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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 19: 71-94 NOV.

2002

TRABALHO E SINDICALISMO NO BRASIL:


UM BALANÇO CRÍTICO DA
“DÉCADA NEOLIBERAL” (1990-2000)

Giovanni Alves
Universidade Estadual Paulista

RESUMO
O artigo apresenta um panorama dos principais contornos do mundo do trabalho no Brasil nos anos 1990.
Denominamos esse período de “década neoliberal”. Salientamos o desenvolvimento de um novo complexo
de reestruturação produtiva e seu momento predominante (o toyotismo), o surgimento de um novo (e
precário) mundo do trabalho e o advento da crise do sindicalismo, considerada expressão contingente da
fragmentação da classe trabalhadora. Concluímos que hoje, mais do que nunca, o maior desafio do
sindicalismo no Brasil na virada para o século XXI é romper com o viés burocrático-corporativo, organizar
e mobilizar um contingente massivo de jovens operários e operárias, empregados e empregadas e, inclusive,
trabalhadores por conta própria precarizados ou explorados pelo capital. Utilizarmos, numa perspectiva
crítica, dados empíricos de livros e ensaios de pesquisadores da área de economia e da sociologia industrial
e do trabalho no Brasil apresentados no decorrer da década passada.
PALAVRAS-CHAVE: trabalho; sindicalismo; neoliberalismo; toyotismo; desemprego.

I. INTRODUÇÃO CRESCE, 2001).


Durante a “década neoliberal” o Brasil O reflexo da reprodução ampliada da desigual-
apresentou taxas medíocres de crescimento do dade de renda sobre a estrutura de consumo no
PIB (Produto Interno Bruto). Se nos anos 80, Brasil de primórdios da década de 2000 pode ser
considerados a “década perdida”, tivemos uma constatado pelos resultados da pesquisa da
taxa média anual de crescimento do PIB de 3%, Associação Nacional de Empresas de Pesquisa
nos anos 90 o crescimento anual médio do país (ANEP) e da Associação Brasileira dos Institutos
atingiu apenas 1,7% (até 1999) (POCHMANN, de Pesquisas de Mercado (ABIPEM), com base
2001, p. 9). A “década neoliberal” aparece, em dados do IBGE, apresentado em 2002: cerca
portanto, como uma “década mais que perdida”. de 81% da população, ou quatro entre cinco
É a década da inserção subalterna do Brasil na pessoas, vivem na berlinda do que se produz e se
mundialização do capital por meio de políticas consome. Os 137 milhões de brasileiros pertencen-
neoliberais que acentuaram a lógica destrutiva do tes às classes C, D e E, diz a pesquisa, possuem
capital no país. rendas mensais brutas inferiores a R$ 1 125,00,
restando-lhes, portanto, quase nenhum poder de
Apesar do controle da inflação via Plano Real,
escolha nas decisões de consumo (UMA NAÇÃO
em 1994, o Brasil continuou apresentando a pior
SEM CONSUMIDORES, 2002).
distribuição de renda do mundo industrializado. O
“choque de capitalismo” da década passada tendeu Apesar das descontinuidades e incertezas
a concentrar mais ainda a riqueza social e a tornar conjunturais no ciclo da economia brasileira,
mais precário o mundo do trabalho. Por exemplo, tornou-se perceptível no decorrer da “década
segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia neoliberal”, tanto em períodos de recessão quanto
e Estatística (IBGE), na década de 1990 cresceu em períodos de retomada do crescimento, o
a distância salarial entre os 10% mais ricos e os continuum de degradação do mundo do trabalho
40% mais pobres. Em 1992 a diferença entre o no país. A sensação de perda contínua no emprego,
pico e a base da pirâmide nacional de rendimentos salário e condições de trabalho imprimiu a sua
era de cerca de treze salários mínimos. Em 1999, marca em contingentes maciços da PEA
chegou a aproximadamente dezessete (RENDA (População Economicamente Ativa), mesmo nos

Recebido em 5 de abril de 2002.


Aprovado em 3 de setembro de 2002.
Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 19, p. 71-94, nov. 2002
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TRABALHO E SINDICALISMO NO BRASIL

breves momentos de recuperação da economia externa em 1981, o país permaneceu à margem


brasileira. do circuito financeiro internacional. A crise do
regime militar e a abertura política num cenário
A degradação estrutural do mundo do trabalho
hiperinflacionário contribuíram, de certo modo,
contribuiu sobremaneira para aprofundar o cenário
para que o sindicalismo brasileiro demonstrasse,
de barbárie social. Os altos (e crescentes) índices
em comparação com o sindicalismo de outros
de criminalidade nos centros metropolitanos
países industrializados, uma singular combativi-
atestam não apenas a falência do Estado brasileiro,
dade e capacidade de mobilização social
objeto de devassa das políticas neoliberais, como
(ANTUNES, 1991, p. 87). É que, apesar da
o resultado cumulativo de um modo de produção
deterioração macroeconômica, o Brasil ainda era
social que se tornou não apenas incapaz de
uma economia protegida da concorrência
absorver contingentes maciços da força de
internacional, com um mundo do trabalho
trabalho, como demonstrou ser voraz em degradar
estruturado em algumas categorias assalariadas
emprego, salário e condições de trabalho de
organizadas num aparato sindical-corporativo
contingentes importantes do mundo do trabalho
unitário que garantia um poder de barganha relativo
organizado (POCHMANN, 2001, p. 9).
e um setor público cuja dinâmica positiva do
O objetivo deste ensaio é tão-somente apre- emprego garantia a pequena deterioração do
sentar os principais aspectos das transformações mercado de trabalho (ALMEIDA, 1996)
da objetividade e subjetividade do mundo do
Apesar de a informalização do mercado de
trabalho na década de 1990 no Brasil. Após uma
trabalho constituir um aspecto estrutural de um
breve discussão sobre as conjunturas da “década
país capitalista dependente e subalterno e de
neoliberal”, elaboramos um panorama dos
desenvolvimento industrial retardatário, ela não
principais contornos do mundo do trabalho, na
assumia ainda proporções significativas, como veio
década de 1990, do capitalismo brasileiro.
a ocorrer na década seguinte (MALAGUTI, 2001).
Salientaremos, por exemplo, o desenvolvimento
Desse modo, o trabalho no Brasil durante a década
do toyotismo sistêmico a partir da constituição de
de 1980 era relativamente integrado, possuindo
um novo complexo de reestruturação produtiva
um núcleo orgânico de assalariados ligados à
na indústria e serviços. Trataremos do surgimento
economia formal, de grandes empresas públicas
de um novo (e precário) mundo do trabalho no
e corporações privadas nacionais e estrangeiras,
Brasil, apresentando, a partir daí, um perfil da
que representavam, em si, a promessa da
classe trabalhadora no país. Finalmente, ao
modernidade fordista: um fordismo periférico,
tratarmos da fragmentação de classe, lidaremos
utilizando a expressão de Lipietz, com garantias
com o desenvolvimento da crise do sindicalismo
de direitos sociais e benefícios trabalhistas, com
no Brasil. Além de utilizarmos, numa perspectiva
carreiras internas e modernos estatutos de
crítica, dados empíricos de livros e ensaios de
regulação salarial para contingentes de assalariados
pesquisadores da área de economia e da sociologia
do setor privado e do setor público (LIPIETZ,
industrial e do trabalho, procuramos utilizar, com
1988, p. 176).
o devido cuidado, e como ilustração estatística,
alguns dados apresentados por institutos A nova crise de acumulação do capitalismo
credenciados de pesquisa sócio-econômica, tais brasileiro, que se originou em meados da década
como IBGE, IPEA (Instituto de Pesquisas de 1970 e desenvolveu-se na década seguinte,
Econômicas Aplicadas) e DIEESE (Departamento colocou para a grande burguesia a necessidade de
Intersindical de Estudos Estatísticos e Sócio- uma reestruturação radical da economia e do
Econômicos), e divulgados pela mídia mais Estado e do seu modo de inserção no sistema
qualificada (CartaCapital, Gazeta Mercantil, mundial do capital. Na última metade dos anos
Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo). 1980, sob o governo Sarney, tivemos os fracassos
dos planos de estabilização monetária (planos
II. CENÁRIOS DA GLOBALIZAÇÃO NO
Cruzado I e II e Verão) e a tentativa, sem muito
BRASIL
sucesso, de a Constituição de 1988 incorporar
A década de 1980 no Brasil caracterizou-se por pretensões reformistas de uma burguesia liberal
altas taxas de inflação e baixo crescimento da num contexto político interno de ascensão dos
economia. Se nos anos 1970 a economia brasileira movimentos sociais e da oposição política de
teve um crescimento médio de 8,8% do PIB, nos esquerda. Foi preciso a derrota política da Frente
anos 1980 essa taxa caiu para 3,0% Brasil Popular (Partido dos Trabalhadores, Partido
(POCHMANN, 2001). Desde a crise da dívida Comunista do Brasil e Partido Socialista Brasileiro)

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e seu candidato Luis Inácio Lula da Silva, nas aberto e da precarização de estatutos salariais,
eleições para Presidente da República, em principalmente nos “núcleos modernos” do mundo
dezembro de 1989, para que a grande burguesia do trabalho (POCHMANN, 1999, p. 65).
pudessem abrir o delicado caminho político e social
É possível discriminar alguns períodos da
das reformas estruturais da economia e do Estado
economia brasileira nesse período que con-
capitalista (a Frente Brasil Popular e seu candidato
tribuíram para o desenvolvimento de tendências
representavam o espírito de resistência política e
do mundo do trabalho e do sindicalismo. As
sindical de massas, que vicejou nos anos 1980).
conjunturas internas da economia e da política
A vitória eleitoral das elites liberal- vinculava-se, de certo modo, à dinâmica da
conservadoras, com Fernando Collor de Mello, economia global, que no decorrer da década
do PRN (Partido da Reconstrução Nacional), em apresentou, principalmente até 1997, um período
1989, criou as condições políticas necessárias para de vigorosa expansão do capital financeiro,
uma série de reformas do capitalismo brasileiro apreendido como “globalização” (ou “mundia-
voltadas, principalmente, a facilitar o acesso do lização”). Foi nessa década que o capitalismo
país à pletora de capitais financeiros internacionais, brasileiro buscou inserir-se na mundialização do
sedentos de valorização fictícia. O livre acesso à capital, por meio de um novo modelo de cres-
mundialização do capital, segundo os arautos cimento e acumulação, cuja vulnerabilidade
neoliberais, poderia contribuir para a constituição sistêmica se tornaria perceptível em meados da
de um novo padrão de financiamento e de década, a partir da crise do México em 1995. Após
investimento do capitalismo brasileiro, capaz de 1997, com a crise asiática, da Rússia, da Coréia
dar um novo impulso à acumulação de capital no do Sul e, a seguir, em 2000, com o estouro lento
Brasil (GOLDESTEIN, 1994, p. 99). e gradual da “bolha especulativa” de Wall Street e
do índice Nasdaq, assim como a crise terminal do
II.1. As conjunturas dos anos 1990
modelo neoliberal na Argentina, o sistema mundial
A década de 1990 caracterizou-se por uma do capital entraria em um período de instabilidade
elevada oscilação no nível de atividade e taxas de sistêmica e de crises financeiras.
expansão da economia próximas do ritmo de
Apresentaremos a seguir algumas característi-
variação da população. Apesar de o Brasil ter
cas das sucessivas conjunturas da “década neolibe-
conseguido ser um celeiro de bons negócios
ral”: 1990-1993, período do neoliberalismo selva-
capitalistas no período de 1994-1997, como
gem; 1994-1997, período do neoliberalismo claudi-
atestam os balanços das empresas, uma análise
cante, 1998-2000, a crise da globalização. É a
dos indicadores do mercado de trabalho
partir dessa “totalidade concreta” da economia ca-
demonstrou, por outro lado, uma perda cumulativa
pitalista no Brasil que podemos situar o desenvolvi-
de postos de trabalho na indústria, como de-
mento do trabalho e do sindicalismo na “década
monstra o crescimento persistente do desemprego
neoliberal”.
GRÁFICO 1 – Taxa anual média do PIB (Brasil)

Taxa anual média do PIB


Brasil

2
%

-2

-4

-6
1989 1991 1993 1995 1997 1999 2001
Anos

Fonte: IBGE (2001a, p. 38).

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a) 1990-1993: neoliberalismo selvagem nacionais, num programa econômico voltado para


a estabilização monetária e a reforma do Estado
A “década neoliberal” teve início com uma
capitalista no país. Criaram-se novas perspectivas
profunda recessão decorrente do Plano Collor I.
para investimentos privados, internos e externos;
Em fevereiro de 1990, a economia brasileira foi
no plano geopolítico regional, o Mercosul teve um
atingida pelos fracassados Planos de estabilização
impulso político considerável.
do Brasil Novo, os planos Collor I e II, que
conduziram o país a uma profunda recessão Um dos traços característicos da conjuntura
(1990-1992), com o PIB acusando uma queda da economia brasileira sob o governo Cardoso foi
acumulada de quase 10% entre 1990 e 1992. sua instabilidade estrutural, decorrente da política
Comprometido com a política neoliberal, Collor econômica do stop and go, determinada pelas
de Mello deu início à abertura comercial, via flutuações sistêmicas da economia mundial. A
eliminação de barreiras não-tarifárias às compras partir de 1994, impulsionado pelo Plano Real,
externas e progressiva redução das alíquotas de ocorreu uma pequena retomada do crescimento
importação. Cabe salientar que essa estratégia teve da economia brasileira. Em virtude da redução
início quase no apagar das luzes do governo drástica dos índices inflacionários (de 46,60% em
Sarney em 1988, sendo mantido pelo governo junho de 1994, para 3,34% em agosto do mesmo
Collor e aprofundado em 1994, antecipando os ano), ocorreu um crescimento das atividades de
acordos fixados no âmbito do Mercosul, rumo à consumo, produção e emprego (que iria até março
adoção da Tarifa Externa Comum e aderindo aos de 1995). Em virtude da crise do México de
requisitos definidos pelos movimentos pró- dezembro de 1994 e da fuga de capitais, ocorreu,
liberalização comercial da OMC (Organização em abril de 1995, a primeira inflexão da trajetória
Mundial do Comércio). de crescimento pós-Real. O governo Cardoso
precisou desacelerar a economia para evitar uma
Além disso, o governo Collor deu início a um
crise de balanço de pagamentos, que o estava
programa de reforma do Estado, cujo “núcleo
levando ao mesmo impasse do México. O retorno
duro” consistiu no programa de privatização, sob
à normalidade nos mercados financeiros
a gestão do BNDES – o Programa Nacional de
internacionais, a partir de abril de 1996, bem como
Desestatização. A incapacidade hegemônica de
o melhor desempenho das contas externas do país,
Fernando Collor em estabilizar a economia e
promoveu uma nova retomada de crescimento da
conduzir as reformas liberais significou a perda
economia, que iria até junho de 1997. Ocorreu
de seu apoio em importantes frações da burguesia
uma outra inflexão no ritmo das atividades em julho
brasileira. Diante de denúncias de corrupção, Collor
de 1997, em virtude da crise dos países asiáticos
teve seu impedimento em outubro de 1992. O
e da crise da Rússia; esse período recessivo da
espaço político dominante foi ocupado por uma
economia prosseguiu até dezembro de 1998.
nova composição neoliberal, articulada em torno
Finalmente, em janeiro de 1999 ocorreu a desva-
do governo Itamar Franco, que criou, a seguir, as
lorização do Real (idem, p. 135).
condições macroeconômicas para o lançamento
do Plano Real, que demonstrou ser vitorioso em A política neoliberal do governo Cardoso
reduzir drasticamente a inflação no país. Nas contribuiu para criar as condições macroeco-
eleições de 1994, foi eleito para Presidente da nômicas propícias, mas bastante vulneráveis, de
República o candidato governista da aliança PSDB- um novo (e instável) ciclo de acumulação no Brasil.
PFL, Fernando Henrique Cardoso. Desde 1993, a Ela aproveitou-se da liquidez do mercado
economia brasileira demonstrava sinais de financeiro internacional. Nesse período, em 1994,
recuperação, após a profunda recessão do período a partir do governo Clinton, a economia americana
Collor: de certo modo, o Plano Real sustentou-se recuperou-se de uma recessão e teve início um
em uma arquitetura macroeconômica que dos mais significativos períodos de expansão da
aproveitava as facilidades da conjuntura financeira economia americana no século XX (BATISTA JR.,
internacional (FILGUEIRAS, 2000, p. 64). 2000, p. 121).
b) 1994-1997: o neoliberalismo claudicante Apesar da crise do México, em 1995, o cenário
internacional caracterizou-se por uma economia
Com o governo Cardoso constituiu-se, a partir
mundial exuberante em seu ciclo de valorização
de uma coalizão política liberal-conservadora
fictícia. Um ciclo de crescimento do capital
bastante ampla, uma nova hegemonia burguesa,
financeiro, cujo epicentro foi o EUA sob o governo
capaz de articular as elites políticas, regionais e
Clinton, disseminou-se pelo Sudeste Asiático,

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México e Rússia. A ideologia da globalização, brasileiras. Aprofundou-se a desnacionalização da


mesmo prejudicada pela crise mexicana, foi economia brasileira (GONÇALVES, 1999). O
adotado pelos governos neoliberais para legitimar capital estrangeiro, que correspondia a 36% do
suas políticas de mercado (CHESNAIS, 1996, p. faturamento dos 350 maiores grupos do país em
29). 1991, passou para 53,5% no final de 1999. A
participação estrangeira no faturamento das
Mesmo com o alerta sobre os riscos de uma
maiores empresas do país subiu 146% entre 1991
“exuberância irracional” (utilizando a expressão
e 1999 (MÚLTIS CRESCEM 146%, 2002).
cunhada pelo Presidente do Federal Reserve, banco
central americano, Alan Greenspan, em 1996), a Por outro lado, as elevadas taxas de juros
ideologia de uma “nova economia” levou empreen- acenavam com generosas taxas de rentabilidade
dedores capitalistas a realizarem grandes negócios, para o especulador estrangeiro, sedento de
principalmente nas áreas de telecomunicações e valorização fictícia. No decorrer da “década
ìnternet. No centro capitalista mais desenvolvido neoliberal”, as taxas de juros mantiveram-se num
(a “Tríade”, isto é, EUA, União Européia e Japão), patamar elevadíssimo, prejudicando qualquer
ocorreram fusões e aquisições bilionárias, crescimento sustentável do investimento produtivo
demonstrando que o capitalismo financeiro no país. A manutenção das taxas de juros elevadas
crescia, centralizando e concentrando mais capital tornou-se uma das principais variáveis nas políticas
em setores estratégicos de acumulação (ALVES, de estabilização neoliberal (FILGUEIRAS, 2000,
2001, p . 52). p. 98).
Por exemplo, desde 1994, no Brasil, as fusões É nesse cenário de inserção subalterna na
e aquisições na indústria e no setor de serviços mundialização do capital que se acelerou o
cresceram cerca de 22% ao ano (com cerca de processo de reestruturação produtiva, aprofun-
175 operações), atingindo seu pico em 1997 (com dando-se as tendências de transformação da
cerca de 370 operações), e com a presença estrutura de produção capitalista. O “choque de
significativa do capital estrangeiro. O boom de competitividade”, que percorreu os governos
aquisições e fusões não significou necessariamente Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique
acréscimo na capacidade produtiva do país; na Cardoso, tornou-se um traço marcante da “década
verdade, o capital financeiro aproveitava-se de neoliberal”. Desde o governo Collor constituíram-
oportunidades preciosas para seu crescimento se diretrizes voltadas a dar maiores níveis de
exuberante nas “economias emergentes”. eficiência operacional, produtividade e com-
petitividade próximas dos paradigmas interna-
Nesse período, o fluxo de Investimentos
cionais.
Diretos Externos (IDE) cresceu bastante, não
apenas entre os próprios países capitalistas da Os dois instrumentos oficiais foram o Pro-
“Tríade”, para onde se dirigiria o maior volume grama de Competitividade Industrial (PCI) e o
de IDE, mas em direção a alguns países capitalistas Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade
industrializados não-desenvolvidos (a China e o (PBQP), variantes do documento Diretrizes gerais
Brasil merecendo destaque). O Programa Nacional para a política industrial e de comércio exterior
de Desestatização, desenvolvido no decorrer da (PICE), editado em 1990. O braço financeiro
“década neoliberal”, desde o governo Collor, daqueles programas era representado pelo BNDES,
principalmente com a privatização das empresas ancorado na estratégia de “integração competitiva”
siderúrgicas, de telecomunicações e de energia (definida naquela instituição ainda nos anos 1980).
elétrica (ainda incompleto), tendeu a atrair uma
Na verdade, priorizou-se a alocação privilegiada
pletora de capitais externos. Enquanto os governos
de recursos financeiros para o desenvolvimento
Collor e Itamar priorizaram a transferência de
do que podemos denominar de “toyotismo
ativos públicos dos segmentos de insumos básicos
sistêmico”, ou seja, a racionalização organizacional
(siderurgia, fertilizantes e petroquímica), o governo
de toda a empresa segundo os dispositivos
Cardoso privilegiaria as áreas de transporte,
toyotistas, com programas de qualidade total,
mineração e telecomunicações (BIONDI, 1999;
ênfase no envolvimento estimulado da força de
2000).
trabalho, racionalização das linhas de produção,
A política de abertura comercial e o câmbio substituição de processos, além de sistemas de
sobrevalorizado contribuíram para um ciclo de automação e iniciativas voltadas ao aprimoramento
falências, fusões e aquisições nas empresas tecnológico (ALVES, 2000, p. 99)1.

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TRABALHO E SINDICALISMO NO BRASIL

Após 1994, o mercado de trabalho no Brasil regional e abertura de mercados ainda cativos, sem
tendeu a aprofundar seu ajuste estrutural, uma reciprocidade para produtos brasileiros.
crescendo, a partir daí, o índice de desemprego
A perspectiva é de acirramento de contradições
aberto, em virtude não apenas das políticas
não-antagônicas (ou intracapitalistas) entre as
neoliberais, que propiciaram o desmonte de cadeias
frações hegemônicas do capital financeiro com
produtivas da indústria nacional num cenário de
pretensões globais, e frações do capital de inserção
crescimento medíocre da economia brasileira, mas
local ou regional. Além disso, a ALCA tenderia a
do novo complexo de reestruturação produtiva,
proporcionar não apenas mercado interno, mas
impulsionado pelo “choque de competitividade”.
economias de escala para as corporações transna-
c) 1997-2000: a nova crise da globalização cionais, cada vez mais concentradas e compe-
titivas no mercado mundial. Ela representa um
A partir de julho de 1997 e até 2000, ocorreu
momento mais desenvolvido da lógica intrínseca
uma alteração qualitativa na conjuntura da
da mundialização do capital.
economia brasileira, devido à “nova crise da
globalização”, que atingiu o Sudeste Asiático, Coréia Em decorrência da desvalorização cambial de
do Sul, Rússia e Argentina (cujo modelo neoliberal 1999, no bojo da crise da globalização no Brasil,
entra numa “crise terminal” dramática de amplas tivemos, em 2000, uma pequena retomada do
proporções). A crise estrutural da Argentina tendeu crescimento da economia brasileira, puxada pela
a colocar o projeto de integração do Cone Sul, o redução da taxa de juros, substituição de impor-
Mercosul, num compasso de espera. tações e o crescimento das exportações. Como
atestam os indicadores do IBGE, o pequeno
Diante das perspectivas de “crise da
crescimento da economia conseguiu promover
globalização”, com seu epicentro nos EUA, os
uma melhoria relativa do emprego nas regiões
estrategistas do Departamento de Estado ame-
industrializadas.
ricano colocam a necessidade do aprofundamento
da integração continental. Na verdade, a ALCA Entretanto, apesar da taxa de desemprego ter
(Área do Livre Comércio das Américas), tende a apresentado um leve recuo (devido ao crescimento
significar para o capital oligopólico uma expansão da ocupação), a renda média dos trabalhadores
possível de mercado nas condições de uma crise teve queda de 2,1%. Na região metropolitana de
de superprodução, que atinge o núcleo do capital São Paulo, onde se concentra um dos maiores
hegemônico e que assume tamanha proporção que contingentes de assalariados do país, registrou-se
nem as rodadas de liberalização comercial, levadas a maior queda dos rendimentos do trabalho. Os
a cabo pela OMC nos anos 1990, nem a cada vez mais curtos e instáveis ciclos de
perspectiva de abertura do exuberante mercado crescimento da economia capitalista no Brasil não
da China continental (por meio de seu ingresso na conseguem ocultar mais a lógica predatória do
OMC), conseguiram ser suficientes para acalmar capital. Desde 1997, quando atingiu seu pico no
a sanha de valorização. Exige-se mais integração governo Cardoso, a renda média dos trabalhadores
da região metropolitana de São Paulo tem caído,
de R$ 138,78 em 1997 (tomando julho de 1994
como base 100) para R$ 115,34 em 2000
1 Ao adotarmos a expressão “toyotismo sistêmico” (EMPREGOS APARECEM, 2000).
procuramos ressaltar o caráter ampliado (e totalizante) da
modernização das grandes empresas na década de 1990, em
contraste com o “toyotismo restrito” da década anterior.
Elas passaram não apenas a incorporar novas tecnologias
microeletrônicas na produção, mas a adotar princípios de tayloristo-fordista). Com o toyotismo, o envolvimento da
organização do trabalho de cariz toyotista. É claro que o força de trabalho pelo capital tende a assumir formas mais
toyotismo não é o único modelo industrial ou de organização completas e desenvolvidas. Além disso, cabe salientar que o
vigente da produção capitalista no Brasil, mas ele tendeu a toyotismo tende a expressar a nova racionalidade intrafábrica,
tornar-se o “momento predominante” do processo de que se contrasta, de modo funcional, com a irracionalidade
reestruturação produtiva que se instala nas grandes empresas. societal (desemprego e precarização do mundo do trabalho).
Ele articula-se, de modo complexo (e persistente), com De fato, não conseguiu articular-se como um modo de
dispositivos tayloristo-fordistas. Desse modo, consideramos desenvolvimento capitalista, tal como o fordismo, na acepção
que o toyotismo não pode ser considerado uma mera ruptura da escola regulacionista. Para uma análise mais desenvolvida
com os modos de racionalização do trabalho pretéritos, mas da dialética continuidade-descontinuidade do taylorismo-
representa um desenvolvimento qualitativamente novo da fordismo-toyotismo e da lógica do toyotismo, ver Alves
racionalização capitalista (que conserva e supera a lógica (1999).

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Numa pesquisa ampla, divulgada em 2002, expressar, de certo modo, não apenas o aumento
intitulada A situação do trabalho no Brasil, o do desemprego nos anos 1990, mas a infor-
DIEESE destacou que na década de 1990 o salário malização crescente do mundo do trabalho. Por
médio real do trabalhador caiu 18,8% na região exemplo, em meados de 2000, o IBGE salientou
metropolitana de São Paulo (o encolhimento do que, dos 822 mil empregos criados nas seis regiões
salário médio do trabalhador, segundo o DIEESE, metropolitanas, apenas 62 mil foram com carteira,
seria decorrente do crescente desemprego no ou seja, 7,5% do total (MENOS EMPREGO,
período). Mas a queda da renda média tenderia a 2000).

GRÁFICO 2 – Salário médio mensal dos empregados de atividade (Região Metropolitana de São Paulo –
1989-1999)

Salário médio mensal dos empregados por setores de atividade


Região Metropolitana de São Paulo –- 1989-1999

1400
1200
1000
800 1989
600 1999
400
200
0
Construção

Empregados
Comércio
Indústria

Serviços
Total
l

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Fonte: DIEESE (2002, p. 32).

III. A DEGRADAÇÃO DA OBJETIVIDADE (E do processo de trabalho, quanto no sentido


SUBJETIVIDADE) DO TRABALHO NO subjetivo, principalmente no plano da consciência
BRASIL de classe.
Se por um lado é perceptível a descontinuidade A linha contínua de degradação do mundo do
de conjuntura na economia capitalista no Brasil trabalho que delineamos na “década neoliberal”
nos anos 1990, principalmente no tocante a significa um processo estrutural de trans-
oscilações no PIB, o que merece ser destacado, formações da objetividade e da subjetividade da
por outro lado, é a linha contínua de degradação classe trabalhadora no Brasil, em especial do setor
do mundo do trabalho. Apesar das novas industrial, com impactos decisivos no sindicalismo
vulnerabilidades sistêmicas, as políticas neoliberais e nos movimentos sociais urbanos e rurais. É
contribuíram para a constituição de um cenário provável que os anos 1990 tenham sido um impor-
propicio para os negócios capitalistas no país. tante “elo de transição” para uma nova configuração
do mundo do trabalho, de acordo com a nova
Na ótica do capital, a “década neoliberal”
dinâmica da acumulação capitalista mundial.
constituiu um sistema progressivo de novas
sinergias para a valorização capitalista, É provável que a noção de precariedade perca
principalmente em sua forma fictícia (como atesta seu caráter atípico e torne-se um nexo institucional,
a alta rentabilidade dos bancos nos anos 1990). e, portanto, típico, da própria implicação assala-
Entre-tanto, as políticas neoliberais e o novo riada nas condições do novo regime de acu-
complexo de reestruturação produtiva conseguiram mulação flexível. Na verdade, a idéia de preca-
alterar a dinâmica da sociabilidade do trabalho no riedade conduz-se a um tempo passado que tende
Brasil, degradando-a, tanto no sentido objetivo, a tornar-se distante e perder sua presença crítica,
ou seja, no tocante à materialidade da organização diante da nova etapa capitalista.

77
TRABALHO E SINDICALISMO NO BRASIL

GRÁFICO 3 – Índice-síntese do mercado de trabalho (Região Metropolitana de São Paulo)2

Indice-síntese do mercado de trabalho(*)


Re gião Me tropolitana de São Paulo

0,9
0,8
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0
1990 1992 1994 1996 1998 2000
Anos

Fonte: PME-IBGE (IBGE, 2001b, p. 61).

Podemos caracterizar como principais traços anos 1970, no “núcleo orgânico” do sistema
da transformação da objetividade (e subjetividade) mundial do capital, ocorria o desenvolvimento
do mundo do trabalho no Brasil no decorrer da ampliado de um novo regime de acumulação
“década neoliberal”: 1) o desenvolvimento flexível, vinculado à 3ª Revolução Tecnológica e
sistêmico de um novo complexo de reestruturação à mundialização do capital. Surgiu um novo
produtiva; 2) a emergência de um novo (e complexo de reestruturação produtiva cujo
precário) mundo do trabalho, e 3) a fragmentação “momento predominante” foi dado pelo toyotismo,
de classe no Brasil (a crise do sindicalismo a nova ideologia orgânica da produção (ALVES,
brasileiro). É o que apresentaremos a seguir. 1999, p. 93) 3 , enquanto ocorriam mutações
estruturais na base técnica (e organizacional) do
III.1. O desenvolvimento do novo complexo de
sistema produtor de mercadorias que atingiram o
reestruturação produtiva
mundo do trabalho industrial e de serviços nos
Ao analisarmos a “década neoliberal” podemos países capitalistas centrais (SCHAFF, 1990).
constatar o impacto disruptivo do “choque
No caso do Brasil, desde meados dos anos
capitalista” na objetividade do mundo do trabalho
1980 temos indícios do surgimento de uma nova
no Brasil, seja através das políticas neoliberais
base material de produção capitalista, princi-
(principalmente a abertura comercial com câmbio
palmente nas corporações industriais mais inte-
sobrevalorizado até 1999, que desarticulou cadeias
gradas à lógica do mercado mundial. As novas
produtivas e promoveu o desemprego em várias
estratégias de concorrência globais das grandes
regiões industriais), seja por meio do novo com-
empresas transnacionais, muitas delas atuando no
plexo de reestruturação produtiva (isto é, o desen-
Brasil, impulsionaram inovações organizacionais
volvimento ampliado de uma nova ofensiva do
capital na produção).
É claro que não podemos atribuir tão-somente
às políticas neoliberais a determinação exclusiva
3 Utilizamos a expressão “complexo de reestruturação
das transformações do mundo do trabalho no Brasil
nos anos 1990. Existem determinações essenciais produtiva” não apenas como preciosismo estilístico, mas para
que se vinculam às dinâmicas estruturais das salientar seu caráter totalizante (e totalizador), amplo e
multifacético, que articula, no tocante à sua lógica de
transformações produtivas do capitalismo mundial. desenvolvimento interno, um “momento predominante” (o
Desde a grande crise capitalista de meados dos toyotismo) com “momentos não-predominantes”
(taylorismo-fordismo), e que é composto por processos
tecnológicos, organizacionais e institucionais voltadas para
o incremento da exploração relativa (e absoluta) da força de
trabalho. Ele atinge a grande empresa e tende a disseminar-
2 O índice varia de zero a 1. Quanto maior (mais próximo
se pelas rede de subcontratação, assumindo formas
de 1): melhores as condições do mercado de trabalho. diferenciadas e combinadas.

78
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 19: 71-94 NOV. 2002

baseadas na lógica toyotista (CASTRO, 1995, p. réseau, impresa rete ou network firm). Em alguns
15). setores importantes do novo mundo industrial e
de serviços a corporação principal tendeu a se
É claro que, nesse periodo, o toyotismo ainda
concentrar na criação e marketing e no controle
assumia uma dimensão restrita. no que temos
do desenvolvimento da tecnologia (com a
denominado de “toyotismo restrito” (ALVES,
propriedade da marca passando a exercer a função
2000, p. 120). Apenas na “década neoliberal” é
de um capital fictício). A empresa terceirizada de
que observamos um impulso significativo do
grande porte, por outro lado, tendeu a concentrar-
toyotismo no Brasil, assumindo uma dimensão
se na produção e na logística manufatureira.
sistêmica, no que denominaremos de “toyotismo
(ANTONELLI, 1988).
sistêmico”. Pelos menos desde 1985, categorias
assalariadas importantes, como a de metalúrgicos A partir de meados dos anos 1990, o novo
(do ABC paulista) e bancários (de importantes modelo de organização da produção de mercadorias
conglomerados financeiros, como Bradesco e tendeu a surgir e a desenvolver-se nos setores mais
Itaú), por exemplo, tornaram-se alvos de um dinâmicos da economia brasileira. É o caso de
complexo de reestruturação produtiva, cujo algumas corporações da indústria de informática
“momento predominante” é a lógica toyotista e telefonia. Por exemplo, segundo dados de 2000,
(ALVES, 1995, p. 109). a Nokia e a IBM suspenderam a fabricação de
seus produtos no Brasil e transferiram a atividade
Foi a partir do “choque de competitividade”
para empresas especializadas em manufatura para
da “década neoliberal” que ocorreu o desen-
terceiros (TECNOLOGIA PRODUZ INDÚS-
volvimento sistêmico do complexo de reestru-
TRIA, 2000).
turação produtiva, que se caracterizou, por um
lado, pela introdução de novas tecnologias Mas é a indústria automobilística que tem sido
microeletrônicas na produção, e por outro lado, um celeiros de inovações na organização da
pelo desenvolvimento de novas formas de produção capitalista no Brasil. Desde meados da
organização da produção capitalista que década passada, ela implantou no país seus novos
caracterizamos como sendo o toyotismo sistêmico modelos produtivos e suas mais modernas e
com seus nexos contingentes, tais como just-in- inovadoras fábricas, como o da Volkswagem em
time, kan-ban, kaizen, terceirização, trabalho em Resende (RJ), que introduziu o conceito de
equipe, programas de qualidade total, sistemas de “consórcio modular”, o da Ford em Camaçari (BA)
remuneração flexível etc. (ALVES, 2000, p. 101). e da General Motors em Gravataí (RS) (o mais
moderno complexo industrial da GM no mundo)
O toyotismo sistêmico tendeu a disseminar-se
(ARBIX & ZILBOVICIUS, 1997). Em 2001, a
não apenas no core das corporações industriais e
Volkswagen do Brasil anunciou, por exemplo, a
de serviços, mas na borda periférica do sistema
terceirização do setor de logística operacional da
industrial e de serviços, através das suas redes de
suas fábricas de São Bernardo do Campo (SP) e
subcontratação, constituídas por médias e pe-
Taubaté (SP): “A Schnellecke [uma das maiores
quenas empresas. A prática da terceirização, que
empresas mundiais em logística automotiva,
teve um impulso notável na década passada,
contratada pela Volkswagem do Brasil] fará
contribuiu para a constituição ampliada de redes
trabalho conjunto com a Volks para aprimorar os
de subcontratação (DRUCK, 1999). A maior
sistemas de entrega de autopeças nos sistemas
preocupação com a qualidade final do produto e
just-in-time e kanban” (VOLKSWAGEM
do serviço e a busca contínua de redução de
TERCEIRIZA, 2001).
custos, exigiu das empresas terceirizadas (que,
inclusive passaram a terceirizar algumas O desenvolvimento do novo complexo de
atividades), não apenas o incremento de seu padrão reestruturação produtiva contribuiu, de certo
tecnológico, mas uma reorganização do processo modo, para o aumento da produtividade da força
de trabalho e da gestão da força de trabalho de trabalho no Brasil (decorrente não apenas de
(MARTINS & RAMALHO, 1994). investimentos em capital fixo, mas do incremento
da taxa de mais-valia absoluta da força de trabalho
Foi no bojo da lógica do toyotismo que surgiram
– por exemplo, o aumento das horas-extra).
novos modelos de organização industrial centrados
na idéia de uma empresa flexível, fluida e difusa De acordo com dados do IPEA, de 1991 a
(BIHR, 1998). A empresa toyotista tende a ser uma 1998 a taxa geral de produtividade do país foi de
empresa enxuta que se constitui em rede (firme 2,53% ao ano, concentrando-se principalmente nos

79
TRABALHO E SINDICALISMO NO BRASIL

setores industriais – os que mais têm deslocado modernas e enxutas (cabe salientar que em 2001,
força de trabalho para o setor de serviços. No caso o Brasil passou a abrigar 17 marcas, um recorde
da indústria automobilística, que destacamos mundial) (FÁBRICAS BRASILEIRAS, 2001). Por
acima, a sua produtividade cresceu a uma taxa isso, tornou-se claro, na década passada, que o
média de 9,4% ao ano (BONELLI & FONSECA, aumento da produção não significaria aumento dos
1998, p. 52). postos de trabalho. Segundo dados de 2000,
enquanto a produção na indústria aumentou 6,5%,
O aumento da competitividade no setor auto-
com o Brasil tendo um crescimento do PIB de
mobilístico no Brasil significou a adoção pelas
4,4%, o nível de ocupação cresceu apenas 0,6%.
montadoras de técnicas de produção cada vez mais

GRÁFICO 4 – Emprego na indústria, de acordo com o PME (1990: base 100)

Emprego
Emprego na
na Indústria -- PME
PME

120

100
80

60
40

20
0
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997
Anos

Fonte: IBGE (2001b, p. 43).

É claro que, além de determinações estruturais empregos no setor. Por exemplo, entre 1994 e
ligadas à lógica sistêmica do capitalismo mundial, 1996 cerca de 140 000 bancários perderam o
tais como o desenvolvimento do novo complexo emprego. Se em 1989 a categoria bancária era
de reestruturação produtiva, determinações constituída por cerca de 811 000 trabalhadores,
políticas contribuíram para a implosão da em 2001 esse número caíra para 394 000
objetividade e da subjetividade de classe do trabalhadores (o número médio de bancário por
trabalho industrial. Por exemplo, os eixos centrais agência, em 1994, era de 30,2; em 2000, caiu para
das políticas neoliberais, como a abertura comercial 24,2, atingindo, em cheio, a função de
e a sobrevalorização cambial (até 1998), con- escriturários) (ARAÚJO, CARTONI & JUSTO,
tribuíram para a rarefação da cadeia produtiva na 1999).
indústria brasileira. A importação de insumos
Entretanto, cabe salientar que o “enxugamento”
passou a ter maior peso dentro da cadeia produtiva
da categoria bancária atingiu principalmente as
nacional em decorrência da abertura da economia.
atividades-meio, com o crescimento alucinante do
Desse modo, tendeu a ocorrer um descolamento
ritmo de terceirização (nas funções de analistas,
entre produção e nível de ocupação (INDÚSTRIA
programadores e técnicos). O “enxugamento” da
BRASILEIRA PRODUZ, 2000).
categoria bancária oculta sua fragmentação, com
Outro exemplo típico do novo complexo de um contingente maciço de bancários exercendo
reestruturação produtiva ocorreu no setor as mesmas atividades de serviço bancário via
bancário, onde a introdução de novas tecnologias empresas prestadoras de serviço (não sendo,
microeletrônicas voltadas para o auto-atendimento portanto, reconhecidos como empregados
(e o serviço on-line) e a disseminação da prática bancários).
da terceirização (e de novas formas de gestão do
a) Toyotismo e a captura da subjetividade da
trabalho) contribuiu para “enxugar” a força de
força de trabalho
trabalho bancária no Brasil. O “enxugamento” da
categoria de trabalhadores bancários no Brasil nos Temos salientado que o novo complexo de
anos 1990 atingiu cerca de 40% do estoque de reestruturação produtiva possui como seu “mo-

80
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 19: 71-94 NOV. 2002

mento predominante” a lógica do toyotismo. É decisões cada vez mais curtas, possui, como
uma nova forma de organização da produção paradigma, a produção flexível toyotista.
capitalista que busca constituir uma captura da
Governo, escolas e sindicatos passaram a
subjetividade da força de trabalho, um novo tipo
incorporar o discurso da nova pedagogia
de envolvimento estimulado, adequada à nova base
empresarial, articulando, por exemplo, em torno
técnica da produção de mercadorias (ALVES,
do conceito de “empregabilidade”, as noções de
1999, p. 109).
competências e novas habilidades cognitivas e
Para a adoção da nova ideologia orgânica da comportamentais necessárias para a nova
produção capitalista, tornou-se necessária uma produção capitalista. Constitui-se todo um
“reestruturação” da subjetividade da classe. Por complexo de aparelhos ideológicos privados e
isso, o processo de reestruturação produtiva não públicos que buscam disseminar, através de cursos
pode ser visto apenas em sua dimensão objetivo- e treinamentos, a “nova racionalidade” da produção
material, mas principalmente em seus nexos capitalista sob a mundialização do capital, o que
subjetivo-ideológicos. Ele tende a significar, em implica construção de uma nova linguagem e
última instância, uma metamorfose da sintaxe das práticas do trabalho. Na verdade, o
subjetividade da força de trabalho, seja em seus objetivo, em última instância, é capturar a
aspectos geracionais, seja em seus aspectos subjetividade do trabalho e não apenas a
político-ideológicos. consciência de classe (ALVES, 2001, p. 39).
Os processos contínuos de demissões e de Na década de 1990, o debate sobre o “modelo
novas contratações, com a disseminação, por japonês” no Brasil tendeu a não ocupar tanto as
exemplo, no decorrer dos anos 1990, dos discussões da sociologia do trabalho, em contraste
Programas de Demissão Voluntária (PDV), com a década anterior, quando assumiu um caráter
buscam dar características não-traumáticas à quase paradigmático, mobilizando argumentos,
“reestruturação” da subjetividade de classe. Ao que contra e a favor; de certo modo, a preocupação
se visa com tais processos de “enxugamento” da particular da ótica hegemônica na sociologia do
força de trabalho é não apenas reduzir custos trabalho no Brasil era salientar o “modelo japonês”
salariais, mas, principalmente, criar um campo de e sua adaptação espúria à realidade brasileira
incorporação para nova força de trabalho mais (HIRATA, 1993, p. 139).
disposta a apreender as novas habilidades
Entretanto, com o desenvolvimento do toyo-
cognitivas e comportamentais da produção
tismo sistêmico nos anos 1990, tendeu a
capitalista. Nesse processo de reestruturação da
disseminar-se uma literatura não-crítica e quase
subjetividade da força de trabalho torna-se
apologética do “novo modelo produtivo”. O novo
necessário suprimir a memória do “trabalhador
discurso produtivista ocultava o verdadeiro sentido
coletivo”, ou seja, suas experiências de classe.
da nova ideologia do toyotismo, isto é, reconstituir
O “espírito do toyotismo” assumiu uma forma a exploração capitalista de acordo com as
institucional nos anos 1990, principalmente através implicações objetivas e subjetivas do novo regime
das novas políticas governamentais de formação de acumulação flexível do capital, que articula,
profissional, levadas a cabo pelo Ministério do cada vez mais, trabalho material e trabalho imaterial
Trabalho e Ministério da Educação e Cultura, e que busca, na esfera da inteligência coletiva e da
principalmente a partir do governo Cardoso (em cognição cooperativa, um novo lastro para a
1994). Por exemplo, todo o discurso que embasou produção de valor.
o Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador
O “espírito do toyotismo” determinou os
(PLANFOR), sob o governo Cardoso, é
termos do debate não apenas na sociologia do
intrinsecamente toyotista, contribuindo, em grande
trabalho, mas nas áreas de educação e de serviço
parte, para a difusão dos conceitos e da ideologia
social. Surgiu toda uma discussão sobre as novas
toyotista no Brasil (BATISTA, 2002).
qualificações do trabalho, formação profissional,
O próprio conceito de novas competências, saberes e novas competências, ou seja, um
entendida como capacidade de diagnóstico e complexo temático-ideológico com vínculos
intervenção em tempo real, com a aquisição de estruturais com a lógica do “toyotismo sistêmico”
todo um background de conhecimentos, tácitos (CASALI et alii, 1997). A própria discussão sobre
ou formais, que o habilitam a fazer diagnósticos, trabalho material e imaterial, que se desenvolveria
propor soluções e tomar medidas em cadeia de na sociologia do trabalho de cariz marxista em

81
TRABALHO E SINDICALISMO NO BRASIL

meados da década passada, tendeu a ser mera- e sua rede de subcontratação.


mente um desdobramento heurístico, mais
Além disso, no caso do capitalismo no Brasil,
elaborado, da problemática do toyotismo como
com sua via de objetivação colonial e hipertardia,
ideologia orgânica da produção capitalista (voltada
com traços estruturais de desigualdade e exclusão
para a produção de uma nova subjetividade
social, a introdução da lógica toyotista, com seu
contingente de classe).
lastro de racionalização do trabalho superior à da
b) Lógica toyotista e a síndrome do medo organização tayloristo-fordista, só tende a apro-
fundar, ainda mais, o contraste entre uma sociabi-
Se o “modelo japonês” sustentava-se em
lidade irracional exacerbada, que caracteriza os
contrapartidas salariais e institucionais (a consti-
países capitalistas subalternos, e uma produção
tuição de um mercado interno com perspectiva
capitalista cada mais racionalizada.
de carreira nas grandes empresas e emprego
vitalício, por exemplo), o toyotismo que se A precarização heteróclita que se disseminou
constituiu como ideologia orgânica e universal da nos anos 1990 no Brasil e que atingiu o “núcleo
produção capitalista no decorrer dos anos 1990, moderno” da implicação assalariada, catalisando
tendeu a sustentar-se em contrapartidas de a síndrome do medo (que se tornou uma das
mercado, articulando o novo consentimento do principais variáveis psicossociais para a introdução
trabalhador assalariado por meio de disposições do toyotismo sistêmico), tornou-se perceptível
anímicas regressivas. não apenas através do crescimento do desemprego
de massa, mas, principalmente, pela tendência
A busca do consentimento ativo da subje-
contínua de precarização do estatuto salarial da
tividade do “trabalho vivo” passou a constituir-
força de trabalho no Brasil.
se, em última instância, através da síndrome do
medo cujo substrato objetivo é dado pela Mesmo em períodos de crescimento relativo
constituição de um precário mundo do trabalho. do emprego formal, como em 2000, evidenciou-
Essa é, portanto, a função sócio-ontológica da se a precarização do salariato no Brasil. Apesar do
nova precarização heteróclita sob a mundialização crescimento relativo do nível de emprego industrial
do capital: constituir o consentimento ativo em 2000 (com reflexos positivos no emprego
necessário para o desenvolvimento dos nexos formal no país), o nível de emprego era ainda 25%
contingentes do toyotismo e produzir uma menor do que em julho de 1994, quando foi
subjetividade regressiva, avessa às atitudes lançado o Plano Real. E embora tenha ocorrido o
antagônicas de classe diante da lógica do capital. crescimento do emprego formal, a tendência de
precarização da estrutura ocupacional manteve-
Diante de um precário mundo do trabalho, a
se em muitos aspectos, demonstrando a contínua
consciência contingente de operários e empregados
precarização do estatuto salarial da força de
tende a caracterizar-se pelo consentimento e
trabalho no Brasil: “O que se pode concluir é que
acomodação diante das novas condições de
segmentos importantes da força de trabalho
exploração da força de trabalho instituídas pelo
(adultos, chefes de família, pessoas com mais
capital. O toyotismo passou a exigir uma dispo-
experiência de trabalho) estão perdendo espaço
sição anímica de operários ou de empregados, sem
no emprego formal. Não obstante, jovens estão
contrapartidas salariais ou contratuais, talvez a
substituindo-os, com o maior grau de escolaridade
mera concessão de bônus de produtividade.
típico dessa população, com remunerações
A “socialização” do toyotismo tende a ser, sob menores e limitadas, em geral, ao teto de três
a mundialização do capital, totalmente desso- salários mínimos” (A DETERIORAÇÃO DO
cializadora, debilitando a perspectiva (e a EMPREGO, 2001).
subjetividade) de classe (implicando, desse modo,
A degradação do mundo do trabalho no Brasil
uma “corrosão do caráter”, conforme a expressão
nos anos 90 atingiu não apenas o setor privado da
utilizada por Sennet em seu estudo seminal sobre
economia brasileira, mas também o setor público.
o capitalismo flexível). Ela aparece, portanto,
Desde o governo Collor, e principalmente sob o
como o avesso da socialização do fordismo com
governo Cardoso, a administração pública tornou-
sua promessa de “integração” (SENNET, 1998).
se alvo das políticas neoliberais de desmonte do
Como verificamos no caso brasileiro, ela tende a
Estado. O corte dramático de investimento em
atingir o “núcleo estruturado” do contingente de
custeio e contratação, buscando atingir um
trabalhadores assalariados (aqueles detentores de
superávit primário capaz de satisfazer o FMI,
direitos trabalhistas), ligados às grandes empresas

82
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 19: 71-94 NOV. 2002

prejudicou a qualidade do serviço público no país industriais e de serviços mais dinâmicas, e por
e degradou salários e condições de trabalho dos outro lado, o desenvolvimento de uma precarização
trabalhadores do setor público. Sob as políticas heteróclita da força de trabalho, que se caracteriza
neoliberais, o Estado brasileiro deixou de ser não apenas pelo desemprego de massas e pela
indutor de políticas públicas e de investimentos inatividade, mas pela degradação de estatutos
sociais, cabendo a ele apenas as atividades de salariais e proliferação de trabalhos temporários,
regulador e fiscalizador da iniciativa privada. seja em atividades industriais ou de serviços.
Alguns dados podem ilustrar a degradação do a) O novo proletariado industrial e de serviços
trabalho no setor público na década passada. Por
A partir do novo complexo de reestruturação
exemplo, entre 1992 e 1995 o emprego público
produtiva tendeu a ocorrer no core dos conglo-
até cresceu, embora o crescimento tenha se dado
merados industriais e de serviços, a constituição
abaixo da expansão da ocupação no país: a sua
de um novo proletariado industrial e de serviços,
participação na ocupação reduziu-se, alcançando
um contingente mais restrito de jovens, homens e
11,4%. Entretanto, entre 1995 e 1997, a partir do
mulheres, com maior qualificação, que passaram
governo Cardoso, a queda do emprego público
a integrar o mundo da produção sob a égide da
foi significativa, com menos 140 000 empregos
lógica organizacional (e ideológica) do toyotismo.
(antes das privatizações dos serviços públicos dos
Primeiro, são operários e empregados com maior
anos 1998 e 1999, quando a queda foi ainda maior)
qualificação. Por exemplo, no caso da categoria
(EMPREGO PÚBLICO RESISTE, 2000).
metalúrgica, tendeu-se a exigir, cada vez mais,
Sob o governo Cardoso, o ajuste fiscal, a priva- domínio técnico e alto grau de escolaridade, ou
tização e a reforma administrativa contribuíram seja, Ensino Médio, muitas vezes completo, e
para uma modificação substancial do papel do polivalência, isto é, aptidão para trabalhar em vários
Estado brasileiro, com a ocupação no setor público setores na linha de produção (é uma das
perdendo importância no mercado de trabalho. disposições toyotistas que tende a significar tão-
Apesar disso, o setor público ainda é um impor- somente uma intensificação da exploração da força
tante empregador no país. Segundo levantamento de trabalho). No caso do trabalhador bancário,
do BNDES, com base no RAIS (Relação Anual em virtude da alteração de seu foco profissional,
das Informações Sociais), relativo a 2000, 25,3% tornando-se ele um “vendedor de produtos” e não
dos 28 milhões de empregos formais em todo o mais um “prestador de serviços”, passou-se a exi-
Brasil estão na administração pública. Entretanto, gir dele novas habilidades cognitivas e compor-
de 1992 a 1998, mudou o perfil do funcionário tamentais.
público no país, com a maior presença do servidor
Em termos relativos, o novo proletariado in-
público sem vínculo empregatício estável. A
dustrial e de serviços, com estatuto salarial formal,
porcentagem de servidores públicos regidos pela
passou a ter uma maior estabilidade no emprego.
CLT caiu de 35,5% em 1992, para 23,0% em
Segundo dados da RAIS (de 1999), de 1994 a
1998; a de estatutários teve um pequeno aumento
1999 tendeu-se a aumentar o tempo médio de
de 49,4% para 53,5% enquanto os outros tipos
permanência no emprego entre os operários e
de vinculo empregatício, ou seja, temporários, teve
empregados com carteira assinada (de 65,1 meses
um aumento significativo, de 11,7% para 19,7%,
em 1994 para 66,3 meses em 1999).
o que demonstra um aspecto da precarização do
trabalho no setor público na “década neoliberal” Apesar disso, a característica estrutural do
(PESSOA, 1999). capitalismo hipertardio no Brasil, a superexploração
da força de trabalho, não apenas persistiu, mas
III.2. O novo (e precário) mundo do trabalho
ampliou-se com o novo complexo de reestru-
Na “década neoliberal” surgiu uma nova turação produtiva, tendo em vista que o ganho de
configuração do mundo do trabalho no Brasil. Ela produtividade alcançado por uma força de trabalho
desenvolveu-se articulando as dimensões do mais qualificada e comprometida em executar, com
“novo” e as do “precário” mundo do trabalho. O mais intensidade, suas tarefas, não correspondeu
desenvolvimento do toyotismo sistêmico tendeu a um aumento do salário real.
a acirrar o contraste entre formas “arcaicas” e
Na verdade, na “década neoliberal”, a remu-
“modernas” de exploração da força de trabalho.
neração salarial não acompanhou o ganho de
Por um lado, a constituição de um núcleo de novos
produtividade alcançado. De modo geral, acen-
operários e empregados ligados às corporações

83
TRABALHO E SINDICALISMO NO BRASIL

tuou-se a queda da participação dos salários no Rodrigues no caso dos metalúrgicos do ABC,
PIB, de 45% em 1990, para 37% em 1999, em “uma postura mais pragmática e mais realista na
contraste com o crescimento da produtividade da relação capital-trabalho”. E salienta ele: “o medo
indústria, em média, 2,53% no Brasil, de 1991 a do desemprego passa a ser a principal preocupação
1998 (um detalhe: esse ritmo foi parecido ao da para um amplo setor da mão-de-obra” (RODRI-
economia norte-americana sob a nova economia, GUES, 1997, p. 123; sem grifo no original). Na
cuja produtividade crescia 2,65% por ano desde verdade, os jovens operários assumem uma atitude
1995). mais pró-ativa e colaborativa, apesar de incorporar
uma consciência ativa de direitos e de participação
A nova geração de operários e empregados,
sindical, ainda limitada pelo corporativismo de
aqueles com estatuto salarial formal e repre-
participação (no caso, os metalúrgicos do ABC,
sentando um contingente “nuclear” da força de
principalmente das montadoras).
trabalho, diante da constituição de um precário
mundo do trabalho, tende a ter, como observa

GRÁFICO 5 – Número de horas pagas, produção e produtividade (Brasil) (1990: base 100)

Número de horas pagas, produção e produtividade


Brasil

250

200

No. de Horas Pagas


horas pagas
150
Produção

100 Produtividade

50

0
1989 1991 1993 1995 1997

Fonte: IBGE, Pesquisa Industrial Mensal-Divisão Geral e Pesquisa Industrial Mensal-Produção Física
(apud BONELLI & FONSECA, 1998, p. 73).

b) O precário mundo do trabalho no país (BUONFIGLIO, 1999).


Se, por um lado, é perceptível a constituição Os crescimentos das empresas de trabalhos
de um contingente restrito de novos operários e temporários e de trabalhadores domésticos de-
empregados ligados a conglomerados industriais monstram a inserção crescente de um contingente
e de serviços, com estatuto salarial formal, por maciço de jovens, homens e mulheres, no mercado
outro lado, tendeu a ampliar-se o contingente do de trabalho de maneira precária, vendendo sua
proletariado industrial e de serviços mais precário, força de trabalho para indústria, bancos e comércio
constituído pela força de trabalho das suas redes por tempo parcial e determinado. Em sua maioria,
de subcontratação. O crescimento exacerbado da pertencem ao contingente de trabalhadores ocu-
terceirização na indústria e serviços contribuiu para pados do setor privado que não possuem cobertura
a constituição ampliada do precário mundo do da Previdência Social, ou seja, não têm direito à
trabalho. A disseminação de cooperativas de aposentadoria e nem auxílio-doença (segundo
trabalho, muitas delas constituídas para burlar a indicadores sociais de 2000, são cerca de 38,7
legislação trabalhista nas novas zonas industriais milhões de operários e empregados, ou seja, cerca
transplantadas da região Nordeste, são expressões de 60% dos trabalhadores ocupados do setor
dessa precarização heteróclita da força de trabalho privado) (SISTEMA EXCLUI, 2000).

84
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 19: 71-94 NOV. 2002

É nesse contexto de uma precarização heteró- mais um novo desempregado (POCHMANN,


clita da força de trabalho que podemos compre- 2000b). Se em 1996 tínhamos 4,74 milhões de
ender o aumento da informalização nos anos 1990. desempregados, em 1999 temos 7,23 milhões. No
Ele possui um complexo de determinações socio- caso das regiões metropolitanas do país, o
lógicas que não nos cabe investigar aqui. O que desemprego aumentou significativamente, de
iremos salientar é que ela é a expressão contingente 9,5% em 1996, para 14% em 1999, principalmente
da tendência de contínua precarização da força de nas regiões sul e sudeste (CAPITAIS PERDEM
trabalho no Brasil. Podemos explicar seu cresci- MAIS, 2000).
mento através de processos típicos da “década
É claro que o desemprego no Brasil possui
neoliberal”, como, por exemplo, o novo complexo
múltiplas determinações. Existem, por exemplo,
de reestruturação produtiva, que através da
desempregados urbanos (e rurais) de categorias
terceirização, contribuiu para o crescimento de
assalariadas da indústria, dos serviços e da
pequenas e médias empresas nas redes de
agricultura, atingidas pelo novo complexo de
subcontratação. Com pequena margem de
reestruturação produtiva, com seus processos de
lucratividade e pressionadas pelos custos tributários
inovações (e racionalização) organizacionais e a
e financeiros, algumas empresas subcontratadas
adoção de novos padrões tecnológicos. No caso
das corporações industriais e de serviços tenderam
da indústria, destacamos que o complexo de
a terceirizar e subcontratar força de trabalho sem
reestruturação produtiva (com o toyotismo
carteira assinada (o aumento da presença de
sistêmico) contribuíram para o aumento da
pequenas e médias empresas na década de 1990
produtividade do trabalho e a diminuição dos
acompanhou tal tendência).
postos de trabalho.
Por outro lado, o aumento do comércio
O exemplo da indústria automobilística na
ambulante é um dado importante não apenas das
região do ABC paulista é significativo. Em janeiro
regiões metropolitanas, mas das cidades médias
de 1990, os operários das montadoras na região
no Brasil, aparecendo como uma atividade
perfaziam um total de 57 939, e diminuíram para
permanente ou imposta pelo mercado a um
33 877 em junho de 2000 (DIEESE, 2000). De
contingente de proletários desempregados,
290 mil pessoas que perderam o emprego
subempregados e migrantes de áreas rurais nos
metalúrgico no ABC, no período de 1989 a 1997,
centros urbanos médios ou grandes (o problema
só metade conseguiu retornar ao mercado de
da migração rural e do desemprego no campo
trabalho formal. Dos 50% que conseguiram
adiciona novas determinações à precariedade do
emprego, 5% foram para o comércio, 10% para a
mundo do trabalho urbano). O comércio
área de serviço e 17% retornaram à indústria
ambulante ou o trabalho por conta própria
automobilística e 18% recolocaram-se em postos
precarizada tende a expressar um desemprego
de trabalho do setor metalúrgico. Os outros 50%
oculto que acompanha o crescimento do
estão desempregados ou caíram na informalidade
desemprego aberto no Brasil.
(CARDOSO, 2000, p. 65).
c) O crescimento do desemprego aberto
A perda de postos de trabalho atingiu vários
A dimensão de precarização heteróclita articula- setores industriais: por exemplo, o setor do aço
se com o crescimento do desemprego, em suas possuía em 1996, cerca de 65 227 trabalhadores;
várias dimensões (aberto ou oculto). No tocante em 2000, esse número caiu para 50 365
à indústria, o Brasil registrou nos anos 1990 queda trabalhadores, mesmo tendo verificado aumento
no nível de ocupação média anual de 1%, quando da produção. É claro que o desemprego cresceu
nos anos 1980 havia registrado expansão média em setores da indústria e dos serviços atingidos
anual de 3,1% – entramos no século XXI com pelo desmonte de cadeias produtivas em virtude
menos emprego na indústria que a ocupação da perda de mercado, decorrente da abertura
agropecuária. Se nos anos 1980, o desemprego comercial. A redução das tarifas de 50% em média
cresceu a uma taxa média anual de 3,8%, entre e as baixas taxas de juros externas favoreceram
1989 e 1999 o volume de desempregados cresceu as importações de produtos prontos para o
a uma taxa média anual de 15,4%, significando consumo, em prejuízo da produção interna, com
que a cada dois postos de trabalhos criados surgia reflexos diretos no emprego formal brasileiro.

85
TRABALHO E SINDICALISMO NO BRASIL

GRÁFICO 6 – Taxa média anual de desemprego aberto (Brasil)

Taxa média anual de desemprego aberto, no Brasil

8
7,5
7
6,5
6
5,5
%

5
4,5
4
3,5
3
1989 1991 1993 1995 1997 1999 2001

Anos

Fonte: IBGE (2001b, p. 51).

No caso da agricultura, entre 1989 e 1999, saram no mercado de trabalho. Dos 3,2 milhões
ocorreu a desaceleração da redução na ocupação de empregos formais destruídos, 2 milhões
agropecuária (-0,8%), frente à diminuição atingiram o segmento com menos de 25 anos
verificada entre 1979 a 1989 (-28,9%). Entretanto, (POCHMANN, 2000a). O subgrupo populacional
o desemprego tecnológico cresceu em algumas que vai dos 18 aos 24 anos, embora mais qualifi-
culturas e regiões em virtude da mecanização em cado, tendeu a enfrentar maiores dificuldades no
regiões de agroindústria desenvolvida, como no mercado de trabalho: comparados com a de outros
estado de São Paulo (CAMARGO & MARTI- grupos etários, a taxa de desemprego entre os
NELLI JR., 1997, p. 132). Mas isso não significa jovens é relativamente alta, chegando a 15%,
que a população rural tenha diminuído. Pelo con- enquanto na faixa dos 40 anos a 49 anos, não
trário, o mundo do trabalho rural tornou-se mais ultrapassa 5%. O desemprego entre os jovens
complexo e diversificado. A divisão entre campo passou de 1 milhão em 1989, para 3,3 milhões em
e cidade tornou-se cada vez mais relativa em vir- 1998 (A ADOLESCÊNCIA PROLONGADA,
tude do desenvolvimento ampliado do capitalismo 2000).
nas atividades rurais.
d) Os proletários assalariados e por conta própria
Segundo dados do Projeto Rurbano, desen- nas atividades de serviço
volvido por José Graziano da Silva, de 1992 a 1999,
No bojo do novo (e precário) mundo do traba-
apesar de o emprego agrícola ter tido redução de
lho é importante destacar o crescimento relativo
1,7% ao ano (maior do que na década de 1980,
dos trabalhadores assalariados (e por conta pró-
que era de 0,4% ao ano), a população rural passou
pria) das atividades de serviços. Por meio de indica-
a crescer 0,2%, aumentando, portanto, o emprego
dores do IBGE, podemos constatar que nos anos
não-agrícola (as famílias rurais passaram a aban-
1990 a expansão do setor terciário (11,3%) não
donar atividade agrícola, tendo ocupações em
conseguiu ser superior à dos anos 1980 (21,7%).
serviços domésticos, ajudantes, balconistas, pe-
Com certeza, a queda significativa da ocupação
dreiros etc.). Portanto, o mundo do trabalho no
na administração pública, em relação à década
campo tendeu a incorporar atividades não-agrí-
passada, contribuiu para a redução relativa da ex-
colas e de prestação de serviços (SILVA, 1999).
pansão da ocupacional no setor terciário. Os seg-
O desemprego no Brasil da “década neoliberal” mentos ocupacionais do setor terciário que mais
tendeu a atingir contingentes crescentes de força se destacaram nos anos 1990 foi o comércio
de trabalho jovem, ou seja, atingiu aqueles que (3%), social (2,9%) e prestação de serviço (2,7%).
buscam o primeiro emprego. Na década passada,
Mas o que se destaca, em relação aos anos
o país criou apenas 100 mil postos de trabalho
1980, é a posição do segmento ocupacional da
para jovens, enquanto 2,8 milhões de jovens ingres-

86
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 19: 71-94 NOV. 2002

prestação de serviços. De certo modo, o de serviços, nas áreas do tráfico de drogas, de


crescimento da ocupação de assalariados de armas etc. Uma massa de capital não desprezível
prestação de serviços diz respeito à dinâmica da mobiliza para a atividade ilícita um contingente de
produção industrial, que passou a incorporar novas trabalhadores do crime, recrutados entre desem-
tecnologias microele-trônicas, exigindo, cada vez pregados e proletários “excluídos”. Por exemplo,
mais, serviços de pesquisa e desenvolvimento, de segundo o Mapa da Inclusão/Exclusão Social
manutenção e assistência técnica, logística de 2000, ao longo da década de 1990 a exclusão social
produção etc. A terceirização, que é parte do novo aumentou na cidade de São Paulo, um dos centros
complexo de reestruturação produtiva, atingiu as urbanos industriais mais desenvolvidos do país:
indústrias, tornando-as mais segmentadas e dos 96 distritos que compõem a cidade, 53 tiveram
diferenciadas em si. Ocorreu a terceirização de uma piora significativa nas condições de vida de
atividades de serviços que, por serem endógenas seus habitantes, 6 ficaram praticamente estáveis
à empresa industrial, tendiam, antes, a serem e apenas 37 registraram melhoras (TOLEDO &
consideradas atividade industrial propriamente dita. ALENCAR, 2000). A presença do “crime orga-
Além disso, a privatização dos serviços de nizado” cresceu e vicejou diante da mercantili-
telecomunicações no Brasil e investimentos no zação exacerbada das relações sociais e do des-
setor de tecnologia de informação contribuiu para monte do poder público. Em geral, os negócios
o crescimento dos postos de trabalho nas áreas do crime organizado e o complexo de proletários
de serviços de tele-comunicações e informação, do ilícito que mobiliza tende a não ser incorporado
que cresceram vin-culados à nova dinâmica nas estatísticas sociais da informalização.
industrial, principalmente no período de 1994-
Finalmente, o desenvolvimento da precarização
1997.
heteróclita contribuiu, de certo modo, para o
A nova dinâmica industrial, ligada à in- crescimento do contingente de mulheres na PEA.
corporação crescente de novas tecnologias de Ele diz respeito não apenas a uma suposta moder-
informação, exigiu profissionais assalariados nização social, com as mulheres tornando-se
qualificados capazes de executar cada vez mais independentes em termos financeiros, mas prin-
atividades de trabalho imaterial, muitas delas cipalmente é indicativo do crescimento do desem-
vinculadas, direta ou indiretamente, à atividade prego masculino, do crescimento das mulheres
industrial, mas tidas como serviços. É importante como chefes de família ou ainda como parceiras
salientar que o mundo do trabalho de serviços de renda familiar (portanto, sintoma da desagre-
assalariados possui tanto sua dimensão “nova”, gação da concepção clássica de “família” ou do
ligada à nova economia e a indústrias mais decréscimo da renda familiar, respectivamente).
modernas, e uma dimensão tradicional e até Além disso, é expressão da precarização heteróclita
precária, lícita ou ilícita, vinculada a atividades de da força de trabalho no Brasil, tendo em vista que,
prestação de serviço de menor valor agregado. mesmo inserida no mercado formal de trabalho, a
mulher é segregada, ganhando menos que os
Além disso, no decorrer da “década neoliberal”,
homens (a “segregação por gênero”).
por conta da reprodução social, cresceu a
necessidade de investimentos nas áreas de A maior concentração de mulheres é no
educação e saúde. O desmonte do Estado e dos mercado informal, sobretudo no trabalho do-
serviços públicos tendeu a abrir espaço de méstico. Por exemplo, do total de trabalhadores
exploração para o capital nas áreas de prestação abrangidos pela RAIS, que atinge o mercado
de serviço, principalmente educação (com a formal de trabalho, as mulheres ocupam, com
proliferação do ensino privado, que articula um dados de 1997, apenas 38% dos empregos, num
contingente maciço de proletários da educação) e total de 9,1 milhões de trabalhadores em vários
da saúde (com a disseminação dos planos privados setores (serviços, administração pública, comér-
de saúde), além de abrir espaço crescente para cio, indústria de transformação e outros). Uma
organizações não-governamentais e cooperativas peculiaridade é que a maioria das mulheres trabalha
de trabalho, um crescente “terceiro setor”, que em empresas de pequeno porte, principalmente
passou a incorporar um contingente maciço de do setor de comércio (exceto no setor de adminis-
profissionais ao mundo do trabalho. tração pública). Entretanto, até mesmo no mercado
formal, a mulher ganha menos que o homem
Os indicadores sociais não conseguiram incluir
o crescimento do complexo de negócios ilícitos

87
TRABALHO E SINDICALISMO NO BRASIL

(MERCADO FORMAL, 2000). fragmentação subjetiva (e política). Os limites


estruturais do sindicalismo e a debilidade política
III.3. A fragmentação de classe e crise do sindi-
(e ideológica) do partido de classe tornaram-se
calismo no Brasil
manifesta. Os sindicatos demonstraram sua
No decorrer da “década neoliberal” ocorreu dificuldade histórica de lidar com o precário mundo
uma “implosão” dos núcleos mais organizados da do trabalho, com o trabalho precarizado, parcelado
classe, com importantes categorias de operários e informal, instalado na maioria das vezes nas
e empregados organizados tornando-se objeto de pequenas e médias empresas e nos domicílios.
uma nova ofensiva do capital na produção. É o
No tocante à práxis sindical dos anos 1990,
caso, por exemplo, das categorias de metalúrgicos
constatamos o predomínio de uma nova
e bancários, que se destacaram nos anos 1980
burocracia sindical, representada, no campo da
como vanguardas da resistência sindical. As bases
esquerda social-democrata, pela CUT, e no campo
sindicais de tais contingentes de trabalhadores
da direita, pela Força Sindical, que passaram a
assalariados, categorias importantes para a
incorporar práticas sindicais defensivistas de novo
dinâmica da luta de classes no país, tiveram no
tipo, buscando resistir, de modo propositivo (ou
decorrer dos anos 1990 perdas significativas de
de adesão sistemática, como é o caso da Força
postos de trabalho, seja devido à nova ofensiva
Sindical), à ofensiva neoliberal (BOITO, 1999, p.
do capital na produção, seja devido à política
186).
neoliberal (ALVES, 1995, p. 109).
Desde meados dos anos 1980 são perceptíveis
Na verdade, não é que a classe tenha se
tendências de um sindicalismo de novo tipo que
fragmentado, no sentido empírico, apesar de que
se desenvolvia, por exemplo, no seio da CUT, com
o mundo do trabalho tenha assumido, em termos
o predomínio de um sindicalismo propositivo e de
objetivos, uma feição mais heteróclita e segmen-
participação, de cariz social-democrata, ou ainda,
tada, ressaltando os contrastes ocupacionais, pro-
o surgimento de uma alternativa liberal-
fissionais e de qualificação. O que ocorreu foi a
conservadora, a Força Sindical, em 1991.
dispersão de seus coletivos organizados, bases
sindicais militantes e organizações por local de De certo modo, a irrupção da “década
trabalho, possuidores de uma experiência de luta neoliberal”, com a derrota política da Frente Brasil
de classes, constituídas no decorrer dos anos Popular, em 1989, e o desenvolvimento sistêmico
1980. Mesmo no setor público, onde a ofensiva de um novo regime de acumulação flexível, sob o
do capital (na forma da política neoliberal) assumiu primado do toyotismo como nova ideologia
a forma de privatização, desmonte e precarização orgânica da produção capitalista, além do débâcle
das condições de trabalho e do estatuto salarial, o do “socialismo real” (com a implosão do bloco
potencial de mobilização e luta sindical, apesar de soviético, a queda do Muro de Berlim e o
vigoroso em algumas categorias mais organizadas, desaparecimento da URSS) e do clima político-
não conseguiu ter a mesma eficácia do movimento ideológico pró-capitalista (a exuberância da
sindical da década passada. ideologia da globalização sob a hegemonia
americanista) contribuíram para a consolidação
Ora, o novo complexo de reestruturação pro-
política de tendências moderadas e defensivista
dutiva (e os ajustes neoliberais) tiveram seu caráter
no seio do sindicalismo cutista e para o surgimento
político (e ideológico) desvelado no decorrer dos
de tendências liberais no sindicalismo brasileiro (a
anos 1990. Seu movimento objetivo de exploração
criação da Força Sindical ocorreu em 1991, num
da força de trabalho e de acumulação de capital,
contexto de reação política no país). Na verdade,
principalmente no núcleo do trabalho produtivo,
criou-se um caldo sindical defensivista de novo
pressupunha a debilitação relativa da objetividade
tipo, capaz de garantir a sobrevivência de bases
(e subjetividade) da classe.
sindicais e de seus aparatos burocráticos sob a
As sucessivas conjunturas de flutuação na ofensiva do capital (de práticas de resistência
atividade da economia brasileira na “década passou-se à formulação de novas estratégias
neoliberal”, o complexo de reestruturação pro- sindicais e políticas) (ALVES, 2000, p. 302).
dutiva (cuja expressão mais significativa nos anos
Desenvolveu-se nos anos 1990 uma crise do
1990 foi a terceirização) com seu impacto abrupto
sindicalismo no Brasil e não propriamente uma
no mundo do trabalho organizado, conseguiram
crise sindical, tendo em vista que as burocracias
promover uma fragmentação objetiva dos núcleos
sindicais têm conseguido, de certo modo, preservar
mais organizados da classe, expondo sua
a estrutura sindical vigente. A crise do sindicalismo

88
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 19: 71-94 NOV. 2002

caracteriza-se não apenas pela queda na taxa de incapaz de realizar, greves gerais por categoria,
sindicalização, mas principalmente pela diminuição predominando, sob pressão do capital, negociações
da eficácia da ação sindical. coletivas descentralizadas e por empresa
(GALVÃO, 1999). Afirmou-se uma tendência, que
Na verdade, a ação sindical, principalmente
vinha desde meados dos anos 1980, ou seja, de
aquela vinculada ao novo sindicalismo dos anos
predomínio das negociações coletivas e greves por
80, tende a perder sua dimensão política, de prática
empresa (são exceções, por exemplo, a greve dos
de classe de cariz antagonista diante do capital,
petroleiros em 1995 que assumiu, de certo modo,
assumindo um caráter pragmático-neocorpora-
um caráter político contra a política neoliberal do
tivista, mais circunscrito à segmentação setorial
governo Cardoso).
ou por empresa (RODRIGUES, 1999).
A escassez das greves gerais por categoria na
Em primeiro lugar, no decorrer dos anos 1990
década passada – expressa, por exemplo, no
tendeu a crescer a participação do Poder Judiciário
decréscimo da média de grevistas por greve,
nas relações trabalhistas, haja vista que tanto
apesar do incremento relativo da quantidade de
trabalhadores individuais quanto sindicatos com
greves (conforme Tabela 1) –, além de demonstrar
menor capacidade de atuação tenderam a transferir
um sintoma das dificuldades de mobilização
o palco das negociações para a Justiça do Trabalho
sindical nas condições adversas de um precário
(num contexto político de ofensiva neoliberal pela
mundo do trabalho, significou o esgotamento
desregulamentação da legislação trabalhista e
relativo do instrumento político de generalização
esvaziamento normativo da Justiça do Trabalho).
das lutas da classe num contexto de política
Em segundo lugar, cabe salientar a descen- neoliberal, ofensiva do capital na produção e da
tralização das negociações coletivas, principal- constituição de um novo mundo do trabalho. Além
mente a partir do Plano Real e da estabilização disso, representa, é claro, uma debilidade política
monetária, em 1994. Sob a ameaça constante do (e ideológica) das organizações sindicais e da sua
desemprego e da precarização persistente, o capacidade de reagir à ofensiva do capital sob as
sindicalismo brasileiro, em seus pólos mais condições objetivas de um novo regime de
desenvolvidos, tendeu a evitar, ou tornou-se acumulação capitalista.

TABELA 1 – Número de greves, grevistas e média de trabalhadores por greve (1992-1997)

Anos Greves Grevistas Média de grevistas por


greve
1992 557 2 562 385 4 600
1993 653 3 595 770 5 507
1994 1 034 2 755 619 2 665
1995 1 056 2 277 894 2 157

1996 1 258 2 534 960 2 015


1997 630 808 925 1 284

Fonte: DIEESE apud Pessanha e Morel (1999, p. 33).

Existe uma determinação reflexiva entre a de fato, no decorrer da década de 1980 – e nos
política de descentralização das negociações anos 1990 – nos principais países capitalistas, por
coletivas e o desenvolvimento, nos anos 1990, de conta da ofensiva do capital na produção e das
um toyotismo sistêmico, como “momento políticas de neoliberalismo selvagem à la Thatcher.
predominante” do novo complexo de reestrutu- Foi nesse contexto depressivo de militância
ração produtiva. O toyotismo representa, como antagonista à lógica do capital que tenderam a
salientamos, não apenas um mero novo modelo predominar as políticas do sindicalismo propositivo
produtivo em si, mas uma nova ideologia orgânica de cariz neocorporativo e de participação.
da produção capitalista adequada às condições de
Em terceiro lugar, no decorrer da “década
crise do sistema sócio-metabólico do capital. Sua
neoliberal” tendeu a ocorrer uma maior participação
instauração sistêmica pressupõe a derrota política
dos sindicatos nos fóruns de políticas públicas e
(e ideológica) dos “intelectuais orgânicos” da clas-
fóruns tripartites de discussão sobre capacitação
se (sindicatos classistas e partido) – o que ocorreu,

89
TRABALHO E SINDICALISMO NO BRASIL

tecnológica e de qualificação profissional, de- cipação. Se quem ganhava acima de vinte salários
monstrando uma maior preocupação dos sindi- mínimos teve até 41% de reposição no salário,
catos em interferir na definição de políticas quem ganhava cinco salários mínimos teve, pelo
públicas de maior alcance. É um sintoma de crise contrário, 7,2 % de queda no salário (RODÍZIO
do sindicalismo, que, diante da diminuição da DE TRABALHADORES, 2001).
eficácia de ação sindical e incapaz de ir além da
Se por um lado a renda salarial, no período
esfera econômico-corporativa dada pela estrutura
curto de crescimento (1999-2000), recuperou-se
sindical brasileira de cariz verticalista, busca dar
em termos relativos, por outro lado a ocupação
sentido à sua prática política, intervindo em
de contingentes maciços da classe continuou
instâncias da burocracia pública e estatal.
precária. A capacidade de barganha sindical tornou-
Além disso, o acesso das centrais sindicais se um diferencial importante, contribuindo para a
(CUT, CGT e Força Sindical) a fundos público- segmentação neocorporativa, por setor ou por em-
estatais, como o FAT (Fundo de Amparo do presa, no interior da classe. Na perspectiva da
Trabalhador), por meio de elaboração de projetos classe, observou-se uma dualidade relativa entre
de qualificação profissional de acordo com a lógica trabalhadores empregados, com maior poder de
do toyotismo sistêmico, tendeu a contribuir para barganha sindical, que em períodos de crescimento
a preservação da burocracia sindical num contexto recompõe perdas e ganhos salariais através de
de crise do sindicalismo (em 2000, a Força negociações por empresas, tendo participação em
Sindical, por exemplo, consumiu 40% das verbas lucros e resultados; e um contingente crescente
do FAT). de trabalhadores precários de menor salário, não
organizados em sindicatos e cuja capacidade de
É claro que o sindicalismo no Brasil, apesar da
pressão coletiva é minada pelo desemprego maciço
“década neoliberal”, preservou algum poder de
e pela debilidade organizativa crônica.
barganha, alguma capacidade de reagir e de
negociar, entretanto sem conseguir ir além da Para as categorias de assalariados mais orga-
lógica concertativo-propositiva e sua implicação nizados, a pauta de negociação coletiva tendeu a
econômico-corporativa. Mesmo o maior experi- incorporar, por exemplo, a defesa do emprego, a
mento de resistência sindical dos anos 1990, a Participação nos Lucros e Resultados (PLR), a
criação das câmaras setoriais durante o governo flexibilização da jornada de trabalho (banco de ho-
Collor, padeceu do viés neocorporativo, com cada ras) e a discussão na gestão e organização do
sindi-cato levando a buscar soluções para o seu trabalho. Na verdade, alteraram-se as implicações
“setor”, contribuindo para uma luta velada entre do processo de negociação coletiva, que passou a
sindicatos de diferentes categorias e até entre a incorporar disposições do toyotismo sistêmico, ou
mesma ca-tegoria por verbas públicas para sua seja, o foco político-territorial de antagonismo
empresa ou setor, alimentando um exclusivismo entre capital e trabalho circunscreveu-se ao âmbito
ou egoísmo de fração (BOITO JR., 1999). da empresa e a implicação salarial vinculou-se mais
a recompensas de desempenho individual ou em
Durante o governo Cardoso, de 1994 a 2000,
equipe.
algumas categorias industriais mais organizadas e
com maior poder de barganha sindical, de setores Diante de um precário mundo do trabalho, de
que registraram em determinados períodos da uma precarização heteróclita, com o desemprego
conjuntura, crescimento da produção e do empre- tornando-se o espectro regressivo alimentador do
go, conseguiram pequenos aumentos reais de medo de um “núcleo restrito” de trabalhadores
salário. Por exemplo, em 1999, cerca de 35% dos industriais e de serviços empregados, o aumento
acordos coletivos concederam reajustes acima da nos valores da participação em lucros e resultados,
inflação e em 2000, o percentual subiu para cerca para categorias de assalariados mais organizados,
de 56% (após a desvalorização do Real, em 2000, contribuiu não apenas para promover um envolvi-
o Brasil teve uma pequena retomada do cresci- mento estimulado com os objetivos da empresa,
mento da economia). mas para amortecer a rebeldia individual e coletiva
diante de uma crescente superexploração da força
O que se observa é que os salários maiores
de trabalho4.
tenderam a puxar a recuperação da massa salarial,
demonstrando o foco restritivo e concentrador da
reposição salarial no interior da classe, alimentando,
portanto, tendências neocorporativas de parti- 4 A intensificação das tarefas e o aumento da produtividade

90
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 19: 71-94 NOV. 2002

A tendência de flexibilização da legislação toma de assalto o Direito do Trabalho. A “velha”


trabalhista que ocorreu nos anos 1990 tendeu a CLT tende a tornar-se um anacronismo jurídico.
incorporar as novas disposições do toyotismo A lógica jurídica, subsumindo-se meramente à
sistêmico, institucionalizando a fragmentação de lógica do capital, tende a abolir a própria base
classe, principalmente em seu foco de negociação ontológica do Direito do Trabalho, que se interverte
coletiva. A luta política (e ideológica) no seio do em Direito Civil (VIANA, 1999, p. 15).
movimento sindical brasileiro tornou-se mais
Mesmo diante de um novo (e precário) mundo
acirrada na “década neoliberal” por conta da
do trabalho tenderam a disseminar-se novos (e
tentativa do governo Cardoso e de lideranças
velhos) movimentos de resistência social, de
sindicais de orientação neoliberal, ligadas
contingentes da classe trabalhadora, operários e
principalmente à Força Sindical, em implemen-
empregados, e de contingentes excluídos da
tarem, sob oposição da CUT, uma política de
produção capitalistas (BUONFIGLIO, 2001).
desregulamentação do mercado de trabalho e de
Entretanto, ainda representam movimentos sociais
desmonte da CLT (Consolidação das Leis do
limitados (e fragmentários), alguns de caráter
Trabalho) como solução para a crise do empre-
problemático – na perspectiva de representar uma
go no país (o exemplo foi o projeto de lei que
alternativa à lógica mercantil-capitalista (como o
visava a estabelecer o Contrato de Trabalho por
movimento de cooperativas e de experiências
Tempo Determinado em 1997).
autogestionárias), e outros, com maior expressão
O que ocorre no Brasil dos anos 1990 é a política (e social) e voltado para a crítica da “nova
expressão particular-concreta de uma ofensiva ordem neoliberal”, como, por exemplo, o
mundial do capital financeiro, de cunho político Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
(e ideológico), que visa a degradar a base (MST), que traduz, em sua experiência de luta
institucional de exploração da força de trabalho pela reforma agrária no país, as reivindicações de
nos pólos mais organizados da classe trabalhadora, um contingente ampliado de proletários excluídos
seja nos países capitalistas centrais (principalmente (ANTUNES, 1998).
União Européia, onde o sindicalismo reserva ainda
De certo modo, o maior desafio do sindicalismo
uma eficácia política), seja nos países capitalistas
no Brasil na virada para o século XXI é romper
industrializados não-desenvolvidos (caso do
com o viés burocrático-corporativo, organizar e
Brasil).
mobilizar um contingente maciço de jovens
A perspectiva do establishment liberal está operários e operárias, empregados e empregadas
expressa nas idéias do Prêmio Nobel de Economia e, inclusive, trabalhadores por conta própria
em 2000, James Heckman, que sugere que: 1) os precarizados, explorados pelo capital. Em
contratos de trabalho coletivos ou mesmo decorrência da crise do sindicalismo, que possui
individuais sejam por empresa e não mais por um componente estrutural (os limites do
categoria ou sindicato; 2) os contratos de trabalho sindicalismo diante da nova lógica de acumulação
temporário livremente negociados sejam em meses capitalista), a capacidade de agitação sindical no
ou anos ou simplesmente pelo prazo da execução sentido de sua inserção nas lutas sociais tornou-
de um projeto, uma obra, uma encomenda, uma se bastante exígua (o próprio viés neocorporativo
safra ou um negócio sazonal, e 3) a participação contribuiu para seu isolamento relativo dos
seja não apenas nos resultados (estimulado pelo problemas prementes do mundo do trabalho). Os
contrato por empresa), mas na parte do prejuízo sindicatos parecem incapazes de representar, não
(BETING, 2000). apenas em virtude de problemas burocrático-
organizativos (ainda bastante verticalizados), mas
Na verdade, a implicação contratual
principalmente político-ideológicos, o novo (e
descentralizada, por empresa, tende a debilitar a
precário) mundo do trabalho que surge com a
capacidade de resistência de classe e limitar a ação
mundialização do capital.
sindical a um campo econômico-corporativo.
Diante da voracidade da reestruturação capitalista, A “década neoliberal” representou a ampliação
o fato tende a tornar-se lei. O positivismo jurídico do vácuo organizativo do mundo do trabalho no
Brasil. É claro que o sindicalismo brasileiro sempre
organizou um contingente limitado do mundo do
do trabalho muito acima dos aumentos salariais demonstram
trabalho, restringindo-se, no caso de centros urba-
um aprofundamento da superexploração do trabalho nos nos, aos núcleos modernos da produção capitalista
anos 1990. no país. Mas, com a ofensiva do capital na produ-

91
TRABALHO E SINDICALISMO NO BRASIL

ção, que atinge os pólos mais desenvolvidos e significou uma regressão relativa do sindicalismo
organizados da força de trabalho, o sindicalismo no Brasil, principalmente no tocante à sua capaci-
foi atingido em sua base social moderna – o que dade de agitação social e de militância política.

Giovanni Alves (giovanni.alves@uol.com.br) é Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual


de Campinas (UNICAMP) e Professor do Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade
Estadual Paulista (UNESP), campus de Marília.

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94
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 19: 157-159 NOV. 2002

investment that has been made in the automobile industry in the Greater Curitiba, state of Paraná.
The research adopts a perspective on globalization that takes into account both global structures
and mechanisms as well as the decision-making sphere of local government. The authors come to
the conclusion that researchers should include social as well as political aspects in their analyses, as
well as research the investments, strategies and operations of transnational firms in Brazil, employing
interdisciplinary approaches that take international economic policy into account.
KEYWORDS: globalization, transnational enterprise, automobile industry.
* * *
LABOR AND UNIONISM IN BRAZIL: A CRITICAL INVENTORY OF THE “NEOLIBERAL
DECADE” (1990-2000)
Giovanni Alves (Universidade Estadual Paulista – Marília)
This article presents an overview of principal shapes that the world of labor took on in Brazil during
the nineties. We refer to this period as the “neo-liberal decade”. We emphasize the development of
a new complex of productive restructuring and its dominant moment (Toyotism), as well as the
emergence of a new (and precarious) world of labor and the advent of the crisis of unionism, which
we consider to be the contingent expression of the fragmentation of the working class. We come to
the conclusion that today more than ever, at the start of the twenty first century, the greatest challenge
that Brazilian unionism faces involves a break with its bureaucratic-corporative bias, as well as the
organization and mobilization of a massive contingent of young workers and employees and even the
precarious self-employed or workers subject to capitalist exploitation. We make critical use of empirical
data from books and essays written by researchers from the fields of economics, sociology of work
and industrial sociology in Brazil over the last decade
KEYWORDS: labor; unionism; Neo-liberalism; Toyotism, unemployment.
* * *
PIERRE BOURDIEU’S SOCIOLOGICAL LEGACY: TWO DIMENSIONS AND A PERSONAL
NOTE
Loïc J. D. Wacquant (University of California, Berkeley/Centre de sociologie européene du Collège
de France)
This article is made up of three parts, each of which re-traces and discusses the life and sociological
work of Pierre Bourdieu, who died in January of 2002. The first section discusses the French thinker’s
career, and seeks to relate each stage of his life with the ongoing development of his thought - from
his primary schooling in the French interior to his international recognition, and including his studies in
Philosophy in Paris and anthropological research in Algeria. The second section uses an interview to
engage in a discussion of reflexive sociology, of “the logic of practice”, and of other concepts that
Bourdieu formulated for the study of social reality and to incite the discovery of new research
agendas. The third section discusses the importance of the journal Actes de la recherche en sciences
sociales which Bourdieu founded, meant to transcend the several boundaries of nationality and
disciplines which circumscribe and limit scientific production.
KEYWORDS: Pierre Bourdieu; intellectual trajectory; reflexive sociology; the logics of practice;
Actes de la recherche en sciences sociales.
* * *
EXPLAINING THE MANAGEMENT STATE’S IMPLEMENTATION CRISIS:
PERFORMANCE VERSUS FISCAL ADJUSTMENT
Flávio da Cunha Rezende (Universidade Federal de Pernambuco)

158
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 19: 165-167 NOV. 2002

Cet article présente les résultats préliminaires d’une recherche dont l’objectif est de développer une
référence théorique afin d’analyser les antécédents et les implications de la globalisation économique
au Brésil. Plus particulièrement, l’article met en relief les problèmes de gouvernement et maintien
environnemental concernant les investissements directs étrangers qui ont été effectués dans l’industrie
automobile de la région de Curitiba, dans l’état du Paraná. La recherche suit une perspective particulière
de globalisation qui considère autant les mécanismes et structures globales que l’espace de décision
des gouvernements locaux. Les auteurs considèrent finalement que les chercheurs doivent prendre
en compte non seulement les aspects sociaux mais encore les aspects politiques dans leurs analyses
et qu’il faut entreprendre, lorsqu’on mène des recherches portant sur investissements, stratégies et
opérations des entreprises transnationales, des approches interdisciplinaires compte tenu de l’approche
du domaine de l’économie politique internationale.
MOTS-CLÉS: globalisation; entreprise transnationale; industrie automobile.
* * *
TRAVAIL ET SYNDICALISME AU BRESIL: UN BILAN CRITIQUE “DES ANNÉES NEO-
LIBERALES” (1990-2000)
Giovanni Alves (Universidade Estadual Paulista – Marília)
Cet article présente un tableau des principaux contours du monde du travail au Brésil, dans les
années 90. On appelle cette période “les années néo-libérales”. On souligne le développement d’un
nouveau réseau de restructuration productive et son moment le plus important (le toyotisme), la
naissance d’un nouveau (et fragile) monde du travail et l’avènement de la crise du syndicalisme,
considérée comme l’expression nécessaire de la fragmentation de la classe ouvrière. On estime
qu’aujourd’hui, plus que jamais, le grand défi du syndicalisme au Brésil à l’aube du XXIème siècle est
de rompre avec la tendance burocratique-corporatiste, d’organiser et de mobiliser un contigent
important de jeunes ouvriers et ouvrières, employés, y compris les travailleurs indépendants en situation
difficile et exploités par le capital. On a utilisé, dans une perspective critique, les données empiriques
des livres et des essais de chercheurs du domaine de l’économie et de la sociologie de l’industrie et
du travail au Brésil, parus tout au long des années 90.
MOTS-CLÉS: travail; syndicalisme; néo-libéralisme; toyotisme; chômage.
* * *
L’HERITAGE SOCIOLOGIQUE DE PIERRE BOURDIEU: DEUX DIMENSIONS ET UNE
TOUCHE PERSONNELLE
Loïc J. D. Wacquant (University of Californie, Berkeley/Centre de socilogie europénne du Collège
de France)
Cet article est composé de trois parties où l’on retrace la vie et l’oeuvre sociologique de Pierre
Bourdieu, décédé en janvier 2002 et l’on en discute. La première partie présente la carrière du
penseur français et cherche à mettre en rapport chaque étape de sa vie avec le développement de sa
pensée depuis les premières études en province jusqu’à sa renommée internationale. On se reporte
également à ses études de philosophie à Paris et aux investigations anthropologiques en Argélie. La
seconde partie consiste en un débat, par le biais d’une interview, de la sociologie réflexive, de la
“logique de la pratique” et d’autres concepts formulés par Bourdieu avec l’objectif d’étudier la
réalité sociale et d’inciter à la découverte des nouveaux agendas de recherche. La troisième partie
a pour thème l’importance de la revue Actes de la recherche en sciences sociales, fondée par le
sociologue et destinée à dépasser les diverses frontières de nationalité et de disciplines, qui entourent
et limitent la production scientifique.
MOTS-CLES: Pierre Bourdieu; trajectoire intellectuelle; sociologie réflexive; logique de la pratique;

164

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