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ESPAÇO FÍSICO
Os espaços geográficos mais relevantes são Coimbra, Lisboa e Santa Olávia e ligam-
se às vivências da personagem central, Carlos, em diferentes fases da sua vida. Coimbra
surge ligada à formação académica de Carlos; Lisboa corresponde ao período em que, depois
da viagem de fim de curso pela Europa, ele se instala no Ramalhete; Santa Olávia simboliza
a fertilidade da terra onde abunda a água, opõem-se à cidade e associa-se principalmente a
Afonso. Lisboa será o palco do fracasso das potencialidades de Carlos e da crónica de
costumes, pelo que aí surgem microespaços para caracterizar as personagens e a definição
da capital portuguesa.
A Toca era o recanto idílico, nos Olivais, onde Maria Eduarda e Carlos partilharam
as curtas juras de Amor. Propriedade de Craft arrendada por Carlos para preservar a sua
privacidade amorosa, representa simbolicamente o “território” de Carlos e Maria Eduarda.
A decoração permite-nos antever o desfecho desta relação que, afrontando valores éticos
e morais, desafia as leis humanas e se rende a outras leis, através da relação incestuosa,
bestialmente consumada (as panteras só acasalam no seio da família). A decoração é
exótica, juntando móveis e porcelanas árabes e japonesas, adivinhando o confronto de
culturas e respectivos valores. A luxúria da cor – o amarelo e o dourado – remete para o
gosto das sensações fortes, moralmente proibidas, pressagiando o incesto.
Sintra é um lugar edénico e idílico que representa a beleza paradisíaca, com a sua
soberba paisagem lembrando o passado histórico e romântico. Perdendo-se nas brumas da
serra, ergue-se em todo o seu esplendor, qual fénix, e envolve a memória dos que a visitam.
Era o local de passeio da alta burguesia de século XIX. Tem várias ligações com as
personagens: o Palácio da Vila, pela sua austeridade, pode ser comparado ao Ramalhete e,
metaforicamente, a Afonso; o Palácio da Pena, solitário no cume da serra, como que perdido
na paisagem romântica, liga-se à figura de Pedro; o Palácio de Seteais, votado ao abandono,
remete ainda para o Ramalhete já no final da obra, após dez anos de abandono; a riqueza
paisagística de Sintra e da Várzea evocam Santa Olávia, pequeno vergel nas margens do
Douro. O ambiente bucólico e pungente de vida coloca Sintra na esfera ideológica da
regeneração do país, apregoada por Ega, mas o seu aspecto paradisíaco será corrompido
pela agressão prosaica representada pelos valores decadentes apresentados pelas figuras
de Eusèbiozinho, de Palma Cavalão e de Dâmaso, tornando este éden natural uma
continuação do espaço lisboeta.
No jantar no Hotel Central Ega pretender homenagear Cohen, marido de Raquel, sua
amante. É neste momento que Carlos penetra no meio social lisboeta, embora adopte uma
atitude distante, é neste momento também que ele vê pela primeira vez Maria Eduarda,
mas não lhe presta a devida atenção ficando só com uma ideia pouco pormenorizada da
figura dela. Este jantar é a radiografia de Lisboa no que respeita à literatura, à finança e à
política. Alencar opõe-se ao Realismo/Naturalismo, refugiando-se na moral, que ele próprio
não seguiu no passado, e constata-se que para Ega não é muito clara a distinção entre
Realismo e Naturalismo, defendendo o cientificismo na literatura. O assunto das finanças é
tratado despreocupadamente, revelando uma grande falta de responsabilidade a ponto de
se dizer calmamente que os empréstimos são a principal e a indispensável fonte de receitas
do país. Eça continua a caricaturar o ponto de vista destes elementos da alta burguesia
através do modo diletante como se pronunciam sobre a política, adiantando soluções
absurdas como a de Ega, que após criticar a decadência do país, afirma desejar a
bancarrota para serem invadidos por Espanha, aclama ainda a República em substituição da
Monarquia. A mentalidade retrógrada de Alencar e o calculismo e cinismo com que Cohen
comenta a deterioração financeira são elementos marcantes da crise de uma geração e do
próprio País. Através desta reunião da sociedade, Eça retrata uma cidade num esforço para
ser civilizada, mas que não resiste e acaba por mostrar a sua impressão, a sua falta de
civilização. As limitações ideológicas e culturais acabam por estalar o verniz das aparências
quando Ega e Alencar depois de usarem todos os argumentos possíveis partem para ataques
pessoais que culminam numa cena de pancadaria, mostrando o tipo de educação desta “alta”
sociedade lisboeta que tanto se esforça por ser (ou parecer) digna e requintada, mas que
no fundo é grosseira.
A casa particular (tanto a dos Gouvarinhos como a dos próprios Maias) é-nos
mostrada numa quase constante funcionalidade mundana de receber e distrair, pelo que a
podemos aproximar a um hotel ou a um teatro. Tudo nela fica reduzido a uma sala
artificialmente caracterizada pelo mesmo desusado artifício ornamental e culinário – mesa .
que findo o repasto será substituída por outra exclusivamente recreativa – mesa de jogo.
ESPAÇO PSICOLÓGICO
Este espaço vai privilegiar o que ocorre dentro das personagens, sobretudo através
do monólogo interior, manifestando-se em momentos de maior densidade dramática. É
sobretudo Carlos que desvenda os meandros da sua consciência, ocupando também Ega
lugar de relevo. O narrador como que desnuda as personagens perante o leitor, dando conta
dos estados de alma, dos pensamentos, da corrente da sua consciência.
Carlos vê Maria Eduarda, pela primeira vez, em frente ao Hotel Central e a imagem
desta causa-lhe uma impressão profunda. Mais tarde, é narrado o seu sonho, em que Maria
Eduarda reaparece como uma deusa. Funciona como factor indicial da acção, apontando para
a relação amorosa que se estabelecerá entre Carlos e Maria Eduarda. Este estado de alma
muito íntimo, em situação de embriagues ou semiconsciência, aparece-nos com um discurso
desorganizado, repetitivo e sem coerência lógica.
Procurando avidamente encontra Maria Eduarda em Sintra, Carlos serve-se da
imaginação e vê languidamente as formas do corpo de Maria Eduarda. Aponta, tal como o
sonho, para a relação amorosa de Carlos e Maria Eduarda.
Através da focalização interna, são dadas a conhecer as emoções e as reflexões de
Carlos sobre Maria Eduarda e da sua relação com esta, as quais revelam a sua formação e
valores. Também são expostos as emoções e reflexões de Ega em relação a Carlos e Maria
Eduarda, este espaço prende-se directamente com a ideologia da obra, apontando o
absurdo como algo que leva à união de Carlos com a sua própria irmã.
Carlos relembra a morte do avô (memória) como a morte de uma fase da existência.
A representação do espaço psicológico permite definir a composição destas
personagens como personagens modeladas. A presença do espaço psicológico implica,
obviamente, a presença da subjectividade, pondo em causa a estética naturalista.