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Alimentos Orgânicos

ALIMENTOS
ORGÂNICOS
UM MERCADO EM
EXPANSÃO
O mercado de alimentos orgânicos tem apresentado grande
crescimento nos últimos anos, consequência da maior procura
pelos consumidores que se preocupam com uma alimentação
saudável e com a “desintoxicação” do meio ambiente.

Introdução

N
as últimas três décadas, o uso principalmente, por preocupações dos alimentos e intoxicação dos
indiscriminado de fertilizan­ com a saúde pessoal. Nesse contexto, trabalhado­res rurais por agrotóxicos.
tes quintuplicou, o que é hoje existem consumidores dispostos a pa­ Em fins da década de 1970 e
uma das maiores preocupações nas gar um pouco mais por produtos que início dos anos 1980, muitas pesqui­
diversas partes do mundo. Em vista possuam alguns atributos desejados. sas realizadas sobre os impactos
disso e de estudos que comprovam a Diante dessa realidade, o mercado da mecanização e dos agrotóxicos
contaminação de alimentos e do meio de produtos de origem orgânica vem sobre o ambiente e o ser humano
ambiente por agrotóxicos, causando ganhando cada vez mais espaço. foram levadas a público. Um estudo
danos à saúde, cresce o número de realizado pelo Instituto Florestal do
consumidores que passam a criticar Agricultura orgânica Estado de São Paulo mostrou que
o modelo de agricultura vigente, que Se na década de 1970, o país vi­ com o desmatamento desenfreado
utiliza agrotóxicos e fertilizantes via a euforia do milagre econômico, restavam no Estado apenas 8% de
químicos nas plantações. contando a agricultura com crédito matas naturais, concentradas basica­
A ampliação de mercados mais farto e subsidiado e demais estímu­ mente na Serra do Mar. Análises rea­
flexíveis e a facilidade maior ao aces­ los à expansão da fronteira agrícola lizadas pelo Instituto de Tecnologia
so a informações por parte dos con­ e da produção, foi também a década de Alimentos (ITAL) de Campinas,
sumidores, têm levado à formação em que afloraram as contradições do SP, identificaram resíduos de agro­
de um consumidor mais consciente processo da modernização agrícola. tóxicos em laticínios, embutidos e
e exigente na escolha e compra dos Afora os impasses socioeconômicos, outros produtos industrializados das
produtos alimentícios, fazendo sur­ surgiram as primeiras críticas sobre principais marcas comercializadas
gir um novo tipo de consumidor: o os impactos ambientais de tal opção, no mercado. Análises de hortaliças
“consumidor orgânico”. traduzidas na devastação florestal e frutas realiza­d as pelo Instituto
A busca por qualidade em produ­ resultante da incorporação de no­ Biológico identificaram problemas
tos agroindustriais tem mostrado, vas áreas ao processo produtivo, na de resíduos tóxicos elevados em um
desde a década de 1990, um cresci­ degradação dos recursos edáficos e número expressivo de amostras.
mento constante e significativo de­ hídricos com a mecanização inten­ Esses são alguns dos elementos
corrente de mudanças nas preferên­ siva do solo e uso indiscriminado que influenciaram, em meados da
cias dos consumidores, motivadas, de agroquímicos, na contaminação década de 1970, o surgimento da

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agricultura alternativa no Brasil principal conclusão era que no planeta químicos e os agrotóxicos, também
como uma opção ao modelo da Re­ Terra não havia matérias-primas e deve ser isento de drogas veterinárias,
volução Verde, em grande expansão energia para que toda a população hormônios e antibióticos, e de organis­
em função das políticas, recursos e adotasse os padrões de consumo mos geneticamente modificados. Du­
ações públicas de apoio a tal modelo, então predominantes nos países rante o processamento dos alimentos é
notadamente nas esferas do crédito desenvolvidos. proibido o uso das radiações ionizantes
rural, da extensão, dos incentivos Em 1974, foi publicado pela (que produzem substâncias canceríge­
fiscais e da pesquisa agrícola. EDUSP - Editora da Universidade de nas, como o benzeno e o formaldeído)
Nos países centrais, estavam São Paulo - um trabalho que também e aditivos químicos sintéticos, como
em evidência os movimentos de corroborava com as teses do Clube corantes, aromatizantes, emulsifican­
contracultura e de contestação de Roma. tes, entre outros.
ao padrão tecnológico da agrícola Na segunda metade da década de O termo alimento orgânico tem
hegemônico, notadamente na Europa 1970, foram organizados os primeiros origem na Agricultura Orgânica que,
e nos Estados Unidos. Na França, as eventos sobre agricultura alternativa, na Legislação Brasileira de 2007, tem
iniciativas eram orientadas segundo promovidos por entidades de classe como objetivos a auto sustentação da
os princípios da agricultura biológica; da agronomia, iniciativas que viriam propriedade agrícola no tempo e no
na Alemanha, era mais expressiva a a ter desdobramentos futuros quan­ espaço, a maximização dos benefícios
corrente da agricultura biodinâmica; to à sensibilização, à capacitação e sociais para o agricultor, a minimiza­
nos países de língua inglesa, Estados ao engajamento dos agrônomos no ção da dependência de energias não
Unidos e Inglaterra à frente, pre­ movimento ambientalista, e nos mo­ renováveis na produção, a oferta
dominava a corrente da agricultura vimentos sociais do campo. de produtos saudáveis e de elevado
orgânica; no Japão, se identificava a Assumia-se o termo agricultura valor nutricional, isentos de qualquer
escola da agricultura natural. alternativa como abrangente às dis­ tipo de contaminantes que ponham
Tais movimentos de contestação tintas correntes de contestação ao em risco a saúde do consumidor, do
ao padrão dominante tinham um modelo dominante: agricultura bioló­ agricultor e do meio ambiente, o
viés eminentemente ecológico, não gica, natural, permacultura, orgânica, respeito à integridade cultural dos
se atendo aos problemas sociais do biodinâmica, entre outras. agricultores e a preservação da saúde
agronegócio, que no Primeiro Mun­ ambiental e humana.
do não tinham a mesma expressão Alimento orgânico - Definição O alimento orgânico não é menor
que no terceiro, face às políticas de e valor nutricional ou de aspecto inferior ao conven­
subsídios ao setor. O alimento orgânico não é somente cional. Normalmente, esse tipo de
Em 1972, foi levado a público o “sem agrotóxicos”. Além de ser isento alimento provém de uma fazenda or­
Relatório do Clube de Roma, cuja de insumos artificiais, como os adubos gânica em sua fase inicial de produção
ou a um sistema produtivo que não
aplica adequadamente as práticas da
agricultura orgânica.
Um alimento orgânico de quali­
dade é competitivo, saboroso e mais
saudável que o convencional.
Os alimentos orgânicos têm
melhor valor nutricional porque são
produzidos em solo mais equilibrado
em nutrientes. Assim, são mais ricos
em minerais e fitoquímicos. Além
disso, apresentam menor toxicidade,
pois possuem menos resíduos de
agrotóxicos e fertilizantes sintéticos,
de hormônios e drogas veterinários
usadas na produção animal ou adi­
tivos químicos, vitaminas e minerais
sintéticos e substâncias radioativas
resultantes do processamento dos ali­
mentos. Os métodos de higienização
e processamento utilizados para os
alimentos orgânicos buscam manter

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sua qualidade nutricional, seu sabor, cesso térmico, as gorduras tendem outras tecnologias utilizadas no ali­
odor e textura originais, além do as­ a rancificação pela destruição dos mento orgânico, como o refinamento
pecto natural do alimento. antioxidantes e ocorre a modificação de cereais e farinhas, e a esterilização
Além disso, os alimentos orgâni­ das características organolépticas. de leites orgânicos devem ser revistas
cos são mais duráveis, uma vez que Além disso, a irradiação cria novas na legislação. Resgatar métodos de
a adubação sintética nitrogenada, substâncias químicas em carnes, co­ processamento com baixo impacto so­
proibida na Agricultura Orgânica, nhecidas como “produtos radiolíticos” bre a qualidade do alimento orgânico
leva a um aumento no teor de água - o benzeno e o formaldeído - de ação é uma necessidade. A desidratação,
dos vegetais, tornando tais alimentos carcinogênica. o congelamento, a conservação pelo
mais perecíveis. A utilização crescente de aditivos sal, pelo açúcar e pelo ácido, a fer­
químicos sintéticos para promover mentação, a liofilização, a parboliza­
Orgânicos industrializados sabor, cor, durabilidade e texturas ção e o uso de aditivos naturais são
e integrais artificiais preocupa os órgãos ligados processos tecnológicos que podem ser
Os orgânicos geralmente são re­ à área da saúde pública desde 1957, desenvolvidos dentro da indústria de
lacionados com alimentos in natura, quando a Organização Mundial da alimentos e que mantém a qualidade
frescos e não processados. Porém, a Saúde promoveu um encontro de dos produtos orgânicos.
industrialização e o processamento especialistas em aditivos alimenta­ Já na alimentação integral or­
de alimentos é uma necessidade para res. Esse encontro de especialistas gânica parte-se do princípio de que,
quem vive em um mundo com pouco discutiu os riscos da sua utilização apesar da imensa diversidade das
tempo para se dedicar ao preparo relacionados à lesão cerebral causada práticas agrícolas e alimentares dos
dos alimentos. por estimulantes de sabor, além de povos tradicionais, todas deram bons
Existem duas tecnologias proibi­ determinados tipos de câncer, aler­ resultados porque quase sempre
das na legislação dos orgânicos, são gias, intoxicações diversas e hipera­ conservavam a forma natural do ali­
elas a irradiação e o uso de aditivos tividade causada pelo uso de alguns mento, além da biodiversidade.
químicos sintéticos. A irradiação é dos 2.000 tipos de aditivos disponíveis Quando se aborda o tema de uma
proibida porque há controvérsias so­ no mercado. alimentação saudável sob a ótica da
bre sua eficácia e sobre seu efeito tó­ Além dessas tecnologias não alimentação integral orgânica, o que
xico. Tal tecnologia destrói vitaminas, liberadas nos orgânicos, outros pro­ se procura é estimular um pensamen­
até 90% da vitamina A na carne de cedimentos tecnológicos agressivos to sistêmico. As indicações sobre um
frango, 86% da vitamina B em aveia, e devem ser questionados. São proce­ grupo de alimentos específico não
70% da vitamina C em suco de frutas. dimentos que também prejudicam a remetem à ação de um só nutriente
À medida que o tempo de estocagem qualidade do alimento, interferindo ou de um alimento com funções su­
aumenta, outros nutrientes são per­ em um dos objetivos centrais da agri­ perlativas, separado de toda a dieta.
didos. As proteínas são desnaturadas, cultura orgânica: a produção de ali­ Ao restringir ou estimular o con­
as vitaminas A, B12, C, E e K sofrem mentos saudáveis e equilibrados em sumo de um alimento deve-se pensar
alterações semelhan­tes às do pro­ seu teor de nutrientes. Nesse sentido, no equilíbrio da alimentação, na
origem e na forma de produção dos
alimentos e no equilíbrio quantitativo,
variando sempre os diferentes grupos
de alimentos. Enfatiza-se, ainda,
a necessidade de pensar em saúde
holisticamente, a partir de formas
saudáveis de lazer, de trabalhar, de
amar, de exercitar-se, de respirar,
além de se alimentar.
As pesquisas reducionistas que
avaliam determinado nutriente e sua
ação específica no organismo, sem
avaliar a dieta e a qualidade de vida
como um todo, têm conduzido a mui­
tos erros dietéticos dentro da ciência
da nutrição.
Alguns alimentos orgânicos não
são facilmente disponíveis no merca­
do. Já existem muitos grãos, frutas e,

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existem também “gorduras boas”.
As nozes, antes consideradas pre­
judiciais por seu alto conteúdo de
gordura, são atualmente relacionadas
à prevenção de doenças cardíacas.
O consumo de chocolate, já asso­
ciado à obesidade, pode fazer bem à
saúde. Finalmente, pesquisadores
apontam que substâncias chamadas
flavonóides, encontradas no cacau,
podem diminuir o colesterol.
A abordagem dessas contro­
vérsias científicas pode auxiliar na
compreensão do tema dos alimentos
orgânicos. Os alimentos orgânicos
são definidos como aqueles alimentos
in natura ou processados que são
oriundos de um sistema orgânico de
produção agropecuária e industrial.
A produção de alimentos orgânicos é
principalmente, verduras orgânicas, em suas relações com a sociedade. A baseada em técnicas que dispensam
mas em termos de produtos de ori­ análise de pesquisas na área de ali­ o uso de insumos, como pesticidas
gem animal, leite e derivados, ovos, mentação e nutrição revela evidências sintéticos, fertilizantes químicos,
carnes e frangos há pouca oferta. contraditórias acerca da segurança e medicamentos veterinários, orga­
Também constituem uma lacuna da eficácia de práticas de uso dos ali­ nismos geneticamente modificados,
para o consumidor os alimentos in­ mentos, nutrientes ou suplementos. conservantes, aditivos e irradiação.
tegrais orgânicos processados, como A cada dia surgem novos estudos que A ênfase da produção está dire­
compotas, sopas, cereais pré-cozidos, questionam os anteriores. cionada ao uso de práticas de gestão
massas, bolachas, óleos pressuriza­ Algumas pesquisas ilustram essas e manejo do solo que levam em conta
dos a frio, sucos, entre outros. Essa contradições. O consumo de ovos, por as condições regionais e a necessidade
carência deve estimular o consumi­ exemplo, foi restrito para prevenir de adaptar localmente os sistemas de
dor a exigir produtos de qualidade riscos de doença cardiovascular. produção. É importante destacar que,
e incentivar a sua produção, para Evidências científicas posteriores in­ mesmo que a produção dos alimentos
disciplinar o mercado e o marketing dicaram, porém, uma associação fraca orgânicos não utilize esses insumos,
dos alimentos e para apoiar políticas entre a restrição de ovos e a redução não é possível garantir a ausência
públicas em favor da agricultura dos riscos de doença cardiovascular total de resíduos de contaminantes
familiar orgânica, tornando-se um e derrame. químicos, por problemas relaciona­
consumidor mais consciente. O consumo de café também já foi dos à contaminação ambiental com
A proposta da alimentação inte­ relacionado à etiologia da hiperten­ produtos persistentes e também por
gral orgânica não tem um caráter são. No entanto, outro estudo apontou derivação e proximidade de proprie­
restritivo. O que se ressalta aqui é a que, embora o consumo de café esteja dades convencionais.
necessidade de dar mais valor a um associado a pequenas alterações As restrições quanto aos dife­
modo de se alimentar e de viver em na pressão sanguínea, não tem um rentes contaminantes se devem aos
sintonia com os complexos con­ceitos papel central no aparecimento da diversos (e controversos) estudos
de qualidade de vida e de saúde hipertensão. que apresentam efeitos de algumas
socioambiental. Também serve de exemplo o caso dessas substâncias na saúde huma­
da dieta rica em vegetais, frutas e na. Outra questão diz respeito ao
Alimentos orgânicos e grãos, preconizada pelos médicos declínio da qualidade do solo e da
saúde: há controvérsias! e nutricionistas para o controle de quantidade de nutrientes, especial­
O estudo das controvérsias é uma doenças cardiovasculares. Um estu­ mente micronutrientes, em muitos
ferramenta metodológica para o do com mais de 48 mil mulheres não alimentos provenientes dos métodos
conhecimento das dimensões sociais reduziu significativamente o risco de convencionais de plantio, irrigação
e políticas da ciência. Nesse campo, é tais doenças nessa população. e uso intensivo de agrotóxicos e fer­
possível aprender sobre as dinâmicas Foi demonstrado ainda que nem tilizantes. Também há controvérsia
da produção científica e tecnológica todas as gorduras são nocivas e que quanto ao valor nutricional e ao preço

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de venda dos alimentos orgânicos em armazenamento e o transporte, que sobre qualidade nutricional dos ali­
comparação aos alimentos produzidos influenciam diretamente o conteúdo mentos orgânicos comparados aos
convencionalmente. de nutrientes nas plantas. O de­ convencionais e encontrou resulta­
sempenho de sistemas produtivos dos opostos: maior teor de matéria
Alimentos orgânicos vs. orgânicos e convencionais deve ser seca em tubérculos, raízes e folhas;
alimentos convencionais estudado na propriedade de origem, maior teor de ferro e magnésio em
Na literatura científica, algumas onde o grau de controle dos fatores vegetais como batata, couve, ce­
pesquisas avaliaram os benefícios do externos supramencionados é me­ noura, beterraba, alho-poró, alface,
consumo de alimentos orgânicos para nor do que nos laboratórios. cebola, aipo e tomate; mais vitamina
a saúde humana. Tais estudos alegam Assim, é possível perceber a di­ C na batata, alho-poró, couve e aipo;
que uma dieta orgânica pode diminuir ficuldade de planejar estudos efe­ maiores quantidades de betaca­
a exposição de crianças aos pesticidas tivos, cujos resultados possam ser roteno no tomate, cenoura e leite
e apresentar efeito positivo no que­ sistematizados e comparados aos de orgânicos; maiores quantidades de
sito fertilidade, uma vez que muitos diferentes pesquisas. Os resultados fitoquímicos na maçã, pêssego, pêra,
pesticidas são disruptores endócrinos dos estudos que compararam os ali­ laranja, cebola, tomate, batata,
(uma dieta isenta dessa classe de mentos orgânicos e os convencionais pimentão, óleo de oliva (compostos
agrotóxicos pode ter um efeito sobre foram sintetizados em duas grandes fenólicos), vinho (resveratrol) e
a fertilidade masculina). No entanto, é revisões realizadas em 2009. Um delas tomate (ácido salicílico).
difícil estabelecer relações, pois os es­ se posiciona claramente contra a su­ O estudo francês destaca ain­
tudos populacionais que compararam perioridade dos orgânicos em termos da o maior teor de ácidos graxos
a saúde das pessoas que consomem nutricionais; a outra é mais favorável, poli-insaturados no leite, ovos e
habitualmente alimentos orgânicos mas ainda assim sinaliza controvérsias carnes orgânicas, uma vez que a
com a saúde daquelas que consomem no campo de estudo. Pesquisadores dieta à base de pasto e a criação
alimentos convencionais apresenta­ da Food Standards Agency (FSA), livre preconizada no manejo ani­
ram grande número de variáveis não do Reino Unido, afirmam não haver mal orgânico têm como resultado
controladas. evidências de benefícios para a saúde carne e leite com menores teores
Quanto às comparações sobre no consumo dos alimentos orgânicos de gordura saturada. Ambas as
valor nutricional, muitos fatores e comparados aos convencionais em revisões confirmam o teor aumen­
variáveis devem ser considerados relação ao valor nutricional. tado de nitratos em alimentos de
nas pesquisas, tais como o tempo Por isso, atestam que tais ali­ origem convencional. Quanto aos
de produção orgânica, o restabe­ mentos não são de relevância para aspectos sensoriais, embora faltem
lecimento da vida do solo, o tipo a saúde pública. Por outro lado, evidências conclusivas, há indica­
de sistema orgânico utilizado, a a Agence Française de Sécurité ções de que os alimentos orgânicos
variabilidade dos fatores externos Sanitaire des Aliments (AFSSA) sejam mais saborosos. Contudo, a
(luz solar, temperatura, chuva), o realizou uma avaliação de estudos análise dos aspectos sensoriais de
qualidade é complexa, uma vez que
é subjetiva a característica de um
alimento que determina a aceitabi­
lidade do consumidor.
Outro aspecto importante rela­
ciona-se à durabilidade, uma vez
que a adubação à base de nitrogênio
utilizada na agricultura convencio­
nal promove um aumento no teor
de água dos vegetais, tornando tais
alimentos mais perecíveis. A uti­
lização de dejetos de animais pelo
sistema orgânico na horticultura
levanta suspeitas sobre sua qualida­
de microbiológica e parasitária. En­
tretanto, seguindo-se boas práticas
agrícolas que minimizem os riscos
de contaminação biológica, não
há evidências de que os orgânicos
sejam mais suscetíveis à contami­

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Além disso, a ausência de inter­
mediação permite uma maior apro­
priação, pelos agricultores, dos re­
sultados de seu trabalho, em termos
de renda. A produção orgânica exige
maior envolvimento de mão de obra.
Ao adquirir esse tipo de alimento, o
consumidor passa a contribuir para
o fortalecimento e a viabilidade da
agricultura familiar. Essa é uma
contribuição social do consumidor
socioambientalmente consciente:
ao buscar produtos orgânicos, ele
assume um papel decisivo nesse
contexto de transição. O alimento é
uma mercadoria que o consumidor
exige que tenha preço baixo e alta
qualidade, e o preço baixo de um
alimento ou refeição raramente leva
em conta o custo ambiental, os gastos
nação microbiológica quando com­ de serviços aos produtos (uso de energéticos para sua produção, os
parados aos sistemas convencionais. embalagens plásticas ou isopor), impactos na saúde humana, no bem
Com relação às micotoxinas contratos regulares de entrega (nem estar animal e na qualidade de vida
(toxinas produzidas por fungos), a sempre possíveis em função da sazo­ dos que produzem tais alimentos. Ao
FAO ressalta não haver comprovação nalidade dos alimentos in natura) e adquirir o alimento orgânico, o consu­
de que os alimentos orgânicos sejam a não remuneração do produto não midor contribui para a promoção da
mais contaminados. A revisão da comercializado, entre outras. Além sua saúde, para a qualidade de vida
AFSSA destaca que é semelhante o disso, faz uso de margens altas para das futuras gerações e para a pre­
teor de micotoxinas nos cereais orgâ­ o aumento da lucratividade, o que servação dos ecossistemas naturais.
nicos e nos convencionais. Quanto ao dificulta a venda e elitiza o consumo
preço dos alimentos orgânicos, Aze­ de alimentos orgânicos. Credibilidade certificada
vedo destaca as variantes envolvidas Por outro lado, o supermercado A certificação dos alimentos or­
no processo produtivo dos alimentos. permite que uma fatia de consumi­ gânicos é uma forma de assegurar
De forma simplificada, alega-se que dores urbanos descubra o produto ao consumidor que o produto foi
o valor agregado, que pode variar de orgânico, tornando-o mais conheci­ produzido dentro de um processo
20% até 100% mais para os produtos do e acessível. A venda direta e as orgânico, sem a utilização de agro­
orgânicos em relação aos de origem feiras são propostas eficazes para tóxicos, respeitando o ambiente e o
convencional, tem como uma das cau­ o fortalecimento de associações de homem, etc.
sas a lei da oferta e da procura. Frente agricultores orgânicos. Porém, há A certificação é um processo
à baixa demanda, quando comparado dificuldades, como a distância dos de inspeção das propriedades agrí­
ao alimento convencional, o produto centros consumidores, as condições colas, realizado com uma periodici­
orgânico ainda não é competitivo no das estradas e a exigência tanto de dade que varia de dois a seis meses,
grande mercado. habilidade para o comércio quanto para verificar se o alimento orgânico
Entretanto, outros aspectos rela­ de tempo disponível do agricultor está sendo cultivado e processado de
tivos à comercialização precisam ser para a venda. Esse circuito é voltado acordo com as normas de produção
analisados no sentido de impulsionar para um consumidor já sensibiliza­ orgânicas. O foco da inspeção não é
a comercialização dos orgânicos, já do para o consumo e a compra de o produto, mas a terra e o processo
que o preço dificulta a acessibilidade. alimentos orgânicos de produção de produção. Assim, uma vez cre­
É preciso, entre outros, entender o local, havendo alguma dificuldade denciada, a propriedade pode gerar
confronto entre o grande circuito de de ampliar o número de envolvidos. vários produtos certificados, que
comercialização (o de supermerca­ Por outro lado, as vendas diretas irão receber um selo de qualidade.
dos) e os circuitos curtos (de feiras promovem um estreitamento com os O crescimento da demanda, crian­
e venda direta). O grande circuito consumidores, fidelizando-os cada do preços diferenciados para os
impõe ao agricultor barreiras como vez mais à proposta da agricultura produtos, e o aumento do mercado,
a padronização e a incorporação orgânica e sustentável. criando a impessoalidade nas relações

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entre produtor e consumidor, exigi­ sistema de produção e do mercado natural, o produto orgânico contribui
ram novos mecanismos de garantia consumidor. Para a exportação os para a melhor qualidade de vida não
de qualidade. Esta é assegurada produtos devem estar coerentes com de um consumidor isolado, mas de
pela existência de um Selo Oficial de a legislação do país de destino, pois os toda a sociedade.
Garantia fornecido pelas associações aspectos que caracterizam o produto No Brasil, a rotulagem ambiental
de agricultura orgânica e de um sis­ como orgânico não são iguais para pode ser feita por vários órgãos e
tema de certificação de agricultores todos os países. associações reconhecidos, como as
e firmas, acompanhado de assessora­ Em 2001, no Brasil existiam ONGs (Organizações Não Gover­
mento técnico e controle fiscalizador, 275.576 hectares certificados. Em namentais) e a ABNT (Associação
envolvendo todos os atores - produtor, 2003, existiam mais de 800.000. Existe Brasileira de Normas Técnicas).
industrial e comerciante. também uma quantidade enorme na Através das instituições certifi­
Embora a certificação para os pro­ produção de orgânicos especialmente cadoras se verifica a qualidade e a
dutos orgânicos do Brasil tenha surgi­ nos estados do Rio Grande do Sul, origem de cada produto.
do tardiamente, esse processo tende Paraná e São Paulo, formalmente
cada vez mais a ser estendido para certificados ou não certificados. O O mercado de alimentos
todo o setor agrícola, tendo em vista número calculado de produtores or­ orgânicos
as crescentes medidas por parte gânicos é ao redor 14.000. Segundo as estatísticas de mercado,
dos países importadores. A primei­ As instituições certificadoras defi­ em 2012, o setor de alimentos orgânicos
ra obra dedicada exclusivamente à nem o processo de certificação de acor­ faturou R$ 1,5 bilhão, cerca de 1% do
produção de orgânicos foi elaborada do com as características da região em mercado global de alimentos.
em 1999, com o enrijecimento das que atuam, podendo ser agregados Os consumidores passam a
legislações sobre sanidade, como a Lei requerimentos específicos sempre que ­adquirir os orgânicos a fim de te­
do Bioterrorismo norte-americana. considerem as exigências legais. rem uma melhor qualidade de vida,
No Brasil a Instrução Normativa O produto orgânico, ao trazer prevenindo contra certos tipos de
nº 007/99 apresenta normas discipli­ este nome na embalagem juntamente doenças causadas pelo excesso de
nadoras para a produção, tipificação, com o selo de uma Instituição Cer­ agrotóxicos no organismo.
processamento, envase, distribuição, tificadora, mostra ao consumidor A qualidade dos produtos orgâ­
identificação e certificação da quali­ muito mais que um alimento isento nicos não está relacionada apenas à
dade de produtos orgânicos, sejam de substâncias nocivas à saúde, mas preocupação com saúde humana, mas
de origem animal ou vegetal. de quem se adquire aquele produto. à valorização do agricultor, associa­
O processo de certificação pode Ao ser gerado dentro de um sistema ção deste com a natureza, fundamen­
variar de 1 a 4 anos, dependendo do produtivo que preservou o ambiente tada por meio da preservação dos

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frutas cítricas (Rio Grande do Sul) e
hortaliças, banana, maçã, kiwi, arroz
(Santa Catarina). Entre os produtos
orgânicos processados, destacam-se
o mel (Minas Gerais, Amazônia);
compotas de frutas, café solúvel,
torrado e moído (Minas Gerais, São
Paulo); castanha de caju e acerola
(Ceará); hortaliças processadas
(Rio de Janeiro, São Paulo, Para­
ná, Santa Catarina e Rio Grande
do Sul); arroz (Rio Grande do Sul,
Santa Catarina); suco de laranja
concentrado e extratos vegetais
secos (São Paulo); barra de cereais e
açúcar mascavo (Paraná) e guaraná
em pó (Amazônia). Os produtos de
origem animal ainda estão sendo
pouco explorados por problemas
de falta de matéria-prima orgânica
e legislação inadequada.
O mercado de produtos orgânicos
além de ser um mercado de cresci­
mento recente também trabalha com
preços superiores aos dos alimentos
convencionais. O preço justo que o
alimento orgânico merece, deve ser
compreendido da ótica dos benefícios
recursos naturais e de formas natu­ O Brasil ocupa, atualmente, a se­ ambientais e sociais que ele gera.
rais de apropriação deste recurso. gunda posição na América Latina em Visto o aumento de produção e
O crescimento da produção orgâ­ termos de área manejada organica­ de consumo de alimentos orgâni­
nica e do mercado consumidor ocorre mente, perdendo apenas para a Argen­ cos, a importância da compreensão
em todo o mundo. Os maiores merca­ tina. Os Estados onde concentram 70% da organização do mercado destes
dos estão situados na Europa e nos da produção brasileira são Paraná, produtos está além dos princípios
Estados Unidos, que representam São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas naturais, principalmente se os pro­
mais de 90% das receitas nesse setor. Gerais e Espírito Santo. A produção dutores optam pela possibilidade
Alguns dados do Centro Internacio­ visa o abastecimento do mercado de sucesso no ambiente econômico
nal de Comércio (ITC) de 1997, mstram interno, principalmente com legumes e sob os princípios sustentabilidade.
que a Europa era o maior mercado verduras, utilizando diferentes canais Com base em uma pesqui­
consumidor mundial, com movimento de comercialização (feiras, hospitais, sa quantitativa de marketing,
anual de US$ 6,2 bilhões, seguida pelos cestas a domicílio, lojas de produtos verificou-se que o mercado dos
Estados Unidos (US$ 4,2 bilhões) e pelo naturais, supermercados). orgânicos é atraente tanto para os
Japão (US$ 1,2 bilhão). No mínimo, 30 tipos de produtos produtores, como para os varejis­
Em 2004, nos Estados Unidos, os orgânicos vêm sendo produzidos tas, o que leva a entrada de novos
orgânicos já movimentavam US$ 12 no Brasil, sendo que os principais concorrentes. Esta situação prevê
bilhões, o que equivale a 3% do fatu­ produtos brasileiros exportados são que este é um mercado de lucros
ramento da indústria de alimentos. café (Minas Gerais); cacau (Bahia); “passageiros”, pois com a maior
No Brasil, nos últimos cinco anos, soja, açúcar mascavo, erva-mate, oferta, provavelmente estas mar­
a produção de alimentos orgânicos café, hortaliças, banana (Paraná); gens diminuirão e estes produtos
passou de 40.000 para 300.000 tone­ suco de laranja, açúcar mascavo deverão se tornar mais acessíveis.
ladas, e o faturamento desses produ­ e cristal, frutas secas e hortaliças Mas, os orgânicos ainda têm uma
tos passou de US$ 50 milhões para (São Paulo); castanha de caju, óleo baixa demanda quando comparados
US$ 300 milhões, representando dendê e frutas tropicais (Nordes­ com os alimentos convencionais
0,5% do faturamento da indústria de te); óleo de palma e palmito (Pará); fazendo deles não competitivos o
alimentos no país. guaraná (Amazônia); arroz, soja e suficiente no mercado.

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