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A PESQUISA NO ENSINO DE HISTÓRIA: O POTENCIAL DAS DIFERENTES

FONTES E LINGUAGENS
Astrogildo Fernandes da Silva Júnior1
José Josberto Montenegro Sousa2
Apoio: FAPEMIG/ APES/CNPq Editais: MCTI/CNPq/MEC/CAPES n. 18/2012 e 13/2012
Pesquisa na Educação Básica Acordo CAPES e FAPEMIG.

RESUMO
O presente artigo tem como intuito refletir sobre os resultados parciais de um projeto de
pesquisa no qual o ensino de história é objeto de investigação. Consiste em um estudo a ser
desenvolvido em três anos e o objetivo geral é analisar o potencial das diferentes fontes e das
diferentes linguagens da cultura contemporânea (filmes, canções, quadrinhos, obras de ficção,
poesias, internet, documentos, história oral, dentre outras) no processo de ensino e
aprendizagem em história, particularmente, na formação cidadã de jovens estudantes que
cursam o ensino médio. A investigação é fundamentada na didática da história. Na
perspectiva de campo, utiliza-se de instrumentos como questionário respondido pelos jovens
estudantes, anotações em diário de campo, a partir da imersão na escola investigada e das
observações das aulas de história. Concluiu-se que os saberes escolares têm um status
específico. Não são completamente científicos, nem completamente profanos, são produtos de
uma verdadeira construção. Um conteúdo de saber transmitido e aprendido possui formas
singulares. São desafios da didática da história, conhecer e problematizar como o aprendizado
histórico se efetiva nas salas de aula, como as crianças e jovens aprendem história. Ao
incorporar diferentes linguagens no processo de ensino de história, é possível reconhecer não
só a estreita ligação entre os saberes escolares e a vida social, mas também a necessidade de
(re)construção do conceito de ensino e aprendizagem.
PALAVRAS-CHAVE
Ensino de história. Didática da História. Diferentes linguagens. Jovens estudantes. Ensino e
aprendizagem.

Introdução

As pesquisas tendo como objeto o ensino história iniciaram, no Brasil, ao longo dos
anos de 1970. A partir daí, pedagogos, psicólogos e em menor medida historiadores
centraram seus esforços em indagar, compreender e explicar os diversos processos que se
experimentam no ensino desta disciplina dentro e fora dos sistemas escolares. São indícios de
que existe, no imaginário dos historiadores, uma relação hierárquica entre a investigação
histórica e o ensino de história.

1
Professor Adjunto do Curso de História da Faculdade de Ciências Integradas do Pontal da Universidade
Federal de Uberlândia – FACIP/UFU. E-mail: silvajunior_af@yahoo.com.br
2
Professor Adjunto do Curso de História da Faculdade de Ciências Integradas do Pontal da Universidade
Federal de Uberlândia – FACIP/UFU. E-mail: josbertoms@yahoo.com.br
Defendemos a afirmação que o ensino de história é um campo de investigação que
mantém uma relação ao mesmo tempo íntima e estranha com a produção do conhecimento da
historiografia profissional. A produção particular de conhecimentos históricos dentro da
escola tem vínculos irredutíveis com a historiografia profissional, porém também se
caracteriza por estar fora dela, possui uma lógica distinta, susceptível de converter em objeto
de investigação. Nesse sentido, se apresenta em um espaço fronteiriço entre história e ensino.
Assim como a pesquisa historiográfica, a investigação sobre o ensino de história se refere a
um conjunto de técnicas e análises, busca a construção de um texto com aspectos formais e
linguísticos particulares e considera as condições políticas, socioeconômicas e culturais.
Quanto às especificidades da pesquisa no ensino de história destacamos que este
privilegia estudar o tempo presente sem desconsiderar o olhar da historiografia profissional. O
método do historiador é insuficiente para compreender os processos de ensino e aprendizagem
da história na atualidade. Em primeira instância a fonte é sempre o sujeito (professor ou
estudante).
Investir na pesquisa sobre o ensino de história requer categorias analíticas e
ferramentas metodológicas variadas que se aproximam e se distanciam da historiografia
profissional. Isso se deve porque o ensino de história nunca perde o vínculo com a produção
de conhecimento histórico dos historiadores, porém toma de fontes teóricas e metodológicas
que a desdobram. Podemos destacar: a observação de cunho etnográfico; a história oral; a
didática da história.
Neste texto temos como objetivo analisar os resultados parciais de um projeto de
pesquisa que estamos envolvidos atualmente, no qual o ensino de história é objeto de nossa
investigação. Consiste em estudo a ser desenvolvido em três anos e o objetivo geral é analisar
o potencial das diferentes fontes e das diferentes linguagens da cultura contemporânea
(filmes, canções, quadrinhos, obras de ficção, poesias, internet, documentos, história oral,
dentre outras) no processo de ensino e aprendizagem em história, particularmente, na
formação cidadã de jovens estudantes que cursam o ensino médio. Este projeto é financiado
pela FAPEMIG/ CAPES/CNPq Editais: MCTI/CNPq/MEC/CAPES n. 18/2012 e 13/2012
Pesquisa na Educação Básica Acordo CAPES e FAPEMIG.

Algumas considerações sobre o ensino de história e as diferentes fontes e linguagens da


cultura contemporânea
De acordo com Rusen (2007), um dos problemas do ensino de história é perceber que
o saber histórico pode ser visto pelos estudantes como um “ramo morto da árvore do
conhecimento”. (p. 32). Pode aparecer como uma massa de informações a serem decoradas e
repetidas para satisfazer os professores, com o intuito apenas de tirar boas notas. Dessa forma,
não faz nenhuma ligação com a vida prática dos alunos e perde qualquer valor relativo no
modo como as crianças e jovens pensam seu tempo, sua vida, seu mundo. Segundo o autor,
até mesmo professores de história admitem que muitos conteúdos tratados nas aulas possuem
esse caráter disfuncional e dificilmente desempenharão qualquer papel decisivo em situações
concretas da vida.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs de História (1998) sinalizam para uma
perspectiva na qual o ensino de História deve permitir que aos alunos ampliarem,
gradativamente, o conhecimento acerca de sua realidade, relacionando-a e confrontando-a
com outras realidades, em outros tempos e outros espaços. Assim, supõe-se que os
professores possam fazer suas escolhas, estabelecer critérios, selecionar saberes e orientar
ações.
A análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais revela uma preocupação do Estado
com a inclusão da diversidade cultural no currículo de história, com a formação para a
cidadania e com a intenção de integrar o ensino ao cotidiano do aluno. Conforme Pagès
(2003), o ritmo acelerado das mudanças que se estão produzindo em todas as ordens da vida,
a globalização, o novo imperialismo, etc, são argumentos suficientes que justificam o ensino
de história. Cada vez mais se torna importante relacionar a função educativa do ensino de
História, seus propósitos e suas finalidades, com a cidadania democrática e com a formação
cidadã dos jovens.
Embora, isso nem sempre acontece. De acordo com Martins (2011), o ensino de
História pode ser trabalhado numa perspectiva que se restringe ao ambiente formal do sistema
escolar, na qual a história ensinada aparece como uma história de exemplos; ou numa vertente
de ensino, que o autor denomina potenciador, fundamentado na problematização dos
elementos (temas), que compõem, na maioria das vezes, os conteúdos definidos para instrução
escolar.

O ensino de História situa-se numa dupla perspectiva. A tradicional de cunho


restrito, e a potenciadora, de tipo abrangente. O ensino tradicional – a não
confundir com conservador ou retrógrado – restringe-se à institucionalização do
sistema instrucional do Estado e diz respeito ao “dar aula de História” nas
escolas, da fundamental à superior. O ensino potenciador está relacionado com o
papel estético da História na comunicação social em geral, e seu efeito formador
e conformador da consciência histórica nas pessoas e em suas comunidades. As
duas perspectivas são interdependentes e pode-se dizer que a mais abrangente
tem efeitos notórios sobre a disciplina formal dos sistemas de ensino.
(MARTINS, 2011, p. 83).

Acreditamos que os usos das diferentes fontes e linguagens no cotidiano das aulas de
História, podem contribuir para o ensino de História potenciador. De acordo com Karnal
(2004), um dos desafios do ensino de História é ensinar aos alunos não a contemplar o
“edifício da História” como algo pronto, mas de ensinar-lhes a edificar o próprio edifício. Isso
não significa ensinar as soluções, nem significa mostrar aonde se chegou num determinado
momento histórico, nem sequer significa dar algumas explicações sobre como e por quê se
chegou naquele ponto. Isso é importante, mas, não é o suficiente.
Ensinar a edificar o próprio ponto de vista histórico significa ensinar a construir
conceitos e situações problema; significa ensinar a selecionar e interpretar dados e
informações de maneira a ter maior compreensão da realidade que estiver sendo estudada;
ensinar a construir argumentos que permitam explicar a si próprios e aos outros, de maneira
convincente a apreensão da situação histórica; significa enfim a ter uma percepção mais
abrangente da condição humana nas mais diferentes culturas e diante dos mais variados
problemas.
De acordo com Funari (2004), as estratégias de sala de aula, mesclando o lúdico com o
intelectual, como, por exemplo, criando uma história em quadrinhos, palavras cruzadas,
produção de textos, trabalhos interdisciplinares, podem tornar o ensino da história atrativo e
instigante. No caso específico dos quadrinhos, concordamos com Santos e Vergueiro (2012)
ao afirmarem que, para as aulas de história, há muitas narrativas em quadrinhos que podem
ser utilizadas pelos professores.
Segundo Guimarães (2012), a proposta de metodologia do ensino de história que
valorize a problematização, que busque a análise e a crítica da realidade concebe alunos e
professores como sujeitos que produzem história e conhecimentos. Entende as pessoas como
sujeitos históricos, que, no cotidiano, lutam e resistem nos diversos espaços de vivência: em
casa, no trabalho, na escola etc. Esta concepção de cidadania possui um caráter humano e
construtivo, em condições concretas de existência. Esta proposta de ensino de história,
segundo a autora, ao dar voz e lugar aos diferentes sujeitos históricos, desafia os modelos
ideológicos modificadores, homogeneizadores, que levam ao obscurantismo e à auto
exclusão. Mas é fundamental o compromisso político de quem faz opção pelo ensino de
História.
De acordo com Circe Bittencourt (2005), o uso de documentos nas aulas de história
pode ser importante, porém, a autora reforça que o objetivo do ensino de história não é formar
pequenos historiadores, a intenção maior é desenvolver uma autonomia intelectual capaz de
propiciar análises críticas da sociedade em uma perspectiva temporal. Para Knauss (2012), a
utilização de documentos históricos em sala de aula é uma prática que caiu em desuso. O
autor defende a utilização dos documentos em sala de aula, porém não da mesma forma como
era utilizada, mas é preciso buscar novas soluções para os problemas atuais, ampliando os
horizontes do exercício didático em história.
Para que o documento se transforme em material didático significativo e facilitador da
compreensão de acontecimentos vividos por diferentes sujeitos em diferentes situações, é
importante haver sensibilidade ao sentido que lhe conferimos como registro do passado.
Nessa condição, convêm os alunos perceberem que tais registros e marcas do passado são os
mais diversos e encontram-se por toda parte: em livros, revistas, quadros, músicas, filmes e
fotografias.
Segundo Bittencourt (2005) é importante, para compreensão do documento que se faça
uma análise dele como sujeito de uma ação e também como objeto, formulando três níveis de
indagação: 1) sobre a existência em si do documento: o que vem a ser documento? O que é
capaz de dizer? Como podemos recuperar o sentido do seu dizer? Por que tal documento
existe? Quem o fez, em que circunstâncias e para que finalidade foi feito? 2) sobre o
significado do documento como objeto: o que significa como simples objeto (isto é fruto do
trabalho humano)? Como e por que foi produzido? Para que e para quem se fez esta
produção? Qual é a relação do documento (como objeto particular) no universo da produção?
Qual a finalidade e o caráter necessário que comanda sua existência? 3) sobre o significado do
documento como sujeito: por quem fala tal documento? De que história particular participou?
Que ação e que pensamento estão contidos em seu significado? O que fez perdurar como
depósito da memória? Em que consiste seu ato de poder?
Segundo Silva e Guimarães (2007), na obra “Ensinar História no século XXI: em
busca do tempo entendido”, a diversificação de fontes e linguagens no processo de ensino e
aprendizagem é de extrema importância no processo de ensino e aprendizagem. O professor,
ao ensinar história, deve incorporar as noções transmitidas no processo de socialização dos
estudantes, no mundo vivido fora da escola, na família, nos espaços de lazer, etc. A formação
do aluno/cidadão se inicia e processa nos diversos espaços de vivência. Logo, devemos
considerar como fontes do ensino de história, todos os veículos e materiais que contribuem
para a difusão do conhecimento, responsável pela formação do pensamento crítico: os meios
de comunicação de massa, rádio, televisão, imprensa em geral, literatura, cinema, fontes orais,
monumentos, museus, canções, etc. os livros didáticos e paradidáticos como fontes, suportes
de trabalho, devem propiciar aos alunos a compreensão desse universo de linguagem.
Sobre as tecnologias computacionais, Silva e Guimarães (2007), afirmam que a
informática representou uma mudança muito significativa de outra natureza, no que se refere
ao acúmulo de informações, ao acesso a elas e à comunicação entre as pessoas. Segundo os
autores é preciso pensar sobre algumas perspectivas básicas no contato com a informática no
campo do conhecimento histórico, tanto na pesquisa quanto no ensino e na aprendizagem. As
redes de comunicação colocam professores e alunos em contato permanente com catálogos de
museus, arquivos, bibliotecas, bem como com textos e imagens pertencentes a esses acervos e
sites que oferecem informações e análises de diferentes tópicos daquela área do saber. Porém,
os autores alertam afirmando que o entusiasmo por essas conquistas técnicas deve estar
mesclado a algumas cautelas, para evitar que se transforme num deslumbramento com a
aparelhagem, destituído de pensamento sobre os instrumentos e as conclusões a que eles nos
dão acesso. É preciso evitar uma imagem “fetichizada” do computador e da internet como
remédios para todos os males.
Em relação ao trabalho com filmes nas aulas de história acreditamos que trabalhar
pode ajudar a reencontrar a cultura ao mesmo tempo cotidiana e elevada, pois o cinema é o
campo no qual a estética, o lazer, a ideologia e os valores sociais mais amplos são sintetizados
numa mesma obra de arte. A incorporação e utilização do cinema na sala de aula é uma
possibilidade metodológica que contribui de forma significativa para ampliar o conhecimento
de professores e dos jovens estudantes.
No que se refere as obras de ficção comungamos com Guimarães (2012) ao afirmar
que o trabalho pedagógico com textos literários nas aulas de história pode oferecer-nos pistas,
referências sobre o modo de ser, viver e agir das pessoas; os valores, os costumes de uma
determinada época de determinados grupos. Entretanto, devemos respeitar os limites do texto
literário, as fronteiras entre o discurso histórico e o ficcional. As obras devem ser usadas não
como mero complemento ou ilustração, mas como fonte que deve ser problematizada pelo
professor com o objetivo de promover a interdisciplinaridade, o acesso do aluno a outras
linguagens e o desenvolvimento de posturas críticas e criativas.
De acordo com Pagès (1999), é possível, desejável e conveniente utilizar fontes
literárias no ensino da história. Convém, porém, programar o seu tratamento didático com
cuidado, como se deve fazer com qualquer outra fonte. Para o autor, o primeiro passo é
selecionar as obras em função do objeto de estudo e observar a conveniência ou não de tratar-
lhes globalmente ou parcialmente. Nesta seleção há de se ter em conta tanto os conteúdos e
os procedimentos que farão com que o estudante aprenda.
Quanto a poesias e canções, podem fornecer pistas para alargar a compreensão dos
temas históricos, com beleza e sensibilidade. A incorporação de canções e poesias desperta o
interesse dos alunos, motiva-os para as atividades, sensibiliza-os em relação aos diversos
temas e desenvolve a criatividade. Nesse sentido, não devem ser usadas apenas como
ilustração ou recurso de motivação da turma, mas como fontes históricas produzidas por
sujeitos históricos em determinados tempos e lugares. É importante situarmos as obras em
relação à época de produção, a autoria do disco ou da obra, a gravadora ou editora, o contexto
sociopolítico e cultural da época. De acordo com Hermeto (2012), a maior parte das práticas
pedagógicas correntes no ensino de História que se utilizam da canção a concebem como uma
“ilustração” de determinado tempo. Em geral, tomam-se como alvos da análise apenas a sua
letra ou a posição política de seus atores e intérpretes. São usos possíveis, mas segundo a
autora, não são os únicos. Para Hermeto (2012), uma abordagem pedagógica que considere a
complexidade da canção popular brasileira como fato social tende a ampliar os horizontes de
leitura histórica de mundo dos alunos.
Quanto à utilização da imprensa como qualquer outra fonte, os jornais e as revistas são
importantes registros de dimensões históricas do passado e do presente. Por meio deles é
possível captar tendências das mudanças, das rupturas, das continuidades, por exemplo, dos
projetos políticos, dos movimentos sociais, etc. Com a modernização dos meios de
comunicação de massa e a velocidade da circulação de informações do mundo inteiro. Isto
requer do professor uma permanente atualização e, como leitor crítico, cidadão, deve proceder
à análise e crítica na sala de aula, sempre com o cuidado de situar a matéria no contexto de
sua produção. Os jornais e revistas são importantes aliados do professor, fornecem materiais
diversificados que ampliam o ensino e a aprendizagem. Possibilitam um enfoque
interdisciplinar.
Outra linguagem utilizada no ensino de história são as imagens. Essas constituem
fontes importantes para o processo de ensino e aprendizagem, pois ampliam o olhar,
possibilitam o desenvolvimento da observação e da crítica. São registros, evidências da
história, representações do real, com os quais os professores e alunos podem estabelecer um
diálogo, no sentido de ampliar a compreensão crítica da realidade. Entretanto, o professor
deve estar atento para não confundir uma representação do real com o real em si. É necessário
problematizar, refletir, interpretar sobre diferentes ângulos, a partir de perguntas tais como: o
quê? Como? Por quê? Onde? Para quem? Para quê?
Destacamos também as fontes orais. O registro de testemunhos de sujeitos históricos
por meio da técnica da entrevista se justifica pela possibilidade de incorporar no ensino e
aprendizagem da história de seus protagonistas vivos, pessoas que estão vivendo e fazendo
história no meio próximo, para que os estudantes compreendam que toda experiência tem
valor para a história. É importante destacar a subjetividade das fontes orais. As lembranças, os
relatos, estão impregnados de silêncios, contradições, seleções, incoerências e, algumas vezes,
distorções. Assim, requerem problematizações, análise, críticas e interpretação. As narrativas,
as histórias particulares não podem ser tomadas como verdades absolutas, mas visões,
interpretações da experiência individual e coletiva. É fundamental que as práticas pedagógicas
em sala de aula considerem algumas etapas: a preparação da entrevista, a problematização do
tema, a definição dos objetivos, a definição coletiva do “para que” entrevistar, a escolha dos
entrevistados, o contato com eles, a preparação do roteiro e das questões; a realização da
entrevista; a análise dos dados; estabelecimento de relações entre o relato, a narrativa, as
informações do entrevistado com o contexto histórico estudado e atividades orais e escritas de
sistematização e integração dos conteúdos.
De acordo com Guimarães (2012), ao incorporar diferentes linguagens no processo de
ensino de história, reconhecemos não só a estreita ligação entre os saberes escolares e a vida
social, mas também a necessidade de (re)construirmos nosso conceito de ensino e
aprendizagem. As metodologias de ensino, na atualidade, exigem permanente atualização,
constante investigação e contínua incorporação de diferentes fontes em sala de aula. O
professor não é mais aquele que apresenta um monólogo para estudantes ordeiros e passivos
que por sua vez “decoram” o conteúdo. Ele tem privilégio de mediar relações entre os
sujeitos, o mundo e suas representações e o conhecimento, pois as diversas linguagens
expressam relações sociais, relações de trabalho e poder, identidades sociais, culturais,
étnicas, religiosas, universos mentais constitutivos de nossa realidade sociohistórica.
Aproxima do texto dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino de história
que afirma que o ensino de História deve manter uma interlocução com o conhecimento
histórico. O documento ressalta a importância de aprofundar e revelar as dimensões da vida
cotidiana de trabalhadores, mulheres, crianças, grupos étnicos, velhos e jovens e de pesquisas
que estudam práticas e valores relacionados às festas, à saúde, à doença, ao corpo, à
sexualidade, à prisão, à educação, à cidade, ao campo, à natureza e à arte. Propõem a
utilização das mais variadas fontes de pesquisas, como a documentação escrita oficial, textos,
jornais, revistas, imagens, relados orais, objetos e registros sonoros.
Dessa forma, este projeto de pesquisa procura respostas para os seguintes
questionamentos: o que pensam os jovens estudantes do ensino fundamental sobre o ensino de
História? Como se efetiva o processo de ensino e aprendizagem? Quais as fontes e linguagens
mais interessam os jovens no processo do aprendizado em história? Quais as fontes e
linguagens mais utilizadas pelos professores? A partir deste diagnóstico e do permanente
diálogo com os professores, buscaremos pensar em diferentes práticas utilizando, no
cotidiano das aulas, as mais diversas fontes e linguagens no processo de ensinar e aprender
História. A cada fonte e/ou linguagem utilizada procuraremos compreender como contribuiu
na formação cidadã dos jovens estudantes.

Os caminhos da pesquisa
Privilegiamos a abordagem qualitativa de pesquisa educacional, por favorecer uma
visão ampla do objeto estudado e envolvimento do pesquisador com a realidade social,
política, econômica e cultural. Como nos ensina Pais (2001), “em ambiências qualitativas os
critérios de seleção são critérios de compreensão, pertinência e não os de representatividade
estatística”. (p. 110). A abordagem qualitativa não se resume aos aspectos superficiais e
limitados, permite considerar e respeitar a subjetividade dos sujeitos da pesquisa.
Fundamentamos nossa pesquisa na didática da história, por acreditarmos que um dos
lugares da pesquisa de campo didático-histórica é o cotidiano das aulas de história. Conforme
Cardoso (2008), a pesquisa didático-histórica não é o discurso de um antropólogo sobre um
contexto familiar que ele precisa estranhar ou a crítica de um pedagogo à forma de
organização das aulas do ponto de vista das ciências da educação. Ela é um discurso de um
profissional da cultura histórica sobre essa mesma cultura, que tem um grande impacto, pois
limita o seu diálogo com outras disciplinas em função da coerência entre elas e a cultura
histórica. Uma pesquisa de campo didático-histórica jamais ignora ou mesmo relega a
segundo plano os conteúdos tratados numa aula. O que ocorre na sala de aula é apenas parte
de um todo mais amplo, que engloba todas as elaborações da História sem forma científica. É
só parte da cultura histórica, chamada de história escolar, que mantém relações indissociáveis
com outras expressões dessa cultura.
O desenvolvimento da pesquisa pressupõe diálogos constantes entre escola e
universidade. Acreditamos que a aproximação destes dois espaços pode contribuir no
processo de ensino e aprendizagem e na formação cidadã dos jovens estudantes da educação
básica, pois a sala de aula não se limita em lugar de reprodução, mas também de produção de
conhecimentos. Sendo assim, propomos ouvir professores e alunos e juntos com os
colaboradores da pesquisa, produzir oficinas que reflitam sobre as especificidades das
diferentes fontes e linguagens e as possíveis apropriações pelo ensino de História.
Nossa pesquisa também recorre a elementos da pesquisa etnográfica em educação. A
etnografia tem sua origem na Sociologia e na Antropologia e, por isso, utiliza-se de relatos
descritos de pessoas, situações e acontecimentos. André (1995) afirma que por meio de
técnicas etnográficas de observação participante e de entrevistas intensivas, é possível
documentar o não-documentado, ou seja, desvelar os encontros e desencontros que permeiam
o cotidiano escolar. A autora apoia-se nos estudos de Cliffor Geertz. Para o autor,

Fazer etnografia é como tentar ler (no sentido de “construir leitura de”) um
manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e
comentários tendenciosos, escrito não com os sinais convencionais do som, mas
com exemplos transitórios de comportamento modelado. (1978, p. 20).

Nessa perspectiva de campo, utilizamos de instrumentos que nos auxiliam na coleta de


dados, como questionário respondido pelos jovens estudantes, anotações em diário de campo,
a partir da imersão na escola investigada e das observações das aulas de história. Como nos
ensina Ginzburg (2007), se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas – sinais, indícios
–, que possibilitam decifrá-la, é, pois, necessário examinar os pormenores mais
negligenciáveis, basear em vestígios imperceptíveis para a maioria.
Conforme Vianna (2007), a observação é uma das mais importantes fontes de
informações em pesquisas qualitativas em educação. Para o autor, sem acurada observação
não há ciência. Dessa forma, procuramos registrar as anotações realizadas nas visitas nas
escolas e, em particular, das aulas de história, de forma detalhada com o intuito de reunir os
dados brutos das observações. Concordamos com o autor, ao afirmar que não basta ao
observador simplesmente olhar, mas é fundamental saber ver, identificar e descrever os
diversos tipos de interações e processos humanos. Para isso, no trabalho de campo, é
importante a concentração, a paciência, o espírito alerta, a sensibilidade e a energia física para
concretizar a tarefa.
A história oral, nos inspirou por possibilitar o acesso à vozes, às manifestações
anônimas, ao cotidiano, a micro história, aos espaços informais e a cultura popular. Segundo
Portelli (1997), a história oral, além de expressar a historicidade da experiência pessoal e o
papel do indivíduo na história da sociedade, propicia ampliar os conhecimentos e as
informações sobre um passado recente, por meio da versão de pessoas que o viveram. Por
intermédio da história oral, com suas diferentes versões sobre um mesmo período, cada
pessoa, valendo-se dos elementos de sua cultura, socialmente criados e compartilhados, conta
não apenas o que fez, mas o que gostaria de ter feito, o que acreditava fazer e o que pensa que
fez. Essa metodologia remete-nos aos ensinamentos de Walter Benjamin. Ao valorizar a voz
do narrador, Benjamin (1994) traz ao centro das discussões aspectos como: o sonho, a cultura
e a experiência. Para o autor, isso significa escrever a história a contrapelo, preencher as
lacunas, as brechas e não apenas fazer o discurso, mas implodir o discurso dado. É fazer
aparecer o que ficou apagado, é integrar os excluídos, enfim, trazer à tona as experiências dos
sujeitos históricos.
Utilizamos o referencial da história oral temática, na elaboração e realização das
entrevistas orais os professores de História que atuam na escola, cenário da pesquisa, pois
buscamos compreender aspectos da formação dos saberes e das práticas desses sujeitos. Para
a história oral temática, interessa-nos a história pessoal do narrador, apenas aquilo que revela
aspectos úteis à informação temática central (Bom Meihy, 2002).
Na primeira parte da investigação detemos os estudos em documentos tais como os
PCNs para o ensino de História, Projeto Político Pedagógico, Planejamento anual do
professor. Concomitante a análise dos documentos realizaremos uma revisão bibliográfica
sobre o ensino de História e os usos das diferentes fontes e linguagens da cultura
contemporânea. A proposta visou desenvolver, inicialmente, uma investigação diagnóstica
sobre o que pensam os professores de História da escola parceira, e jovens estudantes do
nono ano do ensino fundamental sobre o ensino de História e as possíveis contribuições para a
formação cidadã; conhecer as metodologias e fontes utilizadas pelos professores e as que os
jovens estudantes mais gostam. Feito o diagnóstico, o segundo passo consiste em propor a
utilização das diferentes fontes e linguagens no processo de ensinar e aprender História.
Todas as atividades serão acompanhadas e registradas.

O cenário e os sujeitos da pesquisa


Antes de determos nossos olhares sobre o cenário e os sujeitos da pesquisa, buscamos,
a partir dos estudos sobre os documentos oficiais, destacar algumas características
relacionadas à proposta do ensino médio. Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional de 1996 – LDB –, a educação básica tem como finalidade desenvolver o estudante e
assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhes
meios para progredir no trabalho e em estudos superiores. As Diretrizes Curriculares
Nacionais para o ensino médio destacam como finalidade “vincular a educação com o mundo
do trabalho e a prática social, consolidando o exercício da cidadania e propiciando preparação
básica para o trabalho” (DCNEM, Artigo 1o ).
Cabe ao professor de história auxiliar os jovens estudantes a construírem o sentido do
estudo da história, oferecer-lhes um contraponto que permita aos jovens resinificarem suas
experiências no contexto e na duração histórica da qual fazem parte. Para atingir esse
objetivo, as Orientações Curriculares para o Ensino Médio – OCEM -, publicado em 2006,
apontam como princípios estruturadores do currículo os seguintes itens: a
interdisciplinaridade, a contextualização, a definição de conceitos básicos da disciplina, a
seleção de conteúdos e sua organização, as estratégias didático-pedagógicas.
O cenário da investigação é a Escola Estadual Israel Pinheiro, localizada na Av.
Geraldo Alves Tavares, n. 1338, Setor Universitário, Ituiutaba, MG. Em 2013 a escola atendia
a 1478 alunos distribuídos em 39 turmas, sendo 16 no turno matutino, 16 no vespertino e 7
noturno. Trabalham na escola 100 funcionários, destes 7 professores de História. Fazem parte
direta da nossa investigação 35 jovens estudantes do primeiro ano do ensino médio e o
professor de História.
Iniciamos a pesquisa no início do segundo semestre de 2013, observando as aulas de
história do primeiro ano do ensino médio, turma G, no período vespertino. Já havia passado
pela turma investigada, três professores de história. A diretora da escola justificou esse fato
alegando remanejamento e posse de novos professores. Ao longo das observações
identificamos o conhecimento fragmentado dos estudantes.
Além das observações aplicamos um questionário para auxiliar a traçar o perfil dos
jovens estudantes colaboradores da pesquisa e apresentar aspectos da cultura histórica destes
sujeitos. Buscamos identificar o que pensavam sobre a escola e sobre o ensino de história. A
turma era composta por 27 estudantes, sendo 9 do sexo feminino e 18 do masculino.
Possuíam de 15 a 17 anos. 7 estudantes afirmaram que trabalhavam, dado que comprova a
afirmação de Dayrell (2007) quando ressalta que a juventude brasileira não pode ser
caracterizada pela moratória em relação ao trabalho. O trabalho faz parte do seu cotidiano ao
mesmo tempo em que buscam na escola a preparação para o futuro. A renda familiar da
maioria dos jovens colaboradores é de até cinco salários mínimos. Podemos considera-los
“jovens pobres”.
Procuramos identificar os meios culturais que os jovens estudantes mais utilizavam no
seu cotidiano e que atribuíam muita importância. Destacaram a internet, a família, a escola, a
televisão e a música. Verificamos que os jovens mantinham uma relação íntima com as
tecnologias. A internet foi citada por 19 estudantes. É recorrente a afirmação de que a
informática representou uma mudança significativa, em termos de acumulação e acesso a
informações, dados, conhecimentos no que se refere à comunicação entre as pessoas, o
ambiente e a tecnologia. Professores e estudantes estão inseridos nesse universo de interações
entre sujeitos, saberes e linguagens.
Em segundo lugar, citado por 17 jovens, a família. Concordamos com Guimarães e
Silva Júnior (2012) ao afirmarem que mesmo no contexto de transformações do mundo, no
quadro de mudanças sociais, de existência de múltiplos modelos de família, nos quais, em
muitos casos, os adultos estão ausentes na maior parte do tempo devido às longas jornadas de
trabalho, a família continua sendo o espaço principal de formação dos jovens.
A televisão e a música foram consideradas, por 15 alunos, meios culturais mais
utilizados no cotidiano e muita importância. Quanto à televisão, podemos afirmar que é um
meio de comunicação a que todos têm acesso e que exerce um papel significativo na formação
das identidades dos jovens. Dessa forma, acreditamos que a escola não pode ficar alheia à
crescente influência que a televisão têm exercido sobre as crianças e jovens. Em relação à
música evidenciamos que marca a vida dos jovens estudantes. Muitos são ecléticos, gostam de
uma variedade de estilos musicas. Outros preferem determinados estilos em detrimento de
outros
Ao longo das observações, percebemos que todos os jovens, sujeitos da pesquisa,
possuíam celulares, 23 estudantes afirmaram acessar a internet diariamente e faziam parte das
redes sociais. Apenas 8 disseram que acessavam a internet para realizar trabalhos escolares.
Interessava-nos conhecer a frequência e o hábito de leitura dos estudantes. Observamos que
os jovens estudantes não tinham o hábito de leitura, a maioria afirmou que liam apenas os
livros didáticos. Não era comum frequentar o cinema, mesmo porque na cidade não existia
cinema. Gostavam de filmes, ouvir músicas e sair com os amigos.
A escola é um importante espaço formativo para a juventude brasileira. De acordo
com Guimarães e Silva Júnior (2012), a instituição escolar é um espaço que, ao se expandir,
constituiu um lugar de intensificação e abertura das interações com o outro. Portanto, um
caminho privilegiado para a ampliação da experiência de vida dos jovens. No entanto, Dayrell
(2007) nos alerta que para muitos jovens, a escola se mostra distante dos seus interesses,
reduzida a um cotidiano enfadonho, com professores que pouco acrescentam à sua formação.
Procuramos conhecer o que os jovens, colaboradores desta investigação, pensavam
sobre a escola. 16 avaliaram que a escola e a internet é o meio cultural que mais utilizam no
seu cotidiano. Registraram que por meio da escola tem acesso a roda de amigos. 13
consideraram “bom”. A maior parte dos jovens declarou que a escola é fundamental para
conquistarem o mercado de trabalho. Defendemos a importância do diálogo entre escola e
outros espaços de convivência dos jovens, no sentido da construção da cidadania. Conforme
Charlot (2001), a escola só desempenhará com legitimidade seu papel se vier a ser, antes de
tudo, um espaço de reconhecimento recíproco. Acreditamos que o espaço escolar deve ser um
lugar desejado, que propicie aos jovens a religação dos saberes.
Em relação ao ensino de história 11 estudantes afirmaram que é “excelente”. Para a
maior parte dos jovens, a história é “um meio de entender a vida por meio das mudanças
históricas”. A maior parte dos alunos afirmou que normalmente, nas aulas de história, ouvem
o que o professor expõe sobre o passado. Muitos declararam o interesse em analisar
documentos, filmes e documentários nas aulas de história, mas consideravam a narrativa do
professor interessante.
O professor de história, colaborador da investigação, era Gilson Aparecido.
Evidenciamos que era muito respeitado pelos estudantes. Dotado de uma postura carismática,
portador de uma narrativa envolvente. Privilegiava a aula expositiva, com poucos momentos
de diálogo com os estudantes. Ao longo do semestre identificamos poucos momentos de
debates e polêmicas nas aulas de história. Prevaleceu o conhecimento amaciado, silencioso e
consensual. Era comum o professor recorrer a representação de ideias, as analogias,
ilustrações, exemplos e explicações como modo de representar e formular os conteúdos de
forma a torna-los compreensíveis para os estudantes. Concordamos com Lautier (2011) ao
afirmar que,
A sala de aula é o lugar legítimo para elaborar conhecimentos mais formalizados,
para escolher, classificar, reorganizar as informações propostas por todos os outros
canais de vulgarização. No âmbito de uma aula de história, cabe aos professores
suscitar as condições para passar da simples narrativa à narrativa histórica, ou pelo
menos a uma forma aligeirada da narrativa histórica. (p. 51).

As observações das práticas do professor confirmaram o lugar esmagador reservado à


apresentação de uma história linear, na qual transparece uma narrativa “verdadeira”. Com o
objetivo de problematizar essa questão e reverter essa prática, empreendemos estudos
relacionados ao ensino de história e a didática da história com o professor regente. A partir
destes estudos, a proposta consistiu na produção de sequências de ensino de aprendizagem
que mobilizassem os estudantes a produzirem problemáticas e participarem de forma ativa da
análise crítica dos documentos e das linguagens utilizadas.
A investigação, que se encontra em fase inicial, revelou que os estudos que
considerem o diálogo entre a teoria e a prática, podem contribuir na reflexão sobre a prática
docente, e assim, na formação histórica dos jovens estudantes. Por um lado, o professor
regente destacou a importância da organização e do planejamento das aulas.
Percebeu que ensino e aprendizagem são dois processos distintos, nem sempre a forma
que você ensinar se traduz em aprendizado, daí a importância em refletir sobre “como” os
jovens aprendem. Afirmou que ao planejar as aulas levará em consideração os desafios de
ensinar os conceitos históricos, se convenceu de que os conteúdos são meios e não fins no
processo de ensino e de aprendizagem.
Continuamos o texto apresentando algumas reflexões da primeira intervenção
realizada com a turma.

A intervenção realizada: algumas reflexões

No final do segundo semestre de 2013, produzimos e aplicamos uma sequência de


ensino com os jovens estudantes. Segundo Aguiar Júnior (2005), uma sequência de ensino
consiste em um conjunto organizado e coerente de atividades abrangendo certo número de
aulas, com conteúdos relacionados entre si. O autor propõe o planejamento de uma sequência
de ensino em quatro categorias de atividades, cada uma com função específica no processo de
ensino e de aprendizagem, correspondendo às fases por que passa o sujeito ao interagir com
um conhecimento novo.
A primeira etapa, denominada de Problematização inicial tem uma função dupla no
processo de ensino e de aprendizagem: permitir ao professor identificar os conhecimentos
prévios dos alunos acerca do tema que será estudado e sensibilizar os estudantes para o estudo
do tema, intelectual e emocionalmente. Na segunda, Desenvolvimento da narrativa do ensino,
são propostas atividades que devem apresentar as elaborações da ciência de referência,
devidamente reconstruídas no âmbito do saber escolar. Pode-se dizer que é o momento em
que o aluno toma contato com a abordagem teórica que o professor escolheu para o tema, a
partir de discursos científicos da disciplina. Na terceira, Aplicação dos novos conhecimentos,
é importante desenvolver atividades que apresentem obstáculos cognitivos para os alunos, de
forma que eles necessitem usar as referências teóricas estudadas nas atividades de
"desenvolvimento da narrativa". Dessa forma, espera-se que os alunos possam aplicar os
conhecimentos para atribuir relações entre o conteúdo e os problemas apresentados,
solucionando-os. Por fim, na última etapa, Reflexão sobre o que foi apreendido é o momento
de sistematização e síntese dos conteúdos estudados na sequência de ensino, que tem o
objetivo central de promover uma "tomada de consciência" e formalizar os conhecimentos
construídos.
A sequência de ensino trabalhada foi intitulada: “Idade Moderna: tradição e transição”.
Delimitamos os seguintes objetivos: Refletir sobre as mudanças e permanências nos aspectos
sociais, políticos, econômicos e culturais desse período. Discutir a complexidade das
transformações. Visualizar o indivíduo como agente histórico. Estabelecer reflexões sobre as
transformações ocorridas na Idade Moderna relacionando-as com o contexto atual.
Na etapa da problematização, levantamos os seguintes questionamentos: O que
significa ser “Moderno”? O que os jovens estudantes entendem sobre os termos “Tradição e
transição”? Os estudantes relacionavam o termo moderno com o que é mais atual, não fizeram
relação com o período histórico da Modernidade. Quanto ao significado de tradição,
associaram a questões transmitidas de geração à geração. Entendiam como transição as
mudanças.
A partir das questões assinaladas pelos alunos, partimos para o desenvolvimento da
narrativa, fundamentada em estudos sobre a Modernidade, considerando os ensinamentos de
Leandro Karnal, sobre a complexidade do sentido da “Modernidade”. Realizamos aulas
expositivas e dialogadas analisando, de forma crítica, os principais “fatos” que marcaram a
modernidade. Ao longo da narrativa enfatizamos os aspectos políticos, econômicos, sociais e
culturais. Pedimos aos estudantes que realizassem pesquisas sobre os principais momentos
que marcaram a modernidade.
Nessa etapa os estudantes realizaram a atividade em grupos produziram um texto
sintetizando cada uma das questões. O trabalho foi mediado pelo professor de história que
acompanhou e discutiu cada uma das etapas da pesquisa. Acreditamos que estas atividades
aproximaram os alunos da temática investigadas. Auxiliou o desenvolvimento do raciocínio
lógico, a capacidade argumentativa e discursiva.
Na aplicação de novos conhecimentos, optamos por trabalhar com o filme: “1492: a
conquista do paraíso”. Os estudantes foram levados para a Universidade para assistirem ao
filme. Os jovens demonstraram muito interesse em desenvolver essa atividade fora do espaço
escolar. Optamos pelo trabalho com filmes nas aulas de História por concordamos com Pais
(1999), ao afirmar que a organização do ensino de História, deveria contemplar o valor
pedagógico do instrumento televisivo ou audiovisual.
Antes de iniciar o filme, estabelecemos um diálogo com os jovens estudantes com o
intuito de instiga-los a assistir ao filme com um olhar crítico. Ao terminar o filme
conversamos com os jovens estudantes enfatizando os seguintes questionamentos: O que o
filme tentou nos contar? Eles conseguiram passar a sua mensagem? Justifique sua resposta.
Você assimilou/aprendeu alguma coisa com este filme? O quê? Algum elemento do filme não
foi compreendido? Do que você mais gostou neste filme? Por quê? Selecione uma sequência
protagonizada por um dos personagens do filme, analise e explique qual a sua motivação
dramática. O que a sua motivação tem a ver com o tema do filme? Qual o seu personagem
favorito no filme? Por quê? Qual é o personagem de que você menos gostou? Por quê?
Descreva o uso da cor no filme. Ela enfatiza as emoções que os realizadores tentaram evocar?
Como você usaria a cor no filme em questão? Analise o uso da música no filme. Ela
conseguiu criar um clima correto para a história? Como você usaria a música neste filme?
Todos os eventos retratados no filme são verossímeis? Descreva as cenas que você achou
especialmente bem coerentes e fiéis à realidade. Quais as sequências que parecem menos
realistas? Por quê? Qual é a síntese da história contata pelo filme? Como a montagem do
filme interfere na história contata pelo filme?
Ao longo do diálogo houve participação dos jovens que se mostraram interessados na
temática, levantaram questionamentos sobre o conteúdo do filme e evidenciamos sinais de
que entenderam que o filme deve ser analisado como fonte histórica. Solicitamos que
escrevessem uma síntese do filme. Os textos que foram entregues revelaram que os estudantes
associaram o filme com o conteúdo estudado. A análise do cinema como linguagem não foi
explorada, prevaleceu a ideia de ilustração. Dado que revela a importância da recorrência
deste tipo de atividade, e não apenas como algo pontual.
Por fim, na fase de reflexão e síntese, os estudantes produziram um vídeo abordando o
conteúdo estudado. Para a realização desta atividade, foi usado o laboratório de informática da
escola. No final da atividade os estudantes organizaram o lançamento do vídeo, momento em
que os estudantes comentaram todo o processo.
Considerações finais

O desenvolvimento desta atividade nos permite concordar com Guimarães (2012), ao


afirma que ao incorporar diferentes linguagens no processo de ensino de história,
reconhecemos não só a estreita ligação entre os saberes escolares e a vida social, mas também
a necessidade de (re)construirmos nosso conceito de ensino e aprendizagem. As metodologias
de ensino, na atualidade, exigem permanente atualização, constante investigação e contínua
incorporação de diferentes fontes em sala de aula. O professor não é mais aquele que
apresenta um monólogo para estudantes ordeiros e passivos que por sua vez “decoram” o
conteúdo. Ele tem privilégio de mediar relações entre os sujeitos, o mundo e suas
representações e o conhecimento, pois as diversas linguagens expressam relações sociais,
relações de trabalho e poder, identidades sociais, culturais, étnicas, religiosas, universos
mentais constitutivos de nossa realidade sociohistórica.
Confirmamos que os saberes escolares têm um status específico. Não são
completamente científicos, nem completamente profanos, são produtos de uma verdadeira
construção. Um conteúdo de saber transmitido e aprendido possui formas singulares. São
desafios da didática da história, conhecer e problematizar como o aprendizado histórico se
efetiva nas salas de aula, como as crianças e jovens aprendem história.

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