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FICHAMENTO 1.

FONSECA JR, Gelson. Aspectos da Teoria das relações internacionais: notas didáticas,
In: A legitimidade e outras questões internacionais contemporâneas: poder e ética
entre as nações. São Paulo: Paz e Teraa, 1998, PP.95-134.

De acordo com o autor, a Teoria das Relações Internacionais contem uma vasta
literatura que ganha impulso principalmente após a segunda guerra mundial. Busca
“formular tanto conceituações claras sobre conflitos entre Estados quanto sobre a
influência de organismos não governamentais na definição da agenda internacional”.
(p.2). Além disso, propõe instrumentos que servirão para compreender os fenômenos
que afetam não só um, mas como todos os países e nações em conjunto – ou seja,
tem âmbito global.

Nesse cenário, cada campo temático é diferente e é difícil fixar um único ponto de
partida que vai abarcar todos os motivos para o surgimento do TRI. O artigo do autor
tem como objetivo fazer um mapeamento de alguns pontos ligados à formulação
teórica no campo das relações internacionais, como um roteiro simples que procura
examinar a teoria e como ela pode ser útil para compreender a política externa
brasileira.

• O campo das relações internacionais: uma primeira abordagem.

Nesse espaço, o autor trabalha com a ideia que é exemplificada da seguinte maneira:
“A teoria não será capaz de dizer como se resolverá o conflito na ex-Iugoslávia, mas
tem muito a explicar sobre o peso dos fatores étnicos na origem dos conflitos, sobre os
modos pelos quais a comunidade opera sobre lideranças que usam o nacionalismo
agressivo como instrumento para consolidar o poder nacional e sobre os outros temas
correlatos” (p.3)

Dessa forma, o autor coloca que a primeira preocupação ao se estudar esse campo é
conhecer os limites e os problemas de que trata. Os dois problemas básicos são: o
trato das questões, os estados aparecem engajados como um setor não específico da
sociedade, mas sim sua população; e a burocracia estatal “especializada” em relações
internacionais. Esses fatores sustentam boa parte das construções que sustenta a TRI,
como o estudo do problema da paz, da guerra e o uso do poder. O segundo fenômeno
se desenha de forma intuitiva, já que é raro um tema de nosso cotidiano não conter
aspectos internacionais. O autor ainda acrescenta que “Uma outra maneira de medir o
grau de internacionalidade de um tema é verificar que decisões nacionais afetam a
vida dos países”, o que sustenta a ideia de que a burocracia estatal pode conduzir o
comportamento de um país em certo tema.

A pergunta que se coloca a seguir é como formular hipóteses válidas, ou melhor,


dizendo, se há uma teoria abrangente que seja capaz de identificar em todos os
campos os componentes internacionais e definir suas regras de dinâmica. Para alguns
autores, a descoberta dessa lei fundamental deveria ser o primeiro passo ao se
constituir um trabalho teórico em relações internacionais. Sendo assim, há um duplo
movimento entre a diversidade dos fenômenos internacionais e a disposição teórica em
estabelecer hipóteses básicas. O autor salienta que o primeiro tema dos que merece
referência é saber de a TRI tem hipóteses próprias ou deriva de outras ciências sociais.
O segundo é pensar em qual seria o alcance da teoria. Para isso, ele tratará ao longo
do estudo as bases de funcionamento do sistema internacional. E, finalmente, o
problema metodológico que foi discutido em peso na década de 1960 e foi envolto em
controvérsias entre “clássicos” e “comportamentalistas”.

• A criação teórica segue acontecimentos importantes.

O autor discute sobre o que é teoria. Partindo das Ciências Sociais, ele limita-se a
sublinhar duas de suas características: “Terá conteúdo teórico aquela observação
sobre a realidade que possa a servir à compreensão de mais de um fenômeno similar”
e que os processos de transposição serão sempre limitados pelas circunstâncias,
históricas ou conjunturais de cada situação, já que as “leis” nunca se repetirão
perfeitamente assim como as leis físicas.

A origem dos temas que constituem o núcleo das preocupações das TRI segue uma
trajetória histórica. Noções como um sistema internacional anárquico (e a permanência
de um cenário de conflito das análises de Hobbes e Maquiavel) e a ideia de balança de
poder (que se fixa na Europa no século XVII e XIX) foram construídas por um processo
histórico das TRI. A violência da Primeira Grande Guerra abre uma temporada de
reflexões sobre organismos multilaterais que trabalharão para garantir a paz. Na
guerra Fria, o “equilíbrio do terror” leva ao melhoramento da “teoria de dissuasão” e a
expansão dos processos de comunicação gera o debate teórico a cerca da
“independência”. Na América Latina, é a dependência que induz a reflexão teórica dos
efeitos do sistema capitalista e nas possibilidades de desenvolvimento daqueles países.

Com esse panorama, percebe-se que as bases das TRI são ocidentais e correspondem
naturalmente ao processo de reflexão nascido da interação entre os Estados-Nação. É
mais evidente aquelas teorias que se originam nos países com possibilidade de
influenciar os negócios do mundo. Isso explica, por exemplo, porque as formações
clássicas provem da Europa, no pós-Primeira Guerra. O ator exemplifica dizendo que
“um exemplo de fixação do interesse teórico, sempre citado, é o da voga realista – e o
realismo é uma didática sobre o uso do poder – nos EUA, na década de 1950, quando
justamente se universaliza a participação americana no sistema internacional,
participação que supõe alguma “sabedoria” no manejo do poder militar”.

O segundo ponto mencionado pelo autor é o de que, pela disciplina ser muito jovem e
seus temos clássicos serem tomados de empréstimo, as hipóteses com que trabalha a
TRI são muito coladas no ideológico, mais do que qualquer outro ramo das ciências
sociais.

• Alguns valores que orientam as soluções teóricas.

O autor reintera que, apesar dos esforços, é difícil conceber uma “teoria pura” das
relações internacionais. Por isso ele utiliza as observações de dois autores americanos,
Ferguson e Manbach, para começar a falar sobre os valores – ou “variáveis
normativas” que estariam por trás dessas construções teóricas.

- Mutabilidade/Imutabilidade

O autor retoma a ideia de que a primeira preocupação sobre o sistema internacional é


com a possibilidade da guerra. A citação do pensamento de Aron trás a ideia que essa
possibilidade é um traço distintivo do universo das relações internacionais. Nesse
ponto, abre-se duas vertentes do pensamento em TRI, ligadas a visões distintas da
própria natureza humana. Para alguns, compartilhando dos pensamentos de Hobbes,
Maquiavel e até mesmo Freud, o caráter “ambicioso” do homem é imutável,
contaminando as criações – incluindo o Estado, o que torna o fenômeno da guerra
permanente. Apenas as conjunturas histórias mudariam, sendo que a História é cíclica
e não apresenta aperfeiçoamento das instituições que o homem cria, o que caracteriza
sua imutabilidade.

O autor exemplifica a ideia dizendo que “O ‘realismo’, escola que tem hegemonia no
campo das TRI, é a melhor expressão dessa visão de mundo, e vai tratar de examinar
as garantias de poder que o Estado constitui para se precaver de uma ameaça latente
no sistema internacional, a guerra, razão pela qual os Estados mantêm forças armadas
permanentes”.

Por outro lado, haverá aqueles que acreditam que as coisas podem se transformar
através de atos voluntários, caracterizando a ideia de mutabilidade. A História, nesse
caso, deixa de ser cíclica e passa a ter sentido de progresso, com a renovação
contínua do homem, se aproximando cada vez mais do que seria a “humanidade
ideal”. O autor coloca que o exame do problema é vasto e foram muito bem
apresentadas principalmente por Kenneth Waltz. As duas principais questões são a da
natureza do Estado, onde a expansão das democracias nacionais levariam a paz
permanente entre os Estados; e a ideia da natureza do sistema internacional, que,
apesar de anárquico e constituído por soberanos, pode ser transformado a partir do
momento em que se intensifique os laços de dependência entre os Estados.

- Otimismo/Pessimismo

A dicotomia retoma boa parte do que está contido na dicotomia anterior. A


preocupação é mais especificamente conjuntural, preocupando-se com a “direção da
mudança”, não importando se é alcançada voluntariamente ou não. Para o primeiro
caso, o otimismo, o exemplo clássico que o autor trás é Bentham. Esse autor exalta os
valores igualitários que nasceriam da difusão entre educação pública, acesso
generalizado da informação e implantação de democracias públicas. Mesmo para os
autores que consideram a natureza imutável, haveria dimensões possíveis de controle,
maiores ou menores, a matizar as razões do pessimismo.

Na visão de Morgenthau, por exemplo, a diplomacia seria uma instituição que, usada
de forma racional e com prudência, poderia servir a processos de compatibilização de
interesses egoístas e contraditórios. Um outro exemplo das instituições seria o
Conselho de Segurança das Nações Unidas, criado com um caminho privilegiado para
conter conflitos.

Em tempos recentes, o embate entre otimistas e pessimistas reaparece e a tese de


Fukuyama sobre o “fim da História” é a melhor expressão do momento de otimismo
benthamiano do pós-Guerra Fria. Já nos últimos anos da década de 1990, com a
explosão dos conflitos étnicos na Europa e diversas crises que atingiram o mundo, a
perspectiva se altera e o pessimismo volta a imperar. O texto que marca o período é o
“Clash of civilizations” de Huntington (Foreign Affairs, versão de 1993).

- Competitividade/Comunidade

A dinâmica da competição – que nasce da condição soberana e do self-help –


subordina todo o complexo tecido de relações internacionais à luta pelo poder. Uma
das consequências desse fato é a desvalorização dos atores multilaterais ou
transnacionais, que passam a serem considerados meros “instrumentos” no processo
de competição entre os Estados. Para quem vê o mundo dessa maneira, conhecer os
mecanismos de “ganhar poder” e o seu emprego passa a ser um problema decisivo
nas relações internacionais.

Em contraste com essa perspectiva, os “nacionalistas” ou “idealistas” admitem que os


objetivos nacionais e coletivos podem ser idênticos e que se houver um choque de
interesses, o “bem global” deve prevalecer. O problema se dá por conta de como
encontrar essas bases para a construção dessa harmonia. O autor lembra o leitor,
então, de duas soluções clássicas:

- A competição diminui porque muda a natureza dos atores – os Estados percebem


que ganham mais se transformam a competição em cooperação.

- A competição se altera a partir da transformação do próprio sistema internacional e


alguma instituição, multilateral ou supranacional, passaria a arbitrar os conflitos. O
autor exemplifica dizendo que “a multiplicação e o fortalecimento das ONGs no campo
internacional é um outro fator a explicar a transformação do sistema internacional”.

- Elitismo/Democracia.

Há duas dimensões. A primeira está vinculada ao próprio modo de ordenar o sistema


internacional e a segunda em como se formula a política externa dos países.

No primeiro caso, existe a tendência de identificar “poder” e “responsabilidade”. De


acordo com o autor, “No sistema internacional, o elitismo, em sua forma extrema,
manifesta-se, portanto, com a atribuição às potências de condições de organizar a
ordem internacional”. Em um universo comandado pelo poder, a consequência natural
é que as decisões dependam dele. Apesar de manter uma igualdade “formal”, já que
todos os Estados são soberanos per si, há na realidade diferentes posições que eles
ocupam na hierarquia de poder mundial que, em última estância, define as medidas de
participação nos negócios internacionais.
O autor demonstra que essa concepção está na base do pensamento dos que
defendem que o sistema internacional deve ser analisado a partir da distribuição de
poder dos Estados. Se for bipolar, haverá uma dinâmica específica para isso. Como
exemplo, ele cita o período da Guerra Fria e como a rivalidade bipolar condicionava
amplamente as possibilidades de comportamento dos Estados.

No plano interno, o elitismo acredita que, pelas implicações dos temas internacionais
serem graves, está em jogo a própria “sobrevivência” do Estado. Sendo assim, a
política externa deve prevalecer sobre a nacionalista. Os realistas acreditam que exista
um padrão de comportamento dos Estados, ao qual teria acesso apenas um pequeno
grupo especializado, que deve evitar a influencia da opinião pública e à pressão de
interesses setoriais.

O contraponto a essa ideia seria a afirmação que aqueles que não detêm poder são
justamente portadores dos melhores projetos sobre a organização do sistema
internacional. Quem não tem poder, tem sentido de justiça e legitimidade e, por isso,
direito a participar dos negócios do mundo. Como exemplo, o autor cita o Movimento
Não-Alinhado como crítico do armamentismo das superpotências e os modelos a serem
seguidos.

- Ordem/Desordem

A ordem “realista” sustentará a questão da balança de poder, onde os Estados


preservam-se, garantem o cumprimento dos tratados, etc. porque dispõem, cada qual
individualmente, de “quantidade de poder” suficiente para fazer valer seus objetivos.
Em síntese, é uma ordem precária, instável, sujeita às flutuações de algo muito
dinâmico, que são as equações de poder. O autor conclui, dizendo que a “desconfiança
é a regra de conduta da diplomacia realista e as instituições devem refletir relações de
poder, e, por isso, têm vocação da instabilidade”.

A perspectiva “racionalista” gera outras hipóteses, que supõem mudanças, progresso e


alimenta-se do otimismo. Há uma perspectiva de que os processos de constrangimento
ao comportamento “livre” dos Estados são significativos. As “harmonias possíveis”
geram instituições que, de forma progressivamente decisiva, passaram a banalizar o
comportamento dos estados. A esperança e a cooperação são, assim, um
transformador das harmonias em instituições permanentes.

O uso da teoria: as relações internacionais e a perspectiva brasileira.

O autor chama a atenção para a necessidade de um duplo movimento crítico quando


se trata de trazer as hipóteses teóricas para a realidade brasileira. As análises em que
a aplicação teórica é explícita ainda são raras no Brasil, sendo o campo de relações
internacionais ainda incipientemente explorado. Estaríamos diante de um problema
teórico complexo pois, de acordo com Maria Regina Soares de Lima, “o país tem
inserção muito diferenciada no sistema internacional, a qual abrange desde posições
de hegemonia até posições de dependência.
Temas de análise em teoria das relações internacionais.

- Realidade “pré-internacional” e diz respeito ao próprio processo de constituição do


Estado como ator nas relações internacionais.

- Ver como a relação entre dois Estados funciona.

- Relações entre grupos de Estados e as organizações que os abrange, abordado a


diferença fundamental entre as relações bilaterais e as multilaterais; os benefícios de
ações conjuntas (cooperação); Legitimidade; saber os efeitos sobre a realidade
brasileira; dinâmica interna dos organismos, etc.

- “Relações entre as sociedades”, ou seja, o peso “do que não é Estado” nas relações
internacionais.

O autor conclui o artigo evidenciando que uma boa análise é feita com a soma de
diversas perspectivas que se completam. As relações bilaterais refletem processos
amplos de inserção dos países envolvidos no sistema internacional. O processo de
integração que os une faz parte de um conjunto de objetivos amplos e que precisam
ser estudados.

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