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96 DISPUTA: O PAPEL
DA PESQUISA
ARTIGO ETNOARQUEOLÓGICA
NOS ESTUDOS DE
IDENTIFICAÇÃO E
DELIMITAÇÃO DAS
TERRAS INDÍGENAS
GUARANI ÑANDEVA
NO SUDESTE DO
ESTADO DE SÃO PAULO
Robson Rodrigues1
1- Doutor em Arqueologia pelo MAE/USP e Pós-Doutor em Antropologia pelo CEIMAM/FCL/UNESP.
GEA/CEIMAM/FUNDAÇÃO ARAPORÃ.
robson_arqueo@yahoo.com.br
Resumo ABSTRACT
Em diferentes períodos históricos as ter- In different historical periods the lands
ras da região sudeste paulista eram habita- of the southeast of São Paulo were inhabited
das por populações indígenas Guarani e que by the Guarani indigenous population,
durante o processo de colonização foram whom, during the colonization process,
transferidas para a Terra Indígena Araribá, where transferred to the Indigenous Land
município de Avaí, região de Bauru, centro Araribá, Avaí district, Bauru region, central
oeste do estado, local da criação de um dos west of the state, place of creation of one of
primeiros aldeamentos oficiais do SPI. O the first official SPI villages. The Guarani
próprio deslocamento Guarani pelo seu Ter- movement within their territory, demon-
ritório demonstra que eles sempre foram da strates that they always have been of the re-
região estudada e que não chegaram por searched region and that they did not reach
acaso ao local. As migrações aconteciam an- this place randomly. The migrations oc-
teriormente à chegada dos europeus, consti- curred before the Europeans reached the
tuindo-se em aspectos próprios da cultura area, being part of the specific aspects of the
Guarani. O que se pretende desenvolver Guarani culture. What we intend to develop
nesse artigo é o entendimento de aspectos in this article is the understanding of aspects
da dinâmica de ocupação Guarani Ñandeva of the Guarani Ñandeva occupation dynam-
no vale do rio Itararé, além de informações ics in the Itararé river Valley, including the
sobre o grupo no que diz respeito a dados informations of the group related to ethno-
etnoarqueológicos sobre a ocupação das ter- archaeological data concerning the occupa-
ras indígenas, tendo em vista os aspectos tion of the indigenous lands, including cul-
culturais, espaciais e temporais. tural, spatial and temporal aspects.
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várias e a própria tutela realizada pelo go- nos parâmetros exigidos por sua cultura.
verno brasileiro, através da criação, em Ao longo da pesquisa pretendeu-se des-
1910, do órgão SPI (Serviço de Proteção aos tacar como se manifestou a presença Guara-
Índios) e, em 1967, da FUNAI (Fundação ni na localidade ora reivindicada com a de-
Nacional do Índio), os Guarani encontram- nominação de Terra Indígena Itaporanga e
-se confinados, recolhidos, em pequenas al- Terra Indígena Barão de Antonina, bem
deias reconhecidas ou não pela administra- como, as muitas perseguições e imposições
ção federal. dos não-indígenas àquele povo, fruto do et-
O sistema capitalista, caracterizado prin- nocentrismo e do sistema capitalista (Rodri-
cipalmente pelo individualismo, pela explo- gues et all, 2010).
ração do meio ambiente e pela propriedade No decorrer da pesquisa desenvolvemos
privada, avançou em quase toda parte das uma análise caracterizando o Território
antigas terras Guarani, deixando-lhes pouca Guarani, explanando a localização geográfi-
ou nenhuma opção de vida e de movimento ca e histórica deste povo no Brasil e em ou-
relacionado com sua forma étnica. tros países, as suas migrações míticas e an-
Por meio de sua organização política, cestrais por esse Território, a sua presença na
por sua vez, passaram a lutar pela manuten- região atualmente reivindicada e que consta
ção de sua identidade e retomada de seus desde o período pré-colonial, os embates
territórios, aldeias e aldeamentos, em geral com os não-índios e o confinamento em al-
usurpados pelos não-indígenas e, muitas ve- deamentos, apresentando a vida no aldea-
zes, regularizados pelos Governos Estaduais mento de São João Baptista do Rio Verde em
(caso ocorrido em Barão de Antonina e Ita- paralelo ao controle ou tentativa de controle
poranga), em um franco desrespeito a ime- efetuado pelos não-índios. Além de discutir
morialidade desses povos quanto ao seu di- sobre o povoamento não-indígena e a reto-
reito originário às terras indígenas que lhes mada dos territórios Guarani, com base na
são necessárias para sua sobrevivência física memória oral de depoentes Guarani e não-
e cultural à qual têm direito conforme artigo -índios, para relatar a questão fundiária na
231, da Constituição Federal de 1988, na Terra Indígena Itaporanga e Terra Indígena
qual é enfática e clara: Barão de Antonina, propondo uma delimita-
São reconhecidos aos índios sua organização social, cos- ção territorial que dará conta de possibilitar
tumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originá- a reprodução física e cultural dos grupos
rios sobre as terras que tradicionalmente ocupam, com- Guarani que hoje ocupam a região do vale
petindo a União demarcá-las, proteger e fazer respeitar do rio Itararé (Rodrigues et all, 2010).
todos os seus bens.
Informações a respeito da ocupação
Em um movimento recente e para fazer Guarani Ñandeva no contexto do vale do
valer este artigo da CF/1988, os Guarani rio Itararé, além de informações sobre o
Ñandeva se deslocaram da Terra indígena grupo no que diz respeito a dados históri-
Araribá, para as Terras Indígenas de Itapo- cos sobre a ocupação das terras indígenas,
ranga e Barão de Antonina no intuito de re- tendo em vista os aspectos espaciais e tem-
tomar parte de seu antigo território. porais. Elementos a respeito do território
Durante esses longos e sofridos séculos e ocupado pelo povo Guarani Ñandeva na
apesar das perdas, os Guarani continuaram região de Itaporanga e Barão de Antonina,
lutando por sua liberdade de ir e vir e pela enfatizando sua permanência habitacional,
manutenção da identidade e do território foram sistematizados para caracterizar sua
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rado pelos pesquisadores como sendo a chado, 1973 apud Noelli, 2000:250),
porta de entrada dos Guarani para os atuais 1.195+/-80 (Brochado, 1973 apud Noelli,
estados de São Paulo, Paraná e sul do Brasil. 2000:250) e 850+/-150 (Brochado, 1973
Quando da chegada dos europeus na região apud Noelli, 2000:250). Estas informações
da bacia do Paraná, estimava-se que exis- apontam para uma continuidade ocupacio-
tiam mais de duzentos mil indígenas ocu- nal desta área, só sendo interrompida com a
pando toda a região (Mota, 2007; Noelli, presença européia no período colonial.
2000 e Brochado, 1984). Os Guarani realizam seus movimentos,
Como bem indicam as pesquisas arqueo- seja para visitar parentes ou mesmo religio-
lógicas, assentamentos de grupos Guarani sos em direção a serra do mar no litoral pau-
ocorreram ao longo de todo Paranapanema lista desde tempos imemoriais. Entre o povo
e seus afluentes e várias evidências apontam Guarani, o deslocamento populacional num
para uma grande intensidade de sua ocupa- determinado território, constitui-se numa
ção. Prospecções extensivas desenvolvidas das características de sua forma de vida, de
na região levaram à identificação de mais de sua forma de ser. As migrações acontecem
cem sítios arqueológicos, não deixando dú- dentro de limites geográficos que lhes são
vidas quanto a intensidade com que se pro- muito claros e se realizam em caminhadas e
cessou a ocupação de todo o vale por parte em visitas aos parentes, principalmente (Ro-
deste povo (Robrahn-González, 2000; San- drigues, 2001).
tos E Faccio, 2007). O contato com os não-índios teve influ-
Associado ao elemento material das pes- ência sobre os povos indígenas, especial-
quisas arqueológicas, definido pelas cerâmi- mente sobre os seus deslocamentos popula-
cas e líticos polidos, pesquisas etnobiológi- cionais. Doenças como a gripe, o sarampo, e
cas e de história indígena vem demonstrando outras, adquiridas pelo contato com “civili-
que os territórios de domínio de alguns po- zados” bem como a forma de vida capitalis-
vos Tupi eram lentamente conquistados, ta-individualista, empecilho à realização do
manejados e longamente usufruídos (Noelli modo de ser Guarani, provocaram a depo-
E Dias,1995). Noelli (1993), ao analisar os pulação, certo sedentarismo nas periferias
processos de ocupação territorial do povo de centros urbanos que se construíram em
Guarani, apresenta como termo mais ade- seus antigos territórios e, de certa forma,
quado para definir os deslocamentos deste acentuou o deslocamento geográfico dos
povo pelos territórios que iam ocupando, o que são sobreviventes para áreas menos pro-
conceito de expansão territorial. curadas pelos não-índios.
É certo, porém, que as datações arqueo- A frequência desses deslocamentos, de-
lógicas associadas aos elementos materiais terminada também pelas más condições de
da cultura Guarani mostram que este povo realização do ser Guarani, se modificou ge-
já estava instalado na bacia do Paranapane- rando também ajuntamento de grupos que
ma, desde 2.000 AP (Morais, 2000:215). antes tinham seus espaços próprios.
De acordo com as datações já realizadas Toda a sorte de dificuldades à realização
para o contexto do município de Itaporan- do modo de ser Guarani, causadas pelo con-
ga, o processo de ocupação espacial através tato com os não-índios, estimulou a busca
do tempo por parte do povo Guarani, desde da terra sem males no plano da realidade
a data mais antiga até a mais recente, corres- objetiva e não apenas da espiritualidade
ponde às principais datas 1870+/-100 (Bro- Guarani. Grupos de Guarani deixaram de
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Guarani, é bem provável que sejam os Tañy- sendo esses dois últimos afluentes do pri-
guá em sua migração. meiro. No ano de 1843, no município de Ita-
Em 1833, um outro grupo de índios Gua- peva, havia uma aldeia situada à margem
rani foi localizado nas matas do rio Juquiá esquerda do Rio Verde (“aldeia indígena do
(sul da Província de São Paulo). Estes índios, Capitão Manal”) e outra à direita do Rio Ita-
na década de 1840, também foram confina- raré. Estas aldeias distavam uma légua entre
dos no aldeamento de Itariri, em Iguape, li- si e doze léguas da residência do Barão de
toral da então Província de São Paulo. Antonina. “Esta aldêa com vinte e tantas ca-
Nimuendaju destacou que os Tañyguá sas está vantajosamente situada no lado es-
ao passarem pelo território dos Oguauíva (o querdo do rio Verde, tendo a poente uma ou-
Mbaracaý) perceberam que aqueles não sa- tra aldêa pouco menor debaixo dos mesmos
biam as danças religiosas relacionadas ao auspícios”. Na Comarca de Coritiba, um
mito da “terra sem mal”. Ao aprenderem pouco distante do Rio Itararé, havia uma ter-
com os Tañyguá, logo em seguida os Oguauí- ceira aldeia Guarani, que foi destruída num
va iniciaram a sua migração. embate com os “Guayanazes”. Do embate
Em 1830 a sua caminhada foi igualmente interrompida sobreviveram 28 índios que se juntaram a
na grande estrada de São Paulo ao Rio Grande do Sul, uma das aldeias citadas (Nimuendaju, 1987).
na região de Itapetininga. Os Oguauíva então retrocede- Assim, os deslocamentos dos Guarani,
ram um pouco na direção oeste, até entre os rios Taqua- no século XIX, para a região do Itararé foi
ry e Itararé, vivendo em bons termos na fazenda Piritu-
influenciado pela presença de seus parentes
ba, do Barão de Antonina, que solicitou ao governo um
por aquelas paragens, pois, as aldeias men-
missionário para eles. Em 1845 este chegou, na pessoa de
Frei Pacífico de Montefalco, que fundou no Rio Verde a cionadas e os muitos vestígios arqueológi-
missão São João Baptista, atual Itaporanga (Nimuenda- cos indígenas nessa área sugerem diferentes
ju, 1987:10-11). datações para os povoamentos indígenas. É
Os índios que caminhavam pela Comar- importante frisar a importância do desloca-
ca de “Coritiba” estabeleceram três aldeias mento Guarani em busca da Terra Sem Mal
próximas uma das outras nas adjacências e das visitas aos parentes, pois esses fatos
dos Rios Paranapanema, Itararé e Verde, ocorrem em terras reconhecidas na memó-
ria desses povos, se con-
figurando em seus anti-
gos territórios.
De acordo com as in-
formações registradas
por Nimuendaju (1987)
em seu mapa etno-histó-
rico, os Guarani já esta-
vam ocupando as terras
entre os rios Itararé e
Verde, onde hoje está o
município de Itaporanga,
no período anterior ao
ano de 1830.
FIGURA 2: Mapa etno-histórico de Curt Nimuendaju identificando o território Guarani A área em questão,
onde hoje se encontra o município de Itaporanga
durante o século XIX, es-
tava sob a órbita do que seria, a partir de rios Itararé, Verde, Apiaí, Apiaí-Mirim, Ita-
1853, divisa entre as duas províncias – São petininga, Turvo e Taquari (todos eles com
Paulo e Paraná – território tradicionalmente nomes de origem Guarani) perceberam a
Guarani. Os interesses dos não-índios eram vantagem do uso dos históricos conflitos ét-
vários: apossar-se das terras dos indígenas nicos entre Kaingang e Guarani para, literal-
para estabelecimento da lavoura e da pecuá- mente, ganharem terreno. Os Kaingang so-
ria capitalista; transformação do indígena breviventes do conflito desse período, século
em mão-de-obra barata; criação de rotas de XIX, uniram-se aos grupos de Salto Grande
comunicação, transporte e comércio entre do Paranapanema e àqueles que viviam nos
Mato Grosso, São Paulo e Paraná; proteção Vales dos rios Feio Aguapeí e do Peixe (Ro-
das fronteiras face aos vizinhos estrangeiros. drigues, 2003).
Região de aldeias e de caminhadas Guarani, No entanto, no decorrer do relaciona-
essa era objeto de implantação de políticas mento, as contrapartidas do não-índio fo-
capitalistas. ram rareando. Dessa forma, os Guarani per-
Para poder se fixar naquelas paragens, os ceberam que haviam sido enganados pelos
não-índios, tendo conhecimento dos confli- não-índios, pois esses queriam apenas a li-
tos deles com os grupos indígenas Kaingang, beração de mais terras e a expulsão dos
que também viviam nesse território, aliam- Kaingang. Conseguido esse intento descui-
-se aos Guarani e expulsam os Kaingang. daram da aliança e das promessas feitas aos
Isso feito, os não-índios rompem o pacto Guarani. Por outro lado, os Guarani, após a
celebrado e passam a expulsar, perseguir e aliança feita, precisavam muito mais da as-
escravizar os Guarani que já se encontra- sistência, pois estavam doentes, sujeitos à
vam enfraquecidos devido às doenças, da vingança dos Kaingang e com dificuldades
qual não possuíam imunidade. para viverem conforme suas premissas cul-
Segundo Frei Nelson Berto (1983:01), as turais (economia, língua, imaginário, costu-
tentativas do governo de criar missões indí- mes, pensamento) devido à presença cres-
genas para controlar os deslocamentos indí- cente e constante dos colonos (fazendas e
genas na Província de São Paulo fez com que cidades), suas plantas (café, cana) e seus ani-
os parentes Guarani viessem da Comarca de mais (gado bovino, eqüino, cachorros).
Coritiba, devido aos conflitos que travaram A aliança dos Guarani com os não-índios
com os Kaingang por lá. teve como conseqüências, entre outras, as
Em relação ao conflito Kaingang e Gua- doenças já mencionadas e a escravidão, ób-
rani, o que se observa é a rivalidade dessas via ou dissimulada, de Guarani na região de
duas etnias, com os Kaingang muitas vezes Itapetininga, Salto Grande e Itapeva (Pinhei-
vencendo os Guarani. Entretanto, isso não ro, 1992; Saint-Hilaire, 1972; Lima, 1978).
ocorreu na região de Itapetininga, pois os Famílias Guarani ou indivíduos viviam
Guarani uniram-se aos não-índios com o agregados às terras que se tornaram pro-
intuito de manter longe os grupos indígenas priedades dos não-índios, servindo às famí-
Kaingang, também habitantes da região, que lias na casa ou na fazenda. Alguns grupos,
se tornaram “o inimigo comum” para Gua- mais isolados, deixaram até hoje vestígios,
rani, posseiros, fazendeiros e agrimensores dessa fase do relacionamento, que podem
(Rodrigues et all, 2010). ser vistos na denominação de Mata dos Ín-
Os colonos não-índios do Médio e Alto dios para uma propriedade onde eles então
Vale do rio Paranapanema, dos Vales dos viviam.
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Essa região denominada Mata dos Índios gião se intensificou a partir dos anos 80 do
é bem conhecida pela população da região século XIX, o que desencadeou uma sequ-
do município de Itaporanga. Assim que os ência de iniciativas com a finalidade de ex-
atuais proprietários souberam do retorno propriação total do território Guarani.
dos Guarani para a região, eles removeram a De acordo com Mendes (1996), Jorge Se-
placa, mas deixaram os palanques que fo- ckler identifica a fertilidade do solo e lamen-
ram fotografados por esse Grupo de Traba- ta a ocupação indígena por não explorá-lo a
lho (Rodrigues et all, 2010). contento: “Entre o Itararé e o rio Verde há um
A comissão técnica da Inspetoria de Ter- extenso terreno de superior qualidade, muito
ras, Colonização e Imigração, criada pela próprio para a cultura do café, todo livre de
Secretaria de Agricultura para evitar um geada. Mede 33 quilômetros de comprimento
conflito maior entre índios e posseiros, sobre 3 quilômetros de largura. Este terreno é
identificou e delimitou um grande terreno ocupado pelos índios que pouca plantação fa-
conhecido por Mata dos Índios que “inicia- zem” (Mendes, 1966:78).
va-se aproximadamente a dois quilômetros A ocupação indígena nesta região sem-
da cidade do Rio Verde, estendendo-se até a pre foi contínua e ininterrupta e o processo
confluência dos rios Verde e Itararé. Coberto de expropriação das terras Guarani se deu
de espessas matas era habitado nas margens em etapas e durou mais de vinte anos.
dos dois rios por índios e invasores brancos” Segundo Nimuendaju (1987), e outros
(Mendes, 1996:79). documentos consultados, os Guarani aceita-
O mapa etnográfico organizado por ram o “auxílio” oferecido pelo latifundiário
Hermann Von Ihering (1911) identifica a e político Barão de Antonina pelo temor que
Mata dos Índios e outros assentamentos da os Guarani tinham em relação aos Kain-
ocupação Guarani na área definida entre os gang, pois haviam estabelecido aldeias pró-
rios Itararé e Verde, hoje município de Ita- ximas aos rios Verde e Itararé, durante a re-
poranga. alização do seus movimentos migratórios
O interesse em ocupar terras indígenas proféticos. Mas, segundo Amoroso, o conta-
por parte da expansão colonizadora na re- to do Barão com os Guarani e o patrocínio
de aldeamentos “foram concebidos como
uma solução para o povoamento do sertão
meridional, perigosamente desguarnecido às
vésperas da Guerra do Paraguai” (Amoroso,
1998:41). Sendo, portanto, de interesse do
governo manter os Guarani na região.
Hoje encontramos por todas a áreas dos
dois municípios relatos da população local
sobre a presença dos Guarani na região, bem
como outras evidências como o apareci-
mento de objetos e utensílios arqueológicos,
plantas sagradas e medicinais usadas por
esse antigo povo e, que após a sua passagem
pelo local, elas nascem, espontaneamente,
FIGURA 3: Mapa etnográfico de Von Ihering identificando o ter- por toda parte, especialmente onde eles vi-
ritório Guarani onde hoje se encontra o município de Itaporanga
veram mais intensamente, como é o caso da
planta do tabaco, usada nos rituais sagrados minhadas Guarani. Sendo território por
e encontrada pelos pastos da região, bem eles reconhecido, permaneciam o tempo
como outras apontadas pelos moradores lo- que quisessem no local que lhes era de di-
cais como medicinal e que seu uso foi apren- reito (Rodrigues et all, 2010).
dido com a tradição Guarani (Rodrigues et Vários grupos Guarani seguiram o ca-
all, 2010). minho dos Tañyguá e dos Oguauíva, entre
No entanto, há outros documentos que eles, em 1870, estavam os Apapocúva. Se-
destacam que os Guarani da região foram gundo Nimuendaju (1987, p. 12) os pajés
procurados pelo Barão de Antonina, que Apapocúva Guyracambí e Nimbiarapoñý
possuía o interesse claro em utilizá-los como rumaram para leste. Guyracambí tentou,
mão de obra em sua fazenda e como guias por duas vezes, ir em direção ao mar, mas
nas expedições exploradoras que promovia. foi impedido pelas autoridades brasileiras,
Segundo Pinheiro, o ato adicional de assim, ficou um período no aldeamento de
12/08/1834 deu às Assembléias Legislativas Jatahy, na província do Paraná, “onde fazia
Provinciais o direito de legislar sobre cate- oposição aberta à catequese” do missioná-
quese e civilização dos índios, juntamente rio Timotheo de Castelnuovo, talvez devi-
com o Governo Central. Esse fato transfere do à exploração da mão de obra indígena e
para a iniciativa privada local a conquista imposição do modo de vida do não-índio
dos territórios e o controle das comunida- aos Guarani, liderada pelo missionário
des tribais (Pinheiro, 1992:196). cristão.
Em 1845, foi fundado pelos Guarani, No Jatahy uma grande parte do seu bando desligou-se,
com apoio do Barão, o aldeamento de São buscando voltar para o rio Verde. Este novo bando esta-
João Baptista do Rio Verde, na confluência va sob a chefia de Honório Araguyraá, neto do afamado
dos rios Verde e Itararé. Além de viverem guerreiro Papaý que no princípio do século XIX foi o
terror do Kaingýgn. Até o ano de 1892 ele estava na vi-
nesse local, alguns o utilizaram como lugar
zinhança dos Oguauíva, mas sem se misturar com estes,
de passagem em suas caminhadas e outros
morando na parte mais setentrional do território indí-
ainda, como local de abastecimento de gena do rio Verde (Nimuendaju, 1987:12).
“bens civilizados”.
No final do século XIX, nota-se uma eu- Nimuendaju (1987) afirmou que a docu-
foria para que fosse povoada por não-índio mentação da terra doada pelo Barão de An-
e utilizada sob a forma capitalista a área ter- tonina para a formação do aldeamento de
ritorial que até então estava sob domínio da São João Baptista foi perdida, e, isso auxiliou
forma de uso indígena. O Barão, a Igreja os não-índios nas usurpações que se segui-
Católica, a constituição de vilas e cidades e ram. Parte desses índios, após dizimações
os agrimensores e bugreiros eram os atores por epidemias, mestiçagem e o desgaste das
da transformação almejada pelo poder pú- lutas contra as usurpações de suas terras,
blico e particular. estabeleceram-se no Posto Indígena de Ara-
O aldeamento de São João Baptista foi ribá, em 1912.
criado, bem como, outros na região do vale O aldeamento de São João Baptista do
do rio Itararé, mas, o movimento mítico- Rio Verde (1845) foi o primeiro a ser criado
-profético desse povo permanece ao longo no Vale do Paranapanema. Depois dele, fo-
dos séculos XIX e XX. Como já foi aponta- ram estabelecidos o de São Sebastião do Pi-
do, os aldeamentos criados seriam utiliza- raju (1854) e o de São Sebastião do Tijuco
dos como ponto de apoio e parada nas ca- Preto (1864).
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