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Foi preciso esperar pela CRP de 1976 para que em Portugal, os tribunais administrativos se
incumbissem no poder judicial porque no quadro da CRP de 1933, porque como dizia
MARCELLO CARTANO «os tribunais administrativos eram órgãos da Administração no exercício
de uma função jurisdicionalizada». As funções eram jurisdicionais, os órgãos eram
administrativos. Em Portugal, os tribunais administrativos integravam-se na Presidência do
Conselho de Ministros, dependiam diretamente do Primeiro Ministro.
Enquanto no estado liberal o poder mais importante era o poder legislativo, agora o poder
mais importante de todos é o poder administrativo, o poder executivo. É através da
administração que se satisfazem os interesses, como diz um autor alemão aquilo que
caracteriza o estado social é ser um estado de administração. Gerou uma máquina
administrativa que é cada vez maior e que introduz novas formas, que introduz novas formas
de atuação não autoritárias, formas de atuação bilaterais, transforma depois o próprio ato
administrativo. O ato da administração prestadora é um ato que atribui bens e serviços, é um
ato favorável ao particular. Como é que um ato favorável pode ser imposto ao particular de
forma coativa? Não faz sentido. A administração produz atos unilaterais, mas não são coativos.
Em primeiro lugar não são coativos todos os atos favoráveis. Por outro lado, num estado de
direito a execução coativa só depende da lei é a lei que defende que o ato pode ser executado
coativamente, e lei também proíbe. Não é possível obrigar o que a lei proíbe, e por isso esta
ideia dos atos executórios é um disparate e sempre foi um disparate. É um disparate que tem
que ver com esta realidade da administração autoritária, que deixou de ser uma realidade com
a transição do séc. XIX para o séc. XX. Na nossa ordem jurídica a tripla definitividade não vale
nada, esta logica acabou quando surgiu o modelo do estado social liberal, já não é o modelo da
administração autoritária que vigorava.
Só em 1976 é que a CRP integrou os tribunais administrativos no poder judicial e a partir daí
mudou-se a natureza.
Quando em Portugal a discussão surge: a primeira tentativa de a limitar surge nos anos 80 – o
contencioso não era considerado processo, não há partes, a Administração não é parte. Para
se limitar a discussão, os intervenientes da discussão diziam que a discussão subjetiva/objetiva
só tinha a ver com as finalidades. O problema é que não era o fim, era a logica do processo que
tinha que mudar. Vieira de Andrade diz que do ponto de vista da finalidade também há fins
objetivos no processo administrativo. Mas a discussão não é o fim, não são os motivos da
atuação da administração.
O facto de se dizer que a última palavra cabe aos tribunais se não acabou com a competência
de julgamento dos tribunais, esse julgamento é administrativo, mas esse julgamento
administrativo que não está isento de um controlo judicionalizado. A partir dos anos 60/70
quando se salta para a 3º fase do contencioso também há a preocupação sobre que haja meios
suficientes para controlar a administração no quadro destes tribunais.
Há depois aquilo que correspondei aos anos 70/80 a fase da constitucionalização. Mas a partir
dos anos 90 há uma segunda subfase, dentro desta fase, que é marcada pela ideia de
europeização, porque surgem inumerosas normas, surgem inumerosas fontes de direitos, que
estabelecem regras processuais que alargam o processo administrativo e por outro lado o TJ
vai condenar os estados, nomeadamente Portugal, porque o MP não participava na votação.
Este 3º período – esta 1ª fase do 3º período é o período da tutela plena e efetiva do direito dos
particulares – período do crisma ou da confirmação do processo administrativo. Por um lado,
confirma a natureza jurisdicional do processo administrativo, mas ao mesmo tempo introduz-
lhe uma dimensão subjetiva (a dimensão da tutela plena e efetiva dos direitos).
Em PT foi a CRP de 1976 que, não apenas batizou, como crismou logo o CA, porque até aí o
Contencioso Administrativo estava ligado à administração. Com a revisão de 1989, a ideia do
compromisso da tutela destinada aos direitos dos particulares adquiriu uma nova lógica. Foi a
Constituição portuguesa que ao integrar entre os tribunais especiais o tribunal administrativo
e ao criar uma jurisdição verdadeira jurisdição – criou o Art.268º/4 e 5 CRP. Houve um
conjunto de alterações que surgem a partir dos anos 70. Estas alterações estão associadas
àquilo que o Professor Vasco Pereira da Silva designa de “Estado póssocial”. Esta realidade da
constitucionalização também tem outra explicação, porque há uma mudança da força da
Constituição e da relação da Constituição com o ordenamento jurídico.
Há um autor que diz que: “não há apenas esta dependência, há uma dupla dependência entre
o direito constitucional e o direito administrativo, porque o Direito Constitucional também vai
depender do Direito Administrativo. A efetividade da Constituição depende do direito
administrativo, o modo como a constituição pelos órgãos administrativos, e a forma como é
efetivada. Esta afirmação faz-se, num primeiro momento, através da constitucionalização, e,
no segundo momento, faz-se através da europeização. Neste momento estaríamos perante
uma mudança na União Europeia: a ordem europeia que, por um lado, tem primazia sobre os
estados membros e, por outro lado, ela mistura-se com os estados membros. a União Europeia
vai estabelecer normas de processo administrativo e vai criar novas realidades ao nível do
Contencioso Administrativo, porque era necessário estabelecer um sistema eficaz. Vai também
condenar os novos estados, a partir dos anos 80, por não terem contencioso administrativo
adequado. Há um conjunto de alterações que, por um lado, permitem que se fale no quadro
europeu que se fale de constituição europeia. Não há um texto chamado Constituição, não há
constituição em sentido formal, mas há regras sobre a organização política e direitos
fundamentais que constituem a sua Constituição. Há uma outra transformação que a partir
dos anos 80 vai introduzir mudanças no processo administrativo. O Professor Vasco Pereira da
Silva tem proposto que se diga que há uma dupla dependência entre o Direito administrativo e
o direito europeu. Dupla dependência, porque, por um lado, o Direito Administrativo
Português depende do Direito Administrativo europeu (ambiente, educação, agricultura,
pescas, ensino – Erasmus) e por causa disso o direito Português depende do direito da União
Europa.
• Foi preciso aumentar o âmbito do contencioso e introduzir a ideia de que o juiz goza de
poderes e, portanto, deve haver poderes processuais que permitam a anulação até à
condenação. O Contencioso Administrativo torna-se um processo como os outros, com partes
– não é apenas a natureza do processo que muda, pois muda também a estrutura.
• A verdadeira discussão é a da necessidade subjetiva de transformar o processo, criar um
processo de partes, atribuir a igualdade de posições processuais, criar uma realidade plena.
Isto surgiu no quadro da constitucionalização, mas depois isto foi completado no momento da
europeização.
• Se essa sentença não for cumprida há meios que, em última análise, passam pela
penhora de bens que está ao serviço da administração que não sejam bens do domínio
público. Estabelece-se a responsabilidade civil por incumprimento. Isto implica o
alargamento dos meios processuais.
• A partir dos anos 80, a União Europeia chamou a atenção, porque não havia tutela
cautelar (tutela que se destinava, no momento em que a sentença surge, ela pudesse
concretizar os seus efeitos). Em Portugal havia vagamente a suspensão da eficácia que
estava feita de tal forma que quase ninguém a suscitava. Portanto, era necessário criar
novos mecanismos cautelares.
• a transição do século XX para o XXI em toda a Europa se discutiu a necessidade de
alterar o contencioso administrativo e a necessidade introduzir normas que
consagrassem a tutela cautelar.
• Na altura, os processos urgentes /providências cautelares são influenciados pelos
mecanismos de natureza europeia. Em alguns casos, p.ex, o processo urgente do
contencioso pré-contratual resulta da aplicação da diretiva europeia; a intimação para
proteção de direitos fundamentais inspira-se numa providência cautelar francesa, não
é igual, mas uma mera aproximação; os mecanismos regulamentares são originários.
Há uma lógica que é a lógica de uma realidade comum que acontece no Direito
Administrativo. Em Portugal houve uma mudança radical: o recurso de anulação que
se transformou num processo de partes e o único meio que havia além deste era a
ação para defesa de direitos. Agora, a lógica que decorre do Art.268º/4 e que está no
Código de processo é aquela corresponde à norma do Art.2º que consagra uma norma
de tutela jurisdicional efetiva e que diz a cada direito deve corresponder um meio
adequado para a sua proteção. Na ação administrativa há só uma ação, mas nesta
ação pode-se pedir pedidos de condenação, anulação ou de simples apreciação, ou
seja, é um modelo que permite uma tutela efetiva.
• Em Portugal com a existência de autoridade privadas que exercem funções
administrativas, o ato administrativo pode ser um ato de um concessionário, um ato
de uma associação de bombeiros, entre outros. Há um conjunto de transformações na
própria lógica administrativa.
• Organização poder político – há novas realidades no quadro do direito público que
decorrem da alteração da administração – a administração passou a ser reguladora,
passou a ser multilateral, infraestrutural. Em vez de ser a Administração a realizar os
bens e serviços e a prestá-los, a Administração regula o modo de execução de certos
bens e fiscaliza o cumprimento das normas que estabeleceu. Ela cria as infraestruturas
para que os particulares e a Administração, em conjunto, exerçam essas atividades. P
1982 houve a 1ª revisão constitucional – esta alargou o âmbito do contencioso e tornou-o mais
subjetivo, mais a favor do novo processo administrativo. O legislador manteve a possibilidade
da justiça administrativa fiscal e pegou no direito fundamental e alarga-o ligeiramente.
Continua a ser um direito fundamental, mas diz 2 coisas: é contra ato administrativo,
independentemente da sua forma e vocaciona-se à defesa de direitos e interesses legalmente
protegidos. A primeira discussão que surgiu: se esta orientação devia ser interpretada no
sentido minimalista ou maximalista. Acabou por vencer a orientação mais ampla.
• Nesta norma não se encontram os poderes do juiz, mas sim os direitos dos particulares – “é
garantida a tutela efetiva e plena dos direitos dos particulares”;
• “incluindo nomeadamente” – o legislador exemplifica os casos mais importantes –
reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos; impugnação de quais atos
administrativo – qualquer ato seja de um subalterne ou superior hierárquico se lesa o direito
do particular é suscetível de impugnação;
AÇÃO ADMINISTRATIVA
Em Portugal, também, o principal meio de impugnação dos atos administrativos, até 2004,
chamava-se recurso direto de anulação – apesar de desde 1976 já não ser um recurso, mas sim
uma ação.
. Desde 2015, apesar de, aparentemente haver uma única ação, que se chama ação
administrativa, esta dá origem a 4 subações: a ação de impugnação e de condenação de atos,
de impugnação e de condenação regulamentos (existem dois critérios processuais – anulação
e impugnação - e só um substantivo - regulamento). O legislador como mistura os critérios
processuais com critérios substantivos, quando devia regular apenas o processo em função das
realidades processuais, cria uma confusão, que ainda não resolveu. O legislador, no quadro do
modelo inicial estabelecia regras que permitiam, ainda que com uma lógica esquizofrénica
criticada pelo Senhor Professor, uma tutela plena e efetiva dos direitos particulares. Isto
porque o juiz da ação comum, tanto podia atender a pedidos de simples apreciação, de
anulação ou de condenação, da mesma forma que o juiz da ação administrativa especial
também podia atender a todos esses pedidos e podia emitir sentenças de simples apreciação,
constitutivas ou de condenação. Apesar de tudo, o sistema funcionava.
Na lógica originária de 2002 a 2004, havia duas ações que permitiam todos os pedidos e davam
origem a todas as sentenças: desde pedidos simples de apreciação, a pedidos de anulação, a
pedidos de condenação. Por isso, a lógica da tutela integral dos direitos do particular decorria
através destes dois meios processuais: − Ação administrativa comum; − E ação administrativa
especial. A distinção esquizofrénica entre estas duas modalidades de ações era criticável.
sta reforma previa a necessidade da sua adequação e da realização de outra reforma que
adequasse as novas normas à realidade, sendo que isso foi feito depois com a “reforminha” de
2015. A “reforminha” de 2015 foi o resultado de um conjunto de transformações legislativas,
que vieram coordenar com a reforma do processo administrativo outros diplomas,
designadamente o Código de Procedimento Administrativo. O legislador acentuou esta
tendência latina, sendo que veio acabar com a dualidade esquizofrénica entre a ação comum e
a ação especial e criou uma única ação: ação administrativa. É algo, quanto ao Senhor
Professor Vasco Pereira da Silva, foi o melhor contributo desta reforma para o processo
administrativo. como o legislador tinha usado critérios processuais e critérios substantivos
para criar diferentes sub-ações em cada uma das ações, este critério estabelecia uma confusão
e criava sub-ações que eram verdadeiras ações. E isso sucedia no âmbito da ação comum e da
ação especial e continua a suceder agora no âmbito desta ação administrativa. Portanto, se o
legislador fez bem em ter abandonado a esquizofrenia e em ter deixado de utilizar expressões
incorretas, o legislador fez mal em não estabelecer regras acerca da ação administrativa
determinadas apenas por critérios processuais e em ter misturado os critérios processuais,
como são os critérios do poder do juiz, da simples apreciação, da anulação e da condenação,
com elementos substantivos, porque as arrumou relativamente às formas de atuação
administrativa (aos atos, aos contratos e ao regulamento) e combinou as duas coisas . Era
errado usar critérios substantivos, mas se só usasse estes critérios era errado, mas podia ser
lógico. É errado misturar critérios substantivos com critérios processuais.
Vejamos o que o legislador estabelece. O legislador vem consagrar, nos termos do CPA, uma
única ação administrativa, que está regulada nos artigos 37º e seguintes e, se olharmos para a
epígrafe destes artigos temos regras acerca do objeto, dos pressupostos processuais, do
andamento do processo (modificação do objeto do processo e regras acerca dos poderes dos
juízes) que podiam ser gerais e aplicadas a todas as ações, mas não é assim. Isto porque
algumas destas regras são aplicáveis a todas, outras são aplicáveis apenas quando não exista
outra regra e, por isso, são apenas aplicáveis ao domínio da responsabilidade civil, em parte
dos contratos e pouco mais. Isto introduz uma falta de lógica na organização do processo e
quando o legislador devia ter feito normas gerais e depois apenas adaptações especiais às
diferentes sub-ações, o que temos é a consagração de várias subações, que são ações
verdadeiras e próprias, que estão reguladas autonomamente, em termos complexos. Temos a
ação de impugnação de ato administrativo (impugnação é um conceito processual e, por isso,
o legislador devia ter juntado as ações de impugnação, quer fossem relativas a atos, a
contratos ou qualquer forma de atuação, ou seja, juntava-as todas e estabelecia regras
especiais depois de ter estabelecido as regras comuns dos artigos 37º e seguintes) e neste
processo de impugnação de ato ele regula tudo: artigo 50º é acerca do objeto e efeitos da
impugnação; artigos 51º, 52º, 53º, 54º, 59º, 60º relativos aos pressupostos processuais; artigo
61º, temos uma regra acerca da instância que regula a marcha do processo; regras relativas
aos poderes do juiz e aos efeitos da sentença. Ou seja, tudo o que teoricamente já estava no
artigo 35º.
O mesmo ocorre a seguir: condenação à prática do ato – mistura do critério processual com o
critério substantivo. O que deviam estar aqui, depois das regras gerais, eram as regras
específicas de todos os processos condenatórios, independentemente das formas de atuação.
O legislador faz o mesmo aqui: elenca todas as normas correspondentes a uma ação autónoma
e não a uma sub-ação.
A seguir, nos artigos 72º e seguintes, temos aquilo que aparentemente é uma nova subação,
mas é uma nova ação e aqui ainda se verifica um outro problema adicional: legislador juntou
dois critérios processuais (impugnação de normas e condenação, ou seja, pedidos de natureza
constitutiva e pedidos de natureza de condenação, que geram sentenças de caráter diferente),
mas uma única forma de atuação administrativa: o regulamento. E aquilo que aparece aqui é
algo desconchavado e também a repetição de normas em relação a tudo: artigo 72º relativo ao
objeto do processo, artigo 73º relativo aos pressupostos processuais, artigo 74º relativo a
prazos, poderes dos juiz e efeitos da sentença. E depois no artigo 77º, o legislador diz um
pouco de tudo e aplicam-se as normas relativas à impugnação que não são adequadas para a
condenação. Por isso, esta regulação é muito crítica na perspetiva do Senhor Professor Vasco
Pereira da Silva, sendo que o legislador devia ter organizado um Código de Processo apenas de
acordo com critérios processuais. O mesmo se diga quanto à ação relativa à dualidade de
execução de contratos: aqui, o legislador já não teve para se preocupar com esta ação, porque
esta ação, nos termos da lógica tradicional, não era uma ação específica do contencioso
administrativo, era a que cabia no processo comum do passado. Há ainda regras especiais, mas
a sua amplitude não é exatamente igual, mas temos os artigos 77º-A e 77º-B, relativos a
pressupostos processuais. Aquilo que está aqui, diria o Senhor Professor, se só tivessem sido
utilizados critérios processuais, poderia ser adequado, porque é a especialização em relação a
um contrato das regras processuais especiais que resultam da dualidade administrativa que
está em jogo. Agora, o que não faz sentido é dizer que há uma só ação e depois regular
autonomamente quatro ações. Em rigor, até são cinco, porque o que está regulado nos artigos
37º e seguintes, que aparentemente são cláusulas gerais, vão aplicar-se ao contencioso da
responsabilidade civil. Estão formuladas a pensar no contencioso da responsabilidade civil.
Olhando para os artigos 37º e seguintes, temos, desde logo, a norma de interesse processual,
que corresponde a um pressuposto processual que, de acordo com o Senhor Professor, agora
faz sentido existir autonomamente no processo administrativo.
O que acontecia com a impugnabilidade dos atos administrativos? As normas do artigo 51º/1
adotavam uma noção ampla de impugnabilidade do ato, porque o legislador de 2004 tinha
querido deitar para o lixo o ato definitivista: não havia definitividade horizontal, o particular
pode escolher se quer impugnar o ato no inicio, no meio ou no final do procedimento; não
havia definitividade vertical, o particular pode impugnar o ato do subalterno ou do superior
hierárquico; não havia definitividade material, porque o ato não é definição de direito, por
isso, o particular podia reagir em relação a qualquer ato. Esta é a opção correta, a que
corresponde ao ato administrativo adequado aos nossos dias. Isto estava de uma forma mais
ou menos bem expressa no texto de 2002 a 2004 e continua a estar no de 2015, embora com
algumas limitações. Por exemplo, a ideia de que o particular pode escolher o momento do ato
que ataca (pode ser o momento de abertura, intermédio ou final) e nunca é prejudicado por
isso, portanto, o particular tem uma verdadeira possibilidade de escolha. O que se faz agora é
estabelecer um limite prazo, no artigo 51º/3. Não há razão para existir uma regra deste
género. Ou se pode atacar em qualquer momento ou não, não fazendo sentido que tenha de
ser enquanto o procedimento existe. É uma limitação, mas não altera a regra, na medida em
que o particular pode escolher. Mas, tem de impugnar antes de terminar o procedimento. O
Senhor Professor não vê razão para esta limitação, a não ser uma razão ideológica. Esta
limitação não devia cá estar, mas também não é uma grande limitação, porque continua a
haver a regra de que o titular pode impugnar qualquer tipo de ato. Em relação à definição
material, mudou-se a formulação que lá estava acerca dos atos confirmativos. A ideia que lá
estava, da produção do efeito jurídico novo não tem de existir. E continua a haver esta ideia,
mas usa-se a expressão de ausência de caráter inovador para permitir a impugnação de um ato
de execução. Ou seja, a regra está bem.
Aquilo que lá está, por que razão é que ali está? Porque se olharmos para o que escrevem os
membros da comissão, têm noção restritiva do ato administrativo como ato regulador, mas
apesar de estar cá essa versão limitada, a solução consagrada é a de admitir qualquer ato
possível de produzir efeitos jurídicos, não alterou nada em termos substantivos, mas alterou
em termos ideológicos. Quanto à definitividade vertical, desde o segundo ano que sabemos a
existência das figuras de recurso hierárquico necessário, que é insconstitucional porque viola o
direito de acesso aos tribunais, o princípio da tutela plena e efetiva (o particular se não usou o
meio administrativo, não pode ir ao tribunal) e viola o princípio da desconcentração
administrativa. O legislador do Código de Processo em nenhuma das normas, na versão
originária e na versão de 2015 estabelece um pressuposto processual de impugnação prévia e,
na perspetiva do Senhor Professor, bem. Não só não estabelece esse pressuposto, como diz
que o particular pode, mesmo quando recorre administrativamente, impugnar
contenciosamente e, por isso, o recurso não é necessário, passando a ser voluntário. Segundo
o Senhor Professor Vasco Pereira da Silva, esta era uma solução adequada. Acontece que o
legislador de 2015 do procedimento (o mesmo que fez o processo), resolveu admitir que,
ainda que de forma limitada, podia haver recursos e reclamações. O Senhor Professor criticou
esta solução, dizendo que era inconstitucional e que não fazia sentido porque o Código de
Processo não estabelece este pressuposto processual. O Senhor Professor disse que era um
recurso necessário que é desnecessário, porque não tem consequências processuais.
O legislador que tinha, através do CPA, estabelecido aquele recurso administrativo necessário
desnecessário, agora reitera a ideia de que ele não é necessário para a impugnação e não cria
nenhum pressuposto processual relativo à necessidade de uma prévia utilização de um meio
administrativo. Não cria e bem. Uma garantia desse género, ou seja, necessária, por um lado, é
inconstitucional (por violação dos princípios constitucionais- tutela plena, sepração entre
administração e justiça e desconcentração administrativa) e, por outro lado, é ilegal, porque o
Código de Processo não estabelece esse pressuposto processual. Mais, o Código de Processo
até veio acentuar a ideia da desnecessidade
O que temos agora é que sobre a aparência de uma ação única que é a ação administrativa,
em rigor há 4, 5 ou 6 (consoante a nomenclatura) ações verdadeiras e próprias, com regras
sobre a integralidade dos respetivos elementos e, Ana Rita Santos 58557 / Bruna Gomes
Chaves 58430 / Marta Coelho 58096 / Marcelo de Sousa 59258 / Mariana Monteiro 58649
portanto, há uma quantidade de sub-ações que resultam da mistura dos critérios substantivos
com os processuais. O que o legislador devia fazer era usar os critérios processuais, que podem
ter diferenças consoante as situações e os pedidos. No entanto, o que não faz sentido é que as
diferenças que resultam deste Código misturem as duas coisas e gerem situações com grande
ilogicidade, do ponto de vista teórico, parecendo uma má decisão causadora de disfunções no
quadro do processo administrativo. Vejamos, nos artigos 37.º e seguintes que tratam da ação
administrativa, aparentemente, o Capítulo Primeiro tem as disposições gerais, que deveriam
valer para todas as sub-ações. Em rigor, o que aqui se faz não é isso. Não se estabeleceram
regras comuns a todas as modalidades da ação: o que foi criado foram regras avulsas que não
cabiam em mais lado nenhum e são utilizadas para todos os casos de sub-ações que não estão
especialmente reguladas. Em vez de termos regras comuns, temos regras que - sendo comuns
- podem ter uma dimensão limitada. Atentemos: o art. 37.º fala do objeto do processo e esta é
uma regra comum, que fala sobre a impugnação, a condenação em várias modalidades,
reconhecimentos de direito, entre outros, e aqui repete aquilo que diz no artigo 2.º do Código
de Processo. Aqui temos uma lógica completa e detalhada tratada nestas matérias. Contudo, o
artigo 38.º só trata do ato administrativo inimpugnável, ou seja, isto é uma regra que tem a ver
com o pressuposto processual, que é relevante sobretudo para a impugnação, aparecendo
aqui no quadro geral, como a regra geral (embora depois ao ler, o legislador preocupa-se mais
com a realidade das situações concretas, designadamente, com a responsabilidade civil). O art.
39.º, idem. O que está em causa é o novo pressuposto processual, que agora passou a existir
porque quando o interesse era condição de legitimidade, o interesse não era autonomamente
considerado e passou a ser. Mas o legislador escreve este artigo como se o interesse
processual fosse o pressuposto exclusivo das ações de simples apreciação e não é, é o
pressuposto genérico
Depois o legislador vai estabelecer esta completude, esta plena jurisdição, que agora passa a
corresponder à ação administrativa e vai começar por dizer que ela permite todos pedidos e,
no número 2 deste artigo 2.º, o legislador enumera de forma exemplificativa todos os pedidos
que é possível tutelar: a anulação ou declaração de nulidade na alínea a); a condenação à
prática de atos devidos; a condenação à não emissão de atos administrativos e, portanto,
proibir a Administração de ilegalidades; a condenação à emissão de normas; a declaração de
ilegalidade de normas; reconhecimento de situações jurídicas, reconhecimento de qualidades;
condenação à adoção ou abstenção de comportamentos; condenação da Administração às
condutas necessárias; condenamento da Administração aos deveres de prestar; condenação à
reparação de danos; problemas relativos à interpretação, validade ou execução de contratos;
restituição de enriquecimento sem causa; intimações da tutela de direitos; intimações para
obter informações; extensão dos efeitos de julgados e providências cautelares. O legislador
enumera de uma forma ampla para mostrar que agora o contencioso já não é de anulação - de
que o juiz já não está limitado nos seus poderes - de forma exaustiva e, mesmo assim,
exemplificativa a todos os pedidos que podem ser feitos à Administração nos meios
processuais de banda larga, como é o meio processual da atuação administrativa. Temos aqui
uma transformação: o processo passou a ser de plena jurisdição. Mas tão importante quanto
isto é que agora o legislador prevê no artigo 4.º a possibilidade de cumulação generalizada dos
pedidos e uma cumulação de pedidos, não só apenas em relação à mesma forma de atuação,
mas pedidos relativos a formas de atuação diferentes.
Este artigo 4.º mostra também que o critério não deve ser o da forma de atuação, porque
agora o objeto do processo é integral e irá reconhecer a integralidade da relação jurídica
administrativa, sendo possível e desejável juntar no mesmo processo pedidos relativos a um
ato procedimental, a um regulamento que precede a um contrato e a um contrato - todos eles
correspondendo à integralidade da relação jurídica do particular que leva a juízo e são
analisados num único processo. Agora a ideia é a de juntar numa única ação tudo aquilo que
diz respeito à relação material controvertida, à relação jurídica entre o particular e a
Administração, como se diz no Artigo 211.º, n.º 3 e que agora, no quadro do processo
administrativo, vai ser decidido de uma forma conjunta. Esta é a grande transformação da
justiça administrativa, ou seja, tudo o que antes era analisado "às pinguinhas" agora pertence
à integralidade do processo. O que é que acontecia antes? Antes o particular tinha apenas de
impugnar o ato e o juiz só conhecia a legalidade do ato e anulava o ato. Se o particular depois
queria executar essa sentença - que apesar de ser anulatória não corresponderia à sentença de
anulação, porque o ato em regra devia ser executado e o particular que era expulso da função
administrativa não bastava ser colocado de novo no papel em que estava em causa - era
preciso, como dizia o Senhor Professor Marcelo Rebelo Sousa que houvesse a reconstituição
da situação normal hipotética.
Passa-se à análise da ação administrativa que é, segundo esta Reforma de 2015, o único meio
processual principal atualmente existente no quadro do Processo Administrativo. Esta ação
administrativa está regulada nos artigos 37.º e seguintes e aparece como sendo uma ação
unitária. Esta solução é, do ponto de vista legislativo e lógico, mais adequada do que aquela
que existia em 2004 e que criava aquela distinção esquizofrénica entre dois meios processuais:
o meio processual comum e o meio processual judicial. São conhecidas as críticas do Senhor
Professor Vasco Pereira da Silva a esta dicotomia e a este nome dos meios processuais. Em
primeiro lugar, geral, comum e especial é algo que corresponde aos traumas da infância difícil
do processo administrativo. O processo de impugnação era um processo especial, tão especial
que o juiz não podia condenar a Administração, o juiz estava limitado à anulação dos atos
administrativos. O outro processo era o comum. Esta distinção que agora se afasta de forma
inequívoca, porque quer na ação comum, quer na ação especial, o juiz goza de plenos poderes
quer para anular atos administrativos, quer para condenar a administração. Ora se isto é
assim, não faz sentido usar as expressões do passado para distinguir duas formas de processo
que já não eram aquilo que inicialmente tinham sido. A ação comum era a ação em matéria de
atos e regulamentos, para além de ser a ação em que estivesse em causa o contrato ou
qualquer outra forma de atuação, mas que houvesse simultaneamente um pedido relativo a
ato ou regulamento, ou seja, 99,9% dos casos do processo administrativo correspondiam à
ação administrativa dita especial que era a ação comum do Contencioso Administrativo. Ao
que parece, e para satisfação do Senhor Professor Vasco Pereira da Silva, o legislador pensou
nas críticas do Professor quando modificou.
Portanto, o Senhor Professor Vasco Pereira da Silva diz que é capaz de perceber isto, embora
não ache que seja a realidade correta - o problema do legislador não é o de ter regulado
detalhadamente esta ação de impugnação “o velho”, mas sim o de não ter regulado da mesma
forma o tratamento das outras realidade “o novo” - , a ação de condenação e as diferentes
modalidades de subações. Além disto, o Senhor Professor Vasco Pereira da Silva mantem a sua
crítica anterior de que sendo um código de processo, as normas apenas são determinadas por
critérios processuais, logo o legislador devia ter criado uma única ação administrativa,
estabelecendo regras gerais comuns a todas as ações administrativas e depois estabeleceria
regras especiais em razão dos critérios processuais
CONTENCIOSO SUBJETIVISTA
O Senhor Professor Vasco Pereira da Silva acredita que subjetivista quer dizer que o particular
e a Administração são partes, porque há uma relação substantiva, sendo que esta relação
substantiva é levada ao processo e são partes em sentido processual porque têm uma posição
idêntica, têm a mesma possibilidade de se defenderem no processo e decidirem a sua visão
acerca do processo. Quem está em juízo é o particular de uma Faculdade por uma atuação
administrativa e do outro lado é a Autoridade Administrativa que praticou o ato e que vai
defender a legalidade desse ato, vai explicar o que é que praticou e vai defender a legalidade
acerca desse ato. Quanto ao objeto do processo, a lógica objetivista, considerava que estava
em causa apenas a legalidade do ato, aquele processo que não afetava a nenhum direito e que
não tinha sido praticado por ninguém, era apreciado de forma neutra e objetiva: se o juiz
chegasse à conclusão de que havia uma ilegalidade, o juiz apenas podia anular o ato, não podia
nem condenar, nem dar ordens à Administração. Era uma realidade que era analisada de uma
forma completamente objetiva, o juiz limitava-se a comparar a lei com aquele ato em questão.
Quer o pedido, quer a causa de pedir eram entendidos ou deviam ser entendidos (nem sempre
foram) nesta lógica objetivista. A causa de pedir era, sem mais, a ilegalidade do ato e o pedido
era,sem mais, a ilegalidade do ato. Não havia pedido mediato porque não se admitia a
existência de direito e a causa de pedir eram os vícios forma limitada de alegar a causa de
pedir enunciando as ilegalidades do ato) que levavam que o particular fosse a tribunal para
ajudar a Administração a descobrir a legalidade do interesse público. Logo, isto tinha uma
lógica que era puramente objetiva ou objetivista no quadro da realidade processual. Do ponto
de vista subjetivista, o que está em causa no pedido é, por um lado, aquilo que o particular
pretende para a tutela dos seus direitos: ele alega um direito lesado, que foi violado pela
atuação
administrativa. Portanto, ele vai pedir ao particular que anule, que condene, que declare um
direito, pois ele tem um pedido mediato, porque ele está a atuar para a tutela de um direito e
a causa de pedir corresponde a uma lesão que ele sofreu na sua esfera jurídica, a ilegalidade
que existiu lesou o particular e essa lesão ele alega através da causa de pedir. Como vêm
existem diferenças essenciais entre os dois modelos de processo.1 Há aqui, portanto, dois
modelos a contrapor, como vimos a Constituição Portuguesa escolheu o modelo subjetivista e
esta é uma opção constitucional, que vem logo desde 1976, e depois assume a sua
configuração mais completa em 1997 - a que temos hoje. Isto corresponde à transição que se
verificou em todos os países do mundo, à mudança do processo, processo que alargou o
âmbito da jurisdição administrativa, os poderes jurídicos tornando-se o Contencioso de plena
jurisdição e ganhando o processo um novo centro, utilizando uma expressão bem utilizada: os
direitos do particulares. Há agora uma nova lógica de conceber o Contencioso Administrativo
que tem por detrás esta dimensão subjetivista no quadro dessa realidade. Isto é
particularmente evidente quando olhamos para o nosso artigo 268.º/4 e o n.º 5 da CRP, onde
se começa por garantir os direitos dos particulares e diz-se que, para a tutela desses direitos, o
juiz goza de todos os poderes necessários e adequados para essa tutela, quer uma tutela por
via declarativa, quer uma tutela por via executiva, quer uma tutela por via cautelar. E aquilo
que o artigo 268.º/4 e 5 fazem é estabelecer de uma forma mais detalhada que outras
constituições, mas que se justifica pela história que já vimos em aulas passadas, da dificuldade
a implantar o processo. O juiz nessa norma, correspondente ao 19.º/4 do direito alemão e
normas que existem em todos os outros países europeus (os alemães falam na “norma
perfeita” e o Senhor Professor Vasco Pereira da Silva ironiza dizendo que a nossa é “mais que
perfeita” porque tem mais coisas). Esta realidade condensa o novo modelo de processo, isto,
em termos práticos, significa que a concretização desta realidade pode ser feita de maneira
muito diferente. É este o objetivo, é esta a realidade: um contencioso integrado para a tutela
dos direitos dos particulares; e esta realidade pode ser organizada de formas diferentes. Há,
designadamente, dois modelos: no primeiro, na falta de melhor designação, é o modelo mais
próximo do processo civil, mais processualista em termos civis que basicamente é o modelo
alemão. Este modelo, similar ao do processo civil, cria tantas ações quanto os pedidos feitos
pelos particulares e as sentenças são determinadas em razão dos pedidos.
No Direito Administrativo haverá muito poucos casos de atos que são definição do direito,
porque a administração usa o direito para satisfazer necessidades coletivas. É um ato de
satisfação de necessidades coletivas que é jurídico – não é um ato de definição de direito, pois
tal consubstanciaria uma sentença. Isso poderia levar à confusão tradicional entre ato
administrativo e sentença, daí essa ideia de definitividade ter deixado de existir. Mas o
legislador não se fica por isso, porque tradicionalmente dizia-se que havia aquilo a que, por um
lado, em primeiro lugar, o Professor Marcelo Caetano e depois o Professor Freitas do Amaral
chamavam a tripla-definitividade, ou seja, a definitividade horizontal. Tal significava que só era
impugnável um ato que punha termo a um procedimento, e os restantes eram irrelevantes;
estes podiam ser conhecidos a propósito desse ato, mas não podiam ser autonomamente
impugnados. Por outro lado, a definitividade vertical significava que o ato tinha que ser
praticado pelo órgão do topo da hierarquia, e portanto era a última palavra da Administração
em termos hierárquicos. E a definitividade material que correspondia à definição de direito
realizada pela Administração. Ora, se analisarmos as normas do CPTA, cada uma dessas
características é expressamente afastada. Nesse sentido, o artigo 51º prevê que, ainda que
não ponham termo a um procedimento, são impugnáveis todos os atos administrativos. O que
significa que o particular agora tem um direito de escolha - pode escolher impugnar o ato
inicial do procedimento, o ato intermédio ou o ato final. Qualquer ato, desde que lesivo (é o
critério constitucional) é suscetível de ser impugnado. A lesão não é uma característica
substantiva do ato, é algo que resulta da posição do ato. O ato que lesa independentemente
de qual seja ele é susceptível de impugnação e, portanto, não há aqui nenhuma categoria
substantiva, logo não há que “substantivizar” o ato processual. Acrescenta-se que não há
sequer necessidade de se falar em ato regulador, como refere alguma Doutrina,
designadamente, o Professor Sérvulo Correia e o Professor Viera de Andrade.
Mas, era preciso garantir também a situação contrária: se o particular não tivesse impugnado
um ato, ele não seria afastado da possibilidade de impugnar - caso, por exemplo, tivessem
passado os prazos de impugnação dos atos anteriores, pelo que já não poderia ser apreciado.
O nº4 do artigo 51º define que o particular pode sempre impugnar o ato final, mesmo quando
não tenha impugnado os atos anteriores e a propósito desse ato final, o particular vai analisar
todas as situações que resultam daquela situação jurídica que foi provada. No âmbito da
versão original de 2004 essa opção era total. Com a reforma de 2015, o legislador decidiu
introduzir uma ligeira limitação que, apesar de não ter alterado a regra, introduziu uma nova
limitação, que o Professor Vasco Pereira da Silva entende que é desnecessária. Esta limitação é
relativa aos atos que não são finais. E estabelece que, os atos que não são finais só podem ser
impugnados durante o procedimento e, caso termine o procedimento e for, mesmo assim, for
praticado o ato final, o particular deixa de ter escolha e passa a ter de impugnar
obrigatoriamente unicamente o ato final - apesar de, a propósito desse, ato final poder
suscitar questões de invalidade relativas aos atos anteriores – (51/3 14). Na perspectiva do
Professor Vasco Pereira da Silva, esta limitação não faz qualquer sentido. Contudo, tal
limitação não põe em causa a regra de que qualquer ato, em qualquer momento do
procedimento, na medida em que seja lesivo, é susceptível de impugnação contenciosa. O que
o legislador optou por fazer foi, verdadeiramente, afastar a regra da definitividade horizontal.
ara além disso, tais exigências limitam de forma inconstitucional o exercício do direito de
acesso à justiça – estabelecem uma restrição inadmissível ao conteúdo do direito – pois a
exigência do recurso hierárquico necessário significa que o prazo normal de impugnação, que é
de dois meses, fica reduzido a um mês, que é o prazo da impugnação necessária. Portanto, se
o particular não impugnava pela via administrativa dentro de um mês, não poderia impugnar
contenciosamente. Em virtude deste argumento, tais exigências são inconstitucionais e violam
o princípio da tutela efetiva do direito de acesso aos tribunais (consagrado no art. 268º/4 CRP),
segundo o pensamento do Professor Vasco Pereira da Silva E VIOLA AINDA A
DESCONCENTRAÇÃO ADMINISTRATIVA
Para o Senhor Professor Vasco Pereira da Silva há algum sentido útil na tal “necessidade” que
refere o CPA. Não se trata, contudo, de uma necessidade para impugnar contenciosamente,
mas sim de uma possibilidade. Ou seja, isso permite ao particular que haja um efeito de
natureza suspensiva. Mas o que é o mais importante, é o que se diz no nº5 do art. 59º, que
mostra a alternatividade e a irrelevância da necessidade. O nº5 diz que a suspensão de prazo
prevista no número anterior (ou seja, no nº4 do art. 59º) não impede o interessado de
proceder à impugnação contenciosa. Ou seja, o particular não está nunca impedido quer use a
garantia administrativa, quer use a garantia contenciosa, de usar apenas a garantia
contenciosa. Mais, caso tenha usado a garantia administrativa não precisa sequer de esperar
pela resposta da Administração e pode imediatamente ir a tribunal para pedir a impugnação
do ato, bem como a adoção de medidas cautelares - como estabelece o artigo 59º/5 Isto é a
prova provada de que na nossa ordem jurídica as reclamações e os recursos hierárquicos não
apenas são inconstitucionais, mas são também ilegais1 . Além de não serem um pressuposto
processual, aquilo que o CPTA consagra a este respeito é a ideia da alternatividade, ou seja, a
ideia de que, mesmo quando o particular use a garantia administrativa, nos termos do artigo
59º/5, não fica impedido de usar apenas a garantia processual, sem a necessidade de ter que
esperar por uma resposta da Administração. Reitera-se, mais uma vez, que estas impugnações
necessárias são inconstitucionais, ilegais, desnecessárias e inúteis, pois não produzem efeitos.
Se os ditos responsáveis queriam dar alguma importância às impugnações administrativas,
fazer com que elas fizessem algum sentido, mesmo sendo voluntárias, o que deveriam ter feito
não era estabelecer a necessidade. Era estabelecer que essas impugnações administrativas, à
semelhança das garantias administrativas do sistema anglo-saxónico, são posta perante órgãos
independentes, porque são órgãos independentes como tribunals e agency norte- americanas
que reapreciam a atuação anterior.
Tendo em conta o que o Professor Sérvulo Correia escreveu a este respeito, o legislador
decidiu retirar a menção da lesão do artigo 51º, para a colocar no artigo 55º, com isto, a lesão
passou a ser caraterística da legitimidade e não da impugnabilidade. A este respeito, o Senhor
Professor Vasco Pereira da Silva discorda de tal alteração legal e entende que esta alusão
deveria estar inserida no artigo 51º, onde estava na Reforma de 2004. Apesar de a lesão
constar no artigo 55º, segundo o Senhor Professor Vasco Pereira da Silva, na prática nada se
altera, visto que todo o regime está construído em função dessa lesão e se não estivesse
mencionada nesta sede, estava mencionada na Constituição. Coloca-se a questão, então
porque é que houve essa mudança? Devido à tal “reforma de professores”. O que ocorreu foi
que, o Professor Sérvulo Correia achava que aquela crítica era fantástica e aproveitou o facto
de fazer parte da reforma para a incluir no texto da mesma. O Senhor Professor Vasco Pereira
da Silva entende que o legislador não deve fazer isto. O legislador deve estabelecer as
melhores soluções possíveis e a doutrina é que as discute e as qualifica, mas infelizmente
muitos legisladores caem nessa tentação9 . Para além da impugnabilidade, existem outros
pressupostos processuais que iremos analisar, sendo a legitimidade um deles.
Aquilo que se fez nesta reforma foi dizer que o Ministério Público pode ser chamado a intervir
– no entanto, o Ministério Público não deve ter função de advogado. Estabeleceu-se o que o
Ministério Público tem legitimidade para impugnar normas administrativas – artigo 73.º. e
aqui o Senhor Professor Vasco Pereira da Silva considera que, já que se mexeu no Ministério
Público, também se deveria mexer na regra da ação popular.
E, esta reforma, em relação ao Estatuto, não mexeu grandemente nas coisas: fez alterações a
cosméticas, algumas más, as quais o Senhor Professor Vasco Pereira da Silva critica desde
sempre, nomeadamente a dualidade esquizofrénica entre contrato administrativo e contrato
de direito privado da administração, que foi ultrapassada com a noção europeia de contrato
público. Ou seja, no quadro dos contratos públicos, essa distinção esquizofrénica deixa de
fazer sentido, mas o legislador, quando, no artigo 4º, vem delimitar o âmbito da jurisdição
administrativa, fala dos contratos administrativos e dos outros contratos públicos regulados no
Código da Contratação Pública, ou seja, não alterou nada de substancial, porque, em regra, a
realidade continua a ser a mesma: os contratos antes considerados públicos ou antes
considerados privados da Administração são objeto do contencioso administrativo, mas
introduziu aquela expressão ideológica que não fazia grande falta. Esta foi uma guerra que se
estabeleceu e a solução encontrada em 2002/2004 foi a de que a administração, quando
quiser, ou contrata um advogado ou então é representada em juízo pelo responsável dos
serviços especializados para essa área. No entanto, manteve-se o Ministério Público para os
contratos públicos e para a responsabilidade civil - o Senhor Professor Vasco Pereira da Silva
considera que isto não fazia muito sentido porque o domínio dos contratos normalmente é
aquele domínio em que as entidades contratam advogado. A regra do recurso ao Ministério
Público não se adequa e o Professor também não percebe porque é que o Ministério Público
tem que ser patrocinador judiciário – o Ministério Público é parte e se é parte é para isso que
deve existir, não é para ser ao mesmo tempo parte e defensor da Administração, uma vez que
isso até pode criar um problema Constitucional.
Houve uma polémica, nos anos ’80, que colocou, de um lado, a Professora Maria João
Estorninho, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, o Doutor André Salgado Matos e o próprio
Senhor Professor Vasco Pereira da Silva. As coisas mudaram por força da União Europeia, que
quis estabelecer um regime para todos os contratos públicos, e a noção de contrato
administrativo era apenas conhecida em França, Itália, Espanha e Portugal. Portanto, a União
Europeia esqueceu-se desta realidade. A forma utilizada em 2002/2004 era aquela em que o
legislador apenas falava de contrato. O legislador de 2015, da Reforma de 2015, é um
legislador doutrinário – está preocupado com a doutrina e, como na comissão havia um
conjunto de Professores que defendiam o contrato administrativo, resolveram colocar a
expressão “contrato administrativo” no Artigo 4.º, mas meteram não consagrando o regime
passado. Dizem “contratos administrativos e todos os outros contratos regulados pelo Código
dos Contratos Públicos”, ou seja, todos os contratos da função administrativa e todos os não-
administrativos. Isto decorre de o legislador não ter mudado o nome dos antigos contratos
administrativos. Antes, eram os únicos que tinham regime público e, agora, todos os contratos
públicos têm regime público e todos eles são da competência dos tribunais administrativos. A
propósito das normas dos Artigos 77.º-A e 77.º-B, cumpre referir que quando se elegeu os
estudos dos contratos na Escola de Lisboa, uma das questões principais era saber quem é que
devia ser parte legitima nos contratos. Porque a lógica tradicional é que seriam apenas as
partes e as partes em sentido restrito, ou seja, aqueles que celebravam o contrato – a
autoridade administrativa e o particular que celebrava o contrato. Ora, isto era insuficiente,
pelo que era preciso alargar o âmbito da legitimidade, e essa foi a discussão que surgiu nos
anos ‘80 e ‘90 em Portugal.
No Artigo 77.º-A, a primeira questão que estava em causa prendia-se com o facto de se ter de
alargar o mesmo, fazendo com que todos aqueles que não participaram, mas que deviam ter
participado, também fossem partes legítimas, e, depois, em relação à execução dos contratos
de serviços público – por exemplo, um utente da Carris e do metro também é parte
interessada no que respeita à execução do contrato e, portanto, deve ter legitimidade para
impugnar as cláusulas do contrato. Devemos chamar a juízo todos aqueles que são lesados,
independentemente de terem assinado ou não o contrato. E o legislador agora faz isso,
sobretudo por influência do Direito da União Europeia. O legislador faz mais que isso, porque,
se lermos o Artigo 77.º-A, vemos que, ao lado destas partes entendidas em sentido amplo,
estão aqui dotadas de legitimidade processual entidades que não são partes, como o
Ministério Público, que é enunciado na alínea b) deste artigo e aparece na alínea h). E, em
relação ao n.º 3, o legislador, na alínea d), repete estas pessoas e entidades proferidas nos
termos do n.º 2 do Artigo 9.º. Neste ponto, o Senhor Professor tem dúvidas que seja uma
solução acertada. Primeiro, temos de perceber a lógica deste Artigo 77.º, que foi alvo de
discussão, e esta discussão levava a que se dissesse que é preciso alargar e que este
alargamento deve ser determinado por duas coisas: questões da validade do contrato e
questões da execução do contrato. A lógica era que, sobretudo se se tratar de um contrato de
serviços públicos, como tem um âmbito de aplicação mais amplo, devia haver maior
legitimidade no domínio da execução que no domínio da validade. Não faz sentido porque a
validade do contrato é uma questão que diz respeito àqueles que, ou são verdadeiramente as
partes, ou poderiam ter sido; já a execução diz respeito a todos os utentes, tal como no
exemplo da carris e do metro. Curiosamente, o legislador parece ter alargado mais a questão
da validade do que a da execução. Só que, se lermos bem as cláusulas, o legislador arranjou
cláusulas mais amplas no n.º 3, e elas correspondem às questões do n.º 2. Portanto, é mais
uma aparência do que uma realidade. Do ponto de vista lógico, o alargamento deveria ser
maior na legitimidade e o alcance ao nível da execução. Mas qual é esse alargamento?
O artigo 132.º fala dos procedimentos relativos à formação do contrato. Nos termos do
contencioso pré-contratual, o Senhor Professor Vasco Pereira da Silva criticou o facto do
legislador, no contencioso pré-contratual, não ter incluído todos os contratos regulados no
Código da Contratação Pública, ou seja, todos os contratos públicos. Aquilo que fazia sentido,
havendo um regime dos contratos públicos, era que o regime do contencioso pré-contratual
fosse aplicável a todos os contratos e não apenas àqueles que vêm referidos nos artigos 100.º
e 103.º-B. Mas, o legislador preferiu manter a esquizofrenia e, portanto, para esses casos
prevê processos cautelares que se associam ao processo principal. E, portanto, esta
esquizofrenia faz com que os casos que estão previstos no artigo 100.º,
casos de anteriores contratos administrativos (como a empreitada ou a concessão), mas
também de anteriores contratos de cuidados (como a locação, o arrendamento, a compra e
venda de imóveis ou o fornecimento), têm o regime do contencioso pré-contratual e,
portanto, dão origem a um processo urgente que, depois, pode ou não ser acompanhado na
ação relativa ao contrato. Em relação aos que não estão incluídos, nestes artigos 100.º e 103.º,
mantém-se o regime tradicional, ou seja, estas questões são resolvidas através do processo
cautelar e, depois, acompanhadas de um processo principal. Tratase de uma esquizofrenia que
não tem nenhuma razão de ser e que também põe em causa, se não a forma e a letra, o
espírito europeu que está subjacente às diretivas em matéria de contratação.
PROVIDENCIA CAUTELAR
As providências cautelares estão reguladas nos artigos 112.º e ss. do CPTA e elas
correspondem a uma transformação radical da justiça administrativa porque, já sabemos, não
apenas em Portugal, mas também nos outros países, nos anos 90 a jurisprudência europeia
condenou os diferentes Estados da UE por não terem uma adequada tutela cautelar dos
direitos no quadro da aplicação de normas europeias. E, portanto, aquilo que a UE fez foi
reconhecer aquilo que era manifestamente evidente, porque olhando para a realidade
portuguesa, o único mecanismo que existia, até 2004, era a suspensão da eficácia, o qual
estava construído de uma forma limitativa porque era muito difícil conseguir a verificação dos
pressupostos necessários à tutela cautelar. Mais, e pior do que isso: o modo como aqueles
pressupostos eram interpretados pela jurisprudência e as exigências feitas pelos tribunais para
a obtenção dos mesmos levava a que na prática nunca existisse uma verdadeira sentença de
suspensão da eficácia - o Senhor Professor Vasco Pereira da Silva até costumava dizer, antes
de 2004, que era mais fácil encontrar um tigre na Serra da Malcata do que encontrar uma
sentença de um tribunal administrativo que suspendesse a eficácia de um ato administrativo.
E, portanto, havia apenas um meio e esse meio nunca funcionou. Era uma situação gravíssima,
não havia tutela cautelar efetiva em Portugal. E a União Europeia veio dizer, e bem, que não é
possível existir justiça administrativa sem tutela cautelar.
Em Portugal, nos últimos anos antes da Reforma, a doutrina, procurando conseguir o apoio da
jurisprudência, tinha conseguido algum alargamento, mas era muito limitado. Aquilo que o
legislador processual vai fazer, em 2004, é alargar o processo cautelar. O artigo 112.º CPTA é
sintomático dessa transformação: até 2004, havia uma única providência cautelar restritiva e
limitada e desde essa data há uma substituição dessa lógica limitada por uma cláusula aberta,
a plasmada no artigo 112.º/1 CPTA e que é completada, nos termos do nº2, por uma
enumeração exemplificativa muito alargada de várias hipóteses possíveis em que o legislador
se preocupou em consagrar hipóteses que, no passado, tinham sido sugeridas pela doutrina
administrativista para alargar o domínio da tutela cautelar. Passamos, então, de uma fase em
que só havia um meio tipificado e limitado, para uma fase em que se consagram todos os
meios possíveis e necessários para a tutela do direito e, assim, passa a existir uma tutela
cautelar completamente aberta que prevê todas as hipóteses possíveis. O artigo 112.º/1 CPTA
é muito claro a propósito disto, vai mesmo além daquilo que prevê o processo civil. Vem dizer
que qualquer particular, dotado de legitimidade para intentar um processo jurídico, pode
solicitar a adoção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou
conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir:
todos os pedidos adequados a assegurar a utilidade da sentença. É uma cláusula aberta que
modifica radicalmente o regime. E é algo que decorre do Direito Europeu e que foi muito
criticado, sobretudo pelo Governo e por entidades administrativas, que se manifestavam
contra o facto de os tribunais poderem agora mandar parar uma ação administrativa. No
entanto, estes protestos que às vezes ainda surgem estão condenados ao fracasso porque, isto
é uma exigência europeia, não é possível voltar atrás enquanto Portugal estiver na União
Europeia.
uma realidade aberrante que deve ser melhorada, mas eliminar a tutela cautelar não é
possível, trata-se de uma regra essencial do Estado de Direito, como admitido pela União
Europeia. Voltando à cláusula aberta, o legislador não ficou por aqui. Para que não houvesse
dúvidas, veio nas alíneas a) a i) deste n.º 2 do artigo 112.º CPTA, fazer uma enumeração
exemplificativa. Em primeiro
lugar, surge a suspensão de eficácia, que era inevitável e, curiosamente, é a que levanta mais
problemas: como é aquela que normalmente é a mais utilizada, foi aqui que se introduziram as
maiores limitações para proteger as autoridades administrativas, mesmo quando não há
razões para isso porque quem vai decidir é o juiz, que vai comparar os interesses em presença
no quadro desta realidade. Mas, depois, cada uma destas alíneas corresponde àquilo que a
jurisprudência e a doutrina começavam a enquadrar e que a doutrina tinha defendido antes da
Reforma. Podemos até olhar para cada uma das disposições e ver uma "cara" atrás dela, ou
várias, correspondentes aos autores que já defendiam a introdução dessas alíneas: Alínea b):
“Admissão provisória em concursos e exames”. Trata-se de algo que é profundamente
essencial, quem defendeu isto em Portugal pela primeira vez foi a Professora Maria da Glória
Garcia. Alínea c): “Atribuição provisória da disponibilidade de um bem”. Aqui a pessoa alega
que um bem deve estar na sua titularidade e a tutela cautelar permite-lhe isso mesmo, de
forma provisória. Podemos encontrar nesta alínea refletida a postura do Professor Vieira de
Andrade, que tinha defendido isto a propósito de algumas situações concretas no quadro do
Direito português. Alínea d): “Autorização provisória ao interessado para iniciar ou prosseguir
uma atividade ou adotar uma conduta”: isto parece-se muito com a hipótese da alínea b), é
uma autorização provisória para iniciar ou prosseguir uma atividade que estava a ser exercida
e, por qualquer razão, foi descontinuada por decisão da autoridade pública. Só é possível
salvaguardar o efeito útil de uma decisão sobre isso se se recorrer à tutela cautelar. Aqui
também podemos encontrar as "caras" dos Professores Vieira de Andrade e Maria da Glória
Garcia. Alínea e): “Regulação provisória de uma situação jurídica, designadamente através da
imposição à Administração do pagamento de uma quantia por conta de prestações
alegadamente devidas ou a título de reparação provisória”. Sobre isto, houve um caso
português muito badalado nos órgãos da comunicação social: alguém que tinha sido burlado
por um banco, que tinha ficado sem dinheiro nenhum, um emigrante que voltou e que, tendo
ficado numa situação por burla que envolvia também a falta de controlo das autoridades
públicas, pediu o correspondente a uma pensão mínima de sobrevivência até ser decidido se
ele devia ou não ter direito àquilo que correspondia aos montantes de depósito que ele tinha
efetuado no banco e que tinha sido alvo de burla. É um caso que tem a ver com esta situação e
que faz todo o sentido.
Por último, surge aqui uma realidade nova que é uma intimação para adoção ou abstenção de
uma conduta, por parte da Administração, quando haja um alegado receio da violação (alínea
i). Esta norma, no início, dizia apenas respeito ao Direito português. Depois da "reforminha de
2015" acrescentou-se “do Direito da União Europeia”. E foi um bom acrescento: já sabemos
que o Direito Administrativo é também Direito Europeu concretizado, em que há a dupla
dependência entre o Direito da União Europeia e o Direito do contencioso administrativo
português e, portanto, há que reconhecer o mérito ao legislador de 2015, neste ponto. Esta
última cláusula é a mais discutida no quadro da reforma, até porque o Professor Freitas do
Amaral, num artigo publicado nos cadernos de Justiça Administrativa, faz aí o elogio destas
normas, dizendo que também contribuiu para estas e que era profundamente essencial o
alargamento da tutela cautelar. O Professor, que faz este elogio genérico do artigo, guarda um
conjunto de críticas muito fortes para esta última alínea. O Professor usa mesmo a expressão
“in cauda venenum” ao falar do artigo, procurando expressar, aludindo a esta última alínea,
como "o veneno está na cauda da serpente", e este "veneno" é algo que põe em causa o
contencioso administrativo. Para o Professor Freitas do Amaral, e com algum exagero, trata-se
de uma norma perigosíssima porque transformaria a realidade portuguesa no contencioso
britânico, em que qualquer autoridade pública tinha de ir a qualquer tribunal justificar-se,
através da providência cautelar, antes de tomar qualquer medida, o que implicaria alterar e
subverter o processo administrativo. Para o Professor Vasco Pereira da Silva, o Professor
Freitas do Amaral não tem razão nenhuma. O que está em causa é algo que era há muito
querido pela doutrina, não apenas no Portugal, mas também no estrangeiro.
principal ou na pendência do mesmo. Estas variadas possibilidades também vêm tornar efetiva
a tutela cautelar, enquadrada na lógica europeia. Estabelecem-se também regras relativas às
petições iniciais: há que indicar o tribunal, o nome, as entidades demandadas, os
contrainteressados, os outros sujeitos, etc. Prevê-se a existência de um despacho liminar e
estabelecem-se regras quanto à decisão. Uma regra que é muito importante referir, porque
nunca é cumprida, é a do artigo 119.º, que postula o prazo de cinco dias úteis para decidir. Se
olharmos para a realidade portuguesa, os processos cautelares estão a durar, neste momento,
à volta de dois anos, o que é muito grave quando estamos no domínio da tutela cautelar e
olhamos para a diferença entre o prazo previsto na lei e aquele que é efetivamente adotado.
Quanto aos critérios da decisão, no artigo 120.º, o legislador estabelece a regra que é típica de
qualquer processo cautelar e que obriga a repensar os limites dos poderes do juiz,
nomeadamente tendo em conta o artigo 3.º, que estabelece, em geral, os poderes do juiz,
porque havia lá uma exceção que agora aqui tem de ser invocada. É que estes critérios de
decisão vão fazer um juízo relativo entre duas coisas: as providências cautelares são adotadas
quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da
produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar
no processo principal. O que está em causa é o fundado receio de um facto consumado, algo
que não se possa resolver a seguir, e a existência de prejuízos de difícil reparação para os
interesses do particular - isto do lado do particular. Da parte do juiz, o que lhe cabe fazer é
comparar estes interesses com os interesses da Administração. No n.º 2 estabelece-se que a
adoção da providência ou das providências cautelares é recusada quando, devidamente
ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua
concessão, se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa. Ou seja, quando
o prejuízo para o interesse público seja manifestamente superior ao prejuízo dos particulares.
Aquilo que o juiz faz na tutela cautelar é comparar os interesses relativos em presença, o que
implica determinar quais são os interesses da parte que são mais lesados naquele processo, se
não for conferida aquela tutela cautelar. Estamos perante um juízo de comparação, um juízo
de mérito. Quando o artigo 3.º dispõe que o juiz administrativo decide em questões de
legalidade, e como já tinha sido referido, em aula anterior, pelo Professor Vasco Pereira da
Silva, há também aí um controlo do mérito. No quadro da legalidade, as transformações do
princípio da separação de poderes implicam que o juiz administrativo também controla o
mérito, quando esse mérito e questões de conveniência, se transformaram em problemas de
legalidade por serem enquadrados no âmbito de um princípio. A outra exceção que não surge
referida, mas devia surgir, é a tutela cautelar, porque aquilo que o juiz vai comparar é o mérito
relativo das duas pretensões: a pretensão do particular e a pretensão da Administração.
. O juiz não vai apreciar a legalidade da conduta da Administração, porque lesou o direito do
particular, isso é apreciado no processo principal. Aqui, ele vai apenas comparar os interesses
relativos. E é por isso que a decisão é provisória e, por isso também, há aqui um juízo que tem
de ser feito pelo juiz e é esta a razão de ser, a base da sustentação do contencioso
administrativo. Sejamos claros: não há aqui uma lógica de duas vontades contraditórias, não
há aqui uma lógica da prossecução do interesse público, da defesa da legalidade. Não há aqui
nada disso. Há aqui a ideia de ver quem é mais prejudicado pela produção de efeitos do ato
administrativo. E, portanto, temos aqui uma realidade que introduz uma nova dimensão do
procedimento cautelar, e faz com que ele seja verdadeiramente provisório, porque o particular
pode ganhar a providência cautelar, porque é o mais prejudicado, mas depois não obter ganho
de causa no processo principal e vice-versa, porque são dois juízos diferentes. iferentes. O que
está aqui em causa tem apenas a ver com a comparação das duas situações. É por isso que não
se compreende a lógica do artigo 126.º. Este artigo fala da utilização abusiva da providência
cautelar, e estipula o n.º 1 que o requerente é responsável pelos danos que, com dolo ou
negligência grosseira, tenha causado ao requerido e aos contrainteressados. Mas, causou
prejuízo porquê? Quem decidiu foi o juiz! Foi o juiz que comparou os interesses e que os
decidiu. . Nunca ninguém intentou a este processo, mas se alguém o fizesse, o que deveria
acontecer era responsabilizar o juiz por ato da função judicial. Perante uma decisão do juiz, é
ele o responsável.
Mas, isto vem preparar o disparate maior, que é o que vem previsto no artigo 128.º e que é
um disparate que põe em causa o Estado de Direito, porque o legislador, naquela forma
arrevesada que tem de construir os disparates, começa primeiro por dizer uma coisa boa e,
depois, a seguir estabelece uma exceção a essa coisa boa. A exceção é maior que a regra geral
e põe completamente em causa a mesma, acaba por consumi-la, pode até dizer-se que deixa
de existir regra geral. É uma realidade típica do legislador, principalmente do Direito
Administrativo. O artigo 128.º intitula-se “proibição de executar o ato administrativo”. Ora,
isto faz todo o sentido, se há um pedido de suspensão da eficácia, a apresentação do pedido
obriga a suspender. Porquê? Porque não existe privilégio de execução prévia e, portanto, se
alguém alega a ilegalidade, a Administração tem de suspender a aplicação dos seus atos. De
resto, esta regra, enquanto regra geral, é aquela que deveria existir em todos os casos, como
já defendia o Professor Vasco Pereira da Silva, no quadro da Reforma, e que corresponde à
lógica alemã. Se alguém se queixa de uma atuação administrativa, suspende-se a mesma. Mas,
a providência cautelar, que é a seguir determinada pela Administração, é para executar e o
tribunal tem o tal prazo de 5 dias para lhe dar razão e executar ou então não lhe dar razão e
manter a suspensão.
. E a exceção põe em causa a regra, em todos os casos. E, portanto, a regra não existe! Diz-se
“salvo quando a autoridade administrativa remeta a tribunal resolução fundamentada na
pendência do processo cautelar, reconhecimento que o deferimento da execução seria
gravemente prejudicial para o interesse público.” Ou seja, se a administração diz que é
prejudicial para o interesse público suspender a execução, e só porque a administração o diz,
não é por o juiz entender que esta tem razão no que diz, a administração diz que deve ser
suspensa e fica imediatamente suspensa. Isto significa que em 99,9% a 100% dos casos, em
que alguém pede a suspensão de eficácia, a administração, no prazo de dez dias, que é o prazo
estabelecido no CPA para estas normas, pede sempre a declaração de prejuízo, entregando um
formulário, para o qual já existe um modelo que está em todas as repartições públicas, e sem
justificar diz que há razões de lesão grave para o interesse público, logo eu devo poder
continuar este processo. E, portanto, o belo princípio da primeira parte do artigo 128.º é posto
em causa, pela exceção que passou a ser a regra geral.
O que está aqui em causa, e que põe em causa o princípio, é esta possibilidade de a
administração dizer: “eu quero executar”. Repare-se que a administração é a ré, e estamos
num processo cautelar, e é a ré que diz: “não me apetece executar” e o juiz não vê mais nada.
É um absurdo considerar que o processo cautelar é uma realidade que se passa entre os
sujeitos, o autor e a ré, sem intervenção do juiz. É o mesmo absurdo que justificava, há pouco,
a responsabilidade administrativa. Aqui este absurdo diz que a administração, que goza de
poderes de executivo, porque o nosso sistema é de execução, desde que a lei lhe dê esse
poder, diz: “eu quero executar” e executa. Isto é o mesmo que, no processo penal, o réu que
foi preso, preventivamente, dizer ao juiz que não gosta da comida da prisão e que, por isso, o
juiz devia mandá-lo para casa, porque vai de certeza ser absolvido, e o juiz manda. E, portanto,
no âmbito da decisão cautelar, de saber se há ou não prisão preventiva, quem decide acerca
do resultado dessa “providência” é o réu! É isto que o legislador diz aqui! A administração diz
que há interesse público e que, por isso, pode e quer executar. Isto tornou-se a regra no
Direito português, dos tais 10 dias para a apresentação deste pedido pela Administração que
diz: “eu quero executar”. E, portanto, na prática, quando ouvimos uma notícia em que o
processo entra em tribunal e foi suspendida a eficácia, não podemos acreditar, pois, o
suspendido é só a parte do início do n.º 1 do artigo 128.º, isso é que foi suspendido, mas
dentro de 10 dias a administração apresenta o pedido para executar e, por isso, vai executar o
processo.
Isto também é responsável por outra coisa: o processo cautelar transformou-se quase num
processo principal, porque os juízes pensando na suspensão da eficácia, dizem que está aqui
um préprocesso, porque o que este artigo 128.º prevê é que, depois, o juiz vá verificar a
validade da declaração da Administração e só depois de considerar que a Administração tem
argumentos para pedir esta declaração (os tais dois anos) é que ele vai finalmente decidir,
comparando os interesses, para verificar qual é prevalecente: se é o da Administração ou o de
um particular. Ou seja, a Administração, por sua vontade unilateral, diz “eu quero executar o
ato”, apesar de o particular ter pedido a suspensão da eficácia, esta declaração da
administração permite passar à execução, o juiz vai passar os próximos dois anos a saber se a
decisão está bem fundamentada, se foi um ato administrativo que foi tomado de acordo com a
lei, vai discutir a questão do ato e só depois de discutir a questão do ato é que o juiz vai dizer:
“bem, mas isto veio a propósito de uma tutela cautelar, vamos lá aqui comparar os interesses
do particular e da Administração”, ou seja, aqui o que era cautelar é relegado para segundo
plano e este processo que devia ser um processo cautelar e a decorrer rapidamente,
transforma-se num segundo processo principal que não conduz a nada. Daí o conselho do
Senhor Professor Vasco Pereira da Silva, aos seus alunos, para que evitem a suspensão
cautelar, aleguem tudo aquilo que podem alegar, no quadro do artigo 112.º, mas evitem a
tutela cautelar. Já se assistiu à seguinte situação engraçada: um especialista em contencioso
administrativo foi à televisão explicar a separação de poderes, dizendo: “julgam que ganham
alguma coisa com este pedido cautelar, não ganham absolutamente nada, a administração vai
imediatamente justificar um pedido de interesse público”, no dia seguinte, alguém que foi ver
o processo explicou: “não, o que foi pedido não é a suspensão da eficácia, foi outra
providência cautelar”, designadamente aquela última de que falámos há pouco do alegado
receio da lesão de direitos fundamentais e, portanto, como havia o alegado receio, o juiz não
utilizou as regras da suspensão da eficácia. E, de acordo com o Senhor Professor Vasco Pereira
da Silva, fez bem e, portanto, conduziu a uma decisão rápida
. E, portanto, isto é uma via que, à semelhança da francesa, permite a ampliação deste
mecanismo. E a prova de que isso é assim, é que o legislador prevê uma alternatividade entre
o uso do processo urgente e a providência cautelar para a tutela de direitos fundamentais, ou
seja, o que está aqui em causa é um mecanismo que, em primeiro lugar, depende de uma
opção do advogado e da pessoa que é lesada quanto a saber se quer uma resposta rápida, tem
meios de prova suficientes para a obter essa resposta rápida, por parte dos tribunais ou quer
eventualmente criar um efeito na opinião pública. Se assim for, deve optar por este processo
urgente. Se, pelo contrário, a prova é difícil e não tem elementos suficientes para provar aquilo
que pretende e está interessado apenas em obter a justiça, em termos normais, então deve
utilizar a providência cautelar. Está, então, inerente a este mecanismo uma lógica de
alternatividade, que também contribui para o seu alargamento, já que se aplica a qualquer
direito fundamental e, na nossa ordem jurídica, os direitos fundamentais têm uma amplitude
muito grande, que abrange direitos, liberdade e garantias, direitos económicos, culturais, etc.
A dimensão ampliativa deste mecanismo, por sua vez, deve conduzir a decisões céleres.
Também aqui se fala, à semelhança do que se fala em França, de decisões tomadas em 48h e é
possível ainda diminuir o prazo para a tomada de decisões, como se estabelece neste artigo
110.º. Efetivamente, pretendem-se decisões rápidas, que não impliquem análises detalhadas;
o objetivo é tomar decisões com celeridade, sendo que, depois, poderá sempre fazer-se uso do
mecanismo do recurso para corrigir eventuais erros tomados pelo juiz na apreciação das
causas. Na "reforminha de 2015", essa dimensão da alternatividade tornou-se ainda mais
evidente. O Senhor Professor Vasco Pereira da Silva já antes defendia que isso devia acontecer,
baseado naquilo que era a experiência francesa. O legislador da "reforminha", neste artigo
110.º/a) permitiu consagrar esta alternatividade porque diz que quando as circunstâncias do
caso não permitam ao juiz decretar uma intimação, este pode no despacho liminar fixar prazo
para o autor substituir a petição inicial para o efeito de requerer a adoção de providência
cautelar seguindo, se a petição for substituída, os termos do procedimento cautelar, ou seja,
prevê-se aqui que o juiz, quando considere que aquele processo não se coaduna com as
exigências da intimação, possa convidar à substituição da petição inicial. Ora bem, serve isto
para fazer a ponte do que vamos falar hoje: as providências cautelares. A diferença entre o
processo urgente e as providências cautelares tem a ver com o facto de nos processos
urgentes haver uma solução, uma decisão acerca do fundo da causa, ou seja, a causa fica
desde logo decidida e nas providências cautelares haver apenas uma decisão provisória
destinada a acautelar os efeitos de uma sentença futura. Enquanto a intimação conduz a uma
decisão de mérito, na providência há apenas uma decisão provisória para uma circunstância
que se manterá até à sentença, ou seja, uma decisão transitória que visa salvaguardar os
efeitos de uma sentença, no caso do exercício do direito de ação.
Porque antes, quando não havia partes, a Administração não contestava, e dizia-se que não
havia nenhum ónus contestativo (isto nos processos entre as partes) e que aquilo que a
Administração faz é apenas remeter o procedimento ao juiz, e não precisa de fazer mais nada.
Ela, em vez de contestar, manda o processo. O Senhor Professor Vasco Pereira da Silva dizia na
discussão, primeiro com o Senhor Professor Marcello Caetano e depois, em parte, com o
Senhor Professor Freitas do Amaral, que isso não fazia sentido. Claro que a Administração tem
sempre o ónus de contestar, mesmo que não houvesse o ónus de impugnação especificado, tal
como existe no processo civil, ou seja, se não se respondeu diretamente a um artigo invocado
pelo autor, não se tem imediatamente provada essa realidade. Isto não significava que não
houvesse o ónus de impugnação, porque ónus é a necessidade de ter uma conduta sob pena
de a Administração entender como provada a situação principal e isso existe sempre, quer
exista a sanção da impugnação especificada, quer ela não exista. No próprio processo civil, em
relação a pessoas coletivas públicas, considera-se que o juiz usa a sua livre convicção e não há
um ónus de impugnação especial, não tem necessariamente de não ter havido resposta a
todos os requisitos, não se considera que o único requisito é o ter contestado expressamente,
embora tenha sido em termos gerais. Portanto, faz sentido que no processo administrativo o
juiz tenha de facto a possibilidade de formar a sua convicção, e tem de exercê-la em sentido
daquilo que foi dito na contestação. E, portanto, o Senhor Professor Vasco Pereira da Silva
dizia que havia o dever de contestar e o ónus de impugnação, mesmo que não houvesse
impugnação especificada. Dizia, ainda, que a remessa do processo a tribunal, indicada pelo
Senhor Professor Marcelo Caetano, não tinha a ver com a posição de parte, mas sim com o
dever de colaboração. E foi isto que o legislador veio a consagrar. Agora, a Administração
contesta e há um ónus de impugnação do processo administrativo – é um corolário da
existência de identidade de parte - e diz-se neste artigo 8.º, n.º 3 que o dever de remeter o
procedimento administrativo gracioso, usando-se a expressão “processo administrativo
gracioso”3. Aqui, esta referência ao “processo” equivale ao procedimento, e o legislador
determinar que a Administração tem o dever de remeter a tribunal, porque isso corresponde à
colaboração com os particulares. Isto é a realidade adequada, e isto não tem nada a ver com o
sucedâneo da contestação. Não fazia sentido olhar para este dever e determinar que isto
substitui a impugnação que não existe. O ónus de impugnação não existe, porque a
Administração não tem de contestar. O Código andou bem neste quadro.
CONSTITUCIONALIZAÇÃO E EUROPEIZAÇÃO
Esta discussão, que é velha, não era discutida no direito administrativo, até porque a lógica
tradicional não tinha a ver com isto. O que estava em causa era o pedido e a causa de pedir
relativamente ao ato administrativo porque as partes não existiam e, portanto, tudo isto não
fazia sentido. A partir do momento em que faz sentido considerar o objeto do processo em
termos subjetivos e que o pedido e a causa de pedir têm a ver com essa relação entre uma
atuação administrativa ou uma omissão, o comportamento da administração e o direito em
particular, então aí é preciso começar também a discutir esta realidade. E de alguma maneira
há uma discussão que não tem a ver com isto, mas que tem existido no direito português e da
qual iremos abordar. Uma questão que divide a doutrina é a da interpretação a dar ao artigo
95º do CPTA. Trata-se de uma discussão entre o Senhor Professor Vasco Pereira da Silva e o
Senhor Professor Mário Aroso de Almeida, em que este último relatava, nas suas lições em
função da primeira versão do CPTA e que agora aparece um pouco mais disfarçada na versão
atual, uma vez que a reforma de 2015 resolveu parte da discussão. Mas ainda está presente
este impasse. Com isso, podemos dizer que a interpretação do professor Mário Aroso de
Almeida é mais processualista e a do Senhor Professor Vasco Pereira da silva é mais
substancialista, mas o Senhor Professor entende que quer em termos gerais, quer em termos
do processo administrativo, que a contraposição dicotómica entre pedido e causa de pedir;
entre conceção substancialista e conceção processualista não parece corresponder com a
realidade de qualquer forma de processo, seja a de processo administrativo seja a de processo
civil. Por isso mesmo, o Senhor Professor Vasco Pereira da Silva tende a pender muito mais a
posição de Mandrioli em que devemos conjugar as duas perspetivas (substancialista e
processualista) e dizer que as duas são o “verso e o reverso da mesma moeda” que é o objeto
do processo que é preciso analisar, tanto o pedido como a causa de pedir. E isso leva a que,
naquela conceção à cerca da causa de pedir que vai ser depois discutida no artigo 95º do CPTA,
o Senhor Professor Vasco Pereira da Silva entenda que faz sentido uma interpretação
ligeiramente mais substancialista e não uma visão mais processualista adotada pelo professor
Mário Aroso de Almeida. No entanto, em relação aos outros aspetos, o Senhor Professor
entende que a dimensão substantiva e processual, o pedido e a causa de pedir, devem ser
concebidos em termos relativamente idênticos, ou seja, com peso idêntico, no quadro da
filosofia do ónus. Isto é uma questão geral que o Senhor Professor chama à atenção.
Portanto, este modo de determinar a causa de pedir, que era um modo que procurava
corresponder a uma dimensão subjetiva no quadro do contencioso objetivo, está atualmente
afastada da nossa ordem jurídica. De resto, é essa a tomada de posição do legislador quando
fala no objeto e limites das decisões do juiz do artigo 95º do CPTA. Importa, agora saber a quê
que isso se refere. É que a sentença deve decidir sobre todas as questões que as partes
tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar senão das questões suscitadas.
Portanto, isto é uma realidade que introduz uma lógica que é subjetiva da teoria da causa de
pedir. E é também uma lógica que determina o princípio contraditório no quadro do
contencioso administrativo. Portanto, isto põe em causa a teoria tradicional dos vícios. Para
além de todas as razões que o Senhor Professor alegou (ser ilógica, irracional, incompleta e até
ilegal) há, também, um ponto de vista puramente processual que é enunciado nos anos 70 e
80 pelo doutor Rui Machete que quer dizer que a teoria dos vícios era uma forma limitada de
aceder à ilegalidade de uma atuação dos vícios. Portanto, em vez de ser uma janela aberta,
que era metáfora do doutor Rui Machete, era uma fresta que era utilizada para defender o ato
administrativo. Ora bem, o Senhor Professor Vasco Pereira da Silva sustenta que o modo como
o processo administrativo está construído assenta não nas frestas, mas num controlo através
da janela
aberta, um controlo integral da ilegalidade. Esta integralidade tem uma dimensão basicamente
subjetiva porque o princípio que resulta deste artigo 95º do CPTA é o princípio do
contraditório. Princípio em que o juiz vai apreciar todas as questões que foram suscitadas
pelas partes e vai ocuparse das mesmas. Há uma lógica que não é a lógica objetivista
tradicional de uma causa de pedir que correspondia à legalidade ou ilegalidade. Já não tem a
ver com a lógica intermédia, objetivista nem subjetivista que depois veio a prevalecer com
base na teoria do vício administrativo. Atualmente, estamos perante uma realidade em que a
ilegalidade vai ser integralmente apreciada, independentemente das frestas dos vícios e isso
simplifica muito as coisas, do ponto de vista da integralidade da apreciação e, também, do
ponto de vista dogmático. Não é preciso inventar invalidade para os vícios do ato, como
elucidou o Senhor Professor Freitas do Amaral. Não é preciso, também, para o Senhor
Professor Vasco Pereira da Silva buscar mais nada que não seja apreciar a ilegalidade tal como
ela existe. Até porque é isso que artigo 78 º do CPTA estabelece quando fala do pedido e da
causa de pedir e quando estabelece a causa de pedir nesses termos. Importa, agora, introduzir
apenas uma discussão. A questão que se coloca é saber como é feita a interpretação do artigo
95º do CPTA. Antes, constava do manual do Senhor Professor Mário Aroso de Almeida que o
artigo 95º/1 do CPTA tinha uma formulação idêntica, mas, no final, dizia “sem prejuízo do
disposto no número 3” e este excerto levava o Senhor Professor Mário Aroso de Almeida a
dizer que o número 3 era uma exceção em relação ao número 1, exceção esta que podia
introduzir uma outra visão à cerca da causa de pedir. O aspeto formal dessa discussão
desapareceu e deve ter sido por isso que o Senhor Professor Mário Aroso de Almeida deixou
de referir-se a esta situação como uma discussão polémica, mesmo que o modo como se
interpreta o número 3 continue a dar razões para divergir. O problema não é o que está na
primeira parte, que é uma lógica repetitiva e, portanto, o que ele diz no número 3 no início era
o que estava no número 1 e é bem, na opinião do Senhor Professor. Vem dizer-se que nos
processos impugnatórios deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham
sido invocadas contra o ato impugnado. Esta primeira parte, no fundo, é o que já estava no
número 1. Isto visa evitar a transformação do processo administrativo num processo de mera
formalidade, como às vezes é tratado, em que se faz tudo para não discutir o fundo da causa e
que não se discutem todas as ilegalidades que integram a causa de pedir. De acordo com o
Senhor Professor, isso não faz sentido porque o que acontecia muitas vezes é que o juiz
apreciava apenas uma causa formal, procedimental ou orgânica e não uma causa material.
Anulava, a administração corrigia e o particular poderia ir novamente a juízo, para o mesmo
ato, já tendo alegado a validade. Pretende-se que isso não aconteça e bem. Contudo, o
problema que ainda persiste e que deixamos para próxima aula é a segunda parte quando se
diz que o juiz pode identificar causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas.
Aqui o que está em causa é o modo como se concebem estas causas de pedir. Para o Senhor
Professor Vasco Pereira da Silva, estas causas de invalidade têm a ver com o juiz que conhece o
direito, poder qualificar diferentemente os factos e poder tratá-los de uma forma aberta e sem
os limites da teoria dos vícios. Para o Senhor Professor Mário Aroso de Almeida, por razões
que serão explicadas na próxima aula, ele entende que o juiz pode carregar factos novos no
processo. E isto, para o Senhor Professor, é uma violação da própria função enunciada.