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Revista de Psicologia

A angústia: Conceito e fenômenos


Revista The anguish: Concept and phenomenon
de Psicologia

Vera Pollo 1 Sandra Chiabi 2

Resumo
A partir da constatação de um enfraquecimento dos debates sobre a angústia, o presente estudo procura resgatar o conceito e os
fenômenos da angústia no contexto da leitura psicanalítica sobres eles. Ele se divide em quatro partes assim nomeadas: antecedentes
filosóficos do conceito psicanalítico de angústia; a construção do conceito freudiano e as duas teorias da angústia; as vicissitudes
do diagnóstico de neurose de angústia nas sucessivas edições da Classificação de transtornos mentais e de comportamento da
Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID -10) e no Manual estatístico e
diagnóstico dos Transtornos mentais ( DSM); a contribuição de Lacan e os fenômenos da angústia.

Palavras chave: angústia, Dasein, recalque, pulsão do olhar, objeto a.

Abstract
Due to a decrease in the number of debates on anguish, this study aims to bring back to discussion anguish’s concept and
phenomenon from a psychoanalytical point of view. It is divided into the following four sections: the philosophical background of
the psychoanalytical concept of anguish; the development of freudian’s concept of anguish and the two theories of anguish ; what
happened with the diagnosis of anguish neurosis in the in sucessives editions of Classification of mental and behavioural disorders
clinical descriptions and diagnostic guidelines of International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems
(CID - 10) and Diagnostic and Statistic Manual of Mental Disorders DSM); Lacan’s contribution and the anguish phenomenon.

Key words: anguish, Dasein, repression,impulse to look, object a.

Recebido em 02 de maio de 2013


Aprovado em 10 de junho de 2013
Publicado em 15 de julho de 2013.

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Considerações Iniciais Desde o início da década de 1980,


se não antes, historiadores, sociólogos e
psicanalistas tem declarado que as mani-
Derivado do latim angustiare, o vo- festações mais recorrentes e atuais do so-
cábulo angústia significa primeiramente frimento psíquico são fenômenos depres-
estreiteza, limite, redução, restrição, sig- sivos. Levando em consideração a distin-
nificantes que expressam com clareza as ção entre a estrutura do sintoma e a forma
sensações que acometem um sujeito an- como se manifesta, é possível identificar a
gustiado: aperto, sufocação, vertigem. Por depressão com o “invólucro formal”3 con-
esse motivo, não é raro encontrarmos nos temporâneo do sintoma histérico. Isso sig-
relatos de sujeitos angustiados uma refe- nifica dizer que alguns sujeitos encontra-
rência à necessidade imperiosa de sair à riam no humor depressivo, nas crises de
rua, andar do lado de fora da casa, tomar choro, na inibição, nos fenômenos cons-
ar fresco, caminhar a ermo, eventualmente tantes de cansaço, na falta de perspectiva,
correr. um substituto paradoxal do gozo sexual
Todavia, nas sociedades atuais, reprimido. Entre os referidos autores, se
fala-se cada vez menos nos fenômenos destaca a psicanalista e historiadora Elisa-
da angústia. Em outros tempos, se pode- beth Roudinesco, com significativa produ-
ria dizer que seu tema congregava psicó- ção bibliográfica traduzida em português, a
logos, psicanalistas, médicos e terapeutas qual propõe uma relação entre a depressão
das mais diversas orientações, sem falar e a queda dos ideais culturais outrora clás-
em filósofos, romancistas e poetas que so- sicos, inclusive a queda do ‘herói trágico’
bre ela escreveram desde tempos imemo- (Roudinesco, 2000).
riais. Não que todos pensassem da mesma O que há por detrás da medicaliza-
maneira ou dissessem necessariamente ção sempre crescente dos fenômenos de-
coisas semelhantes. Ao contrário, parecia pressivos e não pode deixar de ser assina-
haver uma autêntica polifonia, acordes dis- lado, é a cumplicidade entre o diagnóstico
sonantes em que ressoavam as diferentes médico de depressão, cada vez mais fre-
gradações da angústia. Havia, contudo, quente, e os laboratórios multinacionais
um mesmo som, uma nota em comum: a produtores de medicamentos. O sujeito
incomensurabilidade da angústia. Embora deprimido, angustiado, busca desespe-
reconhecidamente feita de tons crescentes radamente vencer o vazio de seu desejo
e decrescentes, ocasionalmente chama- e passa da psicanálise para a psicofar-
dos de as gradações da angústia, jamais macologia, sem se dar o tempo de refletir
se acreditou na possibilidade de medi-la. sobre a origem de sua infelicidade. A psi-
Salvo, talvez, alguns pesquisadores norte- canálise não consola, não adormece, não
americanos que acreditam tudo poder me- acalma e não traz o conforto imediato,
embora transitório, proporcionado pela
dir. Incomensurável, portanto, como os de-
psicofarmacologia. Mais do que tratar de
mais afetos, por lhes faltar uma unidade de
sujeitos doentes, a psicanálise lida com o
medida, nem por isso a angústia deixou de
mal-estar implicado no viver. E a experi-
ser o afeto do sujeito por excelência. Sub- ência psicanalítica nos ensina que uma
sumida em diferentes nomes – ansiedade, mesma dor – indício de um fracasso do
medo, síndrome de pânico, transtorno de aparelho psíquico – pode aparecer como
estresse pós-traumático -, impossível não angústia ou como depressão. A grande
percebê-la como índice privilegiado da pre- diferença é que, como depressão, a dor
sença de um sujeito, isto é, um ser de fala “deixa triste o sujeito com a nostalgia do
e de desejo. Ideal, saudade do Um que encobria a fal-

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ta” (Quinet, 1997, p.13), ao passo que, concluiu que a leitura de Kierkegaard nos
em forma de angústia, não lhe é possível demonstraria a existência de uma escolha
escamotear a castração. entre a captura simbólica e a angústia, pois
“como viu, cantou, marcou Kierkegaard, a
Nosso objetivo, no presente texto, é
angústia aqui é o signo ou a testemunha de
indagar as razões subjacentes à supressão
uma hiância existencial” que viria a ser es-
dos debates sobre a angústia, sob quais
clarecida “pela doutrina freudiana” (Lacan
significantes, embora mascarada, ela cer-
1963/2005: 63).
tamente permanece insistindo, como vem
sendo diagnosticada e o que a psicanáli- É bem interessante constatarmos
se tem a dizer sobre as manifestações de que, desde a Introdução do livro “O concei-
angústia. Para tanto, começaremos nosso to de angústia”, Kierkegaard (1844/2007)
estudo indagando os antecedentes filosófi- adverte que, “para a Lógica, pensar o real é
cos do discurso psicanalítico sobre a an- absorver o inassimilável e cair na antecipa-
gústia. Em seguida, buscaremos acompa- ção do que apenas pode predispor” (p.16).
nhar a construção do conceito de angústia Embora se trate de um filósofo cristão, que
na obra freudiana e as duas teorias da an- trabalha com a noção de pecado, ele não
gústia. Como terceiro tópico, relataremos sobrepõe a angústia à culpa, pois declara
as vicissitudes que as Classificações Inter- a existência de uma angústia suave, não
nacionais das Doenças (CID) e os Manuais maléfica, muito próxima da curiosidade.
Diagnósticos e Estatísticos (DSM) reservam Nesse sentido, suas observações nos reme-
para o diagnóstico de neurose de angústia. tem à percepção freudiana, após elaborar
Por fim, procuraremos trazer os avanços a segunda tópica do aparelho psíquico, de
da orientação lacaniana no estudo da an- que o sinal de angústia é algo que, de modo
gústia e alguns fenômenos clínicos que a semelhante a como funcionam as vacinas,
desvelam. impede a repetição do trauma e, conse-
quentemente, impede o desenvolvimento
de uma alta intensidade de angústia.
Segundo Kierkegaard (1844/2007),
Antecedentes Filosóficos do Discur- a passagem da angústia à culpa é um sal-
so Psicanalítico sobre a Angústia to qualitativo, isto é, um movimento sem
mediação ou reconciliação. Ele conside-
ra que o negativo é necessário à Lógica e
Dos inúmeros filósofos que se ocu-
se opõe a Hegel que, conforme alega, teria
param em escrever sobre a angústia, dois
feito do negativo o “indispensável Outro”.
nomes merecem destaque pelo reconhe-
Então, por meio do repúdio à ideia de que
cimento que receberam no seio da dou-
se passaria da angústia à culpa por uma
trina psicanalítica. Em particular, dentro
espécie de continuidade afetiva, seu texto
da orientação lacaniana. São eles Soren
Kierkegaard (1803- 1855) e Martin Heideg- acaba sugerindo, não apenas a existência
ger (1889-1976).O primeiro, filósofo e teólo- de um corte, sem o qual não haveria o tal
go dinamarquês de renome mundial, ficou salto qualitativo, como também a função
conhecido como o “pai do existencialismo da pressa, pois, sem antecipação, não há
cristão”. Em 1844 Kierkegaard publicou saída da angústia. Nesse ponto, é impos-
um livro intitulado “O conceito de angús- sível não nos lembrarmos do texto de La-
tia” cujo texto se tornou uma das mais im- can (1945/1998) sobre o tempo lógico, cuja
portantes referências de “O Seminário, li- conclusão poderia ser expressa nos seguin-
vro 10: a angústia” de Jacques Lacan, nos tes termos: “Apresso-me a me afirmar como
anos de 1962 e 1963. Nessa ocasião, ele branco [portanto, homem], para que esses

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brancos [homens], assim considerados por de o espírito imortal ser determinado como
mim, não me precedam, reconhecendo-se genus.” Podemos então dizer que suas pa-
pelo que são” (p. 206). Ou não mais pode- lavras antecipam a declaração de Freud
ria eu concluir a minha cor [ou seja: minha (1920/1976), em “Além do princípio de
existência humana]. prazer”, de que somos apenas os veículos
temporários de uma substância imortal.
Kierkegaard (1844/2007) menciona
Nessa ocasião, tomando por base a Biolo-
que
gia de sua época, Freud (1920/1976, p.75)
a angústia é de tal modo fundamen- salienta que o soma se acha sujeito à morte
tal na criança que ela não deseja natural, mas as células germinais são po-
dispensá-la [...] a criança mostra-se tencialmente imortais. Observação que o
encantada com essa suave inquie- levará a propor que a vida resulta do per-
tação. Em todos os povos em que a manente conflito entre a libido e a pulsão
infância mantém-se como uma dis- de morte, esta última se desvelando como o
posição fantasiosa do espírito, exis- paradoxal ponto de partida da vida, desde
te essa angústia [...]. Interpretá-la que sua energia seja “amansada” pelos in-
como desorganização não é senão vestimentos libidinais dos Outros primor-
prosaísmo estúpido. (p.51) diais e resulte em um amálgama de forças
contrárias.
Trata-se, em seus termos, da procu-
ra da aventura, do monstruoso, do misté- Para Kierkegaard (1844/2007), ha-
rio. Portanto, a angústia propulsiona a fan- veria dois ápices da angústia: a concepção
tasia, mas não estabelece a diferença dos e o nascimento, posto que, em ambos, o
sexos, a qual depende do pudor. espírito estaria distante. A angústia sua-
ve, que corresponde ao erotismo inocente e
No capítulo intitulado “Angústia belo, seria a que é cantada na poesia, pois,
Subjetiva”, Kierkegaard (1844/2007, p.80- como ele próprio se expressa, chega-se à
85) afirma que a angústia pode ser com-
“conclusão terrível [de que] a angústia do
parada à vertigem, a qual advém tanto do
pecado produz o pecado” (p.86-87). Esta
olhar quanto do abismo, impossível de ser
corresponde à impotência de que o indiví-
tamponado. Algumas linhas adiante, ele
associará a diferença sexual a uma diferen- duo padece. Por entender que a angústia é
ça na intensidade da angústia. Ele assim uma medida da grandeza humana, Kieke-
escreve: gaard não poderia deixar de indagar qual é
o seu objeto. Nesse ponto, ele e Heidegger
A mulher acumula mais angústia
enunciam quase com as mesmas palavras
do que o homem: isto não está rela-
que, uma vez que se costuma dizer que se
cionado com a inferioridade de sua
está “angustiado por nada”, isso significa
força física etc. (aqui não é o caso
que o objeto da angústia é o nada.
dessa espécie da angústia); existe
mais angústia na mulher porque Embora não tenhamos a intenção
ela é mais sensual e tem, conco- de nos aprofundarmos em questões de or-
mitantemente, um destino espiri- dem filosófica, queremos acentuar que, “tal
tual, como o homem. (Kierkegaard, como em Kierkegaard, a angústia assume
1844/2007, p.80-81). em Heidegger um cunho existencial es-
sencialmente humano” (Werle, 2003, p.4).
Logo em seguida ele comenta que a Contudo, diferentemente de Kierkegaard,
sexualidade tem sido tratada de maneira para quem a angústia revelaria o nosso ser
insuficiente e argumenta que “o sexo ex- finito, o nada de nossa existência diante da
prime a enorme contradição (wiederspruch) infinitude de Deus, considera-se que Hei-

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degger se afastou da perspectiva teológica, do pavor seja algo conhecido e familiar. Se


porque “pensa a angústia apenas como fe- o objeto é totalmente não familiar, então o
nômeno existencial da finitude humana” temor se transforma em horror. “E somente
(Werle, 2003, p.4). quando o que ameaça vem ao encontro com
o caráter de horror, possuindo ao mesmo
Para Heidegger, toda a tradição filo-
tempo o caráter de pavor, a saber, o súbito,
sófica ocidental, de Platão a Nietzsche, apre-
o temor torna-se, então, terror.” (Heidegger,
senta um problema em comum: o “esqueci-
1927/1988, p. 197).
mento do ser”. Por isso sua obra inaugural,
“Ser e Tempo”, de 1927, coloca o homem E como surge o “nada” na concep-
como o ente privilegiado, único ente ao qual ção de Heidegger? Não exatamente como a
é dada a capacidade de questionar o ser. negação, mas como sua origem. Para o filó-
Heidegger pretende ultrapassar a separação sofo, se nós dizemos “não é nada”, quando
entre sujeito e objeto por meio do conceito não sabemos identificar o objeto de nossa
de Dasein, isto é, “o homem na medida em angústia, é porque existe um nada mais
que existe na existência cotidiana, do dia-a- originário e fundamental que está na ori-
dia, junto com os outros homens e em seus gem de nossa angústia. Isso não quer dizer
afazeres e preocupações” (Heidegger, 1927, que se capte o nada na angústia, nem que
citado por Werle, 2003, p.2), É este o ponto ela gere o nada, mas que há um nada fun-
de partida de sua analítica existencial. damental que nos envolve e ao qual esta-
mos suspensos. O nada é ao mesmo tempo
Nele também encontramos uma re-
causa e efeito da angústia, porque ele tanto
ferência à antecipação e ao nada, o que
a provoca como se revela nela.
indica a impossibilidade de se pensar o
ser-no-mundo do ser-aí sem pensar a an- Já na doutrina lacaniana, que abor-
gústia. A antecipação está ligada ao modo daremos no final deste artigo, “o nada” tam-
como o Dasein, este ser-aí no mundo, se bém comparece no que podemos chamar
relaciona com os outros homens. Ele tem de uma referência indireta à angústia. Ele
preocupação (Fürsorge), ou seja, ele se pre- integra a série dos objetos da pulsão. Lacan
ocupa com os outros. Nessa ideia de pre- (1960/1998) ressalta que a zona erógena
ocupação, prossegue Werle, há o sentido “[...] é obra de um corte que se beneficia do
negativo de querer antecipar-se à existên- traço anatômico de uma margem ou uma
cia do outro, tirá-la dele. O que nos reme- borda” (p.832). E conclui que “esse traço do
te de imediato à máxima latina que Freud corte é não menos evidentemente prepon-
(1930[1929]/1974, p.133) cita em “O mal- derante no objeto descrito pela teoria psi-
estar na civilização”, dizendo tê-la extraído canalítica: mamilo, cíbalo, falo (objeto ima-
de Plauto, qual seja: Homo homini lupus 4, o ginário), fluxo urinário. (Lista impensável,
homem é o lobo do homem. se não lhe forem acrescentados, conosco,
o fonema, o olhar, a voz – o nada.)” (Lacan,
A angústia é, então, uma disposição
1960/1998, p.832).
anímica, uma facticidade existencial, e tam-
bém uma disposição compreensiva, aber- Adiante veremos como Freud não se
tura de mundo que se dá para o Dasein. furtou a pensar a relação do sujeito com
É mais ampla que o temor (Furcht), mas diferentes categorias de objeto, uns mais
este, pelo menos na obra “Ser e Tempo”, é facilmente identificáveis do que outros,
considerado um estágio mais suave da an- menos ameaçadores. Como para o filósofo,
gústia. O temível possui o caráter de amea- também para o psicanalista, a natureza do
ça. O temor pode se transformar em pavor, objeto vai lhe permitir diferenciar entre a
horror ou terror. A subtaneidade promove angústia e o medo, ponto de discórdia entre
a primeira transformação, embora o objeto a teoria de Freud e a de Lacan.

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Freud, a Construção do Conceito e dicina e ao linguajar cotidiano. É bem sa-


as duas Teorias da Angústia bido que a psicanálise inúmeras vezes foi e
permanece sendo alvo de resistências, de-
vido à importância dada à sexualidade na
Ao criar o método psicanalítico e vida psíquica. Tudo indica, portanto, que
dedicar-se a escrever sua teoria da clínica a censura ao termo ‘angústia’ esteja liga-
– pois é este o estatuto da teoria psicana- da à associação tão clara e precocemente
lítica - Sigmund Freud reconheceu ter ela- estabelecida por Freud entre ela e a vida
borado duas diferentes teorias da angús- sexual.
tia. É ele próprio quem o diz, no artigo de
Hoje, graças àquele que é conside-
1926[1925]/1976 intitulado “Inibição, sin-
rado o pai da Linguística moderna, qual
toma e angústia”. Freud não se cansou de
seja, Ferdinand de Saussure (1857-1913),
insistir, antes disso, que a angústia seria
sabemos que toda linguagem possui um
o único afeto cuja origem no inconsciente
eixo eminentemente dinâmico ou diacrôni-
não poderia ser colocada em dúvida. E, em-
bora tenha se referido inúmeras vezes às co, além de um eixo estático ou sincrôni-
manifestações somáticas da angústia, isto co. Em outros termos, sabemos que há um
é, à sua característica de descarga motora, movimento inerente à própria natureza do
aliás, comum a todo afeto, ele observou que significante, que impele a passagem de um
a angústia seria, por excelência, afeto do a outro, movimento acerca do qual se pode
sujeito. De acordo com Freud, somente os dizer que, nele, os significantes se intimam,
outros afetos – o amor, o ódio, o ciúme, e conclamam e convocam, não de forma arbi-
até mesmo a culpa – mereceriam o nome de trária, porém automática. Nessa diacronia,
‘sentimentos’. Pois um sentimento é, nos portanto, a angústia já recebeu a alcunha
termos de Freud, a percepção que o eu (Ich) de “síndrome de pânico”, de “transtorno do
tem do afeto. A junção dos termos “senti- pânico” e, mais recentemente, de “estres-
mento” e “inconsciente” lhe parece um con- se”, em particular, “estresse pós-traumáti-
trassenso, e ele a sustenta apenas para a co”. Nesse último caso, o trauma é definido
culpa: sentimento inconsciente de culpa. como um “evento estressante”, que pode
Em algumas traduções da obra freu- ser de ordem natural (terremotos, tsuna-
diana, o termo ‘angústia’ parece tersofrido mis, erupções vulcânicas, enchentes e
os mesmos efeitos de censura e de trans- desabamentos, etc.) ou provocado pela
formações diacrônicas que incidiu, e inci- mão do homem (guerras, atentados terro-
de ainda, sobre a sua obra como um todo. ristas, ataques violentos, sequestros etc.)
Vertida inicialmente para a língua ingle- Em termos bastante vagos, fala-se ape-
sa, sob a pena de James Stratchey, nela nas em fatores propiciatórios individuais.
o vocábulo alemão angst foi transmutado Eis o que diz o item denominado “Etiolo-
no inglês anxiety, num movimento de al- gia” do verbete sobre “Transtorno do es-
teração conceitual um pouco menos grave tresse pós-traumático” da “Wikipédia, a
que a transformação de trieb em instinct, enciclopédia livre”:
qual seja, de pulsão em instinto. Resulta- O TEPT pode ou não desenvolver-
do: como a “Edição Standard Brasileira das se em uma pessoa que tenha sido
Obras Completas”, realizada pela Imago no exposta a um acontecimento trau-
decorrer dos anos 1970, centrou-se privile- mático, dependendo de fatores pro-
giadamente na versão inglesa de Stratchey, piciatórios individuais (vulnerabili-
em inúmeras passagens onde deveríamos dade) e da natureza do evento trau-
encontrar o termo ‘angústia’, encontramos mático. Quanto mais traumático o
a palavra ‘ansiedade’, tão mais cara à me- acontecimento, mais probabilidade

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de que surja, e quanto menos vul- primeira teoria da angústia, posteriormente


nerabilidade prévia, menor a proba- corrigida, segundo a qual a angústia seria
bilidade de gerá-lo. (Wikipédia). consequência da defesa contra a energia da
pulsão sexual. Nessa ocasião, ele enuncia
Não se faz referência à energia libi- que “a neurose de angústia é a libido sexu-
dinal, que a psicanálise considera tão im- al transformada [após a repressão]”(Freud,
portante na determinação do sintoma com 1895[1894]/1996, p.241).
que o sujeito reage ao trauma. Menos ain-
Faz-se necessário lembrarmos que
da, é claro, ao fato psicanaliticamente com-
Freud (1950[1895]/1996), em “Projeto
provado de que uma pequena produção de
para uma psicologia científica”, apresen-
angústia, à guisa de sinal, pode evitar a
tou o caso Emma. A jovem manifestava um
repetição de uma experiência previamente
traumática. A singularidade subjetiva é va- sintoma de fobia a lojas, cuja decifração se
gamente mencionada em termos de “vulne- transformou em modelo e paradigma da
rabilidade.” E resta uma indagação: como interpretação psicanalítica de um sintoma
reconhecer se alguém é mais ou menos vul- neurótico. Na doutrina freudiana, a fobia
nerável? Com que padrão de medida? Que se tornará sinônimo de histeria de angús-
critérios permitem adjetivar quantitativa- tia, um tipo clínico da neurose, ou perma-
mente um evento como mais traumático do necerá como sintoma frequentemente en-
que outro? contrado na neurose obsessiva.
A psicanálise confirma apenas que Emma contou primeiramente que,
o trauma deixa efeitos ditos “positivos”, ao entrar numa loja de roupas, viu dois
quando o sujeito busca recordar a experiên- vendedores rindo juntos e saiu corren-
cia e vivê-la em outro contexto, com outras do, tomada de um afeto de susto. Acres-
pessoas. Ou efeitos dito “negativos”, quan- centou que os dois vendedores estavam
do o sujeito só procura esquecer o trauma, rindo de suas roupas e que um deles lhe
e, para isso, desenvolve inibições e fobias.
pareceu sexualmente atraente. Ao pros-
É o que podemos ler em alguns parágra-
seguir no texto de Freud, constatamos
fos de “Moisés e o monoteísmo” (Freud,
que, embora narrada em primeiro lugar,
1939[1934-38]/1975, p. 94-95).
essa não foi a sua primeira experiência
Mas, sigamos Freud desde o início. de angústia, pois encontramos o momen-
Em seu “Rascunho E: como se origina a to em que ela lhe revelou uma cena mais
angústia” (Freud, 1950[1892-1899]/1996), antiga. Qual seja:
ele associa a gênese da angústia à vida se-
Aos oitos anos de idade, ela esteve
xual de seus pacientes, embora de uma for-
numa confeitaria em duas ocasi-
ma que se poderia dizer datada, isto é, re-
ões para comprar doces, e na pri-
lacionada a uma método anticonceptivo há
meira o proprietário agarrou-lhe
muito ultrapassado. Segundo ele, o coitus
as partes genitais por cima roupa.
interruptus estaria na base da neurose de
Apesar da primeira experiência, ela
angústia das mulheres.
voltou lá uma segunda vez; depois
Pouco tempo depois, em “Sinop- parou de ir. Agora, recrimina-se
ses dos escritos científicos”, Freud (1877- por ter ido a segunda vez, como se
1897/1996) assevera que o mecanismo da com isso tivesse querido provocar
angústia reside no desvio da excitação se- a investida. De fato, seu estado de
xual somática para o campo psíquico e con- “consciência pesada e opressiva”
sequente emprego anormal dessa excita- remonta a essa experiência (Freud,
ção. Em seguida,ele formula a base de sua 1950[1895]/1996, p.408).

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Freud concluiu que o riso dos ven- Retomemos nossa linha de racio-
dedores na segunda cena fizera com que cínio, pois queremos destacar uma nova
ela se lembrasse do sorriso do homem da perspectiva teórica sobre a angústia. Conti-
confeitaria. A lembrança despertou o que nuemos com Freud, em 1926[1925]/1996,
ela seguramente não fora capaz de experi- ano em que publica seu texto intitulado
mentar na primeira ocasião: uma liberação “Inibição, sintoma e angústia”. Foi nesse
sexual que se converteu em angústia. Sua texto que ele reformulou sua teoria da an-
angústia, portanto, expressava o temor de gústia. Até então considerada como libido
que os vendedores da loja pudessem repe- transformada após o recalque, a angústia
tir o que já lhe havia acontecido. Repetição passa agora a ser reconhecida como mola
de uma experiência sexual infantil e trau- propulsora do recalque. Em outros termos,
mática. é também o recalque que passa a ser mais
claramente enunciado como movimento
Nos primeiros escritos de Freud so-
que visa à saída da angústia, defesa contra
bre a clínica, o afeto da angústia se arti-
ela. Melhor dizendo, como ultrapassagem,
culava privilegiadamente à discussão em
sempre precária, dos estados de angústia.
torno da neurose do mesmo nome. Naquela
Não só. Freud também define a angústia
que reconhecemos como a primeira Noso-
como “sinal de perigo no eu”, espécie de
grafia freudiana, a qual vigorou até 1915,
alerta contra a repetição de uma situação
há somente dois grandes quadros: as neu-
traumática. Ele chega mesmo a fazer uma
roses atuais e as psiconeuroses. As neu-
analogia da angústia com a vacina médica,
roses de angústia compõem o quadro das
propondo que a liberação de uma pequena
chamadas neuroses atuais, que incluem
dose de angústia impede a liberação des-
também a neurastenia e a hipocondria,
controlada da mesma. Em outros termos,
sendo afecções associadas à vida sexual do
sua experiência clínica lhe sugere a exis-
adulto, enquanto as psiconeuroses se refe-
tência de uma angústia a ser dita, parado-
rem explicitamente à sexualidade infantil.
xalmente, benéfica.
As neuroses de angústia proporcio-
Nessa ocasião, ele define o neurótico
nam duas formas de manifestação: como
como alguém cujos determinantes de an-
ataques de angústia ou como estado crôni-
gústia são situações da infância. E inda-
co. Este último corresponde a uma angús-
tia mais branda e de emergência flutuante. ga o motivo pelo qual, diferentemente dos
Nos termos de Freud (1895[1894]/1996), outros afetos, a angústia se mostraria tão
a sintomatologia da neurose de angústia imprópria à situação externa, tão contrá-
abrangia um amplo espectro. Na sequên- ria ao movimento da vida. Isso o levará a
cia, destacaremos apenas os sintomas que enumerar a série de perdas que compõem
compõem os chamados “ataques de angús- o advir do sujeito, bem como as três or-
tia.” São eles: distúrbios respiratórios, tre- dens de fatores que instauram os conflitos
mores, calafrios, acessos de fome, diarreia intrassubjetivos. Na primeira série temos
sobrevindo em acessos, vertigem locomoto- a separação biológica da mãe, a perda do
ra, acordar à noite em pânico e com suores objeto (seio) e a perda do amor do objeto
etc. Concordamos com Leite (2011) em que (Mãe simbólica). Nas três ordens de fatores
a definição freudiana dessa modalidade determinantes da neurose, temos a pre-
neurótica se assemelha ao que é designa- maturidade do filhote do homem, a origem
do pela psiquiatria contemporânea como bifásica da sexualidade e a cisão entre as
“transtornos de ansiedade”, que abrangem instâncias do Eu e do Isso, três ordens cha-
os ataques de pânico e a ansiedade gene- madas, respectivamente, de fator biológico,
ralizada. fator filogenético e fator psicológico.

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Reaparece assim em seu texto a ideia de um quadro neurótico. Nele, a repetição


de desamparo (Hilflosigkeit), enunciada pri- das crises de angústia é o resultado de uma
meiramente em seu “Projeto para uma psico- história do sujeito do desejo, que havia sido
logia científica”, em que Freud (1985/1996) progressivamente excluído.
explicita novamente a angústia como um
Freud (1926[1925],1996) sentiu ne-
estado afetivo (um quantum de energia) com
cessidade de acrescentar alguns anexos ao
um caráter acentuado de desprazer que é
texto de “Inibições, sintomas e angústia”,
liberado na vivência traumática. Sinal de
no intuito de reforçar a alteração conceitual
angústia que, apesar de recebido pelo eu,
da ordem em que se manifestam a angústia
endereça-se ao sujeito, isto é, ao inconscien-
e a defesa e também para distinguir a an-
te. Dito de outra maneira, o sinal de angús-
gústia da dor e do luto. Ele então declara
tia é um mecanismo psíquico, que trabalha
que, diferentemente do medo, a angústia é
como símbolo mnêmico e permite ao eu re-
expectativa de algo indefinido, algo a que
agir por meio de uma defesa. Mas vejamos:
falta objeto. Frase paradoxal, porque logo
se a angústia é um sinalizador, o que ela
em seguida ele dirá que, enquanto a dor
sinaliza? O que ela assinala é o modo como
se caracteriza pela presença do objeto que
a representação do mundo pode se tornar
causa desprazer, a angústia se caracteriza
dilacerante quando não localiza espaço para
pela representação do objeto causando des-
um elemento atual. Logo, é sempre em vão
prazer. A passagem da dor física para a dor
tentar curar a angústia com psicofármacos,
mental está na dependência da passagem
pois ela é inseparável da dialética do dese-
da libido do eu ao objeto, transformação de
jo. Podemos mesmo dizer que a medicação
investimento narcísico em investimento no
como o único tratamento para o sofrimento
Outro. Em contrapartida, o luto exige a re-
psíquico só terá como efeito reforçar um es-
produção das situações que possibilitem ao
tado de dor (Flesler, 2012).
sujeito separar-se de um objeto que já não
Quando Freud revira ao avesso a re- existe enquanto tal.
lação entre angústia e recalcamento, retifica-
Veremos adiante que Lacan subli-
se dizendo que não é o recalque que acende
nhará privilegiadamente um comentário
a angústia, mas a angústia que desencadeia
presente na Conferência XXXII de Freud
a ação do recalque sobre a pulsão, fazendo
(1933[1932]/1996), cujo tema é justamen-
o sintoma aparecer como substituto dessa
te “Angústia e vida pulsional”. Trata-se da
satisfação pulsional. O interessante é que,
afirmação de que a angústia é “diante de”, é
desde que Freud percebe que a angústia é
“angústia diante de” Nesse momento, além
o verdadeiro motor do recalque, isso implica
disso, Freud também declara que a angús-
que é a angústia que funda o inconsciente
tia é “sinal de perigo de vida”, o que, para
do sujeito neurótico (Soler, 2012).
Lacan (1963/2005) é bastante diferente
Podemos dizer, então, que a angús- de dizê-la “sinal no eu.” Mas é na primei-
tia sinal adquire a forma de amparo para ra série das “Conferências Introdutórias à
o sujeito. Consequentemente, ela pode Psicanálise”, que acontecem entre os anos
acabar por avigorar as defesas neuróticas, de 1915 e 1917, que Freud aborda o tema
levando-o a abdicar de sua capacidade de “Psicanálise e Psiquiatria” para um público
desejar. Ou, até mesmo, a se beneficiar de composto tanto de médicos como de leigos.
uma atitude de inibição que evita os riscos Segundo ele,
presentes na vida. Portanto, aquilo que a
clínica psiquiátrica diagnostica como trans- [...] a psicanálise procura dar à psi-
torno de pânico pode ser considerado, na quiatria a base psicológica de que
clinica psicanalítica, o indício da ativação esta carece. Espera descobrir o ter-

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reno comum em cuja base se tor- to de vista clínico, quanto das pesquisas. A
ne compreensível a consequência partir daí, a American Psychiatric Associa-
do distúrbio físico e mental. Com tion sugeriu uma nova classificação para os
esse objetivo em vista, a psicanálise distúrbios mentais: o American Psychiatric
deve manter-se livre de toda hipóte- Association Diagnostic and Statistic Manu-
se que lhe é estranha, seja de tipo al of Mental Disorders (DSM). Naquele mo-
anatômico, químico ou fisiológico, e mento, o modelo se inverteu e o DSM pas-
deve operar inteiramente com ideias sou a influenciar a CID e toda a psiquiatria
auxiliares puramente psicológicas. mundial. (Paoliello, 2012).
(Freud, 1916[1927]/1996, p.30).
Nos dias de hoje, o “Manual Estatís-
tico e Diagnóstico” (DSM), instituído origi-
Freud (1916[1927]/1996) acrescen-
nalmente para o uso de instituições de in-
ta que os médicos só são adversários da
sanos, abrange um número considerável de
psicanálise porque não prestam suficiente
categorias diagnósticas. A necessidade de
atenção no que lhes dizem seus pacientes.
recolher informação estatística foi o impul-
Donde se conclui que ele os conclama a ou-
so inicial para a ampliação de uma classifi-
vir o dizer, ato de fala, e os ditos subjetivos,
cação dos transtornos mentais nos Estados
desdobramentos do dizer, na esperança de,
Unidos. Verificamos que a primeira tenta-
com isso, diminuir a resistência à psicaná-
tiva oficial foi o censo de 1840, que descre-
lise. Ao abordar esse tema, Freud afirma
veu um só binômio diagnóstico: idiotice ou
sugestivamente que a psiquiatria não se
insanidade. Quarenta anos depois, o censo
opõe à psicanálise, quem o faz são os psi-
distinguia as seguintes categorias: mania,
quiatras. É certo, então, que o presente mo-
melancolia, monomania, paralisia, demên-
vimento de desaparecimento das entidades
cia e alcoolismo (Dunker & Neto, 2011). O
clínicas descritas pela psicanálise dos ma-
número de possíveis diagnósticos passara,
nuais estatísticos de diagnóstico e das clas-
assim, de dois para seis.
sificações internacionais de doenças(DSM e
CID) tolhe a proposta de interconexão dese- A primeira versão do DSM, ou seja,
jada por Freud entre a psiquiatria e a psi- o DSM-I de 1952 teve como marca a noção
canálise. Vejamos a seguir como isso vem de “reação”, termo que indica que a psi-
acontecendo. quiatria, à época, percebia a doença mental
como uma resposta aos problemas da vida.
Como indicam Russo & Venâncio (2006),
além desta noção, podemos considerar o
As Classificações Internacionais uso frequente, ao longo daquele Manual, de
de Doenças e os Manuais Diagnósti- expressões como “conflito neurótico”, “me-
cos e Estatísticos canismo de defesa” e “neurose”. O DSM-I
sofreu forte influência do psiquiatra Meyer,
que trouxe grandes contribuições ao cam-
A partir do século XVII, devido à dis- po da psiquiatria. Sua influência resultou
paridade da linguagem médica e dos crité- inclusive na distinção diagnóstica entre a
rios de diagnóstico usados nos diversos pa- neurose e a psicose.
íses, julgou-se necessário criar um sistema A classificação dos fenômenos de
único de classificação. Essa ideia deu ori- angústia foi se modificando desde a primei-
gem à Classificação Internacional de Doen- ra edição. No DSM-II, em 1968, a noção de
ças, conhecida pela sigla CID, atualmente reação perdeu o seu valor. Começava a sur-
em sua décima versão. Em 1952, a CID foi gir a influência dos pesquisadores em psi-
avaliada como inadequada, tanto do pon- quiatria biológica. O termo “neurose” ainda

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foi mantido, mas passou-se a compreender Vejamos agora o importante fato


a doença mental a partir da ideia de “ní- que ocorreu com a publicação do DSM-IV
veis de desorganização psicológica”. Como em 1994. Ele inclui uma categoria especí-
quer que seja, nas duas primeiras versões fica intitulada “transtorno de ansiedade”.
do “Manual Diagnóstico e Estatístico de Esta se caracteriza por apresentar a ansie-
Transtornos Mentais” (DSM I e II), ainda se dade como sintoma primordial. Entretanto,
evidenciavam fundamentos na Psicanálise. na CID-10, ela é colocada dentro do grande
grupo dos transtornos neuróticos e de ajus-
Foi somente com a publicação do
tamento. O DSM-IV inicia sua seção sobre
DSM-III, em 1974, que teve lugar uma ra-
os transtornos de ansiedade, classifican-
dical modificação na classificação psiquiá-
do-os como: pânico, transtorno obsessivo-
trica. O panorama no qual esse manual foi
compulsivo, fobias, transtornos de estresse
produzido correspondeu a uma mudança
pós-traumático e transtornos de ansiedade
de modelo, encenando um embate pela he-
atípica. Evidencia-se, desse modo, a disso-
gemonia no campo da psiquiatria. Entre-
lução do grupo das “neuroses”, que passam
tanto, ainda houve uma discussão sobre a
a ser distribuídas em grupamentos diver-
manutenção, ou não, do termo “neurose”.
sos e discretos. Russo & Venâncio (2006)
Mas voltemos ao tema que nos in- acentuam que não existem mais neuroses,
teressa: a angústia. Foi na terceira revisão o que existem são transtornos. A exclusão
do DSM que ocorreu a importante substi- da neurose de angústia foi uma opção po-
tuição do conceito de neurose de angústia lítica. Naquele momento, a psiquiatria fez
pelo de transtorno do pânico. Conforme desaparecer não só o sujeito do desejo, mas
Russo & Venâncio (2006), o DSM-III, que o sujeito que faz parte de toda história, seja
vinha compor um projeto de classificação ela da psiquiatria ou da psicanálise.
a-teórica, neutra e generalizável, induziu a
No decorrer do processo que desem-
globalização da psiquiatria norte-america-
bocou no DSM-IV e na CID-10, as classifi-
na. A indústria farmacêutica, ocupada em
cações se transformaram em catálogos que
produzir novos e lucráveis medicamentos a
almejam esgotar todas as maneiras possí-
serem colocados no mercado, passou a fi-
veis de adoecer, causando um novo modelo
nanciar esse tipo de pesquisa experimental
que se poderia avocar da clínica da medi-
que dominava na época.
cação. Parece-nos correta a perspectiva de
Paoliello (2012) sublinha a confluên- Sartorius (1993) segundo a qual uma clas-
cia dos interesses capitalistas e das pesqui- sificação nada mais é do que “um modo de
sas científicas conduzidas pelos laborató-
ver o mundo a partir de um ponto no tem-
rios farmacêuticos, que trouxe como resul-
po” (p. XIII), por isso não pode haver dúvida
tado a exclusão da psicanálise da corrente
de que o progresso científico e a experiência
central e contemporânea tanto da psiquia-
com o uso dessas diretrizes irão requerer
tria americana, quanto da psiquiatria mun-
suas revisões e atualizações.
dial. De fato, a transformação presente no
DSM-III, se nos for permitido dizer assim, Retomemos a classificação psiquiá-
inaugurou o combate contra a categoria da trica, observando que, até o momento, são
“neurose”. O termo foi mantido entre pa- seis versões do DSM: I, II, III, IIIR, IV e IV-
rênteses e ao lado de algumas ressalvas. A TR. O DSM-I agrupava as neuroses sob o
vitória dos psicanalistas, parcial e fictícia, título de “Transtornos Psiconeuróticos” e
foi de curta duração. Pois, na revisão se- listava sete “reações psiconeuróticas”. No
guinte do manual, ou seja, no DSM-III R, DSM-II, os “Transtornos Psiconeuróticos”
publicado em 1987, a categoria “neurose” aparecem na rubrica das “Neuroses”, em
foi definitivamente abandonada. que se diagnosticam 11 categorias. No DSM-

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III, o grupo das “Neuroses” submergiu e se afeto que não engana. Não há como enganar
diluiu, no mínimo, em três agrupamentos que o encontro com a castração do Outro
distintos, com um total de 18 transtornos. ou, se preferirmos, com o Outro faltante e,
No DSM-IV, o número de transtornos que consequentemente, desejante, afeta profun-
ingressaram “no lugar” das neuroses subiu damente o sujeito, a ponto dele ser levado
para 24. (Russo &Venâncio, 2006). a indagar se o outro o deseja morto, se ele
quer a sua morte. Partindo do real, ela se
Como localizar o afeto de angústia –
alastra pelo imaginário, povoando-o de fan-
afeto do sujeito - nesse modelo padrão da
tasmas. Uma de suas manifestações preva-
psiquiatria? Gostaríamos de marcar que
lentes acontece no registro do olhar, ou seja,
não pretendemos desconsiderar a clínica
está particularmente ligada à pulsão escó-
psiquiátrica, mas indagamos se não seria
pica, nos assim chamados fenômenos do
mais produtivo que, em situações clínicas
duplo, nos desmaios e despersonalizações e
específicas, a psicanálise e a psiquiatria
nos atos de exibicionismo e voyeurismo.
trabalhassem juntas contra o sofrimento
psíquico. Mas isso requereria um retorno Foi como psiquiatra que Lacan se fez
à psiquiatria clássica, aquela que dava voz conhecer inicialmente nos meios médicos e
ao sujeito. Seja como for, a psicanálise não intelectuais, mas foi a partir da leitura dos
pode deixar de reconhecer a anterioridade textos de Freud que ele fez a sua entrada na
lógica da medicina em relação a seu cam- psicanálise. Para compreendermos o lugar
po. Freud nunca deixou de reconhecer que que o tema da angústia ocupa em sua obra,
a psicanálise poderia se beneficiar de suas é importante termos em mente a premissa
conexões com outros campos de saber, po- de que o ser humano é caracterizado, des-
rém ressaltou, em particular, a literatura, de o princípio, pelo desamparo e pela de-
a poesia e os estudos filosóficos e antropo- pendência do Outro, como lugar dos ditos
lógicos. primordiais que entabulam uma história,
Conforme menciona Alberti (2006), que entretecem um sujeito como história.
Freud dizia não desejar que a psicanálise Desde o início da vida, estamos enlaçados
fosse devorada pela medicina ou viesse a em uma rede de significantes. Eis o que de-
encontrar sua última morada nos manu- termina a psicanálise e que nos conduz à
ais de psiquiatria. Nesse sentido, é possí- interrogação: Quando, então, surge a an-
vel dizer que seu voto vem se realizando. gústia no meio dessa história?
A psicanálise já não mora nos manuais de Podemos começar nossa reposta,
psiquiatria das organizações internacionais citando uma passagem de “Subversão do
de saúde, principalmente porque foi sobe- sujeito e dialética do desejo no inconsciente
jamente expulsa deles. freudiano”, texto com o qual Lacan contri-
buiu, em 1960/1998, para o Colóquio fi-
losófico internacional de Royaumont. Após
acentuar o fato de que, entre a demanda
A Contribuição de Lacan e os Fenô- e do desejo, o neurótico dá preferência à
menos da Angústia primeira, ele prossegue dizendo que fazer a
análise deslizar para o manejo da frustra-
ção só serve para “esconder sua angústia
Desde a contribuição de Jacques La- do desejo do desejo do Outro, impossível de
can (1901-1981), dizemos não apenas que a desconhecer quando é encoberto apenas
angústia é o afeto do sujeito por excelência, pelo objeto fóbico, e mais difícil de compre-
como também que, diferentemente do sinto- ender nas outras duas neuroses” (LACAN,
ma neurótico, e até de alguns afetos, ela é o 1960/1998, p. 838).

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Uma das observações primeiras de neurótico, na construção da fantasia. Nes-


Lacan sobre a angústia é aquela que a cor- se ponto, é preciso destacar que, tanto para
relaciona à ausência de uma satisfação uni- Freud, quanto para Lacan, a angústia, por
versal da necessidade, no caso do ser falan- si só, não é suficiente para produzir uma
te. Mas é no decorrer de “O Seminário, livro neurose. É preciso lhe acrescentar uma
10: a angústia” (Lacan, 1962-1963/2005), fantasia inconsciente, o que sustentará um
que ele irá propor um pequeno embate en- sintoma do mesmo modo que um fantasma
tre Kierkegaard e Freud em um ponto ex- assombra uma casa, isto é, como presença
tremamente crucial: nada mais, nada me- indelével, de intensidade invisível.
nos, do que em suas respectivas declara-
O termo “ápice” assinala a existên-
ções sobre a angústia nas mulheres. Quem
cia do que chamamos de curva da angús-
teria razão? Seriam as mulheres menos ou
tia, um movimento crescente que inevita-
mais angustiadas do que os homens? A dú-
velmente se inverte em decrescente, após
vida se impõe, pois, já o dissemos, enquan-
ter alcançado um ponto com certa altitude.
to o “pai do existencialismo” proclama com
Falar em queda do objeto a é também falar
todas as letras (Kierkegaard, 1844/2007,
em “falta da falta”, outro nome lacaniano
p.80) que “a mulher acumula mais angús-
da angústia. Cabe aqui lembrarmos que o
tia”, o “pai da psicanálise” acredita que a
objeto a diz respeito aos primeiros objetos
angústia afete menos as mulheres, deten-
do sujeito, anteriores à constituição do ob-
toras que seriam de um supereu menos
jeto comum, comunicável, socializado. Es-
avassalador (Freud, 1933[1932]/1976).
ses objetos são representados pelo seio, as
Como vimos, o argumento de Kierkegaard é
fezes, o olhar e a voz.
que as mulheres, embora participem como
os homens da espiritualidade, são no en- Em sua conferência La troisième (A
tanto mais sensuais e isto as angustia. Se- terceira), cujo nome faz menção à terceira
gundo Freud, diferentemente dos parceiros vez que Lacan (1975/1975) toma a palavra
homens, as mulheres não passam a vida em Roma, dirigindo-se aos psicanalistas
sob a ameaça de castração, não sustentam italianos, podemos ler sua observação de
o narcisismo do órgão, nem manifestam que:
a rejeição à feminilidade, entendida como A angústia é justamente alguma
posição de passividade diante do pequeno coisa que se situa alhures em nos-
outro macho. so corpo, é o sentimento que sur-
Diremos que Lacan se mostra mais ge dessa suspeita que nos vem de
inclinado a concordar com Kierkegaard, por nos reduzirmos ao nosso corpo. [...]
considerar que, estando não-toda na cas- não é o medo de qualquer coisa da
tração, uma mulher está também, inevita- qual o corpo possa se motivar. É um
velmente, não-toda no simbólico. O mesmo medo de medo. (Lacan, 1975/1975,
se passa com a angústia, que não engana p.65).
justamente por não se deslocar na cadeia
significante. Em outros termos, por ser, Certamente, há uma diferença entre
como as mulheres, mais verdadeira e mais medo e angústia. Vimos que alguns filóso-
real do que os significantes. Para Lacan, a fos do último século diziam que o medo tem
angústia está amarrada ao objeto e não sem objeto, um objeto do mundo, e que Freud,
objeto. Observamos que quando se diz que em alguns momentos de sua obra, seguiu
“a angústia é amarrada ao objeto”, não se na mesma direção. Por isso, Lacan se viu
diz que o “objeto é a causa da angústia”. No compelido a insistir na dupla negação - a
ápice da angústia, haverá a queda do objeto angústia não é sem objeto -, este “não sem”
a, o qual poderá ser retomado, pelo sujeito que não é a afirmação simples, tampouco a

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negação simples. Podemos ver essa questão novo conceito psicanalítico de angústia
emergindo na releitura que Lacan (1956- o conduzirá à construção do conceito de
1957/1995) fará do caso do Pequeno Hans objeto a.
(Freud, 1909/1996), acerca do qual comen-
É possível dizermos que, na teoria la-
ta que o objeto que vem para o lugar da an-
caniana, como na freudiana, a angústia é
gústia é na verdade um significante. Mais
também um sinal. Porém ela é o sinal de que
adiante, no seminário RSI, particularmente
há um inevitável momento em que o sujei-
na aula de 17 de dezembro de 1974, Lacan
to, para advir enquanto tal, tenta encontrar
(1975-1975) propõe localizar a inibição, o
uma resposta simbólica, lançando mão de
sintoma e angústia, os três heteróclitos de
recursos imaginários. Trata-se de uma ope-
Freud, em seu nó borromeano. Ele localiza
ração que deixa um resto, sob a forma de
a angústia entre o real e o imaginário, não
uma incessante divisão. Um resto de angús-
referindo-a mais ao desejo, e sim ao real
tia faz função de causa de divisão. Quando
(Soler, 2012).
se alcança operar a passagem do Real pe-
Na ocasião do seminário sobre a an- los desfiladeiros do significante, conforme a
gústia, ele tratara como primeira questão bela expressão de Lacan (1964/2008), en-
a castração, relembrando que ela jamais tão o afeto deixa de ser angústia. Tem lugar
termina. Lacan conclui que, ao enfatizar a uma pausa. Talvez um álibi.
angústia de castração, Freud (1924/1996)
Segundo Lacan (1962-1963/2005), o
enfatizara a angústia da falta, enquanto lhe
conceito de angústia produzido por Kierke-
parece que ela emerge justamente “quando
gaard assinala com exatidão a existência de
a falta, falta” (Lacan, 1963/2005, p.52). A
uma escolha. Como dissemos acima, para o
angústia é exterior ao sujeito, embora seu
sujeito há uma escolha entre a captura sim-
objeto compareça de forma invisível. O su-
bólica ou a angústia. E Lacan também recor-
jeito não ouve, não vê e não sente o objeto
re ao “Caderno de Notas” de Tchecov (1860-
da angústia (Quinet, 2012). Há uma rela-
1904)5, ensaio que havia sido traduzido em
ção essencial da angústia com o enigma do
francês por Frayeurs (Pavores), para exempli-
desejo do Outro. Na urgência de decifração,
ficar a diferença entre a angústia e o medo.
o sujeito se interroga sobre o que ele é e
o que representa no desejo do Outro, mas Trata-se do relato de três situações
encontra o silêncio. Então, ele pode imagi- em que o jovem se surpreende diante da
nar, como dissemos acima, que o outro, si- manifestação de algo que ele desconhece,
tuado no lugar do Outro enigmático, deseja não sabe explicar, mas não se vê implicado
apenas a sua morte. no mais íntimo do seu ser. Não há amea-
ça, salienta Lacan, logo não há angústia,
No ano seguinte ao seminário so-
mas medo. Na primeira situação, o rapaz
bre a angústia, ou seja, em “O Seminário,
enxerga um clarão no alto de uma torre,
livro 11: os quatro conceitos fundamen-
que ele conhece o suficiente para saber que
tais da psicanálise”, Lacan (1964/2008)
ninguém tem acesso àquele lugar onde re-
declara que quando o objeto está em fun-
luz o que não tem a menor possibilidade de
ção de causa, quando ele causa desejo, ser um reflexo. O texto avisa que o sol já
ele está camuflado. Em outras palavras, se pôs. Na segunda situação, ele vê passar
o objeto é causa do desejo, porém não é um vagão de trem que corre sobre os trilhos
causa da angústia. Cabe destacar que, sem que alguém o dirija. Na terceira situa-
no ano anterior, a teoria do objeto a não ção, é a misteriosa presença de um cão de
havia sido elaborada. Portanto, não é ela raça, em um local e em uma hora que nada
que vai ajudá-lo a construir a teoria da permite explicar. O jovem suspeita apensa
angústia, justo o contrário, elaborar um que se trate do cão de Fausto.

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Há elementos comuns às três situa- voltar-me, só por um triz não caí ao


ções: o inesperado e o incompreensível ou chão!... O quarto estava iluminado
inexplicável. Aqui, Lacan parece seguir de como se fosse dia – e não me vi no
perto Heidegger, quando este propõe, em espelho! Sim, sim, o espelho esta-
Ser e Tempo, a transformação do medo em va vazio, profundo, cheio de luz –
pavor, pelo caráter de subtaneidade, e em mas não refletia a minha imagem...
horror, quando o objeto se torna não fami- A minha imagem não estava lá... e
liar. Porém talvez o mais importante seja a eu...eu estava diante do roupeiro,
presença do objeto no estatuto de um “dar especado diante do espelho! [...] A
a ver”, convocando a pulsão de olhar, en- destruição prematura? Todo o ter-
quanto mecanismo que ora pacifica, por- ror humano vem daí! (Maupassant,
que elude a castração, ora angustia, por- 1987, pp.18,53, 58).
que a expõe.
Na angústia, a pulsão do olhar vai Asseveramos com Lacan (1963/2005)
ao encontro do Outro, que, nesse momen- que “só há superação da angústia quando
to, se faz espelho sem estanho, portan- o Outro é nomeado” (p.366). Isso nos faz
to sem reflexo. No vocabulário freudiano, entender a razão pela qual o amor pode
dizemos que houve uma “falha narcísica”, ser descrito como terapêutica contra a an-
ruptura do eu-ideal em ricochete à perda gústia. Pois “só existe amor por um nome”.
do ideal do eu. No vocabulário lacaniano, Donde se conclui também que “no momen-
to em que é pronunciado o nome daquele
dizemos que houve um fading do sujeito,
ou daquela a quem se dirige nosso amor,
porque o objeto compareceu desprovido do
sabemos muito bem que esse é um limiar
brilho fálico que o mascarava no fantasma,
da maior importância”(Lacan, 1963/2005,
deixando ver sua verdadeira natureza de p.366). Limiar de um novo discurso, como
resto, rebotalho. Puro objeto condensador de um novo laço afetivo entre seres de fala.
de gozo.
Limiar de um acesso às formações do in-
Leiamos uma breve ilustração literá- consciente. Enfim, limiar de um desejo. Na
ria desse fenômeno, tal como a encontra- psicanálise, como na vida.
mos magistralmente relatada pelo persona-
gem narrador da novela O Horla de Guy de
Maupassant (1850-1893):
Referências Bibliográficas
Não tenho dúvidas nenhuma: es-
tou doente! Sentia-me tão bem no
mês passado! [...] Tenho febre, uma AGUIAR, A. A. (2004). A psiquiatria no
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sangue e na carne [...] Ergui-me de IV- breve historia do casamento psicopa-
salto, com as mãos estendidas e, ao tológico entre psicanálise e psiquiatria.

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no de estresse pós-traumático. Retirado
de http://pt.wikipedia.org/wiki/trans-
torno_de_estresse_pós-traumático.

1
Psicanalista membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do
Campo Lacaniano; Professora adjunta da Programa de Mestrado
e Doutorado em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade
Veiga de Almeida. Endereço: Rua Benjamim Batisa 15 apt. 101,
Jardim Botânico, cep: 22.461-120, Rio de Janeiro - Telefone:
2266-0445. E-mail: verapollo8@gmail.com
2
Sandra Chiabi. Psicóloga, psicanalista, membro dos Fóruns
do Campo Lacaniano do Rio de Janeiro, pós-graduada em
psicanálise clinica pela PUC-RJ, mestre em Psicanálise, Saúde
e Sociedade pela Universidade Veiga de Almeida. End: Av. Vieira
Souto, 490 - apt. 402. Ipanema , cep- 22420-000, Rio de Janeiro.
Tel: 86394503. E-mail: sandrachiabi@gmail.com
3
Expressão proposta por Lacan em 1966 no prefácio intitulado
“De nossos antecedentes”. In: Escritos, p.70.
4
Freud a cita em latim, referindo-a a Plauto, A sinaria, II, iv, 88.
5
Anton Pavlovitch Tchecov foi médido, dramaturgo e escritor
russo, considerado um dos maiores contistas de todos os tempos.
Aos 26 anos ganhou o Prêmio Pushkin pela coleção de histórias
Ao anoitecer. Suas peças A Gaivota, Tio Vânia, Três Irmãs e O
Jardim das Cerejeiras são até hoje consideradas um desafio para
ao atores, por se tratar de um “teatro de humores” e de “uma vida
submersa no texto” (Disponível em: http://www.pt.wikipedia.org/
wiki/Anton_ Tchecov. Acesso em: 19/01/2013).

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