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Caminhos do cinema angolano: uma análise crítica das principais obras sobre
produção cinematográfica de Angola.
Paula Faccini de Bastos Cruz1

Uma breve análise crítica da história do cinema angolano para conhecer sua trajetória,
compreender quem e por que as produziu, e a historicidade de uma identidade nacional
que se constrói com tal discurso. Utilizaremos o livro de Matos-Cruz e Mena Abrantes,
Cinema em Angola (2002), que se propõem a traçar esta trajetória, até a década de 1990.
Outro referencial é a obra de Ruy Duarte de Carvalho, A câmara, a escrita e a coisa
dita (1997), uma compilação de textos e palestras do autor. As comunicações
apresentadas por Mariano Bartolomeu, durante o Festival Internacional de Cinema em
Luanda (FICLUANDA), em 2008, são também analisadas. Acrescentaremos a nossa
análise bibliográfica interpretações realizadas a partir da palestra do cineasta Ondjaki,
transcorrida em novembro de 2011, no Instituto de História da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (IH/ UFRJ).
Palavras-chave: Angola, cinema e identidades.

A brief review of Angola’s cinema history in order to understand its trajectory,


comprehend by whom and why it was produced, and the historicity of a national
identity that is constructed in such a discourse. We will use (acho que “It will be used”
soa mais formal que “we will use”) the Matos-Cruz and Mena Abrantes’s book, Cinema
em Angola (2002), wich proposal is to trace this history, until the 1990s. Another
reference used is Ruy Duarte de Carvalho’s work, A câmera, a escrita e a coisa dita
(1997), a compilation of writings and lectures from the author. The papers presented by
Mariano Bartolomeu, during the International Film Festival in Luanda (FICLUANDA
2008), are also analyzed. It will be added, in our bibliographic analysis, the
interpretations made from the filmmaker Ondjaki’s presentation, elapsed in November
2011, in the Institute of History of the Federal University of Rio de Janeiro.
Word-keys: Angola, movies and identities.

Sobre a história do cinema angolano pouco foi escrito. No entanto, para analisar
as obras fílmicas angolanas é imprescindível conhecer a trajetória desta produção
cinematográfica, compreender quem e por que as produziu, a historicidade de deste

1
Programa de Pós-Graduação em História Comparada da Universidade Federal Do Rio de Janeiro
(PPGHC/UFRJ). Doutoranda Capes
sujeito que constrói tal discurso, e com isso contribui para a construção de uma
identidade nacional.
Na obra de Patrícia Ferraz de Matos, As cores do império: Representações
raciais no Império Colonial Português (2006), encontramos um estudo do que a autora
chamou de “sétima ‘arma’ do ‘colonialismo em ação’”, o cinema português feito em
África durante o período colonial. Sua análise sobre cinema como fonte histórica é
baseada principalmente na obra de Marc Ferro, partindo do princípio de que as obras
são uma construção, e como tal expressam aquilo que seu realizador deseja mostrar.
Porém não aborda os sentimentos, a historicidade das emoções causadas pelos filmes,
assim também como não considera a forma como o cineasta busca dar um sentido ao
passado, dados que acreditamos ser de alta relevância. Não nos estenderemos nesta
questão teórica aqui, apenas apontaremos na produção colonial os elementos que nos
ajudam a compreender as tendências narrativas e estéticas do cinema angolano, assim
como identificar o momento a partir do qual poderemos falar de um cinema
genuinamente nacional, e neste caso, a obra nos é satisfatória.
Segundo a autora, os primeiros registros de imagens em movimento em terras
angolanas foram feitos por portugueses, com o objetivo de “estudarem, formarem
quadros coloniais e darem a conhecer as colônias e seus habitantes” (MATOS, 2006:
69) - como suporte para propaganda do almejado Império Colonial. Gostaríamos de
lembrar que não existia uma tradição cinematográfica em Portugal. O cinema nacional
português surgiria de forma insipiente a partir de 1926, e apenas em 1948 teve
promulgada sua primeira lei de proteção. Entre as principais produtoras da época
estavam a Invicta Film, montada com técnicas francesas, e a Tobis Portuguesa, instalada
com o sistema Tobis Klang Film, com tecnologia alemã (MATOS, 2006: 96). França e
Alemanha foram, portanto, as principais influências da linguagem cinematográfica
portuguesa.
O documentário aparece como forma econômica e viável para esta arte ainda
não suficientemente desenvolvida em Portugal. Os pequenos filmes que mostravam o
comportamento dos nativos em seu “habitat” tinham o mesmo objetivo e eram
construídos da mesma forma que as fotografias do período feitas dos negros: o ângulo, a
postura, a própria interferência do observador constrangendo o observado levavam “a
condução de uma imagem pré-concebida”, que buscava demonstrar a inferioridade dos
negros, ou qualidades que justificavam sua dominação, sua utilização como mão-de-
obra escrava ou sub-remunerada. Assim, o que vemos é mais o olhar do fotógrafo sobre
o retratado, do que o retratado propriamente dito. Ainda assim, desde seus primórdios,
até mesmo quando ainda era produzido com fins de dominação da metrópole sobre suas
colônias, o cinema feito em e sobre África foi utilizado como veículo de construção de
identidade.
Em seu livro, José Matos-Cruz e José Mena Abrantes, Cinema em Angola
(2002), os autores se propõem a traçar a trajetória da produção cinematográfica de seu
país, desde o período colonial até a década de 1990. Eles fazem uma cronologia que nos
permite localizar na régua do tempo as principais produções do país. No entanto, é uma
obra extremamente factual e comprometida com a perspectiva do governo do
Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA), o que nos leva a manter
certo distanciamento crítico em relação ao viés claramente político do livro, e limita
nossa análise do ponto de vista estético. Mas este trabalho está inserido na tendência da
produção cultural do período que ele aborda, quando a maioria das realizações fílmicas
deste país foi produzida por instituições oficiais do Estado, sendo norteada por sua
política. Sob este aspecto, torna-se um texto fundamental para a compreensão desta
cinematografia.
Abrantes e Matos-Cruz relatam que, no ano de 1940, a Missão Cinematográfica
às Colônias de África, produziu O Feitiço do Império, de Lopes Ribeiro, o primeiro
longa-metragem de ficção feito na colônia. A narrativa se desenrola sobre “o itinerário
simbólico de um português, filho de emigrantes na América, o qual se debate entre o
anseio de naturalizar-se e a descoberta das raízes ancestrais” (ABRANTES, MATOS-
CRUZ, 2002: 11). Na verdade, este parece ter sido o único filme de ficção colonial
produzido no período - uma mistura de ficção e documentário, baseado no livro
homônimo de Ribeiro, e não tinha objetivos diferentes dos documentários de então:

(...) mostrar o ‘império colonial português’ como algo


fascinante e interessante e estimular a emigração dos
portugueses para a África ao invés da América (EUA e Brasil).
Além disso, evidenciava a unidade do ‘mundo português’ numa
altura em que as colônias estavam a ser ameaçadas por outras
potências. (MATOS, 2006: 103).

A grande maioria dos filmes produzidos desta década até a década de 60 teve
por trás o pulso firme do Ministério da Guerra, aliado à empresa Nacional de
Cinematografia, cujas produções foram marcadas pela coleta “de atividades em curso”
na colônia, como a produção agrícola e pecuária, a industrialização, o ensino, a ação
médico-social, e também por filmes recreativos para as tropas portuguesas que lá
estavam, com o intuito de “colaborar no moral e no bem estar” destas. Em Uma vontade
maior (Carlos Tudela, 1968), feito para a Liga Intensificadora da Acção Missionária
(LIAM)2, um homem devotado à língua-pátria e à fé em Deus dá exemplo de uma vida
digna. Como podemos notar, tratava-se de um cinema português, feito em Angola, e não
exatamente cinema angolano. Era ainda o cinema-propaganda, com fins políticos, usado
para fortalecer a dominação colonial.
A partir da década de 1970, o olhar norteador das câmaras em Angola começava
a mudar. O cinema passou a servir de testemunho etnográfico de diversas regiões de
Angola, buscando sobressaltar o exótico, mitos e rituais como a circuncisão, a iniciação
à puberdade, o casamento, etc. A exemplo podemos citar Esplendor Selvagem (Antônio
de Souza, 1972). Essa busca por autenticidade já era o início do longo caminho de
construção da unidade nacional. Os autores apontam este momento como o nascimento
do cinema angolano, quando foram produzidos “pequenos documentários sobre a
actividade guerrilheira anti-colonial, realizados pelo Departamento de Informação e
Propaganda do MPLA (Movimento Popular para a Libertação de Angola)”
(ABRANTES, MATOS-CRUZ, 2002: 21).
Portanto, a produção realizada por angolanos iniciou-se imediatamente antes de
sua independência. A filmografia deste período foi marcada por obras que buscaram
sublinhar a incompreensão da sociedade africana por parte dos portugueses
(Monangambée, Maldoror, 1971), mas, sobretudo, pela tomada de consciência de
angolanos na direção de sua independência. São muitos os filmes do período que

2
Criada em 1937, a LIAM, ligada à Igreja portuguesa, tinha por objetivo a evangelização missionária.
abordam este tema, principalmente aqueles realizados logo após a independência,
quando o MPLA chegou ao poder. Foi, então, fundada a Promocine, a partir de um
grupo oriundo da antiga Cinangola, que promovia cursos intensivos de imagem, som,
laboratório, etc., e a Televisão Popular de Angola (TPA), ambas ligadas ao governo. Na
verdade, houve um acordo efetuado em Portugal, na transição para a independência,
onde a pasta da informação ficaria a cargo do MPLA, e, desta forma, também a TPA. A
primeira transmissão deu-se em outubro de 1975, um mês antes da independência.
Procuraram-se, entre os militantes, aqueles que conseguiam de alguma forma trabalhar
com câmaras e nagras3 disponíveis. Eles contaram com a orientação de uma equipe
francesa. É por esta razão que não podemos afirmar, como o fazem os autores referidos,
que neste momento já existia um cinema genuinamente angolano, pois se, por um lado,
havia angolanos participando e orientando o que se filmava, por outro eles ainda não
tinham autonomia técnica e estética.
Assim se poderá resumir, em nosso parecer, o surgimento do cinema
angolano desde que não se perca de vista a participação de militantes
nacionalistas nas filmagens de documentários realizados por cineastas
estrangeiros na frente da Luta de Libertação. À cinematografia angolana
está ligada, como se vê uma característica predominante: a da urgência
(CARVALHO, 1997: 9).

A citação acima é da obra de Ruy Duarte de Carvalho, A câmara, a escrita e a


coisa dita (1997), uma compilação de textos e palestras do autor, outro referencial que
utilizaremos. Carvalho se dedica a realizar filmes etnográficos. Além de cineasta e
literato, o autor é antropólogo, e como tal expõem suas teorias acerca de identidade,
cultura, política, literatura e, é claro, cinema. Como os autores anteriores, ele possui
relações com a esfera política e cultural constituída pelo MPLA, o que ajuda-nos a
construir seu lugar de fala. Duarte fala de uma urgência que, como se vê, está ligada à
busca de formação de uma identidade nacional. Produz-se uma filmografia sobre
etnicidades regionais com cunho socialista que tinha uma importante função. Era o
cinema servindo como uma força criadora de fé na nova pátria que surgia, gerando

3
Nagra era um aparelho utilizado para gravação de sons sincronizados às imagens, quando não havia
tecnologia que já incluía a banda sonora.
confiança e otimismo, elementos fundamentais no processo de resiliência4 de uma
sociedade (CYRULNIK, 2009).
Neste período também foram feitos filmes sobre temas político-militares, sobre a
história do MPLA desde sua criação, festas de libertação e toda sorte de exaltação à
formação do Estado Angolano em títulos como, por exemplo, Resistência popular em
Benguela e Aprender para melhor servir (ambos de Antônio Olé 1975/76) ou Velhos
tempos, novos tempos e A luta continua (de Asdrúbal Rebelo, 1974/75). Havia também
uma preocupação em valorizar a cultura tradicional dos povos angolanos em todos os
seus aspectos positivos, expressa no 3ª. Plenário do Comitê Central do MPLA, e que
também teve repercussão no meio audiovisual.
As comunicações apresentadas por Mariano Bartolomeu sobre o cinema
angolano, durante o Festival Internacional de Cinema em Luanda (FICLUANDA), em
2008, são também analisadas. Bartolomeu é um jovem cineasta, produtor e realizador.
São dois textos curtos, porém, elaborados com questionamentos mais profundos que as
duas primeiras obras citadas. Percebemos que há uma mudança no conteúdo, pois
escreve após uma transição política e econômica da sociedade. É também a única
referência encontrada, até então, sobre a chamada “Segunda Geração”, na qual ele se
insere.
Bartolomeu aponta os anos de 1977/78 como tendo sido os mais produtivos da
história do cinema angolano, cujo carro-chefe foi os documentários de Rui Duarte. A
principal proposta do cineasta era mostrar a resistência, a reconstrução (ou construção)
da sociedade e também retratar sua militância. Havia também os filmes de Antônio Olé,
do mesmo período, e que se voltavam para a temática cultural. Neste mesmo momento
formava-se a equipe Angola – Ano Zero, que tinha como núcleo os irmãos Henriques
(Francisco, Carlos e Vitor), produtora de obras diretamente políticas, ligadas aos
problemas de defesa e segurança do país. A guerra civil que se iniciara em 1975 só iria
terminar em 2002. O principal inimigo do Estado, diga-se do MPLA, era a União
Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), liderada por Jonas Savimbi,
que tinha uma retórica afro-populista, apresentando-se como alternativa possível para

4
Capacidade de sobreviver a grandes traumas; refazer-se a partir do que há, do possível.
assumir o governo. Era apoiado em logística pelo regime do apartheid sul-africano e
pela CIA. A intenção do Ano Zero era “acompanhar a nível cinematográfico o
nascimento e desenvolvimento da Nação Angolana” (ABRANTES, MATOS-CRUZ,
2002: 31). Como se pode observar, todas as investidas em realizações cinematográficas
tiveram a preocupação de formar uma identidade, uma união, estimular a auto-estima e
o otimismo, mesmo que ligadas à política, seja como propaganda ou intervenção.
Logo a seguir, a Promocine se dissolveu, doando seus bens para o recém-criado
Laboratório Nacional de Cinema (LNC), uma empresa estatal. Foi criado, também, o
Instituto Angolano de Cinema. O primeiro tinha como objetivo produzir cinema,
enquanto que o segundo traçava as políticas que este devia seguir. Foi um período
marcado pelos documentários e por jornais de atualidades. O Estado estava, então, forte
e politicamente engajado na indústria cinematográfica, utilizando o cinema como
“instrumento de mobilização ideológica e de comunicação de ideias ao público”
(BARTOLOMEU, 2008). Mas os anos que se seguiram vieram demonstrar que a
criação destes órgãos não foi suficiente em termos de infraestrutura e de capacidade de
mobilização, levando o setor a uma estagnação. No entanto não podemos esquecer que
neste período Rui Duarte de Carvalho produz Presente angolano, tempo mumuíla
(1979), uma obra relevante, onde reuniu, em dez filmes, imagens e sons dos povos
mumuílas em seu cotidiano, com seus hábitos, sua cultura, e em paralelo registrou o
encontro de valores tradicionais com o socialismo, o encontro com estudantes da
Faculdade de Letras, e da medicina tradicional com a moderna. (ABRANTES,
MATOS-CRUZ, 2002: 24).
Durante o período de 1982 a 1985 houve um recuo, segundo estes mesmos
autores. Mariano Bartolomeu concorda, apontando como causa o surgimento da
televisão, economicamente mais barata, e que ainda chegava com mais facilidade ao
público. Foram produzidos apenas três filmes: Conceição Tchiambula, um dia, uma
vida (Antônio Olé,1982), sobre a vida de uma camponesa que é obrigada a migrar de
sua região para sobreviver; Nelisita (Rui Duarte de Carvalho, 1982), inspirado em duas
histórias de tradição oral nyaneka; e Memória de um dia (Orlando Fortunato, 1982), que
narra o longo período de exploração e violência colonialista, com ênfase na
expropriação de terras e migração forçada destas populações. (ABRANTES, MATOS-
CRUZ, 2002: 32). Sobre este período, os autores afirmam que “a importância do cinema
no contexto do desenvolvimento econômico-social do país já por diversas vezes foi
reconhecida e reafirmada em documentos orientadores do Partido no Poder e no
Estado”, e que apesar da recuperação das salas de exibição no país ser insuficiente, os
angolanos viam mais filmes produzidos por e para eles. (ABRANTES, MATOS-CRUZ,
2002: 49).
Em 1985, a única produtora de cinema existente era o LNC, e este mudou sua
sede, tendo sido seu acervo destruído ou perdido no processo. A crise financeira pela
qual o país atravessava, devido à queda dos preços do petróleo no mercado mundial,
paralisou a empresa. Os autores concluem a obra afirmando que existiam todas as
condições, materiais, técnicos, de ideias e interesse. Mas que também havia “a vocação,
confirmada pelo tempo, de tudo controlar e tudo espartilhar. Foi aí que o sonho
começou a espartilhar até ao colapso quase total”. (ABRANTES, MATOS-CRUZ,
2002: 54).
A segunda geração de cineastas angolanos nasceu no início dos anos 90, quando
o setor privado decidiu assumir a indústria cinematográfica. Porém, este nunca se
mostrou suficientemente forte e capaz de substituir o papel do Estado nesta função.
Hoje existe em Angola uma estrutura central, o Instituto Angolano de Cinema e dos
Audiovisuais (IACAM), que busca fomentar o setor em todos os níveis, desde a criação
de salas de projeção quanto à cobrança de uma atuação mais incisiva do Estado,
inclusive no que diz respeito às leis de incentivos fiscais (BARTOLOMEU, 2008).
Acrescentaremos a nossa análise bibliográfica interpretações realizadas a partir
da palestra ministrada pelo cineasta Ondjaki, transcorrida em novembro de 2011, no
Cineclube do Laboratório de Estudos Africanos, do Instituto de História da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (Afrocine/LeÁfrica/IH/ UFRJ), já devidamente
transcrita. Ondjaki e Kiluanje Liberdade fazem parte da chamada Segunda Geração de
cineastas angolanos, estes jovens e talentosos produtores, que com alguma ajuda do
Estado e muita vontade e esforço próprio vêm marcando o atual momento social,
político e estético da produção cinematográfica de Angola. Segundo o palestrante, o
cinema angolano pode ser entendido por fases distintas, dividido por épocas, com
características próprias cada uma delas. A maior diferença entre o cinema produzido
inicialmente, quando da independência do país, e o que é feito hoje, é a maior liberdade
no sentido temático e criativo das produções. No entanto existe muita disparidade entre
estas últimas obras, tanto em relação aos meios de produção, quanto qualitativamente.
Ondjaki sublinha também a importância dos festivais de cinema africanos para o
desenvolvimento da sétima arte no continente. E cita como exemplo o Ficluanda –
Festival Internacional de Cinema de Luanda, que oferece alguns incentivos. E ainda “há
uns outros que filmam nos bairros, com câmeras muito mais precárias, com limitações
técnicas, mas que tem ideia estruturada e vale a pena ver, pra conhecer!” E reafirma que
o grande diretor, o realizador de documentários no momento é Kiluange liberdade.
Pensando nos caminhos da estética cinematográfica desta nova geração, Ondjaki
cita Sérgio Afonso, um fotógrafo de origem, que está fazendo clipes, e planejando entrar
na seara de documentários, provavelmente no próximo ano. Mas afirma que Kiluanje
tem uma estética própria, derivada do fato de ser a Inês Gonçalves quem faz a direção
fotográfica de todos os seus filmes. O realizador não identifica uma unidade estética em
sua geração, apontando escolhas muito diferentes, como é o caso dos Assaltos em
LuandaI, II e III, de Dito (Henrique Narciso), uma trilogia de ficção que considera
muito diferente, mas interessante de estudar. Outro filme citado foi Rostov em Luanda,
de Abderrahmane Sissako, um documentário que segue outra linha.
Segundo sua opinião, não existe mais produções pela dificuldade em se produzir
sem financiamentos oficiais. O Estado tem apoiado a indústria cinematográfica através
de Institutos, mas existem muitas dificuldades. A distribuição é um dos aspectos mais
complicados da pós-produção de um filme, no seu entender. Em sua experiência
pessoal, a filmagem em si não apresentou grandes problemas. Também foi feita uma
cópia, em beta digital cam, que foi enviada para Rádio e Televisão de Portugal (RTP),
para a Televisão Pública de Angola (TPA), e para o Canal Arte, da França. No entanto,
este formato não é comercializável, é preciso transformá-lo em DVD. Segundo ele, aqui
começam os problemas mais sérios, pois não há uma empresa ou produtora que faça
este trabalho – mais ainda, que se dedique à distribuição deste material. E mais, em
Luanda não existem lojas especializadas em venda de DVDs, os filmes aparecem na
rua, vendidos nos sinais. Assim, muita coisa que é produzida por estes jovens não chega
sequer ao conhecimento do público.
Como podemos perceber, o formato de documentário está presente desde as
mais remotas imagens em movimento feitas em território angolano, e através dele
sempre se buscou a construção, a afirmação ou a reafirmação de identidades, usado ora
como propaganda, e ora como gesto resiliente.

Referências Bibliográficas:
ABRANTES, José Mena & MATOS-CRUZ, José de. Cinema em Angola. Luanda:
Caxinde, 2002.
BARTOLOMEU, Mariano. Experiências e perspectivas. In: Cinema angolano parte I.
www.opais.net/pt/dossier/. Acesso em 03/03/2010
BARTOLOMEU, Mariano. Perspectivas para o futuro. In: Cinema angolano parte II.
www.opais.net/pt/dossier/. Acesso em 03/03/2010
CARVALHO, Rui Duarte de. A cámara, a escrita e a coisa dita… fitas, textos e
palestras. Luanda: INALD, 1997.
CYRULNIK, Boris. Resiliência, para além do trauma. In: Mente cérebro. São Paulo:
Ediouro Duetto, ano XVII, nº 202, novembro 2009, ISSN 1807-1562. pp. 48-51.
MATOS, Patrícia Ferraz de. As cores do império: Representações raciais no Império
Colonial Português. Lisboa: ICS, 2006. Pp. 53-159.
ONDJAKI. Transcrição do Afrocine 21/11/2011: Palestra com Ondjaki e debate com
o público. Transcrição: Paula Faccini de Bastos Cruz

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