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Ad Eternum: Luz e trevas

O confronto entre forças do bem e do mal, ou claro e escuro, é o tema básico dos épicos, mitos e
romances – gêneros associados pelos leitores a A Sociedade do Anel de Tolkien, o primeiro volume de
sua série O Senhor dos Anéis. Portanto, não é nenhuma surpresa que os honrados membros da sociedade
(Frodo, Gandalf, Aragorn, Legolas, Gimli, Boromir, Sam, Merry e Pippin) sofram com os implacáveis
ataques do senhor das trevas, Sauron, na sua busca para proteger os povos livres da Terra Média,
destruindo o Um Anel (a chave para o domínio total sobre o mundo). Este clássico conflito entre forças
do bem e do mal é o tema principal no universo de Tolkien. Através das experiências da Sociedade do
Anel durante a sua perigosa busca, Tolkien propõe a associação existente entre o mal e os indivíduos em
exercerem o poder para ganhos pessoais.
Da mesma forma, em Silmarillion, o autor deixa claro a essência eterna do conflito, uma vez que a
derrota de Melkor pelos Valar na primeira era permitiu a manifestação de Sauron, criador dos Anéis do
Poder, como o próximo grande profanador da Terra Média. Baseando-se nas histórias das primeiras três
eras, podemos assumir que tão logo Sauron seja derrotado, surgirá um novo e talvez pior promotor do mal
na quarta era (embora Tolkien não dê qualquer indicação disso na sua breve cronologia da era seguinte).
Não só as sementes do mal continuam a germinar e a crescer na Terra Média, como as condições
escuras em que florescem continuam a espalhar-se. Conforme as fontes de luz definham ao longo das
diferentes eras, torna-se mais fácil negar o seu poder e aceitar o da escuridão. Esta expansão fomenta uma
perda de fé, determinante na derrota dos vários reinos élficos em Beleriand, e mais tarde em Númenor, na
primeira era, e, em seguida, dos reinos exilados de Arnor e Gondor na segunda.
Deslocando para o nosso mundo, um sentimento de escuridão crescente pode dar origem a
desesperança e ao derrotismo. Inerente a este último está o sentido de que o mal é o mais forte e, de
alguma forma, mais real do que a bondade. Este é, naturalmente, o oposto preciso da verdade, como
muitos, incluindo Tolkien, a veem. O mal não pode prevalecer sobre a bondade, pois seria apenas uma
negação da única sabedoria verdadeira e fundamental: Deus, ou, em outro termo, a Iluminação.
Em outras palavras, a luz pode estar escondida ou bloqueada, permitindo assim que as trevas cresçam,
mas não pode ser destruída: para recupera-la basta apenas remover o fator obscurecedor, seja este na
forma do mal de Melkor ou de Sauron. Assim, a luz flui novamente tão brilhante e iluminadora quanto
antes.
No entanto, como o O Senhor dos Anéis tão apropriadamente assinala, remover os obstáculos à luz é
laborioso e tem um preço muito elevado. Mais importante ainda, embora a luz regresse tão fortemente,
quando os obstáculos são removidos, os danos causados deixam sequelas duradouras.

Cultura e etimologia
Muitas das escolhas autorais de Tolkien estabelecem a luta dicotômica entre o bem e o mal como a
força motriz do romance, ligando claramente pessoas e lugares a ambas as forças. Como exemplo,
Valfenda e Lothlórien são descritos como elegantes refúgios de cultura e conhecimento, e a própria
leveza e brilho das regiões citadas é contrastada com os cenários sombrios e corrompidos de Moria,
Isengard e Mordor. Claramente, os locais pacíficos e esteticamente belos de natureza élfica são abrigos
para os protagonistas, em comparação às fortalezas sombrias, poluídas e obviamente malignas de Sauron
e Saruman. Além disso, os próprios nomes criados por Tolkien apresentam uma melodia que soa boa ou
má quando pronunciadas, aumentando o sentimento de conflito existente entre estes conceitos. Nomes
élficos como "Galadriel" e "Lothlórien" rolam elegante e suavemente na língua. Ao contrário,
personagens malignos possuem nomes “duros” e discordantes, como os “orcs” e os “Nazgúl”.
Os nomes refletem a linguagem mais ampla de uma cultura, e as múltiplas línguas inventadas por
Tolkien geralmente estereotipam as suas diferentes raças: por exemplo, os sons guturais de Khuzdul, a
linguagem anã, refletem as suas personalidades ásperas, diretas e frequentemente fortes, enquanto os sons
ríspidos e duros da Língua Negra estabelecem as más intenções de Sauron e seus servos.
Por último, os comportamentos de caráter muitas vezes indicam a aliança de um indivíduo com a luz
ou escuridão. Personagens intrinsecamente bons, como Frodo, Sam e Aragorn, demonstram altruísmo ao
servir aqueles que os rodeiam, somados à humildade através de suas repetidas dúvidas sobre suas próprias
forças e responsabilidades. Diversamente, as ações e comportamentos de personagens maléficos são
definidos por Sauron e seus aliados, que tentam conquistar todas as culturas usando o engano e a
violência. Através destas muitas escolhas estilísticas, Tolkien forma uma relação entre forma e conteúdo,
permitindo aos leitores identificarem de imediato os personagens e lugares obviamente bons ou maus.

Visibilidade e invisibilidade
Nas obras de Tolkien, a aparência física é relevante para a cosmologia dos "Dois Níveis": os do
mundo visível e os do mundo invisível. Em Silmarillion, os seres imortais são criaturas puramente
espirituais que podem mudar de forma física caso desejarem. Em relação aos Maiar, Tolkien descreve-os
como raramente "visíveis aos elfos e homens", enquanto os Valar poderiam mudar sua forma ou andar
“desnudos” (sem uma forma física). Por outro lado, aqueles que compõem os Anuir e se desvirtuam,
perdem inevitavelmente o seu poder de mudar de forma ou de se "desnudarem".
Para Tolkien palavras como luz e escuridão refletem a existência de uma essência puramente boa ou
má, uma característica importante e um divisor de águas entre forças opostas repercutidos na imagem dos
seres espirituais como os Valar ou forças malignas como Sauron.
No entanto, é necessário questionar a existência de tais forças. As sombras são a ausência de luz e,
portanto, inexistentes, mas ainda assim visíveis e palpáveis. Perspectivas “sombrias” são frequentes
nestas histórias, como quando Aragorn relata a suposta morte de Gandalf a Galadriel dizendo que o mago
havia "caído nas Sombras”, ou a própria existência de Mordor, conhecida como a terra da escuridão, onde
as sombras residem. Muitas vezes em O Senhor dos Anéis "a Sombra" se torna personificação de Sauron.
Além disso, o Balrog, uma das criaturas mais difamadoras em O Senhor dos Anéis, faz parte dessa
“Sombra”, como descrito no capítulo "A Ponte de Khazad-Dûm":

Algo estava surgindo atrás deles. O que era, não podia ser visto: era como uma grande sombra, no
meio da qual estava uma forma escura, talvez uma forma de homem, porém maior; e o poder e o terror
pareciam estar nela.
O Balrog chegou à ponte. Gandalf estava no meio do vão, apoiado em seu bastão na mão esquerda,
mas na outra mão Glamdring brilhava, frio e branco. Seu inimigo parou novamente, de frente para ele, e
a sombra sobre ele se estendeu como duas vastas asas. Ela levantou o chicote, e as correias estalaram e
racharam. O fogo exalava de suas narinas. Mas Gandalf se manteve firme.
“Você não pode passar", disse ele. Os orcs pararam, e um silêncio mortal pairou. “Sou um servo do
Fogo Secreto, portador da chama de Anor. Você não pode passar. O fogo escuro não te servirá de nada,
chama de Udûn. Volte para a Sombra! Você não pode passar!”
Gandalf ordena que o Balrog retorne para as sombras, para o vazio. A origem desta terrível criatura é
contada em Silmarillion, onde Tolkien escreve sobre os espíritos dos Maiar caídos: os Valaraukar, os
flagelos do fogo, os demônios do terror, do exército de Melkor. Sobre eles, Tolkien afirma em A História
da Terra Média a existência de no mínimo 3 e não mais que 7 dos Balrog, tornando eles e o encontro de
Gandalf na ponte um momento raro.
Em O Senhor dos Anéis, os Nazgûl também se encaixam nessa descrição. Originalmente, nove
homens mortais, a quem foram dados nove anéis do poder, se tornam escravos de Sauron e poderosas
seres mortos-vivos. Tolkien imagina em suas histórias os espectros do Anel como seres invisíveis aos
olhos mortais e desprovidos de forma física, que entraram no reino das sombras e, apesar de suas
características incorpóreas, podem sentir o mundo e afeta-lo de forma livre. Essa discussão é levantada
em A sociedade do Anel:

“Os Cavaleiros conseguem ver?”, perguntou Merry. Quero dizer, eles parecem ter usado o nariz em
vez dos olhos, nos cheirando, se cheirar é a palavra certa, pelo menos à luz do dia.
“Eles mesmos não veem o mundo da luz como nós, mas as nossas formas lançam sombras em suas
mentes, que só o sol do meio-dia destrói; e no escuro percebem muitos sinais e formas que estão
escondidos de nós: então são mais temíveis. E em todos os momentos eles cheiram o sangue dos seres
vivos, desejando e odiando. Os sentidos também não são a visão e o olfato. Podemos sentir a sua
presença - ela perturba os nossos corações, assim que chegamos aqui, e antes de os vermos; eles sentem
mais intensamente a nossa”. Acrescentou ainda, e a sua voz afundou-se num sussurro, "o Anel os
atraiu.”

Tolkien aborda aqui uma diferença entre o mundo da luz e o mundo das sombras. O próprio sentido
olfativo atribuído aos Nazgûl é uma referência à noção de Heráclito, que comentou que no Hades, o
submundo do mito grego, as almas dos mortos, são apenas fumo e estes se reconhecem através de seu
perfume. Os espectros do Anel não são mortos nem vivos e beiram entre os dois sentidos da ponte, o que
os afasta de quaisquer sentidos pertencentes ao mundo mortal. Uma mesma dicotomia pode ser vista nas
relações entre os conceitos de imortalidade e mortalidade.

Mortalidade e imortalidade
O um Anel permite ao seu usuário mortal tornar-se invisível para outros olhos mortais. Ele transfere
seu portador para o mundo das sombras, onde o plano físico é imperceptível e o que antes não se via
torna-se concreto. Ao colocar o Anel, Frodo faz-se invisível aos mortais, no entanto ainda pode ser visto
pelos Nazgûl, cuja formas etéreas agora se traduzem em formas físicas para Frodo:

Imediatamente, embora todo o resto permaneça como antes, ofuscado e escuro, as formas (Nazgûl)
tornam-se terrivelmente claras. Ele (Frodo) foi capaz de ver debaixo de seus envoltórios negros. Haviam
cinco figuras altas: duas em pé paradas, três avançando. Nos seus rostos brancos queimavam olhos
aguçados e impiedosos; debaixo dos seus mantos haviam longas vestes cinzentas; em seus cabelos
cinzentos haviam elmos de prata; nas suas mãos cansadas haviam espadas de aço. Os seus olhos o
focavam e o perfuravam, enquanto avançavam em sua direção.

Porém os Nazgûl não são os únicos seres da Terra Média capazes de testemunhar o "invisível". A
separação entre físico e espiritual não afeta as criaturas imortais. Em O Senhor dos Anéis, o Anel não
afeta fisicamente Tom Bombadil, que sem dúvida é também uma criatura imortal:

Ele (Frodo) deixou o Anel escorregar. Merry virou-se para dizer algo e deu um começo, e verificou e
exclamou. Merry estava olhando inexpressivamente para cadeira, e, obviamente, não podia vê-lo. Ele se
levantou e rastejou silenciosamente para longe da lareira em direção à porta exterior. “Ei, você!”, Tom
gritou, olhando para ele fixamente com seus olhos brilhantes. “Ei, Frodo, venha cá! Onde vai? O velho
Tom Bombadil ainda não está tão cego assim. Tire o anel dourado! Sua mão é mais justa sem ela.”

Anteriormente, quando Tom Bombadil colocou o um Anel, ele não se tornou invisível: "Tom pôs o
Anel na ponta do seu dedo mindinho e segurou-o até à luz da vela. Por um momento os hobbits notaram
algo estranho sobre isso. Não havia nenhum sinal de Tom desaparecendo!" Mais tarde, durante o
conselho de Elrond, Gandalf descreve Bombadil como “mestre de si mesmo”, e, portanto o Anel não
poderia exercer poder sobre ele, uma vez que afeta mortais e Tom não seria um deles. Em O Senhor dos
Anéis, Tom Bombadil é referido a nomes bastante prestigiosos e até mesmo divinos: conhecido como o
mestre da madeira, da água e da colina, e muitas vezes chamado por Frodo pelo mesmo nome. Quando
Frodo pergunta à esposa de Bombadil, Goldberry, quem ele é, ela o responde de forma bastante bíblica:

“Minha senhora!” disse Frodo novamente depois de um tempo. “Diga-me, se a minha pergunta não
parece tola, quem é Tom Bombadil?”
“Ele é", disse Goldberry, mantendo seus movimentos rápidos e sorrindo.

Esta expressão de Bombadil como "Ele é" causou a Tolkien alguns problemas com leitores e grupos
católicos que assemelhavam essa frase à nomeação usada por Deus no livro do Êxodo 3:14, referindo-se a
Yavé. Em 1954, em uma carta ao livreiro católico Peter Hastings, Tolkien se defendeu completa e
filologicamente:

Quanto ao Tom Bombadil, creio que estão levando sério demais, além de não terem percebido a
questão principal. Goldberry e Tom se referem ao mistério dos nomes. Você pode ser capaz de conceber
a sua relação única com o Criador sem um nome – pode você, então tornar pronomes relativos em
nomes próprios? No entanto, assim que se dá conta de que está em um mundo de vários finitos
semelhantes, cada um com uma relação única e diferente com um Ser supremo, quem é você? Frodo
perguntou não 'o que é Tom Bombadil' mas 'quem é ele'. Nós e ele, sem dúvida, muitas vezes laxamente
confundimos as perguntas. Goldberry dá o que eu penso ser a resposta correta.

Apesar da resposta, há definitivamente algo de "divino" em Tom Bombadil. Mesmo na própria


resposta de Tom à pergunta posterior de Frodo, "quem ele é" deixa claro sua essência não mortal,
referindo-se ao fato de estar na Terra Média muito antes do povo grande (humanos), das pessoas
pequenas (hobbits), dos reis (númeronianos) e até mesmo senhor do escuro (Morgoth ou Sauron):

O mais velho, isso é o que eu sou. Marque as minhas palavras, meus amigos: Tom esteve aqui diante
do rio e das árvores: Tom lembra-se da primeira gota de chuva e da primeira noz. Construiu caminhos
antes do povo grande e viu a chegada das pessoas pequenas. Ele estava aqui antes dos reis, das
sepulturas e das criaturas dos túmulos. Quando os elfos foram para o oeste, Tom já estava aqui, antes
dos mares se dobrarem. Conheceu a escuridão sob as estrelas quando era destemido - antes que o
senhor do escuro viesse do vazio.

Esta última frase sugere que Bombadil existe desde os primórdios da Terra Média. Ele não é uma
analogia judaico-cristã, mas na cosmologia representa um “poder” definido, talvez um espírito do
pacifismo como Tolkien aludiu em sua carta a Naomi Mitchison em 1954, na qual define a visão de Tom
como uma de natureza amena:

Tom Bombadil não é uma pessoa importante - para a narrativa. Eu suponho que ele tem alguma
importância um 'comentário'. Uma representação de algo que sinto ser importante, embora eu não
estivesse preparado para analisar o sentimento precisamente. Eu não o deixaria entrar, no entanto, se
ele não tivesse algum tipo de função. Eu poderia colocá-lo desta forma.
A história se desenvolve em termos de um lado bom, e um lado ruim, a beleza contra a implacável
feiura, a tirania contra a realeza, a moderada liberdade consentida contra a compulsão que há muito
tempo perdeu qualquer objetivo de salvação, e assim por diante. Ambos os lados, em algum grau, seja
conservador ou destrutivo, querem uma medida de controle. Porém, se você renuncia o poder, como em
um “voto de pobreza”, e se deleita com as coisas pelo sua própria essência sem qualquer objetivo
individualista, analisando, observando e, até certo ponto, sabendo, então a questão dos certos e errados
do poder e do controle podem se tornar totalmente sem sentido para você, e os meios de poder
completamente sem valor. É uma visão pacifista natural, que sempre surge na mente quando há uma
guerra.

Tom Bombadil está escrito em um nível de mito: ele é uma figura mítica do pacifismo, uma visão
antropomorfizada da paz, mas não uma alegoria clara de tal. Tolkien sugeriu que Bombadil compartilha
de "uma visão pacifista natural" a qual sempre surge em tempos de guerra. Discutiu também a natureza
narrativa de O Senhor dos Anéis, basicamente uma história do bem contra o mal e o foco de ambos os
lado sobre o conceito de controle. Os modos e motivos do épico são, como Tolkien os fraseia acima:
"beleza contra a feiura", "tirania contra a realeza" e uma medida de domínio "conservador ou destrutivo".
Outro personagem (não-humano) em O Senhor dos Anéis que pode ser discutido como um exemplo de
posição quase neutra é o líder dos Ents, Barbárvore. A princípio, Barbárvore não escolhe um lado na
guerra, embora declare desprezo pelos orcs, sobre o qual comenta: "Eu não estou completamente do lado
de ninguém, porque ninguém está do meu lado, se você me entende: ninguém se importa com os bosques
como eu me importo, nem mesmo os elfos hoje em dia."
No final, Barbárvore não permanece "neutro" durante a guerra do Anel. Em As Duas Torres, os Ents
atacam a fortaleza de Isengard de Saruman e, numa cena dramática, o poder de Saruman é destruído por
estas criaturas que simbolizam a "natureza selvagem". Simplificando, na visão mito-poética de Tolkien,
Saruman, simbolizando a industrialização e o "modernismo" mecanizado, é "destruído" por Ents,
simbolizando o contrapeso da Natureza.

Físico e espiritual
Um dos personagens mais interessantes de o senhor dos anéis, relacionado ao embate destas forças
opostas, é Gandalf. De fato, nas obras de Tolkien, as mudanças físicas e espirituais são centrais para os
hábitos de Gandalf.
No segundo livro de Silmarillion, Gandalf é mencionado como um espírito Maiar chamado Olórin,
grande simpatizante dos elfos e, no entanto, invisível ou camuflado aos olhos deles: "O mais sábio dos
Maiar era Olórin. Ele andou entre eles invisível, ou despercebido como um deles, e eles não sabiam de
onde vieram as visões belas ou os sussurros de sabedoria que havia colocado em seus corações.”. Mais
tarde, Olórin torna-se um dos feiticeiros, os Istari, viajantes das Terras Imortais que vieram pelo mar para
ajudar na guerra contra Sauron. Ele é descrito como o chefe dos Istari junto a Saruman e o mais próximo
em conselho com Elrond e os elfos.
Em O Senhor dos Anéis, Gandalf é o principal inimigo de Sauron. O campeão da Luz, enviado do
oeste pelos Valar. Tolkien chegou a sugerir em Contos Inacabados de Númenor e da Terra Média que
Gandalf poderia ser Manwë, o próprio rei dos Valar, disfarçado como um ser angelical regular da raça
Maiar, e mais tarde como um mero mortal.
Quando Gandalf luta com o Balrog e caiu da ponte de Khazad Dum, a sua forma física morre. Mais
tarde Gandalf explica aos seus amigos sobre sua volta a fim de terminar sua missão: "Nú, fui mandado de
volta - por um breve tempo, até que a minha tarefa esteja terminada". Depois de ressurgir da "morte",
Gandalf enfatiza a sua disparidade em relação ao mundo físico em muitas ocasiões. Quando Aragorn,
Gimli e Legolas o confundem com Saruman e tentam ataca-lo fisicamente, o mago exclama: "Nenhum de
vocês possui armas que possam me ferir".
As forças opostas em O Senhor dos Anéis recebem um final diferente e mais trágico. Sauron, depois
da destruição do Anel, ergue-se pela última vez como uma enorme sombra e depois desaparece com a
brisa do vento:
Negro contra o mortalha de nuvem, levantou-se uma enorme forma sombria, impenetrável, corroída
por um raio, enchendo todo o céu. Enorme se ergueu sobre o mundo, e estendeu para eles uma vasta
mão ameaçadora, terrível mas impotente: pois, ao mesmo tempo em que se inclinava sobre eles, um
grande vento a tomou, e ela foi soprada, e passou; e então um silêncio caiu.

A morte de seres imortais na saga de O Senhor dos Anéis é bastante discutida, como a destruição do
rei-bruxo de Angmar, o líder dos Nazgûl, nas mãos de Éowyn, e a morte de Saruman nas mãos de Grima.
Ambas as cenas de morte se concentram na questão de perecibilidade. A vida de Saruman termina em seu
mergulho descendente da torre de Isengard. Seu espírito se levanta do corpo encolhido e é dissipado por
um vento, dissolvendo-se em nada. Este "nada" reverbera repetidas vezes como uma passagem dos
senhores do mal em O Senhor dos Anéis, mas nunca é revelado informações a respeito do “nada” para
qual eles vão.
Por outro lado, quando Frodo é atacado pelos Nazgûl e é atingido com a lâmina Morgul, a magia vil o
puxa para uma vida de sombria. Frodo começa a “desaparecer", como Gandalf mais tarde descreve. Na
versão inicial da história, O retorno da Sombra, Gandalf diz que Frodo teria se tornado uma pessoa
morta-viva, se tivesse colocado o Anel: "eles fariam um espectro de você em pouco tempo - certamente se
você tivesse colocado o Anel novamente".
Na história, Frodo é levado às pressas até aos elfos de Valfenda para ser curado. No caminho, eles
encontram o lorde élfico Glorfindel, que há muito os procurava. Quando Frodo, que está começando a se
tornar um espectro, se depara com Glorfindel, vê o elfo em sua forma “real”: "Para Frodo parecia que
uma luz branca brilhava através da forma e do traje do cavaleiro, como que por um fino véu". Frodo
enxerga a luz interior do elfo, o poder espiritual - e imortal - do personagem. O protagonista está prestes a
ser puxado para a "terra das sombras", onde o invisível se torna real e as coisas visíveis (físicas)
desaparecem.
Posteriormente, o verdadeiro ser de Glorfindel é novamente revelado, quando um Frodo quase
completamente esvaído é atacado pelos Nazgûl no Ford de Bruinen. O hobbit, quase inconsciente no
momento, é resgatado de forma milagrosa por Elrond. Em seus últimos sentidos, Frodo vê seus amigos e
companheiros tentando ajudá-lo: "Com os últimos sentidos falhos, Frodo ouviu gritos, e viu, além dos
cavaleiros hesitantes na margem, uma figura brilhante de luz branca; e além dela, pequenas formas
sombrias que agitavam chamas em um ardente vermelho na névoa cinza que caía sobre o mundo”.
Os companheiros mortais de Frodo –Sam, Pippin, Merry, e Aragorn - são as pequenas formas
sombrias, a névoa cinzenta o mundo físico, e a figura iluminada Glorfindel. Isto é revelado mais tarde,
quando Frodo pergunta a Gandalf sobre o incidente:

Pensei ter visto uma figura branca que brilhava e não escurecia como as outras. Era Glorfindel,
então?
Sim, você o viu por um momento como ele está do outro lado: um dos poderosos dos Primogênitos.
Ele é um lorde élfico de uma casa de príncipes.

Esta é uma passagem informativa. As palavras de Gandalf confirmam a veracidade da visão de Frodo,
uma vez que as suas palavras normalmente se referem a um conhecimento real da cosmologia em O
Senhor dos Anéis. Frodo viu Glorfindel por um momento enquanto ele estava "do outro lado". Frodo
estava se movendo para um submundo cthônico, demoníaco, um plano para as sombras e os mortos-
vivos. No entanto, enquanto seu olhar do mundo físico se desvanece, a sua visão para o mundo invisível
evolui.
Os poderes malignos dos Nazgûl, assim como o do Anel, têm uma capacidade "mágica" de transferir o
indivíduo para o mundo das sombras, um plano existencial entre o físico e o espiritual. Tolkien descreve
os Elfos elevados, os do povo de Eldar que viveram tanto nas Terras Imortais de Valinor, como na Terra
Média, vivem em "ambos os lados" - no mundo físico e no mundo espiritual.
Em A História da Terra Média Tolkien discute o assunto mais detalhadamente, quando Gandalf
descreve a Frodo porque os elfos não temem os Nazgûl: "Eles não temem nenhum espectro do Anel, pois
vivem ao mesmo tempo em ambos os mundos, e cada mundo tem apenas metade do poder sobre eles,
enquanto eles têm duplo poder sobre ambos". Estes mundos citados seriam o espiritual e o físico.
Esta visão sobre os mortos é partilhada em O Senhor dos Anéis por Legolas, um elfo da floresta e
filho de Thranduil, rei no norte da Grande Floresta Verde. Embora não seja um dos elfos superiores,
Legolas diz que "não teme os mortos" quando viaja com Aragorn para áreas habitadas por criaturas semi-
mortas. Para os elfos imortais, cujas almas nunca deixam o mundo, não há necessidade de temer os
mortos-vivos.
Assim, os elfos de Tolkien, como criaturas imortais, transladam entre esses dois mundos. Em O Anel
de Morgoth, Tolkien chega a discutir como os Eldar, os elfos superiores, acabarão por se tornar
completamente invisíveis aos olhos mortais, sua parte espiritual consumido pelo lado físico:

À medida que o peso dos anos, quando todas as suas mudanças de desejo e pensamento, se juntam no
espírito dos Eldar, os impulsos e humores dos seus corpos mudam. Isto os Eldar querem dizer quando
eles falam de seus espíritos consumindo-os; e eles dizem que antes que Arda termine todos os Eldalië na
terra, eles se tornarão espíritos invisíveis aos olhos mortais, a menos que eles sejam vistos por alguns
entre os homens em cujas mentes eles possam entrar diretamente.

Tolkien e a batalha decisiva


Na mitologia nórdica, grande influenciadora nos escritos de Tolkien, a batalha final, o fim do mundo,
o chamado Ragnarok, é uma grande conflagração que destrói, não somente os deuses do reino superior
em Asgard, tais como Odin, mas também o reino de Midgard, o correspondente do universo tolkieniano
da Terra Média. Todavia, do epílogo deste confronto, um novo e mais belo mundo eventualmente se
levanta.
O crepúsculo dos deuses se diferencia, e muito, da noção cristã do armageddon contida no livro do
Apocalipse. Nele, os anjos de Deus subjugam e derrotam o Diabo e suas bestas pouco antes de um novo
seu e uma nova terra fossem criados. Em Ragnarok, os deuses confrontam gigantes e inimigos sabendo
do fim iminente; encaram a batalha como os heróis vikings o fariam: determinados e prontos para
morrerem se necessário. Nesta versão nórdica do fim do mundo, tanto o bem quanto o mal aniquilam-se
mutuamente e os poucos sobreviventes estabelecem a nova ordem mundial.
Apesar da firme crença pessoal de Tolkien no “dia do julgamento final”, mesmo que suas obras de
fantasia sugiram tal possibilidade, sua referência mais clara está na crença dos Anões no Salão de
Mandos, local para onde supostamente seriam guiados na pós vida e aguardariam até serem chamados
para ajudar seu “pai”, Aulë, a criar um novo mundo. Além dessa sugestão, Tolkien dá apenas vagas
referências sobre a reconstrução do mundo.
É de se imaginar, porém, uma maior aproximação ao Ragnarok do que ao armageddon, caso Tolkien
criasse um cenário para uma “última batalha, uma vez baseando-se nas ações de Gandalf e Aragorn
durante a Batalha de Morannon ("Portão Negro") em o Retorno do Rei, que optam enfrentar o inimigo em
frente aos portões de Mordor, de forma a ganhar tempo para que Frodo concluísse a missão de destruir o
Anel.
Assim, mesmo sabendo das remotas chances de sucesso de Frodo e que, mesmo destruindo o Anel
possam não sobreviver na batalha em frente aos Portões Negros, como os deuses nórdicos, estão
dispostos ao combate em face da derrota quase certeira. A maior diferença entre os heróis da Batalha de
Morannon e os de Ragnarok é a ausência do saborear da luta e da morte por parte de Aragorn e dos outros
personagens.
Pelo contrário, os guerreiros em frente ao Portão Negro parecem bastante resignados ao seu destino e
encaram a batalha como os soldados modernos não profissionais. De fato, a atitude de Tolkien em O
Senhor dos Anéis em relação à guerra e à luta contra o mal é muito contemporânea. Em grande parte, os
mocinhos são em muito superados pelos vilões, com chances de vitória microscópicas, quase inexistentes.
As atitudes de Tolkien em relação à guerra em O Senhor dos Anéis assemelham-se muito à
perspectiva prevalecente desde a Primeira Guerra Mundial: a guerra vista como o tormento, o mundo um
lugar perigoso, e as forças do mal são numerosas e vastas. Tal como poucos estão seguros da prevalência
do bem sobre o mal, heróis como Gandalf e Aragorn são incertos sobre o sucesso da sua desesperada
aventura de impedir o domínio total da Terra Média, e lutam suas batalhas particulares para garantir a
preservação dos reinos, em uma mistura de coragem Viking e ambiguidade do século XX sobre o
resultado do confronto eterno entre as duas forças.

A predominância da clemência
O símbolo do poder na história de Tolkien é o um Anel. Sauron criou o anel, e nele derramou muito
de seu ser, poder e vontade. Ele permite ao seu criador escravizar as mentes dos outros, mas quando
alguém, exceto Sauron, utiliza o anel, é gradualmente corrompido e inicia-se um processo de
autodestruição. É claro que Tolkien viu a luxúria pelo poder como uma tentação perigosa. Ele escreve em
uma carta: "O trabalho mais impróprio de qualquer homem, mesmo dos santos (que, de qualquer modo,
não estavam dispostos a aceitá-lo), é o de mandar em outros homens. Nem um em um milhão é adequado
para isso, e muito menos para todos aqueles que procuram a oportunidade.”
Como, então, o mal pode ser combatido? Se há algum princípio claro nos escritos de Tolkien, é da
inviabilidade de combater o mal com o mal. Não se pode usar o anel como arma. Tolkien afirma: "Você
não pode lutar contra o Inimigo com o seu próprio Anel sem se transformar em um deles". Apenas o ato
de observar os caminhos do inimigo torna-se arriscado. Elrond explica: "É perigoso estudar
profundamente as artes do inimigo, para o bem ou para o mal". A queda do feiticeiro Saruman ilustra esse
perigo. Ele estudou as artes de Sauron por muitos anos e gradualmente desenvolveu sua própria luxúria
maligna pelo poder, uma luxúria que o levou à queda.
Embora o mal não possa ser completamente erradicado na era atual, pode-se e deve-se combatê-lo
quando e onde quer que se esteja. Como Gandalf diz a Frodo: "Tudo o que temos que decidir é o que
fazer com o tempo que nos é dado.” Na história de Tolkien, o principal meio de vencer o mal é através do
amor. Este amor manifesta-se de muitas formas, mas em O Senhor dos Anéis, as formas mais importantes
nas quais se expressa são através da confiança e do auto sacrifício envolvidos na amizade e no atos de
bondade, misericórdia e piedade. A amizade entre Sam e Frodo está no coração da história. Porém a
afeição que se desenvolve entre todos os nove companheiros da sociedade é igualmente importante. O
apreço presente entre eles é o único elo que os une de início, os sustenta durante sua longa provação e
possibilita o sucesso de sua busca no final.
O amor de cada pessoa da sociedade pelos outros é demonstrado nos sacrifícios que seus membros
fazem uns pelos outros. O altruísmo de Gandalf - ele próprio se compraz pelos outros em Moria. Boromir
é morto num esforço para salvar os hobbits Merry e Pippin. Aragorn e seu exército pretendem se
sacrificar no portão negro de Mordor para ajudar Sam e Frodo a alcançar seu objetivo. Em última análise,
Frodo se sacrifica pela sociedade e por toda a Terra Média. Como ele explica a Sam: "Eu tentei salvar o
Condado, e ele foi salvo, mas não para mim. Muitas vezes deve ser assim Sam, quando as coisas estão em
perigo: alguém tem que desistir delas, perdê-las, para que outros possam mantê-las.” Em uma analogia
cristã, Jesus disse: "Ninguém tem maior amor do que este: que alguém dê a sua vida pelos seus amigos"
A sociedade também recebe atos benevolência, ao receberem ajudas inesperadas de outros em cada
passo de sua busca. Desde o agricultor Maggot até Barbárvore, o princípio bíblico de hospitalidade,
tratamento bondoso e amor aos estrangeiros é repetidamente demonstrado. No final, a combinação de
muitas escolhas pequenas e aparentemente inconsequentes para o bem prova ter consequências
gigantescas. Um ato de amor e piedade demonstrado à criatura Gollum por Bilbo acaba por determinar o
destino da Terra Média.
Em certo ponto, em O Senhor dos Anéis, Sam fala com Frodo sobre as suas provações. Ele conta a
Frodo que costumava pensar que as pessoas nas histórias antigas saíam à procura de aventura, "mas não é
assim com os contos que realmente importavam". Nos contos que importavam, as pessoas tinham a
chance de voltar atrás, mas elas pressionavam mesmo quando não tinham certeza de como a história iria
acabar. Então Sam diz: "Pergunto-me em que tipo de conto é que caímos?"
Tendo em vista a época de intensas guerra nas quais as obras de Tolkien foram escritas, e semelhança
de muitos personagens e contextos, podemos espelhá-los a nossa realidade contemporânea: um mundo
vivendo em uma constante batalha de forças opostas. Se aplicada uma mesma lógica, no entanto menos
fantasiosa, como em O Senhor dos Anéis, através da união entre as sociedades e uma ordem que prese
atos de altruísmo e generosidade, talvez assim como Frodo, se faça possível destruir o mal que tanto
aflige os homens.
“Você pode aprender algo, e quer seja aquilo vislumbrado belo ou vil,
pode ser benéfico, e ainda assim não o ser. Enxergar é ao mesmo tempo
bom e perigoso”

Galadriel, O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel

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