Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
D
esde o movimento pré-constituinte que embalou o timas duas décadas, conselhos tutelares, responsáveis por
Brasil, que emerge da Ditadura Militar, foram percor- zelar pelos direitos de crianças e adolescentes, expandindo
ridos inúmeros caminhos na luta incessante por ma- sua inserção pelo país afora; criou e consolidou conselhos
terializar os direitos previstos no Estatuto da Criança e fundos dos direitos da criança e do adolescente.
e do Adolescente (Eca). Agregou aos debates em torno da infância a presença
A luta por direitos, uma das expressões dos anseios da do controle social, por meio dos conselhos, fóruns e confe-
sociedade e da organização dos segmentos que se põem rências, de modo transparente e assegurando a construção
em ação, é repleta de contradições, interconectadas com coletiva. Se, por um lado, se avançou no arcabouço da po-
cada momento sócio-histórico. Desse modo, situam-se as lítica pública de viés participativo e com controle popular,
principais conquistas desse período e, ao mesmo tempo, não se escapou das armadilhas. Alguns conselhos de direi-
ouvir o som rouco das violações persistentes que rondam tos tornaram-se balcão de negociação de convênios, com
o cenário nacional. Neste ano de 2017, a crise econômi- ênfase ao cunho cartorial de sua atuação. Por seu turno, os
ca e política intensifica os retrocessos nos direitos sociais. conselhos tutelares, em alguma medida, sofreram seu apa-
Nesse contexto, não escapam as políticas para crianças e relhamento político-partidário e religioso. Contudo, fazem
adolescentes. Ao contrário, de modo sutil ou gritante, esse parte da legítima luta pelo poder e do amadurecimento do
segmento social é capturado por lógicas moralistas, puniti- exercício democrático na esfera pública, de modo que, nos
vas e meritocráticas. fluxos e contrafluxos dos processos sociais, implicam no
Neste quarto de século, a sociedade brasileira pôde avanço e retrocesso nos desafios apresentados.
vivenciar a constituição de um sistema de garantia de di- Preocupa, sobremaneira, no momento presente, a di-
reitos, que abarca políticas sociais básicas e especiais, es- mensão que adquirem, especialmente a partir do governo
pecíficas ou transversais ao segmento infanto-juvenil, e de- ilegítimo de Michel Temer, as políticas públicas voltadas
senvolveu mecanismos, ainda que insuficientes, voltados à para a infância e juventude. Evidencia-se o aceleramento
defesa e garantia de direitos. O Brasil implementou, nas úl- do viés neoliberal das forças políticas que se alçaram ao
CFESS Manifesta 27 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente Brasília (DF), 13 de julho de 2017
poder; porém, mais do que isso, revigoram-se No contraditório real, constituíram-se avan- As políticas sociais, de modo geral, pas-
correntes profundamente conservadoras. ços que, entremeados em si, trouxeram a essência sam a sofrer os cortes, tendo como resultado
É indubitável o recente histórico de expan- do que se buscava superar. Desse modo, superar a contração dos serviços prestados e sua pre-
são de políticas para a infância e a juventude, práticas higienistas, prescritivas e moralizantes é, carização paulatina. Crianças e adolescentes
em diversas áreas. Aqui, serão citadas somen- senão a centralidade, parte constitutiva das lutas são atingidos: fechamento de escolas, cor-
te algumas: combate à violência sexual, com que precisam ser travadas cotidianamente. tes de turmas, fechamento ou ausência de
especial atenção a regiões conflagradas com Centro de Atendimento Psicossocial (CAPS),
essas práticas; o combate ao trabalho infan- ambulatórios, unidades de saúde, equipes
til nas suas diferentes formas, associado ao diminuídas; acolhimentos sem as equipes
Programa Bolsa Família e ao trabalho inter As políticas sociais, de modo mínimas; número reduzido de Centros de
políticas sociais; a expansão das unidades do Referência de Assistência Social (Cras) e
sistema socioeducativo, particularmente nos geral, passam a sofrer os cortes, Centro de Referência Especializado em As-
casos da internação e da semiliberdade; a mu- tendo como resultado a contração sistência Social (Creas) ou com equipes ter-
nicipalização das medidas em meio aberto e dos serviços prestados e sua ceirizadas; ampliação de crianças e adoles-
sua alocação na política de assistência social centes em semáforos, trabalhando. Os sinais
(embora criticada por alguns estudiosos da precarização paulatina. Crianças da retração das políticas encontram-se em
área da infância e juventude!); a expansão de e adolescentes são atingidos: diversas regiões do país.
experiências criativas em diferentes territórios fechamento de escolas, cortes de O conservadorismo, por sua vez, se forta-
amplia saberes e possibilidades de crianças e lece a partir de visões que desqualificam as di-
adolescentes; a obrigatoriedade da escolariza- turmas, fechamento ou ausência de ferenças e moralizam as expressões da questão
ção dos 4 aos 17 anos faz com que a escola Centro de Atendimento Psicossocial social. Acompanhada da onda punitiva, essas
se abra para a massificação do acesso (uma (CAPS), ambulatórios, unidades correntes defendem a redução da maioridade
ruptura histórica em uma sociedade na qual penal, o aumento do tempo máximo de inter-
a educação representa um bem das elites); o de saúde, equipes diminuídas; nação, a aceleração dos processos de destitui-
combate à mortalidade infantil. acolhimentos sem as equipes ção familiar, entre outras medidas alardeadas
Enfim, são inúmeras as frentes nas quais mínimas; número reduzido como salvacionistas.
lutadores/as sociais, entre eles/as assistentes Nesse contexto, os acolhimentos institu-
sociais, estão implicados/as, fazem avançar o de Centros de Referência de cionais, em inúmeros espaços, tornaram-se
acesso a direitos, materializam políticas sonha- Assistência Social (Cras) e Centro uma réplica moderna do “Panóptico de Ben-
das, desenham novas políticas, em um movi- de Referência Especializado em tham”, uma “penitenciária ideal” com câmeras
mento incessante, pois, ao alcançar um pata- de segurança em vários cômodos das casas
mar, se enxerga um horizonte mais amplo para Assistência Social (Creas) ou com para vigiar (pergunta-se: quem?). Aliás, as câ-
a classe trabalhadora. equipes terceirizadas; ampliação meras tornaram-se instrumentos de controle
Porém, como nos diz Karel Kosik, é no de crianças e adolescentes em também nas escolas.
claro-escuro do real que essas políticas são Por último, distante do pessimismo que en-
palmilhadas. E o novo traz em si o velho! Tão semáforos, trabalhando. Os sinais gessa a vontade e a capacidade de se indignar e
simples seria suplantar o velho: de uma vez da retração das políticas encontram- lutar, é preciso enxergar os espaços de resistên-
por todas deixar para trás as antigas unidades se em diversas regiões do país. cia nessa conjuntura. Emerge com intensa ener-
da Febem (Fundação Estadual do Bem Estar gia, nesse momento, a capacidade de a juventu-
do Menor), com seus corpos queimados em de se apresentar como segmento protagonista
motins; superar o internato/patronato/orfana- nas lutas, o que se expressou vigorosamente
to que buscava a institucionalização da puni- O atual estágio do capitalismo não deixa nas ocupações das escolas de ensino médio pelo
ção e da norma, com suas filas e continências; dúvidas, busca a intensificação da superex- país afora, e se estende ao ensino superior.
não ouvir mais falar que a escola não é para ploração da força de trabalho, em meio a um Mais do que lutar pela infância e juventu-
todos/as, afinal, alguns/algumas não foram fei- mundo altamente tecnologizado e sem fron- de, é preciso lutar com a infância e a juventude,
tos/as para aprender, não gostam da escola; e, teiras para o capital. As políticas públicas são rearticular forças, mobilizar, discutir o contexto
quem sabe, deixar de constatar sentenças que vistas como dispêndios para um Estado que no qual se encontra o país e os rebatimentos da
destituem o poder familiar de pais e mães que precisa ser enxuto. Nesse diapasão, há espaço retração de direitos na vida concreta da popula-
sequer foram escutados, pois sua fala é des- somente para a política de segurança pública ção. Os direitos não são lineares, nem fixos; são
prezada, já que inculta, e seu modo de vida na sua versão mais pontual: penal, forças de moldáveis às conjunturas e à capacidade de or-
julgado de forma taxativa como negligente e segurança ostensivas, arsenal bélico e constru- ganização da sociedade. Por isso, Temer jamais!
incapaz de promover cuidados. ção de presídios. Avante, assistentes sociais!