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Lendas e contos do Alto Minho

Lara
Reis
Lendas e tradições do A.M

Índice:

Lenda da Cabeça da Velha 2

Lenda da Senhora da Peneda 5

Lenda de Viana 6

Lenda A Senhora das Neves 8

Lenda Santa Maria da Ínsua 10

Lenda do Juiz do Soajo 12

Lenda da Moira Encantada de Giela 14

Lenda Santo Aginha 18

Lenda Lobisomem da Junqueira 21

Lenda Os Lobos 24

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Lenda da Cabeça da
Velha

Era uma vez uma jovem chamada Leonor, de rara beleza e dona de fartos haveres.
Órfã de pais, vivia com um tio, D. Bernardo, num pequeno lugar situado na Serra da Peneda, no Norte
português, junto às terras da Galiza.
D. Bernardo, também ele abastado, tinha a sobrinha em muita estima e desejava, para ela, um
casamento feliz mas tardio, para poder beneficiar, até ao fim da sua vida, que prometia ser longa,
pois o fidalgo era, em extremo, robusto e saudável, dos cuidados e carinhos de Leonor.
A jovem, porém, já se havia enamorado de um seu primo, D. Afonso, moço belo e inteligente, com
nobre solar na região.
Conhecia Leonor os propósitos egoístas de D. Bernardo.
Mas o coração negava-se-lhe a acatar-lhe decisão tão cruel.
E, não resistindo ao sentimento que nutria pelo primo, passou a encontrar-se com ele, no mais
rigoroso segredo.
Tinha uma cúmplice, em tais arrebatados encontros.
Era Marta, uma velha serviçal do tio, que, havendo-a criado de menina, tinha por fiel confidente.
Marta alegrava-se de poder apadrinhar o amor dos dois primos, que a enternecia.
Temendo, no entanto, que a criada, pela fraqueza da velhice, alguma ocasião caísse em revelar ao
amo aquela paixão proibida,

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Leonor lembrou-se, gravemente, o mal que atingiria os três, se D. Bernardo soubesse da


desobediência da sobrinha.
Marta indignou-se.
A sua lealdade estava acima de qualquer suspeita.
E afirmou a Leonor:
- Minha ama: se alguma vez vos trair, ou for obrigada a trair-vos, que me transforme em pedra, como
essas dos cabeços, frias e rudes!
Um dia, D. Afonso esperou por Marta, no recato de um ermo, para lhe entregar uma carta dirigida a
Leonor, a rogar-lhe que fugisse com ele, numa noite próxima, libertando-a da tirania do tio.
E, na carta, indicava o lugar aprazado para o encontro dos dois fugitivos.
Ele levá-la-ia para o seu solar e lá casariam na capela que, como em todas as grandes moradias
fidalgas, se lhe avultava à ilharga, sempre florida e cuidada.
Marta recebeu a carta e regressou a casa.
Mas, de repente, saiu-lhe ao caminho, vindo do interior de uma mata, onde se entretinha a caçar, a
figura do amo.
Estranhou ele a presença da serva naquele local tão distante do solar.
E logo uma forte desconfiança lhe assaltou o espírito ao ver, na mão da velha criada, a carta secreta.
Com voz autoritária, exigiu que ela lha entregasse.
Marta procurou resistir àquela ordem que iria fazer a desgraça dos dois jovens e a sua própria.
Mas D. Bernardo teve artes de lha arrancar, lendo-a de seguida, com as feições transtornadas pela
revelação desse amor que ignorava.
Devolvendo, calado, a carta ao terror de Marta, afastou-se num passo incerto.
Marta pasmou daquele silêncio, supondo, porém, que D. Bernardo, pela muita estima em que tinha
Leonor, aceitara, resignado, os sentimentos dos sobrinhos.
E correu a entregar a carta comprometedora à sua querida ama, ocultando-lhe, todavia, o encontro
com D. Bernardo e a sua estranha atitude.
Na noite combinada, Leonor, embuçada numa capa escura e comprida, escapou-se do solar do tio,
não sem um olhar húmido de saudade, para procurar os braços de D. Afonso e o desejado enlace.
Na sombra, umas sombras seguiam-na ao largo.
Procurando por todas as salas desertas do solar a presença de D. Bernardo e dos criados, Marta
compreendeu, por fim, que o amo não perdoara aos sobrinhos e se dispunha a castigá-los, numa
emboscada vingativa.

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Correu, então, quanto podiam as suas pernas cansadas da idade, por desvios, por atalhos a avisar
Leonor e D. Afonso da cilada de D. Bernardo.
Chegou a tempo.
Sem atenção, D. Afonso sentou Leonor na garupa do seu cavalo, e, num galope alucinado, afastou-se
da perseguição do tio e dos seus criados bem armados.
Ao olharem, porém, para trás, para agradecerem a Marta aquela prova de lealdade que lhes salvara a
vida e o amor, apenas distinguiram a rijeza de uma pedra, onde se esculpia a face rugosa da velha
criada: o seu nariz adunco, a saliência do queixo.
A jura de Marta havia-se cumprido.
Feita pedra, a velha parecia despedir-se de Leonor e de Afonso, a cavalgarem já longe, com os seus
olhos cegos, que um manto de musgo começava a cobrir, macio e piedoso.

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Lenda da Senhora da
Peneda

Reza a lenda que enquanto uma criança pastoreava as suas cabras, a Senhora apareceu-lhe em forma
de uma pomba branca voando ao redor dela e, pediu-lhe que dissesse aos do seu lugar da Gavieira
para lhe edificarem naquele lugar uma ermida. A pastorinha foi ter com os seus pais e falou da
aparição da Senhora, mas sem efeito, porque não lhe deram crédito, não acreditando nas palavras
dela.
Noutro dia, voltando a pastorinha com as suas cabras por aquelas mesmas paragens, tornou- lhe a
aparecer a mesma Senhora na mesma lapa, não como na primeira vez, em forma de pomba (como
ela referia) mas na forma em que hoje se vê, e lhe disse:
- "Filha, já que te não querem dar crédito ao que eu mando, vai ao lugar de Roussas (que fica na
mesma freguesia de Gavieira) onde está uma mulher entrevada há dezoito anos e diz aos moradores
do lugar que tragam à minha presença, para que ela fique de perfeita saúde, e assim te darão crédito
ao que eu te ordeno."

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Assim o fez a venturosa pastorinha, e trouxe a mulher que se chamava Domingas Gregório. Tanto que
esta chegou à vista daquela Sagrada Imagem da Rainha dos Anjos, logo alcançou uma perfeita saúde
e ficou livre e sã de todos os males que padecia, louvando a Virgem Senhora pelo singular benefício
que lhe havia feito.
Nos dias de hoje, são muitos os devotos que louvam a Nossa Senhora da Peneda, tornando-se um
local de peregrinação e culto para milhares de fiéis.

Lenda de Viana

Era uma vez uma pequena povoação nascida na margem direita do rio Lima, junto à foz, quando as
águas doces e vagarosas se misturam com o bravio das ondas salgadas.
Chamava-se Átrio e tinha, sobranceira, uma montanha densa de arvoredo, onde, no alto, existira a
fortificação de um castro habitado por povos sem nome e que, a dada altura, desceram ao litoral,
buscando, na pesca, melhor alimento e mais comércio.
Era extremamente bela, entre veigas cultivadas, palmos de hortas viçosas, redis, pomares e vinhedos.
Mas a sua principal vocação era, sem dúvida, o mar, a pesca.
E, na extensão fina de praia, várias embarcações esperavam as madrugadas para serem lançadas às
vagas, com o afã dos remos, o aceno das velas e o espalhar das redes.Pelo entardecer, as campanhas
regressavam ao Átrio, para a alegria das mulheres e das crianças, com o fundo da embarcação farto
de pescado palpitante: a sardinha, o carapau, a faneca, o congro...

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Vinham, rio abaixo, muito habitante de outras povoações, para o abastecimento pródigo das suas
mesas.
Ora morava no Átrio, na modéstia de um casebre, uma linda rapariga chamada Ana, filha de pescador
e desenvolta na venda do peixe, sempre com uma canção nos lábios, ouvida a algum jogral chegado
da vizinha Galiza, onde animava os serões dos paços e os terreiros das romarias.
Escutava-lhe, deliciado, estas cantigas de amor e de amigo, um jovem barqueiro que, empunhando a
longa vara com que impulsionava o comprido barco de fundo chato, transportava, na correnteza do
rio, até ao Átrio, várias vezes por semana, lavradores e mercadores à compra de peixe fresco e
saboroso para dar prazer aos rigorosos jejuns.
De tanto escutar a voz harmoniosa de Ana e de admirar a graça, o rapaz começou a sentir pela
rapariga um amor que ia aumentando dia após dia.

Confessara já aos amigos e companheiros de lida o agrado desse amor nascente.


E estes, contentes com o seu contentamento, sorriam quando o moço barqueiro, ao voltar ao Átrio,
lhes atirava um brado feliz:
- Vi Ana! Vi Ana!
Um dia, porém, não se contentou em vê-la e dirigiu-lhe a palavra, num enleio que lhe corava as faces.
A rapariga percebeu, então, o vivo interesse amoroso do rapaz por ela, os olhos dele, brilhantes,
sobre o rosto dela, sobre os olhos dela, sobre os cabelos dela...
E o seu coração lisonjeado retribui-lhe esse interesse, retribui-lhe esse amor.
Não tardou em realizar-se a boda dos dois enamorados.
Durante os festejos, bebendo vinho acre e refrescante gerado nos parreirais da região, os
companheiros e amigos do noivo recordaram-lhe o brado entusiástico

- Vi Ana! Vi Ana!

O dito foi logo adotado pelos pescadores do Átrio que passaram a repeti-lo quando, vindos dos
trabalhos duros da faina, se lhes deparava o vulto acolhedor da montanha, as praias doiradas, as
veigas férteis, as águas lentas do rio e a paz dos seu lares:

- Vi Ana! Vi Ana!

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Ao conceder o foral à povoação da foz do Lima, em 1258, o rei D. Afonso III, que a visitara tempos
antes, extasiando-se com tanta beleza e prosperidade, substituiu-lhe o nome Átrio pelo de Viana.

Por certo, alguém lhe revelara aquele brado de amor.

E só amor merece terra tão abençoada!

Lenda A Senhora das


Neves

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Há muito tempo, vivia nas fraldas da Serra D’Arga, no local onde hoje está a capela da Senhora da
Serra, um pobre monge, metido na toca de um sobreiro velho, fazendo penitência e rezando pelos
pecados do mundo. Toda a sua atenção ia para Deus, prometendo grandes privações ao corpo, na
comida e na bebida. Vivia o santo do frade sozinho, tendo como única companhia uma pequena
imagem de Nossa Senhora, que carregara consigo do convento de onde viera.
Todos os dias o frade confidenciava com a Virgem os seus pensamentos e as suas orações. Havia-a
colocado num altar improvisado dentro da cavidade onde morava, para melhor a homenagear e
louvar, confiando na sua intercessão para conseguir a purificação total para si, e a salvação para os
homens.

Ora aconteceu que um dia, no maior pico do verão, no mês de Agosto, o frade sentiu uma sede terrível
que lhe afogueava a garganta. Bem queria o pobre do frade aguentar a sede, dando assim testemunho da
capacidade de sofrimento e de penitência com que queria presentear continuamente a Virgem e seu
bendito filho. Mas era de tal forma quente o dia, que resolveu suspender a dura penitência, para ir ali
perto, junto de um fonte bem fresca, apagar a secura que lhe afligia a garganta.

Quando regressou ao seu poiso, notou, com extrema surpresa, que a Virgem já lá não estava!

Entristecido e aflito, pensou logo que a Virgem o tinha abandonado, por não ter resistido à sede.
Ajoelhou-se com o rosto por terra, e suplicou à Senhora:
- Ó Virgem, Santa Mãe de Deus! Perdoai a minha falta de sacrifício! Por amor do vosso Santo Filho,
meu Salvador, não me abandones!
Nisto, ouviu um grande estrondo! Temeroso do poder de Deus, tapou o rosto com as mãos, até que o
silêncio voltou. Levantou lentamente a cabeça e olhou então para o alto. O sobreiro estava desfeito e
envolto em brancura! Era a imagem da Virgem rodeada de neve, fitando-o com extrema doçura! E se
aquele era um dia esbraseado de Agosto, logo se transformou em dia fresco e acolhedor, que nem a
mais suave Primavera.
Vendo tão grande milagre, pegou o frade na imagem da Senhora, e aí lhe construiu um lindo nicho de
pedra para a colocar. A partir daquele dia começou a chamar-lhe Nossa Senhora das Neves!

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Lenda Santa Maria da


Ínsua

Frei Diogo Arias olhou para a pequena ermida solitária, ali junto à foz do Minho, numa língua de areia
a querer invadir o mar. O santo frade tinha finalmente encontrado o lugar onde poderia entregar-se a
Deus e meditar as palavras divinas. Juntamente com um pequeno grupo de irmãos, aventurou-se até
à imagem da Senhora de Carmes e confiou-lhe o seu segredo. Servo do menino que estava ao colo da
Senhora, prometeu Frei Diogo que ali ergueria um convento, para, longe do barulho do mundo,
entregar-se à sua proteção.
Os irmãos que o seguiam, bem compreendiam e admiravam a vontade e coragem do seu patrono,
mas descriam das possibilidades de levar a bom termo tal propósito. Afinal, aquele lugar não era tão
sujeito aos caprichos e rumores do mar e suas tempestades? Como encontrar ali o sossego? Ausente
a vozoaria humana, como silenciar a dos elementos da natureza? E como se podia ali viver em
qualquer fonte de água doce?

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Frei Diogo pressentia a descrença dos irmãos, mas não via neles qualquer desânimo, O entusiasmo
com que levava por diante as obras e a fé que transmitia, iam contagiando, lentamente, todos os
frades. — Valha-nos Deus e a Virgem! Era o crédito para todas as dúvidas.
Ao longe passavam os marinheiros e pescadores, os quais, atónitos, iam registando os progressos das
obras. Grande coragem e fé teriam que ter aqueles frades, para desejarem viver tão pobremente,
sem comodidade e sem água doce, pensavam os homens do mar.
Acabadas as obras e celebrada a inauguração e dedicação da capela, foram, logo desde os primeiros
dias, surpreendidos os frades por tão doce quietude do mar. Mas a surpresa
aumentou quando, por mais alterado que fosse o mar, e a tormenta afastasse qualquer navegador,
dentro do convento, principalmente na capela, não se ouvia qualquer barulho! Era o silêncio um
convite à oração, que assim lhes permitia elevar o espírito para as coisas celestes! Aquele era na
verdade um lugar protegido e abençoado pela Virgem Senhora da Conceição, que frei Diogo Arias
havia colocado no altar da capela, e que agora recebia o nome do local: Senhora da Ínsua!
E se a alegria e a fé cresciam a cada dia nos corações dos irmãos, ela ficou para sempre fortalecida
quando Frei Diogo lhes indicou, a mando da Senhora que lhe havia aparecido em sonhos, um local
para escavar. Assim fizeram. Ainda a escavação estava no início, e logo um jorro de água doce a todos
maravilhou! Milagre! Foi este o grito entusiasmado e fervoroso de todos, pelo inusitado do local e
pela qualidade da água que aí brotava.
Pelas redondezas passou o relato de tal feito milagroso. Todos acorriam para ver e beber de tão
ditosa fonte, vindo esta a ser conhecida como “Fonte Milagrosa”, e as suas águas pretendidas para
todas as curas.
Junto à imagem, Senhora da Conceição, Frei Diogo Arias agradecia as graças concedidas pela Virgem
que, daí em diante, seria sempre a Estrela-do-mar para os mareantes e pescadores, e o último
remédio para a saúde de todos.

Lenda do Juiz do Soajo

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Era uma vez um homem chamado João Congosta que exercia as funções de juiz na vila do Soajo, situada
na aba da serra do mesmo nome, sobranceira ao Vale do Lima.

Isto passou-se há muitos e muitos anos, quando o Soajo era terra notável na defesa da fronteira com a
Espanha, com foral concedido por D. Manuel e pelourinho onde se executava a justiça.

João Congosta era homem inteligente e honesto, admirado pelo povo que lhe aprovava as sentenças,
quase sempre sobre pequenos delitos: o furto de um anho, por ocasião da Páscoa, ou de uns pés de
coives galegas pelos frios de Natal.

Mais sério, as sacholadas por via da mudança de um marco ou desvio de umas águas do regadio.

Mas, um dia, viu-se a braços com um crime grave, que pôs toda a vila em polvorosa: a morte violenta de
um lavrador soajeiro abastado, mandado assassinar por um fidalgo dos Arcos de Valdevez, que lhe devia
um grosso de moedas.

O caso levou seu tempo a resolver, com buscas e interrogatórios dos culpados, falsas juras de inocência,
provas forjadas, o diabo!

Todavia, João Congosta acabou por desdobrar a meada dos enredos e julgar, com saber e severidade,
condenando o fidalgo e os seus cúmplices à pena máxima.

O pior é que o principal criminoso tinha padrinhos na Corte, gente pronta a influenciar El-Rei contra a
sentença do juiz do Soajo, que descreviam como um pobre rústico, estúpido e ignorante.

Impressionado com tais palavras de mentira e de intriga, El-Rei remeteu o caso aos seus juízes que, por
sua vez, convocaram João Congosta para mais perfeitos esclarecimentos.

João Congosta era um homem simples e que apenas uma única vez saíra da sua vila, indo por dever de
profissão, até à vizinha Arcos, sede do seu julgado.

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Recebeu, pois, com desagrado, aquela intimação para se deslocar à Corte.

Mas, embrulhado na sua inseparável capa de estamenha usada nas audiências, ala!

Até ao porto de Viana, onde embarcaria para Lisboa, pois a viajem por terra era demasiado morosa e
insegura.

Desembarcado no Terreiro do Paço, a Capital perturbou-o, com o seu ruído, com o seu movimento de
cavalos, bois, carroças e carruagens, gente de tantas raças, envergando os seus trajos tradicionais, algum
animal exótico, para pasmo popular, e em mercado vivo e colorido, soltando os seus pregões, exibindo os
seus produtos do campo e de além-mar.

Depressa se dirigiu ao Paço Real, magnífico na sua arquitetura, atravessou, com dificuldade, as barreiras
da soldadesca, dos lacaios e dos pajens, chegando, por fim, ao vasto salão, onde o aguardavam os seus
colegas da Corte, comodamente refastelados em solenes cadeirões de magistrados.

João Congosta procurou o seu, para um descanso, mas, sobretudo, para a tranquilidade de melhor
ponderar e discutir.

Porém, todos eles se encontravam ocupados.

Os juízes da Corte não reconheciam, naquele labroste, vindo do cabo do mundo, sem modos nem
pensamento, o direito à dignidade de uma cátedra.

O juiz do Soajo não hesitou.

Tirou dos ombros a capa das audiências, dobrou-a bem dobrada, num aumento conveniente de volume,
pô-la no chão e sentou-se nela, ficando, assim, ao nível dos colegas, e aguardou que o consultassem sobre
os motivos e a justeza da sua sentença.

Com uma admiração que, pouco a pouco, se ia tornando maior e mais entusiástica, os juízes da Corte
viram que a sua própria experiência e sabedoria, e mesmo a manha com que obrigavam os réus a
contradições e confusões de espírito, nada valiam ante a limpidez de raciocínio, a agudeza dos
argumentos, o brilho da inteligência do parolo das serras, criado no convívio de gente boçal e entre
matagais selvagens.

Terminada a sessão, todos louvaram a sentença de morte dada aos três assassinos, louvando, também,
quem a proferira.

Levantou-se João Congosta e, com uma vénia, aproximou-se da porta de saída.

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Então, um dos presentes advertiu-o que havia deixado, por esquecimento, a sua capa de audiências no
chão do salão.

Com voz bem alta e clara, ouvida por todos, João Congosta retorquiu, numa lição ao desprezo de que fora
vítima, ao entrar ali:

- O juiz de Soajo nunca levou consigo cadeira em que se sentou!

Reconhecendo a grosseria que haviam cometido, os juízes da Corte coraram e baixaram os olhos, de
vergonha.

João Congosta não quis ficar um instante mais em Lisboa.

Tomou o primeiro barco para Viana e não tardou a voltar a gozar a beleza da sua serra, a entregar-se às
obrigações do seu cargo, a receber o respeito e amizade dos seus conterrâneos.

Lenda da Moira Encantada


de Giela

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Era uma vez um rei moiro, cujo nome se perdeu na memória dos tempos.

Viera d’além-mar, com outros reis e guerreiros da sua raça, levando de vencida o povo cristão até as
montanhas das Astúrias, onde este encontrou reduto e alcançou coragem para expulsar, por fim, o invasor e o
inimigo da fé.

O rei habitava um esplêndido palácio, rodeado de conforto e de riqueza, com os seus pátios rendilhados e as
suas fontes jorrando frescura, com os seus jardins aromáticos de flores, num lugar altaneiro, chamado Giela,
avistando a paz de um vale, por onde desliza, entre salgueirais, manso e transparente, o rio Vez.

Tinha o monarca uma filha muito famosa, que mantinha encerrada nas salas e aposentos do seu palácio, longe
das vistas dos seus vizires e cavaleiros, reservando-a para um casamento com algum califa vizinho que lhe
aumentasse a fortuna e o território.

Não lhe permitia, mesmo, assomar a uma janela para contemplar a paisagem que as aias e os criados lhe
diziam ser maravilhosa.

Um dia, porém, a princesa conseguiu que a obediência e simpatia dos seus servos lhe ajaezassem um dos
cavalos do pai e, ao raiar de um dia calmo de Verão, cavalgou, livre, sozinha, até às margens do Vez.

É difícil de imaginar o seu contentamento e o seu encantamento!

Desmontando do veloz ginete e descalçando a delicadeza das suas babuchas bordadas a oiro, mergulhou a
perfeição dos pés morenos na claridade da corrente.

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Súbito, ao erguer os olhos para a margem oposta, viu sair do bosque que a circundava um jovem cavaleiro
revestido de uma armadura prateada, montado num soberbo cavalo branco, de compridas crinas oscilando à
brisa matutina.

Era decerto um guerreiro cristão, perdido do seu exército.

Trazia na mão, coberta por um guante de ferro, um altivo pendão, desenrolando a heráldica de um brasão,
onde se enguia um castelo de oiro em fundo vermelho.

O cavalo branco curvou o pescoço elegante para beber, a largos haustos, a água límpida do rio. Então, os olhos
azuis do cavaleiro, como um céu muito puro, mergulharam nos olhos da princesa, negros como as trevas da
noite.

E dir-se-ia que uma flecha de amor atravessou, silvando, ambos os corações.

Nesse exato momento, surgiram, por detrás da princesa, duas dezenas de soldados moiros que,
respeitosamente, a convidaram a regressar ao palácio, onde o pai a esperava, numa preocupação.

Mas, vendo, na outra margem, o cavaleiro cristão, atravessaram o rio, com grande restolhar de água, para lhe
dar combate.

Ante o desespero da princesa, foi breve o entrechoque das armas, tão desigual!

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Feridos pela espada do cavaleiro, alguns soldados ficaram por terra, sangrando e gemendo. Mas os restantes,
em altos brados, foram em perseguição do jovem inimigo, que se embrenhou na mata, sem possibilidade de
despedaçar, um por um, aquele numeroso grupo de infiéis.

Lamentando um amor tão cedo desaparecido, a princesa voltou aos braços do pai, jurando, no entanto, jamais
conceder a mão de esposa senão àquele cavaleiro dos olhos azuis que lhe arrebatara o coração.

E, na esperança de o reencontrar, descia constantemente até ao Vez, e ali ficava carpindo-se, com os olhos
rasos de água, vendo-lhe as margens desertas.

Assim passaram anos.

Assim passaram séculos.

Mas, ainda hoje, na paisagem adormecida, há quem consiga adivinhar, junto à placidez do rio, um vago vulto
de mulher, com um leve véu ocultando-lhe a formosura do rosto, olhando fixamente o escuro arvoredo da
margem.

É a moira de Giela, aguardando que surja, do segredo da noite, um cavalo branco montado pelo jovem
cavaleiro de olhar azul, revestido de prata e trazendo, na mão, a heráldica de um pendão, onde, em fundo
vermelho, brilha um castelo de oiro.

Lenda Santo Aginha

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Há muitos, muitos anos, vivia na Serra d’Arga um perigoso salteador de estradas e casais, de seu nome Aginha.
Por entre os arvoredos, caminhos e casas da Serra corria o temor de algum dia ser-se confrontado com tão
perigoso meliante. A sua fama corria por todos os recantos, espalhando um misto de pânico e admiração. Já
ninguém se atrevia a cortar a serra sozinho e, muito menos, de noite. Contavam-se histórias e histórias dos
seus feitos, durante os serões da serra, ao calor das fogueiras. Os mais velhos, querendo o respeito e a
obediência das crianças, ameaçavam com a presença do Aginha. Mas estas, depois da repreensão, preferiam
brincar recriando as aventuras do malvado.

Quando menos esperava, o viajante via aparecer-lhe pela frente, de punhal em riste e chapelão, o malfadado
Aginha! E se não levasse consigo fazenda ou moeda, passava um mau bocado, porque o assaltante só desistia
da presa depois de a esbulhar, nem que tosse da roupa que trazia. Qualquer gesto de autodefesa era suficiente
para a aventura não ficar apenas pelo roubo. Ao maltratar as vítimas mais intimoratas, Aginha marcava a
fronteira do medo, e justificava a impunidade conquistada. Descia um dia, ainda noite alta, um frade do
convento de S. João para a missa da matina em Arga de Baixo, quando o meliante lhe saltou ao caminho. A
escuridão confundiu-se no hábito do frade. Aginha só reconheceu o homem de Deus quando o confrontou em
pleno caminho. Mas Aginha não era homem de grandes rezas, e seria muito mau para a fama conquistada, se
não fizesse o que sempre fazia nestes casos. Por isso, apontando o grande facalhão ao pobre do frade atónico,
exigiu o salteador:

- A bolsa ou a vida!

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A normalidade da sua exigência deu com a anormalidade do caminhante. O frade nem tinha bolsa, nem se
preocupava muito com a vida terrena:

- Ó meu filho, não tenho nada de valor comigo, a não ser as pobres vestes de frade e a cruz que trago ao peito!

De que lhe serviam tais «trastes»? Nem umas botas ele trazia! Aginha não sabia o que fazer, pois tal nunca lhe
havia acontecido. Vendo-o assim sem jeito e mudo, o pobre do frade lá foi conversando com o salteador,
usando palavras mansas e sábias, às quais, perplexo, o Aginha, sentado agora, respondeu com um longo
silêncio. Ainda hoje ninguém sabe o que o frade lhe disse! O certo é que, em puro milagre, decidiu abandonar
aquela vida de salteador! Caindo aos pés do frade, banhado em lágrimas de arrependimento, confessou os
seus crimes e converteu-se. Como penitência, impôs-lhe o frade a missão de permanecer na serra, ajudando
agora aqueles que antes havia maltratado.

Poucos dias depois, passou por ali um lavrador, decidido a atravessar a serra com um carro de lenha. Ainda
não era noite. Por isso, apesar de receoso, o nosso lavrador foi avançando apressado, como sempre fazia
quando passava por tão mal afamado sítio. Na pressa não reparou numa grande pedra do caminho que,
repentinamente, lhe tombou o carro em tremenda barulheira.

Não podia o dia ser tão azarado! Como podia aquilo acontecer mesmo ali! Depois de soltar dois ou três
palavrões, sempre olhando em volta, assustado, decidiu o lavrador que a única solução era levantar o carro e
atrelar novamente os animais o mais depressa possível. Mas como podia fazê-lo sozinho?

O estrondo do acidente atraiu Aginha. Vendo a incapacidade do lavrador, decidiu ir ajudá-lo, e assim dar
cumprimento à penitência prescrita pelo frade.

Quando os olhos do lavrador deram com a figura conhecida do Aginha, sentiu que o sangue lhe fugia pelas
pernas, e, por momentos, ficou petrificado, pois desconhecia a intenção do penitente. Julgava o lavrador que

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Aginha vinha para o maltratar, já que não o sabia convertido. Mais refeito da surpresa, e vendo-o sem guarda,
pegou na machada de cortar a lenha, e desferiu-lhe um golpe na cabeça, que o matou.

Angustiado por tão hediondo crime, apesar de se julgar em autodefesa, arrastou o cadáver para o matagal
mais próximo, e regressou, ainda assustado, à aldeia.

Passados dias, chegou à Serra d’Arga uma ordem do rei que prometia grande prémio a quem terminasse as
aventuras do temível salteador, O lavrador, ao ter conhecimento desta ordem, e desejando fazer-se ao prémio,
logo denunciou o seu feito heróico. Porém, chegados ao local onde tinha lançado o cadáver, povo e
autoridades ficaram estarrecidos ao ver o corpo intacto! Aproximaram-se mais um pouco e, segundo dizem,
sentiram que o corpo exalava um suave cheiro de flores silvestres, não obstante terem decorrido já alguns dias
após o trágico desfecho. A estupefação só ficou mitigada quando souberam, pelo frade, da conversão do
ladrão. Imediatamente o povo aclamou Aginha como santo, construindo ali uma capela em sua honra.

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Lenda Lobisomem da
Junqueira

O tio António saiu naquele dia chuvoso para a junqueira, para além da ponte sobre o Coura, mesmo junto à
Sra. da Ajuda. A necessidade de roçar um pouco de junco obrigava-o a manejar com força e destreza o
gadanho que levara junto com a foucinha. Fazia-o como sempre o fizera, mas naquele malfadado dia um cão
teimoso rondava continuamente e tirava-lhe a paciência.

- Sai cão!

Ameaçava com o gadanho levantado. Em vão! De olhos fixos no pobre do tio António, ora ameaçava um
pouco, avançando, ora recolhia mais ao largo. Isto sem nunca tirar os olhos do homem que o ameaçava.

- Sai! Olha que te corto uma perna, seu filho da mãe! Ou foges ou não sei o que te faça!

Nada! Aquilo estava a desesperar o trabalho. O que teria o raio do cão — pensava Tio António — para não
temer o gadanho ou a foucinha, e para o fixar com tanta raiva? Agora era o pobre do homem que estava a ficar
receoso. Não vira ele tantos cães a fugir diante de uma pequena vara, quanto mais do gadanho! Aquilo já lhe
estava a passar o entendimento e, num ato de puro desespero, lançou o foucinho ao maldito cão, fugindo logo

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de seguida sem olhar para trás. Ainda ouviu um latido dorido, mas, assustado, nem se importou em largar
tudo naquele lugar, voltando para casa. A mulher estranhou-lhe o comportamento, mas tio António não estava
para conversas. Tão cedo não voltaria à junqueira!

Os dias passaram e outras necessidades se apresentaram. Precisava de uns touros para substituir os que há
alguns anos o serviam. Um dia por ocasião da feira de Ponte de Lima, resolveu ir até lá para os comprar. Vestiu
roupa a condizer e partiu, montes fora, na graça de Deus.

Caminhava ele resoluto pelas veredas da Serra d’Arga, não sem um pouco de receio pelo que se dizia dos
meliantes daqueles lugares, quando lhe apareceu um senhor muito bem vestido no mesmo trajeto.

- Muito bom dia! Então o senhor o que é que anda a fazer por estas veredas?

Questionou o estranho!

- Venho comprar uns tourinhos a Ponte de Lima.

- Uns tourinhos? Porque é que não compra uns touros já grandes, prontos a trabalhar?

A conversa parecia querer ir longe! Tio António, cauteloso, lá foi respondendo:

- Não, que não tenho lá muito dinheiro! Com o tempo eu vou-os ensinando!

- Não! O senhor vai comprar, mas vai comprar uns bem fortes e grandes!

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Mas quem era aquele para lhe mandar fazer seja o que for? Quem é que sabia da Sua vida? Aquilo não estava
a parecer-lhe muito correto. E menos correto lhe pareceu quando o desconhecido o convidou para entrar em
sua casa, que ficava por ali perto, para comer!

- Ai isso é que não vou!

- Vai sim senhor! Vá, não tenha medo, pois faço muito gosto em tê-lo à minha mesa!

Ao ver a bela casa apontada pelo desconhecido, e vendo os criados que lhe vinham ao caminho, o tio António,
apesar de um certo medo por não o conhecer de lado algum, aceitou entrar.

Entrados na casa, o misterioso homem levou-o à adega, e disse-lhe:

- O senhor conhece aquilo que está ali pendurado na trave?

Com cara de espanto, o pobre do tio António só balbuciou:

- Conheço! Aquilo é meu! É a minha gadanha e o meu foucinho. Como é que vieram aqui parar?

- O senhor não se lembra? Então eu vou-lhe contar, O senhor não andava um dia a roçar junco na junqueira, e
não lhe apareceu um cão?

- Apareceu, apareceu! E eu atirei-lhe com o foucinho, mas deixei-o, pois tive medo que ele me fizesse mal!

- Pois então, meu caro amigo, esse cão era eu! O senhor acabou com o meu mal, libertando-me de tal fada de
lobisomem. E agora não vai comprar uns tourinhos... Vai comigo à feira e sou eu que lhos compro!

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Lá foram os dois a Ponte de Lima, onde o homem lhe marcou os melhores bois que havia na feira. Depois
ainda o acompanhou no caminho até ao alto do monte. Chegado a casa, contou tudo o que lhe passou, e todo
o mundo ficou admirado.

Lenda Os Lobos

No tempo em que de noite não havia luz em lado nenhum, os lobos vinham com frequência visitar as casas.
Nas noites escuras de Inverno, quando certos barulhos circundavam as casas, todos se arrepiavam, pensando
no lobo esfomeado.

As histórias de pessoas e rebanhos devorados pelos lobos ouviam-se com frequência junto à lareira. Naquele
dia o Agostinho tinha ido a Castro Laboreiro com o seu carro de bois. Ganhava a vida carregando feno, vinho
ou lenha dos montes. Camiões e camionetas era coisa que não existia. Nesse dia carregara o carro com uma
pipa de vinho para Laboreiro e, no regresso, para aproveitar o frete, trazia um carro de feno, abundante lá por
Castro Laboreiro. Já que tinha de fazer o caminho, assim ganhava duas vezes, ocupando sempre o carro.

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Quando regressou, como a viagem era longa e o caminho difícil para a segurança da carga, já fazia noite. Vinha
sozinho com os bois entrepostos pela ladeira a baixo, com um aguilhão pr’a picar o gado. No meio da
escuridão, o gado parecia conhecer melhor o caminho do que tio Agostinho, que ora seguia à frente dos
animais, ora se colocava ao lado, conforme os locais e a disposição.

Havia passado Lamas de Mouro e estava perto de Cubalhão, num sítio a que chamam «as Grandes Botas de
Cubalhão». Num raio de 4 ou 5 Km não se vê viva alma ou casa habitada. Ali não existe nada! As pessoas
diziam que aquelas «botas» eram muito medrosas por ali ter sucedido há muito tempo acontecimentos
estranhos com lobos. Conta-se que ali, numa encruzilhada, aparecia um lobo que comia as pessoas. Todo o
que por aquele local passava, a uma certa hora, era comido! É verdade que alguns diziam terem visto no dito
lugar botas, bocados de pés... Acontece que uma vez um homem muito valente, quando soube que tinha
aparecido mais umas botas e pernas disse:

“-Eu vou desafiar o lobo! Vou matar esse lobo maldito!” Ninguém queria acreditar no que estava a ouvir. Os
outros homens bem tentaram dizer-lhe que o que pretendia era uma loucura, e que iria morrer, como os
outros; que ele sozinho não conseguia matar o lobo. Mas ele fez ouvidos de mercador e, depois de se apanhar
com uma boa caneca de vinho, foi para a encruzilhada esperar o lobo, levando consigo um valente pau com
que estava habituado a lutar nas festas e nas feiras da região.

A dado momento apareceu o lobo. Assim que o viu, o homem levantou o pau, em posição de espera, ora
rodando à direita, ora à esquerda, na tentativa de não ser surpreendido pelo lobo. O lobo foi-se aproximando,
confiante, mas sem grande entusiasmo, como querendo estudar os golpes do seu adversário. O homem bem
tentava «botar-lhe» o pau, mas o lobo, de tão manhoso e inteligente, apanhava o pau ao homem com o rabo!
O pobre do homem por mais ágil que fosse, não conseguia acertar nem na cabeça nem no corpo do lobo,

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porque este desviava sempre o pau com o rabo. Durante a noite o homem foi lutando sempre, na expectativa
de acertar na cabeça, mas sem sucesso. Começava a ficar cansado e a baixar cada vez mais o vara. Parecia que
o lobo sabia o que estava a fazer: levar o pobre do homem a tal fadiga que, não conseguindo depois
defender-se, o poderia comer a seu belo prazer.

Na aldeia a espera já angustiava os mais hesitantes. Então, um dos amigos, foi atrás dele: -“Esse desgraçado
vai-se fazer comer! Deixa-me ir acudi-lo”. Pegou num outro pau e lá foi, não sem antes deixar de levar consigo
lume, para assustar o lobo. Quando chegou junto do amigo, estava ele ainda a lutar com o lobo, e o lobo a
deitar-lhe o rabo... Resolveu atacar o lobo pelo outro lado, a ver se lhe acertava na cabeça, pois ele não se
podia defender dos dois ao mesmo tempo. Desta forma conseguiram dominar o lobo e matar a fera que a
todos assustava.

Estava o tio Agostinho a pensar nesta luta, quando viu aproximar-se dele um grande cão, que logo viu ser um
lobo! Perante tal visão, sentiu um arrepio pelo corpo todo. Segurou com força o aguilhão do gado, e
colocou-se na frente dos bois, sem nunca tirar os olhos daquele animal que não deixava, agora, de o seguir.
Durante 2 km o lobo acompanhou-o, sem mostrar qualquer receio, nem esboçar qualquer ar de ferocidade.
Não teria ele fome? Estaria ele ali só para lhe lembrar que aquele era o seu território, exigindo o respeito que
lhe era devido? A resposta era difícil de encontrar, mas o certo é que, já perto de Cubalhão, às primeiras casas,
o latir dos cães aos barulhos dos rodados do carro fez parar o lobo. Tio Agostinho sentiu que o sangue voltava,
na certeza de que dali para baixo já não era terra de lobos.

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