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Universidade Lusíada – Norte – Porto

Ano Letivo 2020/2021


Direito Processual Penal

Caso prático
No interior de uma loja de eletrodomésticos, em virtude de uma discussão
após um breve desentendimento por questões futebolísticas, Amílcar empurra
violentamente Bernardo projetando-o contra um televisor de alta definição, que,
inevitavelmente, se destruiu, causando prejuízos ao Carlos, dono da referida
loja, no valor de €2.000.
Bernardo apresentou queixa.
1. Carlos tem legitimidade para deduzir, no processo penal, um pedido
de indemnização civil pelos danos causados?
2. Sendo possível, qual o procedimento a observar e qual o momento
adequado para o pedido?
3. E possível um arbitramento da indemnização civil?
4. Antes da apresentação de queixa, poderia Carlos ter deduzido o
pedido de indemnização num tribunal civil?

TÓPICOS DE RESOLUÇÃO DO CASO PRÁTICO


1- O pedido de indemnização civil é deduzido pelo lesado, entendendo-se como
tal a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime, ainda que se não tenha
constituído ou não possa constituir-se assistente (artigo 74º, número 1 do CPP). Ou seja,
deve ser entendido como lesado toda a pessoa que, em consequência do crime, tenha
sofrido danos em direitos ou interesses juridicamente protegidos, de acordo com as
normas do direito civil que fixam os pressupostos da responsabilidade civil
extracontratual por facto ilícito – cfr. artigo 483º do CC.
No caso, verifica-se que Carlos sofreu danos em virtude da prática da destruição
do televisor, no valor total de 2.000€, que atingiram o seu interesse patrimonial, e, que,
portanto, pretende ser indemnizado daquele dano.

2- Diz-nos o CPP, quem tiver sido informado de que pode deduzir pedido de
indemnização civil (artigo 75º, número 1 do CPP), ou, não o tendo sido, se considerar
lesado, pode manifestar no processo até encerramento do inquérito o propósito de o
fazer (número 2 daquele supra referido artigo).

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Tendo sido manifestado esse propósito, o lesado (Carlos) deverá ser notificado
do despacho de acusação, ou, não o havendo, do despacho de pronúncia (se a ele houver
lugar) para querendo, deduzir o pedido, no prazo de 20 dias (artigo 77º, número 2 do
CPP). Não sendo notificado nesses termos, o lesado pode: deduzir o pedido até 20 dias
depois de o arguido ser notificado o despacho de acusação ou, se não o houver, o
despacho de pronúncia (artigo 77º, número 3 do CPP); ou deduzir o pedido em
separado, perante o tribunal civil (artigo 72º, número 1, alínea b) do CPP). São estas as
possibilidades conferidas a Carlos.

3- O pedido de arbitramento da indemnização civil corresponde a um pedido


simplificado, deduzido em separado, e estabelecido na nossa legislação penal, com a
finalidade de proteger os mais carenciados economicamente.
De acordo com o nosso CP, quando em razão do valor do pedido, se deduzido
em separado, não seja obrigatória a constituição de advogado, o lesado, nos prazos
estabelecidos nos artigos 77º, números 1, 2 e 3, pode requerer ao tribunal que lhe seja
arbitrada a indemnização civil. Estando aqui em causa a reparação de danos de valor
reduzido, o requerimento não está sujeito a formalidades especiais e pode consistir em
declaração em auto, com indicação do prejuízo sofrido e das provas, sendo dispensada a
apresentação de duplicados para os demandados e para a secretaria (artigo 77º, números
4 e 5 do CPP).
Ora, o regime de representação judiciária do lesado encontra-se previsto no
processo civil. Segundo o Código do Processo Civil, a constituição obrigatória de
advogado pelo lesado deve ser apurada em razão do valor do pedido. Diz-nos a lei
adjetiva civil, que é obrigatória a constituição de advogado nas “causas de competência
de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário”. Assim, o lesado
deve obrigatoriamente constituir advogado para a dedução de pedido de indemnização
superior a €5.000,00.
De todo o exposto, pode Carlos requerer o arbitramento da indemnização civil
nos termos do artigo 77º, número 4 do CPP, porque o valor do dano por si sofrido
(correspondente a €2.000) é inferior aos 5.000€, não sendo obrigatória a constituição de
advogado.

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4- Nos termos do artigo 71º do CPP, regra geral, o pedido de indemnização civil
fundado na prática de crime, é deduzido no processo penal respetivo – princípio de
adesão obrigatória –, só podendo ser em separado nos casos previstos na lei.
Uma destas situações de exceção em que a adesão não é obrigatória corresponde
ao caso de o procedimento criminal depender de queixa ou acusação particular (cfr.
artigo 72º, número 1, alínea c) do CPP). O legislador permite assim a possibilidade de
ressarcimento do lesado por danos emergentes de um crime independentemente de
haver ou não processo penal1.
Assim, antes de Bernardo ter apresentado queixa, pode então Carlos deduzir o
pedido de indemnização civil num tribunal civil.

1
É de ressalvar que no caso de o procedimento depender de queixa ou de acusação particular,
a prévia dedução do pedido perante o tribunal civil pelas pessoas com direito de queixa ou de acusação
vale como renúncia a este direito (artigo 72º, número 2 do CPP).

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Caso prático n.º 562


“Alda denunciou ao Ministério Público a prática de um crime de roubo de
um valioso quadro [artigo 210º, número 2, alínea b) do CP], perpetrado por
Célio e de que fora vítima o seu marido, Bruno.
Findo o inquérito, o Ministério Público acusou Célio pelos factos
descritos na denúncia, atribuindo-lhes a mesma qualificação jurídica.
Dez dias depois, Bruno requereu a constituição como assistente, bem
como a abertura da instrução pela prática do crime de extorsão, em
conformidade, com o preceituado no artigo 223º, número 3, alínea a) do CP.
Fundamentou, invocando que duas semanas antes da prática daquele crime de
roubo já Célio o havia obrigado – mediante a ameaça de publicação
determinadas fotografias que atentavam contra a sua dignidade e reputação – a
operar uma transferência no valor de 30.000€ para a sua conta bancária.
1. Podia Alda denunciar aquele crime?
2. Podia Bruno, na mesma ocasião, requerer a sua constituição como
assistente e a abertura de instrução?
3. Colocado (a) no lugar de juiz de instrução qual seria a sua decisão
face aos mencionados requerimentos?”

TÓPICOS DE RESOLUÇÃO DO CASO PRÁTICO


1- O ato aqui em apreço corresponde a um crime de roubo, p.p. nos termos do
artigo 210º, número 2, alínea b) do Código Penal. Este é um crime com natureza
pública, o que significa que para se dar o início ao procedimento penal basta a
apresentação de denúncia.
A denúncia corresponde a uma comunicação da prática de um crime ao MP (ou
outra autoridade com obrigação de a transmitir àquela entidade) para efeitos de
procedimento criminal, podendo ser realizado por qualquer pessoa, e na forma
estabelecida por lei nos termos do artigo 244º do CPP. Assim, através desta
apresentação da denúncia, o MP vai adquirir a notícia do crime (veja-se o artigo 241º do
2
Caso citado da obra de Fernando Torrão, “Casos Práticos de Direito penal e Direito Processual
Penal”, 7ª Edição, Almedina, 2020, p. 187, com ligeiras modificações.

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CPP), porque esta é condição indispensável para a abertura do inquérito. Com o MP a


promover, pela natureza pública do crime3, com toda a legitimidade, de forma
obrigatória e oficiosamente, o respetivo processo penal (artigo 48º do CPP).
Com efeito, a atuação de Célia constitui uma denúncia válida de um crime de
roubo ao MP, uma vez que esta podia ser apresentada por qualquer pessoa4.

2- Sim. De acordo com o artigo com o artigo 68º, número 1, alínea a) do CPP,
tem legitimidade para se constituir como assistente o ofendido 5. Ora, atendendo ao
conceito de ofendido, este deve-se considerar como sendo o titular dos interesses que a
lei especialmente quis proteger com a incriminação (artigo 113º, número 1 do CP). No
caso, o crime de roubo atenta contra bens jurídicos patrimonial e bens jurídicos pessoais
(por envolver uma componente de violência sobre outrem) e, como tal, o interesse
protegido pela lei é claramente o de Bruno.
E nada impede que, no termo do inquérito, o ofendido venha requerer
simultaneamente a sua constituição como assistente e apresentar requerimento para
abertura da instrução (artigo 68º, número 3, alínea b) e 287º, número 1, alínea b), ambos
do CPP). No entanto, o JIC só apreciará o requerimento instrutório depois de admitir a
intervenção do ofendido como assistente.

3- O assistente só pode requerer a abertura da instrução se o processo decorrer


por um crime público ou semipúblico, relativamente a factos pelos quais o MP não tiver
deduzido acusação. Só é possível ao assistente requerer a abertura da instrução se, em
tal requerimento, alterar substancialmente os factos de acusação do MP. O disposto no
artigo 287º, número 1, alínea b) deve ser articulado com o artigo 284º, número 1,
atendendo ao elemento sistemático e literal da interpretação. Pois uma vez que o
assistente não pode deduzir acusação por factos que alterem substancialmente os

3
Isto uma vez que os crimes públicos não têm a sua tramitação condicionada.
4
Sendo de ressalvar, no que respeita ao conteúdo da denúncia, que esta deve conter, sempre
que possível, os elementos estabelecidos nos termos do artigo 243º, número 1 (por remissão do artigo
246º, número 3 do CPP).
5
Por estarmos perante um crime público a constituição de assistente é facultativa podendo a
sua intervenção dar-se em qualquer altura do processo, aceitando-o no estado em que se encontrar,
desde que o requeria ao juiz (artigo 68º, número 3)

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descritos na acusação do MP, os mesmos só poderão ser carreados para o processo


através do requerimento para abertura da instrução.
Uma vez que o objeto do processo quanto à instrução requerida pelo assistente é
fixado pelos factos constantes do requerimento de abertura da instrução, apresentado
pelo MP se ter abstido de acusar. Veio agora o assistente ao revelar a prática de um
crime de extorsão por parte do arguido, existindo assim uma relação de concurso de
crimes de acordo com o artigo 30º, número 1, e 77º, número 1, ambos do CPP, ao
introduzir factos novos no processo através do requerimento para abertura da instrução
segundo o disposto no artigo 1º, alínea f) do CPP.
Por conseguinte, tais factos novos são admissíveis de ser carreados para o
respetivo processo através deste requerimento de abertura da instrução.

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