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122-135 (2015)
I
Perfil sociocultural de produtores de leite bovino do município Art
de São Bento do Una (PE) e suas implicações sobre o manejo da igo
ordenha
Tássio José de Oliveira Almeida1; Vanessa Vasconcelos de Araújo2; Paulo Jedyson da Silva Feitosa3;
Arminda de Fátima Alves da Silva4
1
Unidade Acadêmica de Garanhuns, Universidade Federal Rural de Pernambuco. tassioalmeida@live.com
2
Unidade Acadêmica de Garanhuns, Universidade Federal Rural de Pernambuco. vanessinha-vasconcelos@hotmail.com
3
Unidade Acadêmica de Garanhuns, Universidade Federal Rural de Pernambuco. jedyson_feitosa@hotmail.com
4
Professora associada da Unidade Acadêmica de Garanhuns, Universidade Federal Rural de Pernambuco.
armindadefatima@hotmail.com
Resumo: A produção de leite bovino constitui-se como uma atividade de grande relevância dentro do
agronegócio, proporcionando empregos diretos e indiretos, possibilitando a fixação do homem no campo. Porém, o
leite produzido pode tornar-se um problema de saúde pública se não tiver um manejo higiênico-sanitário adequado
em sua produção, transformação e conservação. Objetivou-se diagnosticar o perfil sociocultural dos produtores de
leite do município de São Bento do Una – PE e verificar suas implicações sobre o manejo da ordenha. O trabalho
caracteriza-se como um estudo quantitativo, com aplicação de um questionário a 27 produtores de leite, em outubro
de 2014, na feira do município supracitado. Os dados foram analisados através de estatística descritiva, com
obtenção de um perfil através do destaque das maiores frequências. Os resultados mostraram uma baixa
escolaridade dos produtores, escassa assistência técnica e acompanhamento veterinário do rebanho, que refletem no
desconhecimento e na baixa adoção de técnicas de manejo higiênico durante a ordenha. Constatou-se ainda uma
ampla possibilidade de desenvolvimento e necessidade de promoção em saúde, podendo contribuir para melhoria
qualitativa e aumento da produtividade leiteira.
Palavras- chave: leite; entraves na produção; manejo higiênico-sanitário; nível de instrução.
Socio-cultural profile bovine milk producers in São Bento do Una’s city (PE) and their implications on the
milking management
Abstract: The production of milk is an activity of enormous relevance to the agribusiness, providing direct
and indirect jobs, and then keeping workers on the field. However, the milk that is produced could became an issue
on people’s health if it is not have a proper hygienic-sanitary management in the moment of its production,
transformation and conservation. The aim of this study is identify the socio-cultural profile of milk producers in
São Bento do Una’s city and verify its implication on the milking management. This article is characterized as a
quantitative study and a questionnaire has been applied to 27 milk producers in October 2014, on the street market
of that city. The data was analysed using descriptive statistics, considering a profile by highlighting the higher
frequencies. The results showed a low level to the producers’ education, poor technical assistance and veterinary
monitoring of the cattle, it reflects on the low level of knowledge and poor adoption of hygienic technics’
managements during milking. Also, it was found a huge possibility of development and the needing of health’s
promotion, contributing to improvement on quality and on milk productivity.
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CAVALHEIRO et al. (2014) no município de produtores com ensino superior (50%), 22,7%
Juína (MT), onde nenhum dos filhos dos chegaram ao ensino médio e 26,3%, ao ensino
ordenhadores de leite tem a intenção de fundamental (ANTONANGELO et al., 2009).
prosseguir com o trabalho de seus pais e, quando Dessa forma, observa-se que a falta de
adultos, costumam trabalhar no comércio local investimentos em educação, especialmente rural,
da área urbana. Isso mostra que esses jovens dificulta o acesso da população rural à
estão encontrando dificuldades na inserção da informação, uma vez que apresentaram um baixo
atividade leiteira como aquisição de renda e de nível de instrução. Esse investimento é ainda
permanência no campo, buscando outras menor na região Nordeste do Brasil, onde existe
alternativas de emprego e, na maioria das vezes, um grande potencial para produção leiteira e
migrando para área urbana. para diversas outras atividades do ramo
O grau de escolaridade dos entrevistados agropecuário que também necessitam de maior
em sua maioria é mínimo, uma vez que dos 27 tecnificação.
entrevistados, 24 (88,88%) não chegaram a Entretanto, para os produtores
cursar o ensino médio. Mais da metade (55,55%) introduzirem essas tecnologias em suas
possui o fundamental incompleto, 33,33% possui atividades é importante que tenham maior
o fundamental completo e apenas três (11,11%) conhecimento e informações.
concluíram o ensino médio. O baixo nível de A mão de obra familiar apresenta-se com
escolaridade desses produtores é um dos grande importância para o desenvolvimento da
principais fatores que dificultam o processo de atividade leiteira (62,96%), mostrando a
inovação tecnológica no meio rural (OLIVEIRA importância da participação dos constituintes da
et al., 2013; MACEDO et al., 2014). Essa família no desenvolvimento da atividade. O
problemática da educação se estende pelo envolvimento da família pode refletir na baixa
Nordeste, uma vez que Santos et al. (2009) escolaridade observada, em que a falta de
observaram que 72,7% dos produtores de leite conhecimento e preparação os obriga a se
do Estado da Paraíba cursaram apenas as envolver com a produção leiteira, especialmente
primeiras séries do ensino fundamental. no caso dos cônjuges que não possuem outras
Diferentemente, os produtores do Assentamento fontes de renda.
Alegre, município de Araguaína (TO) De acordo com FRANÇA (2006), o nível
apresentaram nível de escolaridade mais de escolaridade é inversamente proporcional à
elevado, uma vez que 60% possui segundo grau mão de obra familiar, ou seja, quanto maior o
incompleto (PEDRICO et al., 2009) e em Avaré número de parentes trabalhando na criação,
e Botucatu (SP) houve predominância de menor o grau de escolaridade (FRANÇA, 2006).
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A maior parte dos produtores (62,96%) hábito e conhecimento da produção é outro fator
tem como renda única a bovinocultura leiteira. que contribui para a continuidade na atividade
De acordo com ANTONANGELO et al. (2009), (FRANÇA, 2006). É notável o gosto de alguns
essa maior dependência está relacionada ao produtores pela atividade leiteira, uma vez que
baixo nível de instrução, estando a atividade 33,35% citaram o prazer de trabalhar na
menos susceptível de ser abandonada, mesmo os atividade como motivo principal. Apenas
produtores sentindo-se pessimistas quanto ao 14,81% dos produtores ingressaram na atividade
futuro. Corroborando com esse dado, por interesse em geração de renda familiar,
OLIVEIRA et al. (2013) observaram que em três mostrando que outros motivos foram mais
assentamentos no semiárido do estado de influentes, ou seja, o potencial de ganho
Sergipe, a bovinocultura leiteira é a principal financeiro não é um atraente da produção.
fonte de renda. Isso demonstra a real importância Outros produtores (22,22%) entraram na
econômica e social dessa atividade, atividade por falta de opção de emprego em
principalmente para região Nordeste do Brasil, outras áreas.
constituindo-se num dos principais fatores da A maior parte desses produtores têm
geração de emprego e renda, fixação do homem perspectivas em progredir na atividade (55,55%),
no campo e, consequentemente, diminuição do no entanto, encontram dificuldades, apontando
êxodo rural (FERREIRA et al., 2009). Isso diversos fatores prejudiciais à produção leiteira
também reflete que os produtores não procuram como: baixo preço de venda do leite (88,88%),
diversificar suas atividades como forma de altos custos de produção (77,77%), dificuldade
ampliar a renda, através da adoção da de encontrar mão de obra (74,07%), dificuldade
pluriatividade (CRUZ, 2012). Esse número de de escoamento da produção (37,03%), baixa
entrevistados ligados unicamente à produção produtividade dos animais (29,62%) e falta de
leiteira, também reforça o grande potencial da apoio governamental (59,25%), o que levam os
atividade para o Agreste de Pernambuco que produtores a recorrerem aos bancos e recursos
pela sua alta produção de leite é conhecida como próprios para melhorar ou até mesmo manter sua
a bacia leiteira do Estado (SEBRAE, 2010). criação. Segundo o estudo de ANJOS (2011),
Quando se especulou sobre os motivos de referente aos produtores da Paraíba, o maior
entrarem na atividade leiteira, 29,62% citaram a entrave para a obtenção de uma melhor
influência dos pais que também eram produtores. produtividade é a dificuldade em conseguir
Se por um lado esses produtores muitas vezes, financiamento, com a demora na liberação dos
têm receio de interromper a atividade que vinha recursos solicitados e juros elevados. Outro
sendo desenvolvida pelos pais, por outro, o problema citado por ARAÚJO et al. (2013) para
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produção de leite no município de São Bento do anuais (3,70%). Esse fato é preocupante, uma
Una, corresponde a estiagem prolongada, vez que a prática da medicina veterinária por
fenômeno que ocorre periodicamente e leva a pessoas sem a devida formação é ilegal e a
alta mortalidade bovina e, consequentemente, participação do profissional dentro da
diminuição da produção leiteira. No estudo propriedade, se faz imprescindível para
supracitado, detectou-se que em 2012 o adequação da produção leiteira e para que os
município apresentou redução da produção de devidos cuidados sejam tomados na obtenção de
leite de 39,16% em relação ao ano anterior e, em um leite de qualidade.
2013 apresentou uma redução de 13,15% do Outro fato que reflete na produção
número de bovinos em relação ao ano de 2011, leiteira desse município corresponde a
período esse em que o Nordeste foi atingido por organização socioeconômica e política, quando
um longo período de estiagem. mais da metade dos produtores (55,5%) não
Um fator preocupante é a falta de participa de cooperativas, associações ou
esclarecimento sobre a importância e benefícios sindicatos. Além disso, 62,96% dos
de profissionais para a assistência da entrevistados não frequentam reuniões, palestras
propriedade, visto que a maioria não recebe ou cursos ligados à área de produção de leite.
nenhum tipo de assistência técnica (81,49%), Nos estudos de FRANÇA (2006), observou-se
corroborando com o estudo de SILVA et al. que muitos produtores (40%) também não
(2008), onde 85% dos produtores de leite do participam dessas reuniões ou palestras. Essa
município de Bélem do Brejo do Cruz- PB, participação seria uma forma de conscientização
declararam nunca ter recebido esse tipo de a partir da implantação de conhecimentos,
orientação. Já em Palmas (TO), o governo se faz mudanças comportamentais, formas adequadas
mais presente quanto aos investimentos em de realizar o manejo produtivo e higiênico,
assistência técnica, uma vez que 50% dos visando o aumento da produção leiteira em
produtores de leite relataram recebê-la com quantidade e qualidade e, consequentemente, à
periodicidade (ROSANOVA; RIBEIRO, 2010). elevação da renda e melhor qualidade de vida
Quanto à assistência de médico veterinário, das famílias rurais.
embora 66,68% necessitem desse A qualidade do leite é uma preocupação
acompanhamento, normalmente os constante da saúde pública, uma vez que seu
procedimentos são realizados por pessoas sem consumo pode resultar em Enfermidades
formação em medicina veterinária; parte nunca Transmitidas por Alimentos (ETA),
necessitou (14,81%); recebem visitas semestrais especialmente pelos riscos de veiculação de
(11,11%); visitas mensais (3,70%) ou visitas micro-organismos patogênicos e deterioradores
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(MACIEL et al., 2003). Observa-se que dos Isso mostra que alguns produtores do
entrevistados, pouco mais da metade (55,54%) município já estão preocupados em levar
tem conhecimento de que o leite pode carrear inovação tecnológica para suas propriedades,
micro-organismos, enquanto outros não sabem mediante o conhecimento do potencial e
informar (33,35%) ou negam essa possibilidade benefícios dessas tecnologias para o aumento da
(11,11%). Esse grande número de pessoas que produtividade e qualidade do leite.
desconhecem esse fato está diretamente Sobre as práticas efetuadas ao manejo da
associado ao baixo nível de instrução, haja vista ordenha, com a adoção de técnicas de profilaxia,
que esse tipo de informação também pode ser ocorre diminuição significativa na contagem de
acessada nas próprias escolas, entretanto, como bactérias psicrotróficas do leite, comprovando a
observado, poucos foram aqueles que importância das práticas de higiene e limpeza
prosseguiram com os estudos. sobre a qualidade microbiológica do leite
Os entrevistados possuem um rebanho (GUERREIRO et al., 2005). Segundo Fagundes
médio de 56 bovinos, com 22 vacas em lactação et al. (2006), a contagem de bactérias da
e produção leiteira média diária de 315,5 litros. superfície dos tetos é eficientemente reduzida
Já ROSANOVA & RIBEIRO (2010) encontrou nas vacas das propriedades que adotam a
em Palmas (TO) uma média de 74 animais, lavagem de tetos antes da ordenha. Apenas 8
sendo superior ao nosso estudo, porém uma produtores entrevistados (29,63%) realizam essa
produção média diária bem inferior, de 119,67 técnica (Tabela 1).
litros por propriedade, mostrando o grande Percebe-se que apenas 37,5% dos
potencial do município pesquisado para produtores que fazem a lavagem dos tetos
produção leiteira. prosseguem com a secagem, uma vez que a
Apenas três produtores adotam o sistema prática de secagem dos tetos é executada por
de ordenha mecânica em suas propriedades apenas três produtores (11,11%), que afirmam
(11,11%), sendo na grande maioria das fazer a secagem com papel toalha após a
propriedades ordenha manual (88,88%). Esse lavagem dos tetos. Esses resultados foram
resultado ainda é superior ao encontrado na semelhantes aos encontrados por Cunha et al.
Comunidade São Justino, em Juína (MT), onde (2013), onde os 50% dos produtores da
100% fazem a ordenha de forma manual microrregião de Garanhuns (PE) realizam a
(CAVALHEIRO et al., 2014) e na Zona da Mata lavagem e apenas 25% fazem a secagem, porém
de Minas Gerais, onde 96% dos produtores inferiores aos descritos por PEDRICO et al.
procedem da mesma forma (ZOCCAL; SOUZA; (2009), onde 68% dos produtores de Araguaína
GOMES, 2005). (TO) fazem a lavagem dos tetos das vacas antes
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da ordenha e 60% realizam a secagem. Esse escolaridade, segundo grau incompleto (60%),
número elevado corresponde ao nível de superior ao município estudado.
Prática FA FR (%)
Lavagem dos tetos 8 29,63
Secagem dos tetos 3 11,11
pré-dipping 3 11,11
pós-dipping 3 11,11
Caneca telada 3 11,11
CMT 1 3,7
Arraçoamento após a ordenha 26 96,29
FA= Frequência absoluta; FR= Frequência relativa.
Fonte: elaboração própria.
Sobre a utilização das soluções pré- da mastite (PEDRICO et al., 2009) é uma prática
dipping e pós-dipping e o uso da caneca telada, de manejo comumente realizada pelos
percebeu-se que é feita por apenas três entrevistados (96,29%). Vale salientar que esse
produtores (11,11%). O teste CMT “California manejo não é realizado pelo conhecimento de
Mastitis Test” é adotada em apenas uma sua importância para qualidade do leite, mas sim
propriedade (3,7%). Esses dados corroboram por uma realidade cultural, uma vez que
com Cunha et al. (2013), onde 25% dos habitualmente após a ordenha os produtores
produtores realizam o pré-dipping, 12,5% o pós- alimentam seus animais, sendo uma prática
dipping e 12,5% o teste da caneca. Vale ressaltar passada de pai para filho por longas gerações.
a grande importância da adoção dessas técnicas Os entrevistados que utilizam técnicas
dentro do manejo na ordenha para obtenção de higiênicas para obtenção do leite em suas
um leite de qualidade. propriedades (secagem dos tetos, pré-dipping,
Quanto ao arraçoamento dos animais pós-dipping e caneca telada) e que trabalham
após a ordenha, que é uma prática adotada para com o sistema de ordenha mecânica, são aqueles
manter a vaca em pé até que o esfíncter do teto que possuem o ensino médio completo. Isso
esteja totalmente fechado, evitando a penetração comprova a importância do conhecimento e grau
de micro-organismos potencialmente causadores de instrução para adoção de medidas de obtenção
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