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ESPAÇO

ESPAÇO FÍSICO

Os espaços geográficos mais relevantes são Coimbra, Lisboa e Santa Olávia e ligam-
se às vivências da personagem central, Carlos, em diferentes fases da sua vida. Coimbra
surge ligada à formação académica de Carlos; Lisboa corresponde ao período em que, depois
da viagem de fim de curso pela Europa, ele se instala no Ramalhete; Santa Olávia simboliza
a fertilidade da terra onde abunda a água, opõem-se à cidade e associa-se principalmente a
Afonso. Lisboa será o palco do fracasso das potencialidades de Carlos e da crónica de
costumes, pelo que aí surgem microespaços para caracterizar as personagens e a definição
da capital portuguesa.

O Ramalhete era a residência da família Maia, em Lisboa, situada na Rua de S.


Francisco, às Janelas Verdes. A vivência “intramuros” era, na perspectiva de Vilaça, sempre
fatal aos Maias. Liga-se à decadência nacional da época. São-nos descritas as salas de
convívio e de lazer, o escritório de Afonso que parece “uma severa câmara de prelado”, o
quarto de Carlos mais parecido a um “quarto de bailarina” e o jardim cheio de simbolismos.

O consultório de Carlos preconiza e antecipa a dualidade intrínseca à personalidade


de Carlos, homem do mundo por educação e vivência, homem de ciência por formação e
ideal. A sua decoração revela a dispersão e o diletantismo inerente aos jovens da sua
geração. Na antecâmara evidenciavam-se reflexos mundanos, convidando à voluptuosidade
imagética, no gabinete, apesar da austeridade, espelhava-se a frustração do ideal médico e
a sensualidade que emergia nas fotografias de actrizes seminuas, no divã, e no piano que
mais convidava à festa do que ao apaziguamento do estado doloroso dos doentes.

Na Rua de S. Francisco, a casa de Maria Eduarda, era propriedade da mãe de


Cruges que, amavelmente, alugara o primeiro andar a Castro Gomes e a Maria Eduarda. A
sala é, para Carlos acolhedora, mas o quarto oferece a Carlos sensações díspares: aliado ao
bom gosto e ao requinte de algumas peças, destacavam-se duas que marcavam a
dissonância, o “Manual de Interpretação de Sonhos” e uma enorme caixa de pó-de-arroz
ornamentada como se fosse de uma cocotte. Estes dois objectos pressagiam a dualidade de
Maria Eduarda e ligam-se a Afrodite, deusa do Amor e elemento perverso do ser feminino,
revelando um meio cultural ligeiramente distante do de Carlos, evidência a que este é
sensível.

A Vila Balzac, algures na Graça, é o retiro amoroso de Ega e reflecte a sua


dualidade literária e a sua personalidade contraditória (tal como o escritor francês
realista, Balzac, Ega divide-se entre o Romantismo e o Realismo). Ligada à dimensão
dissoluta da vida do escritor de quem tem o nome, no retiro de Ega destaca-se o quarto,
local onde passa grande parte do seu tempo e que tem como cor predominante o vermelho,
simbolicamente ligado à vida e à morte. O espelho que envolve o quarto enfatiza o carácter
narcisista e ocioso de Ega, na Lisboa finissecular. A ausência de decoração na sala, espaço
de um “intelectual” faz a oposição entre os ideias que apregoa e aquilo que é, pois a sua
sensualidade sobrepõe-se à sua faceta intelectual.

A Toca era o recanto idílico, nos Olivais, onde Maria Eduarda e Carlos partilharam
as curtas juras de Amor. Propriedade de Craft arrendada por Carlos para preservar a sua
privacidade amorosa, representa simbolicamente o “território” de Carlos e Maria Eduarda.
A decoração permite-nos antever o desfecho desta relação que, afrontando valores éticos
e morais, desafia as leis humanas e se rende a outras leis, através da relação incestuosa,
bestialmente consumada (as panteras só acasalam no seio da família). A decoração é
exótica, juntando móveis e porcelanas árabes e japonesas, adivinhando o confronto de
culturas e respectivos valores. A luxúria da cor – o amarelo e o dourado – remete para o
gosto das sensações fortes, moralmente proibidas, pressagiando o incesto.

Santa Olávia era o solar da família, em Resende, na margem esquerda do Douro,


simbolizando a vida e a regeneração dos dois varões da família. Tem um clima ameno,
representa a purificação de Afonso. É um espaço natural, conotado positivamente, símbolo
de vida, metonimicamente ligado à água e que se opõe à cidade degradada, Lisboa, local da
degradação familiar.

Sintra é um lugar edénico e idílico que representa a beleza paradisíaca, com a sua
soberba paisagem lembrando o passado histórico e romântico. Perdendo-se nas brumas da
serra, ergue-se em todo o seu esplendor, qual fénix, e envolve a memória dos que a visitam.
Era o local de passeio da alta burguesia de século XIX. Tem várias ligações com as
personagens: o Palácio da Vila, pela sua austeridade, pode ser comparado ao Ramalhete e,
metaforicamente, a Afonso; o Palácio da Pena, solitário no cume da serra, como que perdido
na paisagem romântica, liga-se à figura de Pedro; o Palácio de Seteais, votado ao abandono,
remete ainda para o Ramalhete já no final da obra, após dez anos de abandono; a riqueza
paisagística de Sintra e da Várzea evocam Santa Olávia, pequeno vergel nas margens do
Douro. O ambiente bucólico e pungente de vida coloca Sintra na esfera ideológica da
regeneração do país, apregoada por Ega, mas o seu aspecto paradisíaco será corrompido
pela agressão prosaica representada pelos valores decadentes apresentados pelas figuras
de Eusèbiozinho, de Palma Cavalão e de Dâmaso, tornando este éden natural uma
continuação do espaço lisboeta.

Coimbra é um meio boémio, fonte de diletantismo, marcada também pela


estagnação. O seu relevo no romance deve-se a marcar e completar a formação (ou
deformação) de Carlos. Através de Coimbra e da sua vida de dispersão sugere-se que os
indivíduos que estavam à frente dos destinos do país passaram forçosamente por este meio
de sentimentalismo.

Lisboa concentra a alma de Portugal, a sua degradação moral, a ociosidade crónica


dos portugueses, simbolizando a decadência nacional, metaforicamente representada pela
estátua de Camões. Por ser a capital centraliza a vida económica, literária e política do país.
O retrato social que este meio físico proporciona é-nos dado pelos “episódios da vida
romântica”.

O estrangeiro é um recurso para resolver complicações, mas não é descrito na obra.


Afonso exila-se em Inglaterra para fugir à intolerância miguelista. Pedro e Maria Monforte
vivem em Itália e em Paris o seu amor contrariado pela recusa de Afonso em aceitá-lo.
Maria Eduarda parte para Paris depois do incesto, bem como Carlos que também decide
refugiar-se aí depois de toda a sua vida ter falhado.
ESPAÇO SOCIAL

É o nível mais geral da acção que terá representatividade no espaço social,


constituído por um conjunto de figurantes que representas grupos sociais: o político (Conde
de Gouvarinho), o literato ultra-romântico (Alencar), o banqueiro (Cohen), o jornalista
politiqueiro (Neves), o jornalista reles (Palma Cavalão), o burocrata (Sousa Neto), o novo-
rico (Dâmaso), o diplomata (Steinbroken), a educação tradicional (Eusèbiozinho), o artista
incompreendido (Cruges), o diletante (Craft).
Ao longo do romance surgem momentos de pausa onde uns ou outros destes
figurantes se reúnem, manifestando não a sua individualidade mas aqueles tiques,
deformações e limitações que caracterizam as suas classes sociais. Dentro desses
momentos de pausa é de salientar certos episódios que passo a descrever.

No jantar no Hotel Central Ega pretender homenagear Cohen, marido de Raquel, sua
amante. É neste momento que Carlos penetra no meio social lisboeta, embora adopte uma
atitude distante, é neste momento também que ele vê pela primeira vez Maria Eduarda,
mas não lhe presta a devida atenção ficando só com uma ideia pouco pormenorizada da
figura dela. Este jantar é a radiografia de Lisboa no que respeita à literatura, à finança e à
política. Alencar opõe-se ao Realismo/Naturalismo, refugiando-se na moral, que ele próprio
não seguiu no passado, e constata-se que para Ega não é muito clara a distinção entre
Realismo e Naturalismo, defendendo o cientificismo na literatura. O assunto das finanças é
tratado despreocupadamente, revelando uma grande falta de responsabilidade a ponto de
se dizer calmamente que os empréstimos são a principal e a indispensável fonte de receitas
do país. Eça continua a caricaturar o ponto de vista destes elementos da alta burguesia
através do modo diletante como se pronunciam sobre a política, adiantando soluções
absurdas como a de Ega, que após criticar a decadência do país, afirma desejar a
bancarrota para serem invadidos por Espanha, aclama ainda a República em substituição da
Monarquia. A mentalidade retrógrada de Alencar e o calculismo e cinismo com que Cohen
comenta a deterioração financeira são elementos marcantes da crise de uma geração e do
próprio País. Através desta reunião da sociedade, Eça retrata uma cidade num esforço para
ser civilizada, mas que não resiste e acaba por mostrar a sua impressão, a sua falta de
civilização. As limitações ideológicas e culturais acabam por estalar o verniz das aparências
quando Ega e Alencar depois de usarem todos os argumentos possíveis partem para ataques
pessoais que culminam numa cena de pancadaria, mostrando o tipo de educação desta “alta”
sociedade lisboeta que tanto se esforça por ser (ou parecer) digna e requintada, mas que
no fundo é grosseira.

As corridas de cavalos são uma sátira ao esforço de cosmopolitismo que se espelha


no desejo de imitar o que se faz no estrangeiro e era considerado sinal de progresso, e ao
provincianismo do acontecimento. Apreciamos de forma irónica e caricatural uma sociedade
burguesa que vide de aparências. O comportamento da assistência feminina, “que nada fazia
de útil”, e a sua vida são totalmente caricaturados. O traje escolhido pela maioria da
assistência não se adequava à ocasião, daí alguns cavalheiros se sentirem embaraçados com
o seu chique, e muitas senhoras trazerem “vestidos sérios de missa”, acompanhados por
grandes chapéus emplumados da última moda, mas que não se adequavam nem ao evento,
nem à restante toilette. Assim, o ambiente que deveria ser requintado, mas também ligeiro
como compete a um acontecimento desportivo é deturpado, traduzindo a falta de gosto e o
ridículo da situação que se quer requintada sem o ser. Critica-se ainda a falta de à-vontade
das senhoras da tribuna que não falavam umas com as outras e que para não
desobedecerem às regras de etiqueta – como fez D. Maria da Cunha ao abandonar a tribuna
– permaneciam no seu posto, mas constrangidas. O homens surgem desmotivados “numa
pasmaceira tristonha”. A assistência não revela qualquer entusiasmo pelo acontecimento e
comparecem somente por desejar aparecer no “High Life” dos jornais e/ou para mostrar a
extravagância do vestuário. A desordem provocada por um jóquei anima o ambiente, mas é
um sintoma da falta de educação portuguesa. Fisicamente o espaço é degradado: o recinto
parece uma quintarola, as bancadas são improvisadas, besuntadas de tinta com palanques de
arraial. O bufete fica debaixo da tribuna “sem sobrado, sem um ornato”, onde os
empregados sujos achatavam sanduíches com as mãos húmidas de cerveja. A própria
tribuna real está enfeitada com um pano reles de mesa de repartição.

O jantar em cada do Conde Gouvarinho permite através da falas das personagens,


observar a degradação dos valores sociais, o atraso intelectual do país, a mediocridade
mental de algumas figuras da alta burguesia e da aristocracia, dando especial atenção ao
Conde de Gouvarinho e sobretudo a Sousa Neto. As personagens emitem duas diferentes
concepções sobre a educação da mulher. Sousa Neto, o representante da administração
pública, demonstra-se superficial nas suas intervenções. Sousa Neto, serve a Eça para
mostrar como se encontra a cultura dos altos funcionários do Estado. Ega percebe que
Sousa Neto nada sabe sobre o socialismo utópico de Proudhon e que nem é capaz de manter
um diálogo consequente, rematando com a brilhante frase “Proudhon era um autor de muita
nomeada”, mas “não sabia que esse filósofo tivesse escrito sobre assuntos escabrosos”
como o amor. Posteriormente perguntará a Carlos se em Inglaterra há literatura,
revelando-se ainda mais ignorante. Sousa Neto manifesta ainda a sua curiosidade em
relação aos países estrangeiros, interrogando Carlos, mostrando o seu aprisionamento
cultural confinado às terras portuguesas. No aspecto exterior lembra o episódio do Hotel
Central, persistem as ementas francesas, a mesa enfeitada de flores, o luxo e o aparato.

Os episódios dos jornais critica a decadência do jornalismo português que se deixa


corromper, motivado por interesses económicos (A Corneta do Diabo) ou evidenciam uma
parcialidade comprometedora de feições políticas. No jornal A Corneta do Diabo havia sido
publicada uma carta escrita por Dâmaso que insultava Carlos e expunha, em termos
degradantes, a sua relação com Maria Eduarda; Palma Cavalão revela o nome do autor da
carta e mostra aos dois amigos o original, escrito pela letra de Dâmaso, a troco de “cem mil
réis”. A parcialidade do jornalismo da época surge quando Neves, director do jornal A
Tarde, aceita publicar a carta na qual Dâmaso se retracta, depois da sua recusa inicial por
confundir Dâmaso Salcede com o seu amigo político Dâmaso Guedes. A mesma parcialidade
surge na redação de uma notícia sobre o livro do poeta Craveiro, por pertencer “cá ao
partido” e mais ainda quando Gonçalo, um dos redactores insulta o Conde de Gouavarinho,
mas logo depois diz que “É necessário, homem! Razões de disciplina e de solidariedade
partidária.

A superficialidade das conversas, a insensibilidade artística, a ignorância dos


dirigentes, a oratória oca dos políticos e os excessos do Ultra-Romantismo constituem os
objectivos críticos do episódio do sarau literário do Teatro da Trindade. Ressalta a falta
de sensibilidade perante a arte musical de Cruges, que tocou Beethoven e representa
aqueles poucos que se distinguiam em Portugal pelo verdadeiro amor à arte e que, tocando a
Sonata Patética, surgiu como alvo de risos mal disfarçados, depois de a marquesa de Soutal
dizer que se tratava da “Sonata Pateta”, tornando-o o “fiasco” da noite. Nota-se que o
público alto-burguês e aristocrata que assistia ao sarau é pouco culto, exaltando a oratória
de Rufino, um bacharel transmontano, que faz um discurso banal cheio de imagens do
domínio comum para agradecer uma obra de caridade de uma princesa, recorrendo ainda a
artificiosismos barrocos e ultra-românticos de pouca originalidade, mas no final as ovações
são calorosas demonstrando a falta de sensibilidade do povo português.

A casa particular (tanto a dos Gouvarinhos como a dos próprios Maias) é-nos
mostrada numa quase constante funcionalidade mundana de receber e distrair, pelo que a
podemos aproximar a um hotel ou a um teatro. Tudo nela fica reduzido a uma sala
artificialmente caracterizada pelo mesmo desusado artifício ornamental e culinário – mesa .
que findo o repasto será substituída por outra exclusivamente recreativa – mesa de jogo.

ESPAÇO PSICOLÓGICO

Este espaço vai privilegiar o que ocorre dentro das personagens, sobretudo através
do monólogo interior, manifestando-se em momentos de maior densidade dramática. É
sobretudo Carlos que desvenda os meandros da sua consciência, ocupando também Ega
lugar de relevo. O narrador como que desnuda as personagens perante o leitor, dando conta
dos estados de alma, dos pensamentos, da corrente da sua consciência.
Carlos vê Maria Eduarda, pela primeira vez, em frente ao Hotel Central e a imagem
desta causa-lhe uma impressão profunda. Mais tarde, é narrado o seu sonho, em que Maria
Eduarda reaparece como uma deusa. Funciona como factor indicial da acção, apontando para
a relação amorosa que se estabelecerá entre Carlos e Maria Eduarda. Este estado de alma
muito íntimo, em situação de embriagues ou semiconsciência, aparece-nos com um discurso
desorganizado, repetitivo e sem coerência lógica.
Procurando avidamente encontra Maria Eduarda em Sintra, Carlos serve-se da
imaginação e vê languidamente as formas do corpo de Maria Eduarda. Aponta, tal como o
sonho, para a relação amorosa de Carlos e Maria Eduarda.
Através da focalização interna, são dadas a conhecer as emoções e as reflexões de
Carlos sobre Maria Eduarda e da sua relação com esta, as quais revelam a sua formação e
valores. Também são expostos as emoções e reflexões de Ega em relação a Carlos e Maria
Eduarda, este espaço prende-se directamente com a ideologia da obra, apontando o
absurdo como algo que leva à união de Carlos com a sua própria irmã.
Carlos relembra a morte do avô (memória) como a morte de uma fase da existência.
A representação do espaço psicológico permite definir a composição destas
personagens como personagens modeladas. A presença do espaço psicológico implica,
obviamente, a presença da subjectividade, pondo em causa a estética naturalista.

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