Capítulo Iii

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Além da democracia e da ditadura:

Por que o Rei deve voltar

Apesar da existência de democracia na Terra Média, a moderna dicotomia entre democracia e


ditadura/autoritarismo não consegue captar aspectos fundamentais da política no mundo de Tolkien.
Embora humanos, elfos e anões sejam chamados de Povos Livres da Terra Média, eles não possuem
formas de governo democráticas. Classificando as localidades do continente tolkieniano em termos de
medidas de democratização, Mordor, Gondor, Rohan e os reinos elfos estariam em um patamar de
"autoritários". Além disso, as sociedades da Terra Média não são igualitárias; os personagens são
conscientes da questão de classe e, em alguns casos, a mobilidade social é limitada. No entanto, Tolkien
claramente não atribui à democracia o mesmo valor normativo aplicado em nosso mundo. Em outras
palavras, o governo da Cidade do Lago em O Hobbit, por exemplo, não é retratado como superior ao de
Rohan, apesar do estatuto democrático presente.
No "mundo mundano", os cientistas políticos têm se afastado cada vez mais da separação entre
democracia e autoritarismo, para se concentrar nas instituições de forma mais ampla em diferentes tipos
de regimes. Neste texto, a "instituição" é definida como: 1) um conjunto relativamente duradouro de
práticas e regras organizadas; 2) incorporadas em estruturas de significado e recursos; e 3) invariantes
face à rotatividade de pessoal e às preferências individuais. As regras institucionais definem como as
ações políticas se traduzem em resultados. Essa definição é flexível o suficiente para acomodar à política
relativamente informal da Terra Média. Uma "instituição" não tem necessariamente de ser um órgão ou
ator governamental, como a administração de Gondor. Por exemplo, o juramento que os guardas da
Cidadela prometem é uma instituição na medida em que é uma prática organizada que resistiu sob várias
gerações de administradores.
Embora as instituições políticas possam permitir melhores resultados de governança, institucionalizar
relações políticas cria inevitavelmente barreiras entre governantes e sujeito. Por exemplo, em
democracias presidenciais, os mandatos bloqueiam os eleitores e os políticos em um contrato social
formal que geralmente não pode ser quebrado ou alterado até à próxima eleição. Se uma nova crise surge
ou se os eleitores mudam de ideia, os eleitores estão presos aos líderes atualmente no poder. Líderes
eleitos para gerir um problema podem estar mal equipados para abordar o próximo - tanto quanto o
Mestre, em O Hobbit fomentou uma economia próspera, mas mostrou-se inapto em defender a Cidade do
Lago contra um dragão. Este risco é mitigado, até certo ponto, no parlamentarismo, em que o legislador
pode pedir um voto de desconfiança. No entanto, mesmo eleições rápidas não são garantia de que a
democracia seja realmente representante e responsável perante o público. As regras de votação afetam os
resultados de tal forma que a ordem e a maneira pela qual os legisladores votam pode ter um caráter
determinante sobre a decisão.
É possível mitigar estes problemas, mas apenas limitando a representatividade, responsabilização ou
eficiência do governo. No "mundo mundano", os políticos estabelecem regras, tais como a delegação de
autoridade a comitês legislativos, para impedir que as legislaturas constantemente rotacionem através das
políticas. O comitê pode então usar seu conhecimento especializado para restringir o leque de opções
trazidas à votação em plenário. No entanto, isso dá a um subconjunto de legisladores poder
desproporcional sobre a agenda. Os governos democráticos também regularmente confiam burocratas e
juízes não eleitos a formulação de políticas e a gestão de disputas. Embora estas inovações institucionais
possam e, por vezes, produzam resultados benéficos em termos de governança, complicam também a
noção de que a democracia permite a interação direta entre os cidadãos e líderes políticos.
Em teoria, as eleições devem permitir que os eleitores responsabilizem políticos corruptos, mas na
prática as eleições podem encorajar corrupção, uma vez que políticos necessitam de fundos para financiar
as suas campanhas. Empiricamente, as democracias liberais há muito estabelecidas tendem a sofrer menos
corrupção, mas há uma variação considerável entre as democracias mais jovens, algumas das quais
sofrem níveis extremos de corrupção. Em sistemas de representação proporcional de lista aberta, eleições
mais competitivas parecem mesmo encorajar mais corrupção; à medida que aumenta o número de
eleitores em um círculo eleitoral, as violações de campanhas de finança também aumentam. Além disso, é
difícil para os eleitores responsabilizar os líderes pela corrupção já que ela ocorre fora da visão pública.
Líderes carismáticos podem aproveitar essa assimetria de informações em para distrair os eleitores da
corrupção ou do mau desempenho do governo. Os problemas podem sempre ser atribuídos a grupos
subversivos ou forças externas. Tais preocupações levam alguns eleitores a confiar em líderes que não
buscam abertamente o poder. O próprio Tolkien pareceu simpatizar com essa visão, observando que os
“medievais estavam muito certos em tomar nolo episcopari (a recusa de um clérigo da igreja católica)
como a melhor razão que um homem pode dar aos outros para fazer dele um bispo". Isto, naturalmente,
dá aos políticos um incentivo para - muitas vezes falsamente – negar qualquer interesse por cargos
superiores, distorcendo ainda mais a relação entre governante e sujeito.
A democracia também não é necessariamente uma condição prévia para o crescimento económico e
boa administração. Algumas pesquisas sugerem que a democracia aumenta a provisão de bens públicos,
como a educação e os cuidados de saúde. No entanto, outros estudiosos têm desafiado esses resultados
por representarem inadequadamente, regimes autoritários de alto desempenho e medidas altamente
simplificadoras para a democracia. Além disso, desde o fim da Guerra Fria, várias autocracias, incluindo
a China, proporcionaram crescimento econômico e provisão pelo menos tão bem quanto a democracia
média.
Modelos mais recentes sugerem que as restrições políticas, e não o tipo de regime, fornecem a chave
para explicar o desempenho do governo. No modelo de Seletorado, um líder deve maximizar seu apoio
distribuindo chancela ao grupo que seleciona o líder.
Ele/ela deve distribuir o suficiente para frustrar os possíveis adversários. Quanto maior o seletorado,
maior o incentivo para aprovar políticas que beneficiam a população em geral, em vez de se envolver em
desvio de verbas. Nas democracias, o Seletorado tende a abranger toda a população em idade de votar.
Em um modelo semelhante, Myerson mostra que, em face da competição, os governantes têm um
incentivo para estabelecer uma corte real forte para servir como um compromisso com os apoiadores.
Esses modelos são particularmente úteis para a Terra-média, pois demonstram que não é preciso uma
democracia, nem mesmo instituições formais, para restringir governantes políticos.

Democracia na Terra Média: Quem elegeu o Mestre?


Dados esses insights da literatura de ciência política, vale a pena reexaminar o problema da
democracia nas obras de Tolkien. O autor não usa o fracasso da democracia ou dos líderes políticos na
Terra-média como desculpa para aceitar a ditadura. De fato, vemos sujeitos e subordinados resistindo
ativamente a um mau governo. Ambos Éomer e Beregond discordam contra ordens imprudentes quando
os reis de Rohan e Gondor caem sob influências corruptas (Grima Língua de Cobra e o palantir,
respectivamente). Após uma breve punição, ambos são reabilitados e sua dissidência, pelo menos,
parcialmente legitimada. Em O Retorno do Rei, os hobbits até lançam uma insurgência contra Sharkey e
seus capangas. Como observa Curry, "o que é o 'expurgo do Condado', senão uma descrição da resistência
local à violência fascista e à modernização forçada?". Talvez o maior desafio para a democracia venha da
Cidade do Lago. De acordo com Blackburn, o contraste entre o Mestre e o Bard sugere que:

O que está errado com a democracia é que ela leva ao poder, não aqueles que têm o melhor direito de
governar como administradores do bem comum, mas aqueles que, pelo poder de sua eloquência, são
capazes de manipular as massas ignorantes.

No entanto, até aqui parece que o problema está em como a democracia se institucionalizou na Cidade
do Lago, ao invés vez da participação popular em geral. O narrador em O Hobbit diz ao leitor que o
Mestre mantinha sua posição devido ao "comércio e pedágios, para cargas e ouro". Isso poderia
simplesmente significar que os residentes aprovaram a gestão da economia pelo Mestre, mas também
poderiam implicar que o Mestre usava o patrocínio para influenciar o resultado das eleições. Além disso,
o Mestre não internaliza o sentimento popular para deliberar sobre política, mas segue o "clamor geral".
Em contraste, a restauração da monarquia não leva à abolição da participação popular. Quando Bard é
descrito recompensando "seus seguidores e amigos livremente", é difícil não ver indícios das políticas de
restrição e clientelismo do modelo de Seletorado.
Algumas das cartas de Tolkien expressam ceticismo na democracia. Em uma carta de 1944 para seu
filho Christopher, ele aponta que a palavra grega para a democracia (δημοχρατὶα) se traduz melhor como
"regra da maioria". Ao discutir os valores de O Hobbit, ele declara: "Não que eu seja um 'democrata', em
qualquer de seus significados atuais". No entanto, uma análise mais detalhada sugere que as críticas de
Tolkien se centralizam na democracia moderna e institucionalizada, não da participação popular na
administração. Isto talvez seja melhor expresso em uma carta de 1956, onde ele afirma: "Eu não sou um
'democrata' apenas porque 'humildade' e igualdade são princípios espirituais corrompidos pela tentativa de
mecanizá-los e formalizá-los". Neste contexto, o fracasso da Cidade do Lago decorre da falta de um
diálogo entre o governo e o povo; o Mestre segue as formas de democracia, mas não fornece liderança.
Tolkien descreve suas próprias inclinações políticas como “mais e mais para a Anarquia
(filosoficamente entendida, significando a abolição do controle) - ou para a “Monarquia inconstitucional”.
Os cientistas políticos colocariam tipicamente “monarquia inconstitucional” e “anarquia” perto de
extremidades opostas do espectro político (na verdade, ditadores geralmente igualam “democracia” à
“anarquia”). No entanto, ao agrupar esses dois tipos de regime, Tolkien está enfatizando sua aversão à
institucionalização. Durante as décadas de 1930 e 1940, as principais democracias do mundo gastaram
drasticamente o tamanho e o alcance do governo em resposta à Grande Depressão e à Segunda Guerra
Mundial. O totalitarismo, com sua arregimentação da sociedade, representava uma forma ainda mais
extrema de institucionalização. Para alguém que preferia a política desinstitucionalizada, nenhuma opção
era uma alternativa viável.
Em última análise, as obras de Tolkien não são um manifesto político e não tentam resolver os
problemas da democracia institucionalizada. Tomado literalmente, O Senhor dos Anéis seria, como afirma
Blackburn, "perigoso como um guia para os atos". No entanto, suas obras são politicamente salientes na
medida em que se envolve com temas políticos mais amplos. De fato, em seu ceticismo do governo,
Tolkien compartilha algumas das mesmas preocupações que motivaram o livro Governando os Comuns,
da ganhadora do Prêmio Nobel, Elinor Ostrom. Ostrom argumenta que o policiamento comunitário pode
ser mais eficaz na gestão de recursos naturais do que no controle estatal ou a privatização. Sua abordagem
não funciona sob todas as condições e provavelmente só é aplicável a comunidades menores. Não
obstante, seu conhecimento é útil na medida em que demonstra a possibilidade de algo parecido com a
política tolkieniana, mesmo no mundo moderno.

Variação de institucionalização:

Os Espectros do Anel como burocratas


Nesta seção, é considero as variações das políticas em O Senhor dos Anéis. Na Terra Média, os
indicadores mais importantes de institucionalização são: 1) a capacidade de sujeitos e governantes de
interagir, 2) a formalidade de processos políticos, e 3) as camadas da burocracia. Idealmente, as relações
políticas entre governante e sujeitos envolvem comunicação bidirecional - quem governa comanda o
sujeito, e este exibe um feedback de volta ao governante. Os governantes transmitem comandos para a
população através de leis, burocracia, discursos ou propaganda. Ao mesmo tempo, precisam de
informações sobre as preferências dos indivíduos para garantir que eles não fiquem tão insatisfeitos ao
ponto de tentarem mudar o regime. Os indivíduos também podem fornecer aos governantes informações
úteis sobre a aplicação e o impacto das políticas governamentais.
Os governos precisam encontrar um equilíbrio entre comando e feedback. Confiar unicamente na
informação fornecida pelos sujeitos, arrisca a “regra da multidão”. Os pais fundadores dos EUA criaram
um governo representativo para receber informações sobre as preferências dos cidadãos, mas combinaram
isso com freios e contrapesos para evitar uma tirania da maioria. Os regimes autoritários também
precisam de feedback, mas os sujeitos são menos propensos a oferecer informações que contradigam ou
critiquem a política oficial por medo de retaliação. Isso torna a coleta de informações precisas mais cara.
Alguns regimes autoritários estabelecem instituições "democráticas", como legislaturas, para interagir
com os cidadãos e coletar informações. Os governos também podem tentar compensar criando um vasto
aparato de vigilância para espionar a população.
Na Terra Média, há uma variação considerável na medida em que os governos podem emitir
comandos e receber feedback. Em um extremo, Mordor tem uma hierarquia política complexa com
muitas camadas burocráticas. Embora aprendamos relativamente pouco sobre Mordor, encontramos
cortesãos (a boca de Sauron), agentes burocráticos (Espectros do Anel), estados tributários (Harad),
soldados de elite (trolls) e tropas comuns (orcs). Não apenas a hierarquia é rígida, mas classes diferentes
também são estritamente segregadas por raça. Não há permeabilidade entre as linhas de classe. Embora os
orcs às vezes conversem informalmente entre si, nunca observamos os Espectros do Anel - muito menos
o próprio Sauron - interagindo informalmente com orcs.
A opressão de Sauron sufoca a comunicação informacional entre os sujeitos e o governante. Esta não
é uma política na qual os indivíduos voluntariamente transmitem informações suscetíveis de perturbar as
elites. Dois dos orcs em Mordor, Shagrat e Gorbag, são forçados a sussurrar sua crença de que "mesmo os
Maiores, podem cometer erros", como se reconhecer a falibilidade de um líder fosse causa de punição.
Para compensar, Sauron gasta um esforço considerável conduzindo a vigilância sobre o seu reino. Como
afirma Shagrat, "eles têm olhos e ouvidos em todos os lugares". Nas obras de Tolkien, o onipresente
aparato de vigilância de Mordor é simbolizado por referências ao "Olho de Sauron". No entanto, os
esforços de Sauron acabam fracassando. Ao longo de O Senhor dos Anéis, ele constantemente não possui
informações cruciais sobre o Anel e as intenções dos protagonistas. Ele não pode nem detectar a presença
dos hobbits em Mordor até Frodo pôr o Anel na Montanha da Perdição.
A estrutura política de Isengard se assemelha à de Mordor, mas com menos camadas de hierarquia.
Saruman, o líder indiscutível, tem um cortesão (Grima Língua de Cobra), soldados (Uruk-hai) e
mercenários (Dunlendings). Mais uma vez, não há evidências de mobilidade social. Embora Saruman e
Grima interajam, o relacionamento deles não é informal e pessoal. Saruman enfatiza constantemente sua
superioridade sobre Língua de Cobra, emitindo comandos arbitrários e abusivos, como a ordem de matar
Lotho Sacola-Bolseiro. Saruman demonstra pouco interesse em receber feedback de Grima sobre suas
políticas, chegando a insulta-lo por obedecer a seus comandos. Depois que Sharkey toma o controle do
Bolsão, ele se isola simbolicamente e praticamente do feedback, não se revelando aos hobbits e fingindo
que Lotho continua no comando.
Gondor e Rohan estão entre os extremos. Ambos têm várias camadas de governo, incluindo um rei,
conselheiros e generais, mas a hierarquia de Rohan é muito mais horizontal que a de Gondor. Antes de
marchar para Gondor, Théoden tem que convocar seus vassalos para reunir seus soldados em Dunharrow.
Em contraste, Gondor tem uma estrutura de comando e controle relativamente centralizada, permitindo ao
governante convocar tropas de territórios afastados. Além disso, Gondor tem mais níveis de hierarquia,
incluindo nobres menores (príncipe Imrahil) e senhores das cidades (Faramir de Osgiliath). De fato, o
Conselho de Gondor é a única instituição política formal mencionada em todo a obra. No entanto, ao
contrário de Mordor, os indivíduos gondorianos podem, não apenas interagir com a elite, mas também
participar dela. Por exemplo, Beregond - um "homem de armas simples, sem patente nem senhorio" foi
promovido a Capitão da Companhia Branca depois de salvar Faramir.
Os juramentos paralelos que Merry e Pippin prestam permitem uma comparação direta da
institucionalização em Gondor e Rohan. Em Rohan, Merry simplesmente pergunta ao rei Théoden:
"Posso colocar a espada de Meriadoc do Condado em seu colo?" Com a mesma informalidade, Théoden
responde: "Felizmente aceito". O juramento não é uma pré-condição para que Merry sirva e interaja com
Théoden, mas formaliza um relacionamento que se desenvolveu através de conversas sobre tabaco e
outros assuntos alegres. Onde o juramento de Rohirrim é informal e pessoal, o processo de Gondor é
formal e estereotipado. Pippin jura lealdade a Denethor recitando:

Aqui eu juro fidelidade e serviço a Gondor, e ao Senhor e Regente do reino, para falar e ficar em
silêncio, para fazer e deixar ser, para ir e vir, em necessidade ou em abundância, em paz ou guerra,
vivendo ou morrendo, a partir desta hora, até que meu senhor me liberte, ou a morte me leve, ou o fim do
mundo. Assim o digo, Peregrin, filho de Paladin do Condado.

A resposta de Denethor é igualmente formal e formulaica:

E isto eu ouço, Denethor, filho de Ecthelion, Senhor de Gondor, Regente do Grande Rei, e não vou
esquecê-lo, nem deixar de recompensar o que é dado: fidelidade com amor, valor com honra, quebra de
juramento com vingança

Ao contrário do juramento de Merry, Pippin é parte de um ritual roteirizado em que todos os soldados
de Gondor devem participar; o juramento em si é uma instituição. Pippin e Denethor não tiveram uma
amizade preexistente antes do juramento e depois só interagem de acordo com o cumprimento de seus
votos. O juramento também delineia rigidamente as responsabilidades do governante e do sujeito,
separando ainda mais os dois e reduzindo o espaço para interações pessoais e informais.
Gondor e Rohan demonstram como a institucionalização pode levar a um problema-agente principal.
Em teoria, um agente burocrático deve agir no melhor interesse do governante. Na prática, as preferências
de um agente podem divergir do governante. Por exemplo, Grima iria distorcer e reinterpretar
informações antes de passá-las para Théoden. Assim, quando Gandalf chega, ele deve remover essa
camada de burocracia para garantir que o rei receba sua mensagem. Em Gondor, o palantir ergue uma
barreira semelhante à comunicação. Como Língua de Cobra, o palantir tem uma agenda diferente de
Denethor. O palantir, na verdade, não apresenta inverdade, mas tinge informações com desespero. Pelo
cerco de Gondor, Denethor se torna tão dependente do palantir que ele recusa o conselho de Faramir antes
do ataque a Osgiliath e de Pippin antes de quase queimar Faramir vivo. Em resumo, Denethor não investe
mais em relacionamentos com sujeitos para informação.
A ascensão de Aragorn ao trono parece prometer uma relação política relativamente menos formal
com seus súditos, mas ele não elimina completamente a formalidade. Sua cerimônia de coroação é
marcada por rituais, incluindo trombetas, ruas floridas e uma recitação formal em élfico. De fato, à
medida que Aragorn se aproxima de Gondor, ele transita para falar de uma forma mais uniforme - a
dicção real. Embora existam diferenças cruciais entre os reinos de Denethor e Aragorn, há também
instituições políticas e rituais mais profundos em Gondor que não desaparecem após a rotatividade da
liderança.
A Cidade do Lago sob o Mestre representa outro extremo, governo extremo administrado por
feedback - ou "regra da multidão". Embora o governo dessa cidade seja relativamente pouco
institucionalizado, as instituições que existem não facilitam a comunicação nos dois sentidos. O Mestre
segue os caprichos de seus súditos, presumivelmente para garantir sua reeleição. Quando Thorin e
companhia chegam em O Hobbit, o narrador revela que o Mestre duvidou das reivindicações de Thorin ao
reinado. Contudo, em vez de expressar suas dúvidas e encorajar um debate sobre a sabedoria de entrar na
Montanha Solitária, ele simplesmente segue o "clamor geral”. Ele também presta muita atenção ao
"comércio e aos pedágios" - as preocupações de curto prazo do eleitorado - em vez de fazer os
preparativos sombrios, mas previdentes, para defender a cidade. Ironicamente, apesar de seu título, o
"Mestre" é incapaz de emitir comandos impopulares ou exigir sacrifícios de seus súditos.
Finalmente, o Condado não possui "quase nenhum governo", o que contribui para uma estrutura
política relativamente plana. A única hierarquia política é um prefeito eleito, o Thain e os xerifes. Pela
Guerra do Anel, apenas doze xerifes permaneceram em serviço e o Thain se tornou amplamente
honorífico. Os deveres do prefeito limitam-se a administrar banquetes, o serviço de mensageiro, a vigília
e o controle de animais. O governo desempenha um papel na coordenação e gestão dos serviços públicos,
mas parece ter pouco poder institucional para mobilizar ou extrair recursos da sociedade do Condado.
Embora a desigualdade econômica e social exista no Condado, há evidências de significativa mobilidade
social. Samwise Gamgee, a classe trabalhadora arquetípica hobbit, é eleito prefeito por sete mandatos de
sete anos. O governo minimalista do Condado vem com um custo; como na Cidade do lago, o governo do
Condado possui capacidade de comando insuficiente para se defender contra ameaças externas (embora o
prefeito Will Pés-Soberbos receba a simpatia dos leitores por desafiar Lotho).

Origens de governo:

Por que o Condado é uma democracia


Nesta seção, ofereço uma explicação causal possível para a variação institucional na Terra Média
baseada em um modelo teórico de jogo adaptado da literatura econômica. Existem dois jogadores no jogo
“Sair, Voz e Lealdade”: um Governante e um grupo de Indivíduos. Antes do jogo começar, o Governante
emite uma política que custa à unidade de bem-estar do Sujeito (ou seja, em direitos ou perda de
propriedade). Os Indivíduos podem então escolher: 1) expressar sua insatisfação, 2) permanecer leais ao
Governante, ou 3) sair do estado. Nos dois últimos cenários, o jogo termina e ambos os jogadores
recebem um pagamento. Se os Sujeitos escolherem “voz”, o Governante poderá: 1) responder às
demandas ou 2) ignorá-las. Se ele responder, os indivíduos permanecerão leais e ambos os jogadores
receberão um pagamento. Se o Governante os ignorar, os sujeitos devem novamente escolher: 1)
permanecer leais, ou 2) sair do estado.
Fundamentalmente, o Governante e os Sujeitos tomam suas decisões com base no resultado esperado
em cada estágio do jogo. Se os indivíduos receberem algum valor positivo ao sair, eles prefeririam sair
em vez de permanecerem leais. Da mesma forma, se houver custos significativos associados à saída, os
Sujeitos prefeririam permanecer leais. Se o Governante responde, então a unidade de bem-estar é
devolvida aos participantes. No entanto, usar a voz é caro, pois os participantes precisam gastar recursos
para mobilizar. Assim, os Sujeitos só expressarão discordância se o valor do que perderam for maior que
o benefício de lealdade ou saída.
Depois de se apropriar dos bens do cidadão, o Governante recebe aquela única unidade de bem-estar.
Se os Indivíduos permanecerem leais, o Governante recebe um valor por sua lealdade e serviço. Assim, o
Governante tem um incentivo para impedir que os Sujeitos saiam do estado. Se o Governante valoriza
mais a lealdade dos Indivíduos do que o bem estar apreendido, ele/ela pode estar disposto a responder às
suas queixas (ou seja, retornar a uma unidade de bem-estar) para evitar que eles fujam. Se este jogo fosse
prolongado para além de uma rodada, o Governante poderia precisar de uma maneira de se comprometer
a não apreender os espólios dos Sujeitos para impedi-los de protestar, ou sair em primeiro lugar. Isso
pode levar ao estabelecimento de uma democracia ou constituição, o que imporia restrições institucionais
à discrição do governo.
No mundo "mundano", não podemos obter valores precisos para as ações ilustradas, mas podemos
estimar os valores relativos com base no poder de barganha dos súditos. Do ponto de vista do governante,
o benefício da lealdade dos sujeitos depende da facilidade com que o Estado pode extrair recursos e
serviços. Se os indivíduos podem esconder seus bens ou fugir, então torna-se mais importante para o
Estado manter a lealdade a fim de evitar fuga de capitais ou perda de mão-de-obra. Se o governante tiver
acesso a rendas de recursos naturais ou trabalho escravo, então ele/ela não necessita a lealdade dos
indivíduos para obter receita e serviços.
Indivíduos que estão mais dispostos e aptos a deixar uma constituição política têm um maior valor de
saída e, portanto, mais poder de barganha em relação ao governante. “Sair” é mais fácil quando os
sujeitos possuem ativos dinâmicos que podem ser tomados em caso de fuga. Por outro lado, a lealdade se
torna mais atraente quando os perigos fora da comunidade ameaçam a pessoa ou a propriedade do sujeito.
Em tais casos, os sujeitos têm maior probabilidade de ceder poder ao estado e permitir que ele desenvolva
instituições mais fortes em troca de proteção. Os custos da “Voz” dependem da capacidade dos sujeitos
de se organizarem e se mobilizarem. Se os sujeitos forem relativamente autossuficientes e puderem
sobreviver sem assistência do estado, eles enfrentarão menos risco de retaliação.
A geografia tem um impacto particularmente importante nesses parâmetros. Terrenos acidentados ou
escarpados podem impedir os esforços do governo para controlar os súditos, enquanto terras férteis
podem permitir que os indivíduos cultivem suas próprias plantações e se tornem autossuficientes.
Felizmente, Tolkien foi notoriamente meticuloso nos cuidados com os quais representava a geografia da
Terra Média, chegando a incluir mapas em seus livros. Embora Tolkien certamente não tenha o modelo
de “Sair, Voz, Lealdade” na escrita, pois tomou muito cuidado com a geografia, é razoável extrapolar
como os terrenos podem ter afetado o desenvolvimento de instituições políticas na Terra Média.
A geografia do Condado o torna idealmente adequado para o governo descentralizado e democrático.
O Condado é descrito como uma área montanhosa. A maioria dos hobbits - especialmente os mais ricos e
os mais pobres - constroem suas casas em buracos no solo, em vez de estruturas externas. Isso torna
relativamente fácil para os hobbits se esconderem e esconderem seus bens da inspeção. O governo não
pode simplesmente observar campos ou as casa de um hobbit para avaliar sua riqueza. De fato, depois que
Bilbo retornou de Erebor, os outros hobbits sabiam que ele havia obtido algum tesouro, mas não podiam
determinar a extensão de sua riqueza. Os hobbits são também reservados e hábeis na "arte de
desaparecer", uma vez que os humanos raramente os veem. Assim, sair e escapar da supervisão do
governo é relativamente fácil. Para convencer os hobbits a permanecerem leais, o governo deve tornar o
Condado um lugar atraente para se viver - como parece ter acontecido, dadas as descrições de Frodo e
Sam sobre sua terra natal.
Os hobbits também demonstram os meios e a vontade de expressar discordância contra o governo
opressivo. O Condado possui terras férteis e pode cultivar alimentos suficientes para a subsistência, o que
significa que as famílias de Hobbits não precisam de assistência do governo. Os hobbits são
frequentemente representados em atividades coletivas, incluindo banquetes, mostrando que cidadãos
particulares podem e organizam eventos em massa. Foi necessário que Lotho fosse auxiliado por rufiões
humanos armados e por Saruman, para impor um sistema econômico que "mais se ajunta do que
compartilha". Apesar dessa vantagem, os hobbits ainda poderiam se envolver em uma resistência massiva
e generalizada e derrubar o regime de Lotho-Sharkey. A longo prazo, o autoritarismo simplesmente não é
um equilíbrio estável no Condado.
A geografia da Cidade do lago parece ter um efeito semelhante, mas por diferentes razões. Viver em
um lago torna a saída mais fácil, pois os súditos podem esconder seus bens debaixo d'água ou fugir
usando seus barcos. Antes do ataque de Smaug, a cidade tinha recursos abundantes, incluindo peixes. Os
residentes descontam as profecias de Bard sobre "qualquer coisa, desde enchentes a peixes envenenados",
sugerindo que nenhum dos dois havia acontecido recentemente. Supondo que os moradores tenham
acesso a equipamentos de pesca e embarcações, eles não dependem do Mestre para sua subsistência.
Como no Condado, o povo da Cidade do Lago demonstra sua autonomia derrubando o Mestre e
instalando Bard como rei. É digno de nota que os únicos dois exemplos de revoluções domésticas bem-
sucedidas nas obras de Tolkien ocorrem nos dois estados com as opções de saída menos onerosas.
No extremo oposto, a geografia de Mordor facilita o totalitarismo e sufoca a resistência. As planícies
de Gorgoroth são descritas como desertos onde nada cresce e a água é amarga. Em vez disso, a comida
vem de "campos de trabalho escravo" na região do lago Nurnen, dando ao Estado o monopólio sobre o
fornecimento e a distribuição de provisões - e tornando os orcs dependentes do estado para sua
subsistência. Apesar da baixa qualidade de vida, a saída não é viável. Fora de Mordor, elfos, homens e
anões matam os orcs indiscriminadamente, na medida em que os países-elfos instilam um "medo frio".
Como tal, a deserção para estados vizinhos não é uma opção. Em contraste, como parte do exército de
Sauron, os Orcs não apenas recebem defesa coletiva, mas também espólios de guerra. Assim, mesmo
evitando o sistema interno de vigilância de Mordor, os benefícios de fugir de Mordor são baixos se
comparados aos de permanecer leais.
Se Orcs tentassem fugir, a geografia de Mordor tornava isso quase impossível. Mordor é cercado pelas
Ered Lithui ("Montanhas das Cinzas") no norte e pelo Ephel Duath ("Cerca da Sombra") no oeste e no
sul, bloqueando a passagem por terra. As únicas saídas acessíveis são através do Portão Negro
(Morannon), Minas Morgul, ou o covil de Shelob, fortemente vigiado. Além de Orodruin, a terra dentro
dos limites de Mordor é plana e estéril, proporcionando ao "Olho" de Sauron uma visão desobstruída de
qualquer ponto dentro de seu reino. De fato, Shagrat e Gorbag expressam o desejo de desertar, mas
temem que eles sejam pegos. Para Sauron, orcs são dispensáveis, em parte porque ele pode recrutar
mercenários adicionais de Harad e Rhun. Em suma, Sauron não tem incentivo para acomodar quaisquer
demandas dos orc por maiores direitos ou compartilhamento dos saques, já que orcs não têm poder de
barganha.
A geografia de Rohan torna provável um governo relativamente descentralizado, mas ainda permite a
monarquia. Rohan é coberto por uma vasta planície situada em um vale entre as Montanhas Sombrias e as
Montanhas Brancas. Isso tem duas implicações importantes. Primeiro, como no Condado, as planícies
férteis proporcionam maiores oportunidades agrícolas, permitindo que os agricultores sejam relativamente
autossuficientes. Isso impede que os Rohirrim seja demasiadamente dependentes do rei. De fato, o rei é
dependente de vassalos para suprir as forças militares. Em segundo lugar, a terra é adequada para cavalos
e Rohan é uma cultura de cavalos. Os cavalos proporcionam aos Rohirrim uma mobilidade muito maior,
facilitando a mobilização coletiva e a fuga. No entanto, tanto cavalos quanto terras agrícolas são
observáveis - e, portanto, bens tributáveis, dando ao rei alguma vantagem na extração de recursos de seus
súditos.
A geografia de Gondor permite um governo mais centralizado do que o de Rohan. Os Campos de
Pelennor são relativamente férteis, fornecendo sustento para os gondorianos. No entanto, o reino de
Gondor está espalhado ao longo das margens das Montanhas Brancas, do Rio Anduin e da Baía de
Belfalas; com uma população espalhada por uma área tão grande, é relativamente difícil para os cidadãos
se engajarem em mobilização coletiva. Talvez a característica mais importante da geografia de Gondor
seja sua localização oposta aos Portões Negros. Como Boromir aponta, Gondor serviu por muito tempo
como linha de frente de defesa contra as forças de Sauron. Dada a ameaça externa, a saída é uma opção
menos atraente. Os gondorianos estão mais dispostos a ceder riqueza e poder ao estado em troca de
proteção, permitindo que os governantes financiem projetos de infraestrutura maciços como o Grande
Portão de Minas Tirith.
Seguindo essa lógica, devemos esperar que os Rohirrim sejam mais propensos a expressar
discordância contra o governo opressivo ou arbitrário do que os homens de Gondor. Embora os Rohirrim
não iniciem coletivamente uma revolta aberta contra o Grima Língua de Cobra, alguns indivíduos se
envolvem em resistência ativa ou passiva. Éomer questiona decisões que Théoden tomou, enquanto
estava sob a influência de Grima, e é posteriormente exilado. Mais tarde, Hama permite que Gandalf traga
sua equipe para Meduseld, desobedecendo ordens claras em contrário. Em contraste, em Gondor não há
resistência puramente nativa contra as decisões imprudentes de Denethor. Faramir obedece às ordens de
Denethor para recapturar Osgiliath, apesar de seu melhor julgamento. Beregond apenas tenta impedir que
Denethor queime Faramir a pedido de Pippin. Ao contrário de Éomer e Hama, que não foram punidos por
sua dissidência, Aragorn proíbe Beregond de pisar em Minas Tirith (embora isso seja acompanhado de
uma promoção a capitão).
Sabemos relativamente pouco sobre a política interna de Isengard, mas há algumas evidências que
sugerem que a saída é relativamente cara. A torre de Orthanc é cercada pelo Anel de Isengard, um grande
muro circular de pedra. Os únicos pontos de saída são o rio Isen e o portão de Isengard, tornando difícil a
saída da vizinhança imediata. A área ao redor de Isengard era originalmente coberta por floresta, o que
teria facilitado a saída e o esconderijo. No entanto, Saruman derrubou a maioria das árvores para
abastecer suas máquinas de guerra, tornando também mais fácil para Saruman rastrear seus subordinados.
Além disso, assim como os Orcs de Mordor temem os elfos, qualquer Uruk-hai e homem selvagem que
fugir de Isengard enfrentaria os Rohirrim, que em As Duas Torres matam um bando de Uruk-hai apenas
por invadirem o território de Rohan. Embora não tão difícil quanto em Mordor, orcs têm relativamente
pouco incentivo para fugir ou resistir a Saruman. Os comentários rancorosos de Grima contra Saruman
são os únicos sinais visíveis de dissidência em Isengard, e até mesmo aqueles servem para enfatizar o
domínio de Saruman sobre seus servos.
Na sequência desta análise, existe de fato uma correlação entre o custo de saída, conforme
determinado pela geografia e a quantidade de resistência a um governo opressivo ou arbitrário. Outros
fatores potenciais, como liderança, podem e importam. Por exemplo, o Mestre poderia ter tentado
enfatizar a ameaça do dragão a fim de militarizar a Cidade do Lago e acabar com qualquer oposição ao
seu poder. Em vez disso, ele escolhe ignorar a ameaça, diminuindo o efeito que a proximidade da Cidade
do Lago com a Montanha Solitária tem na política local. O modelo teórico do jogo simplesmente
demonstra que sob certas condições as escolhas dos líderes são limitadas pela geografia e outras
variáveis.

Excepcionalismo élfico: políticas mortais, elfos imortais


Os reinos élficos não se encaixam perfeitamente nesta estrutura teórica. Eles não são democráticos.
Tanto Valfenda quanto Lothlórien têm governos altamente centralizados, com líderes que permanecem no
poder por séculos (isto é, Elrond e Galadriel), além de geografias muito diferentes. Apesar disso, e ao
contrário do que afirma Barnett, os reinos elfos não são "essencialmente totalitários”. Líderes élficos são
altamente consensuais, até mesmo ao ponto de se recusarem a impor sua vontade a outros. Por exemplo,
quando Elrond preside o Conselho, ele permite que as várias partes - incluindo anões e homens -
participem do debate, mesmo que, dadas as circunstâncias, ele possa ter justificado invocar poderes de
emergência para agilizar a reunião. Ao encontrar Gildor, Frodo recorda um ditado de que não se deve ir
"aos elfos em busca de conselho, pois eles dirão não e sim".
Ferramentas atuais da ciência política simplesmente não estão devidamente equipadas para analisar
seres imortais como os elfos. Modelos como “Sair, Voz e Lealdade” assumem que os participantes têm
horizontes de tempo relativamente curtos. Os governantes consideram o poder político valioso porque
podem usá-lo para promulgar mudanças na política ou extrair rendas de recursos. O abuso de poder, como
o roubo de bens públicos ou a destruição de recursos naturais, pode ser atraente porque os perpetradores
recebem ganhos imediatos, mas não precisam lidar com as consequências a longo prazo. No entanto,
devido aos elfos serem imortais, eles têm horizontes de tempo muito mais longos. Em teoria, os
governantes e sujeitos élficos poderiam se encontrar interagindo durante um período infinito de tempo. A
esse respeito, embora os hobbits e os orcs sejam ambos raças fantásticas, eles se parecem mais com os
humanos do que os elfos.
A imortalidade pode levar a um equilíbrio muito diferente em um modelo teórico de jogo, à medida
que os jogadores revisam suas expectativas ao longo do tempo. Como exemplo, Axelrod e Hamilton
(1393-1395) mostram que, a longo prazo, existem estratégias viáveis que levam a resultados mais
cooperativos em modelos teóricos de jogos não cooperativos. Se um jogador se comporta de maneira não
cooperativa, o outro jogador pode infligir uma punição durante as próximas rodadas. Assim, a reputação
torna-se crucial para impedir o mau comportamento. Algo semelhante pode ter ocorrido entre os elfos.
Em Silmarillion, os elfos inicialmente parecem interessados no poder mundano; até mesmo Galadriel
anseia por um reino próprio. Os Noldor atacam outros elfos que se recusam a ajudar em sua busca pelos
Silmarils, levando aos assassinatos de reis. Em última análise, o declínio da reputação dos Noldor e a
loucura provocada pelo juramento de Fëanor, servem de lição aos custos do comportamento não
cooperativo. Na Segunda Era, os Elfos haviam se estabelecido em um padrão de política mais consensual
e pacífico.
Aqui foi oferecida uma explicação causal possível para os comportamentos políticos que observamos
na Terra Média. Não pode-se afirmar que Tolkien usou consciente ou inconscientemente tal raciocínio ao
escrever suas obras. Em vez disso, o objetivo aqui é demonstrar que há uma lógica para a política na
Terra Média que é, no mínimo, não inconsistente com a literatura da ciência política.
Como observado acima, a dicotomia entre democracia e autoritarismo se desfaz na Terra Média. Em
vez disso, a diferença mais saliente é a medida em que as relações entre governante e sujeito são
institucionalizadas. Em algumas políticas, como Mordor, as relações são formais e obstruídas por
múltiplas camadas de hierarquia. Em contraste, no Condado, o governo é descentralizado e plano. Além
disso, conforme antecipado pelo modelo “Sair, Voz, Lealdade”, os reinos da Terra Média com uma
cidadania mais móvel e capacitada são mais propensos a ter governos menos institucionalizados.
Finalmente, a imortalidade pode tornar os elfos mais cooperativos a longo prazo.
Em última análise, não devemos esperar que a ficção especulativa seja perfeitamente consistente com
a ciência política. Como o exemplo élfico demonstra, às vezes há diferenças entre uma subcriação e o
"mundo mundano" que levam a resultados divergentes. Em vez de impedir o diálogo, essa tensão cria
oportunidades. Um dos maiores desafios da ciência política é que temos limitados disfarces. Por exemplo,
não podemos comparar o crescimento econômico nos Estados Unidos sob a democracia e a ditadura
porque historicamente só existe uma possibilidade em um dado momento. Por necessidade, os cientistas
políticos comparam duas diferentes políticas ou períodos de tempo, mas é quase impossível controlar
todas as variáveis potenciais. Em contrapartida, a ficção especulativa nos permite explorar simulações que
não podemos replicar no "mundo mundano" (ou seja, é mais fácil escrever sobre uma administração de Al
Gore do que mudar os resultados da eleição de 2000). Como Ruby aponta, "o único lugar em que (nós)
poderíamos explorar a sociologia de uma situação que ainda não aconteceu é na ficção". O design
cuidadoso de subcriação pode permitir-nos testar.
“Outros males existem que podem vir, pois Sauron não é nada além de
servo ou emissário. No entanto, não é de nosso encargo dominar todas as
marés do mundo, mas fazer o que está em nosso alcance para o socorro
daqueles anos em que estamos estabelecidos, desenraizando o mal nos
campos que conhecemos, para que aqueles que vierem depois possam ter
terras limpas para lavrar. O clima que eles terão não é nosso para
governar”

Gandalf, O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei

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