve Charles Noêl Martin, "constituiríam
uma inteligência desencarnada, o que evidentemente tomaria
a detecção extremamente complicada’’12.

NOSSOS ANCESTRAIS DE PEDRA

À imitação do deus-universo que cria a humanidade, o


homem tende a povoar a terra de estátuas de pedra.
A necessidade de criar é o sinal da vida e se manifesta em
todos os reinos.
Durante muito tempo nossos ancestrais acreditaram que
constituía sacrilégio imitar a divindade em sua criação mais
elaborada, o homem; aí temos sem dúvida a razão porque os
celtas nos legaram muito poucas imagens humanas e porque
no mais remoto período se abstinham de facetar o granito
dos menires e dos dolmens.
Os hebreus e os árabes herdaram esta superstição e dela
não se afastaram depois de Moisés e Maomé, talvez porque,
mais do que os outros povos, são propensos a praticar a
magia.
As tradições — mas talvez se trate de simbolismo — ga­
rantem que houve um tempo em que as estátuas se tomaram
vida e entraram em luta contra os homens que as haViam
criado.

12 — Vie, intelligence e galaxie — V. A. Firsoff — coleção Ciência de


Bolso Dunod — Paris, 1970.

248
Trata-se sem dúvida de uma lenda, mas a verdade é tão
fantástica que nos é permitido deixar a imaginação vaguear,
numa perspectiva-ficção quando então a Natureza, escarnecida
pela nossa civilização, desencadearia um cataclismo e tudo
faria por substituir os homens, depois de havê-los destruído,
por criaturas de matéria dita inerte ou pelo reino vegetal.
O Popol Vuh dos maias conta que em tempos idos a
humanidade da II idade era feita “como que de bonecos de
madeira com a aparência de homens que falam”.
No plano da estrita observação dos fatos, é permitido
crer que na intenção de tornar-se mais vivente e de subli-
mar-se o mineral tenda, e às vezes se saia bem, a assumir
uma forma animal.
Quando a Terra está em calor, em efervescência, todos
os milagres são possíveis!
Estes períodos de calor — o Desejo dos arianos e dos
fenícios na mitologia, talvez fossem os ciclos da história e
coincidissem com o surgimento de uma humanidade nova.
Numerosas tradições mencionam com insistência que os
homens foram criados a partir de rochas, de pedras ou de
seixos.
Teria a terra uma necessidade inconsciente de dar à luz?
Obedece ela a seus "cromossomos-memória” ou a uma cons­
ciência que em certas zonas radiantes, por conseguinte parti­
cularmente inteligentes, tende a modificar formas animais?
Sentimos a tentação de acreditar.

OS PONTOS DE AMOR

É também a opinião de nosso correspondente Willy En-


dress que a propósito escreve:
“Acreditei ter notado que existiam regiões mais ou menos
delimitadas, onde as rochas e as pedras, a vegetação e os ele­
mentos, a configuração do solo e mesmo os gestos — cons­
cientes ou não — do homem produziam ou haviam produzido
linhas, superfícies e volumes à imagem do mundo humano
ou animal tais quais os conhecemos ou imaginamos.
Em suma, tudo se passa como se nossas zonas os fenô­
menos eletromagnéticos cósmicos e terrestres se movimen­
tassem para, em certas matérias eletivas, estabelecer uma es­
pécie de fagulha ou alma inicial que em seguida conferiría à
estrutura molecular uma direção e um desenvolvimento que

249
resulta em formas mais ou menos viventes, mais ou menos
próximas de nós, não importando a sua situação na escala das
medidas.
Talvez tenha havido períodos em que a conjunção de
todos estes fenômenos físicos, químicos, biológicos e outros
tenha podido realizar-se e produzir seres e animais viáveis,
mutações e metamorfoses duráveis, em espaços-tempos dife­
rentes".
O pensamento do Sr. Endress se coaduna com aquele dos
antigos que acreditavam nos pontos de emergência das cor­
rentes telúricas e que construíam templos em pedestal (no
México) a uma altitude que julgavam ser um gradiente da
Terra e do Céu eminentemente favoráveis à geração, à eclosão
e à reconciliação.
Não é certo, mas possível, que este ponto de junção goze
de privilégios de natureza elétrica, não somente no sentido
como conhecemos a eletricidade (geradora de atração, de re­
pulsas, de faíscas e de comoções), mas também num outro
sentido mais sutil e essencial.
Seja como for, parece que no globo existem pontos de
amor que se constituem em lugares preferidos de fenômenos
estranhos num gradiente privilegiado, onde se conjugam, ca­
sam-se e formam-se as correntes de inteligência do Céu e da
Terra.
Tudo é possível, inclusive o improvável e o milagre, nesses
lugares onde sopramos o espírito e o amor, onde a matéria
se cristaliza sob a impulso da energia, num imenso desejo de
criação.
Como nos albores dos mundos e da vida.
Nessas eras, o homem atento, para apaziguar a Terra,
erige-lhe um altar, um megalítico, um oratório, uma capela ou
uma igreja. Nessas épocas ainda, foram traçados os primei­
ros tabus, edificados os primeiros refúgios, as primeiras ci­
dades.
Nesses pontos de amor, em seus períodos de calor a Terra
gera rochedos zoomorfos ou então o acaso e erosão escultu-
ram humanidades aproximativas.

OS PONTOS DE AGRESSIVIDADE

A dualidade é mais provável e perceptível do que a trin­


dade.
Ao + se opõe o —, ao bem o mal, ao pequeno o grande,
à luz a escuridão: o globo terrestre está semeado de pontos
de agressividade que dão equilíbrio, talvez, às zonas benéficas.

250
Em certos lugares o homem é vítima de influências no­
civas, o animal contrai doenças, a árvore entra em decadência
sem razão evidente.
Esta tese, por mais sumária e imperfeita que possa pa­
recer, explicaria contudo a persistência dos lugares malditos,
povoados de fantasmas, de alucinações, juncados de crimes ou
de doenças, sem que nenhuma conjuração possa neutralizar
os malefícios.
Infeliz do país de Israel, infelizes dos desertos de Góbi e
do Colorado... lá onde a Terra antigamente foi atomizada e
continuará ainda sendo-o. Infeliz de Roma, de Veneza, de Ná­
poles, de Tóquio, de Berna, de Zurique, de Las Vegas e de Nova
Iorque. Infelizes dos homens que por falta de sensibilidade
ou por força de um destino trágico, abandonam os lugares de
amor — ou deles são expulsos — para ir estabelecer-se em
zonas de fratura e de cataclismo.
Como o corpo humano, aquele de Gaea que o engendrou
possui seus chakras, seus pontos de acupuntura que são os
pontos de emergência das correntes telúricas que percorrem
as veia do Dragão.
Por empirismo ou por percepção superior, o sábio tenta
reconhecer os lugares onde o espírito sopra e procura fixar-se
ali.
Em contrapartida, sabe evitar os pontos de agressividade,
os lugares malditos onde jamais poderá estabelecer-se um equi­
líbrio benéfico.

A TERRA SE VINGA

A terra suportou durante muito tempo, muito tempo mes­


mo, a brutalidade animal, furiosa e aloucada, bem como a in­
justiça dos homens que, não contentes com torturá-la, devota-
ram-na ao desprezo, abandonaram seu culto e se puseram a
adorar os falsos deuses.
Não importa quais sejam as aparências, é lógico pensar
que a mentira, a astúcia, o desejo são sentimentos universais
que devem manifestar-se no universo desconhecido da matéria.
O rio tem sua alma, seu intelecto, seu pensamento; a mon­
tanha sonha, os prados vêem, falam e ouvem.

251
A Terra inteira é um imenso e complexo organismo provi­
do de centros onde deve acumular-se uma inteligência-energia
que até o presente somente os empíricos souberam descobrir.
Como todo organismo, ela tem uma matriz: o mar, um
ventre; o solo, um sistema nervoso; o circuito, correntes te­
lúricas e muito provavelmente ela tem também zonas para a
sua cabeça e o seu coração: naquele lugar em que desabro­
cham e se desenvolvem as civilizações e os melhores instintos
humanos.
A Terra esconde as cidades antigas, esconde a história pas­
sada, as civilizações desaparecidas, talvez com uma lenta e
enorme malícia.
Nos dias de hoje ela muda o rumo do seu sistema nervo­
so, começa a deixar explodir seu humor vulcânico e vomita
seu veneno verde, carregado de massa, de ameaça e de possi­
bilidades diabólicas: a pedra mágica de onde o sábio-bruxo
arranca o poder infernal da bomba atômica, o urânio 235.

252
Capítulo XVII

OS MUSEUS PRÉ-HISTÓRICOS DO PETRIMUNDO

A Natureza tem uma linguagem para o homem que a ama


e que se sente em comunhão fraterna com ela.
As montanhas, os prados e os bosques são habitados, têm
sua inteligência, sua linguagem, sua memória, e entram vo­
luntariamente e de boa mente em comunicação com os hu­
manos.
Os objetos têm seus caprichos e suas preferências, seus
momentos de sono e seus instantes de lucidez no decurso dos
quais se exprimem e compartilham da evolução universal e
mesmo das atividades dos homens.
Há no globo regiões onde a natureza do solo fala, pensa
e cura outras em que ela é hostil e muda, guarda seus segre­
dos com verdadeira boca de siri e se mostra avarenta com
sua irradiação benéfica.
Aquele que não acredita na inteligência na Natureza e das
coisas, aquele que não crê na linguagem das pedras, do lenho
e da água — é um ser-matéria limitado em seus conhecimen­
tos tacanhos e em toda forma de sua sensibilidade superior;
está irremediavelmente condenado a ficar a vida toda bronco
e superficial.
A GRAVIDEZ INDÓCIL DA NATUREZA
Faz 25 milhões de anos — talvez mais, talvez menos — a
Natureza se enfastiou com sua visão e omato de campinas e
planuras, de montanhas e oceanos.

253
Tudo era selvagem, majestoso, sublime, mais triste e si­
lencioso. De tempos em tempos ribombava uma trovoada, até
mesmo terríveis borrascas que faziam uma espécie de filme
em cinemascope colorido e tridimensional, mas o som era mo­
nótono e os personagens, invisíveis.
A Natureza se pôs a pensar e, como ela era mulher, co­
meçou a sonhar; e, com que pode uma senhora pensar, senão
com o amor?

E de tanto sonhar sentiu que era mãe, dando à luz coisas


cintilantes, coloridas, ruidosas, e também criaturas mais en­
graçadas ainda, que corriam sobre sua pele terrestre ou voa­
vam em seu suor perfumado ou no seu hálito.
Tinha ela então um formidável e mágico poder de cria­
ção. Seu inconsciente fantástico lhe sugeria imagens vagas
que seu consciente elaborava, que despojava de sua ganga im­
pura e imprecisa.
Este sêmen masculino se insinuava em seu coração, na
sua carne, em suas cicatrizes originais ainda escancaradas e
aos poucos o sonho ia se tomando de vontade de poder, de­
pois assumia forma de corpo e densidade e materializava-se
por pequenos abortos de fetos que se pareciam com liquens
ou com protozoários.
Ela havia sonhado com perspectivas mais grandiosas, com
realizações infinitamente mais sutis, mas quem sabe demasia­
do indecisas para constituir um esquema válido.
Em breves palavras: parecia que essa criação embrioná­
ria carecia de qualidade e de vida, porque sua maceração
psíquica e intelectual havia sido concluída com muita dificul­
dade.
A Natureza reuniu toda a inteligência esparsa em sua es­
trutura infinita e concentrou-a num ponto mais sensível, mais
cerebral do que as outras zonas.
Então, nas temperaturas fantásticas e na irradiação do
caos ainda próximo, os tempos se interpenetraram e eis que
o futuro surgiu fulgurante na luz do presente.

254
A Mão da Princesa, na «Pedra fincada», menir situado perto de
Cosqueville (Mancha) que, juntamente com os dois menires de
Saint-Pierre-Eglise, forma o «Casamento das Três Princesas».
A Torre Hermética
de Ebéon (Charan-
te-Martime) é um
monumento enigmá­
tico, talvez o túmulo
de um herói antigo,
cuja erosão houve
por bem reproduzir
o retrato: queixo,
nariz, olhos, fronte,
e até o boné de es-
Jtilo veniciano.

Ciabeça de campo­
nesa, na alameda
coberta das «Pier-
res Poquelèes», em
Beaumont-Hague —
Mancha.
Pertil de Cristo, em Celorio-Llanes — Espanha
Ganso em granito, no maciço de Sidobre — Tam.

A inteligência infinita concentrada viu saírem do incriado


formas de elefantes, de otárias, de ursos, de crocodilos, de co­
rujas, de cachorros, de símios, de homens...
E para dar guarida a esta figuração quase vivente, que
andava à procura incessante de equilíbrio, imaginou cofres,
anteparos e proteções, ornatos de fixação que se transforma­
ram em muros, casas, torres, castelos, ruelas, avenidas, móveis
e objetos.
Não demorou que a Mater-Natuçeza se sentiu grávida do
fruto da obra de sua imaginação, com a materialização do seu
desejo.
Com um grande estremecimento do seu corpo desfalecido,
"expeliu em erupção” os palácios e as humanidades de Mon-

258
tepellier-le-Vieux, o zôo prodigioso da floresta de Fontaine-
bleau, os ídolos do planalto de Vence.
No começo tudo isso talvez tivesse vida, inteligência e dese­
jo, mas os milhares de milênios petrificaram essa criação que
nos chegou gélida e aparentemente insensível.
Não obstante, a carne, o sangue e a inteligência, habitam
sempre esta matéria de grés, de calcário, de granito e de toda
espécie de coisas, para tomar-se existência viva.
É desta maneira que o poeta e o sábio explicam o mila­
gre dos rochedos zoomorfos e antropomorfos da França, do
Peru, do Brasil e da Rumênia.
Por mais extravagante que isto possa parecer, os biolo-
gistas, os geólogos e os físicos não estão longe de esposar a
mesma tese...

O MUSEU FANTÁSTICO DE FONTAINEBLEAU


Mais do que todos os outros, o parque zoológico de Fon-
tainebleau é um lugar que abriga uma incrível variedade de
animais.
Nele se encontram, em plena liberdade, mas de qualquer
maneira mineralizados: símios, rinocerontes, serpentes voa­
doras, pássaros, dinossauros, sapos, felinos, cordeiros, ursos,
hipopótamos, tartarugas, cachalotes, otárias, mochos, elefantes
etc., e também uma esfinge e cabeças humanas maravilhosa­
mente esculturadas.
A maior parte dessas representações zoomorfas pode ser
vista no vale de Apremont, perto das Rochas de Franchard
(ponto culminante da floresta), no maciço das Três Pinhas
(Trois-Pignons), no Bas Breau etc.
Edith Gérin, que há vários anos estuda e fotografa o
lugar, escreveu: “Seria por obra do acaso que esses rochedos
se agruparam como se tivessem pertencido a antigos centros
rituais, particularmente nas gargantas e no caos do Apre­
mont?”.
Duas hipóteses podem ser aventadas para explicar o pe-
trimundo1 de Fontainebleau: capricho na natureza e trabalho

1 — Criamos este neologismo: petrimundo ou mundo criado de pedra,


ou precriaçâo do mundo vivente, porque é preciso introduzi-lo no
vocabulário das ciências e das pesquisas da nossa civilização.
Parece que a precriaçâo (primeira criação, em forma de esboços,
antes do aparecimento da célula dita organizada), é de natureza
rochosa ou areilosa, o que vai dar no mesmo e se coaduna com
as teses da mitologia; mas convém aceitar também a possibilidade
de precriações em metal ou em outras matérias.

259
Floresta de Fontainebleau: em cima, da esquerda para a direita:
1. Cabeças humanas no planalto de Franchard — 2. O elefante de
Barbizon — 3. O filhote de vitela.

Embaixo: Monstros marinhos.

À direita: cabeça de felino nas Rochas de Franchard, na Floresta


de Fontainebleau.
dos homens da pré-história.
Incontestavelmente, deve ser eliminada a segunda propo­
sição, visto que o rochedo, de grés muito duro, tem ainda a
sua casca natural, do tempo em que ela se solidificou ao a«
livre, há cerca de trinta milhões de anos.
A priori a primeira hipótese não é satisfatória, pois o
cálculo das probabilidades que explicaria as representações
zoomorfas mais simples — otárias, serpentes, tartarugas —
não autoriza o capricho que levaria ao parto de três elefantes,
com sua tromba, olhos, cauda, corpo e patas.
Forçoso é, pois, voltar à tese dos pontos de amor e da von­
tade consciente que a Natureza tem de procriar, isto é, de ten­
tar em traços gerais apresentar formas futuras da sua criação
mais elaborada.
É a explicação mais razoável, seja como for sua aparên­
cia incrível e miraculosa.
O petrimundo de Fontainebleau constitui, a nosso ver, a
manifestação da inteligência da matéria.

MONTPELLIER-LE-VIEUX: A CIDADE DO DIABO

Dizem que a França é o país mais lindo do mundo, e as


gargantas do Tarn oferecem os lugarejos mais maravilhosos
que os franceses podem imaginar.
Com Montignac-Lascaux, o Mont-Saint-Michel, Carcasson-
ne, a Sainte-Chapelle, Chartres etc., com Fontainebleau, Mont-
pellier-le-Vieux, em Aveyron, constitui um ponto alto onde se
manifestam o gênio criador da Natureza, a beleza intrínseca
e a inteligência da matéria.
É o lugar n.° 1 do fantástico e do sonho de nosso planeta,
um país do Outro Mundo, onde nada é devido aos instrumen­
tos e ao trabalho dos homens.
No Causse negro, acima das gargantas do Tarn, Montpel-
lier-le-Vieux é um prodigioso amontoamento de agulhas ro­
chosas, de cumes, de fragas e de rochedos naturais2.

2 — Pode-se ir a Montpellier-le-Vieux por Millau, Mende ou La Malène.


A aldeia da Malène, situada no local mais pitoresco das gargantas
do Tarn, constitui um excelente ponto de referência para visitar
a região e aí se acham hotéis acolhedores.

262
A medida que a cerração se dissipa, cs pastores viam surgir as
muralhas de um castelo onde sobressaia uma torre enorme e
gigantesca.
Os pastores das charnecas diziam que os gigantes de ou­
trora haviam construído este reino, juncado de torres com
ameias, de cidades fortificadas, de fortificações, de castelos,
de ruínas de cidades tão vastas como uma capital, povoado
de dragões, de cães, de ursos, camelos, de pastoras liliputia-
nas, de pastores tão grandes como montanhas, mas também
de damas dos tempos idos com suntuosas anáguas armadas
em arco, de reis de mouros, de princesas evanescentes e de
rainhas coroadas de diademas.
Uma cidade com ruelas, ruas, praças, avenidas, arcos de
triunfo, portas monumentais, casas misteriosas, hotéis luxuo­
sos, torres de castelo arrogantes, faróis, porto que davam para
os mares azuis e cores “exóticas”.
E nesta cidade imensa, neste reino sonhado por Gustavo
Doré paira o silêncio, o grande silêncio da eternidade das coi­
sas antigas de cores esmaecidas, de azul desbotado, esfuma-
das, de perfumes indefiníveis e leves. Mesmo que um grilo
cante ou um melro chilreie ou que o grunhido humilde de um
coelho transpasse a insólita serenidade.
E, no entanto, neste silêncio ouve-se o rumor de uma mul­
tidão invisível, impalpável, qual fantasma, o sussurro de uma
vida que escoa, que flui, que vagueia, que às vezes some por
debaixo da terra, desaparece, ressurge e esvai-se com a irrup­
ção de um raio de sol ou de um passeante distraído.
Não existe nenhuma construção feita pelo homem. Tudo
é em rocha natural que sofreu os impactos da erosão, é devo­
rado, esculpido pelo tempo, pela chuva, pelo vento, pelo gelo e
pelo sol. Tudo, os castelos fantásticos, as torres isoladas, os
animais, os personagens, os objetos.
É um verdadeiro conto de fadas em pedra e cascalho, um
iriilagre incrível, um deslumbramento, um filme digno da Ida­
de Média e da época arturiana, em cores, com fascínios, encan­
tamentos, desaparições, substituições e transformações mági­
cas, no grau das iluminações, das horas e da cor do espírito.
Eis porque os pastores do Causse viam nisso outrora
uma cidade construída por gigantes mágicos e, visto que esta
cidade era vasta, real e quase desconhecida, creram que ela
fosse uma antiga capital.
Por ser Montpellier a maior cidade da região, deram ao
lugar o nome de Montpellier-le-Vieux (Montpellier o Velho),
ancestral do outro Montpellier, aquele do Hérault.

264
Eram as ruínas de um castelo feudal. Em cada ala, uma torre com
saliências evocava rudes e sangrentas batalhas, assaltos e canhonaços,
que finalmente deram motivo a espessas muralhas de pedra.

A cidade dos gigantes, que chamavam também de cidade do Diabo,


parecia-se com um desenho de Gustave Doré com suas enormes
fortificações, suas torres largas e altas, fechadas como uma floresta
de lanças em volta de um centro de casas.
O primeiro escritor a referir-se ao Causse negro foi Mon-
teils, parece que em 1802, que dizia ter "revestimentos de enor­
mes rochedos com figuras cúbicas ou piramidais, dando de
longe ao viajante estupefato o espetáculo lúgubre de torres e
antigos castelos caindo em ruínas3”.
A natureza do rochedo é de dolomita, carbonato natural
de cal ou magnésio, de cor cinzenta ou azul apagado, um
pouco ocre.
Vaiados (taludes) torrenciais compõem a paisagem de
depressões ou circos rochosos: a Millière, as Rouquettes, os
Amats e o Lac.
"São, diz o dicionário Joanne, os quatro grandes circos
que formam os principais quarteirões da cidade rochosa. Po­
de-se ter uma excelente vista panorâmica de conjunto, subin­
do-se o penhasco maior, o Douminal, numa altitude de 830
metros, verdadeira acrópole pré-histórica”.
PAIOLIVE
Paiolive é um lugar análogo, mas muito menos rico em
rochedos pitorescos.
Situa-se no planalto calcário chamado le Gras des Vans,
em Andèche.
"Neste maravilhoso conjunto de rochedos brancos escul­
pidos pelas águas, a natureza se comprouve em fazer brotar
todas as riquezas da flora meridional: a cerejeira, a zara-
gatoa, o terebinto, a figueira, o bordo, a madressilva e a co-
ronilha dourada que cobrem de urzes e silvados as gretas
rochosas...
São maravilhas de Paiolive: a Capela de Santo Eugênio,
plataforma rochosa em forma de cabo saliente, o desfiladeiro
de Endieu, a gruta da Gleizasse, a Rotunda, verdadeira sala
de baile ao nível de fina relva e cercado de um oval de ro­
chedos, o Castelo dos Três Senhores onde ruínas informes
se confundem com as pedras, o Bosque de Gagniet, imenso
dédalo de rochedos cobertos de vegetações e de espinheiros
e sarças, onde os próprios pastores raramente se aventuram.
Na extremidade deste caos, domina-se de repente um desmo­
ronamento do fundo do qual emergem obeliscos, mesas uni­
das por pontes ...

3 — Dicionário geográfico e administrativo da França — P. Joanne.

266
O castelo em ruínas, nas Gargantas do Tarn, foi construído há
duzentos milhões de anos. A inteligência do vento, do gelo, o esculpiu,
provocou a erosão e o demoliu. Não é senão um maciço rochoso natural.

O castelo dos gigantes antigos se eleva, ainda tenebroso, à entrada


das gargantas do Tarn.
Evitando-se com cuidado as fendas, atravessa-se um por­
tal, donde uma estreita ruela conduz ao Salão.
Lá, sobre tabuleiros de relvas sombreados por árvores
magníficas erguem-se enormes rochas monolíticas, a Filha de
Lot, a Religiosa etc. e depois, a uma pequena distância, um
tênue filete de água fresca brota de um rochedo, única fonte
deste deserto de pedras.”
Esta descrição ditirâmbica do dicionário Joanne era ve­
rídica sem dúvida em 1900, mas em nossos dias o lugar mudou
um pouco a sua configuração e somos obrigados a confessar
que em Paiolive não encontramos mais as maravilhas anun­
ciadas.
Em todos os casos, o bosque continua sendo um lugar
agradável de se percorrer e provavelmente existem rochas
curiosas a descobrir.

A ALDEIA DOS ÍDOLOS


Outrora os deuses bombardearam o planalto de Vence —
os deuses ou quiçá os Extraterrestres em hostilidade aberta
com os terrícolas ou com um comando de visitantes do espaço.
Ou, quem sabe se uma chuva de aerólitos se abateu sobre
a região, abrindo funis gigantescos que ainda se podem facil­
mente ver.
Estas as impressões que se gravam em nossa retina quando
se descobrem as charnecas de São Barnabé, a oeste da mon­
tanha do Chiers.
A Aldeia dos ídolos é um pequeno Montpellier-le-Vieux
situada no desfiladeiro de Vence a uns trinta quilômetros de
Nice. Vai-se a ela pela estrada n.° 7 até Cagnes, depois toma-
se o rumo norte pela D 36 e a D 2. Um quilômetro depois do
desfiladeiro de Vence uma estrada pedregosa leva à aldeia de
São Barnabé.
Ao sul e oeste se estende um planalto juncado de rochas
de formas singulares: é a Aldeia dos ídolos.
A paisagem titanesca e sedutora é semeada de espécies de
crateras profundas, bem redondas, onde a água fica repre­
sada em tempos de chuva. Seriam pontos de impactos dé
.aerólitos? Bacias perfuradas pelas águas de infiltração? A
segunda hipótese é a mais provável.

268
O «Castelo Perigoso» não passava de um amontoado de ruínas
dominadas por uma torre ainda formidável e que era guardada
(à esquerda) por uma espécie de cão de pedra.

269
Quando se faz um passeio ao léu — muito agradável —
por caminhos de relva magra, vai-se margeando lanços ro­
chosos que se parecem com cidadelas desmanteladas, com
casas em ruínas e, cá e acolá por sobre as praças naturais,
ergue-se para o céu a estátua gigante de um deus bárbaro ou
de uma divindade pré-histórica.

Foi nosso amigo Guy Tarade que nos fez a descrição des­
te lugar encantado onde gosta de embeber sua inspiração
de poeta do fantástico4.

Um dia sem dúvida irá escrever os contos prodigiosos


que os ídolos do planalto de Vence lhe terão sussurrado aos
ouvidos.

O PLANALTO DE MARCAHUASI

O planalto de Marcahuasi, a 4.000 metros de altitude,


fica a 90 km ao norte de Lima (Peru).

Em 1953 o arqueólogo Daniel Ruzo, por ocasião de uma


excursão, deu repentinamente com um lugàr estranho, po­
voado de uma multidão de animais de pedra que pareciam
montar guarda a personagens gigantescos esculpidos nos ro­
chedos dos Andes.

Um animal fabuloso, de estilo incaico, de goela aberta,


guardava o caminho milenar que dava para este reino.

Daniel Ruzo fez imediatamente uma comunicação à Aca­


demia de Ciências e escreveu:

"Estou convencido de que o mundo dos sábios em breve


se verá obrigado a admitir que sobre toda a superfície da
Terra homens pré-históricos, posteriores aos pintores das ca­
vernas, esculpiram a rocha natural para exprimir os seus
mais elevados conceitos”.

4 — Guy Tarade: Les Archives du Savoir perdu. ed. Robert Laffont —


1972.

Cabeça do Inca, no planalto de Marcahuasi, no Peru.

270
A esta civilização deu o nome de "Cultura Masma".
A tese do arqueólogo peruano afasta o capricho da cria­
ção orográfica e parece efetivamente que a fauna de Mar­
cahuasi, ainda que tenha uma origem natural, foi posterior­
mente remodelada pela mão dos homens.
Em Marcahuasi podemos ver leões, um cavalo, um grupo
de elefantes, um camelo, otárias etc., mas a par disso tam­
bém uma cabeça de inca, um perfil de assírio, numerosas
figuras humanas e desenhos quadriculados, cujo lavor e fei­
tura humanos não podem ser postos em dúvida.
Mas estas representações antropomorfas e zóomorfas
não têm a precisão — e muito longe disto estão — das figu­
ras de Fontainebleau.

MÁQUINAS DO FUTURO NOS ROCHEDOS


Em Fontainebleau, em Montpellier-le-Vieux, no desfila­
deiro de Vence, em Cieux (Alta Vienne) e em milhares de ou­
tros pontos do globo, a Terra-Mãe teria por conseguinte ge­
rado as civilizações do porvir, apossando-se do não-criado e
do espaço-tempo do futuro.
Desta maneira, num mundo petrificado5 ela teria colo­
cado: gigantes e cidades, animais e objetos conhecidos (qui­
lhas, potes, arcos, estrigas etc.) e também, forçosamente, se
nossa hipótese tiver fundamento: automóveis, aviões, foguetes
espaciais, e até os engenhos antigravitacionais que por volta
do ano 2000 irão suceder os pesados e mastodônticos fogue­
tes Atlas e Apoio.
E muitos outros engenhos dos quais não fazemos ainda a
menor idéia!
Fontainebleau tem suas otárias, seu elefante, sua Mater,
suas tartarugas, seus mochos, seus ursos; Montpéllier-le-Vieux
regorgita de ruelas do tipo da Idade Média, torrezinhas, orna­
mentos e campanários, castelos, fortes e cidades titanescas...
Um' pouco por toda parte, deparam-se potes, sinos, vasos,
pirâmides, quilhas, pés, tamancos, queijos, chapéus, livros, bi­
nóculos. .. e até foguetes. Mas, onde é que deparamos com au­
tomóveis, máquinas IBM e locomotivas?

.5 — Não seria este mundo petrificado um mundo paralelo suscetível


de entrar em contacto com o nosso? As lendas de gigantes, espí­
ritos. malfazejos, fadas, duendes, o da caverna de Ali Babá apoiar-
-se-iam em verdades improváveis, porém possíveis?

272
É provável que os mais ricos, os mais impressionantes "ca­
prichos da natureza” gerados há milhões de anos desaparece­
ram por completo, tragados pelos sismos, roídos pelos ventos,
pelas chuvas, pelos gelos, dinamitados pelos homens, nivelados
pelos trabalhos agrícolas.

O PETRIMUNDO E OS MUSEUS PRÉ-HISTÓRICOS

E apesar de tudo a Terra gera incessantemente — e con­


tinuará gerando — mas a investigação do insólito e da criação
petrificada, nas montanhas e nas charnecas, é ainda demasiado
recente e mal organizada para que se possa usufruir de rápidas
descobertas relacionadas com o mundo da indústria e da ele­
trônica.
E como descobrir a forma, adivinhar a criação de enge­
nhos, de objetos, talvez miniaturizados, de que a nossa civili­
zação ainda não tem necessidade e de cuja utilidade nem sequer
podemos suspeitar!
É preciso que o observador inteligente, sensível e atento
do petrimundo saiba calcular as possibilidades funcionais, as
geometrias raras, muitas vezes pouco conciliáveis com os aspec­
tos naturais do mineral e com as formas registradas por nossas
civilizações, desde os bisontes de argila das cavernas até os
taque-taque6 de Saint-Tropez e de Royan, desde os bólides do
Mans até os Concorde e Apoio 177.
Estamos convencidos de que um dia que não vai longe, an­
tes que a erosão tenha feito seu trabalho de destruição (mas às
vezes criador), um governo de visão instituirá uma seção de
pré-história no Ministério de Educação nacional ou das Belas
Artes com a incumbência de classificar e preservar como mo

6 — Nos anos 1971-1972 se dava o nome de taque-taque a duas bolas de


matéria plástica ligadas por um barbante: o jogo consistia em
ífazer com que as duas bolas se entrechocassem; taque-taque é
uma onomatopéia.
7 — È interessante sublinhar que talvez pelo poder quase miraculoso
dos nossos cromossomos-memória nós imaginamos ou recriamos
a civilização dos atlantas com uma arquitetura em forma de pirâ­
mides. Parece que pôde ser o mesmo com a Natureza, a quem os
■cromossomos-memória teriam sugerido a criação do futuro, desde
o primeiro homem até as últimas cidades levadas à ruína pelos
poderosos cataclismos do fim do mundo.

273
numentos pré-históricos os rochedos zoomorfos e antropomor-
fos desses lugares e dos outros, numerosos, que logo serão
descobertos, agora que o público está informado e tomou cons­
ciência do fenômeno8.*
6

8 — Ficaríamos muito gratos a nossos leitores-amigos a gentileza de


nos cientificarem a respeito dos rochedos, pedras, objetos ou lo­
cais curiosos que conheçam.
Cartas para: Robert Charroux — c/o Editions Robert Laffont —
6, Place Saint-Sulpice — 75006/PARIS.

274
Capítulo XVIII

A MAQUINA DE FILMAR O PASSADO

Para aqueles que as formas nuas da verdade límpida e


cristalina não causam espanto, não subsiste nenhuma dúvida de
que existiram Ancestrais Superiores.
Às vezes, ao inspecionar depressões de terrenos, ao abrir
uma sepultura, ao folhear um livro herético deparamos com
traços de um invento de cuja paternidade críamos ser detento­
res e o qual no entanto já era do conhecimento dos povos da
antiguidade1.

OS ENGENHOS DO FUTURO

Há quatro ou cinco milênios os egípcios sabiam fazer nas­


cer pintos, por incubação artificial, sem que as galinhas cho­
cassem os ovos.
Em maio de 1972, escarafuchando num cofre abandonado
entre os cacarecos do museu, um arqueólogo do Cairo desco­
briu uma espécie de pássaro em madeira de sicômoro, do ta­
manho de 18 centímetros, com a cauda em plano de deriva.

1 — Em Histoire Inconnue des Hommes depuis 100.000 ans — ed.


Robert Laffont — Paris 1962, estabelecemos a lista do insólito
terrestre: o condensador elétrico de Moisés, o vidro inquebrável
de Tibério; os pára-raios de Salomão, a máquina de reação de
Heron, a lâmpada elétrica de São Luís, a bomba atômica de Luís
XV etc.

275
O objeto era tão semelhante ao avião de transporte ame­
ricano “Hércules”, que os egiptólogos acreditam se tratar de
uma maquete de planador que data de 2400 anos.
O escritor dinamarquês Frede Melhedegard, especialista
das civilizações antigas, sobre os hieróglifos e os afrescos do
Egito acaba de publicar um estudo que o levou à conclusão de
que os templos do Nilo tinham sido construídos com a ajuda
de maquinário muito aperfeiçoado. Ê de opinião também que
os fenícios conheciam muito bem certas aplicações da eletrô­
nica, da eletricidade e em particular da galvanoplastia2.
De acordo com F. Melhedegard, numerosos hieróglifos se­
riam reproduções estilizadas de máquinas elétricas e apóia a
sua tese, confrontando-as com esquemas de motores ou de cir­
cuitos, o que dá um resultado bastante surpreendente.
Levando mais avante suas investigações, estabeleceu o
mesmo paralelo com os desenhos e os afrescos do México, do
Peru e da índia.
Os planos de templos que ele reuniu têm na realidade se­
melhanças tão estranhas com arranjos mecânicos, que somos
tentados a ver neles os esquemas de algum motor misterioso.
Sem com isto abraçarmos este ponto de vista, contudo é
permitido imaginar que os arquitetos e os desenhistas da An­
tiguidade, sob o efeito de drogas alucinógenas, tenham sido
solicitados e orientados por lembranças cromossômicas ou por
premonições, da mesma forma que Júlio Veme sorvia no sé­
culo XX as invenções geniais descritas em seus livros.

2 — Tut-Ankh-Amon er vagnet, de Frede Melhedegard, ed. Nihil Press,


Vesterbrogade 139.1 — 1620 — Copenhague/Dinamarca.

O arqueólogo dinamarquês Frede Melhedegard garante que os


Ancestrais Superiores escondiam seus segredos científicos nos planos
arquiteturais. Este esquema de motor de automóvel... é o plano
do templo rupestre de Ellora, na índia.

277
ELIXIR DA JUVENTUDE

Os acontecimentos, as descobertas e as realizações mecâ­


nicas do passado e do futuro estão provavelmente inscritos nos
cromossomos-memória, mas o iniciado que sabe como con­
sultar esta espécie de biblioteca prodigiosa se sente em geral
incapaz de situá-la no tempo.
Conforme o Dr. Edwin Yale, da Universidade Emory dos
Estados Unidos da América, há 5000 anos as mulheres aborí­
genes da Austrália que quisessem evitar filhos observavam um
regime dietético à base de batatas doces locais chamadas yams.
Pois bem, os trabalhos de um outro pesquisador america­
no, o Dr. Russel Maker, mostraram que, partindo desta bata­
ta, se podia efetuar a síntese da progesterona que serve de
base à fabricação das pílulas anticoncepcionais.
Foi estudando a farmacopéia dos incas que o Dr. José
Froimovich, de Santiago (Chile), teria aperfeiçoado um me­
dicamento milagroso, o "FGF 60”, que restitui saúde, vigor
e clarividência aos velhos.
Este elixir da juventude leva 60 ingredientes e custou mais
de trinta anos de pesquisas.
O Dr. Froimovich não é um empírico. É membro de vin­
te e quatro institutos científicos internacionais e figurava na
lista de candidatos ao Prêmio Nobel de medicina em 1963.
Seu elixir, experimentado na América Latina e mesmo na
Europa, apresentou resultados positivos e espetaculares em
homens idosos de setenta a cem anos.
Antes da cura alguns se locomoviam em cadeiras de
rodas; alguns meses mais tarde o Dr. Froimovich fê-los dis­
putar uma pequena partida de futebol, cuja relação de nomes
e fotos foi publicada pela imprensa34 !
Todos tinham recuperado uns vinte anos, no bom sentido,
e sua memória havia retomado e alguns, curados de uma im­
potência senil muito natural, sentiram que eram capazes de
procriar novamente!
Existem outras maneiras de levar vida longa: o campo
magnético terrestre e o magnetisnfó em geral neste particular
desempenham um papel importante pela influência que exer­
cem sobre os fenômenos fundamentais da vida'*.

3 — Montreal-Matin publicou o texto e uma foto em sua edição de


14 de maio de 1972.
4 — Eis-nos a dois passos da astrologia (para contradizê-la) e das
correntes telúricas (para apoiá-las).

278
Desta forma, ratos expostos a um campo magnético de
4.000 gauss vivem 2O°/o mais tempo do que a média de sua
existência normal.
A ação do magnetismo se exerce na escala das enzimas,
isto é, bem no começo da formação da célula.
O Sr. Adolf Unmüssig, de Freiburg im Breisgau, nos faz
cientes de que na Alemanha submeteram o ventre de uma se­
nhora grávida a uma descompressão atmosférica, colocando-a
numa caixa pequena contendo ar rarefeito.
As experiências se realizaram à razão de aproximadamen­
te uma hora por dia, cujo resultado foi a irrigação excepcio­
nal dos tecidos do feto.
A criança que nasceu e que foi manchete dos jornais da
época era um verdadeiro gênio. Com três anos possuía uma
memória prodigiosa, conhecia a geografia da Terra como se
lesse num livro, reconhecia todas as marcas de automóveis etc.
É opinião que o sistema de descompressão, quando apli­
cado nos tecidos orgânicos de indivíduos idosos, podería ter
uma influência feliz e provocar uma certa regenerescência das
células, jugulando sua astenia natural. Seguir-se-ia logicamen­
te uma longevidade maior.

FOGUETES DE DOIS ESTÁGIOS NO SÉCULO XVI

A seriíssima revista francesa Arqueologia5 em seu número


42 relatou uma informação proveniente da Rússia a qual pre­
tendería demonstrar, se necessário fosse, que os nossos ances­
trais, ditos bárbaros, eram-no muito menos do que se imagina.
Uma descoberta arqueológica permitiu constatar que na
região central do Cazacstã (República Socialista de Cazaqui)
há 2300 anos um cirurgião amputara o pé esquerdo de uma
jovem senhora e substituíra-o por uma prótese.
A prova indubitável disto estava num esqueleto encontra­
do numa sepultura.
A operação fora coroada de êxito, pois a paciente vivera
diversos anos com seu pé artificial, cujos ossos tubulares ha­
viam sido tirados de um carneiro.
Certamente nunca faltam "racionalistas” para contestar
tais informações, como impugnaram as operações de coração
aberto efetuadas há 100.000 anos no Turcmenistão e confirma­
das pelos relatórios da expedição Marmadjaidjan e as conclu­

5 — Arqueologia, 8, vila de Eylau — Paris 16*?.

279
sões da Academia de Ciências de Moscou6; mas cada ano que
se passa as oposições vão definhando e caem diante da reali­
dade dos fatos.

As descobertas de Francisco di Giorgio — Em cima: canhão-foguete


sobre rodas; embaixo, à direita: foguete, as rodas servem de rampa
de lançamento; à esquerda: torpedo flutuante marinho.

Igualmente a Conjuração houve por bem se dobrar quan­


do lembramos que, sessenta e quatro anos antes dos irmãos
Montgolfier, o jesuíta Gusmão fizera voar um engenho mais
pesado que o ar diante da corte de Portugal, ao publicar­
mos os planos do foguete de três estágios que voou em Sibiú,
na Rumênia, no ano de 1529!
Os homens têm memória curta e esqueceram as invenções
extraordinárias do arquiteto italiano Francisco di Giorgio que
no século XVI antecipava-se sobre as armas mais modernas do
nosso tempo.

6 — Apresentamos o relato desta descoberta em O Livro dos Mundos


Esquecidos, cap. IV, Ed. Hemus. A descrição do avião de Gusmão
consta da Histoire Inconnue des Hommes depuis 100.000 ans,
cap. VIII e os esquemas do foguete de Sibiú foram nublicados
em Le Livre du Mystérieux Inconnu, cap. I, Ed. Robert Laffont.

280
Giorgio desenhara, especialmente, um canhão-foguete que
lançava um projétil, montado inicialmente sobre rodas, mas
que em seguida se elevava por sua própria velocidade de
tração.
Ainda mais elaborado era o foguete de dois estágios, o
primeiro lançando o segundo por meio de cargas de pólvora.
Como Giorgio não teve a idéia das rampas de lançamen­
to, o engenho duplo era colocado numa carroça que provavel­
mente rodava num plano inclinado, de acordo com um ângulo
estudado, antes de perder peso.
Uma terceira invenção prefigurava nossos torpedos ma­
rítimos e se ela não foi utilizada — pelo menos não temos ne­
nhuma informação a este respeito — possuía contudo todos os
apetrechos necessários por um bom funcionamento 7.
Consistia de um sistema de flutuação provido de três tam­
bores rotativos para diminuir a resistência ao avanço. Na
dianteira, duas pontas de ferro resistente deviam cravar-se no
casco do navio inimigo.
O torpedo, colocado na traseira do sistema, no começo
fazia o papel de propulsor a reação e depois de explosivo,
quando o fogo se comunicava à carga.
A cábrea tinha por missão manter o explosivo de encon­
tro ao casco do navio.
Se nossos pesquisadores modernos tivessem tido a idéia
de investigar os arquivos dos nossos ancestrais, teriam desco­
berto a V 1 quatro séculos antes que o Sr. von Braun!
Mas, nem por isso a nossa civilização teria dado um pas­
so à frente!
Mas, graças a Deus, eles não tiveram essa curiosidade!

O PASSADO JAMAIS MORRE

Se conhecéssemos os principais acontecimentos da histó­


ria humana e se conseguíssemos fazer deles um cartão perfu­
rado para um computador, o aparelho deixaria sair um pro­
grama profético relativamente exato.
Se pudéssemos registrar e encerrar em espécies de ferri-
tas ou de postes de televisão as imagens do passado8, o mes­
7 — Os desenhos destas descobertas foram publicados na obra La
Renaissance, coleção Time-Life, Cedex VIII-7-Paris-Brune —
França.
8 — É o que acontece com o magnetoscópio para as imagens do pas­
sado recente.

281
mo computador talvez fosse capaz, com base neste começo
de filme, de imaginar a sequência do cenário e de elaborar as
imagens do futuro.
Teoricamente, por relação de causa e efeito, uma máquina
eletrônica que tenha como base única um fato histórico capi­
tal, idealmente detalhado, poderia reconstituir toda a história
da humanidade no sentido — e no sentido +.
Reencontrar as ondas do passado e convertê-las em ima­
gens e sons, até nossos dias parecia pertencer ao mundo da
ficção científica, mas um sábio monge beneditino italiano, o Pe.
Pellegrino Ernetti, teria realizado cientificamente este milagre.
O padre não é um iluminado ou um feiticeiro da Idade Mé­
dia, que opera por invocações, magia ou subterfúgios; é tido
na conta de autêntico sábio.
Com a idade de quarenta e sete anos, é docente substituto
de "prepolifonia”, isto é, da música tal qual era conhecida
desde a mais remota Antiguidade até o ano mil; é Tente no
Conservatório Benedetto Marcello de Veneza, da Fundação Cini
e dirige o Secretariado de ensino religioso masculino da Itália.
Conduziu suas pequisas em conjunto com doze físicos cuja
identidade se recusa declinar, num laboratório secreto que
existe em Veneza ou em Roma.
Sabe-se contudo que por volta de 1956 começou a estudar
a possibilidade de ressuscitar o passado como por um filme
de televisão.
Em 1957 travou conhecimento com o professor português
de Matos, que com seus trabalhos devia dar uma orientação
nova às suas pesquisas.
Também o próprio professor de Matos se interessava na
televisão do passado e estava elaborando teses em tomo dos
textos de Aristóteles relativos à desintegração dos sons, tex­
tos talvez tomados emprestados de uma idéia pitagórica ainda
muito mais antiga.
De acordo com suas declarações, a idéia genial do Pe. Er­
netti consistiu em tomar como base o princípio científico clás­
sico, segundo o qual as ondas luminosas e sonoras, depois de
sua emissão não são destruídas mas se transformam e perma­
necem etemamente presentes.
Diante disto, torna-se teoricamente possível reconstituí-las,
reintegrando-as em seu sistema energético original.
Para dizer a verdade, os físicos não admitem este princí­
pio, pelo menos sob esta forma sumária, tanto mais que o bom

282
O Pe. Ernetti Pellegrinc

283
do padre entende que as ondas em questão “se registram na
esfera astral", o que não é aceitável em física convencional.
Sempre de acordo com o Pe. Ernetti, uma onda sonora —
por exemplo — se subdividia em sons harmônicos, em ultra-
sons, hipersons, hipo-sons etc. e em seu processo de transfor­
mações se sujeita às leis habituais da desagregação da maté­
ria, até ao estágio atômico e além disso até as contexturas mais
ínfimas do infra-átomo.
Graças a “aparelhos apropriados”, entre os quais figura­
ria um oscilógrafo catódico que utiliza os desvios de um fluxo
de elétrons, por meio de um caminho inverso do processo se
chega a reconstituir a emissão sonora inicial.
Ao que parece este fenômeno é possível, pois cada um dos
componentes da onda tem uma individualidade própria, um
cartão de identidade psíquica que lhe permite a volta inelutá­
vel à fonte.
“— Meu invento, diz o Pe. Ernetti, nada tem de comum
com os métodos da parapsicologia ou de metapsíquica. Trata-
se de ciência pura!
Para a ressurreição das ondas luminosas o método é idên­
tico; é até o princípio primeiro, pois a base do criador é luz,
conforme está escrito na Bíblia!”

UMA FOTO DAS TABUAS DA LEI

“Cada ser humano, diz o Pe. Ernetti, desde seu nascimen­


to até a morte, traça um duplo sulco: luminoso e sonoro, que
constitui a ‘marca’, o número de matrícula do indivíduo.
O mesmo se dá com um acontecimento, uma música, um
movimento.
As antenas do nosso laboratório permitem sintonizar as
duas características de cada fenômeno: imagem e som.”
Os físicos talvez não se convençam com tais argumentos,
mas um fato incontestável existe: o Pe. Ernetti pode mostrar
as "fotografias” do passado longínquo e fazer ouvir vozes que
se haviam calado há milênios.
Naturalmente, estes resultados são tanto mais contestados
de vez que o inventor do método não revela o processo e não
deixa ninguém penetrar em seu laboratório, pois, diz ele, a di­
vulgação do segredo acarretaria uma série de desgraças incrí­
veis e desastrosas para a nossa civilização atual.
Toda esta história fantástica está fundada sobre a boa-fé do
padre e sobre os testemunhos quase incríveis que ele apresenta.

284
Conseguiu localizar e recompor, em latim arcaico — logi­
camente — o Tieste, uma tragédia de Quinto Ênio que foi en­
cenada em Roma no ano 169 antes de nossa era.
Teria conseguido identificar a pronúncia exata das lín­
guas antigas, o texto original das Tíbias da Lei ditadas pelo
próprio Deus no monte Sinai, teria registrado imagens menos
distantes e de todo convincentes: as do papa Pio XII e de
Benito Mussolini.. .
O Pe. Ernetti não revela um tiquinho sequer dos seus re­
sultados, mas sabemos que ele filmou e sonorizou "a presu­
mida explosão atômica de Sodoma e Gomorra”.

EIS O RETRATO DE CRISTO

Incontestavelmente o êxito mais sensacional da máquina


de filmar o passado é o retrato de Jesus Cristo, com vistas ti­
radas diretamente sobre a cruz e durante a agonia.
Imagine-se o bom do padre olhando em sua tela mágica as
cenas alucinantes da Paixão, desde o carregamento da cruz até
o grito da nona hora: Eli, Eli, lamma sabactani9 (segundo
Mateus) ou Elói, Elói, lamma sabactani (segundo Marcos) ou
então (pensa-se que em aramaico): Pai, nas tuas mãos entre­
go o meu espírito (segundo Lucas).
Quais foram exatamente as últimas palavras de Cristo?
Este enigma foi estudado durante muito tempo pelos teó­
logos que não encontraram um ponto de vista comum nem
com respeito às palavras nem sobre o sentido preciso que con­
vinha dar-lhes.
Pois bem, o Pe. Ernetti, se não estiver mentindo deve ter
escutado a derradeira invocação do crucificado!
Perguntado a este respeito, recusou-se a dar qualquer de­
claração, alegando que não lhe competia fazer declarações des­
ta ordem!
A imagem que ele obteve carece mais de nitidez do que
de originalidade: Jesus parece ter uma baiba preta, cabelos
compridos e lisos, bigode em forma de meia-lua torcidos
para baixo e boca entreaberta com indícios de que deseja ex­
ternar um queixume surdo.
Os olhos, muito grandes, belíssimos, cheíssimos de dor e
marcados pelo sofrimento, estão voltados para o céu, não à
9 — Tradução segundo São Jerônimo: «Meu Pai! Meu Pai! Por que
me abandonaste?» O pseudo João, que diz ter presenciado os últi­
mos instantes de Jesus, se cala sobre este ponto importante!

285
Segundo o padre Ernetti, esta foto teria sido tirada durante a vida de
Jesus, enquanto agonizava na cruz.

286
maneira desgraciosa de São Sulpício, mas com uma comoven­
te sinceridade.
O personagem é atraente e simpático e suscita uma inten­
sa emoção.
Sim, mas... seria mesmo o Cristo?

A CHAVE DO ENIGMA. . .

Em 1950 o engenheiro inglês George Delawar fizera pes­


quisas paralelas àquelas do Pe. Ernetti, com a colaboração de
físicos de Oxford.
Pretendia fotografar os remanescentes do passado e em
apoio das suas afirmativas havia produzido uma fotografia
bastante convincente do seu casamento, que tivera lugar em
Nottingham vinte e três anos antes.
Depois disto, seu invento soçobrou nas sombras do esque­
cimento.
Em colaboração com o engenheiro-astrônomo Emílio
Drouet, nós mesmos estudamos o princípio, muito aleatório,
da viagem no tempo e de nossa integração nas ondas do pas­
sado, não mais perseguindo-as no cosmo, mas por uma concor­
dância teórica com seu comprimento de propagação.10.
Parece que o monge italiano se teria parcialmente inspi­
rado nesta tese que, de nossa parte, apresentávamos como um
divertimento intelectual.
O Pe. Ernetti defende seu segredo com argumentos que
seriam muito válidos se tivéssemos a certeza da autenticidade
da descoberta.
— “Se eu der a conhecer o meu aparelho, diz ele, pode­
ríam dele se servir para ler o que vai no cérebro das pessoas,
de vez que o pensamento é uma onda.
Isto seria um atentado sacrílego contra a liberdade de
consciência, uma agressão criminosa contra o eu humano.”
No entanto, diz-se que ele aceitaria imediatamente ati­
rar-se ao mistério da "Máscara de ferro”, de entrevistador do
evangelista são João sobre a data do fim do mundo; toparia
adivinhar o paradeiro do tesouro dos incas, filmar a morte de
Joana d'Arc e reconstituir uma parte dos preciosos manuscri­
tos da biblioteca de Alexandria!

10 — Em Histoire Inconnue des Hommes depuis 100.000 ans — ed. Ro-


bert Laffont. — 1962 — Cap. X.

287
Mas seu primeiro cuidado seria consultar os sábios anti­
gos, como Sólon, Tales, Anaximandro, Lêucipo, Ferécides, Pi-
tágoras, Anaxágoras, Sócrates ... um verdadeiro programa de
Senhor do Mundo ...
Felizmente o inventor da máquina de auscultar o passado
não tem nenhuma ambição pessoal. Nem mesmo a de se tor­
nar papa, o que aliás lhe caberia de direito!
— “Quando poderá o Sr. anular as ordens de silêncio que
cercam seu invento?” perguntou um jornalista da Domenica
dei Corriere.
— "Quando o homem tiver aprendido a agir dentro do
senso do bem!” respondeu o Pe. Ernetti. “Nada senão visando
o bem!”
Nestas condições, e como diz o bom senso popular: "Só
mesmo no dia de São Nunca!"

288
ENSAIO DE MITOLOGIA FRANCESA

Capítulo XIX

QUANDO OS DEUSES ERAM SERES HUMANOS

A mitologia é a história metamorfoseada pelo tempo e a


má transmissão de acontecimentos que se desenrolaram na
aurora das civilizações.
De um modo geral, uma mitologia narra a criação do
mundo por uma Deusa Mãe ou por um deus supremo, depois
o nascimento de deuses inferiores, dos quais uma traz o co­
nhecimento da escrita, da agricultura, das artes e das ciências.
Procurando sempre aferir uma linha geral, a mitologia
põe em evidência deuses particulares que apareceram há 5000
anos e que se identificavam ou tinham um certo vínculo com
o planeta Vênus, com a água fecundante e com lendas de
heróis ou de animais voadores.
A estes temas acrescentam-se naturalmente relatos de di­
lúvios, de monstros híbridos, de guerras entre os homens e os
monstros, inscrevendo-se tudo num contexto onde deparamos
com os arquétipos clássicos: o Iniciado, homem ou mulher,
vindo de um outro mundo a bordo de um engenho voador
como por exemplo: serpente, carneiro, dragão, touro, barca
ou “vimana”, e também a Mater, a gruta, a fonte, a espiral, o
tesouro.
Todas as civilizações se serviram destes mitos e deste
arsenal, com algumas pequenas variantes.

O CASO DOS PAÍSES MUITO CRISTÃOS


Ora bem, acontece que as principais nações ocidentais —
a França no que nos diz respeito — foram espoliados desta his­

289
tória legendária pela invasão de uma religião estrangeira, o
cristianismo, de um deus forasteiro, Jesus, e de dogmas sectá­
rios, abusivos e sacrílegos.
Os países que são os mais cristãos — a França, a Espanha
e a Itália — e que deveriam ter as mitologias mais ricas e pito­
rescas, nada disto possuem e se prendem ao longínquo passado
dos ancestrais por meio de lendas ou tradições gregas, escan­
dinavas ou irlandesas.
Nas universidades se ensina a mitologia grega e nas esco­
las cristãs, a dos hebreus.
Revoltar-nos, pretender que somos celtas, que nossos deu­
ses antigos tinham nomes como Teutatés, Esus, Lug, Cemudos
etc., constitui abominável heresia que outrora conduzia à fo­
gueira.
Em Éfese, São Paulo fez com que se queimasse uma bi­
blioteca inteira contendo livros científicos onde, contrariamen­
te à palavra de Deus, se dizia que a Terra era redonda e que
girava em torno do sol.
No século VII, monges irlandeses ignorantes queimaram
como “demoníacos” dez mil manuscritos rúnicos, de valor
inestimável, que se referiam à civilização céltica.
Em 490 os cristãos incendiaram a biblioteca de Alexan­
dria e em 789 Carlos Magno interditou o culto pagão e ordenou
a destruição de todo objeto ou documento que com ele se
relacionasse.
Quase toda a história da humanidade soçobrou nessas
aventuras mais assassinas do que as invasões dos bárbaros e
que as guerras de conquista.
Eis porque os povos cristianizados — franceses, espanhóis
e italianos — foram amputados dos seus avoengos e não pos­
suem uma mitologia nacional.
Mas o passado quer ressurgir e chegaram os tempos em
que a verdade deve vir à tona nua e límpida, nem que fosse
para soltar gritos de horror contra os tartufos e os falsos
devotos.
Embora tenha escapado à atenção dos historiadores, hoje
em dia a lenda da Melusina impõe seus títulos de valor e
proclama seu direito de entrar na mitologia céltica.
Mais ainda, ela se define como sendo a própria essência
da nossa mitologia celto-gálica ou, para sermos mais precisos,
do povo que há 5000 anos habitava o nosso país.

290
O TEMPO DO SONHO

Os escritores da pré-história não levam sequer em consi­


deração os tempos mitológicos, aqueles dos Grandes Ancestrais
e dos Iniciadores que trouxeram os segredos científicos.
Mais fiéis, mais leais e mais inteligentes, os povos primi­
tivos emprestam ao mito uma importância sagrada, que se
pode ver também entre os ingleses, os alemães e os gregos.
Ignorar ou esquecer a tradição ancestral significa romper
com a Natureza, com a seiva vital do passado, significa cortar
o cordão umbilical que nos liga à vida primordial.
Então, isolado num universo estranho, o homem perde
sua qualidade, seu caráter e o sentido da sua vida.
Sonhar com os mitos é um traço característico comum
a todas as civilizações dos indígenas da América, dos aborí­
genes da Austrália e da Polinésia, os quais com justa razão
pensam que, em sonhando, aprendem da maneira mais correta
possível as verdades tradicionais1.
Para esses povos, o período original de sua civilização, de
sua história desconhecida, se chama o tempo do sonho.
Está fora de toda dúvida que esta certeza e este método,
por empíricos que pareçam, apresentam critérios de credibili­
dade muito mais admissíveis e racionais do que as especula­
ções aberrantes de vários escritores de pré-história.
Sem saber, os primitivos valorizam uma observação de
ordem científica admitida por certos biologistas relativa ao
tempo do sonho na criança, a qual no ventre da mãe pode
sonhar com fatos, com acontecimentos ou com fenômenos
muito anteriores à sua procriação, mas inscritos nos seus
cromossomos-memória.

O GÊNIO, O INICIADOR E A ESTRELA DE CINEMA


Os samaritanos (tribos de Judá e de Benjamim) admi­
tiam que o homem havia sido criado não à imagem de Deus,
mas dos anjos, porque o Sephir bereschit se serve da palavra
Eloim: os deuses.

1 — La Mythologie primitive, de Lucien Lévy-Bruhl, membro do Ins­


tituto — Livraria Félix Alcan — Paris.
Conhecer, disse Platão, é lembrar-se. «Pensar, escrevia Maeter-
linck, não consiste somente em observar como fazia Fabro, de­
duzir como Descartes, é também escutar no fundo de si suas
dores, suas esperanças, seus anseios». Sonhar, acrescentamos
nós, é às vezes voltar ao pensamento do ser-matéria que nós te­
mos sido.

291
Nisto podemos ver então anjos vindos do céu, quer dizer,
de outro planeta, com o fito de criar a vida humana sobre a
Terra.
Os anjos, esses “forasteiros na Terra” que se tomaram os
Iniciadores, os heróis antigos, os deuses, enfim — é que deram
origem a um politeísmo.
Era o que afirmávamos em 1962 como tese, em nosso pri­
meiro livro, vários anos antes que um plagiário muito mais
rico em falta de delicadeza do que talento se apropriasse da
idéia e desavergonhadamente escrevesse "meus Extraterres­
tres”.
Cumpre ademais que se frise que 2400 anos antes de nós
e de nossa pobre prosa, um Iniciado, o filósofo grego Evêmero
(século IV antes de Cristo), disse e escreveu que os deuses
da mitologia tinham sido simplesmente seres humanos, deifi-
cados pelos povos dados e propensos à admiração.
Foi o caso de Atenas e Roma, com Safo, Platão, Petrônio,
com imperadores e com homens ilustres.
Ainda em nossos dias o mesmo fenômeno exaustivo se
aplica com as personalidades em evidência ou verdadeiramente
eminentes.
A atriz Greta Garbo, apesar de muitas outras estrelas, foi
chamada a Divina; um culto foi celebrado em homenagem ao
ator Rudolph Valentino, que teve seu apogeu de glória por
volta de 1927. A bela dançarina nua Colette Andris em 1939
era adorada por fãs.
Em alguns templos do Daomêi, em 1950, eram prestadas
honras divinas às fotos da francesa Lídia Bastien, heroína do
Paris-secreto do pós-guerra.
A partir de sua morte, ocorrida em 1970, o General de
Gaulle foi divinizado em seu próprio país.
O corredor ciclista Fausto Coppi, quando em vida teve fãs,
verdadeiros crentes fanáticos.
Para dizer a verdade, como sói acontecer com as compa­
nhias de honra de nosso século, “a Ordem da Divinização”
era monopolizada principalmente pelos tiranos, pelos poten­
tados, pelos mercantilizadores da matéria e do pensamento.
No começo do século III da nossa era, o geômetra, astrô­
nomo e sábio médico Sexto Empírico2, que não se deixava

2 — Sexto Empírico, sábio grego, teria nascido no começo do sé­


culo III, em Mitilene. Expôs as teorias dos céticos em três obras,
sendo que a principal delas tinha o título de Hipotíposes pirro-
nenses. Montaigne, La Mothe e Bayle se inspiraram nelas.

292
sequer contar entre o número dos moralistas, afirmava que
Evêmero tinha em seu poder relações de fatos autênticos e
muito antigos pois, escrevia ele, “datavam de uma época em
que aqueles que sobrepujavam os outros em força e habili­
dade os haviam obrigado a submeter-se às suas vontades e
depois, com ambições mais elevadas, julgaram-se dotados de
faculdades sobrenaturais, de tal modo que muitos homens os
tomaram como objeto de seu culto".

EVÊMERO, O ATEU

O pagão convertido Arnóbio dizia que "Evêmero queria


demonstrar que os deuses antigos eram homens; daí o cuidado
extremo e cioso que tinha em indicar o lugar de nascimento
e da morte dos deuses, numerando com desvelo seus túmulos
e considerando-os como homens que haviam sido úteis à huma­
nidade”.
Sabemos também por intermédio de Sexto Empírico que
Evêmero era chamado o Ateu por aqueles que em seu tempo
acreditavam que Vênus, Júpiter e Mercúrio eram os verda­
deiros deuses criadores do Universo3.
Efetivamente, este "ateu” esposava a opinião de que o
criador se identificava com uma Inteligência superior, cós­
mica e de matéria indefinível.
Da mesma forma, os hebreus acreditavam num Javé, que
era o nome de uma montanha, de uma região ou de um herói
a Arábia antiga, e os cristãos depositam sua fé num terceiro
deus, de nome Jesus, que desempenhou o papel mais ou me­
nos de herói, que teria vivido no primeiro século.
Evêmero expôs a sua doutrina num livro intitulado Ins­
crições sagradas, no qual relaciona numerosas epígrafes de
templos, de sepulturas e de monumentos visitados em suas
viagens.

AS ILHAS FLUTUANTES

Deodoro da Sicília relata que Evêmero, que foi enviado


em missão à índia e ao Oriente Próximo por Cassandro, rei
da Macedônia, descobrira no sul da Arábia três ilhas chamadas
Panchaea, cujo templo principal era coberto de hieróglifos
egípcios.

3 — Ainda em nossos dias, o verdadeiro deísta, aquele que sabe que


Jesus não era um deus, é qualificado de ateu. Os tempos de su­
perstição não foram abolidos.

293
Uma dessas ilhas produzia bastante incenso que dava para
alimentar os altares de todos os templos do mundo.
Panchaea era o país onde nascia e renascia o fênix (o país
de Cousch, ou Etiópia, ou Arábia meridional segundo Heró-
doto).
Nenhum geógrafo conseguiu identificar essas três ilhas e
queremos crer que Evêmero outra coisa não fez senão relatar
esta história baseado “no livro dos sacerdotes egípcios que
haviam falsificado a Tri-Cuta* mítica dos hindus, dando-lhe um
caráter de realidade”.
"Da mesma maneira que Hecateu situava os hiperboreanos
na Bretanha, em frente à Gaule, assim os egípcios pareciam
ter fixado as ilhas Flutuantes do Oriente e de ao dogma geral
de um triplo eliseu terem acrescentado hieróglifos e outras
particularidades derivadas de sua opinião e de seus costumes.”
Hoje em dia estamos muito menos seguros da inexistência
dessas Ilhas Flutuantes do Oceano Índico, rivais das Ilhas
Afortunadas da Atlântida, de vez que acreditamos em convul­
sões geológicas submarinas capazes de tragar tenas à tona
d’água, tanto no Oriente como no Ocidente.

HESÍODO DESENTERRA A LENDA

Segundo as teses de Evêmero, o deus Urano, o mais


antigo de todos, era um viajante e iniciado, que se tornou
rei de Creta. A fim de afirmar seu prestígio sobre seus súditos,
deveria sem dúvida ter declarado que sua esposa e ele mesmo
eram filhos do Céu e da Terra.
Os reis do Egito, do Peru e do México lançaram ipão do
mesmo expediente para se outorgarem a divindade: porven­
tura não diziam eles que descendiam de soberanos divinos
vindos do céu por intermédio dos ares e muitas vezes de um

4 — A Tri-Cuta é uma cidade tripla que pertence à lenda hindu. Cutha,


ou Cuta, ou Kute, era uma cidade misteriosa da Ásia, cujos habi­
tantes, com relação à Bíblia, prestavam um culto ao deus Nergal,
que representava o planeta Marte.
Deve-se estabelecer um paralelo, quando não identificar, entre
a Panchaea de Evêmero e a massa continental original que per­
fazia todos os continentes emergidos, dizem certos geólogos, há
100 milhões de anos. Este continente primitivo único leva o nome
de Pangaea (pan = tudo, todo; gaea = a terra).

294
outro planeta, como foi o caso com os venusianos Viracocha
e Quetzalcoatl?5
Saturno e Júpiter, como também Urano, teriam sido anti­
gos reis ou heróis.
Estas idéias não eram novas na Grécia, onde muito antes
de Evêmero, no século VI antes de Cristo, o historiador e geó­
grafo Hecateu de Milet dizia que o Géryon de Erítia dos doze
trabalhos de Hércules era realmente um rei do Epiro, possui­
dor de ricos rebanhos; e que Cérbero, o cão do Hades, deus
dos Infernos, era uma serpente que habitava uma caverna de
Tênare, na Lacônia, lugar este que os antigos julgavam ser a
entrada e o império infernal.
Em tempos mais recuados ainda, no século VIII antes de
nossa era, Hesíodo escrevera que Géryon era muito simples­
mente um homem possuidor de uma força extraordinária ou
quiçá um rei poderoso.
O historiador grego Éforo, no ano 400 antes de Cristo,
fazia do gigante Títio6 um salteador e da serpente Pitão um
personagem odioso chamado Pitão ou Draco, que matou o
herói Apoio.
Ora bem, acontece que o legislador ateniense Draco (ca.
624 antes de Cristo) era um reformador íntegro e genial, mas
de uma retidão inflexível.
Punia de morte toda falta contra as leis (as leis draco­
nianas).
Segundo Estrabão, este Títio era o tirano de Pânopa ou
Fócides.
De acordo com revelações feitas por sacerdotes egípcios,
Heródoto conta a estranha história que existiu no começo dos
oráculos da Líbia e de Dôdona.
O de Dôdona, no Epiro, era o mais antigo da Grécia e o
único que fora conhecido dos Pelágios, ancestrais dos gregos.
A tradição afirmava que duas pombas pretas vindas do
Egito haviam parado uma em Dôdona e a outra na Líbia, onde
deram ordens para que se instituísse um culto a Júpiter.

5 — No Peru, Manco Capac, o primeiro inca, dizia que ele era o filho
do Sol e da Lua.
6 — Titia ou Títio, o filho de Gaea, quis violar Latona e por isso foi
morto a flechadas por Apoio e Diana e jogado nos infernos onde
dois abutres lhe devoram eternamente o fígado.

295
Heródoto, como aliás Evêmero, desenterrou esta lenda e
após pesquisar, concluiu que se tratava de duas sacerdotisas de
Tebas (Egito) que, levadas como escoavas ao Epiro e à Líbia,
instituíram ali um culto e cerimônias análogas àquelas que se
praticavam em seu país de origem.
Homero garante que essas pítias eram homens; Estrabão
e mais tarde Scaliger, no século XVI, são da mesma opinião.
Não obstante, é provável que a sacerdotisa de Dôdona
fosse uma druida vinda de Gaule, o que explicaria o nome
de pomba conservado pela tradição: as antigas pítias dos
deuses que se chamavam peleiadés, que significa também:
pombas.

OS CARVALHOS DE DÔDONA

O templo do deus ficava situado no centro da floresta, o


que fez com que Homero dissesse que os carvalhos de Dôdona
pronunciavam oráculos.
Quando o vento agitava sua galharia é possível que as
sacerdotisas da decadência tivessem querido fazer crer que o
barulho das folhas eram a voz de Júpiter, mas Estrabão des-
mitificou esta superstição.
Ê verdade que no templo haviam sido levantadas duas
colunas muito perto uma da outra.
Em cima da primeira fora colocado um caldeirão de bron­
ze; em cima da segunda, uma estatueta representava uma
criança segurando na mão um chicote ccm correias de bronze,
mas muito flexíveis.
Quando o vento soprava, as correias batiam contra o
bronze que retinia de uma maneira estranha, muito a jeito
para impressionar a gente crédula.
Ademais, o templo não era cercado de muros e sim de
caldeirões de bronze dispostos sobre tripés e astuciosamente
colocados uns contra os outros, de modo a se tocarem.
Se o primeiro caldeirão era tocado, as vibrações se comu­
nicavam até ao último e os sons se propagavam qual tormenta
misteriosa, a qual julgavam que representava a voz grave do
deus!
Os que iam consultar o célebre oráculo ficavam então
possuídos de um terror religioso, que os entregava ao do­
mínio das sacerdotisas.
O mesmo fenômeno com a vibração dos sinos, a cor dos
vi trais, o perfume do incenso, a encenação perto do altar ilu­

296
minado por velas e com um sacerdote vestido de paramentos
litúrgicos predispõe em nossas igrejas e em nossas catedrais
o espírito dos cristãos que imaginam Deus particularmente
presente entre eles nesta morada que lhe é consagrada.

OS FALSOS DEUSES

Para um ser supersticioso ou crédulo, o que sensibiliza


grosseiramente lhe parece mais maravilhoso e divino do que
a eclosão de uma rosa, o nascimento de uma criança ou a ger­
minação de um grão de milho.
Todas as religiões se têm valido astuciosamente das forças
misteriosas que impressionam os sentidos, o subconsciente e
a imaginação das massas para persuadi-la da autenticidade dos
seus deuses.
O evemerismo, explicação e desmitificação dos mitos,
desde todos os tempos se tem batido contra as psicoses abu­
sivas e as crenças supersticiosas.
Os maravilhosos e fantásticos templos do México, da ín­
dia e do Egito, cujas religiões resplandeciam outrora na quase
totalidade do globo, para o Iniciado e o homem de bom senso,
não passaram nunca de uma representação subalterna de uma
verdade deteriorada, de uma imaginação de sacerdotes igno­
rantes, inventores de falsos deuses.
De igual forma se deve crer que as milhares de nossas
igrejas e catedrais, que os milhares de nossos sacerdotes de
barrete, de bispos com mitras e de papas com tiaras e em trono
dourado — nada mais representam do que uma religião cir­
cunstancial, um pouco mais bem ekborada do que outrora,
mas nem por isso deixando de estar sujeita ao erro e à im­
postura.

A LENDA DE MONTMARTE

Um dos exemplos menos conhecidos, mas dos mais típicos


da deterioração das palavras, dos fatos e da cristianização de
nossa terra ancestral é a lenda de Montmarte, a colina sa­
grada de Paris, célebre no mundo inteiro sob o falso apelativo
de Montmartre.
Os etimologistas confessam que desconhecem a origem
da palavra e então propõem o seguinte: mons Mercurii (Monte
de Mercúrio), mons Martis (monte de Marte), monte dos már­
tires, em homenagem ao bem-aventurado São Dênis.

297
Evidentemente esta última etimologia não resiste ao exa­
me, porquanto o monte Marte existia muito antes de São Dênis
(272), mas ela geralmente prevalece sobre as outras.
Pensou-se também que o monte parisiense teria uma re­
lação com a marta ou matre, carnívoro muito raro na França
e que gosta de habitar as florestas de pinheirinhos e os
bosques, ricos em pássaros e em pequenos mamíferos7.
A verdadeira etimologia é muito mais linda, mais fasci­
nante e mais fantástica do que aquelas impostas pelas Con­
jurações.
Na mitologia pré-céltica, as martas eram uma espécie de
Amazonas ou de Bacantes — talvez sacerdotisas ou demônios
em forma de mulher — que freqüentavam os campos.
Altas de estatura, lindas, bastas cabeleiras louras, anda­
vam sempre nuas, com os peitos orgulhosamente pontudos
quais “escudos de amor”.
Posteriormente enfeiaram-nas, com as mamas compridas
e flácidas que lhe deram.
As martas, escreve S. de Beaufort, inspiravam o maior
pavor aos agricultores, os quais elas perseguiam aos gritos de:
“Olha a teta, ó trabalhador!” e jogavam suas mamas por
sobre seus ombros.
O perfil dessas mulheres, por toda parte idêntico, sua
moradia na proximidade dos dolmens que trazem igualmente
o seu nome8, inclinar-nos-iam a pensar que as martas seriam
as sacerdotisas "que praticavam sacrifícios com erotismo e
sangue, cuja vítima muitas vezes talvez fosse o pacífico traba­
lhador”.
Em Poitou-Charentes, onde as tradições conservaram ainda
um caráter vivo, as Martas, contava Augustin Bobe9, eram ao
mesmo tempo bacantes, dríades e feiticeiras hábeis em me­
dicar as feridas e curar as doenças.

7 — É possível que exista uma relação entre a marta cruel, de instin­


tos sanguinários, e as martas da mitologia pré-céltica.
8 — Les Etudes Limousines, tradition e progrès, n ° 34 ■— outubro de
1969 — Boletim da sociedade de etnografia de Limousin, 44,
cours Gay-Lussac, Limoges, citam três dolmens do Limousin que
têm o nome de Pedra da Marta: dolmens das Redondes em Cro-
mac, do Bouéry e da Vaudelles em Mailhac.
9 — Augustin Bobe (1878-1969), autor de Histoire de Civray (1935),
era um historiador apreciador dos costumes e das lendas do Poi-
tou e dos Charentes.

298
Com efeito, parece que elas eram sacerdotisas curandei-
ras, que oficiavam ou nos bosques ou nos dolmens ou perto
dos menires geralmente levantados nos cumes das colinas.
Em datas sagradas procuravam também as ervas medicinais
cujas propriedades conheciam, dedicavam às correntes telú­
ricas, às forças da natureza e aos menires fálicos um culto
impudico análogo àquele prestado a Anaítis entre os armônios
e os lídios.
Peritas na arte do amor, dizem que as Martas foram as
causadoras primeiras dos poderes atribuídos às pedras, que
tomavam fecundas, aos menires furados.
Durante a noite, quando crises e transes em que as mer­
gulhavam as bebidas alucinógenas e sem dúvida afrodisíacas
que elas sabiam preparar10, ficavam desvairadas e iam à
busca de um macho capaz de saciar seus delírios.
É provável que o comércio carnal com elas nesses momen­
tos não deixava de oferecer perigo, pois temos delas memó­
rias de bacantes insaciáveis e cruéis.
A lenda, de permeio com a realidade pouco conhecida, diz
que elas sabiam metamorfosear-se em animais terríveis ou
assumir formas medonhas e espantosas.
Talvez obrigassem os homens que capturavam a tomar
as suas beberagens.
Albert Goursaud as vê sob o aspecto de “ demônios-mulhe-
res da ordem inferior, que a mitologia germânica designa sob
o nome de mahr e cujo tipo mais conhecido é o cauchemar
(em francês = pesadelo; em alemão = Nachtmahr)”.
A. Goursaud estabeleceu um paralelo entre os chaucho-viei-
Iho do Limousin, cujo nome composto explica os procedimen­
tos das criaturas que durante a noite penetravam no quarto de
quem estivesse dormindo e “se deitavam sobre ele até cobri-lo
completamente e sufocarem-no, quando não tinha mais nem
jeito e forças para se desvencilhar do algoz”.
É possível que estas martas legendárias tenham engendra­
do a crença popular das fanetes ou fadetes que, segundo J. de

10 — Laurence Talbot, em Le Soufflé du Norrois, ed. Centre des Livres


LT, 12, bis Oswaldo Cruz, Paris 169, escreve que «a erva de Paris
era uns amavios como se pode ler em Lacurno».
Ler também Sainte-Palaye de la Cume: Dictionnaire des autzqui-
tés françaises, Glossaire de 1’ancienne langue française, e Olivier
de Serre: Théâtre de 1’agriculture et message des champs (ed.
1804-1805). E possível que a erva mágica de Paris tenha sido a
alfaia.

299
Sazilly e o Dr. Clancier-Gravelat, tinham um busto de mulher
e pernas de cabra.

LUGARES PREDESTINADOS

Esta seria a razão que fez do monte situado ao norte de


Lutèce o Monte das Martas e depois Montmarte.
Estranha e contudo lógica impregnação dos lugares, o
Montmarte de Paris tem sido sempre o centro de atração dos
prazeres e dos tráficos escusos e ambíguos.
É em Montmarte que se compraz a vida boêmia, que as
ruas regorgitam de calor onde perambulam as prostitutas, onde
abundam os clubes noturnos de strip-tease, que se encontram
os receptadores e os traficantes de drogas, de livros e de gra­
vuras eróticas.
Esta predestinação geológica11 e irreversível dura desde
as martas pré-célticas e se impõe com tanto rigor como aquele
que implantou o comércio no Maràis e a vida intelectual no
Quartier Latin.
Da mesma forma em Roma, o quarteirão de Suburo, si­
tuado sobre o vertente do monte Esquilino, desde a mais re­
mota Antiguidade era destinado a atrair os barbeiros, os bu-
fões, os atletas, os gladiadores e as meretrizes.
As religiosas da ordem de São Bento que residiram em
Montmarte na abadia fundada no século XII, no começo ad­
quiriram — diz o Dicionário Universal do século XIX — “uma
grande reputação de santidade..." mas a riqueza levou para
elas o relaxamento dos costumes e as repressões dos arcebis­
pos de Paris não conseguiram vencer a resistência de suas
desordens ...”
Henrique IV, quando do cerco de Paris, instalou-se nos
apartamentos da abadessa e, segundo as crônicas da época,
"levou ali uma vida alegre em companhia das religiosas”.
Durante a Revolução, Montmarte por algum tempo to­
mou o nome de Montmarat, em honra ao sanguinário “amigo
do povo”.
Exatamente como Montmarte, na Roma antiga Suburo
era o foco do espírito popular e da pilhéria, do dialeto elo-
qüente, pitoresco e apaixonado.

11 — Outro exemplo de predestinação de coincidências exageradas:


o monte céltico Puygalle (puy = monte; galle = do país de Gales),
primeiro cerro do monte das Martas, se chama atualmente Pi-
galle, do nome de um escultor.

300
O sarcasmo de Suburo era temido pelos quarteirões ele­
gantes, como o jargão de Montmartre o era de Paris.
Era em Suburo como em Montmarte que campeavam a
ralé.do povo, os lupanares, os depósitos e mafuás de objetos
roubados e onde os gangsters da época sabiam que encontra­
riam um esconderijo.
A imperatriz Messalina costumava ir a Suburo apagar
seus ardores amorosos com os gladiadores e os maus rapazes.
Também em nossos dias a alta burguesia de Paris e os peque­
nos burgueses gostam de ir a Montmarte para farrear e em­
briagar-se também com bebidas tão alucinógenas e afrodisía-
cas, como aquelas que eram preparadas pelas martas.
Os americanos chamam de Pigalle: pig alley (alameda dos
porcos) e, se admiram suas lindas mulheres novas, quando
com elas têm “assunto” experimentam a sensação que outrora
se atribuía às martas insaciáveis do Limousin e do Poitou-
Charentes.
O verdadeiro nome do cerro parisiense é sem dúvida Mont­
marte.

A FALCÃO DIVINO E O URÉU

0 falcão dos egípcios — houve vários — era o símbolo


voador do céu, dos astros e o deus real por excelência.
Pertence ao panteão mais antigo, pois data da primeira
dinastia tinita de Menés de há 6000 anos12 e sua importância
é de tal monta que aparece sob cada frontão de templo, logo
abaixo do símbolo maior: o uraeus sagrado.
Vale a pena notar que uraeus (uréu) ou ouraios é a re­
presentação da deusa Mertseger, que era uma serpente, ou
se preferimos, uma Dama-Serpente como Melusina!
Os agiptólogos, ou s como tais se intitulam, se mostram
extremamente reservados e mesmo calados quanto ao signifi­
cado do falcão e da serpente alada: "Servem de proteção ao
rei”, dizem eles, o que é pobre e pouco convincente!
É bem evidente que o falcão (um milhano, na realidade)
e a serpente alada não pode dar nenhuma ajuda a quem quer
que seja.
Mesmo que esta serpente sagrada fosse o primeiro dos
animais a nascer sobre a Terra: a serpente de ferro saída do
lótus primordial!

12 — 5.200 anos, segundo a cronologia clássica.

301
De vez que os primeiros reis egípcios eram "divinos”,
deve-se pensar que os símbolos voadores atribuídos à sua qua­
lidade de iniciadores tinham uma interferência ao mesmo tem­
po com o espaço aéreo e com o conhecimento.
Nossa cultura e os acontecimentos que dominam o século
XX nos fornecem então a chave provável deste mistério ale­
górico, desta fábula mitológica: Iniciadores vindos num enge­
nho voador fizeram explodir a civilização do Nilo na época
arcaica que se seguiu ao dilúvio, há cerca de 10.000 anos.
Vinham esses forasteiros de um outro planeta? Há mar­
gem para se supor isto, talvez meditando e refletindo na afei­
ção particular que os egípcios têm pela estrela Sotis (Sírio)13
e pelo uréu sagrado.

AS MITOLOGIAS E AS CONVERGÊNCIAS

A Sra. Marthe de Chambrun Ruspoli escreveu sobre a de-


socultação do mito egípcio num livro notável, tanto pelas teses
que apresenta como pelos excertos que fornece de manuscritos
pouco conhecidos do grando público14,
Ficamos vivamente impressionados com a introdução on­
de a autora — sem falar da Atlântida, o que aliás é curioso —
resume a história secreta do Ocidente com o relato de um dra­
ma que se teria desenrolado “numa grande ilha cercada de
campos de canas, no coração do Vasto Mar Verde.

13 — Sotis regula o curso do Nilo, a cultura do arroz e do milho.


Evocando uréu não estamos pensando no planeta Vênus que apa­
receu em nosso céu numa época que situamos distante 5.000 anos
de nossos tempos: o uréu é muito mais antigo do que o signo
venusiano do touro e parece corresponder à vinda dos primeiros
Iniciadores, há 10.000 anos.
A deusa venusiana do Egito é Atjor dita ísis-Estrela do Mar, a
Senhora de Biblos dos fenícios e a esposa simbólica do touro
Mnevis (o deus El ou Baal). Seu emblema: os chifres, é aquele
do planeta Vênus e se propagou sobre o mundo inteiro faz 5.000
anos, o que indica que houve uma era nova de influência que
atribuímos à vinda de um segundo grupo de Iniciadores foras­
teiros à Terra.
Hathor é deusa do amor, da beleza e ela é uma Orelhuda com
grandes orelhas e de rosto triangular, como a Orejana dos incas.
O lingüista lablouski aproxima Athor do copto edjorh ou adjorh
que significa noite e tira a conclusão de que ela era a Vênus
tenebrosa ou Afrodite Scótia dos Antigos.
14 — O Gavião divino (1’Epervier divin), de Marthe de Chambrun íius-
poli, ed. Montblanc, 72, Rua de Lausanne, Genebra.

302
A vítima ou, se preferimos, o protagonista da história era
Asar, chamado de Osíris pelos gregos, que foi crucificado e
lacerado por seu irmão Set (ou Tifão)15.
Certamente os espíritos medrosos ou escravos das supers­
tições religiosas jamais aceitarão ir além do sentido literal
das fábulas mitológicas, e no entanto o Gavião Divino da Sra.
Ruspoli é um livro de iniciação, no sentido próprio da palavra.
Nele se fala muito do Amenti (o Ocidente, o país dos an­
cestrais mortos), o qual não consiste mais — como para os
egiptólogos superados —» no oeste do antigo Egito, ou seja a
Líbia, mas sim uma região muito mais ocidental e longínqua:
o país de Asar e dos povos arianos da antiga Ásia, isto é, da
Europa central16.
Naturalmente, a aventura nos leva em direção a Tulis,
Tulé, Tula ou Tulan-Zuiva, onde os maias iam procurar seus
deuses, pois a mitologia egípcia está direta e fundamentalmen­
te ligada àquela dos celtas e dos maias.
Toda mitologia é impenetrável para quem quer que lhe
desconheça os princípios diretores e os arquétipos de todas as
outras mitologias.
O Conhecimento é um fenômeno, uma faculdade de sín­
tese, que tem como base a cultura, a experiência, o bom senso,
a honestidade, a pesquisa e a inspiração.
No que se refere ao Egito e aos seus mitos maravilhosos,
podemos operar esta síntese, lendo Marthe Ruspoli e Mar-
celle Weissen-Szumlanska, iniciada e erudita, e principalmen­
te Eugène Beauvois que, mais e melhor do que qualquer outro
historiador, soube ressuscitar nosso passado ocidental em li­

15 — O nome de Osíris seria uma corruptela do nome do deus Asari


ou As-Ar, que era um deus ariano, um asiático.
16 — Lembramos que houve uma lamentável interversão de apelação
que falseou a história do Ocidente. Antigamente, a Asia era o
coração da Europa: a Caucásia, a Transcaucásia, o mar de Azov,
Astracã etc. (país que tinha as mais lindas mulheres brancas!).
Por uma aberração do destino, o continente dos brancos se tor­
nou aquele dos amarelos!
(ler Le Livre des Maitres du Monde, cap. I, pg. 21, 22). Asia de­
riva do fenício asir que veio do escandinavo ase = deus.

303
vros que hoje em dia infelizmente são difíceis de se encon­
trar17.
Citamos estes autores, pois cremos que somente eles sou­
beram se haver bem no labirinto das mitologias e da história.

OSÍRIS, DEUS RECENTE

No entanto, Marthe de Chambrun Ruspoli evoca uma


mitologia que reputamos tardia. Com efeito, o aparecimento
de Osíris e de ísis não tem mais que 4.000 anos, isto é, data
de uma época em que as verdades primeiras já tinham sido
perdidas de vista.
Os tempos originais da civilização egípcia remontam a
8.000 anos ou menos e por isso convém que, quem quiser
aprofundar o mistério, varra ísis e Osíris de sua memória, da
mesma forma que o rei Farouk ou o presidente Násser.
Em compensação, o mito é rico de ensinamentos sobre o
plano do evemerismo e da transmissão, iniciática ou esotéri­
ca, das tradições que constituem a ossatura e a essência da
História.
Osíris e ísis não entram sequer em questão na pré-histó­
ria egípcia, nem na época desses reis semidivinos, nem na
época de Menés, nem na Abidos antiga.
“Em Abidos, Osíris não foi senão um retardatário, escreve
Jean Yoyotte; identificado com o deus local Khentamentiou
na quinta dinastia, ou seja, por volta de 2 300 antes de Cristo,
viu sua popularidade crescer lentamente mais de maneira se­
gura, embora a contar do II.° milênio sua personalidade obli-
tere definitivamente aquela do seu obscuro antecessor.

JESUS ERA UM DEUS EGÍPCIO

O Gavião Divino põe às claras os empréstimos que a Bí­


blia e os Evangelhos tomaram deste deus recente, do relato

17 — Suzanne Weissen-Szumlanska esboçou a verdadeira história pri­


mitiva do Egito (e do Ocidente) em: Les Hommes Rouges (Adyar
1952); Les Origenes de 1’Egypte, d’après les temples et les tom-
beaux (1925), De 1’Empire toltèque à la Vallée du Nil (1932). Na
Biblioteca Nacional, ler de Eugène Beauvois: Le Paradis de
1’Atlantique: 1’EIysée transatlantique; Les premiers chrétiens des
iles nord-atlantiques, etc. (ver Le Muséon — 1888).
Ler também: Le Livre des Maitres du Monde — Le Livre du
Mysterieux Inconnu — O Livro dos Mundos Esquecidos — Robert
Charroux.

304
do dilúvio encontrado nos textos das pirâmides de Saqqara
(IIIa dinastia), do Jardim do Éden, da Terra Escolhida de
Amente, da árvore da vida do rei Pepi (VI.a dinastia — 2280
antes de Cristo).
Os Papiros de Ani e de Hunefer chamam Osíris de "Se­
nhor de Justiça (Maat), Senhor santo”; falam da serpente hu­
mana Sata dos Filhos das Trevas, da Paixão de Osíris depois
de uma ceia no decurso da qual “o Rei distribuiu o pão e as
carnes consagradas em seu nome de Senhor do Alimento Di­
vino.”
Este Senhor santo passou então sua taça a cada um (a
Traição, pág. 6, conforme o Papiro de Ani, cap. XVII e Pirâ­
mide de Teta, 214, ed. Maspero).
"Osíris conhece a sua hora e sabe que viveu seu período
de vida... Osíris tem medo. Osíris sente pavor em andar nas
trevas... Aqueles que querem se ver livres de mim e fazer-me
mal são os filhos das trevas, diz ele..(Pirâmide de Unas,
linha 19, ed4. Maspero, e Papiro de Hunefer, cap. XVII).
"Pai de Osíris! Ha Tum nas trevas! Toma Osíris a teu
lado” (Pirâmides, 1265-1266, ed. Mercer).
Depois, quando “o Inimigo” vem para prender o Messias
egípcio, Osíris diz:
"Eu sou vosso Senhor. Vinde e tomai vossos lugares em
minhas fileiras. Eu sou o filho do vosso Senhor e vós me per­
tenceis por meu divino Pai que vos criou.. . Eu sou o Senhor
da Vida” (Papiro de Nu, cap. XL).
É exatamente o que iria dizer Jesus, filho do Senhor Pai,
2.300 anos mais tarde!
Ao mesmo fundo comum pertence o tema do Bhagavata
Geeta, Evangelho, Boa Nova anunciada ao mundo há mais de
dois mil anos por um deus que se fez homem: Krishna18.
“Krishna veio à Terra para apagar os pecados da idade de
Kali (idade do ferro), para tomar sobre seus ombros o ônus
dos pecados que esmagam a humanidade.
Cumprida sua missão, retornou ao céu, mostrando desta
maneira o caminho àqueles que lhe são devotados19.”

A CRUCIFICAÇÃO DE OSÍRIS
A Sra. de Ruspoli tem o mérito de ter sabido retirar dos
manuscritos e dos papiros egípcios os traços essenciais que

18 — Citado por Ed. Duméril.


19 — Bhagavata Purana — 11, XXXI, 5, 6 e 10; XXXVIII, 10.

305
dois mil anos mais tarde deviam servir de arquétipos para a
Operação Jesus20.
No capítulo LVII do Papiro de Hunefer lemos: "Oxalá
minha carne e meus membros não fossem cortados com gol­
pes de faca! Oxalá não fosse eu flagelado!” (Jesus foi flage­
lado).
No capítulo L e XLII do Papiro de Nu encontramos: "Oh!
Fortificai-me contra os assassinos de meu divino Pai! Nin­
guém me puxará pelos braços! Ninguém me agarrará violen­
tamente pelas mãos!” (Jesus implorará a seu Pai e será mal­
tratado da mesmo maneira).
Em Papiro de Ani, pl. 32: “As mãos de Osíris (Ani) são
as mãos de Ba-neb-Tatu” (o carneiro, Senhor do Patíbulo:
Jesus é o cordeiro pascal).
E exatamente como Jesus o será, Osíris é crucificado so­
bre uma forca formada de um tronco de sicômoro sobre o qual
foi disposta uma prancha em sentido horizontal. A cruz do
suplício de Osíris se chamava tat.

Papiro de Paris, cap. CLXXX: “Oh! Não me prendais a


vosso patíbulo de morte! Não me arrasteis até o lugar onde
meus inimigos imolam!”

Papiro de Kerasher, cap. IV-9: “Oxalá não me garroteiem


os braços! Oxalá não me amarrem as mãos!”

Man: Pirâmide de Pepi II: “Vassalagem a ti, ó Sicômo­


ro, grande patíbulo, companheiro de deus. Teu peito é tocado
pelas costas de Osíris".
As mãos e os pés de Osíris são atados à árvore.

Man das Pirâmides, cap. CXLVII-3: “Eu vim e retirei esta


coisa afrontosa (a coroa de Ureret) que estava sobre Osíris.
Coloquei a coroa Atef (coroa de seu Pai?) no lugar da coroa
ureret enfeitada. Aliviei a dor de Osíris. Sustentei o suporte
dos seus pés”.

20 — A documentação de que fala o L’Epervier Divin pertence ao pa­


trimônio egípcio do Livro dos Mortos de Hounefer, reino de
Séti I (British Museum); do Papiro funerário de Ani ou Any,
XIX dinastia (British Museum); do Papiro de Nu (Nu era o
oceano cósmico primitivo); dos Papiros de Paris, de Kerasher,
de Amenhotep etc.; das inscrições das Pirâmides de Saqqarah,
que são as mais antigas do Egito.

306
Texto das Pirâmides, linha 964, ed. Mercer: "Pepi vem a
ti, Osíris! Oxalá enxugue ele teu rosto!" (repetido quatro ve­
zes). E, quando prestes a morrer, o deus murmura:

Papiro de Amenhotep, cap. CXXX: "Meu coração! Minha


Mãe! Meu coração! Minha Mãe!”
É difícil não estabelecer um paralelo entre a crucificação
de Osíris e aquela de Jesus. Leva-nos a crer que a primeira
fábula tenha servido de modelo à segunda.

OS MITOS E JESUS

Em seu ensaio sobre a lenda de um mito: A Busca de


ísis21, Jurgis Baltrusaitis sublinha que os celtas e os egípcios
confundiam os mistérios de ísis e de Jesus.
“Em sua origem as palavras ísis e Jesus foram essencial­
mente os nomes de uma mesma coisa e, tanto um quanto o
outro, exprimiram os pequenos deuses gerados no navio, isto
é, as crianças naturais dos deuses do Egito.”
E o autor observa as aproximações fonéticas existentes
entre Is-is, Es-es, Esos, Hesus e Jesus.
Assim sendo, em todos os planos se pode estabelecer uma
filiação evidente entre as diferentes etimologias, o que os Ini­
ciados sempre souberam.
Osíris (Papiro de Ani, pl. 32) era simbolizado pelo carnei­
ro prometido em sacrifício, como Jesus o era para o cordeiro!
Osíris não andou por sobre as águas, estando morto, mas
somente navegou em seu navio-ataúde; os cristãos, porém, atri­
buíram este milagre a Jesus, inspirando-se na cosmogonia vé-
dica dos hindus na qual Nara, o Espírito divino, foi chamado
Narayana: aquele que se movimenta sobre as águas.
Reconhecemos, portanto, no mito de Jesus, o enredo funda­
mental das tradições mais antigas, o que nos leva a repisar que
nenhum destes mitos não pode ser proveitosamente estudado
sem um conhecimento profundo de todos.
Vichnu, Chiva, Zoroastro, Osíris, Mardouk, Viracocha,
Quetzalcoatl, Jesus etc., eram deuses para os antigos povos e
teria sido inútil — e considerado como sacrilégio — querer
outrora negar esta divindade ou relacioná-la com símbolos
ou mitos.

21 — Olivier Perrin, editores, Paris.

307
O IMPERADOR JULIANO

Era também a tese de um grande filósofo não apreciado


em seu justo valor, que foi imperador romano de 361 a 363
de nossa era: Juliano.
A história jamais havia registrado o aparecimento de um
soberano tão inteligente, tão íntegro e tão humilde.
Educado na religião cristã, foi seduzido pelo culto de Mi­
tra e, para “apagar a bruxaria do batismo22, renunciou às absur­
das quimeras da Bíblia, o que lhe valeu o epíteto de O Após­
tata”.
Imperador destemido e impoluto, levando uma vida de
asceta e de sábio, durante o seu reino demasiado curto tentou
restabelecer um culto pagão com base na filosofia haurida em
Pitágoras e Platão.
Seu deus era o universo, simbolizado por um misterioso
sol tríplice.
O primeiro é o Princípio, a causa ulterior e preexistente
de todas as coisas; o segundo, engendrado pelo primeiro, é a
razão, o verbo, o mundo inteligente; o terceiro é o sol visível
que participa da inteligência do segundo e dele recebe bene­
fícios.
"Os gregos, confesso eu — escreve ele — sobre os deuses
inventaram fábulas incríveis e monstruosas. Dizem que Sa­
turno engoliu seus filhos e que em seguida os vomitou.
Depois, casamentos incestuosos: Júpiter dormiu com sua
mãe e daí nasceram filhos; casou-se com sua filha e, depois
de ter relações com ela, deu-a a um outro... Vejam aí os
contos que os gregos nos apresentam.
Na doutrina judaica, a serpente dialoga com Eva! De que
língua se serviu ela? Daquela do homem? Em que é que todas
estas fábulas diferem das ficções dos gregos?
... O Senhor dos hebreus diz: Construamos para nós uma
cidade e uma torre cuja ponta toque até os céus (a torre de
Babel)!
Vós credes nisto e não acreditais no que Homero diz das
Aloades que tiveram o atrevimento de colocar três montanhas,
uma em cima da outra, para fazer a escalada até o céu.

22 — Oeuvres complètes de l’Empereur Julien, trad. Eugène Talbot,


doutor em letras, professor de retórica no colégio Rollin, p. IX,
ed. Henri Plon — 1863.

308
Quanto a mim, confesso que esta história é tão fabulosa
quanto a outra23.”
Juliano explica então que a mitologia não deve ser toma­
da em seu sentido literal:
"Contudo, existem casos em que a forma alegórica do pen­
samento pode ser admissível, em vista de um fim útil, a fim de
que os homens não sejam obrigados a recorrer a tuna explica­
ção estranha, mas que, instruídos pela própria fábula, lhe pe­
netrem o sentido misterioso e que, guiados pelos deuses, de­
sejem prosseguir com mais entusiasmo em suas pequisas”24.

23 — Juliano: Contra os Cristãos. Excertos dos livros II e rv de São


Cirüo.
24 — Contra o cínico Heráclio.

309
Capítulo XX

QUANDO OS HOMENS SONHAM COM VÊNUS

"Mitologia francesa” é uma impropriedade que não pre­


tendemos retificar a fim de melhor impressionar o leitor, mas
é incontestável que nosso ensaio é mais exatamente de mitolo­
gia gaulesa ou céltica.
Não existem documentos escritos que nos possam ajudar
nesta tarefa, de vez que os celtas não tiveram escrita propria­
mente dita e os gauleses só legaram tradições e documentos
enigmáticos1.
Não obstante isto, oriundas de sua civilização quase des­
conhecida chegaram até nós lendas que cumpre trazer a lume,
tendo em vista o uso ocasionado pelos séculos, a natureza dos
"sonhos” e as imagens-desejos que as inspiraram.
O RETORNO À FONTE DO SABER

O Professor André Bourguenec faz notar que a etimologia


da palavra "rêve” (que em francês quer dizer sonho) é prati­
camente desconhecida e fantástica num certo sentido. Em
francês velho resver designava não um fenômeno fisiológico
de idéias e de imagens, mas um fato físico e material.
Chamava-se Resveur de nuit a pessoa que, na vadiagem
ou libertinagem, andava de noite pelos campos ou na cidade.
De lá passaram figurativamente para o espiritual, no sentido

1 — Existe uma escrita gaulesa. Segundo Camille Julian, as «tabui-


nhas de execração» de Rom (Deux-Sèvres) teriam sido redigidas
em língua gaulesa. César afirma que os gauleses têm uma es­
crita.

310
de alienação mental que ainda encontramos em nossos dias, de
forma atenuada, na expressão: “vous rêvez (vós delirais, dis­
paratais).
Possíveis etimologias: da velha palavra desver (do la­
tim deviare), que quer dizer “afastar-se do caminho"; ou do
latim repuerare, cujo significado é "tornar-se criança”; ou do
grego rembein que significa “virar", “errar”, “aventurar”; ou
do gálico rabhde: disparatar.
André Bourguenec apresenta uma explicação, válida so­
mente para a língua francesa, mas que se integra curiosamen­
te no misterioso desconhecido do fenômeno.
“Rêver é um palíndrome; lendo-se tanto da direita como
da esquerda a palavra comporta um elemento central que é
Eve: R-EVE-R, simbolizando o retorno à Eva original, à fonte,
ao manancial do saber.
Fazer rêver a palavra somme, sugere memos, a memória,
a lembrança.
Os sonhadores, os poetas, os pesquisadores de idéias se­
riam então sumidades do conhecimento, fazedores de somas
sobre todos os planos, pois remember ou mémoirer significa:
repor os membros, reconstituir.
É justamente este o sentido que os primitivos da Austrá­
lia davam ao sonho: a faculdade de reconstituir, de reencon­
trar a verdade antiga.”
A grande força dos celtas, escreve Jean Markale2, tem sido
e continua sendo o mito... o qual não é forçosamente falso ou
verdadeiro, real ou irreal. Mas, quando existe mito, existe ne­
cessariamente realidade cultural complexa.
“As mitologias são a expressão tardia das visões do mun­
do que os primeiros homens contemplaram”, dizia Rudolf
Steiner. Sem pretender ressuscitar a gênese, as lendas da Fran­
ça trazem clarões precisos sobre os piocessos mentais dos nos­
sos antepassados que "sonhavam” ao mesmo tempo com o seu
passado prestigioso e com suas imagens-desejos.
Elas servem-se de aparatos grandiosos, de proezas de per­
sonagens fabulosos e de fatos expressivos onde o sonho, a ma­
gia, o impossível e a viagem no tempo e no Outro Mundo im­
pregnam e embebem a realidade, com o cuidado latente de ex­
primir o que vai no fundo da alma céltica, a abnegação, o sen­
tido do gratuito e do cavalheiresco.

2 — Les Celtes, de Jean Markale — ed. Payot — Paris.


Na página 426 do seu livro escreveu que «o sonho é mais real do
que a vida».

311
E’ aí quase sempre se grava como urdidura e cenário de
fundo a nostalgia de um país maravilhoso, estranho ao nosso
mundo, onde todos os milagres são realizáveis3.
Sob este prisma, se nossos ancestrais “sonharam ” com a
lenda de Melusina, é porque a sua história estava inscrita nos
seus cromossomos-memória e marcada com o sinete de uma
realidade fantástica.

UMA HISTÓRIA DE EXTRATERRESTRES

A velha lenda de Poitiers deita suas raízes no tempo dos


celtas e de nossos deuses nacionais.
LUG, o "Menino Prodigioso”, herói dos Tuatha Dé Da­
nann4, presidiu o nascimento das cidades francesas e européias
que levam seu nome: Lugsignem (Lusignan), Loundun, Lyon,
Lugano, Lund etc.

3 — Temos estudado com freqüência este Outro Mundo dos celtas,


especialmente em Le Livre des Secrets Trahis, ed. R. Laffont, 1965,
cap. XII: O outro mundo do Graal, e em Le Livre du Mystérieux
Inconnu, 1969, cap. VI: A civilização dos celtas. Trata-se do País
dos Mortos ou dos túmulos, situado na América (USA e México)
de onde vinham os Tuatha Dé Danann.
Este Eliseu americano onde se podia ir, atravessando as espes­
sas brumas que cercavam as ilhas Afortunadas, era o Amenti dos
egípcios, a Tir nan Og (a terra da juventude) dos irlandeses, o
Sukhavati ou paraíso de Amitaba dos hindus, o paraíso de Outa-
napishtim que o assírio-babilônio Gilgamesh procurava, o paraíso
ocidental do Amourrou dos fenícios... enfim, o país dos bem-
-aventurados!
A cidade de Ys, submersa na baía de Douarnenez, e a ilha de
Avalon, encravada nas areias movediças do Somerset inglês, talvez
sejam reminiscências do Outro Mundo dos celtas que identifica­
mos formalmente com a antiga Atlântida ou país dos grandes
ancestrais superiores que morreram por ocasião do dilúvio uni­
versal.
Foi do dilúvio atlanteano que derivou o mito das cidades e dos
continentes tragados.
4 — Tuatha Dé Danann: tribo céltica que, vindo do «País dos Mortos»,
situado além do país das brumas e do grande rio oceano, se
fixou na Irlanda há cerca de 5.000 anos.
Etimologicamente Lug poderia significar luz (lux) ou derivar do
grego logos: palavra, discurso.
Foi o Iniciador que trouxe a luz com sua palavra, o Alquimista
que realizava a verdadeira transmutação, a dos elementos bár­
baros por conhecimentos mágicos, pela magia do seu verbo.
A palavra do Iniciado é de ouro.

312
Era filho da Deusa Mãe dos celtas: Danu, Donu ou Dôn
(que deu seu nome aos rios Don e Danúbio) e sem dúvida há
que identificá-la com os deuses civilizadores Gwydion, Ógmios
e Odin, cuja origem misteriosa permite supor que viessem de
um país estranho ao planeta Terra.
Muito embora não fossem os deuses da criação, compor­
tavam-se como biologistas que teriam atuado para criar seres
humanos partindo dos vegetais. De qualquer maneira, uma ex­
periência científica!
Lug — o Apoio dos galenses e dos irlandeses — é filho de
Arianrod, a filha única da Deusa Mãe, e é curioso notar que
Arianrod significa “roda de prata” ou, diz-se ainda, “roda
ariana”.
Uma roda que evoca aquela de Ezequiel e os engenhos
voadores em forma de disco ou de roda que, na mitologia hin­
du, transportaram nossos primeiros ancestrais do Céu à Terra
pelo caminho de Ariamã”.
Sem crer no mito atual dos discos voadores, é preciso
contudo reconhecer que engenhos extraterrestres com a mes­
ma forma, com idêntica aparência desempenharam, na Anti­
guidade e entre todos os povos, um papel eminente e pode­
riamos mesmo dizer primordial, pelo fato de esses engenhos
estranhos estarem sempre ligados a uma vinda de Iniciadores
e à eclosão de uma civilização muito mais avançada.

A NUVEM DO SENHOR VOADOR

0 "Senhor” que recebeu a Moisés sobre o monte Sinai


para decretar que os hebreus seriam o primeiro povo do mun­
do, lhe havia dito o seguinte:
— "Eis que vou me aproximar de ti na obscuridade de
uma nuvem” (Êxodo, 19,9).
"Houve então um estrondo de trovões e de relâmpagos;
uma nuvem espessa cobria a montanha e o som da trombeta
soou com força. Toda a multidão que estava no acampamento
tremia” (Êxodo 19,16).
"O Senhor se entretinha com Moisés face a face, como
um homem fala com o seu amigo” (Êxodo 33, 11).
Quando Moisés desceu do Sinai, "a pele do seu rosto se
tornara brilhante” e os hebreus não ousavam aproximar-se
dele (Êxodo 34,29).
Então Moisés põe um véu sobre seu rosto, seja para res­
guardá-lo, seja para proteger aqueles que se aproximam.

313
De acordo com opinião dos exegetas modernos, este re­
lato, de resto pouco claro, se não sabe a bruxaria pelo menos
dela tem certos eflúvios, e a nuvem do Senhor parece ribom­
bar como um engenho de reação!
Ora, no século XX não se crê mais num Deus que con­
versa face a face com um humano e que desce do Céu à Terra,
encastelado numa espessa nuvem!
A esta imagem de Epinal os nossos espíritos evoluídos
reagem, quer negando a autenticidade do fenômeno quer subs­
tituindo Deus pai por um cosmonauta e a sua nuvem estron-
deante por uma nave espacial.
Pois bem, as mitologias do País de Gales e da Irlanda
afirmam:
“Sabemos que a irradiação do rosto de Lug é tal que ne­
nhummortal lhe pode suportar a vista"5.
Esta coincidência entre o Senhor Javé-Jeová, iniciador
dos hebreus, e Lug, iniciador dos celtas, é acentuada pelo fato
de que um traz uma lei gravada em tábuas de pedra e o outro
o conhecimento da escrita ogham.
Tanto um quanto o outro tem a sua aventura misteriosa
ligada a um fenômeno celeste, tenha sido a sua origem extra­
terrestre ou tenham eles recebido instruções ou uma missão
de Mestres estranhos ao nosso planeta.
A VERDADE CHEIRA A BRUXARIA
A história oficial nunca ousou abordar o problema, nunca
explicou porque os incas, os mexicanos, os fenícios e os assí-
rio-babilônios tinham tido deuses que representavam o pla­
neta Vênus ou que eram venusianos6.
Incontestavelmente o problema toma a dianteira dos his­
toriadores e ultrapassa-os ou mete-lhes medo, pois arriscaria
aclarar o passado com uma luz com demasiada claridade de
efeitos de feitiço para seu gosto de pessoas bem-pensantes.
Positivamente, a história oficial é sempre comerciada ili­
citamente em proveito das religiões, pois importa antes de
tudo deixar que os verdadeiros deuses, os verdadeiros Inicia-
dores não consistiam num incerto Moisés, Javé ou num Jesus,
mas eram homens superiores que temos boas razões em crê-los
vindos de um outro planeta.

5 — Mythologie celtique — G. Roth e F. Guiraud — edições Larousse.


6 — Ademais, os historiadores não fornecem nenhuma explicação do
uréu e do falcão dos egípcios.

314
E esse planeta, que se chama Vênus, é particularmente
detestado pelos homens e pelos cristãos.
É proibido falar em Deus ... principalmente se se trata
do verdadeiro!

OS TRÊS BRILHANTES E VÊNUS

Erros flagrantes falsearam a história das civilizações e,


condicionados, obnubilados, fascinados pela mentira, os histo­
riadores às vezes de boa-fé se deixaram embarcar, em navios
à deriva, perdidos.
Tais foram para muitos a miragem do El Dorado e a
crença em Júpiter, Osíris ou Jesus, deuses verdadeiros, todo-
poderosos, criadores do céu e da terra.
A data do calendário, o mito dos símbolos republicanos de
“liberdade, igualdade e fraternidade” (!), da ressurreição dos
corpos, da “Caixa Econômica Federal” etc., pertencem ao mes­
mo fenômeno de aberração coletiva7.
Um dos erros mais magistrais — se assim pudermos
dizer! — foi designar de Asia um continente que nada tinha
de asiático e de dar o nome de Europa a um continente que
era a Ásia!
Mas, o vinho está servido e agora só nos resta bebê-lo!
Da mesma forma quiseram fazer de Apoio o deus do Sol,
quando ele representa a Estrela brilhante: Vênus.
Não se conhece a etimologia de Apoio e os "historiadores”
se perdem em conjeturas sobre sua origem, mas sua figuração
solar é tardia e sem base válida.
Na tradição grega — a mais rica, a mais confusa e a
mais falsa — o herói-deus seria filho de Látona, deusa da
noite, do céu de noite, e no entanto ele representa uma idéia
de clareza. Não o Sol conforme se procura dizer, mas alguma
coisa de brilhante.

7 — É evidente que a Caixa Econômica é uma instituição escandalosa


e imoral. Por um lado tenta ela congelar fundos que se circulas­
sem enricariam a todos; e principalmente prova a incapacidade
do governo em garantir a segurança social e a retirada doj ve­
lhos cidadãos. Às claras significa o seguinte: o governo vos en­
viará à guerra, vos mandará pagar os impostos, monopolizará
todas as vossas forças vitais, obrigar-vos-á a trabalhar pelos ri­
cos, mas em troca não garantirá a tranqüilidade de vossos dias
•de velhice. Então, economizem!

315
A tradição diz que Apõlo "todos os anos no final do
outono ia para além dos montes Rifês onde reina o impetuoso
Boreal, em direção do país misterioso dos hiperboreais. Lá,
sob um céu perpetuamente luminoso, vivia numa felicidade
contínua um povo de homens virtuosos, consagrados ao culto
de Apoio”8.
Também sua mãe Latona, ou Leto, era originária do vale
do Tempé, em Hiperboreal.
Estas tradições não representavam uma versão mais ou
menos acreditada, mas a própria expressão de todos os povos
do mundo conhecido que habitualmente chamavam Apoio de:
o Hiperboreano, isto é, o Nórdico.
Então, por força de que aberração puderam identificar
este deus com o Sol (Hélios), quando seria antes o símbolo
contrário, que se retirava da estação fria, não rumo ao norte
e sim para o sul, lá onde não brilha no inverno9.
E ademais, “Sol hiberboreano” não faz sentido, o que é
preciso reconhecer!
Mas então, quem é Apoio?
Como já dissemos, seu nome evoca uma imagem de cla­
reza e “daí seus sobrenomes de Phoíbos: o Brilhante; de Xan-
thos: o Louro; de Chrysocomés: a cabeleira de ouro.
Em suma, ele se parece bastante — para não dizer com­
pletamente — com Belisama (parecida com a mulher), com
Vênus "com guedelhas de fogo!”
Não seria a Estrela, tão detestada dos hebreus? No Da­
núbio lhe davam o nome de Belenus: o Esplêndido, e na Grã-
Bretanha: Balan, Balin, Belinus. Era o Belin dos gauleses, o
Granus também muito provavelmente, o bala (Bala-Rama)
dos hindus, e o Osíris dos egípcios.
Henri Donteville nota10: “A identidade de Apoio se esta­
belece em Aquiléia na Veneza onde cinco vezes, de acordo
com o Corpus de Mommsen, inscrições levam Apollini Be-
leno..

8 — Segundo F. Guiraud — Mythologie grecque — ed. Larousse.


9 — Trata-se dos movimentos aparentes do Sol, que na realidade per­
manece mais ou menos no centro de nosso sistema. Em conse­
quência da obliqüidade da Terra, o pólo norte fica mergulhado,
no inverno, numa escuridão que dura seis meses. Inversamente,
durante este tempo o pólo sul goza de seis meses de pleno dia
(o sol de meia-noite).
10 — A referência é Corpus inscriptiomnn latinarum, tomo V, 732 a 755.

316
Por conseguinte, podemos considerar este ponto como pa­
cífico: Apoio era Beleno, o paredro, esposo, irmão ou compa­
nheiro de Belisama, a iniciadora venusiana “parecida com a
mulher”.
E este Brilhante, este cabeludo dourado, é o Baal dos fe-
nícios, o Bel dos assírio-babilônios e a "Grande Estrela” ou
“Estrela Brilhante” dos povos americanos.
Em resumo e para concretizar o nosso pensamento, Apoio
era a representação do planeta Vênus, o que assenta perfeita-
mente com o tema das outras mitologias.
Com Apolo-Sol, a mitologia ocidental não passa de con-
tra-sensos e divagações. Com Apolo-Vênus, tudo se esclarece,
imbrica-se, toma-se lógico e luminoso.

BEL COMO UM DEUS

Num estudo aprofundado, percebemos que se os deuses


parecem ser tão numerosos quanto as estrelas no céu, na rea­
lidade uma multidão de nomes esconde muitas vezes a iden­
tidade de um único.
“Tratando em 1868 de Gargantua, escreve Henri Donten-
ville, Gaidoz tinha o mérito de tirar das crônicas galesas uma
pista informativa essencial: 0 Gurgunt de barba espantosa de
Geoffroi de Monmouth é filho de Belen, Belinas, isto é, o
mesmo nome que Belinos dos celtas, equivalente de Apoio
dos gregos.
Depois destas coisas, a Belinus sucedeu Gurgiant (Gi­
gante) seu filho, escrevem Geoffroy e Giraud de Barry, ou
seja, o cambriano ou o galês: Gurguntius, filius nobilis illius
Beleni.”
O mesmo autor acrescenta que Belisama — aquela que é
parecida com Bele — "é atestada sem equívoco (como pare­
dro) por um lado em Saint-Lizier (Ariège) onde é assimilada
a Minerva e por outro lado entre os antigos habitantes de
Voconces, em Vaisons, e por Ptolomeu a propósito da Grã-
Bretanha”.
Arbois de Jubainville, ele também interpretava Belen, Be­
linus, como brilhante, resplandecente e a este respeito nota­
mos que Belen e Belin significam, em francês antigo e na
linguagem familiar, “o formosinho, gentilmente formoso ou
formosa”, como bonitinho e bonitinha significam: belo, mi­
moso.
Não conhecemos a etimologia de “beau” que os ingleses
nos emprestaram com beau, beaufeous, beautifier, beautiful,

317
beauty etc.11, mas podemos pensar que por assimilação de
idéias — como se diz de uma pessoa gentil: ela é um "quin­
dim”, ela é um “coração” — esta palayra devia representar um
ser, uma coisa ou um deus particularmente agradável de se
ver. E aqui pensamos no belo Apoio, em Bel, em Belin.
A hipótese é tanto mais aceitável se levarmos em conta
que no velho francês a primeira forma de "beau" era bel,
para o masculino: Bel sire reis (belo Senhor rei); bel fut li
vespres (bela foi a tarde).
Encontramos outro respaldo para a nossa hipótese na
sanha a que os hebreus e os cristãos se entregaram no sen­
tido de lançar o descrédito sobre a Estrela (Vênus) e seus
representantes de rosto radioso: Bel, Baal, Belus e até o
pseudo-demônio Belaam "que insuflava nas mulheres desejos
desonestos”, que elas escutavam de boa vontade, pois Belaam
era irresistivelmente belo.
Na tradição, os venusianos têm sempre o privilégio da
beleza e não é por acaso que Vênus é o arquétipo neste gênero.
Lúcifer, encarnação da estrela do pastor (Vênus), ele
também tinha sua beleza subumana e os pastores romanos,
na data ritual de maio, lhe prestavam homenagem nas Palílias,
chamando-o de Pales ou Bal.
Permitimo-nos pois retomar a observação de Henri Don-
tenville, seguindo-a em seu sentido estético: "Os deuses sem­
pre foram representados maiores e mais belos do que os
homens".
E de nossa parte ousamos acrescentar: porque eram ve­
nusianos ou representavam o planeta Vênus.
Encarado sob este prisma, Gargantua, bilho de Belen, era
um gigante bom e belo de ascendência divina e venusiana,
cujo túmulo, no monte Tombe, atraía ainda numerosos pere­
grinos no século de Carlos Magno11 12.

FADAS DA ÁGUA E SERPENTES

Belisama, Astart, Astarté e Ishtar eram deusas que repre­


sentavam o planeta Vênus, sempre com uma idéia de água, de

11 — Aventam-se etimologias incertas para a palavra «beau»: do latim


bellus (mesmo sentido) ou do sânscrito bhâshkara (brilhante).
12 — A terminação tua da palavra Gargan faz pensar nestes misterio­
sos iniciadores que chegaram à Irlanda a l.° de maio e que tinham
o nome de Tuatha Dé Danann. Gargan, herói céltico, seria um
Tuatha? Donde- Garganthua, nesta hipótese.

318
chuva e de gruta onde nascia uma fonte. Melusina, paredro de
Lug, fada de uma beleza sobre-humana — ela também sem­
pre associada aos mitos da água, da gruta e da eterna juven­
tude — é incontestavelmente parenta próxima de Vênus,
deusa da beleza, nascida da espuma do mar.
A fada Morgana13, a brilhantíssima, comprazia-se em an­
dar pelas margens dos rios e dos cursos d’água, em voar em
sua superfície, a bordo de um barquinho puxado por animaisr
marinhos; sua morada era um palácio no fundo das águas,
pois ela era também ondina.
Arbois de Jubainville dizia-a "nascida do mar”; ela atraía
os pescadores bretões para a gruta imersa.
A fada Morgana do estreito de Messina, escreve Henri
Dontenville, no meio do verão fornece imagens derrubadas
de objetos invisíveis; certamente, ela é marinha ... exerce
suas influências um pouco antes do levantar do sol. Isto.é,
quando ainda brilha a última estrela do céu da noite: Vênus
lucífera.
O mesmo autor relata, segundo Leo Desaine, uma lenda
onde se reconhecem ao mesmo tempo os mitos de Melusina,
da água e de Vênus.
Um senhor havia trazido de um país distante uma cria­
tura maravilhosamente linda que fizera sua esposa legítima.
Todos elogiavam seu belo rosto, seu porte flexível, suas
belas maneiras e sua elegância, mas estranhavam contudo que
ela vestisse sempre uma roupa comprida, luxuosa e que não
deixava ver suas pernas e seus pés.
Como o Redondin do Romance de Melusina, seu marido
havia feito um juramento solene de que jamais tentaria ver
seus pés e, da mesma forma como aconteceu com Remondin,
um dia a curiosidade falou mais alto.
O senhor espalhou em volta do leito conjugal uma camada
de cinza, pois desta maneira esperava conseguir uma marca
que lhe daria uma idéia.
Sua linda esposa tirou a roupa e, vestindo somente uma
longa camisa de dormir, dirigiu-se para a sua cama.

13 — O Sr. de la Villemarqué apresenta esta etimologia para Morgane:


do baixo bretão mor: muito forte, e de gan para can: brilhante.
Aventa-se também a hipótese do árabe margian: coral, sempre
com a idéia latente de água.

319
De repente soltou um grito enorme de dor e de deses­
perança, pois acabara de pisar num carvão ainda ardente e
se havia queimado terrivelmente.
Assumiu imediatamente o aspecto de uma fada, lançando
uma maldição, e seu esposo descobriu na cinza o traço muito
nítido de um pé de ganso.
Em seguida o castelo se afogou nas águas e surgiu um
grande tanque d'água.
Talvez a lenda de Mesulina se sirva deste conto, mas mais
ainda dos arquivos das bibliotecas de Mehun-sur-Yàvres e do
Louvre.
Em Gervais de Tilbury se lê esta anedota: "Nas margens
do Arc, rio acima de Aix-en-Provence, o cavaleiro de Rousset
encontrou por acaso, uma tarde, uma fada que consentiu em
tornar-se sua esposa e desde então sua propriedade não cessou
de crescer.
Mas um dia, contrariando sua promessa, ele olhou sua
dama no baldio; ela tinha cauda de serpente.
Ela abandonou para sempre este homem desleal, cuja
propriedade desde aquele momento declinou14.
Essas morganas, essas fadas, essas ondinas, essas serpen­
tes devoradoras de crianças, têm denominadores comuns: a
beleza, a gruta e uma deformação física com relação à água:
a pata de ganso ou a cauda de serpente.
Segundo autores antigos, Êlinas, o pai de Melusina, cha-
mar-se-ia Belinas, isto é: Belin, o venusiano.
Torna-se sempre a cair nos Iniciadores oriundos do pla­
neta Vênus, com defeitos físicos que presumimos provocados
por tentativas mal sucedidas de hibridação entre casais de
raças diferentes, bem como envoltos em mistérios que pare­
cem ter uma correspondência com aqueles de Elêusis cujo
nome atual de Levsina não deixa de lembrar Melusina. E
esses mistérios, estamos prestes a admitir, poderiam muito
bem encobrir um segredo que transpira por todos os poros das
tradições, das lendas e dos escritos sagrados: a origem extra­
terrestre de nossa civilização.

O MITO DA SERPENTE VOADORA

Na lenda de Melusina convém distinguir os relatos que


são incríveis daqueles que não o são.

14 — La Mythologie Française, Henri Dontenville, ed. Payot.

320
Quando os examinamos analiticamente parece resultar
que o herói Remondin só participa ocasionalmente dos acon­
tecimentos e que poderia ser substituído por Perceval, Ro-
land ou Huon de Bordeaux.
Assim despojada, a história pode então ser resumida como
segue: uma mulher excepcionalmente linda se entrega a uma
aventura em plena noite, perto de uma fonte, num bosque do
Poitou.
Esta heroína guarda um segredo, misturado a uma estó­
ria de água, de tesouro e de gruta.
Ela dará à luz filhos monstruosos e um dia voará, embora
sob a forma de uma serpente com asas.
Eis portanto o essencial e tudo é possível, salvo o des­
fecho: não conseguimos perceber como uma linda mulher,
por mais encantadora que seja, poderia metamorfosear-se em
serpente que voa!
Não damos crédito maior às outras serpentes voadoras
que povoam a mitologia: Quetzalcoatl, a deusa-serpente emplu­
mada dos maias; Mertseger, deusa e serpente-abutre dos egíp­
cios; a barca dita solar de Kamak, cujo caso é uma serpente
que voa de um horizonte a outro; o uréu sagrado inscrito no
frontão dos templos, representado por duas serpentes aladas;
Mardouk, dragão voador com cabeça de serpente dos assírio-
babilônios; a serpente com hélice dos fenícios, descrita por
Sanchoniathon; as Nagas, serpentes fabulosas da mitologia da
índia, e sereias e dragões voadores que abundam e campeiam
na maioria das mitologias15.
Essas serpentes representam sempre o engenho aéreo que
serve de veículo aos Iniciadores para descer do céu à Terra,
e via de regra se identificam com o próprio Iniciador.
Foi o que se deu também com os "anjos” alados da Bíblia.
Somos tentados a crer que a serpente voadora de Lusig-
nan pertence também a esta raça extraterrestre que, no pas­
sado longínquo, teria vindo para nos hibridar e nos propor­
cionar ensinamentos.
Se adotamos esta tese, então Melusina tomará outra di­
mensão e assim todos os mistérios que a cercam ficarão ins­
tantaneamente esclarecidos. '

15 — As serpentes, as sereias, os dragões voadores estão geralmente


ligados a uma idéia de água: fonte, rio ou pântanos. Nos tempos
mais antigos os dragões faziam lembrar as inundações e os afo-
gamentos e tinham seus antros nos pântanos ou nas confluências
dos rios.

321
Que fazia ela perto da fonte de Coulombiers onde Remon-
din a viu pela primeira vez? Visto que a água irá desempenhar
um papel vital em seu segredo — como desempenha um papel
essencial com todas as deusas-serpentes16, logicamente pensa­
mos que Melusina devia estar dentro da água ou que pelo
menos chapinhava neste elemento que poderia muito bem
ser um elixir indispensável para conservar essa maravilhosa
e eterna beleza que era seu apanágio, mesmo depois do seu
oitavo filho.
Neste sentido, a Fonte do Saber jorrava uma água de Ju­
ventude e Melusina recarregava nela o seu potencial de vida,
da mesma maneira como Orejana no lago Titicaca, como
todas as sereias de fascinante beleza no mar.
Haja vista que estas hipóteses, onde a fada-serpènte é uma
Iniciadora vinda de um outro planeta17, se integram notavel­
mente no ciclo das mitologias já afirmadas.
Nesta conceituação, a aventura Lug-Melusina se situaria
há 5.000 anos quando se desenvolveram simultaneamente as
civilizações fenícia, assírio-babilônia, incaica e maia, sob o
signo das serpentes, dos carneiros ou dos touros alados e do
planeta Vênus.
Não queremos afirmar que a iniciação dos povos da Terra
foi feita por viajores extraterrestres, mas tudo se passou como
se assim tivesse sido.
Em nossos dias, quando americanos e russos desembar­
cam na lua e se preparam para o assalto a Marte e a Vênus,
uma semelhante eventualidade não podia estar ausente de um
estudo lógico e racional.

16 — O mito da mulher transformada em serpente, ou vice-versa, per­


tence a todos os povos.
No folclore dos Marind-anim da Nova Guiné, o herói Teimbré
casou-se com uma serpente que se metamorfoseou numa linda
jovem.
Entre os papus da ilha Kiwaí uma filha serpente que vivia na
água casou-se com um pescador que teve que guardar o segredo
da união extraordinária. O casal teve filhos «puramente huma­
nos». Entre os Narizes-Furados da América do Norte encontramos
frequentemente lendas de filhas que se metamorfoseiam em ser­
pentes. Ler La Mythologie primitive, de Lucien Lévy, Bruhl, Lih.
Félix Alcan.
17 — Como nas outras mitologias, esse planeta seria Vênus cuja natu­
reza talvez seja oceânica e cuja vinda ao nosso sistema solar
provocou chuvas e inundações (o dilúvio de Deucalion), de acordo
com o testemunho dos diferentes povos.

322
A MITOLOGIA CELTO-GAULESA

Lug, o mais popular dos deuses c'lticos, enlaça estranha­


mente as letras do seu nome àquelas de Lusignan (Lugsignem)
«e de Melusina, a heroína de Jehan d’Arras.
Teria sido insensato expor uma aventura que tem por
centro Melusina, esquecendo o parentesco que liga Lug e
Lusignan.

Em 1387 esta ligação era difícil de estabelecer e Jehan


d'Arras, originário do norte da França — e cujo gênio não
podería ser contestado — não podia sequer assimilar a seiva
de nossas tradições do Poitou e formar um feixe de coinci­
dências, que só um historiador pode perceber.

Quando o Lug ibérico morreu, dizem que sua mãe ado­


tiva Tailtiu lhe ergueu um túmulo suntuoso e em honra insti­
tuiu as festas chamadas lugnusádias, que se celebravam no
mês de agosto.

Por uma curiosa coincidência (mais uma!), Lusignan con­


servou esta tradição com suas feiras ou festas de l.° de agosto,
onde a rapaziada fica andando de cá para lá para apreciar as
domésticas.

"Pois bem, escreve Marcei Moreau, estas lugnusádias an­


tigamente dedicadas a Lug e à sua mãe Tailtiu, símbolo da
Terra Mãe, evocam a serpente sagrada ligada ao culto da virgo
pariturae, serpente com cabeça de carneiro, sinônimo de ini­
ciação.”

Melusina, seja ela mãe da luz ou serpente que faz maro­


las na superfície das águas18 da Fonte do Saber ou ainda ser­
pente guardiã do tesouro, é o arquétipo autêntico da iniciação
em seu nível mais elevado: a cosmogênese.

Nesta tese que sustentamos com toda convicção encontra­


mos, enfim, uma grande mitologia francesa que faltará à his­
tória geral dos celtas, porque ela havia sido abafada, desfigu­
rada e cristianizada.

18 — As marolas, ou, melhor ainda, a serpente que nada e produz cír­


culos de ondas, no ensinamento druídico representam o símbolo,
da primeira vibração do universo em expansão.

323
Ao lado de Orejona19, de Quetzalcoatl, de Astart, de Ishtar
etc., Melusina — a formosíssima, a "licome maravilhosa” de
Remondin — constitui sem dúvida a iniciadora vinda de um
outro planeta (Vênus) e que com ele se identifica.
Esta identificação não chocará nenhum historiador fami­
liarizado com as mitologias.
Desde o século XVIII inovadores, pioneiros da autêntica
história humana, aqueles que com mofa chamavam de “celto-
maníacos”, haviam tentado esclarecer seus contemporâneos
sobre a provável existência de uma mitologia nacional que até
então se confundia com aquela dos irlandeses e dos gauleses.
Rendemos nossa homenagem a esses precursores: Paul
Pezron, Simon Pelloutier, Jean-Baptiste Bullet, Caradeuc de la
Chalotais, Court de Gébelin, Latour d’Auvergne e Le Brigant
aos quais devemos acrescentar também: Michel Honnorat,
autor de La Tour de Babel et la langue primitive de la Terre,
e principalmente Henri Dontenville, presidente fundador da
Sociedade de Mitologia Francesa, do qual se torna indispen­
sável ler La Mythologie Française, Les Dits et les Récits e La
France Mythologique20.
19 — Orejona: a Eva dos povos do altiplano peruano, mãe dos homens.
Segundo as tradições andinas e o padre Blas Varela, nos albores
da humanidade «uma astronave brilhante como o ouro» veio
pousar perto da ilha do Sol, no lago Titicaca (Bolívia-Peru).
Desta nave astral desceu uma mulher muito linda, mas que tinha
o crânio em forma de pão de açúcar, pés e mãos com quatro
dedos unidos por membranas e orelhas muito grandes, como as
têm os deuses da Ásia. Daí então o seu nome de Orejona (as
Grandes Orelhas). Provinha do planeta Vênus e gerou os primei­
ros homens tendo como pai um tapir. Certo dia Orejona foi
embora em sua astronave e não foi mais revista.
Quetzalcoatl: deus iniciador dos antigos mexicanos, identificado
com o planeta Vênus.
Astart: deusa feniciana, antiga Afrodite, nascida de espuma do
mar. Representava o planeta Vênus.
Ishtar: deusa assírio-babilônica, representante do planeta Vênus.
20 — Pezron Paul, religioso da Ordem dos Cistercienses (1639-1706)
Antiquité de la nation et de la langue des Celtes (1703); Simon
Pelloutier (1694-1757), Histoire des Celtes, reeditada com o título
de Histoire des Celtes et particulièrement des Gaulois et des Ger.
mains, depuis les temps fabuleux jusqu’à la prise de Rome par
les Gaulois (Paris 1771, 2 vol.); Jean-Baptiste Bullet (1669-1775)
Louis René de Caradeuc de la Chalotais (1701-1793), Essai d’édu-
cation nationale; Court de Gébelin (1728-1784), Le monde primitif
analysé et comparé avec le monde moderne (1784). Histoire na-
turalle de la parole; Théophile Maio Corret de la Tour d’Auvergne
(1743-1800), o maior herói de nossa história, nascido em Carhaix,
autor de numerosos livros sobre o celtismo; Jacques Le Brigant
(1720-1804), La langue primitive conservée; Henri Dontenville,
La mythologie française — Les Dits et Récits, ed. Payot, La France
Mysterieuse, ed. Tchou.

324
LUSIGNAN, CAPITAL DOS CELTAS

Com esta chave prodigiosa, o relato de Jehan d’Arras assu­


me uma dimensão inesperada sob o signo da lógica e foi neste
estado de espírito que a estudamos, reproduzimos e prolon­
gamos com uma documentação e com variantes locais que o
autor no século XIV não podia nem coletar nem analisar.
A lenda de Melusina se torna então a base da história pri­
mitiva21 da nossa civilização francesa ou, para melhor dizer­
mos: ocidental e céltica, bem como um mito paralelo àqueles
da América e do Oriente Próximo.
Note-se que esta base essencial houve por bem fixar-se
num lugar perto de Poitiers onde há dez milênios se estabe­
lecera a mais antiga tribo dos celtas migratórios, os pictões.
Permitimo-nos lembrar as coincidências que nos levaram
a incluir a lenda no ciclo de nossa mitologia nacional:
Lusignan, cidade de Lug; o Poitou, feudo dos mais antigos
celtas ocidentais; Lug, iniciador de face irradiante, descen­
dente de uma misteriosa tribo oriunda do “País dos Mortos”,
confundido na tradição do Graal com o País do Outro Mundo;
Melusina, a formosíssima, parecida com as venusianas Orejo-
na, Astart e Ishtar, serpente alada como os Iniciadores voado­
res do Oriente Próximo, do Egito, do Peru e do México, sabe-
dora de todas as coisas em todo ramo de ciência e escolhendo
como local de aparecimento a Fonte do Saber.
De igual forma que os “anjos” bíblicos e Orejona, Melu­
sina se desloca pelo caminho dos ares e tenta na Terra um
ensaio de geração desastrosa. Finalmente, sua aventura está
diretamente vinculada a esses arquétipos universais que são
a fonte, a gruta, a serpente e o tesouro.
Era impossível que um dia um historiador não viesse a
notar como todos estes dados se imbricam, interdependem,
.até sugerir uma história prodigiosa, fantástica e infinitamente
provável.

21 — A «História Primitiva»: neologismo que significa pré-história sob


tese diferente daquela dos historiadores clássicos da pré-história.
Na história primitiva, o homem não descende do macaco, só ha­
bitou as cavernas ocasionalmente e teve ancestrais superiores.
Ler de Robert Charroux, nas edições Laffont: Le Livre des Secrets
Trahis, Le Livre du Mystérieux Inconnu, Le livre des Maitres du
Monde, Le Livre des Mondes Oubliés.

325
Uma Academia Celto-Gaulesa está sendo fundada.
Finalidades dessa Academia: Pesquisa da identidade gau-
lesa, dar à França uma mitologia, pesquisar os vestígios de
nosso patrimônio nacional, fazer dele um levantamento, res­
suscitar a essência e o espírito gaulês-francês.
Em caso de toda e qualquer, informação, favor escrever
para o Sr. Philippe Vidal, 13, rue Fernet, 94700-Maisons-Alfort.

Solicitamos correspondentes em todos os setores, nos paí­


ses de língua francesa e também nos países célticos: Inglater­
ra, Irlanda, Espanha, Portugal, Itália etc.

326
MELUSINA

Capítulo XXI

MELUSINA
A SERPENTE ALADA

Segundo o manuscrito de Jehan d’Arras, que se acha


na Biblioteca do Arsenal, com algumas variantes dos
manuscritos da Biblioteca Nacional e das traduções
ou interpretações de Louis Stouff, de André Lebey,
de Jean Marchand e de Louis Naneix.
Conforme, também, as tradições conservadas no país
de Poitou, em Lusignan, Poitiers, Civray e Charroux,
que modificam a finalidade da história como Jehan
d’Arras a tinha contado «neste pobre tratado, segun­
do as crônicas recolhidas junto ao duque de Berry,
conde de Poictou e d’Auvergne, senhor da Marche,
do conde de Salbery na Inglaterra e segundo diversos
livros que foram encontrados»1.

PRELIMINAR

A fim de dissipar todo mal-entendido, queremos deixar


bem claro que nosso ensaio de reconstituição de uma mitolo­
gia francesa, com base na lenda da Melusina, estriba-se sobre­
tudo num estudo lógico dos fatos, das situações e dos relacio­
namentos com as tradições idênticas que constituem o fundo
das mitologias do Peru, do México e do Oriente Próximo.

1 — Jehan de. Arras teria ido inspirar-se para o tema desta história
no Melusina ou Livro dos Lusignan que estava guardado na bi­
blioteca da Torre Maubergeon, em Poitiers.
Teve como precursores: Gervais de Tilbury (1153-1221) e Jean

327
De mais a mais, pensamos que o romance de Jehan d’Arras
— elaborado com notas recolhidas na corte do duque de
Berry ou tiradas dos manuscritos hoje desaparecidos — de­
via ser completado por tradições locais inéditas e pelos pro­
longamentos sugeridos pelo conhecimento do esoterismo e
pelas crenças do nosso tempo.
Este romance foi forjado em todos os seus atos ou re­
pousaria ele numa base histórica digna de crédito?
Certamente numerosas lendas são invenções de poetas, de
moralistas ou muito simplesmente de narradores fantasistas;
mas aquela da Melusina se serve de um semelhante fundo
histórico, de esoterismo, de biologia e de fantástico; comporta
uma tão admirável interferência com as mitologias estrangei­
ras, que se torna difícil pensar que esta entidade sábia e que
estas ocorrências exageradas (no sentido de numerosas de­
mais) são fruto de um acaso feliz.
A interpretação que damos, respeitando ao máximo, por
necessidades de clareza, o estilo, os rodeios de frases e os
termos arcaicos, as repetições de palavras (maravilhoso, falso,
alto, grande, senhor etc.) e mesmo as ortografias diferentes
para o mesmo nome (Melusina, Melusigne), se afasta às vezes
do tema de Jehan d’Arras, mas pelo contrário se aproxima da
urdidura original, ignorada dos autores do século XIV.

AGRADECER A DEUS EM TODAS AS COISAS


Em todas as coisas que se começam devemos invocar o
Criador que é Mestre de todas as coisas feitas e por fazer,
as quais devem tender à perfeição de bem e as outras tor­
nar-se segundo os vícios das criaturas. Pede-se ao Senhor que
queira tomar com agrado esta história e também todos aque­
les que a vierem a ler.
Ouvi, boa gente, a história nem verdadeira nem falsa,
mas a mais linda e maravilhosa que jamais foi contada nos
serões em nosso país de França.
É a lenda de Mesulina no Poitou, da Fonte do Saber, dos
sortilégios do Amor e dos tesouros fabulosos que dormem sob
as colinas de Lusignan.
Aquele que descobrir estes tesouros deixados pela Fada-
Serpente se tomará mais célebre e mais rico do que um rei,
mas oxalá o Céu proteja aquele que os possui contra o des­
tino que a eles está ligado.

328
O castelo de Lusignan no século XIII

329
O castelo de Lusignan, segundo um documento da época.

Assim, a tradição nos antecipa: as jóias mágicas, os rubis,


os diamantes, as esmeraldas e os colares de ouro de Melusina
estão escondidos numa sala subterrânea, no flanco da colina
que dá sobre o Vonne, mas bem felizardo será aquele que
tentar arrebatá-los.

O Poitou é a região por excelência dos tesouros, das len­


das e do fantástico.

É uma província extraordinária com suas colinas com ca­


vernas, rios e seus pantanal pouco conhecido — a Veneza
Verde — suas plagas imensas bordadas de pinheiros, seus
castelos prestigiosos onde a lenda inscreveu nomes fulguran­
tes: Melusina, Barba Azul de Tiffauges, a Licorne...
Região também das catedrais romanas, do Belator — o
maior pedaço da verdadeira Cruz — das mimosas que crescem
em plena floresta de Oléron, do sol resplandecente que, melhor
e mais do que em outra parte, ilumina a ilha privilegiada de
Yeu, último vestígio atlanta perdido no Oceano.
Região do sol poente, das feiticeiras nas carruagens que
lançam ou tiram a má sorte ...
A GRANDE CAÇA DO CONDE AIMERY

Naquele dia, algum tempo antes do Medo do ano 10002,


o conde Aimery de Poitiers, o velho, poderoso e justo suze-
rano do Poitou e da Baixa Marche, promoveu uma grande
caçada.
Na véspera um dos seus florestais lhe comunicara que na
floresta de Coulombriers havia o mais maravilhoso porco (ja­
vali) que jamais fora visto, e desde o despontar da aurora os
rapazes, os escudeiros, os barões e outros senhores da corte
se haviam lançado à caça da besta.
Os mais destemidos, o conde e seu sobrinho Remondin,
lindo rapaz, leal, cortês, hábil e destro nas armas, dirigiam a
caça, percorrendo montes e vales.
O animal havia sido visto dez vezes e fora ferido; ele tinha
fincado os dentes em quatro cães de caça, oito mastins e dois
dinamarqueses, descobrira todas as armadilhas, indo de cá
para lá "com uma espécie de destreza pesada e forte, como
que possuidor de vigor dos primeiros anos”3.
Ao cair da noite ninguém mais resistia à perseguição in­
fernal: os cavalos estavam cansados, os cachorros se deita­
vam para lamber suas feridas e os barões extenuados decidi­
ram desistir.
Somente o conde Aimery e seu sobrinho perseveraram,
mas o javali se tornava sempre mais forte e o velho senhor
ia perdendo terreno. Finalmente ele gritou desanimado:
— Caro sobrinho, suspirou o conde a quem o cansaço
esta caça maldita! E maldito seja também aquele que nos lan­
çou nesta aventura.
Já tanto haviam galopado e dado caça que os dois homens,
ao darem com uma clareira propícia ao cair da noite, apearam
dos cavalos.
— Caro sobrinho, suspirou o conde a quem o cansaço
oprimia, ficaremos aqui debaixo desta grande árvore até que a
lua se levante. Amanhã pensaremos no que convém fazer.

2 — O primeiro dos condes de Lusignan foi Hugues I, chamado o


Monteiro, que viveu sob o reinado de Luís d’Outre-mer, filho de
Carlos o Simples, isto é, entre 921 e 954.
3 — O Romance de Melusina, de André Lebey, ed. Albin Michel.

331
— Como vos aprouver, meu senhor, respondeu Remon-
din, descendo do cavalo. Depois foi juntar umas madeiras se­
cas, e acendeu o fogo.
Longe, lá muito longe por sobre os montes ouviram-se
os cem sinos e campainhas das trinta e cinco igrejas de Poi-
tiers tocar o ângelus.

ESCRITO NOS ASTROS

"Então a lua surgiu, estranha, tanto que brilhava muito


próxima, com a meia-lua cortada em arco reduzido sobre a
amplidão noturna, que ela tornava azul em torno de sua cla­
reza pálida.
As estrelas lhe responderam muito depressa, precisas co­
mo se elas estivessem lá desde sempre, claras, algumas tão
vivas nos ângulos, que apresentavam um indefinível aspecto
maléfico.
De repente o ulular da coruja foi crescendo, bem perti­
nho, como se o pássaro, feito de terra de cemitério, visse
aqueles que ele entendia advertir4.
Nem Remondin nem o conde de decidiam a falar.
"Depois de um segundo grito, o vôo pesado e prolongado
da coruja passou baixo perto do cavalo de Aimery e desapa­
receu.
Ouviram-se três silvos modulados ao longe. Então os dois
homens e os cavalos respiraram melhor e os primeiros, que
haviam baixado a cabeça sob o barulho maldito, levantaram-
na para o céu.”
Aimery, deitado de costas, com a cabeça repousando so­
bre um montículo de musgo, estudou a posição dos astros,
calculando as relações e deduzindo as influências, pois era en­
tendido em gramática, lógica e física, mas mais ainda era
grande e entendido astrônomo e sabia ler nas estrelas também
como um pergaminho pelos conhecimentos que adquirira com
o mágico Arbatel, seu amigo astrólogo,
Pois bem, o que leu era dramático e fazia-o suspirar tris­
temente.

4 — André Lebey, ibid.

332
— Verdadeiros deuses, quão maravilhoso é tudo o que
existe aqui embaixo em tua acolhedora (servente) natureza e
diverso em seu destino quando tu espalhas a tua graça divina.
E como é maravilhosa esta aventura que eu vejo no curso
das estrelas que tu tens assentado lá em cima no começo do
céu por alta ciência de astronomia, cujo conhecimento me des­
te, pelo que devo te louvar de coração perfeito.
Mas como poderia eu ser razoável, senão por teu invisí­
vel julgamento, que um homem adquire bem e alta honra por
mal fazer? E no entanto eu vejo que é justamente assim, por
alta ciência e arte de astronomia e por tua santa graça a mim
conferida.
Remondim, que havia acendido o fogo, ao ouvir estas re­
flexões respondeu com deferência:
— Meu Senhor, o fogo está aceso, vinde aquecer-vos.
Visto que o seu tio suspirava ainda mais forte, acres­
centou:
— Oh! meu Senhor, por Deus do céu, expulsai vossos cui­
dados. Não fica bem a um príncipe tão elevado atormentar-se
com semelhantes coisas, pois, Deus seja bendito, ele vos agra­
ciou com altíssimos e nobres títulos e com posses de boa
terra.
Só depende de vós esquecerdes estes devaneios incertos
que não podem nem ajudar nem prejudicar.
“O conde teve um sorriso discreto, imperceptível mas gran­
de, superior ao destino5.”
— Ah! louco, disse ele. Se tu soubesses a grande e rica
e maravilhosa aventura que eu li para ti no céu, tu ficarias
todo embasbacado!
Sem maldar, Remondin respondeu:
— Meu temidíssimo Senhor, por favor, queira revelar-me
o segredo, se é coisa que eu devo saber.
— Pelos céus, tu o saberás! Fica sabendo ao certo que
quisera que nem Deus e nem os homens te pedissem satisfa­
ção disso, mas que a sorte te coubesse provinda de mim mes­
mo pois doravante eu sou velho. Tenho bastante herdeiros
para os meus títulos e posses e eu te amo tanto que gostaria

5 — André Lebey, ibid.

333
que tão elevada honra te fosse destinada. Fica sabendo por­
tanto o que eu li nas estrelas: se no presente momento um
vassalo matar seu senhor, ele tornar-se-ia o mais rico, o mais
poderoso, o mais honrado que jamais houve em sua linhagem
e dele nasceria tão nobre descendência que dela falariam e se
lembrariam até o fim do mundo. E fica sabendo que isto é
verdade!
— Então, respondeu Remondin, não posso crer que se­
melhante profecia se realize, pois seria contra o bom senso
que um homem tenha tamanha honra em praticando uma
traição mortal. Por outro lado, neste instante e neste lugar
estamos somente nós dois; vós sois o meu suzerano e o meu
tio que eu amo e venero mais do que a meu pai; então como
poderia lhe advir por obra minha uma desdita?
— Está escrito no céu!

O VATICÍNIO SE REALIZA

0 conde e o seu sobrinho estavam mergulhados em seus


pensamentos quando ouviram ao longo do bosque galhos e
sarças que se amassavam.
Remondin tomou do seu venábulo e o conde tirou a es­
pada. Depois de ligeira espectativa viram enfim aparecer "um
porco javali grande e maravilhoso, que se aproximava espu­
mando e grunhindo com os dentes, de maneira horrível.
— Senhor, disse Remondin, subi nessa árvore para que o
javali não vos possa alcançar e deixai que eu decida.
— Pelo amor de Deus, não apraz a Jesus Cristo que eu te
deixe nesta aventura.
E vendo que o porco dirigia-se em sua direção, Aimery
recoloca a espada na bainha e aguarda o ataque, com o ve­
nábulo baixado, arriado de encontro a seu pé, a fim de em-
palar o animal.
Mas eis que é derrubado, ficando imediatamente numa po­
sição tão desesperada que Remondin lhe desfecha um golpe
furioso que desgraçadamente raspa de leve sobre a seda do
javali e transpassa seu tio.
Outro golpe melhor assestado mata o animal e agora são
dois corpos que jazem inermes sobre a erva da clareira.
— Cansado e extenuado geme Remondin! Ah! Traidora
e perversa sorte que me fez matar aquele que tanto me ama­
va e que tanto bem fez por mim! Doce e poderoso Pai, que
país ousará me acolher depois de tamanho crime?

334
Todos aqueles que me ouvirem me condenarão e terão
direito em matar-me com uma morte vergonhosa e com tortu­
ra, pois traição pior e mais falsa jamais foi praticada por se­
melhante pecador.
Terra, por que não te abres? Se me engoles e me colo­
cas com o mais obscuro e o mais hediondo dos anjos que ou-
trora foi o mais alto de todos, bem o merecerei.
E, dirigindo-se ao conde que jazia morto, disse-lhe:
— O sr. me dizia que se tal acontecesse comigo eu seria o
mais honrado de minha linhagem. Mas eu vejo que é justa­
mente o contrário, pois eu serei o mais infeliz, o mais deson­
rado e certamente com muito justa razão.
Em seguida aproxima-se do seu senhor, beija-o piedosa-
mente em prantos e, recobrando ânimo, monta rápido o cava­
lo e parte pela floresta onde andou errante até depois de meia-
noite, desgraçadamente, cheio de dor e desconsolo.

AS TRÊS SENHORAS DA FONTE


E assim chegou perto de uma fonte chamada a Fonte do
Saber6 e alguns a chamavam de a Fonte-Fada em razão de di­
versas aventuras e maravilhas que aí se haviam passado em
tempos idos.
A lua brilhante a iluminava com seus raios brancos e azu­
lados, que se projetavam sobre as grandes rochas que lhe es­
tavam perpendiculares.
Três damas chapinhavam e palravam na água ou se diver­
tiam na margem, e uma delas era tão bela, que nenhum pla­
neta, nenhuma estrela do vasto céu não conheceu coisa tão
maravilhosa.
— Meu Deus, esse aí que está cavalgando talvez seja um
cavalheiro, mas não é o que parece, pois constitui grande
falta de cortesia passar diante de senhoras ou damas sem
vumprimentá-las como convém.

6 — Em geral se traduz esta passagem por «Fonte de Sede», o que


não tem grande significado. Em vista da lógica e sobretudo do
caráter simbólico e iniciático do romance de Melusina, do lugar
elevado de Lusignan, cidade de Lug, o Iniciador dos celtas, tra­
ta-se muito provavelmente da fonte do Saber, da Ciência, da
Sede, em dialeto do Poitou.
Ademais, Melusina é a Fada do Saber, a Iniciada-Serpente guar­
diã do tesouro na gruta. Esotericamente a gruta é sempre o
antro de iniciação, a serpente é o iniciado e o tesouro representa
o conhecimento.

335
Então, agarrando as rédeas do cavalo, ela diz com firmeza:
— Vassalo, tu és muito orgulhoso e ingênuo por não cum­
primentares gentis senhoras.
E como Remondin parecia sempre perdido em seus so­
nhos, ela acrescentou:
— Senhor, estás tão despeitado que não te dignas respon­
der? Pelos céus, creio que este senhor está dormindo em cima
do cavalo, ou então ele é surdo e mudo. Senhor vassalo, estás
dormindo?
Remondin teve um sobressalto, voltou a si e viu então que
aquela que lhe falava era de uma beleza tão pura e tão mara­
vilhosa como jamais tinha visto igual.
— Mui querida senhora, disse ele, perdoai-me a injúria e
a vilania muito involuntárias, mas ficai sabendo que eu estava
pensando num assunto triste que me preocupa e peço a Deus
que me ajude para sair dele!
— Eis quem é bendito! Em todas as coisas devemos re­
correr a Deus, mas depois do Senhor eu sou aquela que maior
ajuda te pode prestar e te ajudar a ir avante neste mundo dos
mortais no meio de todas as adversidades e mudar o malefício
em sorte.
Eu sei, Remondin, que tu mataste o teu senhor, mas isto
foi por acidente e tu não cometeste um pecado.
Quando o bravo ouve que ela o cita, fica tão pasmo que
não sabe mais em que pensar. Não obstante, ele acaba respon­
dendo:
— Querida senhora, vós me dizeis a pura verdade, mas eu
me admiro como é que podeis sabê-lo e quem é que vo-lo teria
anunciado tão depressa! Seríeis vós feiticeira para ler assim
em meu coração? Sois vós criatura de Satã?
— Sei muito bem que tu pensas7 que eu sou um fantasma
ou obra diabólica ditada e feita por mim, mas eu te garanto
que eu sou da parte de Deus e creio em tudo o que uma verda­
deira católica deve crer.
Se queres ouvir-me eu te tirarei de embaraços e te pres­
tarei serviços tais que te farão rico, poderoso e honrado e de
ti surgirá estirpe tão nobre que dela se lembrarão até o fim
do mundo!
Muito perturbado, Remondin reconhece a profecia do seu
tio e, já subjugado pela bela criatura, pergunta-lhe o que deve
fazer.

7 — Cuider, no texto francês: crer.

336
— Primeiramente, é preciso que me ames! disse ela.
— Linda Senhora, sou do vosso agrado?
Arrisca-se então a olhá-la com prazer e fica tomado de
admiração.
Ela está vestida com traje de cores do junquilho e violá-
ceas, harmoniosamente dispostas; seus cabelos são dourados,
seus olhos de esmeralda, sua carne de mel e de leite. Nota
sobretudo seus pés que estão desnudos e burilados melhor do
que uma jóia mourisca, com suas formas encantadoras e deli­
cadas melhor do que pétalas de rosa.
— Senhora, murmura ele maravilhado, jamais me foi da­
do sonhar com criatura tão bela como vós. Como poderia eu
não vos amar?
— Pois bem, será preciso que te cases comigo1
— Isto será uma grande honra para mim!
— E mais ainda, ouve-me meu belo senhor, será preciso
que assumas o compromisso de que jamais duvidarás que eu
me conduza honesta e cristãmente, além de todo sortilégio.
— Senhora, farei lealmente tudo o que puder fazer. To-
mar-vos-ei por esposa diante de Deus numa capela, desde que
vós o decidais; mas, por favor, dizei-me o vosso nome.

TODA NOITE, DE SÁBADO PARA DOMINGO

Fez-se então silêncio na floresta e a fonte deixou de cor­


rer; em seguida, passados alguns segundos que não pertence­
ram ao tempo do calendário, pareceu que os pássaros canta­
vam mais bela e mais docemente, as flores exalavam o mais
sutil dos perfumes, as águas da fonte recomeçaram a sua can­
ção sobre os cascalhos e as hortelãs e sobre este fundo para­
disíaco se ouviu a música de uma voz de amor e de magia.
— Eu me chamo Melusina, disse a criatura maravilhosa!
E eis que os ventos, os sonhos, os sons e os perfumes pas­
saram a repetir este nome no sonho acordado de Remondin.
— Sou todo vosso, teve ele forças para dizer, mas o seu
espírito se afogou como se houvesse tomado vinho demais na
sombra densa de uma tília.
— Ouve meu último pedido, disse Melusina.
Por todos os sacramentos de um bom cristão, tu vais me
jurar que todos os sábados à noite, do pôr do sol até ao ama­
nhecer do domingo, tu não procurarás nem ver-me nem te
perguntarás onde é que eu estaria andando.

337
Embevecido e subjugado pela Encantadora, Remondin ju­
rou “por todos os riscos que na noitinha e à noite desse dia
jamais faria coisa que fosse em seu detrimento e que ele não
tomaria conhecimento de sua ausência, em nome de seu bem
estar e de sua honra”.
E eis que a sorte está lançada.
Doravante tudo vai se desenrolar de acordo com uma tra­
ma inevitável e mágica, atuando os seguintes personagens:
Remondin, impulsivo e correto, é um herói da Idade Média;
Melusina, terna, submissa e sincera, mais linda do que a noite,
mais bela do que a luz do dia, mais formosa do que o reflexo
das estrelas sobre o oceano dos mares tenebrosos, entendida
em feitiçarias maravilhosas e benfazejas, pois ela é a fada de
um outro mundo; o conde de Forest, irmão de Remondin, cria­
tura manhosa suscitada pelo destino para mexer com o curso
das aventuras no sentido diabólico.
O SEGREDO DE MELUSINA
Melusina é fada e quer tornar-se mortal para conhecer o
amor e a boa morte acalmante, sagrada, que põe fim à vida
dos mortais na Terra.
Mas ela cometeu um pecado com a cumplicidade de suas
duas irmãs: aprisionou seu pai perjuro “na montanha de
Northumberland, chamada Brumbeloys, na Albânia8, e sua mãe,
a fada Presina, condenou-a a sofrer um encantamento toda
noite de sábado para domingo. Contudo, ela poderá viver uma
vida humana se encontrar um homem capaz de amá-la e que
nunca procure sondar o segredo que uma noite por semana
a manterá sempre ligada à sua condição de ninfa e de fada.
Se o segredo for descoberto, então Melusina voltará a ser
para sempre fada.
Talvez tivesse ela, mais profundo e inacessível, um outro
segredo a esconder aos homens do nosso planeta, pois sua
origem efetivamente é desconhecida e num século condiciona­
do pelas superstições teria sido imprudente reivindicar uma
procedência extraterrestre9.

8 — A Albânia é a Escócia ou, de maneira mais geral, a Inglaterra,


isto é, Albion (do latim albus: branco). O rei Élinas, pai de Me­
lusina, desposara a fada Presina sob a condição de que ele ja­
mais procurasse vê-la na época do parto, pois bem, ele faltou
com a sua promessa.
9 — Melusina apareceu numa época em que precisamente a gente
simples acreditava ver ou via navios vogando no céu e esqua­
drões saindo das nuvens para tornar as armas de Cristo vito­
riosas.

338
Contudo, como a Orej ona venusiana dos meas que, a bor­
do de um navio celeste, arribou outrora nas margens do lago
Titicaca nos Andes, assim Melusina se apresenta em plena Ida­
de Média como uma iniciadora vinda de um outro mundo para
ensinar os terrícolas e, quem sabe, para tentar entre eles uma
experiência de integração de sua raça.
Ao inverso dos "anjos” do Gênese1011 , ela vai unir-se a um
bravo senhor terrestre com o fim de gerar filhos, não gigan­
tes, mas uma nova humanidade de mutantes. No plano físico
e psíquico na Bíblia esta tentativa teve resultados que redun­
daram no dilúvio e no fim do mundo.
Na história tradicional e esotérica contada pelos cronis­
tas, Melusina é aparentemente uma fada e quanto a isto não
deixa nenhuma dúvida que entrega a Remondin duas varinhas
de ouro, uma para preservar de morte súbita por acidente de
arma e a outra para garantir sucesso em toda ocorrência de
negócios ou de combates. Em seguida ela dá conselhos sobre
a conduta a seguir, a fim de que tudo se passe da melhor ma­
neira nos assuntos de seu interesse que de agora em diante
são comuns.
Remondin sobe no cavalo e retorna a Poitiers, "a bela
cidade, sólida, fina e linda em suas fortificações com muralhas
dominadas por seu castelo forte com arquiteturas superpostas,
com ameias e saliências colocadas umas acima das outras
entre as catapultas e as máquinas de arrojar pedras ...”

ENCANTAMENTOS NA FLORESTA

A morte do conde é atribuída a uma respostada do javali,


e seu filho Bertrand, que lhe sucedeu, recompensou seis mais
meritórios e devotados fiéis, entre os quais o seu primo, o
valente Raymondin.
— Senhor, disse este último, não vos peço outro favor
afora o de me dardes, acima da Fonte do Saber, nas rochas
e nos altos bosques, tanto de lugar que um couro de gamo
possa se estender11.

10 — Gênese, cap. VI, 2: «Os filhos de Deus (os «anjos» vindos do


espaço) viram que as filhas dos homens eram belas e tomaram
por suas esposas aquelas dentre elas que lhes agradavam. Pois
bem, depois que os filhos de Deus desposaram as filhas dos
homens, nasceram filhos que se tornaram homens poderosos e
famosos no século».
11 — Poderá tornar a cobrir (no texto francês).

339
— Permita Deus, diz o conde Bertrand, que o meu bom
primo possa usufruir o quinhão que lhe concedo!
Mas acontece que um misterioso desconhecido vende a
Raymondin uma pele de cervo cortada em correias tão finas
que rodeia a montanha perto da fonte, no comprimento de
duas léguas!
Magicamente uma torrente começa a jorrar no domínio
e em menos de uma hora diveisos moinhos com asas mur­
murantes aparecem nas colinas.
Quando estes prodígios chegaram ao conhecimento da
corte, causaram grande sensação e a condessa viúva dotada
resumiu a opinião de todos, dizendo a Bertrand, seu filho:
— Duvido se Raymondin não teve alguma aventura na
floresta de Coulombriers, pois ela é muito propícia para aven­
turas e cheia de encantamentos.
— Creio que a Sra. esteja dizendo a verdade, apoiou o
conde de Forest12, e ouvi dizer que na Fonte do Saber foram
vistas muitas coisas estranhas!
Para grande estupefação do valoroso senhor, os prodígios
aumentam e se renovam: no começo é um "hotel” que surge
nos domínios, com um salão esplêndido, "maior do que aquele
do castelo de Poitiers, e uma grande corte com numerosos
senhores e senhoritas bem vestidas, com lindas cabeleiras
protegidas por lindos chapéus, e acompanhadas de es­
cudeiros”.
Numa outra sala, “mais ampla ainda”, é servida a ceia,
opulenta, com uma criadagem numerosa, destra; uma orques­
tra de bandurras, rebecas, baixos, violas e alaúdes deleita os
ouvidos com uma música de bom gosto.
— Meu bem, de onde vem tudo isto que se vê? pergunta
Remondin.
— Estes cavaleiros e estas senhoritas estão às suas or­
dens, respondeu Melusina com um sorriso encantador.
— Vós não me direis nunca ccmo é que realizais estas
maravilhas ?
Então ela o encara com um sorriso grave, imperceptivel-
mente protetor e amargo, e diz simplesmente:
— Se tu queres saber, um dia — e eu por minha fé em
Deus não to aconselho — vai beber três vezes a água da Fonte
do Saber que abre os olhos e os horizontes dos espíritos.

12 — Irmão mais velho de Remondin.

340
Sim, é uma água miraculosa, feita para os fortes que
querem desafiar o Destino; mas, em nome do nosso amor,
eu te suplico: resiste à tua curiosidade masculina.

O CASAMENTO DE MELUSINA
Enfim, chegou o dia dos esponsais. Na memória dos
homens jamais foram vistas pompas tão faustosas, nem de
senhor, nem de rei nem de imperador.
Um cavaleiro com ar muito idoso, com ricas vestes gas­
tas, porém esplêndidas na forma com uma cintura de pedras
preciosas e de pérolas em volta do corpo, recebe o conde de
Poitiers como se ele fosse o mestre dos lugares.
— Senhor, muito poderoso e nobre, a Sra. Melusina de
Albânia vos rende suas homenagens e vos agradece pela gran­
de honra que prestais ao vosso primo Remondin e a ela por
virdes participar dos seus esponsais.
Todos os convidados têm à sua disposição aposentos mag­
níficos, indumentárias extravagantes de escarlate para dis­
traí-los e gentis senhoras para agradar os olhos.
O pavilhão da condessa viúva está todo enfeitado com
panos dourados e orlados de pérolas, esmeraldas e de ametis-
tas e a velha senhora está tão maravilhada que declara que
no mundo inteiro não se acharia rainha alguma, nem rei nem
imperador que pudesse mostrar tanta riqueza e que possuísse
a metade das jóias que Melusina trazia.
A quem se admira de tanto fasio, de tanta profusão
de maravilhas súbitas e acumuladas, o cavaleiro Antigo res­
ponde:
— Minha Senhorita poderia fazer ainda muito melhor,
pois é só ela desejar e pedir!
A cerimônia foi celebrada numa capela com longos piná­
culos, trabalhada como uma renda, que surgiu magicamente
na ponta rochosa da Fonte do Saber, "fazendo corpo com ela
e como nascida da própria pedra, a fim de dar-lhe um prolon­
gamento e de projetá-la em direção ao céu”.
Os banquetes, as festas e os espetáculos sobrepujaram
em magnificência tudo o que se viu até esse dia!
Quando do torneio o conde de Poitiers, o conde de Forez
e os do Poitou causam admiração, mas os mais brilhantes
são os cavaleiros de Melusina e acima deles está Remondin,
todo vestido de branco e montando um cavalo tordilho13 de
uma fogosidade admirável.

13 — Liard: cinzento rosado = tordilho.

341
Quando chegou a noite, depois de ter sido desvestida pela
condessa e sua filha, Melusina se deixa cair nas roupas do
leito nupcial onde sem tardança vem ter Remondin.
Foi nessa noite que foi gerado seu primeiro filho, o bravo
Urião que se tornou rei de Chipre.

A FADA CONSTRUTORA
Alguns meses depois destes acontecimentos foi vista che­
gar à Fonte do Saber “grande leva de operários, escavadores
e carpinteiros e Melusigne mandou roçar o mato e arrancar as
grandes árvores e deixar a rocha pelada”.
Em seguida mandou vir uma multidão de pedreiros e can-
teiristas para lançar os alicerces, “tamanhos e tão resistentes
que causavam admiração. E fazia os operários tanto e tão
rapidamente, que todos aqueles que por lá passavam ficavam
pasmados. E Melusina os pagava todos os sábados, de modo
que nada lhes ficava devendo ... E ninguém sabia de onde
vinham esses operários e nem de onde eram. E em pouco
tempo foi construída a fortaleza, não uma, mas duas fortes
praças, antes de se chegar à torre.
E ficai sabendo que todas as três estão cercadas com for­
tes torres salientes e as abóbadas das torres em forma de
ogivasH e os muros altos e com muitas ameias. E existem três
pares de cinturões altos e possantes e várias torres e ditos
cinturões. E há portas secretas formidáveis”.
Depois, uma vez concluídos os trabalhos da fortaleza, os
operários se foram como haviam chegado, a pé, a cavalo “ou
em carruagens compridas como as naves, de uma forma es­
tranha, ignorada na região”.
“Jamais não existiu fortaleza mais forte nem mais linda,
mesmo mais tarde em Coucy, que aquela de Lusignan14 15”.
Os dias se passam, felizes e plenos das melhores venturas
para Remondin e sua maravilhosa esposa que ele vê cada dia
mais linda e que ama cada vez mais.
Foi nessa época que Melusina construiu as igrejas de
Poitou: Saint-Pierre-de-Melle, Limalonges, Cham, deniers,
Saint-Pompain, Fronteny-FAbattu, Clussay, Saint-Jouin-des-
-Marnes, Civray, Genouillé e a prodigiosa abadia de Charroux

14 — Cintura de fortes palissadas ou pedraria.


15 — André Lebey, ibid. Historicamente, a construção do castelo de
Lusignan foi obra de Hugues II, o Bem-Amado, no fim do sé­
culo X.

342
onde numa só noite a floresta foi derrubada e a praça provida
de muralhas, torres, campanários e seus ornamentos adrede.
Na mesma ocasião ela mandou construir as duas torres
perfeitas da fortaleza de Niort e os castelos de Latour em
Mothe-de-Méré, Fontaine-Epinette, Crémault, Barbezière, Saint-
-Hilaire-la-Palud, Charrière, Benet, Moutiers-sur-le-Coy, Bru-
lain, Aiffres, Echiré, Chef-Boutonne e tantos outros ...

O TABULEIRO DE MELUSINA

Eis que um camponês vem aguçar a curiosidade de Re­


mondin, que se admira com a súbita eclosão de tantos monu­
mentos.
— É obra de Melusina, Senhor. Um dia ela chegou a
cavalo de noite e depois ela mesma se pôs a trabalhar, e tra­
balhava tão depressa que a igreja parecia que se erguia so­
zinha.
Ah! Quisera a visseis! Ela carregava em seu tabuleiro16 as
pedras de construção e as terras para os taludes. E tudo ia
avante como um prodígio.
Em Saint-Pierre de Parthenay-le-Vieux um monge lhe
disse que a fachada, as abóbadas e o campanário foram cons­
truídos em três noites, sempre por Melusina.
“Ela trabalhava somente ao brilho dos astros, sem parar."
Surpreendida pelo dia, quando estava para terminar o seu
trabalho, ela fugiu, deixando na última pedra a marca da
ferradura do seu cavalo a qual ainda se pode ver.
O vão onde essa pedra iria ser colocada jamais pôde ser
preenchido posteriormente e toda pedra que ali se coloca in­
falivelmente acaba caindo.
M .is tarde Remondin se dirigiu a Armorique para reivin­
dicar a herança do seu pai, Hervy de Léon, senhor da Bretanha
em que se fala o baixo bretão, da Bretanha gaulesa e antigo
senescal do rei.
O corajoso deu aí mostras de sua força, de sua coragem
e de sua lealdade, mas volta bem depressa para reencon-
trar-se com sua esposa, da qual não pode separar-se por muito
tempo.

16 — Tabuleiro carregado na mão quando dele se quer fazer um por-


ta-pesos.

343
Ela deu-lhe uma numerosa prole: Urião, o primeiro, um
belo rapaz de rosto curto, com um olho vermelho e o outro
verde; Odão, o segundo, bem feito de corpo, porém com duas
orelhas desiguais; Guyon, com um olho colocado em cima do
outro; Antônio, que tem uma unha de leão na face; Regnault,
que só tem um olho, mas excelente; Godofredo, dentuço; Flo-
rimundo com a mancha de toupeira.
O oitavo filho, Orubo, o mais estranho, com três olhos co­
locados em forma de triângulo, é cruel e mata duas amas de
leite em quatro anos. Os dois últimos, Raimonnet e Thierry,
parecem completamente normais.

OS TRÊS SINAIS DO DESTINO


À medida que sua família crescia, Melusina tomava gran­
de cuidado em aumentar da mesma forma suas terras e seus
domínios. Foi assim que ela se tomou proprietária de caste­
los e povoados em Parthenay, na Rochelle, em Saintes, em
Pons, em Tallemont e, ainda muito mais distante rumo a Bre­
tanha, a Gasconha e a Guiana.
A felicidade do casal teria corrido em brancas nuvens se
o conde de Forest, desleal e indivíduo mau que foi, não
tivesse tomado o maligno prazer de ralar a curiosidade do
bravo senhor com respeito às ausências de sua esposa.
De tantas insinuações, subentendidos, de observações fe­
linas, conseguiu despertar dúvidas em sua mente.
Num sábado, quando se encontravam em Lusignan, ou em
Mervent17, segundo Jehan de Arras, ele lhe disse:
— Caro irmão, mandai vir Melusina, pois eu teria grande
prazer em vê-la e abraçá-la.
— Tu a verás amanhã, porque no momento ela está em
retiro e não pode sair dele para ninguém.
Forest respondeu o seguinte, frisando as palavras:
— Não haveis de ser vós o último a saber o que todos
sabem! Vós sois meu irmão e eu não devo ocultar vossa de­
sonra ...

17 — O relato de Jehan de Arras situa este importante acontecimento


no castelo de Mervent (Vendée), mas a tradição do Poitou afirma
que a cena se desenrolou em Lusignan, onde ainda se vê sobre
uma pedra a marca que o pé da fada teria deixado antes de se
transformar em serpente.
Optamos por Lusignan onde Melusina tinha seu refúgio, seu te­
souro, e para onde ela volta em certas ocasiões sob a forma de
serpente alada.

344
Então Remondin não se agüentou mais e um impulso irre­
sistível e fatal o impeliu em direção à pequena porta baixa
da torre que conduzia ao retiro misterioso de Melusina.

Ele quer saber e, lembrando-se da ressalva e precaução


dada por sua esposa-fada, precipita-se para a Fonte do Saber
e três vezes bebe da água miraculosa que abre os olhos e dá
o conhecimento das coisas.

Mas seu desvario é tamanho que nenhum sentimento de


calma vem temperar seu desenfreamento.
O sangue ferve em suas veias e leva-o à ação desesperada,
fosse até para arriscar a sua vida.

Contudo Melusina havia preparado três obstáculos mági­


cos que poderiam dar oportunidade a Remondin de reconsi­
derar seu funesto intento.

Em primeiro lugar, houve por bem se dirigir à torre que


ele procura, volta atrás três vezes, como se estivesse desvai­
rado por ter andado sobre esta erva dos bruxos que, ao que
dizem no Poitou, faz a gente voltar para o lugar de onde veio.

O segundo sinal é ainda mais maravilhoso e capaz de


fazer reencontrar o bom senso.

Quando vai subindo a passos largos a escadaria da torre,


percebe que os degraus da escada aumentam à medida que
avança, até o último que era tão alto que quando estivesse
perto seriam necessários nada menos que seis a sete pés para
alcançá-lo18.

18 — Este relato no Romance de Melusina, de André Lebey, não consta


do manuscrito de Jehan de Arras, mas o referimos porque o
julgamos consentâneo com o caráter fundamental da história.
Ademais, o grande poeta que foi André Lebey tinha percepções
e visões do passado que refletiam a verdade transcendente com
mais segurança do que as transmissões orais do povo.
É assim que por diversas vezes ele frisa o sobrenatural extra­
terrestre da aventura: «as carruagens compridas como naves, de
forma estranha, ignoradas na região», a possibilidade de um ídílio
extraconjugal entre Melusina e um amante «vindo do fundo dos
ares».

345
A serpente alada tinha duas asas de morcego, uma cauda de serpente,
um carbúnculo sobre a fronte e a beleza das filhas de Vênus.

346
Certamente esta não é uma escadaria que leve a um re­
tiro vergonhoso para qualquer adultério ou má intenção, mas
Remondin estava louco de ciúmes.
Conseguiu subir e eis que se acha frente a uma porta
“de madeira formidável, guarnecida de ferros enormes em
toda a sua largura" e sem nenhuma fechadura.
Remondin força este terceiro obstáculo mágico! com sua
faca consegue afastar as largas pranchas e, acionando inadver-
tidamente um misterioso mecanismo, vê-se jogado abrupta­
mente dentro de uma sala ampla.

O SEGREDO DA TORRE

O solo é coberto de areia dourada, os muros atapetados


de madrepérolas, de corais, de mariscos e de milhares de pe­
dras preciosas que irradiam uma doce luz azulada.
Daqui e dacolá por sobre a areia, vêem-se essas pedras
estranhas que caem do céu, pretas e redondas, que o astró­
logo Arbatel chama de aerólitos.
“Um grande ‘abbadir’19, sob os raios diretos da lua, parece
refletir uma vida interior e brilha docemente, polido como
um fruto do outro mundo, misterioso e repentinamente desa­
parece como se não tivesse passado de um sonho20.”

Um murmurejar de água corrente dirige seu olhar em


direção a um pátio com muros de vidros e se aproxima mais
até surpreender o que os seus olhos jamais deviam ter visto.

Ai, ai de mim, que dor é a sua, que remorso lhe rói o


coração e a sua alma de bravo! Agora ela sabe de tudo, e a
verdade é ao mesmo tempo consoladora e terrível...

19 — O abaddir seria aquilo que hoje em dia chamamos de Tectita ou


«pedra lunar». É uma espécie de vidro cu de obsidiana de cor
preta.
20 — André Lebey, ibid.

347
Era nesta torre que, segundo a lenda, estava o antro da fada-serpente
de Lusignan.

348
Numa grande bacia florida de íris negros e violetas21, lá
está Melusina completamente nua, linda e ainda mais linda
do que na primeira vez em que se encontraram; entretém-se
ela numa inocente ocupação: penteia sua longa cabeleira dou­
rada, olhando-se num espelho de cristal, com o busto arquea­
do, estonteante de perfeição e de encanto.
Mas, abaixo do seu busto que ele tanto amou e acariciou,
percebe Remondin a razão secreta da reclusão voluntária da
sua esposa querida: uma cauda comprida de serpente, com
escamas verdes, que dá um prolongamento ao ventre e aos
rins em forma ondulada.

A LICORNE MARAVILHOSA
Espantado, safou-se do perigo, evitando fazer sentir a sua
presença e, voltando ao castelo, por pouco não acaba com a
vida do conde de Forest, cujas calúnias tão pusilanimente
haviam quebrado a sua felicidade.
Remondin lhe vocifera:
— Fora daqui, falso traidor; por tuas falsas palavras
traidoras me fizeste cometer perjúrio contra a melhor e a
mais leal dama que jamais nasceu depois daquela que trouxe
Nosso Criador. Tu me acarretaste toda sorte de dor e me
tiraste toda alegria ...
Ah! minha doce amiga, eu sou a cruel áspide e tu és a
licorne preciosa, pois por meu falso veneno eu te traí...
Em sua dor às vezes amaldiçoa aquela que ao mesmo
tempo lhe proporcionou tanta felicidade, tanto sofrimento e
tanta decepção.
— Pela fé que tenho em Deus, creio que esta mulher
não passa de fantasma, não acredito que o que ela trouxe
venha para o melhor bem; ela não deu à luz nenhum filho
que não tivesse algum estranho sinal.
Não vê aí Onubo que não viveu (7 anos) completos e já

21 — E vê Melusina que estava numa grande cavidade de mármore


com degraus até o fundo. E o grande tamanho da cavidade era
de bem quinze pés. E lá se banhava Melusina que até o umbigo
era de figura de mulher e penteava seus cabelos; e do umbigo
para baixo era de forma da cauda de uma serpente, tão grande
como uma pipa ou um arenque e com sua cauda esbatia de tal
modo a água que fazia pular até a abóbada do quarto. E quando
Remondin a viu ficou muito contristado. Ai, disse ele, meu amor!
Eu te traí pelo falso desnorteamento do meu irmão, e me tomei
perjuro para contigo. (Foi. 128, V”, 1* col.).

349
matou dois dos meus escudeiros e antes que ele tivesse três
anos já tinha morto duas de suas amas de leite de tanto mor-
der-lhes os seios?
E eu não vi a sua mãe, no sábado em que meu irmão de
Forest me contou as más notícias, em forma de serpente do
umbigo para baixo?
Tudo se acabou, meu Deus. Não é nenhum espírito ou
tudo não passa de fantasma ou de ilusão que abusou assim
da minha pessoa; a primeira vez em que a vi, não me livra
ela por assim dizer de toda minha desventura?22.
Ah! falsa serpente, por Deus, teus feitos e tu mesma não
sois senão fantasma e tu jamais deste herdeiro que chegasse
a bom termo.
Em seguida, voltando a sentimentos melhores, o bravo
reconhece que foi ele que faltou com sua honra e então faz
o seu mea-culpa.
"Minha querida amiga, minha licorne maravilhosa, meu
bem, minha esperança, eu te suplico em honra do glorioso
sofrimento de Jesus Cristo e do santo e glorioso perdão que
o verdadeiro Filho de Deus fez a Maria Madalena, que me
queiras perdoar este malefício e que queiras permanecer co­
migo.
E quando a aurora foi surgindo, Melusina voltou e entrou
no quarto onde Remondin havia ido curtir a sua dor.

22 — Eis nos de novo na tese do romance esotérico com ingerência do


mito extraterrestre. Remondin censura sua estranha esposa por
lhe ter dado filhos com taras, anormais (há incerteza quanto aos
dois últimos). Em suma, a hibridação entre a raça dos homens
e aquela a que pertence Melusina não dá resultados satisfatórios,
exatamente como aconteceu com o casamento entre os «anjos»
vindos do céu da Bíblia as belas terrícolas.
No relato de Jehan de Arras, antes de sua partida Melusina ”eco-
menda matar seu filho Orubo; no Gênese, pelo dilúvio Deus mata
todos os homens nascidos da união dos «anjos» com as terrícolas.
Não passa de uma hipótese, mas vemos um número assaz sufi­
ciente de indícios para ligar a aventura da Fada-Serpente à dos
«anjos», à da Orejona do Peru, à de Quetzalcoatl dos maias, à
de Astarté do Oriente Próximo. Neste sentido Melusina seria
uma forasteira, como Mertseger (ou Marit Sakro) da deusa ser­
pente da mitologia egípcia cujo nome, por um curioso paralelo
com Remondin, significa «a Amada daquele que faz o silênçic».
Estas coincidências, acrescentadas ao mito da serpente voadora
que em todas as mitologias representa o engenho voador extra­
terrestre, nos levam a procurar na lenda de Melusina a represen­
tação, deteriorada, deturpada na esteira dos séculos, de uma an-
tiquíssima aventura relativa a Iniciadores vindos de um outro
planeta.

350
Quando a ouviu chegar, fingiu que estava dormindo e'
Melusina tira a roupa e se deita completamente nua ao lado
dele!
Ela retomara seu aspecto habitual, sua grande beleza de
mulher terrestre, mas permanece muda e como transida.
Ela sabe de tudo, pois ela é fada, e talvez lhe tenha per­
cebido a presença em seu espelho de serpente.
O tempo passa, eterniza-se numa pesada manhã dramá­
tica e silenciosa; os dois estão penetrados da gravidade dos
últimos instantes de pobre felicidade que ainda têm pela frente
e contudo gulosos em saborear o fel amargo e derisório.
Pois sabem que seu amor está irrevogavelmente quebrado.
Aqui começa para Melusina a penitência que durará até
o fim do mundo.
Ah, voltar ao curso do tempo ... tomar ao paraíso dos
dias passados!
Às vezes Remondin põe-se a duvidar da realidade dos
acontecimentos.
Não teria ele sido joguete de uma miragem, como sua
querida Serpente gostava de suscitar para seu deslumbra­
mento?
E se sua visão era autêntica, não poderia ela com sua
magia apagar a falta, conjurar a maldição de uma fada mais
poderosa do que ela?
As horas se passam, vai ficando tarde e depois de muito
tempo os sinos da capela da Fonte do Saber soaram para a
missa dominical.
Ela se liberta em primeiro lugar do terrível torpor.
— Meu Senhor, vamos ficar atrasados; está na hora de
vos vestirdes para a missa.
— Melusina, minha doce licorne bem-amada, tu me pro­
metes que nunca me abandonarás nem neste e nem no outro
mundo?
— Para este mundo, não posso prometer, meu querido
amigo, mas para o outro garanto na minha fé que vós perma­
necereis sempre ligado ao meu coração e ao meu amor.
— Ah, estou vendo claramente que o destino está contra
mim e nada devia ter feito eu esquecer meu juramento solene,
mas palavras más frustraram minha segurança e o nascimento
de nossos filhos, todos marcados com um sinal estranho,
fizera-me pensar em algum sortilégio.
Melusina soltou um profundo suspiro e respondeu com voz
doce e dolente:

351
— Ah, meu querido, não é por malefício do Maligno que
nossos filhos sofreram esta prova, mas por natural razão de
sangue, pois eu sou oriunda de um outro mundo onde a vida
é diferente da vida aqui embaixo.
E a Natureza não quer que as proles contradigam a sua
lei primordial.
E ambos mergulharam de novo em abismos de amargos
pensamentos, ela sabendo o que significava falar e ele suspei­
tando uma injusta maldição.
Melusina reiterou seu pedido de nunca faltar com a obri­
gação e por fim se levantaram.
O VÔO DA SERPENTE

Pelos corredores do castelo vão eles agora de mãos dadas,


procurando sintonizar seus pensamentos e seu coração.
— Meu bem-amado, murmura 'ela, eu quisera poder morrer
agora!
Ele segura um pouco mais a pequena mão que treme na
süa e se lamenta em voz insegura:
— Pobre serpente adorada! Doce Sereia infeliz... Tu
jamais me foste tão querida como neste momento. Ó Melu­
sina, eu te suplico, fica! Se não o consentes, jamais terei
alegria em meu coração . . .
Ela se põe a chorar copiosamente e em seguida pronuncia
palavras de desespero que lhe martirizam o coração.
— Meu terno amor, o Destino assim o quer e nada posso
fazer. Linda e doce região, tenho que deixar também a ti e
doravante todos aqueles que me virem terão medo e pavor de
mim como de um animal venenoso!
Neste instante ouvem os sons da campainha que vêm da
capela próxima, indicando a hora da elevação, convidando-os
a receber o Espírito Santo.
■— Meu Senhor, não há mais tempo para tudo. Ajoelhe-
mo-nos onde estamos e peçamos a Deus que nos absolva na
hora do último julgamento.
Ajoelham-se, abaixam a cabeça e a campainha faz soar
suas últimas notas cristalinas.
Quando Remondin levanta a cabeça Melusina se acha em
pé no vão da grande janela do corredor que dá para o vale
lindo e ensolarado e ela lastima sua grande aflição.
----- Adeus! Adeus a todos e a todas!
Adeus, meu marido, meu amor, meu amante, pede devo-
tamente a Nosso Senhor que alivie meus sofrimentos!

352
“Então, como que se arrastando a si mesma, toda desfi­
gurada e causando pavorosa impressão pela hedionda violên­
cia que se impõe, lança-se incontinenti para fora da janela
sob a forma repentina de uma grande serpente alada.
Afora a forma do seu pé, nada dela restou; o pé deixara
sua marca em forma côncava, pequeno, no apoio de pedra de
onde ela tomara o impulso para o vôo, rápido e fugaz.23”
Deus dá aos mortos a sua glória,
E aos vivos força e vitória!
Oxalá a possam conquistar!
Aqui a história quero eu terminar,
Deo gratias.
Muitos séculos se passaram depois disto, mas em Poitou
a crença está sempre viva de que quando um membro da
família de Lusignan está ameaçado de morte, Melusina volta
em forma de fantasma alado para lançar neste mundo seu
grito de alarma.
"Então, dizem, ela voa três vezes em volta do castelo,
lamenta-se e lastima-se e vem bater-se repentina e horrivel­
mente na torre secreta, trazendo tamanha tempestade e tal
pavor que parece que todo o castelo vai cair num abismo e
que todas as pedras se chocam umas contra as outras.”
No século XIV um oficial inglês de nome Sersuelle co­
mandava a guarnição instalada no castelo de Lusignan que
assediava para dele expulsar o duque de Berrv, irmão de
Carlos V.
Uma noite o oficial viu na chaminé a silhueta da serpente
alada que dançava no meio das chamas.
— É o sinal de Melusina, disseram-lhe no dia seguinte ...
podeis preparar-vos para partir!
E foi justamente o que aconteceu!
Melusina continua aparecendo de tempos em tempos aos
habitantes de Lusignan, mas em intervalos cada vez mais
espaçados.
Dizem que ela voltará para apontar o local do seu tesouro
que está escondido num subterrâneo que liga o castelo à
igreja de Santo Hilário de Poitiers.

23 — André Lebey, ibid.

353
Se o descobridor do tesouro fizer dele uma doação a uma
obra de beneficência, então o encantamento se romperá ins­
tantaneamente e Melusina poderá voltar a ser uma verdadeira
mulher.
Caso contrário, um destino se unirá a ela e o fantasma
de Lusignan continuará povoando as noites negras do antigo
povoado do Poitou.

COMENTÁRIOS
Um exemplar do manuscrito em francês antigo se encon­
tra na Biblioteca do Arsenal e outros se acham na Biblioteca
Nacional.
O texto original, embora muito excepcional para a época
em que foi escrito — 1387 — não pode ser nem publicado
nem mesmo condensado, pois contém uma abundância, uma
riqueza exuberante de pormenores que muitas vezes abafam
e perdem o fio da meada.
É por esta razão que às vezes o autor abandona Lusignan
e sua fada para nos transportar ao Oriente Próximo, à Bre­
tanha ou à Inglaterra, para nos fazer assistir a longas aven­
turas que pouca ou nenhuma relação têm com o enredo prin­
cipal.
Este procedimento estava muito em voga na Idade Média
entre os trovadores e os escritores que declamavam suas
obras nos serões da noite, puxando intermináveis desafios.
Efetivamente, para agradar ao senhor do castelo e a algum
nobre convidado, era de bom tom evocar seus altos feitos,
não confundindo-os diretamente com a ação, mas por meio
de uma digressão muitas vezes enfadonha e fastiosa.
Ademais, os narradores de gestas e de lendas, às vezes
instigados pelo público, gostavam de trufar seus próprios dize-
res com epopéias maravilhosas atribuídas a cavaleiros bravos
célebres.
Assim, quando das festas de casamento em Lusignan, o
autor não pode resistir ao prazer de citar uma estrofe de
Pierre de Corbie e versos de Rutebeuf: a grische de Yver, a
fantástica partida de xadrez do dito de Garin de Montglave,
citações de Huon de Bordeaux, de André le Chapelain e um
grande relato do barbo de Penhoêl em que conta aventuras
de Remondin na Bretanha, o que prova claramente que a his­
tória da Melusina é muito anterior a Jehan de Arras.

354
Estas prolixidades, que tomam o original pesado, foram
suprimidas nas adaptações, e a nosso ver o livro assim aliviado
passa a ser, conforme nosso modo de julgar, uma das obras
mestras da literatura francesa e o mais apaixonante romance
de cavalaria.
Alguns autores pensaram que um fundo histórico devia
ter servido de argumento ao romance de Jehan de Arras e
sobre a verdadeira personalidade de Melusina as hipóteses são
numerosas.
Ela teria sido ou Melisende, viúva de um rei de Jesura-
lém, ou a senhora de Mervent, esposa de Godofredo de Lu-
signan, ou ainda a Mater Lucina que as senhoras romanas
invocavam em seus leitos durante o parto.
É bom também que se note que Melusina é (mais ou
menos) o anagrama do antigo nome de Lusignan ou Lusignem.
Segundo André Lebey, a fada, dama da Albânia, seria
uma alegoria da Inglaterra como Remondin seria aquela da
França. Não estávamos nós na época de Jehan de Arras em
plena guerra dos Cem Anos?
Será que o autor só escreveu para ser agradável ao senhor
duque de Berry, do qual ele era secretário? É possível, por­
quanto o duque era um apaixonado de artes e de letras.
Conforme Jehan de Arras, o conde Eimery era o avô do
rei São Guilherme "que foi conde e abandonou todas as pos­
sessões mundanas para servir ao Nosso Criador e entrou para
a ordem e religião dos Mantos Brancos".
São Guilherme dito o Grande, duque da Aqüitânia, viveu
no século VIII e no começo do IX. Morreu em 812. Era filho
do conde de Thierry, a quem a tradição faz parente de Carlos
Magno.
Com a concordância da rainha em 806, Guilherme renun­
ciou ao mundo e se retirou para o vale de Gellene, perto de
Lodève, onde construiu o mosteiro de São Guilherme do De­
serto.
Seus feitos serviram de pretexto para uma cantiga de
gesta intitulada Roman de Guillaume au Court Nez (Romance
de Guilherme de Nariz Curto), escrito no começo do século X,
onde encontramos a lenda de Aimery de Narbona.
Este Guilherme da gesta foi defender Paris sitiada pelos
infiéis e matou o gigante Isoré no lugar que posteriormente
se chamou de Sepultura de Issoire (Tombe Issoire).

355
Diversos outros Guilhermes, condes ou duques de Aqüi-
tânia, são conhecidos na história:
— Guilherme III Cabeça de Estopa, nascido em Poitiers
por volta do ano 900 e morto em 965; foi despojado do seu
imenso ducado pelo rei da França.

— Guilherme o Ferrabrás, filho do anterior, perdeu Loun-


dun contra o conde de Anjou, mas defendeu vitoriosamente
Poitiers contra Hugues Capet em 988. Retirou-se para um
mosteiro.
— Guilherme V o Grande (960-1030) foi um protetor das
artes, fundou diversas abadias e reconstruiu a catedral de
Poitiers. O primeiro dos condes de Lusignan foi Hugues I,
chamado o Monteiro, que viveu sob o reinado de Luís de
Outre-Mer, filho de Carlos o Simples, isto é, entre 921 e 954.
Estas cronologias não oferecem nenhuma certeza histó­
rica.
O que é certo é que a lenda da Fada-Serpente é muito
anterior ao século XIV e estamos convencidos de que todas
as explicações apresentadas não têm nenhum fundamento
válido.
Para aqueles que possuem algumas noções de esoterismo
e de história dos celtas está fora de toda dúvida que Melusina
é a representação, ligeiramente adocicada, de um grande mito
ocidental.
Encontramos nela todos os elementos essenciais do sim­
bolismo de iniciação: Lusignan, lugar elevado outrora consa­
grado ao deus Lug; a Fada detentora do Saber com a gruta
ou refúgio que é seu antro preferido; a serpente, símbolo da
iniciação bem como a fonte (do Saber) constitui aquele do
conhecimento; finalmente, o tesouro, que de maneira esoté­
rica é representado por rubis, diamantes, ouro, mas que é
sempre, esotericamente a própria iniciação em si.
A “Vouivre”, o dragão, a naja dos egípcios, a serpente de
Atena, a "nwywre” ou serpente voadora dos druidas pertencem
ao mesmo fundo mítico.
Estes elementos não parecem apropriados para esclare­
cer cabalmente a psicologia profunda de Melusina e de seu
romance, através das afabulações e do culto do maravilhoso
de Jehan de Arras e dos escritores da Idade Média.

356
TEXTOS PARA CONSULTAS:
Jehan de Arras: Melusina — Biblioteca do Arsenal e Biblioteca
Nacional (Genebra 1387).
André Lebey: O romance de Melusina (ed. Albin Michel 1925).
Louis Naneix: Melusina (ed. Robert Morei 1961 — O cepo do
Revest-Saint-Martin — Alta Provença — 174,
Berthier — Paris 179).
Louis Stouff: Melusina ou a Fada de Lusignan — (Paris 1925).
Du Mesnil du Buisson: As origens da Fada Melusina (Send).
Jean Gourvest: Melusina, lenda do Poitou (La Rochelle 1948).
Germaine Maillet: Diário íntimo de Melusina (Châlons-sur-
Marne 1925).
Auguste Coynault: Melusina (Niort, 1928).
Maurice Magre: Melusina ou o segredo da solidão.
Jean Puissant: Melusina, conto e lenda da Baixa Borgonha.
Charles Brunet: O romance de Melusina (1854).
M. Jannet: Coleção elzeviriana (1854).
Jean Marchand: A lenda de Melusina (Paris, 1927).
P. Martin-Civat: O Simplíssimo Segredo de Melusina (Imp. P.
Oudin — Poitiers — 1969).

Yves Bourdonneau: Se Poitiers vos fosse contada — Presse


Edição P. Begnard, 29, Bd do Grand-Cerf,
Poitiers.

357
A FEITIÇARIA

Capítulo XXII

DEMÔNIOS E PRODÍGIOS

A feitiçaria foi a primeira crença dos homens; civilizada


e despojada de sua selvageria, deu lugar à magia; regulamen­
tada, espiritualizada e habilmente explorada, tomou o nome
de religião; submetida ao controle, à experiência e ao estudo
racionalizado, transformou-se em ciência.
No decurso dessas encarnações ela sempre conservou um
cunho de dependência — talvez aquela do diabo — e dos de­
nominadores comuns: o holocausto, o sacrifício sangrento, a
tortura física e moral e o espírito de dominação.
Do bruxo pré-histórico aos construtores de bombas atô­
micas, intercorreu um estado de espírito fundamentalmente
idêntico, marcado ao mesmo tempo de vontade de poderio e
do desejo de atuar num sentido benéfico.
O grande Mestre dos Rosacruzes, em seu livro Mensagem
do Sanctum Celeste, afirma que a feitiçaria não tem efeito
sobre aquele que não acreditar em seus resultados.
Sem dúvida, isto é exato e o mesmo pode ser dito da
magia, da religião e da ciência.
Mas, se damos crédito a estas crenças vorazes, então
tudo pode mudar e o resultado se torna tangível: feiticeiros
andam sobre o fogo, magos lêem nos pensamentos, santos
realizam milagres e sábios inventam máquinas para voar até
às estrelas.

AS CLAVÍCULAS DE SALOMAO
Existem três livros célebres que fazem escola entre os
empíricos da feitiçaria e da magia: O Grande Alberto, as Cla­
vículas de Salomão e o Enchirídion.

359
O primeiro é uma compilação banal de receitas impossí­
veis de se usar referentes à baixa feitiçaria da Idade Média.
O segundo, mais hermético, destina-se aos mágicos com a
pretensão de fomecer-lhes as chaves (clavículas = pequenas
chaves) de uma ciência que permite dar ordens “aos espí­
ritos”.
Existem 36 chaves maiores ou talismãs que são patoás
ou hieróglifos hebraicos cujas virtudes, podemos certificá-lo,
são absolutamente inexistentes. Mesmo que quiséssemos fazer
força para acreditar! O sábio e simpático Élifas Levi, mestre
em magia, não temeu contudo em garantir-se quanto à sua
eficácia.

O ENCHIRÍDION

O Enchirídion é o livro mágico por excelência do qual


muito se fala nos círculos de ocultismo, sem jamais ter sido
visto, pois é muito raro1.
É uma coleção de orações e de preces místicas atribuída
sem prova ao papa Leão III e publicada no século XVII com
o título de Papae Leonis Enchyridion, sereníssimo imperatori
Carolo Magno in manus pretiosum datum.
O sereníssimo Carlos Magno ao qual o papa se dirige é
aquele Carlos Magno que devia toda a prosperidade do seu
reino aos segredos todo-poderosos que lhe foram revelados
no livro!
Com efeito, na página 2 da obra se lê:
“0 imperador Carlos Magno, a quem esta obra é dedicada
como um penhor e um tesouro precioso, foi o primeiro que
lhe conheceu por experiência os efeitos surpreendentes e ma­
ravilhosos; ele costumava recitar as orações dele com a maior
veneração, de rosto voltado para o lado do sol nascente e
fizera votos de trazê-las consigo escritas em caracteres de
ouro.
Todas as figuras que ornam este Livro preciso foram tira­
das dos mais raros manuscritos que a Antiguidade nos trans­
mitiu e estão sempre relacionadas com as Orações onde elas
se acham; elas têm influência, carregando-as sempre consigo.
A respeito delas se pode consultar o calendário mágico e a
filosofia oculta do célebre e sábio Agripa”.

1 — Só sabemos da existência de um exemplar (edição 1633) que é


propriedade do Sr. Jacques Tacher, 17, Avenue Julien, 63000
Clermont-Ferrand.

360
' Segundo o editor, Carlos Magno teria enviado ao papa
uma carta de agradecimento que estaria conservada no Vati­
cano!
Aliás, o teor dessa carta figura na edição de 1633.
Os empíricos falam com imenso respeito do Enchirídion
e atribuem-lhe propriedades maravilhosas com uma ingenui­
dade (e uma má-fé) desconcertante.
Vamos fazer uma breve análise deste livro "mágico e to-
do-poderoso”, a qual permitirá ao leitor formar um justo
juízo.

PARA SER INVENCÍVEL ...


E A JARRETEIRA DE ANDAMENTO!
Página 19: "Oração contra toda espécie de feitiços, encan­
tamentos, sortilégios, caracteres, visões, ilusões, possessões,
obsessões, impedimentos, malefícios de casamento e tudo o
que pode nos acontecer por malefícios dos feiticeiros, ou pela
incursão dos demônios; e também muito útil contra toda
sorte de doenças que podem afetar os cavalos, jumentos, bois,
ovelhas e outras semelhantes espécies de animais ...”
Depois das invocações à cruz, ao Senhor, ao Pai, ao santo
Nome, a todos os santos e outras afetações deste amieiro, a
conjuração prossegue da mesma maneira enganosa: pelo gran­
de Deus vivo, f pelo verdadeiro Deus, f pelo Deus Santo, f pelo
Deus Pai, f pelo Deus Filho f e pelo Santo Espírito também
Deus t, mas principalmente por Aquele f que foi imolado em
Isaac f etc.
Ficamos estupefatos diante de tantas sensaborias e
inépcias.
Mesmo no século IX era preciso uma fé muito forte e
uma ingenuidade a toda prova para levar a sério o Enchi­
rídion!
Página 83: “Carlos Magno se valeu delena guerra e com
isto foi invencível; a partir dessa época se teve tanta fé nas
Orações da santa Igreja, que se evitavam as balas de canhão,
recitando-se a oração seguinte . . . etc.”
Nos receituários dos assuntos encontramos ainda: "para
o amor; para curar da cólica; jarreteira para andar (oração
escrita num papel dobrado para formar jarreteira ... e o re­
corde mundial de maratona será vencido!); para tirar todo
tipo de encantamentos; contra os lebos etc.”.
Uma oração reproduz as palavras que Adão pronunciou
quando entrou no inferno e sua súplica para tornar sua mu­
lher fiel!

361
QUANDO O FOGO QUEIMA A SUA CASA

"Um segredo místico”, que é bom e até necessário conhe­


cer, consta da página 146:
Para evitar a propagação do fogo que queima uma casa.
"Dizei: que pare, que pare. Eu esperei diante de vós, Se­
nhor, que confundiz vossa glória na eternidade.”
Eis o que, sem dúvida, mais eficaz do que um extintor
ou que uma mangueira de bombeiros!
Se assim não for, a magia do Enchirídion não passa ’e
uma trampolinagem!
O fim de tudo, o remate de tudo, parece figurar con­
tudo à página 71, com respeito a um desenho esquisito:

"A presente figura, tomada quarenta vezes em seu com­


primento, dá a altura de Jesus Cristo (é o livro quem diz).
Ela foi encontrada em Constantinopla numa cruz de ouro;
todo aquele que a trouxer consigo não poderá ter proteção
melhor; não morrerá de morte súbita, nem pelo fogo, nem
pela água, nem pela flecha, nem pela tempestade, nem pelo
trovão, nem pelo veneno, nem pelos maus espíritos, nem por
falso julgamento, nem falsas testemunhas. . .”
E como por acaso, esta oração mágica vem precedida
" de um exemplar da carta de Abagare, escrita e enviada a
Jesus Cristo em Jerusalém pelo mensageiro Ananias"!
DENISE DE LA CAILLE, A POSSESSA

Em 1972 (depois de Cristo) o seriíssimo bispo Robert


Mortimer, do episcopado de Exeter, encabeçando uma comis­

362
são de eclesiásticos ingleses, pediu à Igreja que se intensifique
a luta contra a magia negra.
“Visto que a presença e o poder dos espíritos malignos
aumentou, disse Robert Mortimer, é preciso criar escolas es­
peciais encarregadas de formar sacerdotes capazes de exorci­
zar os possessos do demônio.”
Em suma, depois do tempo das armaduras, dos palafréns,
dos atanores e dos encantadores, a superstição permaneceu
muito latente no Ocidente cristão. Quase tanto quanto em
1612, quando os demônios habitavam o corpo de Denise da la
Caille, a possessa de Beauvais!
A história vem narrada num livro da época sob o título
de “História verdadeira acontecida em nossos dias na cidade
de Beauvais com referência às esccnjurações e exorcismos
feitos em Denise de la Caille, possessa do demônio, com os
atos e processos verbais feitos nos lugares por ordem do Sr.
Bispo, história não menos proveitosa do que religiosa, repleta
de admiráveis e estranhos efeitos de demônios”.
Com alguma particularidade feliz, a possessão de Denise
de la Caille é o tipo evidente do caso da pobre mulher que
não foi queimada como bruxa, mas cuidada, certamente com
meios empíricos, porém marcados de caridade ingênua e be­
nevolente.
Segundo o processo verbal, a possessa era agitada por tor­
mentos espantosos “principalmente quando ia à Igreja rezar”.
Ela ficava então sem poder andar, cega, "às vezes gri­
tando e mugindo”.
O vigário da paróquia a levou ac seu bispo, Réné Potier,
que aconselhou uma consulta de “médicos e de gente da
ciência”.
Jean Cheron, teólogo, reconhece então que o mal não é
somente corporal, o que tem a opinião favorável do médico
consultado: “agitações exorbitantes, mais do que naturalmen­
te; reconhecendo também que tais esforços não podem ser
feitos por criatura humana e por assim ter julgado, com o
parecer de várias outras pessoas, que havia algumas agitações
de espíritos malignos ..."
Eis, pois, médicos e padres de comum acordo para julgar
Denise de la Caille possuída de um demônio, quando não por
diversos; e então decidem confiá-la a um exorcista da ordem
de São Domingos, chamado Laurent le Pot2.

2 — Relatado pelo Dr. V. Leblond em Denise de la Caille, la possédée


de Beauvais, Paris 1908, in-8.°.

363
ELA MUGE E VOA

No dia l.° de agosto, na pequena igreja de São Gil, o


padre começa a série de exorcismos em público: intima o
espírito maligno, causa das agitações e das convulsões, a com­
parecer diante dele.
Interpela-o em latim, pergunta pelo seu nome e se age
sozinho ou com outros demônios.
Em compensação o padre Le Pot recebe caretas e depois
o nome de "Belzebu”.
Durante a missa do Santíssimo Sacramento do dia 9 de
agosto “perguntou se havia algum bruxo ou sortilégio que o
impedia de sair e outra resposta não dava senão mugir, le­
vando-se com uma força incrível para o ar, sem que aqueles
que o seguravam pudessem impedi-lo”3.
No terceiro dia seguinte o padre exorcista: "tomou do
fogo e do incenso bento e logo fez queimar o nome deste de­
mônio; perguntado em seguida sobre a razão de sua entrada,
urrando e mugindo disse nove vezes: "Nolo”.
Em cada sessão o demônio é interrogado; perguntam-lhe
o nome que é Lísis, mas querem conhecer o nome dos outros
demônios que se apoderaram do corpo da infeliz. As respostas
são completamente sem sentido:
"Brissilolo, Brissilula, Brulu, Campala. Bem que esta
pedra atormentará Denise; farei com que ela enfie os dentes
na terra; atormentá-la-ei pela frente, pelas costas, por dentro,
por fora.”
Depois, olhando para os dois padres, diz: "Barbas sujas,
vocês estão unidos e eu não tenho ninguém comigo. Sim, já
mexi com muita gente, pois eu obriguei a quebrar as tábuas
de Moisés, fazendo o povo dançar em volta da estátua. Eú
mandei lançar também Daniel na cova dos leões ...”
Quando está em transe, consciente ou inconscientemente,
Denise se aproveita da oportunidade para se vingar da religião
cristã que a oprime como dos vizinhos a quem deseja algum
mal: ela muge dentro da igreja, joga fora sua vela, insulta os
padres, recusa água benta, diz que seu vizinho Grifão "era
um safado e um ribaldo maroto e que não é digno sequer de
lhe beijar a bunda”.

3 — Deve-se ler tendo em vista que o autor identifica agora a doença


com o demônio. Num certo modo, é o demônio que muge e não
Denise.

364
Ela tenta comprometer a reputação de várias outras filhas
<de Beauvais, dizendo que elas têm comércio com Belzebu, mas
o Pe. Le Pot é um sacerdote inteligente e não se deixa embair!

SATANÁS AMEAÇADO DE EXCOMUNHÃO

Sentença proferida contra os demônios pelo padre exor­


cista:
"No dia 12 de dezembro apareceu o demônio a mando da
exconjuração, o qual foi visto pelo padre que lhe ordenou que
ouvisse a sentença de sua prisão:
Nós, grandes vigários do Sr. Bispo e conde de Beauvais,
ordenamos, queremos, mandamos que o demônio Lísis desça
aos Infernos, que saia para fora do corpo da dita Denise de
la Caille sem nunca mais a ela voltar.
Nós mandamos, queremos e ordenamos que Belzebu, Sa­
tanás, Matelu e Brifalto, os quatro chefes, e também todas
as quatro Legiões que estão sob suas ordens e poderes e tam­
bém todos os outros, os que estão no ar, na água, no ferro,

Três assinaturas do diabo.


na terra e em outros lugares, que ainda tenham algum poder
sobre o corpo e no corpo da dita Denise de la Caille, que com­
pareçam agora e sem demora, sob pena de excomunhão, e
penas infernais, e na falta de comparecimento agora neste cor­
po, coloco-os e lanço-os ao poder do Inferno, para que sejam
crucificados e atormentados mais do que de costume e no caso
de não me obedecer presentemente depois de ter chamado

365
três vezes. Ordenamos, queremos, mandamos e comandamos
que cada um deles receba a seu respeito as mesmas penas im­
postas acima três mil anos depois do julgamento. Proibimos
ao mesmo Lísis e a todos aqueles que tiverem possuído o cor­
po da referida Denise de la Caille de jamais entrar em corpo
algum, tanto de criaturas racionais como outras, sob pena de
serem crucificados, por ocasião de sua possessão, por uma pe­
na acidental”.
Compreende-se que, ameaçados de ser excomungados ou
lançados ao inferno, Belzebu e Satanás, apavorados, tenham
preferido declarar-se vencidos!

BELZEBU, SATANÁS, LÍSIS, MATELU E BRIFALTO


ASSINAM Q TERMO DE CAPITULAÇÃO!

Seguimento do processo verbal: "Em seguida a isto o


dito Lísis, espírito maligno prestes a sair, assinou estas pre­
sentes; aparecendo Belzebu, Lísis se retirou e Belzebu assinou
de igual modo; retirando-se Belzebu, apareceu Satanás e assi­
nou em nome de toda a sua legião e se retirou; depois apa­
receu Matelu que assinou por toda a sua e se retirou, quan­
do então incontinenti compareceu Brifalto que assinou as
mesmas presentes sentenças em nome da sua Legião; assim
todos os cinco saíram, deixando a criatura como morta du­
rante seis horas e mais4.
Ademais, o documento vem autenticado por uma plêiade
sinado Matelu; assinado, Brifalto”.
Como todos sabem, os demônios gostam de honrar as
suas assinaturas e o processo verbal atesta que a partir da
data desta capitulação Denise de la Caille não foi mais agita­
da por eles!
Ademais, o documento vem autenticado por uma pléiade
de prelados e de testemunhas que assinaram "as presentes no
vigésimo sétimo dia do mês de abril de mil seiscentos e treze”.
Saibamos que foi graças ao bispo de Beauvais e ao bravo
padre Le Pot que se agiu com humanidade com a senhora
Denise de la Caille; mas já no século XIV e muito antes, de
vez que se pode regredir até à antiguidade grega, espíritos es­
clarecidos não ignoravam que o demônio era tão inexistente
como a sua coorte de demônios!

4 — É bem evidente que também aqui se identifica a doente com os


demônios, mas nos perguntamos até que ponto os inquisidores
acreditavam em sua comédia!

366
Hoje em dia sabemos que a possessão, a maioria dos tran­
ses, os arrebatamentos e as convulsões não passam de histe­
rias, o que antigamente chamavam de "furores uterinos”.

A MALDIÇÃO QUE MATOU PAPUS

Numa obra notável sobre as lendas e as anedotas relacio­


nadas com os cemitérios de Paris5, Pierre Mariel se vale de um
relato do doutor Filipe Encausse, filho do escritor ocultista
Gerard Papus.
"Quinze dias antes de seu fim, escreve Filipe Encausse,
meu pai foi vítima de um enfeitiçamento do qual ele próprio
disse que foi um despacho bem feito.
Durante uma noite fincaram alfinetes na porta de entra­
da de nosso apartamento. Habilmente dispostos, formavam
uma cruz e um caixão de defunto... ”
Eles devem voltar ainda duas vezes, teria dito Papus, mas
sem dúvida eu terei partido antes. Não me é permitido de­
fender-me. Não obstante, traçou um triângulo de proteção.
Na semana seguinte foi traçado o mesmo desenho sobre
a porta. Alguns dias mais tarde, quando ia subindo a sua es­
cadaria, Papus vascilou, vomitou sangue e caiu, derrubado pela
maldição. .. que sem dúvida não passava de uma tuberculose
pulmonar.

A MORTE DE FABRO DE OLIVET

Fabro de Olivet, autor apreciado do livro Os Grandes Ini­


ciados, era um escritor de talento, um pouco mágico, cujo
espiritualismo extremado lhe tinha perturbado o espírito.
Em 1800, escreve Pierre Mariel, casou-se em primeiras núp­
cias com uma mulher que permaneceu em comunicação es­
pírita com ele depois de sua morte, até fazer-lhe crer que ele
era um hierofante missionado para "revelar os mistérios mais
profundos do homem, do universo e de Deus”.
Em 1805 se casou pela segunda vez com uma senhora de
bom senso que se divorciou porque não queria engajar-se mais
no caminho diabólico para onde a arrastava o hierofante do
seu marido.

5 — Guide pittoresque et occulte des cimetières parisiens, de Pierre


Mariel, ed. La Table Ronde, 40, rue du Bac, Paris-7.°.

367
Contudo Fabro de Olivet encontrou uma outra esposa-
médium que lhe permitiu que se entregasse a especulações
metapsíquicas tão doidas quanto estrambóticas.
Ele morreu “como mágico fulminado aos pés do altar se­
creto que havia consagrado em sua residência de Paris, no
número 35 da Rua Vieillcs-Tuileries (atualmente Rue du Cher-
che-Midi) ”.
Segundo alguns cronistas, ficou apoplético no momento
em que celebrava seu culto; Saint-Yves de Alveydre é de opi­
nião que ele se suicidou.
Efetivamente, encontraram o mágico revestido de um
grande paramento de linho, com um punhal enterrado no
peito, vítima de seu auto-enfeitiçamento ou de forças desco­
nhecidas que ele havia imprudentemente invocado.
SACRILÉGIO EM RAIVAVAÉ
No começo do século XIX os missionários cristãos da
Polinésia conseguiram converter para a sua religião Variatoa
ou Pomaré II, rei do Taiti.
Isto representou o início de uma campanha de vandalis­
mo e de destruição de ídolos de pedra que os indígenas vene­
ravam desde séculos.
Em 1820, das centenas de estátuas que povoavam a ilha
de Raivavaé não restavam mais do que três; duas delas fo­
ram transportadas mais tarde para Papecte e a terceira per­
maneceu na ilha.
Este ídolo ou tiki representa o deus Tetuaranui e mede
somente 80 centímetros de altura, o que é incompreensível,
quando sabemos que os antigos polinésios garantiam que eram
descendentes de uma raça de gigantes.
O chefe de Raivavaé era escolhido entre os maiores indí­
genas e devia submeter-se à prova da Toesa, no marae6 de
Rangiúra.
No centro do marae se ergue um menir de dois metros
de altura: é a pedra que serve para medir a altura dos chefes.
"O candidato à prova para ser aprovado devia ter uma es­
tatura tal que a pedra lhe chegasse debaixo, das axilas. O tú­
mulo do rei Maaotoa, de três metros de comprimento, dá uma
idéia da impressionante estatura daquele que aí repousa!7

6 — Um marae é uma espécie de altar ou estrado construído em pe­


dra. É o ahu da ilha de Páscoa.
7 — Esta documentação, da mesma forma que a foto, nos foram for­
necidas por nossos amiges correspondentes de Papecte: Sra.
Janise Bose e S. M. Graindorge.

368
Na tradição popular, os tikis são habitados durante um
certo tempo pelo espírito de um morto. Somente os membros
da família podem tocá-los, mas ai dos estranhos e dos mal-
intencionados que ousarem desafiar a proibição: a morte é o
castigo que os aguarda dentro de breve prazo.
Em compensação, alguns tikis sabem apegar-se ao seu
proprietário se o julgam de boa fé, honesto e digno de con­
fiança; então sua influência é benéfica.

MOANA, A ESTATUA MALÉFICA

No dia 12 de novembro de 1933, o capitão de um palha-


bote, o Sr. Stevens Higgins e o seu segundo, Tetua Mervin,
levaram a Papecte os dois grandes tikis de Raivavaé, os quais
foram inicialmente colocados num local do palácio da justiça
e mais tarde diante do museu de Mamao.
Pouco tempo depois o palhabote de Higgins naufragou; o
capitão se salvou, mas alguns dias mais tarde faleceu de uma
doença desconhecida.
Quanto aos operários que instalaram os tikis, morreram
quase todos de maneira acidental ou imprevisível.
Cada uma das estátuas tem um nome: O homem se cha­
ma Heiata e a sua companheira, Moanaheiata, a qual abrevia­
damente chamamos de Moana.
Heiata está “morto”; mede 2,17 m, pesa 900 kg e está
emasculado8.
Moana está "viva”, mede 2,02 m e pesa 2.110 kg. Ela é
que está carregada e que lança as maldições.
Particularidades: primitivamente tinha ela seis dedos em
cada mão e inscrições indecifráveis gravadas nas costas.
Estas estátuas foram talhadas de uma rocha bastante
mole, uma espécie de basalto vermelho, como para os gigan­
tes da ilha de Páscoa.
Na época em que estavam em Raivavaé eram colocadas
com a face virada para o norte e consideravam-nas como gê­
nios da areia e da margem, que elas protegiam contra a usur-
pação do mar.

8 — Heiata estava «morto», isto é, não era habitado por espírito, e


por isso não precisa dos seus atributos sexuais. Foi por esta
razão que foi emasculado.

369
Quando projetaram a construção do hospital em Mama’o,
o tabu que envolvia as estátuas começou a causar preocupa­
ção: nenhuma empresa particular aceitou desenterrar as es­
tátuas para transportá-las para outro lugar.
Apelaram então para a Marinha que estava para executar
o trabalho, quando um comandante que se encontrava em
Taiti, onde os militares dificilmente são admitidos, dissuadiu
a autoridade naval de desafiam as crenças dos indígenas.
Finalmente o setor de obras públicas ficou incumbido da
operação, que se concretizou em junho de 1965. Os tikis foram
definitivamente erigidos diante do museu Paul-Gauguin, em
Papeari, a 55 quilômetros de Papecte.
Novamente, a maldição parece ter entrado em ação. O
contra-mestre dos trabalhadores públicos morreu de tuna cri­
se cardíaca; um dos seus empregados desapareceu na lagoa
quando de uma pesca com piroga; um jovem senhor que es­
carnecera dos tikis por ocasião da sua remoção (teria chega­
do a dar um pontapé em Moana) morreu com velomotor.
Depois disto os tikis não dão mais motivos a falar, mas
nenhum velho taitiano ousaria tocá-los ou deles se aproximar
menos de seis passos.
Se na Polinésia você encontrar uma pedra trabalhada de
forma antropomórfica, não a toque — dizem os indígenas.
Se você deseja comprá-la, é preciso que você antes se
informe sobre a sua família de origem e depois entregá-la a
um feiticeiro para saber se o tiki está ainda vivo.
Se assim for, o feiticeiro guardará a estátua consigo o
tempo necessário para expulsar o espírito que a habita. Em
seguida você poderá sem susto efetuar a compra.

BOSSUET, O BRUXO NEGRO

Há muito mais feiticeiras do que feiticeiros, e talvez seja


porque as mulheres carregam consigo o pecado original le­
gado por Eva ou por Lilith.
No século XVII, o terrível e maquiavélico Bossuet, “a
águia de Meaux”, era muito mais diabólico do que as infe­
lizes que mandava à fogueira.
Não só foi ele um dos principais responsáveis pela revo­
gação do Edito de Nantes, tão funesto para a França, mas na
mesma semana em que os protestantes foram expulsos ele se
apropriava dos seus espólios.

370
Moana, o tiki azarento do Taiti.

371
"Este fato odioso, diz a Enciclopédia, é atestado pelo des­
pacho oficial datado de Fontainebleau, aos 29 de outubro de
1685."
Mais repugnante ainda: mandou internar as infelizes cujo
único crime era opor-se às suas ambições.
Um despacho datado de 28 de outubro de 1699, dirigido
por Pontchartrain ao Sr. Phelypeaux, vigário de Meaux, con­
tém esta frase significativa: “Há também na rnesma paróquia
de Ussy duas jovens senhoritas de nome de Molliers, que o
Sr. de Meaux (Bossuet) julga necessário encerrar... ”
Numa de suas delirantes perorações, o odioso personagem
cria que uma conspiração de 180.000 bruxas ameaçava o fu­
turo da Europa e como bom cristão que era propôs que fossem
assadas todas juntas numa única e imensa fogueira!
Bossuet lançava mão da terrível magia do seu verbo para
adular os poderosos, mas também para acarretar a miséria,
praticar a injustiça e trazer a morte para os infelizes e de­
serdados.
Sua magia negra acabou voltando-se contra ele e morreu
de cirrose, depois de dois anos de justos e cruéis sofrimentos.
Sua alma se foi para os diabos!

UMA FOGUEIRA PARA O ANO 2000

Em nossos dias a feitiçaria está ainda atuante, mesmo que


tenha mudado de feições e de táticas.
No dia 25 de novembro de 1970 o escritor japonês Yukio
Mishima praticou o haraquiri em Tóquio e em seguida foi
decapitado com um golpe de sabre por seu adjunto Morita, o
qual se abriu o ventre e por sua vez foi decapitado por Ma-
sayoshi Koga.
Tratava-se de realizar um rito segundo o espírito dos sa-
murais, aristocracia militar do Japão, sempre fiel a um ceri­
monial que data de vários séculos, o qual é, efetivamente, da
magia negra.
Existiríam ainda 10.000 bruxos em Paris, dizem as esta­
tísticas, mas nisto está incluída a maioria dos empíricos: vi­
dentes, homens e mulheres, cartomantes, astrólogos, radioes-
tesistas, que nada têm a ver com a bruxaria.
Em 1971, em Saigon, bruxos ou crentes da feitiçaria joga­
ram crianças num rio afluente do Mekong para conjurar os

372
malefícios de um monstro aquático que praticaria suas devas­
tações na época das monções.
O cotidiano cambojano, impresso em língua francesa Le
Courrier phnompenhois em setembro de 1970, anunciou que o
Vietcong havia utilizado para a guerra, e principalmente por
ocasião dos combates de Prek Tamaeak, guerreiras escolhidas
pela beleza e perfeição de sua anatomia.
Nuazinhas da cabeça aos pés, essas combatentes charmo­
sas levavam um fuzil, mas a missão principal delas consistia
em "distrair” o inimigo.
Os cambojanos estão convencidos de que a presença des­
sas mulheres neutraliza o talismã que os torna invulneráveis
quando o trazem em seu peito.
0 jornal France-Soir de 23 de setembro de 1971 relatou
amplamente a crise de loucura histérico-mística de que foi
vítima uma jovem suíça da Fraternidade Branca Universal do
“mestre” Ouraam Mikhaél Aívanhov.
"Eu me mutilei para me punir e aproximar-me de Deus,
disse a jovem discípula dos Adoradores do Sol, que se desfi­
gurou terrivelmente, perto de Frejus. . . No decurso das in­
vestigações de terça-feira, continuou o France-Soir, o comis­
sário Gonzales ficou sabendo que no último mês de agosto um
jovem senhor se havia suicidado por enforcamento nos pró­
prios locais da propriedade. O inquérito que foi instaurado
nessa ocasião concluiu pelo suicídio de um desesperado. . .”.
A jovem, Diana Bontay, feriu-se cruelmente as vistas, os
pés e o peito.
A polícia a descobriu completamente nua, no dia 15 de
setembro, não distante de Bagnols-du-Var, na floresta.
Feitiçaria? Histeria? Nossos tempos turbulentos, condi­
cionados por governos e por pensadores sem consciência, sem
dúvida mais do que na idade Média, são propícios para todos
os desregramentos do intelecto e dos sentidos9.
Satanás toca a orquestra com seus "hippies”, seus vi­
ciados, seus magos e seus mercenários entregues ao ouro e
ao poder. Os pobres bruxos de outrora não passavam de apren­
dizes, enquanto que os Mestres pontificam em nossos dias e
são eles que prometem a Moloch o grande genocínio universal
do ano 2000.

9 — A medicina não escapa a estas desordens que o Dr. Gregório


Jauvais denunciou em seu livro: Erreurs scandaleuses des théo.
ries officielles en matière de santé. Ed. «Série Radieuse», 34,
Rue Porte Dijeaux, Bordéus.

373
OS MISTÉRIOS DO CEU

Capítulo XXIII

AVENTURAS NO CÉU

Se a origem do homem é extraterrestre ou se a terra foi


povoada por seres vindos de outro planeta, então é lógico
pensar que a primeira terrícola, mãe de nossa humanidade
evoluída, foi uma criatura selecionada, escolhida, ou por sua
aptidão a sobreviver ou por sua excepcional beleza.
Já estudamos como1 devia ser colocado o problema da
nossa gênese: ou a teoria de Darwin é exata no que concer­
ne a nossa espécie, e então há pluralidade de mundos habi­
tados, ou então — e é nossa tese — o homem é um ser ex­
cepcional, gerado por um feliz acaso ou por uma Inteligência
superior; e então deve existir em alguma parte no cosmo
uma Central de Iniciação.
É neste sentido que escritores de vanguarda, como Gil-
bert A. Bourquin e Jimmy Guieu12 acreditam em Ancestrais
Superiores vindos outrora para favorecer nossa evolução e que
em nossos dias estão voltando — ou voltarão — porque nos­
sa aventura é fundamentalmente cósmica e conforme com o
destino privilegiado que é o nosso.

1 — Rever capítulo II — Os Ancentrais Superiores: do homem uni­


camente na terra; Ensaio de Aclimatação; Uma central de inicia­
ção atômica.
2 — Ler de Gibert A. Bourquin: Llnvisible nous fait signe, ed. Ro-
bert S. A., 2740-Moutier (Suíça) e de Jimmy Guieu: Le Retour des
dieux, Les Sept Sceaux du Cosmos, La Voix qui vcnait d’aille;urs
etc. romances de antecipação, ed. Fleuve Noir, 69, bd Saint-Mar-
cel, Paris-13..v

375
Sob este prima, mais racional do que aquele dos pré-his­
tóricos, o macaco é um ser natural e o homem uma criatura
sobrenatural.
Para valorizar suas teorias, os pré-históricos deviam des­
cobrir crânios humanos que nos ligassem a ancestrais simies-
cos. Eles não os encontram, o que é bem esquisito, seja por­
que estes vestígios desapareceram ou porque não existiram
ou seja porque eles se acham em outro planeta.
Estas constatações explicam a lógica das teses dos que
pensam — e os há milhões — que a conquista espacial em nos­
sos dias constitui a reminiscência de uma emigração longín­
qua de nossos ancestrais, Extraterrestres.

O professor Huerzeler, da Universidade de Wien desfral­


da a bandeira dos "racionalistas” e dá um primeiro passo
neste sentido quando declara: Não há uma probabilidade so­
bre mil que o homem descenda do macaco.

O VALE DAS MARAVILHAS DO MÉXICO


0 escritor arqueólogo Carlos Villanueva, do México, pen­
sa ter feito a maior descoberta de sua vida, com um verdadei­
ro "Vale das Maravilhas” mais interessante ainda do que aque­
le da região de Tende, da França.
"Ê uma zona de desenhos gravados na rocha, disse ele,
que se estende por mais de três quilômetros entre San Pedro
de las Colonias e a pequena cidade de Saltillo (Departamento
de Coahuila).

Em frente à aldeia de San Rafael de los Milagros e em


direção sudoeste se acha uma multidão de rochedos recober­
tos de traçados, de figuras e de formas geométricas. Detalhe
extraordinário: o corpo dos seres humanos está gravado na
pedra, mas todas as cabeças pintadas; não têm nem nariz, nem
olhos, nem boca e são ovais ou esféricas com uma espécie de
postigo na parte central. Só vejo uma razão para este fenô­
meno: trata-se de escafandristas ou de cosmonautas o que,
ademais, explicaria, porque diversos desses personagens pa­
recem flutuar ou estar em estado de ausência de gravidade,
com as mãos e os pés voltados para cima.
No mesmo local descobri também espirais, quadrados,
círculos e triângulos...”

376
Uma vez acuado, Carlos Villanueva acabou por externar
todo o seu pensamento:
“Diversos destes desenhos têm uma extraordinária seme­
lhança com os navios espaciais ou cem isso que chamam de
OVNI, mas em certos meios não c bom aventurar tais idéias!

377
Contudo, distinguem-se nitidamente zimbórios, objetos
circulares de onde descem pequenas escadas, formas triangu­
lares providas daquilo que se poderia chamar de trem de
aterrissagem.
Vêem-se também círculos pousados no solo e marcas de
pés que se dirigem para esboços de montanhas.
Estes desenhos talvez constituam a prova mais tangível
da vinda dos cosmonautas extraplanetários ao nosso globo.
A gravura mais sugestiva é aquela que representa um ho­
mem vestido com uma verdadeira combinação espacial. No
centro do casco do seu escafrandro sai uma antena e nos la­
dos se vêem tubos que parecem estabelecer a conexão do ho­
mem com o navio...
Este cosmonauta emerge de alguma coisa que se parece
com uma escotilha e seu braço direito toca o lado do engenho
como faz habitualmente o condutor de um tanque em pé na
torrezinha. À altura da cabeça, à esquerda, se vê um objeto
ovóide de onde partem quatro clarões. É possível que se trate
de um OVNI”.
Este o relato da nossa correspondente amiga do México,
Sra. M. Gaston, conforme palavras textuais de Carlos Villa-
nueva.

GIGANTES E COSMONAUTAS
O "Vale das Maravilhas” do México ainda não patenteou
todos os seus segredos que outro pesquisador se esforça por
arrancar-lhos, o engenheiro Mário J Dondé, de Merida, no
lucatã.
Mário Dondé descobriu na região de Parras, a apenas
alguns quilômetros do “Cosmonauta”, os corpos de cinco ho­
mens em pé e uma ampla sepultura circular.
Os cadáveres, meio mumificados, estavam envoltos num
tecido que parecia ser feito de matéria sintética; tinham uma
estatura gigantesca — pelo menos 2,50 m — e pelo que se
podia julgar, tinham cabelos louros3.
Os caracteres humanos, muito diferentes dos nossos, fa­
zem pensar que esses homens não pertenciam à nossa raça e
que talvez fossem Extraterrestres.

3 — Para aproximar do iniciador divino Quetzalcoatl, que era um


deus vindo do planeta Vênus. Os antigos maias o descrevem
como grande, barbudo, louro e com olhos azuis. Uma guedelha
dos seus cabelos, muito louros, é conservada numa igreja do
México. Quetzalcoatl, a «serpente voadora», era um viajante
do espaço.

378
Ademais, outras descobertas e tradições locais apoiam esta
hipótese.
Um camponês da região, que fazia investigações na mon­
tanha em companhia de alguns amigos, conta que na Sierra de
Delicias, no caminho que vai de San Pedro a Cuatro Cienagas,
havia encontrado, numa gruta, o esqueleto de um homem que
media entre três a quatro metros de comprimento.
Os exploradores, que deviam passar a noite na gruta, des­
pedaçaram o esqueleto e o jogaram para fora do refúgio.
Uma família de camponeses guarda consigo grandes den­
tes que diz ter tirado da queixada de um homem gigantesco.
Em Santa Eulália, aldeia situada no caminho de San Lo-
renzo, conta-se que em tempos muito remotos a região era
ocupada por uma tribo de gênios-bruxos que faziam milagres
"maiores que os realizados hoje em dia”.
Por exemplo: pegavam dos ossos de um touro, punham-nos
no chão, realizavam um certo rito e o animal ressuscitava.
Mário J. Dondé vê nisto a transmissão truncada e detur­
pada de um antigo conhecimento científico.
A tribo dos gênios-bruxos desapareceu um dia na monta­
nha de Santa Eulália que se tornou encantada e onde se pode
ver, depois disto, uma multidão de pequenos homens dese­
nhados sobre os rochedos.
Mário Dondé descobriu outros desenhos gravados, muito
maiores, mas que só podem ser observados em certas horas
e de acordo com uma determinada claridade.
Em Saltillo (a 12 kms) podem ser vistos de 7 às 8 horas;
na região de Parras, mais a oeste, os momentos favoráveis são
entre 9 e 11 horas; distingue-se então nitidamente um homem
em pé vestido com um escafandro com um postigo.
A opinião da Sra. M. Gaston é a de que estas inscrições,
visíveis somente em determinadas horas, poderiam ser mensa­
gens ou sinais destinados a viajantes do espaço.
OS DEUSES VOADORES DA AUSTRÁLIA
A noroeste da Austrália, entre os Ungarinyin, o arqueólogo
Elkin descobriu Wondjinas (galerias de gênios) onde havia,
pintados na rocha, rostos sem boca como aqueles do México
e dos utensílios de barro de Glozel4.

4 — Os rostos sem boca representam em geral a morte.

379
O cosmonauta de San Rafael, descoberto por Carlos Villanueva.
O Sr. Levy-Bruhl5 observa que Wondjina significa também:
"aquele que tem o poder de produzir a chuva”, o que faz lem­
brar os deuses venusianos da mitologia assírio-babilônica,
deuses cosmonautas que vinham simultaneamente com chuvas
fertilizantes ou que então podiam provocá-las a seu mando6.

Estas wondjinas trazem na cabeça uma faixa com raios,


o gari, que de acordo com os indígenas é um aparelho muito
leve, que oferece uma ampla superfície ao vento.
Entre os majos, o gari levado pelo bruxo lhe dá uma apa­
rência de um homem voador e com efeito o aparelho, muitas
vezes da altura de três a quatro metros, faz sugerir os primei­
ros engenhos aéreos e o planador de Liliental que voou em
1896.
Wondjina tem seu equivalente: ungud, que significa "ser­
pente de arco no céu, serpente voadora” e se relaciona com
o período mítico dos deuses que conheciam todos os segredos.

É difícil não ver nisto a reminiscência de uma ingerência


de Extraterrestres!
Os deuses sem boca e, mais ainda, o cosmonauta de San
Pedro de las Colonias, fazem pensar no deus das riquezas dos
antigos hindus: Couvera, uma espécie de monstro disforme —
principalmente se estava vestido de uma combinação — e que
no lugar dos olhos tinha uma mancha amarela.
Couvera se deslocava numa carruagem magnífica chama­
da pouchpaka, que andava sozinha tanto na terra como no ar
a bel-prazer do condutor.

5 — La Mythologie primitive, Lévy-Bruhl, Líbrairie Félix Alcan, Paris,


1936.
.'6 — O problema destas chuvas que acompanhavam a vinda dos deu­
ses venusianos, notadamente do Astart feniciano, não está total­
mente elucidado.
Simbolicamente, os Iniciadores que ensinavam segredos científi­
cos desconhecidos até então traziam uma riqueza comparável
àquela de uma chuva benfazeja. Numa região de deserto, a água
é mais preciosa do que o ouro. Ademais, é sobejamente sabido
que engenhos voadores — aqueles dos cosmonautas antigos —
podem transformar nuvens em água, mas a nosso ver a explica­
ção verdadeira é a seguinte: a irrupção do cometa Vênus em
nosso sistema solar provocou, dizem os textos, incêndios e di­
lúvios. Estes dilúvios que coincidiam com a vinda dos deuses
— ou que os precediam — é que formam a origem da tradição.

381
LUAS, SÓIS E RUAS NO CÉU

Os "prodígios no céu” têm impressionado vivamente os


povos da Antiguidade que para estes fenômenos davam uma
explicação à altura dos seus conhecimentos.
Em De Prodigiis, Júlio Obséquens, escritor latino do sé­
culo IV, fala de três luas que apareceram nos céus do mar
Egeu e da detonação espantosa que acompanhou o apareci­
mento de um globo de fogo “do lado do setentrião”.
"Em Tarquínia, em diversos lugares foi vista uma tocha
ardente cair do céu numa queda maravilhosamente repentina.
No sol poente foi visto um corpo esférico completamente
idêntico a um escudo que se dirigia do Ocidente para o
Oriente.”

De outra feita, em plena noite apareceram dois sóis


e mais tarde um pouco uma archote de fogo em forma de
tocha.

Fenômenos espaciais, órgão do GEPA7, de acordo com a


História Natural do Ar e dos Meteoros, do abade Richard
(1771) reproduz o relato do célebre marinheiro francês Claude
de Forbin, quando navegava de noite perto do cabo Passaro,
na Sicília.

Acabavam de avisá-lo que um novo sol subia ao céu.


“Subi, diz ele, à ponte e vi efetivamente um grande fogo
que queimava no ar e que aclarava o suficiente para se ler
uma carta. Embora o vento fosse muito violento, este meteoro
não se balançava; ele ficou ardendo durante cerca de duas
horas e desapareceu, extinguindo-se aos poucos.”

Em suas Metamorfoses, Ovídio diz que a Via-láctea é o


caminho que os deuses tomam quando vão aos seus palácios;
e Esquilo, em Prometeu Acorrentado, escreve .que Oceano voou
num pássaro sem rédeas, que tinha asas velozes, que se chama
"carruagem alada”, muna notícia.

7 — Ver Phénomènes spatiaux, 69, rue de la Tombe-Issoire, Paris 14.?,


dez. 1971.

382
Da mesma forma que nós, os antigos viam coisas estra­
nhas no céu e não eram totalmente hostis à idéia de planetas
habitados por uma certa categoria de seres.
Os mexicanos sabiam que os seus deuses Quetzalcoatl e
Huitzilo e pochtli eram venusianos que iam ao seu planeta ser­
vindo-se de um engenho voador a reação, que muitas vezes
desenharam em seus mais antigos manuscritos8.
Quando os deuses cosmonautas partiram, a lembrança se
esfumou e em lugar de desenhar um engenho com boca de
forja como no Manuscrito Troano ou nos Códigos de Dresdç,
Perez e Cortesianus, representaram sua forma romantizada:
uma serpente voadora, com plumas e flechas que simbolizam
o deslocamento no espaço.
De igual modo os celtas imaginaram Ábaris (Apoio) via­
jando nos ares, cavalgando sobre uma flecha.
Neunins, cronista irlandês do século III, cita em seus
relatos a presença de "misteriosos navios demoníacos que
vogam nos ares”.
O escritor bretão Claude Yvon fala de um manuscrito
onde se trata da roth ramarach ou roda em redemoinho que
voa por cima de terras e oceanos.
"Certo dia ele se esmagou ao selo, atraído pelos aflúvios
mágicos que emanavam da coluna de pedra (menir?) que
estava situada dentro de uma floresta, perto do atual Tippe-
rary.”
É possível que antigamente a reda tenha sido venerada,
não porque ela representava o globo solar, mas talvez porque
rodas que navegavam no céu haviam transportado deuses.
Não teria sido o caso da roda de Ezequiel, das rodas cél-
ticas, bascas e hindus?

AS "BOLAS” EXTRATERRESTRES DE MANILHA

Os igorots, habitantes das províncias montanhosas do


norte das Filipinas, construíram a "oitava maravilha do mun­

8 — Reproduzimos no livro Le Livre des Maitres du Monde, ed. Ro-


bert Laffont, 1967, a lage de Palenque que representa um cosmo­
nauta maia manobrando um foguete e os principais desenhos de
bocas de forja e de máquinas voadoras do Manuscrito Troano
e dos Códigos de Dresde, Perez, Magliabecchiano e Cortesianus.
Ver cap. XIII, págs. 255 a 281.

383
do”: os imensos arrozais em terraços de Ifugao, cujo compri­
mento é dez vezes o da Grande Muralha da China, ou sejam,
30.000 quilômetros.
As tradições locais contam que deuses chamados Kabu-
nians residiram durante 15.000 luas nesta região. Tinham vin­
do do céu a bordo de navios voadores em forma de bolas que
aterrissaram sobre os terraços.
Depois, um certo dia as bolas partiram de novo; os igorots
ficaram esperando por elas mais de 1.000 luas, mas os deuses
cosmonautas não voltaram.
Na tradição dos lituanos a Via-láctea se chama pauksclu
kelias, o Caminho dos Pássaros, quer dizer: dos pássaros...
de ferro, como dizem os esquimós!
UMA ILHA FANTASMA NO RADAR
O relato que um oficial de rádio nos fez chegar de uma
linha transatlântica não parece referir-se, a rigor, ao enigma
dos OVNI, mas traz uma luz singular às observações feitas por
radar, tão preciosas para detectar os engenhos voadores.
O incidente se deu numa noite de outubro de 1970, ao largo
das ilhas Canárias.
Eis o que nos escreveu nosso correspondente:
“Estou de serviço no posto de rádio quando o tenente me
manda chamar.
Estamos navegando sobre uma rota freqüentada. longe
de toda terra, e no entanto o radar assinala diante de nós,
a cerca de 25 milhas, uma ilha que naturalmente não consta
do nosso mapa marítimo. Uma rápida averiguação nos con­
vence de que não cometemos nenhum engano de navegação;
razão porque o tenente quis saber a minha opinião, pois não
sabia o que pensar.
Será que se tratava de um defeito do material ou de uma
interferência? Eu sou formal: o radar funciona perfeitamente
e se, a rigor, lhe acontecer de não registrar um eco, é-lhe im­
possível refletir aquilo que não existe.
Eliminamos o problema das interferência com outros ra­
dares, visto que neste caso os ecos falsos confirmam sob forma
de rastros luminosos e não apareceríam jamais no mesmo
lugar na tela, de uma rotação a outra. De mais a mais, desa­
pareceríam muito rapidamente; mas eis que o fenômeno per­
siste e vai durar cerca de duas horas.
De vez que a visibilidade é fraca não podemos enxergar
a ilha que no entanto se aproxima de nós à medida que

384
avançamos. Se ela for real, iremos chocar-nos com a mesma
a qualquer momento. Distinguimos muito bem os pormenores
típicos de uma terra cortada e montanhosa, a nosso ver do
comprimento de umas dez milhas.
Conhecendo muito bem a nossa rota e sabendo que lá não
pode haver nenhuma ilha, olhamos o nosso cabo como se de
nada se tratasse e sem dar disto ciência ao comandante, mas
seja como for estamos ansiosos!
Quanto mais nos aproximamos, mais nítidos se tomam os
ecos. Agora distinguimos um cabo e maciços montanhosos.
Estamos em cima do obstáculo e no entanto à nossa frente,
à nossa vista, nada senão o mar aberto!
Estamos em vias de aplicar uma guinada com o leme, mas
mudar de rota para evitar uma ilha que não existe se parece
com uma história de carochinha (sic)!
Que vou dizer em casa (ao comandante)?
Chegados a uma distância de tuna milha do obstáculo, a
imagem desaparece lentamente e passamos exatamente no lu­
gar do eco sem nada notar de anormal!"

EXTRAVAGÂNCIAS NO MEDITERRÂNEO

M. L., de quem obtivemos esta observação certamente ve­


rídica, testemunhou em 1969 um outro fenômeno que desta
vez poderia ter relação direta com os OVNI.
"0 assunto se passou em julho de 1969, no Mediterrâneo,
e eu estava a bordo de um navio de cabotagem.
Da mesma forma que se deu com o acidente no Atlântico,
fui chamado pelo tenente que observava o radar: um eco aca­
bava de atravessar a tela.
Não havia nada visível quando eu cheguei diante do apa­
relho, mas repentinamente se formaram diversos ecos, deslo­
cando-se em formação e traçando na tela uma rota que per­
corriam a uma velocidade inimaginável. Fizeram meia volta,
giraram em todos os sentidos no radar e a manobra durou'
vários minutos.
Por um cálculo rápido e aproximativo avaliamos a sua ve­
locidade: 10.000 km/h aproximadamente.
Diversas vezes passaram em frente o navio, mas a olho nu
nada vimos e nada ouvimos.
Vínhamos de Antibes e íamos para Havera (Berre) e es­
távamos passando entre a ilha do Levante e o cabo Sicié. Ora,
nessa noite, exatamente no lugar onde víramos os ecos na

385
tela, dois petroleiros de grande tonelagem se chocaram em
alta velocidade. Houve diversos mortos entre os quais as mu­
lheres que haviam embarcado com seus respectivos esposos.
A visibilidade era muito boa, os aparelhos de navegação esta­
vam em perfeito estado. Por ocasião do inquérito este aci­
dente pareceu incompreensível.
Se bem me lembro, foi nesta época que o primeiro homem
pousou na lua. Para ser mais preciso na data, com diferença
de alguns dias9.”

Queremos crer que estes relatos sinceros podem ser úteis


ao estudo do fenômeno dos objetos voadores não-identificados
e das observações pelo radar.

OS RADARES NÃO SE ENGANAM, MAS ...

Em princípio, um radar sempre registra o eco de uma pre­


sença real, mas em certos casos o objeto pode não ter nenhu­
ma consistência apreciável.

Trata-se muitas vezes de formações compactas de elétrons


e de íons que se produzem na atmosfera.

Estas espécies de nuvens elétricas, ora luminosas ora in­


visíveis, são produzidas pela energia proveniente dos planetas
sob forma de ondas hertzianas.

As ondas de luz e de calor são assim transformadas por


um mecanismo interno e refletem as ondas do radar. Podem
ter também reflexos que exercem a mesma função sem que
se possa distinguir na tela se a imagem é proveniente de um
meteorito, de um foguete, de um avião ou de um amontoado
de partículas.

No dia 24 de novembro de 1960, o chefe da base ameri­


cana de Thulé, na Groenlândia, quase que apertou o botão
vermelho que teria desencadeado uma guerra atômica, porque
os radares do seu posto registravam as imagens de dezenas
de foguetes intercontinentais que vinham em direção aos Es­
tados Unidos.

9 — O primeiro vôo à lua se deu no dia 21 de julho de 1969, com


o cosmonauta Neil Armstrong.

386
Felizmente, avisado que foi, este militar teve o bom senso
de proceder a verificação que permitiram explicar o fenôme­
no: a emissão de ondas rádio da lua, nessa noite, sobre 3,2 cm,
era particularmente intensa e se havia desenhado na tela!
Em certas ocasiões, todos os planetas e o sol podem pro­
duzir o mesmo fenômeno que é bem conhecido dos especia­
listas.
Por um acaso excepcional as imagens dos radares de
Thulé tinham a forma de foguetes!

fO MOTOR SEM COMBUSTÍVEL DE VAN DEN BERG

O engenheiro sul-africano Basil Van den Berg em 1962


estava tão convencido da autenticidade dos discos voadores
que, partindo de objetos e de mensagens extraterrestres muito
contestadas, inventou e construiu um motor sem combustível,
ao qual o semanário Stem dedicou um longo estudo em sua
edição de 29 de abril.

Tratava-se de um engenho antigravífico que Van den Berg


se propunha ir experimentar no México por razões que ele
não externou10.

Com efeito, do momento em que seu invento começou a


ser conhecido, Van den Berg desapareceu sem deixar traço.

Este incidente curioso e talvez dramático foi diversa­


mente interpretado por aqueles que seguiam os trabalhos do
engenheiro e se dizia à boca pequena que fora levado por
seres estranhos ao nosso planeta. Com ares de entendidos,
outros adiantaram que teria sido simplesmente seqüestrado
por um poderoso grupo industrial, o que deixaria supor que
o problema dos OVNI e das viagens interplanetárias interessa
muito mais do que se pensa aos meios científicos do nosso
globo.
Possuímos contudo fotos de alguns elementos do motor
sem combustível.

10 — Relatado por J. G. Dohmen no seu livro A identifier et le cas


Adamski, ed. Travoz, 26, av. de 1’Impératrice, 64, Biarritz. Con­
sideramos esta obra a melhor que tem sido dedicada ao fenô­
meno dos OVNI.

387
Capítulo XXIV

AS SOCIEDADES SECRETAS EXTRATERRESTRES

Com ou sem razão, muitos acreditam que há extraterres­


tres vivendo entre nós.
É uma hipótese difícil de demolir, mas que é impossível
provar.
Estamos pessoalmente em contacto com vários persona­
gens que se dizem estranhos à Terra ou afirmam já terem
ido a um outro planeta.
Visto que este fenômeno impregna os tempos atuais e
dado que é necessário refletir para ser objetivos, incluímos
no dossiê do insólito o caso do misterioso Sr. Mn Y, que em
seguida se tornou Emen Y.
THE AETHERIUS SOCIETY

Seria Emen Y verdadeiramente um representante oficial


do planeta Baavi de Próxima do Centauro? Sem dúvida, é
coisa que jamais saberemos!
Seu delegado na França ministra um ensinamento ao
mesmo tempo científico e espiritualista que tem a simpática
particularidade de ser gratuito.
Em Rambouillet, o Sr. René D. garante que ele é o único
representante autorizado dos Extraterrestres que se manifes­
tam sobre a Terra, mas temos boas razões de crer que o per­
sonagem é vítima de uma imaginação descontrolada.
Diz que “os altos poderes extraterrestres e operárias cós­
micas (sic) trabalham por Nosso Senhor Jesus Cristo” e exi­
gem a demissão do presidente da República, do governo e das
duas Assembléias!
Em Dax um misterioso personagem se encarnou — diz
ele — na pele de um terrícola. Só se manifesta a um grupo
muito pequeno a quem revela a magnificência da ciência do
seu planeta.

388
The Aetherius Society, Aetherius House, 757 Fulham road,
em Londres S. W. 6, é um círculo com vocação metapsíquica
dirigido pelo Dr. George King, iogue e mestre em ciências
ocultas, nascido em 1919 no Shropshire, na Inglaterra.
Ele se corresponde telepaticamente com Extraterrestres e
visita planetas “em estado de projeção do seu corpo físico”.
Quando de suas viagens o Dr. King relata segredos cientí­
ficos, cuja natureza só divulga aos seus adeptos: a telepor-
tação, a utilização dos radiônicos, a possibilidade de viajar a
uma velocidade de quatro milhões de vezes maior do que a da
luz, o controle perfeito das forças cósmicas etc.
De acordo com ele, os venusianos têm o poder de mudar
o lugar que os planetas ocupam no sistema solar.
Os venusianos e os marcianos, se viessem visitar a Terra
num estado chamado "terceiro aspecto”, mediríam cerca de
2,30 m de altura, teriam a pele da cor de canela, cabelos com­
pridos, olhos azuis e um vestuário feito de uma só peça, in­
teiriço.
Em Vênus, os animais e sem dúvida também as pessoas
gozam de uma temperatura interna de 110 a 150 graus "Fahre­
nheit” (110° F = 61° Centígrados).
Não existe escrita venusiana; como em todas as civiliza­
ções não são feitas nem pela palavra nem pela escrita e sim
por telepatia.
Os membros da Aetherius Society afirmam a existência
dos discos voadores e a vontade dos Extraterrestres de salvar
os terrícolas dos seus erros.
Os mestres Jesus, Buda e Shri Krishna eram Inteligências
do espaço e se serviam de corpos terrestres para cumprir suas
missões particulares.
Eis, bem suscinto, o programa desta associação.
A LENDA DO INFERNO
Uma lenda que seria antes uma história verídica — se­
gundo o Dr. King — mas deformada por transmissões sucessi­
vas, fornece uma estranha explicação do mito do inferno.
Há cerca de 20 000 anos, sábios da Atlântida teriam ido
até o centro da Terra com o fito de "dominar o fogo de vida
eterna” e afirmar o seu poder sobre todo o sistema solar.
Estes aprendizes feiticeiros malograram em sua missão,
e se adquiriram o privilégio de uma longevidade infinita, em
compensação ficaram aprisionados no núcleo central durante
dez mil anos.
Finalmente, foram soltos por adeptos de grandes conhe­
cimentos científicos e se diz que a lenda do inferno teria tido

389
esta aventura como origem.
Entre iniciados circula também uma informação relacio­
nada com "o fogo de vida eterna”: por volta de 1950, mi­
neiros que trabalhavam na Sibéria teriam rejuvenescido de ma­
neira espetacular.
Suas rugas desapareceram e não sentiam mais necessida­
de de comer.
Um médium, delegado pelo governo inglês, teria ofere­
cido ao Dr. King uma fortuna considerável para conhecêr o
paradeiro de um minério da Juventude.
O doutor teria podido aceitar o oferecimento, mas Sua
Majestade (a Rainha) não quis prometer que ela utilizaria o
segredo somente para fins pacíficos.
Semelhantes histórias e muitas outras são contadas pu­
blicamente nas conferências da Aetherius Society.

EUGÊNIO SIRAGUSA
O Centro de Estudo Fraternidade Cósmica tem sua sede
em Lausanne — Endereço: CEFC Fracos, Caixa Postal 2798,
1000 Lausanne 22.
Este centro difunde mensagens da "parte dos Extraterrí-
colas a serviço no planeta Terra” e se refere à Lei divina e ao
mestre Jesus.
O mensageiro da Fraternidade é uma espécie de arcanjo
do nome de Ashtar Sheran; o representante na terra é o Sr.
Eugênio Siragusa, um siciliano de cinqüenta anos.
Quando ele tinha trinta e três anos, apareceu no céu um
sinal mágico que lhe deu consciência de sua missão e conhe­
cimento do seu “eu” eterno.
A partir de então uma voz interior o instruiu sobre a
geologia, a cosmogonia e lhe abriu o espírito para os mistérios
da criação e de suas vidas anteriores. Desta maneira Eugênio
Siragusa ficou sabendo que 12.000 anos mais cedo ele era es­
tudante em Posêidon, na Atlântida, numa sociedade que tinha
como fundamento a sabedoria e o amor.
Como diz o Dr. King, é por contacto telepático que está
em comunicação com os Extraterrestres que no entanto ele
reencontrou em forma de corpo físico sobre o Etna, numa
noite de 1962.
Dois seres em trajes espaciais prateados aí esperavam por
ele. Eram altos, atléticos, com cabelos louros que caíam pe­
los ombros. Nos punhos e nas cavilhas levavam uma espécie
de braçadeiras também brilhantes como o ouro e em volta do
corpo tinham uma cinta luminescente.

390
Eugênio Siragusa é mandatário da «Confederação Intergaláctica »,
cuja sede fica em algum lugar nas bandas de Sirius.

391
Sobre seus peitos faiscavam estranhas placas.
Um dos homens dirigiu sobre ele, com o objeto que tinha
às mãos, um raio de luz verde que deu a Eugênio Siragusa
uma maravilhosa sensação de bem-estar e de confiança.
— Nós esperamos por ti, disse ele! Registra em tua me­
mória o que te vamos dizer.
Tratava-se de uma mensagem destinada a todos os chefes
de Estado do globo.
Os dois seres eram os enviados de uma Confederação In-
tergaláctica que congregava inumeráveis planetas, que de qual­
quer maneira havia processado a civilização terrestre: conju­
rações de mentiras, crimes chamados de atos de heroísmo, vio­
lência, ódio racial, religião deformada e fanática.
De uma distância de vários anos-luz, os dois seres lumines-
centes haviam vindo para nos ajudar e nossa recusa em nos
corrigirmos os mergulhava numa grande perplexidade.
Conclusão confortadora: somos vigiados por uma raça
superior que não nos permitirá que nossa civilização se afun­
de numa catástrofe nuclear.
BASE EXTRATERRESTRE SOBRE A LUA PRETA
Seria o Sr. Eugênio Siragusa um iluminado, um missio-
nado? Podemos levantar a questão, mas em todos os casos o
seu desinteresse é total e sua boa-fé parece evidente, mesmo
quando em público faz revelações horripilantes.
— Existem 6 milhões de Extraterrestres sobre o nosso
planeta, diz ele!
O governo dos Estados Unidos da América está a par
desta situação, que sem sabermos porque é considerada top-se-
cret. A OTAN possuiría uma prova da existência dos viajantes
oriundos do outro mundo: a combinação espacial de um dis-
co-voador1!.
Os Extraterrestres têm uma duração de vida de uns 12.000
anos; todos os grandes iniciados e notadamente Jesus e Buda
eram eriginários de um outro planeta que não o nosso.

1 — Depois do inquérito, pudemos ter a certeza de que esta afirmação


era destituída de fundamento.

392
Para vantagem dos terrícolas, é preciso levar em conta o
seu quociente intelectual médio que é muito baixo: 3,5 contra
15 para os Extraterrestres e 60 para os habitantes de Alfa
Centauro!
Do profeta siciliano resulta que o fenômeno dos discos
voadores corresponde a uma verdade de fato e que a base des­
ses engenhos se encontra num pequeno satélite artificial da Lua
que foi colocado numa certa órbita para impedir que o nosso
satélite natural colida com a Terra.
Este pequeno satélite se chama Lua Negra, o que oferece
uma curiosa coincidência com a tradição de Lilith e com as
observações de Cassini e de vários outros astrônomos que já
no século XVII tinham identificado este corpo celeste difícil
de localizar.
Se é que é verdadeiramente artificial, a Lua Negra existi­
ría desde pelo menos trezentos anos, mas neste caso devemos
pensar que os Extraterrestres que nos observam não são aptos
a nos prestar grandes serviços, a não ser para nos indicar
lugares de encontros clandestinos e a servirem de espantalhos
para os guarda-barreiras e cultivadores de alfazema!

UM FENÔMENO MESSIÂNICO

Existem ainda muitas outras associações ou seitas que


afirmam pertencerem a uma sociedade “intergaláctica”; há
vários outros personagens que se dizem nascidos ou ter estado
em outros planetas muitas vezes distantes diversos anos-luz.
Para um escritor testemunha do seu tempo é de grande
importância estudar estes fenômenos e deixar um traço deles
nos arquivos do século.
Com efeito, Emen Y, o Dr. King e o Sr. Engênio Siragusa
se apresentam a nós quais novos profetas, quais Jeremias,
Ezequiéis e Jós de nossa época.
Como aqueles, eles também lançam um grito de alarma,
vituperam os ricos e os poderosos, os mercantilizadores e os
políticos, os maus e os ignorantes.
Talvez dentro de alguns séculos uma Conjuração precise
de um chefe, de um Iniciador c quem sabe se Emen Y ou se o
Sr. Siragusa não se tornarão os novos messias que teriam atra­
vessado nossos tempos sem terem sido reconhecidos!
A Hitória está cheia de aventuras maravilhosas deste gê­
nero.

393
S, Jean Roy, de Paris, é o representante, na Terra, dos
Extraplanetários de Baavi.

394
Devemos considerar como fato consumado a decrepitude
e a deslocação e a deambientação da velha e terrível religião
cristã.
“A árvore se julgará pelos seus frutos”, disse alguém na
Palestina, e se julgamos nossa civilização judaico-cristã do sé­
culo XX, os considerandos da sentença estão sujeitos a ser
severos para com Abraão, Moisés, Jesus e os pontífices das
Igrejas.
Com os testemunhos dos milhões e milhões de pobres dia­
bos crucificados, trucidados, queimados, estripados, esquarte­
jados, aprisionados, interditados, expulsos e achincalhados que
se levantarão em nuvens da lenda dos séculos e dos milênios,
não há dúvida que a condenação ao Inferno será o seu quinhão!
Com a maior das más vontades do mundo se toma cada vez
mais impossível construir catedrais, partir em cruzadas ou de
trabalhar no sentido do magnífico e do sublime, sob o signo
de fogo de nossa época.
Então os homens procuram e esperam um socorro de al­
guma outra parte.
Seus cuidados, seus desejos, suas inquietudes e seus ape­
los criam egregórios de grande potencialidade que acabam ine-
lutavelmente por invadir um cérebro e subjugá-lo.
É o fenômeno do messianismo.
Os Jesus do nosso tempo são Emen Y, o Dr. King, Eu­
gênio Siragusa e outros que não conhecemos, que vieram ou
que ainda virão.
Bastaria que se acreditasse num deles, seja qual for, para
que seja o verdadeiro Messias e mude a face do globo.
Todos aparecem como mensageiros de paz e mesmo quais
continuadores do Cristo.
Siragusa, melhor inspirado ou mais refletido, escalou as
encostas do Etna para receber a palavra dos deuses. Exata­
mente como Moisés!
Se o profeta siciliano chegasse a ser perseguido, ou me­
lhor, crucificado, então teria chances reais de um dia ser re­
conhecido como ungido do Senhor, principalmente se o drama
se desenrolasse em circunstâncias já conhecidas.
Afinal, já teve seus precedentes...

395
AS ARMAS MARAVILHOSAS DOS CELTAS

Apoio, deus hiperboreano, em outras palavras Abari, que


viajava montado numa flecha, e Melusina, a serpente alada e
iniciadora venusiana, para a nossa mitologia francesa eram
praticamente os únicos elementos que nos uniam à ingerên­
cia de Extraterrestres em nosso passado longínquo.
Coube ao escritor druida E. Coarer-Kalondan fazer um
levantamento, na história dos celtas, dos fatos e dos indícios
que podiam logicamente ser relacionados com Iniciadores vin­
dos do céu.
Seu livro Extraterrestres entre os Celtas2, que ele assinou
em colaboração com sua esposa, a ovate Gwezenn Dana, é uma
verdadeira bíblia de ensinamento e de fatos gloriosos dos nos­
sos antepassados herdeiros dos construtores de dolmens e
menires.
A deusa Belisama (parecida com a chama), Belenus (o es­
plêndido) e Grannus (o brilhante) são deuses célticos que lem­
bram estranhamente Astart e Baal, os deuses venusianos da
Fenícia, brilhantes e parecidos com a chama do cometa Vênus.
O rei Bran, “navegador das regiões misteriosas”, desloca­
va-se numa barca rápida que o levava, numa noite, da Irlanda
ao país dos Mortos (a América).
O esquife do mágico Manannan Mac Llyr, sem vela e sem
remo, “ia por toda parte onde seu mestre quisesse”.
Se estes relatos são exatos, cumpre que se veja nestes dois
engenhos ultra-rápidos quer aviões quer navios de propulsão
por um gerador de energia, do qual ainda não fazemos idéia.
Coarer-Kalondan e Gwezenn Dana vêem nisso máquinas
voadoras e se embebem nas fontes mitológicas para garantir
que os Tuatha Dé Danann, invasores da Irlanda, possuíam um
arsenal de guerra que nada ficava devendo às nossas mais mo­
dernas armas.

2 — Les Extra-Terrestres chez les Celtes, de E. Coarer-Kalondan e


Gwezenn Dana, ed. Le Marabout (Col. Univers secrets), 65, rue
de Limbourg B. 4800-Verviers, Bélgica.
Recomendamos vivamente a leitura deste livro que foc aliza a his­
tória primitiva dos celtas e apresenta relatos mitológicos pró­
prios para corroborar a tese da vinda de um povo do céu na
época dos nossos ancestrais.

396
Conheciam o submarino, se nos reportarmos ao fato de
que tinham “navio prateado que vogava debaixo d’água”, que
serviu a Élata para procurar seu filho depois da batalha de
Mag Tured.
Um poema irlandês fala mesmo de um combate entre
tanques anfíbios:

Um dia os habitantes do Connaught viram no Shannon


dois animais enormes que lutavam entre si.

De suas goelas saíam línguas de fogo que atingiam as


nuvens do céu (tiros de canhão?). Chegaram perto e assumi­
ram forma humana (homens saíram dos engenhos).
Quanto aos habitantes de Munster, eles viram uma coisa
maravilhosa: dois enormes pássaros ruidosos, dois corvos,
pensaram eles, que depois de revoarem pelos ares, metamor-
fosearam-se em seres humanos, o que aconteceu também com
com a carruagem voadora da deusa Badb, que era uma gra­
lha em pleno vôo. Reconstituindo os fatos à luz dos nossos
conhecimentos, é admissível pensar que na realidade se trata­
va de aparelhos de navegação aérea.

Eis como os «Extraterrestres» descrevem seus veículos intergalácticos.

397
O LASER DOS TUATHA DÉ DANANN

Sempre dentro desta perspectiva, o olho de Balor que


desafiava os adversários, por mais numerosos que fossem, era
uma espécie de "laser” que lançava os raios da morte, “quan­
do com a ajuda de uma gancho se levantava o obturador que
_ obstaculava as radiações fulgurantes".

Ademais, Balor tinha um criado cuja função, quando em


combate, consistia em “levantar o obturador, cujo peso enor­
me era devido ao fato de que o metal comum era dobrado no
interior de um revestimento de chumbo que fazia às vezes
de tela”.

A lança maravilhosa de Lug descarregava projéteis movi­


dos por energia solar; a maça de Dagda era “uma espécie de
bazuca, um obus ou um canhão, que em lugar de carregá-lo,
, rolavam-no”.
A Gaebolg de Cuchulain, o Ésus irlandês, se alongava à von­
tade e nunca deixava de acertar no adversário. Era um tubo
comprido em cuja extremidade saía um raio mortal.
O uso que os celtas faziam daquilo que se pensa fosse o
laser se fundamenta pois em três vezes: o olho de Balor, a
lança maravilhosa de Lug e a Gaebolg. Uma semelhante repe­
tição deste poder mágico leva a crer que nestes relatos existe
uma certa base de verdade científica.

Tanto quanto os Tuatha Dé Danann, esses mágicos repu­


tados e misteriosos eram na realidade deuses vindos de um
país longínquo para onde um dia retomaram, vencidos pela
multidão dos povos da Terra, mas exigindo que se lhes rendes­
se, mesmo ausentes, um culto que fosse efetivamente honrado
por muitíssimo tempo.
Em respaldo de suas teses fantásticas mas fascinantes, de
acordo com a tradição os co-autores notam que a lança de
Cuchulain, quando em descanso, devia ter sua ponta mergu­
lhada em água para evitar que pusesse fogo no ambiente em
volta.
"Pois bem, esta precaução, dizem eles, embora diferente
quanto ao líquido utilizado, aplica-se igualmcntc a certos gera-
-* dores de raio ‘laser’”.

398
Balé de discos voadores nos céus da Costa Brava, em setembro de 1968!
Na realidade, trata-se de uma contraluz com luz solar que provocou
reflexos sobre a objetiva do aparelho fotográfico.
Se tivesse havido discos voadores no céu, o operador os teria visto
e em vez de tomar um primeiro plano sem interesse ele teria
prefereniemente enfocado a foto no céu. O cavalo não está espantado,
como se pretendeu fazer crer: ele negaceia e o condutor afrouxa a
rédea como se costuma fazer quando se quer que uma junta recue.

399
Com os lança-chamas que incendiaram Tara, as nuvens
atômicas que vitrificaram a torre de Toriniz e destruíram as
habitações, os rebanhos e todos os campos de Gorsed Arberth
(arma total), os antigos celtas da Irlanda e os Tuatha do país
misterioso pareciam portanto povos que tinham tido em sua
posse, durante um certo tempo, armas científicas cuja origem
não podia ser planetária.
Esta a tese sustentada por E. Coarer-Kalondan e Gwezenn
Dana, tese esta que, mesmo se estiver errada em seus deta­
lhes, tem o mérito de estabelecer um vínculo entre a história
dos celtas e a grande e maravilhosa aventura dos outros povos
entre os quais a vinda de Iniciadores extraplanetários é muito
mais evidente.

OS DISCOS VOADORES: ILUSÃO OU REALIDADE?

O dossiê dos OVNI e da ingerência dos presumidos via­


jantes do espaço é certamente mais rico em suposições, em hi­
póteses e relatos afoitos do que em realidades tangíveis, mas
um fato importante é incontestável: o fenômeno em si.
Não constitui insensatez pensar na vinda de Extraterres­
tres; é lógico crer na possibilidade de um semelhante aconte­
cimento, e seria um abuso ignorá-lo ou negá-lo.
Segundo nosso ponto de vista e a fim de limitar o debate,
parece-nos altamente provável que as antigas civilizações pos­
suíam conhecimentos trazidos por seres estranhos à Terra.
Estes seres, os deuses antigos, escudados na fé de tradi­
ções que reputamos autênticas, vinham de um outro mundo.
Com insistência as mitologias mencionam Vênus (antes
que ela se torne planeta em nosso sistema solar) e esta desig­
nação não nos parece de forma alguma extravagante.
Contudo, no estudo do fenômeno, que parece prefigurar
a verdade do amanhã, se torna interessante conhecer a opinião
dos meios científicos geralmente hostis às teses que aventu­
ramos.
Para o Sr. François Le Lionnais, trata-se de uma ilusão
coletiva, pois a ilusão é a má interpretação das coisas.
O astrônomo Paul Muller vê nos OVNI nuvens lenticula-
res (as que têm a forma de lentilhas).
O Dr. René Held, psiquiatra, dá uma explicação mais cien­
tífica: desde 3.000 anos, diz ele, são vistas coisas esquisitas
no céu, e não foram constatados fatos adicionais, isto é, a
tese dos discos voadores não progrediu. Pois bem, numa
ciência a gente erra, recua, volta ao assunto, tenta-se, às ve­

400
zes se passa rente, mas nunca completamente: existe sempre
alguma coisa de bom para ver, uma adição.
Por conseguinte, se não há fatos adicionais, não há OVNI,
muito menos fantasmas, elfos e reencamações.

O CÉU É UMA BOLA DE CRISTAL


Na percepção dos objetos singulares é certo que quase
sempre entra uma intensa dose de subjetivismo. Por exem­
plo: uma observação de clarão no céu desperta no consciente
e no inconsciente a idéia de um disco voador, da mesma forma
que a chuva em dia de Corpus Christi (festa do Corpo de
Deus) provoca em nós o sentimento de uma desaprovação di­
vina, mesmo que não nos apeguemos a esta idéia.
É a participação subjetiva que funciona.
Para que uma observação de OVNI seja válida, além do
controle do fenômeno seria preciso o estudo da "psicologia
das profundezas ” da testemunha.
Temos sempre atitudes afetivas e somos impressionados
pelos fantasmas que nos alimentam desde a nossa infância, os
quais projetamos poeticamente em nosso céu de adultos.
Ademais, um céu de noite exerce com bastante exatidão o
papel da bola de cristal das videntes.
Quem o contempla assiduamente chega a ficar hipnotiza­
do e a criar, em seu “eu” interior, imagens, fantasmas e *oda
uma imaginação cheia de vida.
Os pastores são uns bons narradores de contos; inventam-
nos e inventam “animais”, lobos monstruosos, dragões e tam­
bém tesouros, "damas” e outros personagens imaginários, por­
que eles contemplam o céu, horas a fio.
Os enamorados, que vão sentar-se numa colina para apre­
ciar a abóbada estrelada, acabam infalivelmente vendo sinais
premonitores, cenas alucinantes, visões apoclípticas ou do
paraíso.
Estas imaginações suscitadas pelo espetáculo do céu, da
floresta e do mar são inerentes ao “subjetivo” do homem e à
sua necessidade inata de maravilhoso.
Incontestavelmente, estas motivações subjetivas merecem
ser levadas em consideração e não subsiste dúvida alguma
de que numerosos testemunhos em matéria de OVNI estão su­
jeitos às devidas ressalvas e garantias.
Contudo, justamente devido ao estudo da psicologia das
profundezas, não é menos certo que as imaginações mais fan­
tásticas se ligam de maneira imperceptível, porém palpável, a
realidades passadas ou futuras, cuja descoberta constitui uma
projeção cromossômica ou uma prefiguração.

401
Foi assim que Eugênio Siragusa entrou em contacto com os três
enviados da «Confederação Intergaláctica», no vulcão Etna.

MENSAGENS DOS TERRÍCOLAS AOS EXTRATERRESTRES

Esta opinião está de tal forma fundamentada e corres­


ponde tão bem a uma realidade possível que os astrofísicos
redigiram, a seu modo, uma mensagem destinada aos povos do
espaço.
Em março de 1972 o satélite americano Pioneiro 10 levou
para o planeta Júpiter, que evolui em nosso sistema solar
entre Marte e Saturno, uma placa dc alumínio de 15x22 cm
em que dá indicações essenciais para que inteligências extra­
terrestres possam imaginar nossa existência e a forma de vida
na Terra.
O Pioneiro 10 deverá chegar nas proximidades de Júpiter
em 1975 e talvez se instale em volta do planeta, talvez se es­
patife num oceano glacial de amoníaco, de metano e de gelo
a —150°.

402
Não pode existir nenhuma vida em Júpiter, onde a gravi­
dade é enorme e o frio, intenso; mas, se o satélite americano
se perder no cosmo — o que não está excluído depois de uma
viagem de bilhões de quilômetros3 — então terá tuna chance
de encontrar uma estrela mais acolhedora ou de ser intercep­
tado por uma civilização adiantada.
O metal da mensagem foi submetido a um tratamento no
sentido de resistir a tuna viagem espacial de 3.000 anos-luz, o
que representa 100 milhões de anos terrestres. A placa está
presa a um suporte de antena.
A mensagem consiste num desenho do sistema solar com
catorze linhas de brilhantes que representam “pulsars" e uma
outra linha adicional (15.a) que situa a posição da Terra em
relação ao centro da nossa galáxia.
Um homem e uma mulher, sem roupa, nus, dão a idéia de
nossa imagem; o homem levanta o braço direito para cumpri­
mentar os eventuais descobridores e para dar-lhes a entender
que desejamos entabular um diálogo.
Resta saber se seres inteligentes do espaço, com natureza,
formas e consistência desconhecidas, estariam em condições
de decifrar esta mensagem sibilina.
Os homens da Terra não carecem de qualidades cerebrais
e no entanto não parecem propensos a interpretar, como um
possível diálogo, esses OVNI, essas ímagens-fantasmas que se
desenham em seus radares, e esses sinais no céu que são, qui­
çá, indícios enviados por uma civilização do espaço.
Mas, sempre podemos contar com a eventualidade de os
Extraterrestres das longínquas estrelas serem mais inteligen­
tes do que nós...

3 — Júpiter fica a 560 milhões de km da Terra, mas o Pioneiro 10,


se vier a atingi-lo, deverá seguir uma imensa curva que duplicará
o comprimento do trajeto.

403
Mensagem dos Terrícolas aos Extraterrestres, levada peto satélite
americano Pioneiro 10.

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FONTE DAS ILUSTRAÇÕES E FOTOS

Páginas: 21 — 23 — 25 — 53 — 57 — 76 — 85 — 86 — 93 — 96
— 98 — 111 — 115 — 118 — 152 — 204 — 256 — 258 —
263 — 265 — 267 — 269 — 271 — 276 — 329 — 346
— 348 — 362 — 365 — 371 — 380 — 404.
Fotos de Robert Charroux

Páginas: 27 — 28.
Fotos de Gilbert Bovard

Página: 56.
Fatos de Loic Jahan
Páginas: 61 — 62.
Fotos de Popperfoto
Página: 78.
Foto Irish Board-Bord.
Página: 99.
Foto H. N. Ignatieff
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Fotos Jornal Pueblo, Madri
Páginas: 147 — 148 — 150.
Fotos Metapschiea, Gênova — Itália
Página: 178.
Foto Gendarmerie régionale, Digne
Páginas: 255 — 256.
Fotos Wilty Endress
Página: 257.
Foto Pepe
405
Páginas: 260 — 261.
Fotos Edith Gérin
Página: 280.
Foto Coll. Chiàgi, em Siènne
Páginas: 283 — 286.
Fotos La Domenica dei Corrière (Itália)
Página: 330.
Foto J. P. Moret (Lusignan)
Página: 377.
Foto Excelsior-Journal
Páginas: 391 — 394 — 397 — 402.
Fotos Centro de Estudos da Fraternidade Cósmica

Página: 399.
Foto André Bernier

406

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