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11 de dezembro de 2018

Composto ou Humus ?

É interessante observar como funciona a mente humana. A maioria


das pessoas vivem presas a idéias pré-concebidas e a conceitos pré-
estabelecidos. Entretanto, se quisermos mudar a realidade na qual
vivemos teremos que fazer exatamente alguma coisa diferente do que já
foi pré estabelecido e não insistir em conceitos e métodos já
cristalizados.

Em plena Nova Revolução Verde, a nível mundial, na qual


a Saúde do Solo, proporcionada pela inoculação de uma
multiplicidade de microrganismos de solo contidos em compostos de
alta qualidade, as chamadas Comunidades de Microrganismos de
Solo (CMS), começa a ser reconhecida como o principal fator
determinante para o restabelecimento e a regeneração da fertilidade
perdida dos solos e como o principal objetivo para se atingir a produção
sustentável de alimentos ( 6 ), a maioria das pessoas ainda tem a idéia
de que o composto orgânico seria um “adubo natural”, um “adubo
completo e natural” ou um “condicionador de solos”.

À propósito, Condicionador de Solos é a visão oficial do MAPA


para o Composto Orgânico e é assim que a sua comercialização é
permitida e regulamentada. Sob essa ótica míope oficial e ministerial,
um composto orgânico deve ser, nada mais e nada menos que um mero
condicionador de solos.

Essa visão equivocada deque o Composto Orgânico seria um


“adubo natural e completo” ou, em outras palavras, um NPK
Orgânico, como notou Primavezi, que a maioria dos agricultores
orgânicos costumam utilizá-lo, é a que mais prevalece ( 4 ). Como bem
observou essa pioneira das práticas agrícolas sustentáveis no Brasil, a
maioria dos agricultores orgânicos querem substituir o NPK químico
por esse preparado que usam a título de NPK orgânico e frequentemente
os resultados são sempre aquém dos desejados, como relatou diversas
vezes ( 4 ).

Aliás, o termo “Condicionador de Solos”, é uma das maiores


demonstrações de falta de rigor técnico e cientifico que se conhece. Sob
uma mesma denominação, são colocados produtos tão díspares como
Compostos Orgânicos, Calcários e agora, mais recentemente, até Pós de
Rocha. Coisas de uma agricultura onde impera a falta de rigor científico
conforme já abordado anteriormente ( 8 ).

E, esses conceitos equivocados, chegam até as Universidades e


Empresas de Pesquisas Agropecuárias Estaduais e Federais não só no
Brasil como também no exterior. E para fazer essa constatação, basta
pesquisar no Youtube e irão aparecer vários vídeos desses mesmos
órgãos oficiais reafirmando o que acabo de dizer.

Essa visão distorcida do que vem a ser um Composto Orgânico, ou


seja, a do “adubo completo e orgânico” ou um “NPK Orgânico”, nas
palavras de Primavezi, , se reflete nas diversas “fórmulas” apresentadas
na internet onde com frequência se vê a inclusão de calcário, cinzas de
madeira, cascas de ovos moídas, ossos calcinados em pó, Pós de rocha,
etc… que frequentemente retardam a queda do pH, fazendo com que
a pilha de composto (que também é outra unanimidade quando se
trata de fazer compostagem) seja colonizada por bactérias
metanogênicas, geradoras de gás metano, que é 25 vezes mais poluente
de o CO2 ( 1 ), e que elas dominem todo o processo aumentando
inclusive a perda de Nitrogênio e Enxofre, por também promover a
formação de compostos voláteis de mau cheiro. A adição de cinzas a
pilhas de composto é erroneamente preconizada desde que o
sistematizador desse processo,Sir Albert Howard, escreveu sobre
seu Método Indore de produção de composto em 1940 ( 2 ).

Aliás, Sir Albert Howard é tido, até mesmo pelos acadêmicos da


área de Agricultura Orgânica, como o “pai“ do composto orgânico
quando é sabido que esse processo já era descrito por King em 1911,
como sendo uma prática corriqueira em países asiáticos ( 3 ).

Entretanto, eu não vejo até o presente momento, pelo menos aqui


no Brasil, ninguém preconizar o uso do Composto Orgânico como
inoculante de Solos. Existem poucas e honrosas exceções nos Estados
Unidos. Edwin J. Blosser, por exemplo, é conhecido por ter
desenvolvido um método que consistentemente produz Composto
Humificado rico em micro vida ( 10 ).

De acordo com a Dra Elaine Ingham (criadora do Laboratório Soil


Food Web e a maior proponente da utilização do Compost Tea), para
que um Composto mereça ser usado como inoculante de solos e possa
receber o nome de Composto pelo menos dois aspectos deveriam ser
observados:
1. Apresentar de 50% a 60% de massa microbiológica, para ter atividade
inoculante e para que tenha efeito como regenerador e ativador de solos,
pela adição de microvida, quando usado até em quantidades pequenas
de 400 kg/ha, por exemplo.
2. O material que deu origem ao composto não poderia ser reconhecido e
identificado no final do processo de compostagem ou não teria sido
suficientemente transformado e humificado, assim como
suficientemente colonizado pela microflora benéfica do solo.

Não é nem preciso dizer que, se esses critérios fossem observados,


quase nenhum dos produtos vendidos aqui no Brasil como “Composto
Orgânico” poderiam ser, de fato, assim chamados, exceto os
Vermicompostos, mas esses não são chamados de compostos mas sim
de “Humus de Minhoca”, o que aumenta ainda mais a confusão
desses conceitos entre os agricultores.

É evidente que a maioria dos compostos orgânicos


comercializados hoje em dia funcionam 100% das vezes, desde que
usados em quantidades ponderáveis de várias toneladas/hectare. Isso se
deve ao baixo teor de Carbono dos nossos solos, seja na forma de
carbono orgânico simplesmente ou seja na forma de ácidos húmicos e
fúlvicos, mas não é esse o ponto aonde estamos queremos chegar.

O principal papel de um verdadeiro composto conforme as


especificações do Quadro 1. abaixo seria trazer de volta a microbiologia
aos solos degradados, e com isso, o poder de regenera-los e torna-los
produtivos e sustentáveis novamente, agregando CMS com a adequada
relação Fungos : Bactérias.

PADRÕES DE QUALIDADE PARA COMPOSTO


AERÓBICO

Níveis desejáveis de organismos em Compostos e


Vermicompostos Compostos Aeróbicos e
Microscopia Direta

(Medidos em peso fresco mas expressos em gr de peso


seco)

 Bactérias Ativas – 15 a 30 ou mais microgramas de bactérias ativas/g


de peso seco.
 Bactérias Totais – 150 a 300 ou mais microgramas de bactérias
totais/g de peso seco.
 Diversidade – 15.000 a 25.000 espécies de bactérias ( usando
métodos moleculares).
 Fungos Ativos – 2 a 10 microgramas de fungos ativos/gde peso seco.
 Fungos Totais – 150 a 500 microgramas de biomassa fúngica/g de
peso seco.
 Diâmetro das Hifas – De 2.5 ou mesmo acima de 2.5 micrômetros.
 Diversidade – 5.000 a 8.000 espécies de fungos (usando métodos
moleculares )
 Protozoários – 50.000 protozoários por grama de peso seco.

Flagelados– 25.000 ou mais

Amebas -25,000 ou mais.

Ciliados – 25.000 ou mais.

 Nematóides – 20 a 100 nematóides BENÉFICOS por gr de peso seco.

Bacteriófagos– 10 a 15 nematóides.

Micófagos– 5 a 10 nematóides.

Predadores– 1 a 5 nematóides.

Nenhum nematóide patogênico.

 ATIVIDADE BACTERIANA ABAIXO DE 10% É INDICATIVA


DE COMPOSTO MADURO.

Quadro 1. Padrões de Qualidade para COMPOSTO AERÓBICO


Fonte : Elaine Ingham, ECO-AGUniversity 2002,
Improving Soil & Foliar Food Webs,
Dec., 2002

Um composto realmente maduro e rico em substancias húmicas


e com a necessária micro vida para ser usado como inoculante e
regenerador de solos deveria ter um aspecto semelhante ao da foto
abaixo, ser de cor marrom escuro ou preto e ter um aroma agradável. Ao
ser pressionado entre os dedos formaria uma massa escorregadia que
tingiria os dedos de preto devido a presença de maciça de ácidos
húmicos e fúlvicos.

Figura 1. Composto bem Humificado

Observe que já não se pode mais identificar a matéria orgânica que lhe
deu origem.

Ao ser pressionado entre os dedos, exibirá uma massa escura


maleável rica em ácidos Húmicos e Fúlvicos, aos quais os antigos
agricultores se referiam como a “Gordura da Terra”.

O verdadeiro papel de um composto rico em Comunidades


Microbianas de Solo (CMS) e ácidos Húmicos e Fúlvicos seria o de
aumentar a taxa de F:B (Fungos : Bactérias) que caracterizam solos
férteis de florestas de clima temperado como as tropicais, aumentar o
sequestro de Carbono e com isso o teor de Matéria Orgânica do Solo
(MOS) que permitiria aos vegetais uma melhor aquisição de nutrientes
( 6 ).

Por esse motivo novas formas e novos modelos de Compostagem


Estática tem sido propostos. A primeira proposta para compostagem
estática, que mimetiza exatamente o que acontece na Natureza, foi
proposto por Maye E. Bruce já em 1946. Na Natureza não existe nem
pilha de composto, nem a periódica reviragem dessas mesmas pilhas.
Não existe fase termófila, e no entanto, a compostagem ocorre de forma
constante por sobre o solo das florestas e de baixo da serrapilheira e sob
a copa das arvores em um processo contínuo .

A qualidade microbiológica desses compostos estáticos é


excelente, como por exemplo no composto obtido a partir da proposta
do pesquisador David Johnson ou o Johnson-Su BioReactor ( 7 ) . Esse
tipo de compostagem também mimetiza o que acontece na Natureza. O
pequeno aumento de temperatura que ocorre dentro do bioreator não
chega a comprometer a qualidade do composto e não requer reviragem
do material. A umidade adequada é mantida por meio de irrigação
automática todos os dias.

Na Fazenda São Lourenço, em Elói Mendes, no Sul de Minas, já


praticamos essa modalidade de compostagem há 4 anos e confesso que é
bem mais fácil e rápida do que as tradicionais pilhas de compostagem,
para as quais temos que prestar bastante atenção a temperatura, aeração
e a umidade, o que demandaria trabalho e energia adicionais. É bem
verdade que sempre inoculamos as nossas matérias primas com o
consórcio microbiano conhecido como E.M. ou Efficient
Microorganisms que é composto predominantemente de
Rhodopseudomonas palustris, Bactérias Láticas (Lactobacillus sp.) e
Leveduras ( Saccharomyces sp.) e acrescentamos de 10 a 20% de pó de
carvão para garantir um melhor estabelecimento de comunidades
fúngicas e, com isso, uma melhor relação Fungo : Bactéria ( Relação F:B
) ao composto no final do processo.

As grandes vantagens observadas são sempre uma menor


perda de CO2 , melhor processo de humificação, ausência de maus
odores e moscas, e (teoricamente ) uma maior riqueza em CMS bem
como uma melhor relação Fungo : Bactéria, garantida pelas fontes de
matérias primas utilizadas e a presença do carvão vegetal (Biochar).

Um composto assim preparado, sob a sombras das arvores ou


até mesmo dentro de uma mata ou capão de mato, após 6 meses, irá
apresentar uma riqueza microbiológica tal que permitirá a sua utilização
não só como fonte de inóculo para a regeneração do solo, como também
para a fabricação de Compost Tea. Um bom indicativo para o estado de
maturação de um composto é o aparecimento de minhocas.
Pode-se também, efetuar esse tipo de compostagem estática
pelo processo Biodinâmico porém, apesar da altíssima qualidade que ele
proporciona, ficamos um pouco restritos a quantidade que quase
inviabiliza o seu emprego em grandes propriedades.

Em se tratando de composto humificado a qualidade é


muito mais importante do que a quantidade, portanto podemos esperar
sempre melhores resultados com o uso de quantidades menores desse
tipo de composto. Outra vantagem muito importante é a possibilidade
do seu emprego na produção de Compost Teas ou Extrato Aerado e
Ativado de Humus, que sabemos ser uma poderosa ferramenta para a
regeneração dos solos degradados por décadas de emprego de
fertilizantes de elevado Índice de Salinidade e produtos químicos tóxicos
a micro vida do solo.

José Luiz M Garcia

Instituto de Agricultura Biológica

Dezembro de 2018

Referências

1. Garcia, J.L.M. (2016) Composto Orgânico- Uma Abordagem


Crítica, https://institutodeagriculturabiologica.org/2016/06/16/comp
osto-organico/
2. Hershey, David R.(1992) Sir Albert Howard and The Indore
Process, HortTechnology, 2 (2): 267-269.
3. King, F.H. D.Sc. (1911) Farmers of Forty Centuries or Permanent
Agriculture in China, Korea and Japan, reeditado por Rodale
Press, Emmaus, Penn., 441 pgs.
4. Primavezi, Ana ( 2003) Revisão do Conceito de Agricultura
Orgânica: Conservação do Solo e seu efeito sobre a água,
Biológico, São Paulo, v. 65,n.1/2, p.69 -73.
5. Johnson, D ( 2018 ) Regenerating the Diversity of Life in Soils :
Hope for Farming, Ranching and
Climate, https://media.csuchico.edu/media/0_ysqa9svw
6. Johnson D, Ellington J, Eaton W ( 2015 ) Development of Soil
Microbial Communities for promoting sustainability in
agriculture and a global carbon fix, PeerPrePrints
3:e789v1 https://doi.org/10.7287/peerj.preprints.789v1
7. Johnson, D (2018 ) Compost for Soil Regeneration – Johnson-Su
Composting Bioreactor, Regeneration
International, https://regenerationinternational.org/bioreactor/
8. Garcia, J.L.M. ( 2017 ) Mais Ciência e MenosPseudo-Ciência na
Agricultura, https://institutodeagriculturabiologica.org/2017/08/04/
mais-ciencia-e-menos-pseudo-ciencia-na-agricultura/
9. Bruce, Maye E (1946) Common-Sense Compost Making, Faberand
Faber Ltd, London, Great Britain.
10.Blosser, Edwin ( 2018) Mid-West Bio Systems, Humus
Compost, http://midwestbiosystems.com/about

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