Você está na página 1de 4

O solo tropical e a agricultura orgânica

Ana Maria Primavesi

O solo tropical é um ecossistema como o de clima temperado. Sistema quer


dizer que é composto de muitos fatores interligados e que fazem o todo funcionar.

Eco vem da palavra grega “oikus” que significa lugar. Assim, cada lugar
possui seu sistema todoparticular. Portanto a transferência de tecnologia de um
ecossistema (o temperado) para o outro (o tropical) não funciona. Não se pode
admitir que o tropical seja completamente errado e o bom é somente o temperado.
Ao contrário. Em estado nativo, o tropical produz 5,5 vezes mais biomassa do que o
temperado. Ele é muitíssimo mais produtivo se puder trabalhar dentro de suas
condições. Mas quando é obrigado a funcionar dentro das condições do clima
temperado, trabalha muito precariamente.

A Agricultura Orgânica deveria produzir alimentos de valor biológico elevado


e isso somente ocorre em solos sadios e com plantas sadias. Planta saudável não é
atacada por pragas e doenças. Se estas aparecem é porque a planta já está doente
por não poder mais formar todas as suas substâncias a que geneticamente é
capacitada. Portanto, mesmo se consegue produzir graças aos defensivos que,
conforme o desequilíbrio nutricional da planta se usam até duas vezes ao dia, o
produto produzido é de valor biológico inferior.

Muitos acreditam que compactações e lajes podem ser eliminadas pelo arado
ou subsolador. Mecanicamente se pode romper camadas duras, mas nunca
agregá-las novamente. A agregação é um processo químico-biológico.

A Agricultura Orgânica, infelizmente, não se livrou do enfoque fatorial, temático,


vendo e analisando somente fatores isolados e dos quais os chineses dizem: “se
olhardes uma montanha através dum microscópio, somente podes ver um grão de
areia.” Não se enxergam os bosques e rochedos, os córregos, os campos floridos e
os animais. Olhando a natureza fator por fator, nunca se compreenderá suas
inter-relações, engrenagens, relatividades e funcionamento. Por isso a agricultura
ecológica somente pode usar o enfoque holístico, geral.

E como na Agricultura Convencional tudo funciona com receitas, os agricultores


esperam também por receitas e não compreendem que somente pode funcionar por
conceitos, simplesmente porque cada lugar tem seu ecossistema todo particular.

O maior erro ocorre com o composto. Primeiro quase todos acreditam que usar
composto é agricultura orgânica, embora seja somente uma das possibilidades
orgânicas. Consideram o composto como “NPK em forma orgânica” e até dizem:
não se consegue um produto de padrão melhor porque com 40 t/ha de composto se
adicionam somente metade de NPK que os convencionais usam.
Composto não é adubo, composto é especialmente um condicionador do
solo. Sua maior e melhor função é de contribuir com a agregação do solo e seu
sistema poroso, onde entram ar e água. Somente quando é totalmente decomposto
libera seus nutrientes. Portanto tem de ser usado superficialmente para nutrir as
bactérias e contribuir para a produção de agregados e poros.

Composto enterrado em 30 ou 35 cm e profundidade prejudica os vegetais


acima plantados e pode matar grande quantidade de muda por causa dos gases
tóxicos que ele produz durante a decomposição anaeróbia.

Outro erro grave é acreditar que qualquer material orgânico serve para
produzir composto. Assim, lixo orgânico urbano (que provém de verduras
convencionais com elevada quantidade de agrotóxicos), cama-de-frango de granjas
convencionais rica em promotores de crescimento, esterco e restos animais de
abatedouros ricos em organofosforados e semelhantes, bagaços (de cana, laranja,
banana, etc.) de cultivos convencionais criados com adubos químicos e agrotóxicos
podiam ser utilizados para a produção de composto. De certo, não resulta em um
sal químico, mas “orgânico” não é, porque é tão desequilibrado em nutrientes e tão
rico em agrotóxicos, que não pode ser considerado produto orgânico. E frutas
criadas com este tipo de composto possuem um nível mais elevado em tóxicos que
frutas convencionalmente criadas. Portanto, quando exportados, não raramente
estão sendo devolvidos por excesso de agrotóxicos e não orgânicos. Se for
orgânico deveria promover a vida.

Usam-se variedades vegetais de outras regiões, países e continentes e


espera-se que o composto utilizado seja suficiente para nutri-las bem. Normalmente
não é, porque o composto somente pode ser feito do que seus solos conseguem
fornecer e não o que estas variedades estranhas estão sendo acostumadas a
receber. Portanto, seu composto não consegue manter a saúde destas variedades
ou híbridos não adaptados a seu solo e seu clima.

Acreditam também que o nitrogênio de composto ou qualquer material


orgânico não consegue provocar doenças causadas pelo desequilíbrio N/Cu
(nitrogênio/cobre). Qualquer nitrogênio, tanto faz se orgânico ou químico, pode
induzir esta deficiência. Portanto, mesmo em composto, as vezes é necessário
acrescentar sulfato de cobre na medida de 2,5 a 3,o kg/ha (se adubar com 30 t/ha
de composto, esta quantidade de 3,0 kg deve ser adicionada a 30 t de composto).

Por outro lado, não é correto que todo nitrogênio provém do composto.
Quando este for superficialmente aplicado pode haver uma fixação muito elevada de
nitrogênio do ar durante sua decomposição. Assim, não importa muito o material de
que o composto foi feito se sua decomposição no solo será aeróbia.

O pior da Agricultura Orgânica é que usa defensivos regularmente, tanto faz se


tratar de caldos, inimigos naturais ou feromônios.
Seja ciente: Se o solo não está com saúde mas decadente, a planta também não
está com saúde e por isso está sendo atacada. De qualquer maneira vai dar um
produto de muito baixo valor biológico, embora com, talvez, resíduos tóxicos menos
agressivos.

Com tanto trabalho, produzir produtos de baixo valor não vale a pena. Lembre: se
pragas e doenças estão presentes, o solo tem de ser recuperado e sanado. Todos
os defensivos devem ser usados somente de forma excepcional e nunca
rotineiramente.

A rotina tem de ser melhorar seu solo.

Solo tropical sadio


Na visão temática-analítica, ainda em uso, o solo é um amontoado de fatores
físicos, químicos e biológicos, isolados um do outro e imutáveis. Portanto podem ser
modificados para melhorá-los. Mas na realidade o solo é um ecossistema muito
complexo e delicado em constante modificação. Sistemas sempre são dinâmicos,
compostos de ciclos intimamente interligados. Ciclos naturais percorrem numerosos
estágios até chegar ao final e ao mesmo tempo ao início, começando novamente.
Da estabilidade dos ciclos depende a sustentabilidade da atividade rural.

O solo tropical é considerado “pobre e lixiviado”, precisando ser fertilizado para dar
rendimentos lucrativos. Na realidade, o solo é um ecossistema adaptado
exatamente ao clima tropical e às necessidades fisiológicas das plantas. Portanto,
ele tem de ser pobre por unidade (dm3) mas com um perfil profundo e bem
agregado para permitir a exploração de um grande volume de solo pela raiz vegetal.
Sabe-se que com os nutrientes distribuídos a um volume 4 vezes maior, a planta
produz o dobro. Importante para um solo sadio é uma VIDA, ou BIOCENOSE ativa.

As plantas recebem água e nutrientes do solo, fornecendo em troca matéria


orgânica morta e excreções radiculares que alimentam a vida do solo. Esta, por sua
vez, na decomposição produz agregantes como ácidos poliurônicos que permitem a
formação de poros no solo por onde entra ar e água. Mas estes ácidos poliurônicos
também são o alimento principal de fixadores de nitrogênio livres, enriquecendo o
solo com nitrogênio. Como a matéria orgânica é o alimento da maior parte da vida
do solo, sua diversificação é importante. Em monoculturas se beneficiam somente
poucas espécies. Portanto, a rotação de culturas com 4 ou 5 espécies é importante
para manter a vida diversificada e prevenir pragas e doenças.

A vida do solo é benéfica ao solo e às culturas. Um solo sadio é bem agregado, com
grumos estáveis ao impacto da chuva para garantir a porosidade superficial onde
entra ar e água. Tem uma camada porosa na superfície que não pode ser revolvida
pela aração mas mantida na superfície, como na lavração mínima e plantio direto
(PD).
Como os “bio agregados” conservam sua estabilidade por aproximadamente 3
meses à força cinética da chuva, eles têm de ser renovados periodicamente. Isto é,
a matéria orgânica que sobre da colheita, como restolhos e palha, têm de voltar ao
solo e não podem ser queimadas.

Durante o espaço de tempo em que os agregados são instáveis e a cultura ainda


está no campo, o solo tem de ser protegido por uma canada de palha, como no PD
ou por um plantio adensado, evitando igualmente seu superaquecimento (acima de
32 graus). Para conservar a umidade e o gás carbônico que sai do solo,
necessita-se de proteção contra o vento. Na “sombra do vento”, ou seja, onde o
vento não varre livremente, as colheitas muitas vezes dobram e em casos extremos
podem ser até cinco vezes maiores do que sem proteção.

Um solo sadio é produtivo. Conforme a variedade, pode necessitar a adição de


fertilizantes. Neste caso, “produtivo” não é a quantidade de insumos aplicados,
como entendido oficialmente, mas as condições favoráveis do solo para o
crescimento das plantas.

Você também pode gostar