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"Pureza" 1:41:00 mim.

Direção: Renato Barbieri

Professor Dr. Eduardo Martins – UFMS – Curso de História - CPNA

“Pequenas considerações” COM SPOILER

O filme aborda a questão do trabalho em condições análogas à de

escravidão no Brasil, num fluxo de tempo atemporal, esse seria o melhor termo

para definir as realidades social, econômica e política expressas na película.

Homens, mulheres e situações de extrema vulnerabilidade aparecem e

desaparecem ao longo da trama dramática que envolve o leitor a cada cena

levando-os aos desdobramentos trágicos e reais do cotidiano das personagens.

Muito embora o cinema cumpra uma função primária de entretenimento, o que

temos no filme, são realidades expostas de maneira muito sensível e cruel da

vida real.

O filme é atemporal, ainda que o caso específico, seja o da personagem

Dona Pureza Lopes, mulher brasileira, oleira, cansada de ser explorada e que

ao ir em busca do filho, Abel Lopes, se depara com a situação de extrema

violência no campo, numa grande fazenda de gado no Norte do Brasil, nos anos

de 1990. A personagem Dona Pureza é interpretada pela atriz Dira Paes.

A sua atemporalidade ainda se revela no episódio do Senador corrupto,

Chico Lopes, que serve a mando do grande pecuarista, Sergião, lembrando em

continuidade aos tempos do coronelismo, onde muito provavelmente, o voto (de

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cabresto), o sangue e a vida dos milhares de homens escravizados serviam para

eleger esse tipo de político corrupto.

Me fez lembrar o personagem da nossa literatura; Fabiano de "Vidas

Secas" do Graciliano Ramos "Você é um bicho, Fabiano", inclusive o

personagem "pivete" fazendo citação textual "nós não somos homens aqui

somos bicho".

Ao abordar a questão do trabalhador escravizado, o filme revela que tal

condição é estrutural, nos mostrando o descaso do Estado-nação para com os

trabalhadores rurais, denuncia o analfabetismo enquanto instrumento de

dominação promovida pelo que o sociólogo Jessé Sousa chamou de "elite do

atraso", aqui os grandes fazendeiros escravocratas. E se não bastasse o

descaso o diretor mostra a anuência do Estado por meio dos aparelhos

burocráticos, Ministério da Justiça, que envia representante para entravar a

criação de Grupo contra a exploração do trabalho escravo.

A atemporalidade é muito bem retrata na velha prática da "caderneta",

situação social muito vivida no Brasil desde os tempos da Colônia, passando

pelo Império, até hoje, é muito comum o dono das fazendas serem donos

também dos "armazéns", mercados onde os trabalhadores fazem as suas

compras e ali ficam endividados e dessa maneira se tornam diretamente

"escravo" da dívida não podendo ir embora e sofrendo todos os tipos de

violências até a própria morte, como nos casos dos personagens "Maranhão” e

"Pivete", mortos a sangue frio e com graus de sadismo e maldade, pois os

assassinos tinham a certeza da impunidade.

O Ministro Público Federal, a Pastoral da Terra da Igreja Católica e um

grupo da sociedade civil, criam o “Grupo Móvel” e com o apoio da Polícia Federal

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começa a desmontar a rede criminosa de exploração de homens e mulheres que

são submetidos às mais vis condições de trabalho nas fazendas do Brasil.

Por fim. Em sua fala na Tribuna do Fórum Nacional de Combate à

Violência no Campo, dona Pureza diz "aqui não é uma nação livre" (1:44:00).

Dona Pureza, quiçá somos uma nação! Digo eu.

Nas legendas finais diz que o Grupo Móvel libertou mais de 52 mil

trabalhadores em condições análogas à escravidão.

Por fim, o diretor nos vinga ao denunciar que: “O combate ao trabalho

escravo no Brasil enfrenta hoje sérias medidas de retrocessos no âmbito do

Governo Federal e do Congresso nacional”.

É filme obrigatório a qualquer pessoa interessada na solidariedade aos

trabalhadores do campo.

Eduardo Martins, Nova Andradina, 2021

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