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“Não me tente! Não ouso tomá-lo [o Um Anel], nem mesmo para mantê-lo a salvo, sem uso.
O desejo de controlá-lo seria grande demais para minhas forças. E vou precisar delas.
Grandes perigos me esperam”. (Gandalf para Frodo em “o Senhor dos Anéis – A Sociedade
do Anel”, de J. R. R. Tolkien, Martins Fontes)
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A tentação que o poder exerce sobre nós é um dos mais instigantes temas, não só
literários, mas também da filosofia. Não importam as intenções; tanto aqueles que
desejam, clara e abertamente, fazer o mal e dominar, tiranicamente, a todos, quanto
aqueles que, de posse do poder, julgam possuir abnegação suficiente para, através dele,
fazer o bem, acabam por sucumbir. E pela experiência histórica (e também literária), o
poder nas mãos de quem deseja fazer o bem pode causar muito mais estrago. O modo
peculiar como as pessoas cheias de boas intenções são seduzidas e acabam por tiranizar
àqueles que deveriam beneficiar, é notório e assustador.
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Anel para destruir o poder do Mal: “Por que não considerar que o Grande Anel chegou
às nossas mãos para nos servir exatamente nesta hora de necessidade? Controlando-o,
os Senhores Livres dos Livres podem certamente derrotar o Inimigo”.
Ao que Elrond, o elfo e senhor de Valfenda, lhe responde: “A força que tem, Boromir, é
grande demais para qualquer um controlar por sua própria vontade, com exceção
apenas daqueles que já têm um grande poder próprio. Mas, para estes, o Anel
representa um perigo ainda mais fatal. Apenas desejá-lo já corrompe o coração. […]
enquanto permanecer no mundo, representará um perigo mesmo para os Sábios. Pois
nada é mau no início. Até mesmo Sauron não era. Tenho medo de tomar o Anel para
escondê-lo. E não vou tomá-lo para fazer uso dele”.
A revolução dos bichos, apesar de ter sido escrita como uma crítica direta ao regime
stalinista – como afirma o próprio Orwell –, trata-se de um contundente libelo satírico
contra todo e qualquer autoritarismo e/ou totalitarismo, cujos exemplos abundam na
história recente.
Diz Platão: “Tendo observado estes factos, experimentou, a ver se o anel tinha aquele
poder, e verificou que, se voltasse o engaste para dentro, se tornava invisível; se o
voltasse para fora, ficava visível. Assim senhor de si, logo fez com que fosse um dos
delegados que iam junto do rei. Uma vez lá chegado, seduziu a mulher do soberano, e
com o auxílio dela, atacou-o e matou-o, e assim se assenhoreou do poder”. E arremata:
“Se, portanto, houvesse dois anéis como este, e o homem justo pusesse um, e o injusto
outro, não haveria ninguém, ao que parece, tão inabalável que permanecesse no
caminho da justiça, e que fosse capaz de se abster dos bens alheios e de não lhes tocar,
sendo-lhe dado tirar à vontade o que quisesse do mercado, entrar nas casas e unir-se a
quem lhe apetecesse, matar ou libertar das algemas a quem lhe aprouvesse, e fazer
tudo o mais entre os homens, como se fosse igual aos deuses. Comportando-se desta
maneira, os seus atos em nada difeririam dos do outro, mas ambos levariam o mesmo
caminho”. (Platão, A República, Fundação Calouste Gulbenkian)
A história de Giges, inclusive, é uma das possíveis inspirações de Tolkien para o seu Um
Anel – que também dava o poder de invisibilidade.
Que estas referências nos sirvam de alerta, pois, neste início de um novo governo em
nosso país, cercado de promessas de “um novo tempo para o Brasil” ou até de uma
“nova era”, e que tem introduzido às esferas do poder um número considerável de
outsiders que nunca tiveram de lidar com a complexa (e corrupta) estrutura de poder
brasileira, todo cuidado é pouco.
Paulo Cruz
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