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Thérèse Hofmann
Decana de Extensão da Universidade de Brasília
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MOBILIÁRIO MODERNO:
alex calheiros
marcelo mari
priscila rossinetti rufinoni
(orgs.)
Brasília, 2014
Supervisão, coordenação geral da pesquisa
Marcelo Mari
Apoio de pesquisa
Artur Cruvinel de Oliveira
Camila Marcatti
Luiz Eduardo Araújo
Thiago Freire
4 Revisão de textos
Ana Cecília Mari
Priscila Rossinetti Rufinoni
Fotografia
Joana França
José Luís Serzedelo
Rafael Gontijo
Tratamento de imagens
Armando Salmito
Concepção gráfica
Luiz Eduardo Araújo
Thiago Freire
Foto da capa
Luiz Marçal na marcenaria da UnB, c. 1963/65.
Fonte: Arquivo Central da Universidade de Brasília.
M687
Mobiliário moderno : das pequenas fábricas ao projeto da UnB
/ Alex Calheiros, Marcelo Mari, Priscila Rossinetti Rufinoni,
[organizadores]. – Brasília: Editora Universidade de Brasília,
2014.
250 p. ; 24 cm.
ISBN 978-85-230-1125-3
CDU 749.1
Agradecimentos
A Alex Chacon, Antônio Carpintero, George Dubugras, João Filgueiras Lima, Luís 5
Humberto, Sergio e Vera Rodrigues pelas entrevistas e conversas, sem as quais este
livro não existiria.
A Sergio Rodrigues, ainda, pelos desenhos especiais cedidos para esta edição.
A Flávio Tavares e Frank Svensson pela reprodução de seus depoimentos neste livro.
Durante o trabalho de finalização deste livro, fomos apanhados pelas notícias das
mortes do pintor e professor Glênio Bianchetti, o qual tencionávamos entrevistar; de
Lelé, cujo breve relato por telefone nos ajudou tanto a elucidar um pouco mais desta
história; e, por fim, de Sergio Rodrigues, outro protagonista a quem tanto devemos.
Este livro é dedicado a Bianchetti, Lelé e Sergio Rodrigues e, pelo nome deles, a todos
6 os pioneiros, in memoriam.
Sumário
Apresentação
Théresè Hofmann..............................................................................................................11
Prefácio
Ivan Camargo....................................................................................................................13 7
Introdução
Maria Cecilia Loschiavo dos Santos..................................................................................15
Depoimento 1
Flávio Tavares....................................................................................................................25
Depoimento 2
Frank Svensson.................................................................................................................29
Capítulo 1
Aporias do Projeto Moderno
Gustavo Pedroso...............................................................................................................37
Capítulo 2
Do ornato ao módulo: experiências e expectativas modernas na
comunidade Unilabor
Priscila Rossinetti Rufinoni................................................................................................55
Capítulo 3
Lina, Ruchti e Zanine: três modernos na encruzilhada dos ano 1950
Camila Gui Rosatti.............................................................................................................75
Capítulo 4
O caminho para a UnB: Sergio Rodrigues, Ernesto Hauner e o desenvolvimento
do Móvel Moderno no Brasil
Mina Warchavchik Hugerth................................................................................................97
Capítulo 5
Dois Candangos e o legado de Sergio Rodrigues na UnB
Marcelo Mari....................................................................................................................113
Capítulo 6
João Filgueiras Lima: uma ponte entre a arquitetura e o design
Adalberto Vilela................................................................................................................127
Capítulo 7
Produção de móveis na UnB: cadeiras de madeira e de couro
Marcelo Mari....................................................................................................................149
Entrevistas.......................................................................................................................173
Catálogo..........................................................................................................................215
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A presente obra, organizada por Alex Calheiros, Marcelo Mari e Priscila Rufinoni, traz 11
aos que viveram o início da UnB, a possibilidade do resgate da memória de momentos
importantes que mudaram a condição do país e colocaram a Universidade de Brasília
no centro da transformação da arte, do design, da arquitetura e do urbanismo. Um
momento em que educadores, pensadores, artistas, arquitetos, designers e
intelectuais diversos vieram para o centro do país acreditando na possibilidade da
transformação e no pioneirismo das ações nesta terra de poucas condições, mas de
muita vontade de ser diferente e de estímulos ao inovar, à síntese e à criatividade.
Para os novos, que não viveram aqueles momentos, a recuperação das imagens e
das histórias apresenta a oportunidade de conhecer as bases que construíram esta
Universidade e a nova Capital.
O resgate destas histórias e estórias, das imagens dos objetos e móveis produzidos,
do pensamento motivador e da linha diretriz daquele momento traz o reconhecimento
da grandiosidade das ações e das pessoas, que se uniram em torno de vários ideais
de superação e inovação.
Avalio com entusiasmo a presente obra, responsável por precioso resgate histórico
por meio do mobiliário da UnB. Trata-se de uma iniciativa originada da percepção de
docentes e pesquisadores. Membros da academia que perceberam o valor das peças
que compõem os espaços e integram a arquitetura inovadora da Universidade. Boa
parte delas resistiu à prova do tempo e segue útil nas atividades cotidianas.
Para um olhar leigo, como o meu, a apreciação dos móveis muitas vezes se restringe
aos aspectos estéticos, ergonômicos e funcionais. O livro Mobiliário Moderno: das
pequenas fábricas ao projeto da Universidade de Brasília vai além. Mostra a relação
da mobília com as concepções arquitetônicas de nomes como Oscar Niemeyer e
João Filgueiras Lima, o Lelé. Conta sobre peças produzidas em marcenarias instaladas
no campus. Revela influências e inspirações dos designers.
O livro traz ainda informações reveladoras sobre o envolvimento de Darcy Ribeiro com
a produção de mobília para a Universidade. Menciona, por exemplo, que foi ele quem
encomendou os primeiros móveis da instituição ao designer e arquiteto Sergio
Rodrigues, também responsável por construções no campus. As linhas simples de
Rodrigues deram origem a cadeiras, poltronas e bancos espalhados pela UnB e
expostas a olhares de admiração ao redor do mundo.
Tenho a satisfação de lembrar que esta obra é fruto do projeto Insígnias do mobiliário
moderno da UnB, apoiado por edital lançado em 2012, nas comemorações do
cinquentenário da instituição. Os recursos destinados pela Universidade incluíam a
produção de impressos para resgate da memória local. Missão cumprida com muita
competência pelos autores do livro.
Felicito a todos os que colaboraram com esta obra. Meus cumprimentos ao professor
Mari, à decana Thérèse Hofmann, entusiasta e apoiadora do livro, aos organizadores,
pesquisadores, estudantes e servidores técnico-administrativos que fizeram este
trabalho possível.
Aos leitores, desejo uma excelente experiência ao longo dos próximos sete capítulos.
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Introdução
Móveis da UnB: a
história e a educação
em design no Brasil
A presente publicação nos traz uma outra vertente relevante da história do design
brasileiro e das experiências de educação em design, em nosso país. Trata-se do
design dos móveis da UnB, sua produção, o diálogo com a arquitetura moderna, a
Os textos aqui publicados dialogam com meu trabalho sobre mobiliário moderno
brasileiro e com pesquisas que realizei sobre o tema, patrocinadas pelo CNPQ –
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e pela FAPESP
– Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, no âmbito do programa
de pós-graduação do Departamento de Filosofia, da Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Durante estas investigações,
que levaram ao mestrado e doutorado, tive a grata oportunidade de entrevistar os
grandes mestres do design do móvel brasileiro.
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Dentre estes profissionais, encontram-se os criadores envolvidos com o projeto e
produção do mobiliário para a UnB. Em longas conversas, eles narraram essa
experiência fantástica de equipar os edifícios da nova capital, que “[…] representa o
motor e símbolo da modernização brasileira”, como afirma David Underwood1. Este
autor prossegue, citando Norma Evenson: “Kubitschek parece ter sentido que o povo
brasileiro estava pronto para uma aventura e que a imaginação popular responderia
a esse grande gesto […]”2
Homem de fala mansa e olhos cristalinos, que anteviam o papel decisivo dos arquitetos
e designers na construção do Brasil moderno. A atuação de Rocha Miranda é o foco
do texto de Marcelo Mari: “Dois Candangos e o legado de Sergio Rodrigues na UnB”.
Em entrevista que realizei com Alcides da Rocha Miranda, no ano de 1980, o arquiteto
detalhou minuciosamente as origens do Instituto Central de Arte da UnB, do qual foi
criador e primeiro coordenador. Segundo ele,
demorava-se muito mais tempo para estudar uma cadeira, do que qualquer outra
escola e se fazia um protótipo de cadeira. Começamos com esse banquinho, como
um elemento já existente, era um banquinho do século XVIII. Mas depois nós
passamos a estudar cadeiras para a escola, cadeiras para salas de reuniões da
Universidade. Chegamos a fazer os móveis da Universidade, os móveis da reitoria,
mas todos estudados com o cuidado de protótipo. […] Nós chegamos a equipar
grande parte da Universidade. […] Era um móvel despojado, porém digno e bem
proporcionado, bem executado. Nossa idéia no começo era de equipar a
Universidade, então nós já tínhamos condições de usar o investimento que a
Universidade ia fazer de qualquer jeito, assim fazia os protótipos para a Universidade,
através dos alunos, usando a madeira que existia lá, que é o pau-ferro e que é mais
compacto que o jacarandá.3
Outra experiência de ensino na área de design gráfico foi também por ele detalhada.
Trata-se do prelo manual,
que era um contacto muito mais direto com a letra. Você pegava a letra que é uma
coisa apurada de milênios, letras bem limpas, para fazer a composição e imprimir.
Depois nós começamos a fazer cartazes, junto com o Instituto de Letras. Eles
faziam os textos e os alunos do Instituto de Arte faziam a parte visual. […] Depois
os outros que me sucederam acharam que aquilo era inteiramente inútil e acabaram
e fizeram só a Faculdade de Arquitetura4.
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Flávio Tavares*
A Universidade de Brasília surge em 1962 para ser algo novo na nova Capital. Na 25
época, chamávamos a cidade de “Capital da Esperança”, confiando em que as
raízes profundas das lutas sociais do passado construiriam um futuro luminoso que
levaria a descobrimentos e engendraria um novo Brasil. Não renegávamos o
passado: nos apoiávamos nele. Nosso guia era o que passou, na certeza de que só
os dias de ontem nos levariam a um amanhã seguro. O currículo de cada curso
surgia da realidade brasileira. Buscávamos criar, jamais copiar. Nenhum professor
entrava à UnB para “fazer carreira”, mas para prestar um serviço à comunidade,
transmitir experiência aos mais jovens. Muitas vezes, trabalhava-se meses sem
contrato ou nomeação, pois as necessidades reais eram mais importantes que os
papéis da burocracia.
Tudo era novo. As “disciplinas de integração” faziam com que um aluno de Arquitetura,
por exemplo, cursasse matéria de Direito ou Comunicação, e vice versa. A diversidade
devia levar à convergência e, assim, chegaríamos a um país sem abismos sociais.
Também no mobiliário tínhamos que ser criativos, pois o ambiente material devia
acompanhar a visão e a mentalidade pensada para a UnB por seus três grandes
idealizadores – Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro e frei Mateus Rocha.
(Se a UnB queria inovar no ensino, fazendo que a pesquisa substituísse a aula recitada,
por que não começar com os próprios móveis?)
o estojo do papa
Em meu recente livro 1964-O Golpe, reconstruo o episódio, já narrado noutro livro meu
(O dia em que Getúlio matou Allende) e volto a divulgá-lo agora.
Quando o Papa João XXIII morreu em 1963 (depois de retirar a Igreja Católica do fosso
medieval em que vivera durante séculos), o Brasil enfrentava sérias pressões dos
Estados Unidos. Em plena “Guerra Fria”, tínhamos postura independente em política
externa, repelíamos as propostas norte-americanas de invadir Cuba e tentávamos um
desenvolvimento interno próprio, sem depender dos EUA. Na paranoia norte-
americana da guerra nuclear, isto era sinal de “comunização” e as pressões de
Washington cresciam. Quando os cardeais escolhem no Vaticano o novo Papa e se
sabe que o presidente dos EUA, John Kennedy, iria a Roma para a entronização,
também João Goulart decide viajar. Seria a oportunidade de encontrar-se com
Kennedy e amainar as pressões.
No ano seguinte, meses após o golpe de 1964, João Goulart e Darcy Ribeiro já
estavam no exílio e eu ainda continuava como professor da UnB, quando “seu” Manoel
contou-me o segredo da caixa de joias do Papa. Antes de prender o forro com tachas 27
de ouro, o marceneiro-chefe teve ideia de escrever “uma coisa” debaixo do veludo
almofadado, no fundo da caixa. Consultou os demais, todos concordaram e
combinaram que aquilo seria “um segredo”.
Frank Svensson*
Passei por Brasília em 1958 como estudante de arquitetura da Escola de Arquitetura 29
da Universidade de Minas Gerais fazendo parte de um grupo de estagiários
encarregados do levantamento patrimonial de Pirenópolis. Empolgado, voltei em
todos os períodos de férias de fim de ano do meu curso, como estagiário do escritório
dirigido por Oscar Niemeyer então situado junto ao Palace Hotel.
Eu já exercia uma militância político partidária a qual nunca abandonei. Desde então
considero a ideologia da não ideologia uma ideologia de direita, alienada e
conservadora. Convidado pelo amigo Geraldo Joffily, diretor nacional do Juizado de
Menores, participei de algumas reuniões onde inclusive se discutia o projeto de uma
universidade para Brasília. Em uma delas participou Luís Carlos Prestes.
Resultou um projeto progressista. Para ser aceito como professor da nova Universidade
era mérito ter militância político partidária, ser engajado na perspectiva de emancipação
da nação brasileira. O projeto tinha três metas principais: 1) Ser uma instituição
produtora de conhecimento com base científica; 2) Ser um centro de excelência
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comparável às melhores universidades dos países altamente industrializados; 3)
Orientar sua produção à solução dos problemas candentes do pais.
A esquerda existente ainda tinha muito de positivista, mas era defensora dos princípios
republicanos e assim de um serviço público e laico. Caracterizava-se pelo pensamento
objetivo crítico, o que ocasionava intensa luta pelas almas entre militantes da mesma
e os defensores do pensamento humanista católico neojesuíta. Em decorrência havia
sido criado, a partir da Juventude Universitária Católica e com a assessoria de
professores da Universidade de Louvain na Bélgica, uma federação de militância
política denominada Ação Popular. Além desta e dos estudantes do PCB marxista-
leninista surgiu uma terceira organização por nome POLOP, Política Popular com
conotações terceiro-mundistas e neotrotskistas. Apesar de divergências de visão de
mundo as decisões dessas organizações entre si em favor da UnB eram sempre
decisões de frente ampla, decisões de consenso. Havia também militantes das
Juventudes do PTB e do PSD.
Uma das grandes preocupações era a formação de novos professores para um novo
tipo de aprendizado. No turno da manhã funcionavam os cursos de pós-graduação
em torno dos poucos professores inicialmente contratados. As aulas ministradas pela
manhã eram depois repetidas à tarde para os graduandos por meio dos pós-
graduandos sob forma de monitores.
A UnB como universidade da capital do país foi pensada como de caráter regional.
Nesse sentido foram previstos campi avançados sendo o mais efetivo o de Aragarças
que atendia também a população indígena da ilha do Bananal.
No início a UnB não adotou uma estrutura departamental. Era composta de grupos
de trabalho visando a solução de problemas concretos cujas constatações
alimentavam o plano pedagógico dos cursos de formação profissional.
Com o advento do governo militar no país em 1964, a UnB foi considerada reduto de
subversivos.
Afastado involuntariamente, por motivos políticos, do país por 16 anos não estive
presente aos acontecimentos na UnB entre 1972-1989 não devendo incidir em
detalhes a respeito. Outros sabem fazê-lo com muito mais precisão. O que eu sei dizer
é que ante a reação dos novos professores proclamando uma greve geral em 1965,
os militantes do PCB, em minoria face às outras organizações políticas, ponderaram
estar-se entregando o ouro ao bandido. Supunha-se que o governo não poderia fazer
funcionar a Universidade e assim recuaria, mas não foi o que ocorreu. Resultou numa
caça aos professores e alunos militantes de esquerda e o governo passou a preencher
os cargos com pessoas fiéis ao regime militar. Valeu-se até de jovens norte-americanos
do Peacecorp daquele país, apresentados por sua Aliança para o Progresso.
Durante o regime militar a Universidade de Brasília manteve em boa parte sua estrutura
funcional. Enviou inúmeros bolsistas para os países do chamado primeiro mundo no
intuito de se pós-graduarem. Como o enfoque de problemas candentes do Brasil
passava pelo filtro ideológico do regime, as fontes financiadoras o faziam segundo o
gosto do regime e a vontade do bolsista, sem participação em nenhuma política
coordenada de pesquisa. No meu entender foi a primeira medida de desmantelamento
do projeto inicial da UnB quanto a seu conteúdo.
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a possibilidade da negação da negação
Hoje a UnB vive um novo momento histórico que pode ser caracterizado como um
salto histórico. Isso me faz recordar uma explicação dada pelo professor Edgard
Graeff quando no início da UnB lhe foi perguntado por alunos o que e como era essa
lei da História. Professor Graeff o era de História e Teoria da Arquitetura. Dizia ele:
No início os homens viviam livres na natureza, eram donos da paisagem e do
horizonte. Depois com a produção de excedentes surgiram as feiras como pontos
de troca e posteriormente as cidades com suas praças e mercados. A liberdade
inicial foi negada por um novo tipo de assentamento que necessitava proteger-se
contra a usura e cobiça de outros assentamentos e donos de terra. As cidades
frequentemente resultaram fortificadas e de conteúdo exíguo e comprimido. Hoje
estamos em vias de uma nova formação social; ferramentas modernas e novos
meios de produção passam a exigir assentamentos de outra grandeza. Escala,
proporção e fluidez espacial necessitam ser de novo tipo como estamos considerando
com o plano de Brasília.
Esta negação da primeira negação nos permitirá também recuperar valores perdidos
a partir da primeira negação. É por isso que estamos elevando os prédios de
apartamentos sobre pilotis. Os habitantes de Brasília poderão percorrer o terreno com
toda liberdade e apropriarem-se de sua paisagem, bem como, de seu horizonte.
Esse modesto exemplo serve também para a UnB. Neste segundo salto histórico que
eclodiu por iniciativa dos estudantes; por uma mocidade ávida e entusiasta, é possível
recuperar valores e hábitos perdidos e abandonados a partir do primeiro salto
histórico: o contraditório na compreensão da realidade e os mecanismos de interação
e ação recíproca necessários à intervenção na mesma. Não se trata de repetir
particularidades. Isso seria ortodoxia. Mas de recuperar conquistas essenciais como
referências históricas e cognitivas.
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Aporias do
Projeto Moderno
Gustavo Pedroso
Ao responder à pergunta sobre o possível desaparecimento do fenômeno estético na 37
contemporaneidade, em sua entrevista para o livro Conversas com filósofos brasileiros,
Paulo Arantes, depois de discutir brevemente o referencial hegeliano a partir do qual
ela fora formulada, sugere que seria mais interessante analisar a questão de forma
concreta. E, para fazê-lo, recorre ao debate entre Otília Arantes e Roberto Schwarz
acerca da dimensão estética da arquitetura moderna.
No estudo sobre Pedrosa o foco do interesse está num dos tópicos centrais do
marxismo ocidental, a saber, as relações entre vanguarda artística e vanguarda política
– neste caso específico, tal como se configuram na trajetória do crítico. Ocorre que, Na página anterior, construção
do Instituo Central de Ciências da
durante uma fase de seu itinerário, esta mesma união do impulso revolucionário em Universidade de Brasília.
duas esferas ganha corpo na figura da arquitetura moderna, levando-o a se entusiasmar
Fonte: Arquivo Central da Universi-
com Brasília. dade de Brasília.
Segundo a tradição moderna, Mário Pedrosa atribuía à arte uma função de síntese
que só a Arquitetura Nova poderia de fato realizar, caso finalmente tomasse corpo
a utopia totalizadora e internacionalista que a animava. A evolução do debate em
torno da arte abstrata, que na época confundia-se com a própria vanguarda,
levou-o naturalmente à discussão dos pressupostos e implicações da Arquitetura
Moderna, encarando-a como a verdadeira “síntese das artes”, a seu ver
exemplarmente pré-figurada, mais tarde, em Brasília, a “cidade nova” por
excelência.2
Assim, apoiada no “clima de revolução cultural vivido pelo Brasil de 1930, sem falar
na emergente reorganização capitalista de nossa sociedade, precipitada pela crise
mundial de 29”, a Arquitetura Moderna acaba não apenas sendo entusiasticamente
encampada pela nova geração de arquitetos, mas ainda, aos olhos de Mário Pedrosa,
ocupando uma posição de proeminência entre as artes, no cruzamento entre duas
“modernizações”, a oficial e a da intelectualidade dissidente. Isso não quer dizer de
modo algum que estas “modernizações” coincidissem. O propósito do regime era
impressionar, visando à propaganda e à demonstração de força; enquanto que os
novos arquitetos, por sua vez, depositavam sua fé “nas virtualidades democráticas da
produção em massa” (através das quais divisavam a utopia) e, em linha com isto,
procuravam aproveitar a oportunidade de realizar os “ideais democráticos e sociais
implícitos nos princípios racionais e funcionalistas” da Arquitetura Moderna. Ainda
assim, algumas questões se impõem, como aponta Arantes:
Mas por que deveria estar no Brasil o futuro do modernismo, ampliado agora pelo
ponto de vista social da utopia corbusiana? Como esse sentimento, despertado por
uma arte de massa como a arquitetura nova, poderia ter se desenvolvido justo num
país de passado colonial, situado nos confins da expansão capitalista? Por que
seria ele o portador da sociedade ainda por vir, em função da qual fora concebido
o novo projeto construtivo? Ilusão compensatória, reforçada pelas marés
modernizantes?5
Ora, ocorre que, curiosamente, as condições que favoreciam a implantação e o
vigoroso desenvolvimento da Arquitetura Moderna aqui eram justamente aquelas
decorrentes da condição periférica do país. E isto também em duas direções que
prolongavam nossa “formação colonial e escravista”. Por um lado, o autoritarismo
modernizante aparecera ao próprio Le Corbusier como a solução para sua busca por
um poder público forte, capaz de impor os novos modelos arquitetônicos e urbanísticos.
Por outro, atraso e autoritarismo significavam também “escolhas culturais
epidérmicas”6, as quais criavam a impressão de ausência de qualquer passado e,
portanto, de total abertura para o novo e para “um futuro a ser construído”. Pedrosa,
porém, não seguia com suas análises por este caminho, insistindo na “ausência de
passado” como um alargamento de horizontes e recuperando, assim, (ainda que
ambiguamente) o mote cendrarsiano do país condenado ao moderno, ao mesmo
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tempo em que indicava as incongruências resultantes da associação com o
autoritarismo local: “o gosto do suntuoso e da riqueza para impressionar os
responsáveis pela ditadura, simbolizada talvez então pelo brio às vezes excessivo e
as formas gratuitas que se tornaram moda.”7
O contraponto a este risco era dado pelo sentido utópico do projeto de Lucio Costa.
Em contraste com as outras propostas apresentadas para o concurso, Lucio Costa
assumira a incongruência identificada por Mário Pedrosa, incorporando-a à própria
concepção de seu projeto: o isolamento da capital não deveria ser dissimulado ou
contornado, mas estilizado como um x ou uma cruz, “numa tomada de posse à
moda cabralina, chanfrando na terra o signo da cruz ou, numa evocação mais
‘moderna’ e otimista, fazendo pousar docemente sobre a sua superfície a forma de
um avião.”9 Com seu otimismo, o sentido deste procedimento era, portanto, coerente
com aquela abertura para o novo e para o futuro. Em última instância, a incongruência
seria resgatada pela “esperança de que a vitalidade mesma do país, lá longe, na
periferia, queime as etapas e venha de encontro à capital oásis, plantada em meio
ao Planalto Central, e a fecunde por dentro.”10 Tratava-se da esperança em um futuro
utópico, no qual, naquele momento, “todos confiavam e que não haveria de ser
apenas brasileiro.”11
num certo sentido, não fora sempre assim? Nossas sucessivas modernizações
conservadoras correram sempre por este trilho, de um lado as camadas
impenetráveis e ultramodernas dos dominantes, do outro lado do abismo, a multidão
dos despossuídos amarrados pelas mesmas relações sociais de antanho.12
Para Mário Pedrosa a relação entre a crítica de arte e a arquitetura moderna se dava
em dois tempos. No primeiro era preciso combater, por meio do “abandono radical
de toda preocupação plástica”, “a inclinação natural para a sublimação estética da
parte de profissionais e público, educados na escola do ecletismo burguês do século
passado”, ao mesmo tempo em que o novo padrão de construção, para ser vendido
à burguesia, era apresentado em termos francamente antilíricos. Aos seus olhos
tratava-se, portanto, essencialmente de um passo estratégico – ao que Otília Arantes
contrapõe a observação de que “não era acessória a prosa burguesa da nova
linguagem arquitetônica”, a qual “se prolongava no tino empresarial e ‘moderno’ do
profissional Corbusier” (a própria autora sublinha, na sequência, que não se tratava
de cinismo – ocorre que, como veremos, e ao contrário do imaginavam os teóricos da
modernidade, as duas dimensões se conciliavam). Passada esta fase, chegava então
o momento de se recuperar o aspecto estético por tanto tempo desconsiderado.
Como todo mundo, Mário Pedrosa sabe muito bem que os assim chamados
técnicos em planejamento, mesmo quando acreditam estar trazendo o mundo ideal
dos fins para o plano da realidade empírica, trabalham de fato com abstrações tais
que suas ordenações espaciais acabam gerando as mais rígidas separações
urbanas. Mas o pior é que estas intenções retas convergem, à revelia de seus
formuladores, com os desígnios anônimos do Capital, que vai criando em seu
desenvolvimento, anárquico ou regulado, segregações até o limite da “dissolução
do caráter eminentemente comunitário da cidade”.15
Mas o objeto principal da crítica de Otília e Paulo Arantes, em conexão com este ponto,
é a índole dissociativa do raciocínio, o hábito habermasiano de “decompor o que o
processo social juntou”21 ou de transcrever nexos dialéticos em dicotomias. Vejamos
alguns dos exemplos discutidos pelos autores. No ensaio mencionado anteriormente,
ao entrar no terceiro passo de seu reexame do sentido da arquitetura moderna, isto
é, na indicação dos problemas que não poderiam ser solucionados por ela, Habermas
diz que ela se deixou “voluntária, porém indevidamente, sobrecarregar” por conta de
uma desmesurada ampliação do conceito de arquitetura. Teria havido, portanto, um
acidente de percurso, uma deformação, que não correspondia ao projeto moderno
enquanto tal. Na abordagem da dimensão estética da Nova Construção, Habermas
mantém a “suposição, desmentida por fatos e manifestos, de que, ao lado dos
movimentos de desintegração da instituição artística, tenham se destacado outros em
que o impulso abrangente da ruptura vanguardista com a existência dividida conviveria
sem conflito com a autonomia estética”22, sendo que, em seu núcleo, a Arquitetura
Moderna teria permitido a união entre o viés estético do Construtivismo e as finalidades
44
de um funcionalismo estrito. Neste mesmo sentido, sustenta que “as características
da construção moderna resultam de uma legalidade específica do campo estético”,
mas distingue esta legalidade da ambição vanguardista de impregnar e reordenar
todos os âmbitos da vida, uma vez que vê nesta ambição a hipertrofia desmedida de
um impulso legítimo. No próprio Construtivismo ele julga encontrar uma coincidência
serena da lógica interna do desenvolvimento artístico com a funcionalidade, sem que
as perspectivas de uma “estruturação arquitetônica global do meio ambiente”
ameacem de modo algum a continuidade da existência desta lógica interna. Isto
porque seria necessário
A este quadro, Otília e Paulo Arantes contrapõem que o projeto vanguardista não foi
deformado por uma realização abusiva da funcionalidade arquitetônica, mas sim
efetivamente cumprido “no sentido de tornar funcional a utopia.”24 O caso é que seria
difícil imaginar como a experimentação estética sem fronteiras (a qual, para
Habermas, não precisaria eliminar a autonomia da arte) poderia ser de algum modo
separada da “ambição de varrer qualquer demarcação da face da terra.” Mais que
isso, não se pode deixar de levar em conta o contexto histórico antes mencionado,
no qual brota a utopia modernista, marcado pelas aporias de um progresso técnico
que não se mostra mais tão progressista, bem como a vinculação entre os novos
materiais, técnicas e desafios funcionais, por um lado, e “as formas industriais
geradas no seio da produção capitalista”, por outro. O Movimento Moderno surgira
justamente como um esforço para se apresentar respostas para as novas condições
colocadas pelo desenvolvimento técnico e pelo aburguesamento do mundo, e seria
abstrato e artificial separá-lo delas. Mesmo a “legalidade específica do campo
estético, buscada com grande consequência”, abarcava perfeitamente em seu
desenvolvimento lógico “a amplitude utópica de um programa com as dimensões
da ordem capitalista a ser reordenada”25, pois o futuro visado pelo Construtivismo
era aquele em que, nas palavras de Mondrian, “a realização figurativa da expressão
pura na realidade tangível de nosso ambiente substituirá a obra de arte”, ou seja,
em que a arte estaria realizada e já não existiria mais enquanto uma esfera ou campo
específico. Isto impossibilita que se distinga uma organização arquitetônica global
meramente artística e uma planificação urbana submetida a imperativos sistêmicos,
uma vez que “o projeto de uma arte total sempre esteve ligado à ideia de uma
síntese global que seria a Cidade.” Deste modo, como se poderiam conceber neste
45
processo duas funcionalidades absolutamente distintas, tanto no contexto do
Capital em expansão, com sua criação de necessidades, quanto no âmbito conexo
do “projeto totalizador da Arquitetura Moderna”?
É interessante notar que o livro inclui ainda, como último ponto, um retorno à
consideração do fenômeno da arquitetura moderna no Brasil, em especial na figura
de Brasília. O caso é que, para os autores, justamente o sucesso estrondoso, inclusive
com amplo reconhecimento internacional, deste fenômeno, permite comprovar mais
uma vez aquilo que Habermas não quer admitir. Reaparecem aqui, de forma meramente
alusiva ou extremamente sintética, vários dos elementos que já encontráramos no
estudo sobre Pedrosa: o caráter de transplante, o descompasso decorrente da
inexistência de uma base social e produtiva correspondente, a mitologia do país
46 condenado ao moderno, a utopia estética, Brasília como síntese das artes, o recurso
de Le Corbusier aos Estados autoritários modernizadores, etc. Do conjunto destaca-
se mais uma vez a impotência do programa moderno em seu caráter abstrato e,
inversamente, sua funcionalidade em relação aos imperativos sistêmicos. Mas,
especificamente no que se refere ao Brasil, há ainda o efeito de paralisia da imaginação
projetual, para a qual os autores consideram que a canonização do Movimento
Moderno contribui, agora ainda auxiliada pela Nova Teoria Crítica alemã.
O ponto de vista que você expõe é bem mais drástico, e sustenta que foi precisamente
a ausência de uma sociedade industrial desenvolvida que permitiu a realização dos
experimentos por assim dizer totais da arquitetura e do urbanismo novos, os quais
não poderiam ocorrer senão nas condições autoritárias do Terceiro Mundo, por
exemplo, na Índia ou no Brasil. A reflexão nacionalmente engajada sobre os
obstáculos locais à modernização (perspectiva tão incontornável quanto ideológica)
cede o passo à reflexão teórica sobre o dinamismo modernizante global, tomado
em sua feição efetiva, de que a teratologia terceiro-mundista faz parte. Assim, longe
de ser um desvio sem significado, a combinação monstruosa e desconcertante de
modernismo e miséria está na lógica do processo. Ela diz algo de essencial sobre
a concepção de modernidade que animou a arquitetura deste século, bem como
sobre a nossa ideia e a própria realidade da modernização.28
Mas o objeto efetivo de sua discussão é o livro apresentado para o concurso de livre-
docência. Vejamos como ele o resume e comenta, porque isto nos conduzirá ao
terceiro debate crítico de Otília Arantes a respeito da Arquitetura Moderna. Para
Schwarz o ponto de partida do livro está nos anos 1920, quando presságios quanto 47
ao futuro do projeto moderno já se fazem sentir no mote de Le Corbusier: “Arquitetura
ou revolução. Podemos evitar a revolução.” Como sublinha Otília Arantes, a
preocupação central não está, aqui, em se buscar uma alternativa à sociedade
convulsionada do entreguerras, com a qual talvez pudesse haver algum tipo de
conciliação – a preocupação consiste em se evitar a revolução. “Numa palavra, os
arquitetos modernos, como uma grande parte da inteligência de esquerda, apostavam
na evolução positiva do capitalismo europeu, num momento em que a catástrofe
estava batendo à porta.”29 Isto não quer dizer de modo algum que o programa
sintetizado na Carta de Atenas fosse cínico ou que os arquitetos não fossem bem
intencionados. A autora o caracteriza antes como antitético: de um lado, reformismo
propriamente dito, num plano mais formal do que intrínseco; de outro, um certo
radicalismo, decorrente do espírito utópico (mas “uma utopia da civilização maquinista,
atrelada a todas as aporias do progresso técnico”), e que dava ao programa sua maior
abrangência. Seu comprometimento, porém, enraíza-se no caráter abstrato, a “cidade
funcional” concebida a partir de quatro funções: morar, trabalhar, recrear-se, locomover-
se. Nos termos de Otília Arantes:
Assim, embora a reforma projetada fosse “caucionada pelo espírito da utopia”, ela
punha em andamento certas consequências decorrentes de princípios assumidos
desde o início pelos CIAM, como o “vínculo da arquitetura e do sistema econômico
geral”, a valorização da “eficiência técnica” concebida como “racionalização e
estandardização” e a defesa do ajuste das demandas do “consumidor” às novas
condições econômicas. Com isso, “a funcionalidade arquitetônica que se tinha em
vista dava forma ao mesmo processo de abstração que se realizava através das
relações sociais de produção no sistema capitalista.” No avesso de uma síntese das
artes, o “mecanismo totalizador encarnado pela cidade” emergia então realmente
como “o palco dessa abstração.” E não havendo a “transformação redentora”, o que
restou foi apenas “um conjunto de normas de funcionalidade que se mostraram
funcionais sobretudo para o processo social e material da produção industrial.”31 Este
quadro, bem como os problemas que trazia consigo, ficaram cada vez mais evidentes
após a Segunda Guerra, levando ao abandono das perspectivas utópicas e, no
argumento polemizante de Otília Arantes, a um desdobramento (na verdade uma
continuidade) igualmente formalista e funcional (para o Capital) no movimento pós-
moderno. Roberto Schwarz resume este passo nos seguintes termos:
O conjunto resultante deste balanço das obras permite que Roberto Schwarz formule
suas perguntas. Seu procedimento para tanto consiste em três passos. Inicialmente,
caracterizando as exposições de Otília Arantes como dialéticas, ele diz que sua
estrutura consiste no “confronto entre ideia e resultado, entre o que um movimento
promete e o que ele cumpre no seu desempenho efetivo”. Em seguida, recorre à
conhecida reflexão de Adorno sobre a ideologia, segundo a qual “as ideologias não
são mentirosas pela sua aspiração, mas pela afirmativa de que esta tenha se realizado.”
Com base nisto, pergunta sobre o aproveitamento desta reflexão para a crítica de arte,
sobre a avaliação e a sobrevivência das experiências modernistas, sobre como dar
conta das diferenças de qualidade entre os produtos da Arquitetura Moderna e sobre
a apreciação das obras-primas que eventualmente produziu. E, por fim, se não seria
preciso mudar o ângulo da análise.
51
Priscila Rossinetti
Rufinoni
o artista e o artesão 55
O Palácio das Indústrias em São Paulo, construído pelo escritório Ramos de Azevedo
entre 1911-24 para servir às feiras agroindustriais da então emergente capital financeira
do Brasil, é encimado por uma figura mítica, um misto alegórico, uma quimera.
Reconstituído a partir de fotografias em uma das últimas reformas, o gênio protetor
que ergue o estandarte da modernização amplamente almejada foi confeccionado
originalmente pelos estudantes do Liceu de Artes e Ofícios. As artes e os ofícios são
práticas necessárias a esse horizonte quimérico que se desenha, são elas que
permitirão, na retórica positivista e mesmo liberal do início do século XX, constituir-se
um operariado disciplinado, pelas regras do desenho, pela observação atenta, pela
contenção da mente e da mão, educação física e artística.
O Liceu produz não apenas as imagens para esse novo espaço moderno, para a
várzea do Carmo saneada pela engenharia onde se pode, então, instalar o Palácio
de um ecletismo historicista; o liceu produz também, por meio de seus professores
e técnicos, os monumentos do mobiliário urbano e as pequenas insígnias
domésticas dessa modernidade. Produzem-se belos grotescos domésticos, como
os cavalos que terminam em cornucópias que ainda hoje vemos dispersos em um
dos espaços ocupados pelo antigo Liceu, a atual Pinacoteca do Estado de São
Paulo, e também se produz mobiliário. A escola provavelmente foi baseada nos
moldes do Art and Craft, fundada pela elite cafeeira com a ideia de ser uma
“sociedade propagadora da instrução popular.” A essa iniciativa privada pioneira
de 1873, somar-se-iam as inciativas públicas com o mesmo intuito, a partir de 1911.
Quem nos dá o histórico, em versão continuísta, é Horácio Silveira, Superintendente
para o Ensino Técnico e Doméstico do Estado de São Paulo nos anos 30. Em 1935,
escreve o Superintendente que:
Na página anterior, foto do catálogo
O atual governador, Exmo. Snr. Dr. Armando de Salles Oliveira, desde o início Unilabor.
da sua gestão como Interventor, voltou suas vistas para o aparelhamento da Fonte: Arquivo Geraldo de Barros –
Genebra.
educação profissional, decidido a interessar-se pela sua sorte e a lhe dar a
organização e amplitude em correspondência com a importância do problema
pedagógico e social de preparação de obreiros peritos para as indústrias de
São Paulo.42
57
Octávio estudou pintura entre 1939 e 1943 no Instituto Masculino do Brás, escola
ligada à Superintendência do Ensino Técnico e Doméstico, e relembra os modelos
utilizados pelos professores, José Barchitta e Edmund Migliaccio: os pré-rafaelitas,
Delacroix, Moreau. Formação, como se vê, ligada a um imaginário decadentista
finessecular ainda em voga nos anos 30-40.46 Grassmann, que na mesma escola
estudou marcenaria no período de 1939-42, dá notícia dos modelos para ornamentos
bidimensionais, a serem copiados naquela paciente disciplina do desenho que
permitia aos futuros artesãos não apenas exercitar habilidades, mas também se
apropriar de um repertório de estilos de época, atomizados em pranchas,
mecanizados.47 O grifo, os ornatos da renascença, as cimeiras e cavaleiros heráldicos,
as quimeras como aquela confeccionada no Liceu para o Palácio das Indústrias,
perfazem um catálogo de formas a serem reproduzidas para o consumo da cidade
“moderna”. Como dissemos, evidentemente Octávio Araújo rememora aquele fundo
de onde pôde rearticular suas pinturas construídas por citações, da mesma maneira
que Grassmann retoma o grifo comum a suas figurações zoomórficas maleáveis.
Desse modo, Sacilotto aponta, a partir da mesma formação pelo Instituto Masculino
do Brás, a paixão pelo geométrico que o desenho das grades ornamentais lhe
proporcionava. Ou seja, mesmo que descontemos o trabalho memorialístico de cada
um dos sujeitos históricos, podemos perceber uma formação esgarçada, entre a
retórica industrial/assistencialista e os signos de uma modernidade dezenovista;
formação feita de pedaços mal ajambrados de culturas, experiências (vale lembrar
que os professores muitas vezes eram italianos imigrados, com formação em Artes)
e expectativas. De um ponto de vista mais geral, trata-se de um sintoma do que Caio
Prado Junior já havia detectado quanto ao hiato histórico entre a manufatura colonial
e a nascente industrialização, causado sobretudo pela abertura dos portos em 1844:
“quando, mercê de novas circunstancias, a indústria brasileira se restabelece, terá por
isso que partir do nada, já sem tradição manufatureira, sem condições materiais e
sobretudo elemento humano aproveitável.”48
Nas entrevistas dos três artistas fica patente, ainda, que esses “obreiros peritos”
citados pelos relatórios nos anos 30 não estavam adaptados nem à indústria moderna
almejada, nem às condições reais da incipiente industrialização. Grassmann narra ter
se empregado em uma pequena fábrica de móveis, para a qual sua formação refinada
em ornatos de nada servia; Octávio Araújo e Sacilotto pintavam objetos ou letras.
Como resume Sacilotto:
Meu primeiro aprendizado, mais artesanal, de 38 a 43, foi para professor de desenho
e escultura. Mas era uma transmissão para um trabalho mais industrial. Meu
primeiro emprego49 foi como desenhista de letras. Na época as chamadas fontes
tipográficas eram pobres. O desenho era todo a mão.50
Assim, é interessante notar que nos anos 50, quando Sacilotto se reúne com
desenhistas gráficos, artistas e críticos em torno do que será o Grupo Ruptura, muito
além da investigação da geometria e do módulo – a ruptura enfim com “a mera
negação do naturalismo [...] ou [com] o não-figurativismo hedonista”54 –, que tanto
causou polêmica no meio artístico, há uma experiência poética com os materiais de
que são feitos, com os quais são forjados, esses universos de linhas, contrastes e
pequenas modulações. Sacilotto pintava, mas trabalhava também em escritórios de
arquitetura e com esquadrias de metal; Leopoldo Haar trabalhava com artes gráficas;
Geraldo de Barros era bancário, enquanto investigava as possibilidades da fotografia;
Waldemar Cordeiro estava envolvido com paisagismo; Kazmer Féjer posteriormente
trabalhará na indústria química, já de volta à Europa. O grupo, do qual participam
ainda Lothar Charoux e o engenheiro eletrônico Anatol Wladyslaw, não se constitui de
pintores estrito senso, mas de trabalhadores integrados em vários níveis às nascentes
visualidades da propaganda e dos materiais industrializados. Da mostra Ruptura, que
teve lugar no Museu de Arte Moderna de São Paulo em 1952, salta aos olhos o uso
sistemático de chapas de aglomerado, de tintas esmalte. A cor vibra por sua constância
esmaltada objetiva, por sua relação ou oposição às demais cores, não pela
manualidade transcendente impressa no gesto do pintor. O que contrasta, ainda, com
o uso de óleo sobre tela por Charoux e mesmo por Sacilotto, mas numa ressonância
das tonalidades e formas que em tudo nega a veladura das tintas oleosas. E, a se
levar em conta a reconstituição da mostra feita pelo MAM55 em 2002, havia ainda as
esculturas em metal de Haar e, sobretudo, as de acrílico de Kazmer Féjer, datadas
todavia de 197056, nas quais o movimento dos planos é interno à própria matéria, é
60
gradação do mesmo ao mesmo, do acrílico ao acrílico. Dentro da incipiente época da
indústria, as qualidades intrínsecas da materialidade artificialmente produzida eram
signo de uma experiência tanto estética quanto histórica. Mas, em contraste ao
artifício, a manufatura rigorosa, traçada à régua e compasso, ao simular objetividade
técnica, trai a operosidade da formação artesanal em choque com a nova matéria a
ser elaborada. A tensão expressa na própria forma, nas linhas de rigor fluido de
Charoux, nos traçados de cor intermitente de Barros, põe em cena, na coisalidade da
pintura, o mito futurista e industrial cristalizado nos anos 50. Já distante do mito,
podemos notar na fatura, o movimento muitas vezes antitético entre as habilidades, a
formação, em suma a cultura disseminada, e a imagem projetiva que, pelo menos
desde a fundação do Liceu, a cidade (e o País, num segundo momento) criava para
si mesma. Nesse desvão, uma classe nova molda-se, ligada à forma do capital
industrial, uma classe que já era prevista nos discursos assistencialistas, mas sem
dúvida deles escapa: o trabalhador urbano.
uma pequena indústria metalúrgica que produz toda a sorte de artefatos de uso
corrente (pregos, ferramentas, cutelaria etc) e até peças e mesmo maquinaria de
certa complexidade (como por exemplo teares, geradores elétricos etc). Esta
indústria, contudo, ainda será por muito tempo incipiente e rudimentar. Somente a
partir da II Grande Guerra adquirirá certo vulto e atingirá padrões mais elevados.58
As superfícies brunhidas lavradas pela maquinaria moderna, aquelas que fazem parte
do imaginário maquinomórfico das vanguardas europeias já nos primeiros anos do 61
século XX, são ainda uma miragem no parque industrial brasileiro. Esse novo cenário,
impulsionado pelo capital estrangeiro por um lado, e pela criação de um mercado
interno por substituição de importações por outro, propõe a modernização via
industrialização e a entrada em uma economia capitalista como meta. Essa nova
perspectiva econômica envolveu a escolha de um modelo de desenvolvimento. Vários
autores reconhecem nessa guinada desenvolvimentista, impulsionada tanto pelas
guerras e pela crise de 1929, quanto pela política getulista, um modelo de modernização
conservadora. Na análise de Boris Fausto:
A história da Unilabor, como veremos, de certa forma tem relação com um projeto que
por um lado não investe na organização representativa da própria sociedade, e, por
outro, não entende que possa haver uma livre acomodação do Capital; ou seja, de
alguma forma uma proposta vinculada à perspectiva conservadora como descreve
Boris Fausto. Suas especificidades, porém, permitem vasculhar alguns meandros
dessa escolha em relação ao trabalho industrial. No nosso caso, a experiência
comunitária da fábrica moveleira Unilabor, é a Igreja católica, ou melhor, os
Dominicanos, que se posicionam quanto ao modelo de industrialização. O impulso
intelectual veio do movimento Economia e humanismo, criado pelo dominicano francês
Padre Louis-Joseph Lebret nos anos de 1940. Em uma leitura peculiar da noção de
mais-valia, o dominicano posicionava-se diante dos dilemas políticos do momento a
partir de uma noção de comunidade forte, quase familiar, distante tanto da alienação
da grande indústria, quanto da estrutura hierárquica e algo burocratizada dos
sindicatos.60 Uma pequena comunidade de pescadores da Bretanha serve de
implemento à ideia: a mais-valia produzida pelo trabalho comunitário da pesca e de
seu comércio, dentro de um sistema capitalista maior que a englobava, deveria ser
revertida para a própria comunidade, que então se apropriaria do excedente produzido
por seu trabalho, resguardando-se das grandes corporações e da indústria pesqueira
internacional (e mesmo dos sindicalismos); essa relação direta entre a força de
trabalho e o lucro produzido, do ponto de vista do dominicano, era uma forma de fazer
62
frente ao capitalismo, mesmo que se valendo de suas próprias estruturas como fonte
de melhoria das condições de vida e de uma outra ética possível para o trabalho.
Desse modo a comunidade contrastaria com os órgãos burocratizados, pois
preservaria a individualidade do grupo, estreitando laços fraternos, em vez de produzir
uma força abstrata chamada de ‘classe’. Constitui-se a ideia de uma terceira via.
Apesar das leituras atentas de Marx, como bem explicita Alfredo Bosi, e de se valer
de várias de suas análises para pensar o capitalismo e a nova comunidade frente a
seus desafios no horizonte capitalista, o dominicano Lebret afastava, por essa terceira
possibilidade, também a pretensão à tomada de consciência pela via da sindicalização
ou mesmo da politização.
O elo entre esse humanismo e o Brasil faz-se pelo Frei dominicano João Baptista
Pereira dos Santos, que, na França, chegou a viver como operário em outro projeto
ligado ao movimento cristão pela ética do trabalho. De volta ao Brasil, busca um lugar
para implementar uma iniciativa parecida, escolhendo um terreno dos Dominicanos,
no bairro do Ipiranga, próximo à várzea do Tamanduateí em São Paulo, território já
demarcado pela tipologia arquitetônica dos quarteirões fabris. No início, ainda sem
muita ideia de qual seria o projeto, Frei João Baptista relata ter encontrado no
ferramenteiro Antônio Thereza, ligado então à Juventude Católica (JUC), um aliado.
Da primeira ideia de se fabricar liquidificadores populares à fábrica de mobiliário, o
projeto encampa outras personalidades, entre elas Geraldo de Barros, à época
funcionário do Banco do Brasil, mas já com várias incursões no campo da arte, como
pintor e membro do Grupo Ruptura; como fotógrafo, ex-filiado ao Foto Cine Clube
Bandeirante; como bolsista no exterior.61 Em 1951, Geraldo de Barros viaja à Europa
por conta da bolsa, em período de gestação da fundação da Escola Superior da
Forma em Ulm. O contato com a noção de boa forma de Max Bill, fundador e primeiro
reitor da Escola, propiciou a Barros evidentemente muitas reflexões sobre projeto e
mesmo sobre a produção industrial, sua experiência com desenho projetivo, entretanto,
era ainda caseira, pois apenas havia projetado a mobília de sua residência.62 Funda-
se assim, em 1954, a comunidade Unilabor, como sociedade limitada, melhor
possibilidade dentro da legislação vigente segundo o entendimento do advogado do
grupo, mas com um estatuto de modelo cooperativo, influenciado pelos experimentos
franceses de Economia e Humanismo. E Geraldo de Barros, sócio fundador, passa a
dedicar-se a projetos para a Unilabor, primeiramente atendendo às encomendas
pontuais por decorações e mobiliários, como ateliê quase artesanal, para, em seguida,
na fase mais promissora da empresa, criar uma linha de montagem modular e, pelo
menos na forma, arrojada e industrial.
64
Havia muita resistência, muito preconceito, o que gerava muitas brigas. Em todos
os níveis. Muitos marceneiros, por exemplo, ficavam aflitos porque queriam sentir
a participação em cada peça que faziam. Poder dizer “quem fez essa cadeira fui
eu.” Muitos não se conformavam com as novas ideias, que tive de ir implementando
na raça.68
Por outro lado, sem levar em conta apenas a incompatibilidade jurídica e mesmo
estrutural entre a empresa e o meio, a comunidade cria uma perspectiva outra para
se pensar o trabalho e a sua experiência fragmentária no país. O discurso de Frei João
sempre pensa o homem e a comunidade contra a noção abstrata de trabalho e de
classe, em uma perspectiva cristã. Os episódios narrados pelo Frei e por outras
personagens, com o cooperado Gontran Guanaes Netto, membro do Partido
Comunista, enfatizam como o debate das esquerdas foi claramente alijado. Gontran
participara da greve da Arno em 1953, e sua função na Unilabor logo foi remanejada
para a loja, a fim de evitar seu contato com os companheiros operários, o que o levou
a deixar o grupo pouco tempo depois. Mas, se o projeto da Unilabor tinha poucas
chances de ser bem sucedido dentro de uma estrutura capitalista incipiente como a
brasileira, se a questão da terceira via foi uma escolha no final das contas algo
conservadora, a experiência sem dúvida materializou em mobiliários modernos os
dilemas da noção de trabalho na modernidade.
Esse debate, apesar de suas especificidades locais, não diz respeito apenas ao
Brasil. A discussão sobre o trabalho e o humanismo na modernidade é bastante
intensificada no pós-guerra europeu, levada à frente por pensadores católicos, em
larga medida, que tentam reestabelecer, nas bordas de um pensamento marxista
moderado, uma outra dimensão para o trabalho, na qual a ética não se dá a partir da
relação entre o homem e suas obras – pois a abstração produtiva não pode ser
ignorada nem mesmo entre os críticos ao marxismo –, mas por meio das relações
pessoais entre o operariado. Esse pensamento será alvo de críticas por autores
preocupados com uma versão pós-marxista do pensamento trabalhista, como Hannah
Arendt. Para a autora, essa busca “humanista” é contraditória em essência, pois o
trabalho na era moderna é apenas ciclo de consumo, o trabalhador, animal laborante,
preso ao ciclo da necessidade da vida, não produz obras, mas consome sua força
67
numa função qualquer, da mesma forma que emprega seu tempo livre para consumir
o que é produzido pela força abstrata de trabalho em geral da sociedade. Diverso
daquele trabalho do homo faber, cuja instrumentalização da natureza produz máquinas
e utensílios para a produtividade abstrata, o trabalho racionalizado por esse maquinário
consome-se no seu próprio ciclo. Segundo Hannah Arendt, a era moderna, tão bem
descrita por Marx, é a era deste trabalho servil preso à necessidade vital mínima e ao
consumo; a própria disposição da natureza como meio para um fim da concepção do
homo faber, na modernidade racionalizada, torna-se mecanismo deste ciclo: o
trabalho abstrato – força de trabalho – é assim a estrutura da vida moderna. Desse
modo, o humanismo das relações de trabalho, o respeito mútuo dos operários, a
“humanização” dos processos racionalizados, ou mesmo o investimento no tempo
livre, são engrenagens do mesmo ciclo maquínico de consumo, no qual o homem
degrada-se em animal que trabalha para a necessidade da vida. Interessante notar
nesse contexto como Frei João Baptista pertence à tentativa humanizadora criticada
por Arendt71. Para ele “todas as atividades culturais [...] serão consideradas como
horas de trabalho e portanto remuneradas. Com a modernização e com os métodos
mais racionalizados, será possível cuidar da redução das horas de trabalho em
benefício das horas de cultura.”72 A humanização do trabalho, sua ética, teria que se
dar nas brechas do ciclo produtivo, nas suas horas de lazer, e assim a racionalização
poderia, de alguma forma, ser revertida em função da comunidade. Mas, como
escreve Arendt, a própria contabilização das “horas” livres como mercadorias marca
esse tempo com o signo da necessidade. Não há liberdade nesse ciclo – a automação
é seu telos.
Se até então, entre o final do século XIX e início do século XX, as moradias tradicionais
das classes médias e altas codificariam marcações de gênero nos padrões de
distribuição dos espaços e nas orientações de decoração, exercendo imposições
rígidas de divisão entre espaços masculinos e femininos83, a euforia dos modernos
prometia uma nova forma de morar cujos valores e funções não estariam associados
a essas hierarquizações. O espaço privado da casa, locus da manutenção dos papéis
da mulher como esposa, mãe e dona de casa, era posto em questão, vislumbrando
a possibilidade de se abrir como um lugar de transformação dos estatutos de gênero,
motivada por mudanças técnicas e sociais como uso da eletricidade, disseminação
de eletrodomésticos e ingresso feminino no mercado de trabalho.
Se, por um lado, o tom discursivo dos arquitetos registra as expectativas que a
modernização das formas, materiais, desenhos e processos produtivos poderia trazer
ao desencadeamento de novas relações sociais, por outro lado, também flagra o
fervor na promoção da cultura moderna que irrompia naquele momento e que iria se
fortalecer a partir dos anos 1950.
Na página anterior, produção de
móveis em série e veiculação de
Extrapolando a questão de gênero, na visão desses profissionais da área, as novas anúncios em revistas: Móveis Z na
tendências de mobiliário, a decoração funcional dos ambientes e o arranjo adequado disseminação do gosto moderno.
dos espaços da casa possibilitariam instituir novas maneiras de morar e novos modos Fonte: Revista Readers Digest,
1957.
de se comportar, oferecendo satisfação às necessidades dos moradores. Essas
pequenas transformações na ambientação do cotidiano, prontas para ordenar
esteticamente a vida prática, eram defendidas como capazes de instituir um novo
homem e uma nova mulher. O sujeito moderno que se avista nas entrelinhas é ali
entendido como um ser em abstrato, passível de generalização e desreferenciado das
condições de classe. É com essa carga simbólica e tenacidade crítica que Lina Bo
Bardi expõe suas ideias ao jornal:
A casa, para a mulher, foi sempre uma prisão. A mulher necessita porém de
participar da vida social, contribuindo para o progresso da comunidade em que
vive. Eis porque, nos tempos modernos, tudo se tem feito para libertá-la da opressão
puramente doméstica. Nesse sentido, uma casa deve ser como uma alma aberta
76 às coisas da vida e não uma casa-caverna, uma furna de onça. Uma decoração
interna, pesada e cheia de enfeites, além de ser uma extravagância, exerce
influência esmagadora na dona-de-casa. É como se alguém, hoje em dia, fosse
para o trabalho utilizando-se de uma carruagem. Acrescenta-se ainda que, uma
criança, vivendo em um ambiente de veludo e cetim, pode crescer enfermiça. A
decoração simples dá liberdade e independência à mulher. Além de facilitar a
limpeza do lar, sugere tranquilidade. Mais do que tudo, a casa deve ser uma
entidade espiritual e moral, sem oferecer a aparência cenográfica teatral.
Já Jacob Ruchti, para evitar que o design de interiores fosse tomado apenas como
maquiagem do ambiente e a profissão de decorador como uma atividade supérflua,
declara de antemão o vínculo entre decoração dos espaços e o projeto moderno de
arquitetura. Tal como Lina, sobrevaloriza a influência que exerceria o ambiente físico
no melhoramento do comportamento e na elevação do nível cultural dos moradores,
sem todavia entrever o contrário, ou seja, que seria o espírito esclarecido e cultivado
um antecedente necessário para a formação de disposições estéticas para apreciar
as linhas leves e ousadas:
Desistir dos móveis com patas de leão, abrir mão dos estuques falsos e das cornijas,
abdicar dos frontões e colunatas da arquitetura grego-latina ou dos telhados de
mansarda: era essa a proposta que a linguagem moderna traria às famílias que
haviam amealhado algum capital nas décadas de crescimento econômico da cidade,
também desejosas de se mostrarem conectadas às novidades artísticas. A luta dos
aspirantes a uma posição cultural dominante se fazia em duas frentes: detratar o
gosto hegemônico tanto associado à aristocracia decadente quanto à burguesia
endinheirada e atuar didaticamente na formação do gosto moderno junto aos grupos
que concentravam capital cultural. Para tanto, era preciso a constituição de uma
clientela apta a consumir essa estética, propensa a se apropriar simbólica e
materialmente desses objetos, ou seja, com competência artística para valorizar as
heresias vanguardistas de modo a transfigurar seu habitus moderno em habitat85.
Já a Branco & Preto seria criada em 1952 por um conjunto de arquitetos que se
tornaram amigos durante a faculdade de arquitetura no Mackenzie, um ambiente de
formação que, embora refratário às tendências modernas, abriu brecha para que
alguns alunos incorporassem tais práticas em sua atuação profissional. Além de
Jacob Ruchti, os arquitetos Miguel Forte, Plínio Croce, Roberto Aflalo, Carlos Millan e
Chen Y Hwa fizeram parte da empreitada em nome do design moderno, atividade que
corria em paralelo aos escritórios de arquitetura que separadamente encabeçavam.
O grupo se propôs a desenvolver um mobiliário nacional sóbrio e elegante inspirado
nos repertórios estéticos dos arquitetos norte-americanos e da Bauhaus, abastecendo-
se de imagens que circulavam por meio de revistas internacionais ou motivadas por
viagens que realizavam ao exterior.92 As linhas retas, o apuro dos materiais e as
combinações de cores conferiam às linhas modernas um caráter requintado e
elegante, refinamento que se mostrava adequado ao perfil de maior poder aquisitivo
das frações de classe que se valeram de tais produtos.
Além do Studio Palma e da Branco & Preto, a década de 1950 também instigou a
realização de outras experiências que representaram um acúmulo para a formação
do design moderno brasileiro e dão a medida do caráter modernizador em curso.
Naqueles anos, participam dessas investidas diversos empreendimentos que
expressam suas tentativas de coordenar a produção industrial de suas peças, entre
elas a Unilabor, que seria fundada a partir de uma atuação cooperativa coordenada
pelo frei dominicano João Baptista Perreira dos Santos e Geraldo de Barros; a L’Atelier,
que diante da dificuldade de padronização do móvel residencial, ampliaria seu portfólio 83
com a produção industrializada em série para o setor comercial e de escritórios,
menos constrangido às imposições de gosto e variações de moda, e a Móveis
Artísticos Z, empresa de maior escala de produção implementada por Zanine Caldas
e Sebastião Pontes em São José dos Campos.
85
Para além das rodas sociais já familiarizadas ao gosto moderno, como se fazia nas 87
outras iniciativas de design de mobiliário, o desafio da Móveis Z seria convencer –
estética e financeiramente – outras camadas sociais a aderir às linhas arrojadas. Em
1957, a amplitude da empresa pode ser constatada pela atuação de mais de 150
funcionários na fábrica e pela comercialização do produto em lojas de departamento
e diversas revendas autorizadas. Em São Paulo, os anúncios dão pistas da grande
difusão que os artefatos da Móveis Z atingiam, ao serem revendidos em mais de
vinte lojas em diversos bairros da cidade (Centro, Brás, Santa Cecília, Consolação,
Pinheiros, Vila Mariana, Tucuruvi, Ipiranga), assim como nas cidades de Santo André
e São Bernardo do Campo, o que demarca um perfil de consumo entre classes
médias e populares.
A passagem de Zanine pela Móveis Z durou três anos, curta duração que o designer
justifica mencionando os desentendimentos com os outros sócios.96 Uma vez atingido
o sucesso comercial dos produtos, os empresários demonstraram-se desinteressados
em renovar as linhas e investir na criação de novas peças, rotinizando-se na repetição
dos mesmos desenhos. No embate entre produto industrial serializado e produção
artesanal autoral, o designer optaria por manter o mito da singularidade associado ao
trabalho artístico, em que pese a restrição do acesso do produto a outros segmentos
sociais de maior poder aquisitivo, reconduzindo sua carreira para produção de
mobiliário sob encomenda. Encerrada sua participação na empresa, nos anos 1960,
Zanine seria levado a se dedicar ao desenvolvimento de móveis a partir do talhe
artesanal de grandes toras de madeira, aproximando-se da realização de esculturas
utilitárias, ou seja, móveis como emblema de obra de arte.97
Maria Cecilia Loschiavo dos Santos, em pesquisa inaugural sobre a história do móvel
no Brasil, apontou o meio do século XX como momento chave de ruptura, difusão e
diversificação, com atuação de outros profissionais e empresas. Desse ponto de vista,
modernizar o mobiliário não significaria apenas atualizar o design em relação às
formas limpas de ornamento. O desafio era, sobretudo, implementar a modernização
industrial como processo produtivo. Seria possível pensar, emprestando a ideia que
Antonio Candido99 formulou para nossa literatura, que a história do mobiliário no Brasil
também se construiu balizada pelo desejo de termos um desenho de objetos com
identidade própria, intenção que contribuiria para formalizar na criação de móveis
nossa condição histórico-social. Tal ponto de partida nos alça ao projeto de
modernização da arquitetura brasileira, o que implica não apenas a criação de linhas
e formas modernas, mas sobretudo a invenção de um “homem moderno” e um habitat
adequado a essa condição, pela qual se materializam nossas especificidades sociais.
Nelas se circunscrevem a apropriação de tendências internacionais e a tentativa de
uma síntese com elementos nacionais, balanceio entre a estética cosmopolita e as
imposições locais que tem como eixo estruturador os dilemas que a industrialização
incipiente obstaria à efetivação de uma fabricação serializada em larga escala e,
portanto, passível de generalização, tal como defendia a utopia moderna. A realização
do mobiliário sob forma de encomenda mostraria os limites da universalização dos
modos de morar modernos e do homem moderno a ele associado.
Em São Paulo, à rua Vieira de Carvalho, 99, abriu uma nova casa de decoração e
de objetos de artesanato, Branco e Preto, organizada por um grupo de seis
arquitetos: Carlos Millan, Chen Y. S. Hwa, Jacob Maurício Ruchti, Miguel Forte, Plinio
Croce e Roberto Claudio Aflalo. Essa notícia merece realmente ser sublinhada.
Numa cidade em que a arquitetura de interiores está praticamente monopolizada
por simpáticas senhoras, as quais porém não conhecem a arte do desenho e ainda,
por fabricantes de móveis, ótimos em sua profissão, mas que não sabem por onde
se começa um trabalho de arquitetura, nessa situação, a iniciativa dos seis
arquitetos é um elemento para o progresso do gosto [...]. Agora com a participação
de seis arquitetos jovens e conhecidos por suas preferências modernas, o
melhoramento será sem dúvida notável. Sua tarefa, pois, como aliás a de todos
os arquitetos que se dedicam à arquitetura de interiores será dupla: por um lado
demonstrar que todos os estilos, digamos tipo “Liberal”, são anacrônicos, e por
outro lado, que o falso, mal entendido moderno, copiado de várias fontes, tipo
“São José dos Campos”, é uma ofensa ao bom gosto e ao senso comum.100
Junto à celebração da nova empresa, vista como uma exceção ao meio, o rechaço
de Lina Bo Bardi aos outros atuantes na área se impõe como uma tentativa de separar
os “verdadeiros” dos “falsos” modernos, ou seja, os aptos e os inaptos a desempenhar
a atividade. A delimitação entre aqueles que merecem ser reconhecidos daqueles que
90 não o merecem está estabelecida numa distinção de hierarquias acionadas pelas
disputas que estavam em jogo naquele momento. Sob o risco de fragilizar a postura
dos arquitetos, os decoradores sem formação seriam representados como um perigo
à profissão, uma vez que as indicações de “bom gosto” estariam assentadas na
submissão ao gosto do cliente, abrindo mão da tarefa didática de inseri-los na
modernidade.101 Os empresários do setor moveleiro, ainda que dispusessem dos
equipamentos e maquinários para produção em escala, abdicariam da inovação e da
autenticidade. Em posição de ataque, a acusação também solta farpas contra a
produção de mobiliário encampada por Zanine, que no momento atuava na Móveis
Z, instalada no interior de São Paulo, na cidade de São José dos Campos. A
proximidade dos desenhos dos móveis, ambos em formas curvas recortadas em
placas de madeira, levou Lina a acusar a Móveis Z de produzir uma cópia mal feita,
sem o apuro do acabamento e refinamentos dos materiais, em que os parafusos das
poltronas expostos poderiam rasgar as meias-calças das mulheres.102 Ao marcar seu
ponto de vista, o campo de batalhas desenhado pela arquiteta sinaliza os
enfrentamentos internos e externos ao exercício da profissão, ou seja, entre os próprios
arquitetos que se colocavam como modernos e entre aqueles outros profissionais –
decoradores e moveleiros – que competiam por uma fatia de mercado. Moderno
versus tradicional, artesanato versus indústria, arquitetura de interiores versus
decoração e arte versus produção serializada são jogos de oposição que se
expressavam nas tomadas de posição dos atuantes na área e nas acusações
recíprocas, embates e dilemas que passariam a ser enfrentados por aqueles que
pretendiam atuar no campo arquitetônico e do design em formação.
Ainda que a produção dos móveis modernos nos anos 1950 tivesse como horizonte
mais amplo a industrialização dos componentes e a universalização do acesso às
formas modernas, com vistas a engendrar um novo homem modernizado, observa-
se um impasse. Ao fracassar a mecanização ampliada do processo produtivo e a
consequente diminuição do preço do produto, grande parte dessa produção realizou-
se de forma artesanal, personalizada, qualificando-se com as funções sacralizadoras
emprestadas da obra de arte. A criação de um objeto artístico, marcado pela ideia de
autoria, além de impor a necessidade de mão de obra especializada, limitaria a
produção a uma pequena tiragem, fatores que, colocados na ponta do lápis, causavam
prejuízos aos proprietários. Somado a esse arranjo difícil, as criações eram alvo de
cópias e adaptações por outras empresas, jogando no mercado peças parecidas
que, com preços menores, competiam pela restrita fração de clientela culturalmente
esclarecida e economicamente estabelecida, possivelmente os mais convencidos
das razões e paixões de se habitar na modernidade.
Ainda nos anos 1950, o malogro dessas iniciativas pode ser entendido pela dificuldade
de racionalizar o processo produtivo e manter a qualidade da produção, êxito que
dependeria de alianças com setores industriais – com capacidade empreendedora e
sensibilidade artística – dispostos a se engajarem na causa. Enquanto atendia às
necessidades circunscritas à esfera privada, por meio da decoração dos espaços
domésticos, a realização do processo de modo artesanal colocaria em cena a figura
do encomendante, cliente disposto a adquirir o mobiliário personalizado às suas 91
condições de moradia, necessidades de consumo e conveniências distintivas. Seria
necessário o espraiamento do consumo desses objetos para amplas camadas da
sociedade, a ponto de formar um mercado de alta demanda, ou ser encampado por
um mecenato estatal, pronto para impor as feições da modernidade mobiliando os
espaços governamentais, expectativas que seriam alentadas nos anos 1960, com o
salto modernizador prometido pela inauguração de Brasília.
Mina Warchavchik
Hugerth
A ocupação da Universidade de Brasília, com seus usos e fluxos, foi parte central do 97
projeto delineado por Darcy Ribeiro, Cyro dos Anjos, Anísio Teixeira e Oscar Niemeyer
e, assim, seu mobiliário deveria também ser pensado à luz do movimento moderno e
das novas propostas sociais. Sergio Rodrigues, já naquele momento desenhista de
móveis de projeção internacional, foi convidado por Ribeiro para desenhar peças para
o campus seguindo estes parâmetros.
Rodrigues ainda não tinha uma estrutura de produção consolidada por isso buscou o
apoio de Ernesto Hauner para viabilizar a fabricação destes móveis; os dois haviam
trabalhado juntos alguns anos antes na Móveis Artesanal em São Paulo e estabelecido
forte amizade. Com a dissolução da Artesanal, Rodrigues voltou ao Rio de Janeiro e
fundou a Oca, enquanto Hauner dava início à Mobilinea. É neste momento em que se
encontravam em suas trajetórias individuais quando a oportunidade de mobiliar a
Universidade do novo Distrito Federal surgiu.
alguns antecedentes
A maior parte dos móveis produzidos no Brasil até meados dos anos 1940 era
fabricada de maneira artesanal, seguindo princípios clássicos e estilos históricos. Não
obstante, algumas iniciativas de artistas e arquitetos já vinham concebendo objetos e
ambientes modernos, ainda que seu alcance permanecesse restrito a pequenos
círculos culturais e sociais. Por outra vertente, certas empresas desenvolviam técnicas
de fabricação que permitiam seriação, otimizando seus desenhos por questões Na página anterior, Darcy Ribeiro e
Celso Furtado na UnB, c. 1963.
econômicas, ainda que não houvesse um projeto mais amplo de modernização dos
Fonte: Arquivo Central da Universi-
modos de vida.103 dade de Brasília.
Ainda na década de 1930, com a emergência de uma corrente da arquitetura moderna
brasileira produzida primordialmente no Rio de Janeiro pelo grupo liderado por Lucio
Costa, esta situação esboçou mudanças em uma escala mais ampliada, embora as
peças ainda fossem manufaturadas. Vale notar que esta arquitetura era voltada a
edifícios públicos e, assim, móveis institucionais foram mais desenvolvidos.104
O casal Bardi emigrara da Itália para o Brasil em 1946, tendo a arquiteta atuado no
campo editorial de Milão, e seu marido no mercado de arte. No mesmo ano
desembarcou em terras brasileiras o arquiteto italiano Giancarlo Palanti, igualmente
atualizado nas discussões contemporâneas sobre arte e arquitetura. Dois anos
depois, os três se associaram e fundaram o Studio de Arte e Arquitetura Palma, que
compreendia um estúdio de desenho de móveis, um antiquário e uma galeria de arte;
Bardi fora proprietário e presidente de um empreendimento similar em Roma, no qual
este se baseava.107
Lina e Palanti acreditavam que não houvesse ainda no país um lugar apropriado para
a produção de móveis modernos em escala razoável, noção verificada pela dificuldade
em fabricar cadeiras para o auditório do Museu de Arte de São Paulo (MASP) em 1947,
então fundaram também uma fábrica, batizada de Fábrica de Móveis Pau-Brasil.
Ernesto Hauner começou sua carreira profissional no Studio Palma. Como emigrou
da Itália para o Brasil em 1949 e começou a trabalhar quase imediatamente, pode-se
supor que tenha sido indicado por alguém que já conhecia a empresa e seus sócios,
e que este alguém tenha sido seu irmão Carlo.
A família era originalmente de Brescia, no norte da Itália, e Ernesto tinha três irmãos. 99
Em 1946, Ada, a mais velha dos quatro, veio ao Brasil, seguida pelo irmão Carlo e sua
esposa em 1948. Este, formou-se em desenho técnico na Academia de Brera, em
Milão, e iniciou sua carreira como pintor participando da Bienal de Veneza de 1948,
logo antes de emigrar.110
Em 1949, na sequência dos dois irmãos mais velhos, vieram Ernesto, que também
estudou desenho técnico e tinha então 17 anos, com sua irmã Luciana e sua mãe.
Tudo indica que Carlo tenha se inserido rapidamente nos círculos artísticos de São
Paulo por sua experiência na Itália, e que assim tenha se aproximado de marchands
italianos como Pietro Maria Bardi.
O Studio Palma funcionou até 1950. Segundo P. M. Bardi, havia pouca aceitação por
parte do público consumidor por móveis com aquela estética, ao mesmo tempo em
que as peças eram muito e mal copiadas, tornando o negócio insustentável. Em
entrevista a Maria Cecilia Loschiavo dos Santos em 1980, Bardi declarou:
As coisas não deram certo, a mentalidade era tão antimoderna! O que predominava
eram os móveis da Paschoal Bianco e do pessoal do Brás. Começamos a perder
dinheiro e então passamos a fábrica aos irmãos Hauner, que prosseguiram com o
trabalho, mudando o nome da empresa para Móveis Artesanal.112
Embora Bardi tenha atestado vender a Fábrica Pau-Brasil aos irmãos Hauner, ela foi
comprada apenas por Carlo e um sócio, o marchand italiano Conde Paolo Grasselli113,
que entrou com capital para a aquisição. Os novos proprietários rebatizaram a empresa
de Móveis Artesanal e começaram a comercializar novas peças, enquanto móveis
desenhados no Studio Palma continuaram sendo fabricados e vendidos na Artesanal.113
O chefe do departamento de projeto era Carlo e seu irmão Ernesto produzia alguns
desenhos para a empresa de forma independente, a partir de uma pequena fábrica
que fundou em 1952 graças a um empréstimo do amigo Herbert Duschenes. Aqui vale
notar a rede de imigrantes que se criava, as profissões que lhes cabiam e de que
maneiras colaboravam.
100 Uma das principais características que pode ser apontada nos anúncios da Móveis
Artesanal é uma defesa do móvel moderno, afirmando que de fato havia móveis
“modernos” no mercado que não passavam de cópias mal feitas e estigmatizavam
negativamente outros produtos que tivessem a mesma aparência, mas fossem de alta
qualidade.115 Esse discurso vai em consonância ao que os Bardi atestavam e aponta
para o fato de que o móvel moderno ainda estava lutando por uma posição de
mercado, mas ao mesmo tempo começava a ser apropriado por camadas mais
amplas da população. Se em princípio eram cópias e mal feitas, o que importa é notar
que a demanda aumentava.
O Conde Grasselli se desligou da Móveis Artesanal pouco após seu início e em 1953
dois novos sócios entraram: Ernesto Wolf e Martin Eisler. Wolf era imigrante alemão,
colecionador de artes e, como Grasselli, nunca se envolveu diretamente na empresa.116
Já Eisler, seu cunhado, era austríaco e se formou arquiteto antes de imigrar para a
Argentina.117 Chegou a São Paulo por um convite para desenvolver o projeto de interiores
da casa de Wolf, para a qual criou móveis que foram produzidos na Artesanal. Carlos
Hauner gostou de seus desenhos e sugeriu uma parceria que logo se concretizou.118
Pode-se dizer que o projeto mais icônico criado na Artesanal seja a Poltrona Costela, de
Martin Eisler. Trabalhando os pés delgados metálicos e a madeira multilaminada moldada,
esta poltrona apresenta um almofadão solto de couro independente da estrutura.
Uma figura que vale menção pela importância na construção de uma identidade para
o móvel brasileiro e que iniciava sua carreira no Rio de Janeiro neste período é Joaquim
Tenreiro.120 O artista português chegara ao Brasil em 1928 e trabalhava majoritariamente
com madeiras maciças brasileiras, em seções mínimas, encaixes delicados – pés
palito em madeira – e revestimentos em couro e palhinha. Por estas características,
seus móveis eram feitos de maneira estritamente artesanal e muitas vezes em poucas
unidades ou até peças únicas.
Minha curiosidade, desde que entrara para a faculdade, era descobrir o motivo pela
qual a “ambientação de interiores” – na época chamada de “decoração” – não
condizia com a qualidade da nossa Arquitetura já então mundialmente conhecida.
[...] Já ouvira falar de Tenreiro. Por diversas vezes, parado na vitrine de sua loja,
admirava aqueles modelos diferentes, com uma pinta de coisa antiga, familiar, de
uma pureza encantadora.123
Carlo Hauner fez uma viagem à Curitiba durante a construção do Centro Cívico a fim
de vender os móveis da Artesanal e como Rodrigues era aquele com mais conhecimento
sobre o assunto na equipe residente, foi encarregado de tratar desse contato. Ao fim,
móveis de estilos tradicionais foram escolhidos pelo governador, mas uma amizade
foi estabelecida e Rodrigues, que já pensava em criar uma loja de móveis, propôs a
Carlo Hauner abrir uma filial da Móveis Artesanal em Curitiba, que seria batizada de
Móveis Artesanal Paranaense.
Carlo enviou o irmão Ernesto para ajudar Rodrigues e ele ficou hospedado na casa
do arquiteto, o orientando na concepção do espaço e dando início a uma longa
amizade. A loja foi equipada com móveis da empresa paulista criando um lugar
diferente de outros na região, que logo se tornou ponto de encontro na cidade.126
As vendas, contudo, fracassaram: em seis meses, vendeu dois sofás, e pelo preço
errado.127 Rodrigues lembra-se de que Curitiba era neste momento um grande polo
de móveis ecléticos, e que os poucos clientes que buscavam móveis modernos
102 preferiam comprá-los diretamente em São Paulo.
Neste meio tempo, a construção do Centro Cívico foi interrompida por problemas
financeiros do governo, e os primeiros trabalhos independentes como arquiteto não
vinham dando bons resultados, deixando Rodrigues em dificuldades. Assim, ele
decidiu deixar a cidade e escreveu a Carlo, perguntando se teria como trabalhar em
São Paulo, para onde foi prontamente convidado a ir.
Mandei uma carta para o Carlo Hauner em São Paulo, dizendo: “Carlo, eu estou
nessa situação, não tenho onde cair morto, preciso fazer alguma coisa. Se você
tiver uma vaga para fazer qualquer coisa, vou morar em São Paulo”. Aí ele me
escreveu uma carta muito bonita dizendo “venha pra cá, que você vai ser bem
recebido”, e fui pra lá.128
Ainda em 1953, a Móveis Artesanal paulistana abrira uma grande loja com exposições
de arte na Rua Barão de Itapetininga, num casarão de três pavimentos no centro de
São Paulo. A partir deste momento, a empresa passou a se chamar Galeria Artesanal
e Sergio Rodrigues foi trabalhar lá, encarregado de fazer projetos de ambientação
para clientes.
Foi ele quem entrevistou e contratou Georgia Morpurgo.129 A imigrante croata com
formação em ilustração e propaganda nos Estados Unidos passou a ser sua assistente
ajudando clientes com plantas e ambientações, e logo se encarregou da cenografia
interna e das vitrines das lojas. Nas ambientações, ela desenvolvia pequenas
artimanhas para aquecer os ambientes austeros criados com móveis modernos,
gerando uma movimentação na loja. Ainda sobre o clima na Artesanal, lembrou-se:
Em relação à clientela, Rodrigues se lembrou de que eram pessoas com alto poder
aquisitivo, e Georgia acredita que eram em geral figuras já ligadas ao ramo, sendo em
sua maioria artistas ou arquitetos.
Ernesto Hauner conheceu Georgia na Galeria Artesanal, com quem se casou no ano
seguinte, tendo Rodrigues e sua então esposa como padrinhos.
Ele mantinha a pequena fábrica própria de móveis, cujas peças eram vendidas na
Artesanal. Em paralelo, abriu uma loja com seu irmão Carlo para vender artigos em
barro cozido de uma terceira empresa do irmão, a H. Cerâmica, e outros objetos
decorativos. Esta nova loja se chamava Forma e ficava na rua Augusta. Por certo
tempo ela conviveu em paralelo com a Artesanal, até se fundirem em fins de 1954,
sem grandes mudanças no cotidiano de seus funcionários.
Além do trabalho planejando interiores, Sergio Rodrigues auxiliava Martin Eisler com
projetos de arquitetura. Ainda em 1954, mostrou ao patrão um desenho que fez para
um sofá, na esperança de que fosse produzido e vendido na Artesanal. Feito em 103
madeira maciça em perfis grossos com almofadas de espuma, o diferencial deste
sofá é o revisteiro na parte de trás, sendo um móvel para dividir ambientes.
Ainda em 1957, Ernesto também decidira vender suas ações porque, embora tivesse
estabilidade financeira, queria liberdade para produzir seus próprios desenhos.136
Associado ao Conde Grasselli, que lhe havia sido apresentado por Carlo Hauner, e a
seu concunhado, Sergio Rodrigues criou a Oca em 1955. Sua ideia era fazer uma loja
104 totalmente diferente de tudo o que existisse no mercado no momento. O plano era
construir um pavilhão temporário na praia de Ipanema, mas questões jurídicas os
obrigaram a uma abordagem mais convencional e acabaram alugando um imóvel na
Praça General Osório.137
Assim como no Studio Palma, na Artesanal e na Forma, a Oca expunha obras de arte
e funcionava como galeria. Esta união muito natural entre as diversas artes é parte
importante do projeto moderno e seria igualmente incorporada na concepção espacial
da UnB.
A Poltrona Mole, como viria a ser conhecida, é importante não só por ser um dos desenhos
mais expressivos em toda a história do design brasileiro, mas porque atesta muito sobre
suas condições de produção: enquanto Sergio Rodrigues se apropriava do cuidado com
os materiais e do desenvolvimento de uma linguagem nacional, as questões da fabricação
e da acessibilidade material ainda se pautavam em premissas artesanais e, portanto, 105
caras. À época, Stupakoff não foi capaz de pagar pela poltrona que pedira.
Não obstante, esta robusteza da madeira brasileira foi muito bem recebida no
Concorso Internacionale del Mobile, da Bienal de 1961 em Cantu, na Itália. Sob o nome
de Sherriff, em versão muito similar ao projeto original, ganhou o primeiro prêmio,
consagrando Rodrigues no campo e frente ao público em geral.
Enquanto isso, com um filho pequeno e outro a caminho, Ernesto e Georgia Hauner
decidiram voltar para a Itália após se desvincularem da Forma em 1957. Não se
readaptaram à vida em Roma, mas aproveitaram o período lá para buscar mais
formação no campo de design, interiores e cenografia. Ao fim do ano seguinte,
retornaram à São Paulo.
Ernesto procurou alguns dos marceneiros140 que haviam trabalhado com ele antes de
ir para a Europa e começou um novo negócio, batizado de Ernesto Hauner Decorações.
Em seu currículo, descreveu que suas atividades na empresa foram de presidente,
tesoureiro, gerente de produção, designer e comprador de materiais. Para os demais
aspectos administrativos, contratou o amigo e engenheiro Jorge Kornbluh.
A fábrica ficava na Barra Funda, à rua Vitorino Carmilo, e a parte da frente do galpão
funcionava como loja. Embora todas as peças pertencessem às linhas fechadas, eram
produzidas por encomenda, pois a demanda ainda era pequena. O forte da empresa
eram estantes modulares em madeira maciça, feitas em módulos multiuso.141 Assim,
com poucas peças, era possível formar estantes em alturas e comprimentos diversos,
que poderiam ser compostas por prateleiras, armários fechados ou mesas de apoio.
Um ano depois, Kornbluh decidiu ir para França continuar sua formação como
engenheiro e deixou a empresa. Em 1962, John de Souza, conhecido de ambos,
entrou no cargo administrativo e também injetou novo capital na empresa, tornando-
se sócio. Com isso, inauguraram a primeira loja, na rua Augusta, e mudaram o nome
oficialmente para Mobilinea.
Estante da Ernesto Hauner Decora-
ções, 1960.
106
os móveis da UnB
Juscelino Kubitschek fora eleito presidente em 1955 com o slogan “50 anos em 5” e
a proposta de construção de uma nova capital. Desde a década anterior, Kubitschek
defendia a arquitetura moderna, que se sedimentava como a arquitetura oficial do
Estado e seria também a escolhida para Brasília.142
Ao longo dos anos 1950, outras importantes empresas de móveis modernos haviam
surgido, em sua maioria atuando no eixo Rio-São Paulo. Dentre outras, vale destacar
a Móveis Branco & Preto, Unilabor, Ambiente, L’Atelier e Mobília Contemporânea,
dando novo fôlego ao mercado.144 Junto delas que devem ser lembradas as
experiências que Rodrigues e Hauner haviam vivido: do pensamento crítico do Studio
Palma buscando elementos brasileiros e ao mesmo tempo uma produção em larga
escala; de Tenreiro em seu diálogo com a arquitetura moderna e no uso extremamente
habilidoso das madeiras brasileiras; da Artesanal e a pesquisa por um desenho
universal, que levou à produção de móveis de desenhos estrangeiros consagrados;
à experiência na Oca com novas formas e posturas mais relaxadas; e à Mobilinea com
uma linha mais efetiva de seriação a partir de uma inteligência projetual e econômica.
O convite oficial para mobiliar a Universidade foi feito a Sergio pelo próprio Darcy
Ribeiro, ele mesmo proprietário de uma Poltrona Mole: precisavam de móveis simples
de alta qualidade145, a ser entregues em poucos meses. Sergio Rodrigues tinha a sua
fábrica Taba, mas não podia interromper a produção dos móveis da Oca para produzir
as peças de Brasília sem comprometer seu negócio. Já Ernesto, tinha uma fábrica
bem estruturada e atendia primordialmente por encomenda.
Para atender o pedido, eu não podia fazer na Oca porque lá se continuou fazendo
as coisas normais. Fazer uma outra linha, embora de móveis simples, era
praticamente impossível. Aí eu fiz um acordo com o Ernesto, que poderia
eventualmente vender também alguma coisa e produzir a linha lá na Mobilinea, dos
móveis da Universidade de Brasília.146
Vale dizer que não era a primeira vez que Rodrigues se reassociava à família Hauner.
Os móveis da Embaixada Brasileira em Roma, Palazzo Doria Pamphilii, foram
encomendados a Sergio pelo embaixador Hugo Gouthier e fabricados na Forma di
Sofá Darcy (segunda versão), c.
Brescia, empresa que Carlo Hauner fundou após seu retorno, e entregues em dois 1963.
meses. Estes também serviram como portfolio para que Rodrigues fosse chamado a Fonte: Instituto Sergio Rodrigues
produzir peças para a nova capital.
Os móveis feitos para a UnB eram de madeira maciça em chapa e perfis grossos com
encaixes simples em ângulos retos. No geral, não foram pensados para servir
ambientes específicos, mas para ocupar diversos espaços, e por isso poderiam ser
posteriormente usados para outros fins.
Especula-se que alguns dos móveis da Linha UnB tenham sido vendidos na Mobilinea,
mas eles não foram divulgados em nenhum catálogo ou imagem publicitária da
empresa, e mesmo inserções em periódicos creditam as peças diretamente a
Rodrigues, tornando essa comprovação impossível. O mais provável é que tenham
sido fabricados especificamente para a Universidade e algumas peças sobressalentes
108 tenham sido posteriormente comercializadas na loja paulistana.
Ainda que tenham um raciocínio projetual distinto, não se pode deixar de mencionar
as cadeiras do auditório Dois Candangos, montadas em quarenta e oito horas por
voluntários encontrados nas ruas da capital, convidados por meio de uma faixa
estendida em um ônibus que atravessou a cidade.149 Ernesto Hauner foi inclusive um
destes voluntários.150 Elas foram desenvolvidas a partir de peças industriais
propositalmente repensadas por Rodrigues como componentes do móvel.
considerações finais
Embora este capítulo seja importante nas trajetórias profissionais tanto de Sergio
Rodrigues como de Ernesto Hauner, ele praticamente não foi documentado. Da
mesma forma, na própria Universidade de Brasília esta produção passou desapercebida
até recente recuperação, que levou a esta publicação.
Nos anos seguintes, a Mobilinea se consagrou como uma das maiores empresas de
móveis componíveis e modulares residenciais e corporativos do país, sendo pioneiros
no uso de pintura em cores vibrantes. As ambientações propostas por Georgia Hauner,
que retornou ao trabalho pouco depois da experiência em Brasília, propagaram uma
nova estética para os interiores brasileiros do período.
Sergio Rodrigues, na Oca, desenvolveu uma rica linha de peças em madeira maciça
com desenhos próprios majoritariamente em madeiras maciças brasileiras,
revestimentos naturais e referências à cultura brasileira. Abriu uma segunda empresa,
chamada de Meia-Pataca, com desenhos simplificados e fabricação mais simples,
que tornava as peças mais acessíveis. Trabalhou ainda fazendo o planejamento de
interiores e escrevendo para revistas de comportamento. Em 1968 desligou-se de
todas as suas empresas por atritos com os sócios e seguiu apenas com o escritório
de projeto.
Com a instalação dos móveis modernos na UnB e seu uso ao longo das últimas quatro
décadas, o modo de pensar móveis para ambientes acadêmicos e corporativos
ganhou novo fôlego, e um estudo mais aproximado destas peças ainda gera
contribuições para projetos futuros.
109
Marcelo Mari
Construído no ano de 1962, o Auditório Dois Candangos era parte do conjunto 113
arquitetônico planejado por Alcides da Rocha Miranda e equipe para se constituir, por
assim dizer, como centro decisório e coração dos principais eventos da Universidade
de Brasília (UnB). A empreitada da construção foi designada ao arquiteto Rocha
Miranda por Darcy Ribeiro e não poderia ser diferente, pois a ideia de se construir uma
universidade na nova Capital Federal partiu da iniciativa desses dois intelectuais e de
outros mais.
Ainda que se atribua tanto a Anísio Teixeira como principalmente ao empenho pessoal
de Darcy Ribeiro, a iniciativa de Rocha Miranda foi muito importante para a criação da
Universidade de Brasília. Foi justamente para simbolizar esse novo momento de
transformação da história do Brasil, com a inauguração de Brasília, que surgiu o
projeto ousado de construção do conjunto arquitetônico abrigando a Reitoria da UnB
e seus anexos151.
O edifício principal foi concebido em monobloco com dois mil e quinhentos metros
quadrados (2500 m²), cuja característica principal foi a introdução de uma solução
arquitetônica da casa colonial brasileira: a varanda. Essa estrutura avarandada, que
lembra também um peristilo grego, envolve portanto todos os lados da construção,
que estava circundada por pequeno lago como elemento paisagístico. O Edifício em
concreto aparente mantém comunicabilidade entre os corpos das salas com paredes
de vidros voltadas para a varanda. Todas essas salas de aula ou de escritório foram
justamente executadas em elementos removíveis, isto é, estruturas e painéis de
madeira, para proporcionar versatilidade no uso vivencial do espaço arquitetônico.
As demais salas do edifício são ordenadas em torno de pátio central, interno. Para
efeito de diminuição de luz, o edifício tem fileira de brise-soleil em alumínio anodizado.
Tratava-se de uma solução técnica e ao mesmo tempo estética que, de certa forma,
se aproximava muito do uso do metal, do latão polido, feito muita vez pelo
Construtivismo Russo e mais ainda pela Bauhaus de Oskar Schlemmer com as
máscaras e os adereços do Balé Triádico, 1921. A unidade entre técnica e estética
fazia parte do debate sobre as características do modernismo na época; ponto Na página anterior, desenho de
fundamental nas glosas e nas realizações da modernidade. No caso de Rocha Sergio Rodrigues para poltrona de
Auditório Dois Candangos.
Miranda, subsumida a essencialidade eminentemente técnica da produção
Fonte: Instituto Sergio Rodrigues.
arquitetônica moderna, ele não deixava de apontar o elemento da plástica como
fundamental na informação e no agenciamento das características estéticas locais. O
exemplo disso está nas faces externas das empenas do edifício, que são elemento
técnico e estético com azulejos de autoria do arquiteto Luís Humberto. Azulejos em
branco e azul próximo do cobalto, nossa herança portuguesa, que em rítmica
concretista dão, como elemento de fachada, dinâmica visual ao edifício.
Se, por um lado, é notável a preocupação em se utilizar o que havia de mais atual no
mundo das técnicas de construção e na tecnologia dos materiais, por outro, voltava à
tona o dado da realidade brasileira e sua necessidade de se adaptar à falta de condições
técnicas e produtivas locais. Derivava daí a necessidade de se improvisar no momento
em que a articulação defasada entre o planejamento local e a revolução industrial
114 finalmente completa dos países centrais não atendia a contento às expectativas de
modernização na periferia. Essa situação, sempre que possível, foi pontuada como
dado para se buscar alternativas nas soluções arquitetônicas e será também na
invenção dos móveis feitos no contexto da fundação da Universidade de Brasília.
De seus edifícios, o primeiro a ser concluído foi o auditório Dois Candangos para a
inauguração do Campus da Universidade de Brasília. As obras foram supervisionadas
pelo engenheiro Félix Vieira de Almeida para realizar em 59 dias o projeto de Alcides
da Rocha Miranda. O ritmo acelerado e as condições um tanto precárias do canteiro
de obras causaram a morte, por soterramento, de dois operários da obra: Expedito
Xavier Gomes e Gedelmar Marques. Como homenagem aos operários que haviam ali
morrido, Darcy Ribeiro fez pôr o nome do auditório de Dois Candangos, também
conhecido como Auditório dos Candangos.
115
Eu tinha uma loja chamada Oca, lá na praça General Osório, e o Darcy foi várias
vezes na loja. Acabou comprando uma Poltrona Mole e eu não tinha contato
nenhum nem com o Darcy nem nada. Soube uma vez que ele tinha passado por
lá. Que pena, gostaria de conhecê-lo e tal. Mas aí, certo dia, ele estava na casa de
um sócio meu e [...] fui chamado: – olha, o Darcy está aqui e quer convidar você
para fazer os móveis da UnB. O que será essa coisa toda? Bom, vamos ver. [...] Ele
me chamou para ir lá, para ver onde era a Cidade Universitária que o Alcides da
Rocha Miranda tinha feito, tinha projetado. Aí, estive lá, e tinha pouca coisa na
realidade. O que ele estava pedindo era uma coisa simplíssima. Ele queria uma
coisa com material bom, de jacarandá, mas que fosse o mais simples possível para
mostrar que podia ser feita uma coisa boa com um bom material, mas com uma
simplicidade absoluta. Eu fiz essa linha que acabou se tornando uma parte da loja
Mobilinea, de São Paulo. Foram feitas diversas coisas inclusive lá na Mobilinea.
Mas, principalmente, ele queria fazer o auditório dos Dois Candangos.152
Pelo tempo disponível para execução das poltronas do Auditório, a empreitada para
Sergio Rodrigues parecia para não dizer impossível, muito difícil. De fato, tudo estava
ainda por ser feito. Não é simples exagero dizer que a famosa cena da conversa entre
Darcy Ribeiro e Sergio Rodrigues, que abraçados caminham em descampado no
cerrado de Brasília, em terreno próprio para as futuras obras dos prédios da UnB, já
116 indicava a urgência da situação e como Brasília e todos os outros empreendimentos
de construção da nação na época eram esforços que partiram de um poético zero
absoluto, do nada previamente existente.
Então ele (Darcy) me chamou, eu fui lá ver essa história, para ver o local para fazer
o Dois Candangos. Ele saiu, eu sai, me agarrava de braços dados, muita lama,
A empreitada não era fácil. Tratava-se de fazer cadeiras para o Auditório da Antiga
Reitoria, lugar do evento da inauguração oficial da Universidade de Brasília. A descrição
da empreitada levada a cabo por Sergio Rodrigues é memorável, pois revela a
consciência vívida da capacidade dele, e por que não dizer nossa, de encontrar
soluções as mais inusitadas em condições adversas, trata-se de uma descrição
conscienciosa da característica que definiria a diferença brasileira – sem cair no
romantismo descompassado – em que as limitações técnicas e o processo retardatário
de modernização não tinham de fato evitado o surgimento de soluções inovadoras
para nossos problemas locais.
(Darcy) disse assim: – nós queremos ter (suas cadeiras) de qualquer jeito. Eu disse:
– “Olha, de qualquer jeito você me arranja a passagem, que eu vou a São Paulo e
me viro lá para produzir alguma coisa e saber qual é a fábrica que pode fazer 250
cadeiras... Não é qualquer fábrica que aceita e faz em tão pouco tempo”. “Ah, mas
você tem que fazer, porque já tem inauguração prevista...”, disse-me ele. Aí eu fui
a São Paulo. Desenhei as cadeiras no avião mesmo. E desenhei direto, não fiz nem
protótipo. Não foi feito o desenho em tamanho natural, como era de hábito antes
de começar a produzir um móvel. Uma coisa muito engraçada é que não tinha nem
piso quando fui lá. Havia só lama. E eu perguntei como ia ser feito o piso dali, se
118 era escalonado ou não, como iriam fazer para colocar as poltronas. Então pensei
que elas poderiam não ter pé, serem fincadas no chão. Então, precisava, para isso,
de duas peças, que deveriam ser feitas em uma serralheria... Fui a uma serralheria
e perguntei se eles poderiam fazer. Isso só dava para fazer explicando no desenho,
rabiscando na tela, no quadro-negro para poder entender como era. Nem fui
mostrar a ele. Ele só viu a cadeira depois de produzida. Combinei com os serralheiros
e com a loja de couro: essa parte do couro foi feita numa casa especializada em
celas de cavalo que encontrei... Pedi ao pessoal que fizesse o trabalho. E eles
aceitaram.154
Cerimônia de inauguração da
Universidade de Brasília, em 21 de
abril de 1962.
(as cadeiras) foram feitas em praticamente 20 dias. Todas as 250 cadeiras. Eu pedi
assento de um lado e pedi a estrutura de outro lado. E para segurar o assento, havia
dois tirantes, que eram raios de cota de motocicleta. Aqueles dois, para segurar. O
assento balançava para frente e para trás. O camarada sentado na frente e, outra,
o de trás recuando para passar uma pessoa no meio. Sem precisar de outra coisa,
de maquinismos que virem a cadeira. Você ficava com isso pendurado e balançava.156
Exceto o acabamento parcializado do Auditório, o palco, as cadeiras, as mesas e o Mesa e pulpito de Sergio Rodrigues.
púlpito foram finalizados a contento. Tudo ficou pronto para o dia e a hora da Fonte: Arquivo Central da Universi-
inauguração: dade de Brasília.
Impressionante aquilo... E chegou todo aquele pessoal para ajudar. Eles não
sabiam nem o que iam fazer. Estabeleci que usaríamos o local que já estava 121
coberto. Já estava com telhas de metal. E ainda tinha gente soldando as telhas. Até
caiu algo na minha cabeça, que me fez ficar sem cabelo. Aí, os engenheiros
imediatamente fincaram os pés das cadeiras. Duzentos e cinquenta cadeiras,
portanto, na verdade eram quinhentos pés. Foram então fincados, e expliquei como
é que deveriam ficar. Eles fizeram tudo com teodolito etc., e montaram em dois
tempos as cadeiras. Com aquela montagem rápida, ninguém iria conseguir sentar
naquilo. Aquilo era um suporte para cadeira. Aí surgiu outro problema: o couro...
porque o couro não tinha sido experimentado. Se tivesse sido feito um protótipo,
eu teria experimentando se iria ficar bom ou não. Mas não houve tempo para isso.
Sabia que dois operários, eu e meu mestre, conseguiríamos montar em duas ou
três horas uma cadeira. Fazendo o cálculo, 250 cadeiras iria demorar um bocado.
Mas aí juntou o pessoal todo da Universidade mesmo e aprendeu aquele esquema
e montou aquilo. De modo que no sábado da inauguração faltou uma cadeira, essa
última cadeira, eu fiquei em pé no lugar da cadeira para não ficar aquele buraco.
Foi uma coisa muito interessante, o Darcy curtiu imensamente. E só viu a cadeira
depois da cadeira feita. Não viu nem o protótipo da cadeira, viu a cadeira já feita.158
Tanto o sofá Darcy como a mesa Redig, ambos concebidos no ano de 1963, são
derivações aperfeiçoadas dos experimentos feitos por Sergio Rodrigues para
aparelhar a UnB. No caso específico da poltrona UnB e do sofá dela derivado
encontrava-se o emprego de estrutura em madeira de lei maciça, com almofadas
soltas sobre chassis de molas horizontais estofadas em espuma de poliuretano e
revestidas em couro natural ou tecido. Desses materiais e estrutura derivará o sofá
Darcy no ano de 1963. Em outro caso, tanto as mesas da cerimônia inaugural da UnB
como as mesas usadas nas salas de reunião da Antiga Reitoria (atualmente Faculdade
Poltrona Kiko.
de Educação 1), com ou sem travessas, podem ser vinculadas à família Redig que
nasce no ano de 1963. De duas uma, ou a data de concepção da linha Redig deve
Foto: Rafael Gontijo, 2014.
ser antecipada para o ano de fabricação dos móveis para a UnB (isto é de 1963 para
o ano de 1962), no contexto da Mobilinea ou da Oca, ou os móveis produzidos para
a UnB inauguraram uma nova etapa do trabalho de Rodrigues. De uma forma ou de
outra, pode-se dizer que a fase da produção dos móveis para a UnB foi fundamental
na carreira de Rodrigues. Não só pela invenção de nova linha de móveis mas pela
injeção de capitais capazes de proporcionar a mudança da produção artesanal em
produção industrial.
Além dos móveis das salas do reitor e de seu vice, é possível encontrar nas salas
adjacentes aos gabinetes, mesas como a mesa auxiliar Vianna (1961) e houve tempo
em que no Prédio da Reitoria se encontravam as cadeiras Tião (1959), a poltrona e o
sofá Navona (1960), que foram produzidos para a Embaixada do Brasil na Itália, e as
cadeiras de braços BEG (1967). No caso do Salão de Atos da Reitoria, ele se destaca
por possuir hoje as mesas de Sergio Rodrigues que foram feitas para a antiga Reitoria.
Todas elas são mesas de grandes dimensões, algumas semelhantes à mesa Redig
(1963) e outras que lembram a mesa de reuniões Vianna (1965). Outro ponto de
destaque do mobiliário do Salão de Atos que compõe com as mesas são as poltronas
Kiko e Kiko alta, também pertencentes à linha da família Itamaraty, ambas desenhadas
no ano de 1964.
Em certo sentido, Sergio Rodrigues ganhou seu vulto pessoal como moveleiro a partir
principalmente da empreitada de Brasília, sobretudo da Universidade de Brasília.
Todavia, quando se anda pelos corredores e prédios da UnB a sensação que se tem
é de que Sergio Rodrigues prestou uma grande homenagem à Universidade com
seus móveis. Eles estão lá para dar mais brilho à Universidade. Sem dúvida, Sergio
124 ecoa na Universidade de Brasília.
151
O conjunto de prédios de Alcides da Ro-
cha Miranda atualmente é ocupado pela
Faculdade de Educação. Logo depois,
surgiu o projeto alternativo de Oscar
Niemeyer para a Reitoria, até que se
construiu outro prédio para ela, nos
anos de 1970, em local próximo do que
fora planejado e escolhido por
Niemeyer.
152
Entrevista de Sergio Rodrigues a Alex
Calheiros, realizada na tarde do dia 08
de novembro de 2013; citação de entre-
vista na íntegra.
153
Ibidem.
154
Ibidem.
155
Cf. Maria Cecilia Loschiavo dos SAN-
125
TOS. Móvel moderno no Brasil. São
Paulo: Studio Nobel; FAPESP; EDUSP,
1995, p. 125 e seguintes.
156
Entrevista de Sergio Rodrigues a Alex
Calheiros, supracitada.
157
Ibidem.
158
Ibidem.
159
Ver catálogo: Soraia CALS (org.). Sergio
Rodrigues. Rio de Janeiro: Icatu; Soraia
Cals, 2000.
126
João Filgueiras
Lima:
uma ponte entre a
arquitetura e o design
Adalberto Vilela
Na acepção estrita do termo design, entendido aqui como “a organização das partes 127
de um todo, de modo que os componentes produzam o que foi planejado”160,
encontramos um fio condutor que caracteriza, por assim dizer, a filosofia de uma obra
produzida por um arquiteto que, ao longo de quase 60 anos de profissão, destinou
boa parte de seu tempo a equacionar intrincados sistemas de produção, montagem,
encaixes e transporte de peças pré-moldadas (em concreto, madeira, aço ou
argamassa armada), onde os arranjos desses componentes se integram com
racionalidade, economia e sensibilidade estética em um todo operante e funcional.
No entanto, o design na obra de Lelé não se limita aos componentes construtivos, ele
vai além ao contribuir “para a construção de uma nova espacialidade adequada ao
homem e ao ambiente, integrada corretamente à paisagem e seu contexto
sociocultural.”161 Do veículo para transporte de pacientes a pinos ortopédicos,
passando por bancas de revista e escadarias, “Lelé transita com naturalidade desde
a complexa concepção construtiva de grandes espaços ao simples detalhe de um
componente. Produz mobiliário e equipamentos em uma experiência que mais
aproxima a arquitetura do design, concebida como produto industrial.”162
O todo e o detalhe trabalham juntos para a obtenção do produto final, resultado de Na página anterior, cadeiras do
Auditório do Departamento de
uma postura profissional marcada pela pesquisa e pelo interesse social na formulação Música da UnB, projeto de João
das propostas. E é exatamente sob essa ótica profissional que Lelé se distingue de Filgueiras Lima, c. 1960.
grande parte de seus colegas de profissão. Foto: José Luís Serzedelo, 2014.
Segundo Nobre,
Entretanto, com o mesmo empenho com que Lelé se dedica a seus projetos, e por
128 quê não dizer, inventos, sua personalidade discreta e modesta tende a mantê-lo
distante dos holofotes da mídia. Somado a isso, verifica-se até hoje um número de
publicações, textos e artigos científicos incompatíveis com a importância do trabalho
desenvolvido pelo arquiteto e sua equipe há mais de meio século. Segundo Ana
Luiza Nobre,
chega a ser quase escandalosa a limitada fortuna crítica que tem cabido à obra de
Lelé, malgrado seu reconhecimento por parte de Lucio Costa, Oscar Niemeyer,
Sergio Ferro, Pietro e Lina Bo Bardi, dentre outros. Talvez tenha contribuído para
isso sua própria postura profissional, mais aparentada com o perfil de um “técnico”
que de um “artista”, na acepção restrita que ainda reservamos a este, como um
saber-fazer indistinto da arte.164
Essa mesma limitação foi observada no texto “O Lelé na UnB (ou o Lelé da UnB)”, de
Andrey Rosenthal Schlee, no qual o autor destaca “a maneira inconstante como a
historiografia da arquitetura brasileira fez referência a Lelé”165, indicando por meio da
seleção de um apanhado de obras de importantes autores a maneira difusa com que
a produção de João Filgueiras Lima foi abordada através do tempo.
Nos últimos anos, Lelé tem recebido muitas homenagens. No âmbito internacional,
seu reconhecimento se consolida com o prêmio da Bienal Ibero-Americana de
Arquitetura e Urbanismo, em Madri, 1998; a Sala Especial na Bienal de Veneza de
2000; o Grande Prêmio Latino-Americano de Arquitetura da 9ª Bienal de Arquitetura
de Buenos Aires, em 2001 e a Medalha de Ouro da Federação Pan-Americana de
Associações de Arquitetos (FPAA), em 2012, além da participação especial na 14ª
Bienal Internacional de Arquitetura de Veneza, em 2014.
Em 2010, foi a vez do Museu da Casa Brasileira, em São Paulo, organizar uma
abrangente exposição sobre sua obra, intitulada: A arquitetura de Lelé: fábrica e
invenção. A abertura da exposição coincidiu com o lançamento do livro
homônimo166, organizado por Max Risselada e Giancarlo Latorraca, importante
registro panorâmico da carreira do arquiteto, dessa vez mais focado na era pós
CTRS167 (1992-2010).
alguns antecedentes
A Superquadra 108, na qual eu trabalhei, foi designada para o IAPB. Elas foram
designadas já em Brasília, sendo que cada Instituto de Aposentadoria tinha o
compromisso de construir pelo menos duas, a exemplo do IAPB que ficou com a 129
108 e a 109. Só o IPASE (Instituto de Pensões e Aposentadoria dos Servidores do
Estado) que tinha quatro superquadras, mas os outros tinham só duas.170
Embora Lelé não soubesse exatamente em que termos se daria essa incumbência,
aceitou a indicação do IAPB171, onde trabalhava com Aldary Toledo172, Luigi Pratesi e
outros arquitetos, e se mudou para Brasília. O contato prévio de Lelé com Toledo,
então diretor da seção de arquitetura do IAPB, foi determinante para promover a
ambientação do jovem arquiteto no contexto formal e ideológico da arquitetura
moderna praticada no Rio de Janeiro à época, linguagem que mais tarde viria a ser
conhecida como Escola Carioca.173
130 a universidade
Tradicionalmente apontada como o local em que realiza suas primeiras obras autorais,
a Universidade de Brasília teve um papel fundamental no aperfeiçoamento das
técnicas de racionalização ensaiadas por Lelé no canteiro da 108 Sul. De 1962, data
de criação da UnB, até 1965, ano em que se demite junto com outros 223 professores177,
Lelé avança consideravelmente no campo da pré-fabricação, realizando, nestes
termos, os Galpões de Serviços Gerais (SG-09, SG-11 e SG-12), em 1962, e, no ano
seguinte, os Edifícios de Apartamentos para Professores da UnB, a Colina.
Em seguida veio o convite para realizar sua residência. Trata-se de uma casa de dois
andares com presença marcante de materiais rústicos como a pedra bruta e a
madeira. Alguns elementos nesse projeto apontam para um repertório típico da Escola
Carioca, como os vastos panos de muxarabis179 na fachada oeste dos quartos, a
aplicação de materiais distintos em grandes superfícies (como a pedra aparente ou o
tijolinho) e a excelência da marcenaria em portas e janelas.
131
Eu fui pra lá como professor. Eu já fui indicado por Oscar com as seguintes funções:
coordenador do curso de pós-graduação, secretário executivo do Centro de
Planejamento e responsável pelo curso de técnica da construção. Eu tinha essas
três incumbências.180
O pavilhão SG-10 abriga o Centro de Planejamento (Ceplan), que até hoje mantém
suas funções originais: planejar e gerenciar a organização física da Universidade. Dali
saiu a grande maioria dos projetos que compõem o conjunto arquitetônico da UnB.
O entusiasmo de seus primeiros anos e a crença inabalável no potencial da pré-
fabricação criaram uma espécie de efervescência construtiva dentro do Campus, cujo
epicentro era justamente o Ceplan, comandado por Oscar Niemeyer e sua equipe
formada por Alcides da Rocha Miranda, João Filgueiras Lima, Glauco Campelo, Ítalo
Campofiorito, Carlos Machado Bittencout, Virgilio Sosa, Abel Carnaúba, Oscar Kneipp,
Evandro Pinto, entre outros.
No entanto, é sobre o pequeno auditório (SG-08) que vamos nos ater nesse momento.
Ali encontra-se um conjunto de cadeiras remanescentes da fundação da Universidade,
e que talvez pela simplicidade, e até mesmo pelo tempo decorrido, acabaram
esquecidas ou, na melhor das hipóteses, desapercebidas. Mas antes de adentrarmos
o auditório, vejamos o que nos revela o exterior do edifício.
A associação das placas em perfil “U” constitui o muro externo que encerra o edifício
propriamente dito. As paredes internas, por sua vez em alvenaria, recebem as
instalações elétricas e hidráulicas, que no caso do auditório servem à cabine de
projeção e banheiros (no Ceplan, banheiros e copas). As vigas de cobertura, com
seção de 12 por 40 centímetros, foram moldadas in loco em formas de madeira
compensada. Essas peças, protendidas pelo método Freyssinet, vencem vãos de 12
metros de comprimento com balanços simétricos.
133
Ao adentrarmos, nos deparamos com um espaço extremamente simples, cujos
materiais seguem o mesmo padrão dos blocos vizinhos, ou seja, forro de isopor, piso
em granitina, janelas em venezianas de ferro, e paredes em placas pré-moldadas de
concreto pintadas de branco. Internamente, uma cabine de som e luz se situa próxima
à entrada, um palco ao fundo e oito fileiras de cadeiras, totalizando 112 lugares.
É visível que o uso do couro na época, mais que estabelecer uma transição entre
diferentes graus de industrialização, contrabalanceando a assepsia dos novíssimos
cromados e restaurando o “calor” necessário ao móvel, era também o único
material maleável, resistente e refinado fora os tecidos de algodão tingidos e
costurados. Os polímeros e tecidos sintéticos apareceriam anos depois para
destituir qualquer tentativa de estabelecimento de uma escola internacional.
134
No histórico da cultura material brasileira é preciso reconhecer que o movimento
induzido pelas tiras182 sugere analogias ao mesmo movimento alcançado pela rede
indígena. Talvez pelo balanço ou pela acomodação do couro que acaba por
deformá-lo, típico da rede, quase que como registrando o contorno de seu
proprietário.183
Apoiada em três pontos, um posterior junto ao encosto e dois laterais junto aos braços
da cadeira, a membrana em courvin propicia um assento confortável aos usuários, na
medida em que se molda ao corpo da pessoa sentada, que por sua vez permanece
suspensa, como num balanço. Essa mesma membrana trespassa os braços do
conjunto, de um assento ao outro, fixando-se por meio de parafusos às peças duplas
em madeira que constituem os braços.
Apesar das partes em ferro fundido da cadeira sugerirem uma aproximação maior
daquele objeto com o design contemporâneo internacional, no qual o emprego de
tubos em aço inox e peças galvanizadas ganhava cada vez mais espaço no mercado
e nos meios de comunicação, é a madeira que transmite toda a “modernidade” do
conjunto, obviamente dentro dos parâmetros nacionais. Sobre este assunto, Alexandre
de Melo explica:
135
O móvel moderno no Brasil tem a madeira como elemento fundamental para a
constituição de sua linguagem, seja no plano funcional, técnico e construtivo
(sintaxe), seja no plano formal, expressivo e simbólico (semântica). Essa condição
procede, aparentemente, da abundância de espécies verificadas no seu vasto
território e da forte presença da madeira no cotidiano do país, remontando à sua
herança colonial. Situação que configurou o que podemos entender como uma
“tradição”, baseada no binômio mão-de-obra e produção artesanal, abrangendo
os utensílios para o uso cotidiano, o mobiliário e a própria casa.186
A simplicidade extrema dos móveis dos apartamentos da Colina pode ser entendida
como um reflexo da própria proposta arquitetônica do edifício, construído com poucos
componentes e com uma boa dose de otimismo e confiança num método até então
pouco difundido no Brasil do início dos anos 1960, a pré-fabricação.
Esse mobiliário possui um alinhamento estético que, em certos aspectos, o aproxima
dos ideais propagados pela Bauhaus, nos quais a racionalidade e objetividade dos
projetos se uniam para dar forma a peças essencialmente funcionais. Contudo, não
se pode dizer que houve uma adesão ideológica e/ou estética por parte de Lelé aos
princípios da escola de Weimar e Dassau. Mesmo porque, segundo o pesquisador
Alexandre Melo193:
Segundo Savastano,
Sobre a relação entre a Rede Sarah e o EquipHos, Roberto Pinho assim se manifesta:
Com essa nova dinâmica, começam a surgir procedimentos e alterações nas áreas
de convívio, como por exemplo corredores mais largos, grandes salões (ao invés de
saletas), ampliações de ambientes normalmente reduzidos (como banheiros),
acessibilidade plena, confecção de portas maiores e mais largas, adaptação dos
auditórios, etc.
A concepção original da cama-maca está associada à necessidade de se incorporar
o quadro balcânico, tradicionalmente construído em alumínio ou madeira, à própria
cama. O equipamento ainda oferece um alto grau de autonomia para o paciente, se
comparado às camas hospitalares tradicionais. Os movimentos do estrado da cama-
maca, que consistem na elevação da parte da cabeceira ou dos pés, podem ser
realizados tanto pelo pessoal de enfermagem como pelo próprio paciente, graças à
posição estratégica da alavanca que bombeia o óleo do sistema hidráulico.
Trata-se de uma estrutura bastante simples apresentada em duas versões: uma com
encosto e outra sem. Foram projetados quatro elementos básicos: o corpo principal,
com o comprimento máximo de 2,50m; apoios intermediários nivelados, aprumados
e fixados ao solo através de parafusos; apoios externos e braços eventuais. Ao
comentar esse projeto, Lelé assim se manifesta:
considerações finais
143
160
Edith DERDYK (org.). Disegno. Dese- 04 de maio de 2011 no Instituto Brasileiro pedia_IC/index.cfm?fuseaction=termos_
nho. Designio. São Paulo: Editora Senac de Tecnologia do Habitat – IBTH, texto&cd_verbete=8816
São Paulo, 2007, p. 198. Salvador-BA. 174
A Companhia Urbanizadora da Nova
161
Max RISSELADA; Giancarlo LATORRA- Apud Ana Gabriella GUIMARÃES. João
170 Capital do Brasil (Novacap) foi criada
CA (orgs.). A arquitetura de Lelé: fábrica Filgueiras Lima: O último dos modernis- pelo então presidente do Brasil, Jusceli-
e invenção. São Paulo: Imprensa Oficial tas. Dissertação de Mestrado, Escola de no Kubitschek de Oliveira, através de lei
do Estado de São Paulo: Museu da Ca- Engenharia de São Carlos, Universidade específica, em 19 de setembro de 1956.
sa Brasileira, 2010, p. 9. de São Paulo, EESC-USP, 2003, p. 13. O objetivo era criar um órgão que se
ocupasse do gerenciamento e coorde-
162
Ibidem, p. 9. O Instituto de Aposentadoria e Pensões
171
nação das obras da nova Capital. Em 21
163
Ana Luiza NOBRE. “João Filgueiras Li- dos Bancários (IAPB) foi um instituto de abril de 1960 Brasília foi inaugurada.
ma: Arquitetura como processo”. AC / previdenciário, criado no Brasil, em Entretanto, para que a Cidade efetiva-
Arquitetura Crítica, n. 016, São Paulo, 1934, e extinto em 1966. O IAPB foi o mente funcionasse como uma capital,
Portal VITRUVIUS, fev. 2006. Disponível embrião de instituições muitíssimo muita coisa ainda deveria ser feita. A
em: http://www.vitruvius.com.br/ac/ac016/ maiores, e mais sofisticadas, de previ- Novacap continua existindo como uma
ac016_1.asp dência, criadas posteriormente no país, empresa pública, tendo como sócios a
144 164
Ibidem.
tais como o INPS, o IAPAS, e o atual União e o Governo do Distrito Federal,
INSS. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/ respectivamente com 48% e 52% das
165
Andrey Rosenthal SCHLEE. “O Lelé na Instituto_de_Aposentadoria_e_Pensões ações. Atualmente, a empresa é o prin-
UnB (ou o Lelé da UnB)”. In: Cláudia Es- _dos_Bancários [acesso: 16/02/2014]. cipal braço executor das obras de
trela PORTO (org.). Olhares: visões 172
Aldary Henriques Toledo (Rio de Janei- interesse do Estado, e sua vinculação
sobre a obra de João Filgueiras Lima. ro, 1915) é, além de um arquiteto da com a Secretaria de Obras é direta. In:
Brasília: EdUnB, 2010, p. 158-159. primeira geração de modernistas, um http://www.novacap.df.gov.br/sobre-a-
166
Para maiores detalhes, ver Max RISSE- autêntico artista que conviveu com Por- novacap/a-novacap.html
LADA; Giancarlo LATORRACA (orgs.). tinari, tendo sido este seu professor de 175
Apud Ana Gabriella GUIMARÃES. Op.
Op. cit., 2010. desenho e pintura. Ao seu círculo de cit., 2003, p. 16.
167
O Centro de Tecnologia da Rede Sarah convivência pertenceram Oswald de
Andrade, Jorge de Lima, João Cabral de
176
Yopanan REBELLO; Maria Amélia LEITE.
iniciou suas atividades no canteiro de
Melo Neto, Lucio Costa, Attílio Corrêa Li- “O mestre-construtor”. In: Cláudia Estre-
obras do hospital de Salvador em 1992.
ma, Carlos Leão, entre outros. Durante la PORTO. Op. cit, 2010, p. 53.
A partir de 1993, foi gradualmente sen-
do implantado em suas instalações os anos na Faculdade, Lelé e outros co- 177
O pedido de demissão de cerca de 90%
definitivas, localizadas em uma área legas participavam do grupo formado do quadro docente da UnB foi encami-
plana com cerca de 800 metros de com- em torno de Toledo, ocasião preciosa nhado à Reitoria em protesto e repúdio
primento e largura média de 100 metros, para aqueles jovens que buscavam ori- ao afastamento de 15 professores con-
disposta ao longo da encosta da colina entações para suas atividades siderados subversivos pelas forças
onde está situado o hospital. Atual- acadêmicas, e ao mesmo tempo des- militares, que assumiram o poder após
mente, o centro ocupa uma área frutavam da sólida formação intelectual o golpe de 64.
construída de cerca de 20.000 m2, onde do arquiteto em momentos em que a 178
Conforme entrevista ao autor em 04 de
foram instaladas as oficinas de meta- pauta da noite abordava temas como a maio de 2011. In: Adalberto VILELA. A
lurgia pesada, metalurgia leve, arte e a vida. Cf .Elane Ribeiro PEIXOTO. casa na obra de João Filgueiras Lima,
marcenaria, argamassa armada e Lelé, o arquiteto João da Gama Filguei- Lelé. Dissertação de Mestrado. Brasília:
plásticos. In: João Filgueiras LIMA. Ar- ras Lima. Dissertação de Mestrado. FAU-UnB, 2011, p. 302.
quitetura: uma experiência na área de Faculdade de Arquitetura e Urbanismo,
Universidade de São Paulo, FAU-USP,
179
Introduzido na península ibérica durante
saúde. São Paulo: Romano Guerra Edi- a ocupação moura, o muxarabi, ou mu-
tora, 2012, p. 138. 1996, p. 12.
xarabiê, é uma sacada fechada por
168
Lelé ingressou na Faculdade Nacional
173
Escola Carioca é o nome pelo qual parte treliças de madeira. À semelhança da
de Arquitetura da Universidade do Bra- da produção moderna da arquitetura ‘gelosia’ – aportuguesamento de ‘jalou-
sil (FNA/UB), atual FAU UFRJ, em 1951, brasileira é comumente identificada sie’, palavra francesa que designa esse
tendo concluído seus estudos em 1955. pela historiografia. Trata-se original- tipo de fechamento e significa, muito
A FNA foi criada em 1945, após separa- mente da obra produzida por um grupo apropriadamente, ‘ciúmes’ – está para a
ção da Escola de Belas Artes. Nos radicado no Rio de Janeiro, que, com arquitetura assim como a burka para o
primeiros anos, passou a ocupar o anti- liderança intelectual de Lucio Costa vestuário: permite ver sem ser visto. In:
go Hospício Pedro II, na Praia Vermelha. (1902-1998) e formal de Oscar Niemeyer Sylvia FICHER et al. “Blocos Residen-
Arquitetos como Jorge Moreira, Luiz (1907-2012), cria um estilo nacional de ciais das Superquadras do Plano Piloto
Nunes, Oscar Niemeyer, Milton Roberto, arquitetura moderna: uma espécie de de Brasília”. Jornal do CREA-DF, Brasí-
Affonso Eduardo Reidy e Alcides da Ro- brazilian style, que se dissemina pelo lia, n. 45, out. 2004, p. 16.
cha Miranda ainda se formaram na país entre os anos 1940 e 1950,
contrapondo ao international style, hege-
180
Apud Ana Gabriella GUIMARÃES. Op.
tradição das Belas Artes. cit., 2003, p. 23.
mônico até os anos 1930. In: http://www.
169
Entrevista realizada pelo autor com o ar- Conforme depoimento do próprio Lelé ao
181
itaucultural.org.br/aplicexternas/encliclo-
quiteto João Filgueiras Lima, Lelé, em
professor Marcelo Mari, durante entrevis- cimento ou argamassa, em geral com definitivamente”. In: Yopanan REBELLO;
ta telefônica realizada em 09 de outubro as dimensões de um tijolo comum – em- Maria Amélia LEITE. Op. cit., 2010, p. 66.
de 2013. Durante a conversa, Lelé confir- pregados para a ventilação e iluminação
ma a autoria do projeto das cadeiras do natural de cômodos. Sua denominação
auditório do Departamento de Música e deriva do nome de uma empresa fabri-
de um grupo de cadeiras desenhadas pa- cante do Recife (PE), a Cobogó
ra a Reitoria, não localizadas. (GOMES, p. 21, in SEGAWA, 1988). Al-
182
Em alusão à poltrona desenhada por guns autores gostam de ver no cobogó
Flávio de Carvalho em 1938 para a Ca- uma reinterpretação contemporânea de
sa da Fazenda Capuava, em Valinhos, um componente tradicional da arquite-
São Paulo. tura colonial luso-brasileira, o
‘muxarabiê’. In: Sylvia FICHER et al. Op.
183
Alexandre Penedo BARBOSA DE MELO. cit., 2004, p. 16.
Design do Mobiliário Moderno Brasileiro:
Aspectos da Forma e sua Relação com
191
Ibidem, p. 16.
a Paisagem. Tese de Doutorado. Facul- 192
Depoimento da professora Sylvia Ficher
dade de Arquitetura e Urbanismo, ao autor, durante entrevista realizada 145
Universidade de São Paulo, FAU-USP, em Brasília em 26 de fevereiro de 2014.
2008, p. 13. 193
Alexandre Penedo BARBOSA DE MELO.
184
O princípio adotado no projeto das ca- Op. cit., 2008.
deiras do Auditório da Música da UnB, 194
Ibidem, p. 43.
de 1962, foi revisto e aplicado posterior-
mente por Lelé em outras ocasiões e
195
Max RISSELADA; Giancarlo LATORRA-
com o emprego de outros materiais, co- CA (orgs.). Op. cit., 2010, p. 52.
mo nos casos das cadeiras do Auditório 196
Depoimento do arquiteto Fábio Savas-
da Ilha do Governador, de 1984, no Rio tano ao autor, em entrevista realizada
de Janeiro, e nas cadeiras do Centro Co- em Brasília em 25 de fevereiro de 2014.
munitário e Sindical de Camaçari, na 197
Ibidem.
Bahia, de 1987. Nesses projetos, as par-
tes estruturais, originalmente em
198
Roberto PINHO. “Lelé: um arquiteto uni-
madeira, e os assentos em courvin, versal”. In: Max RISSELADA; Giancarlo
foram substituídas por perfis metálicos e LATORRACA (orgs.). Op. cit., 2010, p.
plástico, respectivamente. Ver: Giancarlo 52.
LATORRACA,João Filgueiras Lima, Lelé. 199
João Filgueiras LIMA. Arquitetura: uma
São Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi / experiência na área da saúde. São Pau-
Lisboa: Editorial Blau, 1999, p. 150-163. lo: Romano Guerra Editora, 2012. p.150.
A estática é a parte da física que estuda
185 200
Giancarlo LATORRACA. Op. cit., 1999,
sistemas sob a ação de forças que se p. 155.
equilibram. Fonte: http://pt.wikipedia.org/ 201
Max RISSELADA; Giancarlo LATORRA-
wiki/Estática. Acesso em: 22/02/2014.
CA (orgs.).Op. cit., 2010, p. 110.
186
Alexandre Penedo BARBOSA DE MELO. 202
Yopanan REBELLO; Maria Amélia LEITE.
Op. cit, 2008, p. 13.
Op. cit., 2010, p. 68.
187
Adalberto VILELA. “Uma visão sobre 203
José Filgueiras LIMA. Op. cit., 2004, p.
Alojamentos Universitários no Brasil”. 5º
73.
Seminário Docomomo Brasil, São Car-
los, 2003. Disponível em: http://www.
204
Segundo Yopanan Rebello e Maria
docomomo.org.br/seminario%205%20 Amélia Leite, “a convicção de Lelé
pdfs/003R.pdf, p. 8 quanto à importância da experimen-
tação construtiva como processo
188
O sistema de divisórias removíveis no
consciente de evolução profissional
interior dos apartamentos não foi exe-
pode ser notada no abandono de certas
cutado, restando apenas as placas
soluções em prol de outras de melhor
pré-moldadas de concreto como deli-
desem-penho técnico. Tome-se como
mitador dos espaços internos.
exemplo o caso das treliças em
189
Giancarlo LATORRACA. Op. cit., 1999, argamassa armada usa-das peara
p. 36. apoiar as lajes de cobertura de forma
190
De uso corrente na arquitetura brasilei- invertida, progressivamente substituídas
ra, tanto vernácula como erudita, os pelos arcos multi-articulados no mesmo
cobogós são elementos vazados – de material e depois as treliças metálicas,
146
147
Marcelo Mari
151
Esta ideia de Brasília, que vos parece tão surpreendente, que parece ter caído do
céu, não caiu do céu, pois faz parte de certa tradição histórica desde os começos
do país. [...] um primeiro-ministro do rei absolutista (Dom João VI), ao chegar à
cidadezinha colonial do Rio de Janeiro do princípio do século XIX, foi logo tomado
da ideia de fundar aqui um grande império [...] (e) de fundar uma capital nas
montanhas de Minas Gerais. [...] Um pouco mais tarde, [...] José Bonifácio, também
propumha uma nova capital. [...] Ainda no século XIX, [...] o fundador da historiografia
brasileira, Varnhagen, também teve a ideia de fundar uma nova capital [...]. Os
principais arquitetos da República eram oficiais do Exército, educados no positivismo
[...]. Fizeram a Constituição, fizeram os emblemas nacionais, inclusive nossa
bandeira, aliás bastante feia, e tiveram a ideia de marcar no centro geográfico do
país um quadrilátero para ali fundar a capital.206
Ao tomar Brasília, a cidade nova, como uma obra de arte coletiva, queremos com
isso dizer que a arte se introduz na vida de nossa época, não mais como obra
isolada mas como um conjunto das atividades criadoras do homem. Quando se
faz uma cidade nas condições de Brasília, partindo do nada, a mil quilômetros do
litoral, é por assim dizer um ensaio de utopias. [...] Nossa época é a época em que
a utopia se transforma em plano, e é principalmente aí que se encontra a mais alta
atividade criadora do homem – a da planificação. [...] É evidente que nos
encontramos diante de uma crise bem profunda da arte individual. Precisamos
reencontrar as bases sociais, as bases filosóficas da arte, da atividade criadora, e
creio que um empreendimento como este, de fundar uma cidade planificada e a
construir de alto a baixo com todos os recursos tecnológicos de nossos dias e com
um pensamento fundamental, um pensamento a dirigi-la, é realmente o de construir
não só uma capital mas uma obra de arte coletiva. [...] É uma obra coletiva porque
por definição ela suprime o empirismo, e nunca poderá ser completada por uma
política de laisser-faire, laisser-aller.208
Talvez, as palavras de Pedrosa209 tenham dado o tom do debate sobre a Cidade Nova
e sobre a síntese das artes. A visão da necessidade de plano contra a visão de cidade
espontânea parecia ter vencido o debate do Congresso, mas na prática os governos
pós-Golpe Militar trataram de enterrar o planejamento urbano no Brasil. É evidente que
o Crítico brasileiro invertia valores artísticos e sobretudo estéticos internacionais, com
consequências políticas óbvias, no sentido de atender clamores específicos de países
periféricos – como era o caso dos países latino-americanos – que foram incorporados
ao processo de modernização internacional. Todavia, existia a expectativa de que era
possível alcançar patamares de modernidade dos países centrais, o que gerou um
clima generalizado de otimismo e de euforia no País.
Foi daí que surgira o projeto de Lucio Costa; ousado e poder-se-ia dizer completo,
pois nele quase todos os detalhes da vida de uma cidade foram pensados em suas
peculiaridades e exigências. Das creches, às escolas e lavanderias de superquadras,
até as áreas de ajardinamento, de lazer e de comércio local. Tudo fora pensado no
plano cuidadosamente para atender às demandas não só de funcionamento da
própria cidade, da Urbs, mas também da Civitas que era própria de uma Capital, que
pode ser definida pelo conjunto de aparelhos e espaços públicos que garantem a
constituição da cidadania pela valorização do indivíduo: museus, espaços culturais,
bibliotecas e a Universidade de Brasília. 153
Alcides da Rocha Miranda foi arquiteto, muito interessado em artes visuais e patrimônio
histórico brasileiro. Formado pela Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro,
foi aluno de Cândido Portinari e de Mário de Andrade, que nele semearam o interesse
pelo moderno aliado necessariamente à visão ampla de interlocução entre as várias
manifestações artísticas e a sociedade. Além de ser peça-chave nos trabalhos
inaugurais de fundação do SPHAN, com Rodrigo Mello Franco de Andrade e ter sido
influenciado pelo trabalho prévio e idealizador do serviço de patrimônio feito por Mário
de Andrade, é preciso ter em mente que Rocha Miranda participou de momento ímpar
de efervescência de ideias novas, de valorização da peculiaridade do local no Brasil.
Nos anos de 1950, Rocha Miranda foi convidado por Luís Inácio de Anhaia Melo a se
tornar professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São
Paulo (FAU-USP). O convite de Anhaia Melo não foi casual e tinha muito a ver com sua
proposta de criação de uma faculdade que ganhava independência do curso de
Engenheiro-Arquiteto da Escola Politécnica da mesma Universidade. Tratava-se de
154 uma proposta nova em que engenheiros e artistas plásticos ministravam aulas
seguindo as especificidades de suas áreas.
Foi esse conjunto de experiências que marcou, em sua trajetória posterior, a visão
ampla e integradora das artes. A procura pela integração das artes, vendo nelas
correspondências de investigação psíquica, fenomenológica e deslindamento do
conteúdo social da forma, aliou-se muito bem, por aqui, à relação entre modernidade
e valorização das raízes culturais brasileiras. A chave de compreensão do Brasil
anunciava seu movimento renovador que derivava do vínculo entre, por um lado,
técnica e conteúdo social emancipado e, por outro, linguagem formal internacionalizada
e especificidade das raízes culturais locais. Tratava-se de um momento privilegiado
da história brasileira em que houve prerrogativa de se pensar em um projeto
arquitetônico, artístico em geral que acompanhava a ideia de constituição de um
projeto de Nação na circunstância que definia a especificidade brasileira.
Pode-se dizer que o fato de Alcides da Rocha Miranda ser arquiteto, ocupado com o
serviço do patrimônio histórico nacional e consciente da relação enriquecedora entre
passado e presente, fez com que a História da Arquitetura se tornasse disciplina
fundamental no futuro curso de arquitetura da Universidade de Brasília, onde a FAU
se aproximou do espírito e das atividades do SPHAN:
Rocha Miranda, logo que chegou em Brasília, em 1960, para fundar secretaria geral
do SPHAN, interessou-se por pensar em espaços e instituições de cultura para
Brasília. De imediato, ele abraçou o projeto de construção de uma universidade no
Distrito Federal. Assim como Lucio Costa, Rocha Miranda acreditava que a fundação
de uma universidade no Distrito Federal seria essencial para combater o isolamento
cultural e o provincianismo a que estavam sujeitos os habitantes de Nova Capital:
Embora seja verídico que a pressão feita por Darcy Ribeiro junto aos parlamentares
do Congresso fosse decisiva para a instituição da Universidade de Brasília, essa
conquista não foi empreendimento de uma só pessoa e não se pode olvidar o
empenho de Alcides da Rocha Miranda e de Anísio Teixeira na ocasião. Esses
intelectuais acreditavam na necessidade de se construir uma universidade para o
Distrito Federal e conseguiram dirimir o impasse causado pelo temor de Clóvis
Salgado e Israel Pinheiro de que a presença de estudantes – força viva à época – e
também de operários traria ambiente conturbado e de instabilidade para o governo.
De fato, a criação da UnB foi pensada também como espaço de conhecimento e de
debate político que poderia garantir o fortalecimento das instituições democráticas na
relação entre representantes de segmentos da sociedade civil, constituída de
professores e de estudantes, e políticos legitimamente eleitos no sistema da
democracia representativa.
156
A casa proposta pelos modelos da Oca não surge de um projeto a priori, ou muito
menos de um exercício de composição, mas de normas industriais prevalecentes
nas fábricas, de normas e módulos de materiais em circulação no mercado. Aqui,
pois, escapa-se, com naturalidade, do preconceito da “arte pela arte”, da “arquitetura
pela arquitetura” ainda tão visível na mente mesmo dos nossos arquitetos mais
aparelhados tecnicamente e mais familiarizados com a vida industrial. [...] A casa
da Oca não é de todo indissolúvel que, por sua engrenagem, proíba modificações
na forma e na distribuição de seus espaços. [...] ela (pode ser) portátil, mas não
imutável, segundo um molde dado para sempre. Por aí foge à mecanização
padronizada que não permite ao protagonista da comédia caseira, isto é, ao
homem que nela vive modificá-la para melhor atender às próprias inclinações.219
Por mais que houvesse várias contradições entre teoria e prática, atrás assinaladas,
no processo de modernização brasileira, é preciso ter em mente o fato nada corriqueiro
de o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro ter se interessado por elementos
característicos do desenvolvimento brasileiro e abrir espaço para soluções de
arquitetura em série e, mais especificamente, de soluções arquitetônicas para edifícios
de interesse público, fábricas e habitações populares. Isso denotava um interesse
generalizado das classes sociais (sobretudo a classe média e a operária) mais
avançadas e politizadas em apoiar alternativas artísticas e estéticas que estavam
comprometidas com a modernização, a democratização e oferecessem novo patamar
de construção de cidadania. Tratava-se de um senso mais ou menos generalizado e
confuso de emancipação política do País, que fora resultado da aproximação instigante
com projetos intelectuais de cunho social e esteticamente libertador.
162
Elvin M. Dubugras, como outros em sua época, foi responsável pelo desenho de
poltrona de estrutura em madeira com couro no assento e encosto. A poltrona de
Dubugras tem estrutura em madeira com pés em seção quadrada e quadros laterais
de sustentação. O assento da poltrona de Dubugras é inclinado, para trás na direção
do encosto, feito em peça única de couro-sola e o encosto é articulado, em formato
de rótula, para melhor adequação à posição do corpo. O modelo é semelhante ao da
poltrona de Sergio Rodrigues, com a diferença que na Lia a estrutura é em jacarandá
com assento e encosto fixos, estofados em espuma de poliuretano e revestidos de
couro natural ou tecido. Já Dubugras optou por um quadro estruturante com encosto
mais livre, o que oferece vantagens e desvantagens dependendo da ocasião e 163
indubitavelmente do uso.
Por sua vez, a cadeira de Dubugras com assento em palhinha foi largamente utilizada
em eventos e reuniões na UnB. Ela foi adotada, juntamente com a poltrona de auditório
de Sergio Rodrigues, como objeto-símbolo da época e está sempre presente em
registros fotográficos. Por causa do arqueado da madeira que compõem em curva
contínua os braços e o encosto, essa cadeira era de mais difícil execução. A curva
contínua dos braços e encosto é espelhada no assento. Esse remonta sem dúvida às
soluções coloniais com o uso da palhinha, que é elemento resistente – não tanto como
o couro – e leve por isso mais apropriado para o clima quente de nossas terras.
A segunda alternativa é mais otimista, sem que se possa dizer se tratar de uma
situação verídica ou simplesmente de uma inverdade. A beleza e a graça dos dois
tipos de cadeira de couro da UnB estão justamente associadas ao anonimato da
concepção e da execução, que sinaliza horizonte possível para legítima produção
coletivista, cujo significado material e espiritual profundo vão muito mais além do que
o fetiche da marca, associada quase sempre à genialidade de uma autoria falsificada
pelo jogo de valorização de mercado. Essas cadeiras nunca foram efetivamente
assinadas, são fruto da construção interrompida de uma utopia de Universidade; se
essa é sua graça e beleza é também sua má sorte e condenação, já que os registros
sobre esses objetos estão desaparecidos.
A situação do mobiliário não era diferente das edificações, pois eles foram requisitados
no afã de equipar a Universidade recém-criada, mas não houve tempo hábil para um
encontro satisfatoriamente virtuoso entre a pesquisa da forma, realizada por
professores e alunos, e as marcenarias locais. Acresce-se, à separação entre trabalho
manual e intelectual, o fato iniludível de o móvel moderno não poder ser pensado
como algo separado de uma concepção geral de sociedade. O Golpe Militar
interrompeu as experiências promissoras da Universidade de Brasília e grande parte
das pesquisas e dos experimentos estéticos no âmbito da forma, realizados por
professores e alunos, reduziram-se a especulações teóricas ou protótipos, que não
foram executados posteriormente. Tratou-se de uma experiência interrompida pela
demissão coletiva dos professores da Universidade e pelo hiato produzido na memória
com os vinte anos de governo militar no Brasil.
A – Alex Calheiros, docente do Departa- rais integristas da UDN. E o golpe de 64 foi C – O Zeferino Vaz, que foi reitor depois do
mento de Filosofia – UnB. exatamente a tomada de poder por esse golpe, utilizou uma desculpa ridícula para
grupo integrista da UDN. Assim, a UnB não negar a construção do protótipo. Perguntaram
C – Antônio Carlos Carpintero, docente do
foi destruída imediatamente, mas sim sen- a ele se ia construir um protótipo, e falou que 173
Departamento de Arquitetura e Urbanismo
do solapada aos poucos. não. O protótipo era feito em concreto, tendo
– UnB.
dois quartos, um beliche; um armário dividia
L – Luiz Eduardo Araújo, estudante de Com respeito à Oca 1, todo mundo diz que os dois quartos. Havia uma sala com um
Arquitetura – UnB. “incendiou-se” em 1978. Mas não é ver- balcão de cozinha, um frigobar, uma pia, um
dade! Tocaram fogo nela. Ela foi incendiada fogareiro, que ficava em cima do balcão, e
C – Nunca me envolvi diretamente com a pelo Azevedo, que era o vice-reitor. Fez isso um banheiro. Porém, era menor que os dos
questão do mobiliário. Mas observei a situa- para apagar toda a memória do lugar. professores da Oca. Era destinado para a
ção. Morei quatro anos na Oca, construção moradia de quatro alunos.
feita para, num primeiro momento, servir de C – Se Bin Laden entrasse no banco
alojamento para professores. Cada quarto construído naquele local, eu ficaria muito Contudo, o Zeferino Vaz declarou que era
tinha um beliche e um armário grande, com feliz. Pois esse banco é um acinte! Fui preso contra a construção do protótipo como
portas de correr, para o uso de duas pes- várias vezes ali, com várias pessoas sistema de alojamento, porque número par
soas. Havia duas escrivaninhas de madeira conhecidas. O Barra 68 do Vladimir [de favoreceria o homossexualismo. [...] A Oca
de 80 cm x 1 m, confeccionadas pela Oca Carvalho] fala muito daquele local. O aloja- era então um alojamento para professores,
do Sergio Rodrigues, do Rio de Janeiro. mento de concreto existente no meio do quando em 65 a UnB foi fechada e os
Então, esse nome Oca foi mantido exata- estacionamento do ICC era um protótipo de professores pediram demissão.
mente por isso, por ter sido feita pela Oca. alojamentos de estudantes de graduação
de toda a UnB. Estes seriam pré-fabricados L – Quando você entrou na UnB?
A – Inclusive os alojamentos. em concreto (projeto de Oscar Niemeyer),
que seria distribuído em pilhas, de pequenos C – Em 65, no início do ano, por isso assisti
C – Sim, era um alojamento. Um deles montes, por todo o campus. Não haveria a todos esses acontecimentos. A Oca era
ainda existe precariamente, a Oca 2. um setor habitacional, mas habitações em esse alojamento para professores que
alguns lugares do campus. ficou vazio a partir de outubro de 65, pois
A – Sim, precariamente. Eu não entendo era usado de fato não pelos professores,
por que a UnB não ... mas pelos instrutores. Naquela época, a
UnB tinha um princípio: o pensamento do
C – Deixe-me dizer o que acontece com
Darcy Ribeiro, do Anísio Teixeira davam
Brasília e não apenas com a UnB. Brasília
maior preferência para a pós-graduação,
representa exatamente o nacionalismo ge-
antes de se voltar para a graduação. A UnB
tulista, o nacional desenvolvimentista do
foi feita para influir no sistema universitário
Getúlio posto no plano político, econômico,
brasileiro como um todo. A lógica era fazer
cultural, com todas as forças. Claro que o
a pós-graduação para formar pessoas para
inimigo maior desse princípio eram os libe-
as outras universidades. E os professores
*
As imagens históricas utilizadas nas entrevistas são do Arquivo Central da Universidade de Brasília; as fotos atuais do mobiliário cita-
do pelos entervistados são de Rafael Gontijo.
que vinham fazer mestrado eram auto- Bom, os salesianos, com base no C – Vou contar onde eram os espaços da
maticamente professores auxiliares que “marketing” que fizeram do sonho de Dom Teologia. O terreno ia até a Rosa-cruz. Esse
tinham título de instrutores. Eles davam Bosco – que era uma picaretagem –, era o terreno dos dominicanos. Isso faz
aulas. Alguns deles foram colegas nossos pediram a administração da Universidade. parte do acordo realizado por Darcy
e eram excepcionais. Naquela época se Eles estavam se aliando a outras ordens Ribeiro. Vieram os dominicanos, com o
tinha dois anos de básico e depois três menores, menos importantes, menos signi- Instituto de Teologia. O provincial dos
anos de profissional. No caso da Arquitetura, ficativas. Os salesianos são uma ordem de dominicanos no Brasil, o Frei Mateus
o básico era feito no ICA (Instituto Central segundo nível, uma igreja pequena que Rocha, veio a ser vice-reitor da UnB e
de Artes). Naquela época o IdA não existia. tem uma atuação menor. As grandes or- construiu o seminário maior dos domi-
dens são os beneditinos, dominicanos, nicanos. Ou seja, o curso de Teologia seria
A – A Filosofia chegou a ser pensada? Por jesuítas, carmelitas e os franciscanos. dado no Instituto de Teologia, e o curso de
que ninguém fala sobre isso... Então, o Darcy Ribeiro, para fugir de uma Filosofia, que os padres são obrigados a
universidade católica, e percebendo que a fazer, seria feito na filosofia leiga, misturado
C – Chegou sim. O estopim do fechamento
situação estava ficando cada vez mais com todo mundo, sem nenhuma separação.
174 da UnB foi o Ernani Fiori, do Rio Grande do
difícil, foi a Roma e conversou com o João Eles fariam então um curso de Filosofia
Sul. Ele foi professor do Flávio Kothe
XXIII, que era o papa. E a sorte dele foi o leigo, e não um curso de filosofia confes-
inclusive, e eles são muito amigos. Os
papa ser o João XXIII. Daí ele negociou e sional a priori.
professores estavam cedidos. O Ernani
fez anexo à UnB um Instituto de Teologia.
Fiori era um católicão da Federal do Rio A – Então havia o projeto de um curso de
Grande do Sul colocado à disposição da A – Ali onde é a Secretaria de Educação Filosofia?
Filosofia. A Filosofia não tinha curso. ficava o Instituto de Teologia.
C – E como chovia! E o nome Dois C – Não, não irão tirá-la de lá. É preciso tirar
L – Aquilo lá era projetado ou era um
Candangos surgiu porque dois candangos a árvore que está na frente.
puxadão?
ficaram enterrados ali no concreto do
C – Não, era projetado. A – Lá no meu departamento [de Filosofia]
edifício. Ali há uma obra de arte que
há umas mesinhas pequenininhas, essas
180 L – Do Sergio Rodrigues.
considero decisiva, muito importante, mas
mesas de apoio, que são de treliças. Você
os cretinos ecologistas da Universidade
se lembra disso?
C – Era provisório, mas era projetado, plantaram uma árvore na frente dela e
benfeito. Era do Sergio Rodrigues, porque botaram uma placa dizendo que aquela C – Lembro. Houve uma empresa que
ele fez a Oca, e o restaurante tinha a mesma árvore era passagem de passarinho, e não andou fazendo esse tipo de coisa aqui em
linguagem. Então, almoçávamos no restau- poderia ser retirada... Era picaretagem. Brasília. Já em 68, 66.
rante, íamos lá para cima, deitávamos
L – E qual é? A – Que são retiráveis, inclusive. Elas são
naquela varanda e ficávamos dormindo ali
depois do almoço, até o horário da aula. soltas.
C – A Bartira [de Victor Brecheret].
Ficávamos naquele bambuzal.
C – Então essa não sei qual é, não.
L – E há uma do Bruno Giorgi também que
L – E o Dois Candangos é projeto de quem?
é em homenagem ao Edson Luis, a princípio. A – Elas são montáveis. Há uma estrutura e
Será que o Elvin teve participação nisso?
um tampo de treliça, que são madeirinhas
C – Não, não existe nenhuma em home-
C – Tem a mão do Elvin, sim, mas o Dois em pé, encaixadas.
nagem a Edson Luis, não. É o Monumento
Candangos eu acho que é do Alcides.
à cultura. C – Ah, sim, essa eu não sei, não. Mas
Propriamente do Alcides. Porque o Luis
Humberto trabalhou naquele projeto que houve uma empresa que andou fazendo
L – Já ouvi dizer que é um monumento a um
tem o terraço, que tem o varandão. Os móveis de boa qualidade aqui em Brasília
estudante morto.
azulejos são do Luis Humberto. no final da década de 60, início da década
C – Não, é um monumento à cultura. Eu de 70, mas depois fechou. Sei disso porque
L – Que é o que escolheu ser fotógrafo. estava aqui e assisti à inauguração disso... tinha um amigo que comprou uma estrutura
É do Bruno Giorgi. Mas os cretinos da dessas. Não posso dizer que era uma
C – É.
Universidade plantaram árvores em volta... mesa nem que era um banco; era uma
L – Eu nunca soube de quem eram aqueles e isso não tem o menor sentido, porque o estrutura baixa, que poderia servir para
azulejos. canteiro é pequeno e não cabe nem árvore sentar ou como mesinha. Era de madeira,
nem monumento. mas era muito pesada, e tinha uma
A – E ele fica superemocionado quando estrutura metálica. Tinha peças de madeira
fala do Alcides, não é? L – E é uma escultura que vai crescendo. paralelas e quase dois metros de extensão...
Ela tem essa coisa da ramificação. era bem grande a peça. Como se chamava
A – Foi muito legal também a entrevista essa empresa? Vários colegas meus
com ele. Ele lançou muitas luzes sobre C – Aquela escultura foi comentada no livro trabalharam nela.
coisas de que tínhamos muitas dúvidas. do Décio Pignatari, Informação, linguagem
e comunicação: são as três hastes da L – Professor, conta mais um pouco
C – Claro, e ele teve um papel importante deusa da cultura, da Atena. A lança da sobre essas oficinas. Porque há esse
em toda essa história. O Dois Candangos Atena, repetida três vezes. Ele explica bem mito também, e não sabemos até onde
foi o centro da Universidade. Esses três isso na obra. Tem a Bartira, que chamá- isso é verdade, de que muito estudante
prédios foram construídos em noventa vamos de Incesto, que tem um molequinho fez móvel para a Universidade. Isso era
dias, para inauguração da Universidade. deitado de bruços na mãe. desenvolvido aqui?
Foi tudo a toque de caixa. Há uma cena,
C – Não muito. Acho que é um exagero, A – Alguém que usou as salas de aula L – E viagens, professor, vocês faziam
porque a disciplina, por exemplo, de normais, como as que vemos o pessoal viagens pela região?
Introdução às Artes Industriais, durou só usando para fazer vestibular. Então, são
um semestre e fizemos só um móvel e, no essas mesas comuns, que têm essa C – Fazíamos. Eu fiz poucas. Viajei muito
segundo semestre, a disciplina não foi mesinha de escrever do lado... pouco com a turma. Mas teve uma turma
adiante, porque não havia professor para que foi para Belém do Pará. Outra que foi
substituir o Elvin. Então, nesse período C – Estou tentando lembrar. Fiz algumas para Itália. Eles passaram três meses na
fizemos um martelo de madeira, uma aulas de japonês na Faculdade de Itália fazendo curso de História da Arte, em
massa. O Elvin deu o desenho para ela- Educação. 68 ou 67.
borarmos e resolvermos cada um uma
A – Mas você não se lembra dessas L – E aqui na região?
forma própria do martelo, mas que tinha de
cadeiras de sala de aula?
ter encaixe, tinha de ter ajuste, para que C – Também, o pessoal ia para Goiás Velho.
aprendesse a mexer com isso. E essa era C – Estou tentando lembrar como era a sala
uma peça em tamanho natural. E também de aula, porque fiz vestibular em um dos L – Porque foi uma surpresa saber que o
houve um carrinho de chá, mas esse foi Elvin tinha escrito sobre Pilar de Goiás. Foi
181
ateliês do ICA. Fiz essas aulas do FE1... no
feito em maquete só, pequenininho, em prédio da varanda, no FE5, acho. Mas não um dos primeiros a estudar.
escala 1:10 provavelmente. estou conseguindo me lembrar de fato
C – Brasília, acho que foi a única uni-
como eram essas carteiras. Creio que eram
L – Então os móveis que vocês faziam versidade no mundo que começou pelo
carteiras individuais, já com braço para
ficavam aqui na Universidade? curso de Arquitetura. Oscar Niemeyer era o
escrever. Havia alguns exemplares inverti-
diretor, e vim para cá por causa disso em
C – É, mas é aí que está, quando se diz que dos para canhotos.
65. Só que em 64 tiraram o Oscar Niemeyer
eram os estudantes que faziam... e o [Edgard] Graeff. Tiraram nove pro-
A – Então, essas eu tinha interesse em
saber se eram feitas aqui ou se foram fessores em toda a Universidade. Alguns
L – Era uma peça... Talvez isso tenha se
compradas. grandes nomes foram tirados imediata-
propagado porque o pessoal fazia uma
mente para neutralizar... Daí entrou o
peça e esta era deixada ali, não é?
C – Acho que eram compradas. Zeferino Vaz como reitor, com aquelas
C – É claro. imbecilidades que ele fazia. Ele foi o
A – Deve ser da Cimo, de alguma dessas primeiro reitor da Unicamp e também o
A – Essas coisas usadas em sala de aula grandes fábricas. primeiro reitor da ditadura aqui em Brasília.
certamente eram compradas... as cadeiras Foi o reitor que veio para destruir a obra do
C – Conversa com o Jaime, porque ele fez
de estudante. Darcy. A função dele era essa.
CIEM, que era o colégio de aplicação.
C – Sala de aula... Vamos ver. O Desenho L – Ele não foi eleito?
A – Aqui tinha colégio de aplicação?
de Observação era feito em pranchetas,
que era uma tábua vertical de quase dois C – Ah, eleito! Conselho Diretor era nome-
C – Tinha, até 72.
metros de altura, em formato de cavalete. E ado pelo Presidente da República. Então o
havia as pranchetas de mão. Já Plástica era L – Dentro da UnB? Conselho Diretor votava, não tinha como...
feita em mesas retangulares extensivas, em
C – Onde é hoje o ambulatório do HUB, ali Mas aí a Arquitetura fechou. Isso foi em
que púnhamos os banquinhos, esses
era o CIEM. outubro de 65. A Universidade toda foi
banquinhos verticais maiores, menores... e
fechada. Sobraram vinte professores, e
eram mesas... mesas na altura normal,
L – Por isso sempre achei aquilo muito essas pessoas não podiam pedir demissão
então eram baixas.
parecido com arquitetura escolar. porque iam ficar na miséria e não iam ter
A – E as usadas na sala de aula mesmo? condição de trabalho. A Zezé, por exemplo,
C – Naquele colégio de aplicação estudou que é uma velhinha que mora na 103 Sul,
C – Pois é, aí é que está, tínhamos aula nos Fernando Collor, Luis Octávio, Luis Estevão, dava aula de Plásticas, e ela que me
auditórios. A aula de História da Arte era no Paulo Octávio. orientou nesse trabalho aí. Era o Athos
auditório do ICA. Bulcão e ela que davam Plástica. E essa
L – Aquilo é projeto de quem? Porque plástica de cores era ensinada por ela.
L – Teria de procurar saber isso com alguém segue muito o padrão do Ceplan.
que fez outro curso, não é? Talvez alguém L – Talvez dê para entrevistá-la. E ela está
da Biologia. C – Não sei se é do Niemeyer ou do Lelé... desde o começo aí?
É de um dos dois.
C – Sim, desde o começo. social e político. Mas a maioria era a arte o Anísio Teixeira, e foi ele quem projetou o
pela arte, como o próprio Alcides da Rocha colégio da Bahia do Anísio Teixeira. O
L – Foi uma das primeiras professoras. Miranda... O próprio Oscar Niemeyer era só projeto de arquitetura é do Hélio Duarte. O
aparentemente comunista, porque na Hélio Duarte fez, em São Paulo, algumas
C – Acho que ela ainda está viva. Posso
arquitetura não era comunista coisa coisas para o SENAI, e também alguns
localizá-la, tenho uma pessoa que tem
nenhuma. A arquitetura dele era mais do colégios. Teve um aluno dele que trabalhou
contato com ela de vez em quando. Ela
que burguesa. O Miguel Pereira fez o livro e fez um colégio avançadíssimo em 65/66
mora na 103 sul. E há o João Evangelista,
Arquitetura, texto e contexto, em que situa a num bairro de São Paulo, no Jardim Utinga.
que ficou por ranço ideológico. Era
obra do Oscar. Ele fala do pensamento
professor de História da Arte. A – Ah, é famoso.
comunista do Oscar e da obra dele, que era
Então, quando entrei na Universidade, o burguesa, e justifica isso.
C –. Então, quando a escola fechou, botou-
primeiro curso que fiz foi Desenho de se uma faixa: “Fora, professores picaretas,
Aí a Arquitetura fechou, e quem dava
Observação. Plástica só começou no se- queremos formação e não formatura”.
Desenho e Plástica no ICA era a Catarina
182 gundo semestre. Havia uns armários, com plásticos em
Kinychala, que está em Brasília. Faz pouco
encontrei com ela, com o filho do Alcides, o relevo com o nome dos professores, e nós
L – Com quem que era? Com essa Zezé?
Luiz Áquila da Rocha Miranda, que é um arrancamos tudo e colocamos no mictório,
C – Não, fiz Desenho de Observação com artista plástico conhecido no Rio de Janeiro inclusive de pessoas de alto nível. O
o Hugo Mund Junior. ainda hoje e que deu aula para nós, com o arquiteto Roberto Cerqueira Cesar, que
Mund Júnior, de Santa Catarina também e teve um dos projetos premiados no
L – O Vicente do Rego do Monteiro estava que era um excelente professor de Desenho concurso de Brasília e era um sujeito de
aqui nessa época? de Observação. Ele era um sujeito fechado, primeira linha, também era picareta. O
falava pouco, mas era bom, e deu o Hélio Duarte foi o único para quem falamos:
C – Não, o Vicente do Rego do Monteiro primeiro desenho de observação em que “Olha, a gente não vai falar o seu nome,
veio depois. Ele não é da mesma coisa. Ele, aprendi a olhar para as coisas e ver o que mas também não vai tirar você da lista.
o do Xangô, como se chama? vejo e não o que gostaria de ver. Saiba que a gente não vai falar, mas o
consideramos picareta. É o único”. Ele
L – O Rubem Valentim. A – Havia um sujeito que era pintor. dava aula para nós mas tinha ética. Era um
comunista daqueles clássicos. Tinha uma
C – Aconteceu que a Universidade fechou C – O Glênio Bianchetti. Eu não me lembro ética absoluta: sentava conosco na grama
e a reitoria teve que laçar professor para dar da ligação dele com a Universidade. Eu para conversar e nunca abria a boca para
aula, e daí se deu aquele caso do professor lembro muito do Glênio porque frequen- defender ou condenar o fechamento ou
que lhe contei. E foi isso, o João Evangelista tava a casa de uma professora que era abertura da escola. Quando aconteceu
ficou na História da Arte, mas não tinha secretaria da Universidade, a dona Edna essa coisa toda, fomos à assembleia,
condição moral de dar aula na Arquitetura. Sorter de Oliveira. juntamente com um sujeito que era contra
Então foi para a Biblioteconomia e se
o fechamento da escola, e que na
aposentou lá. O João Evangelista fez uma Bom, daí a Universidade fechou e reabriu
assembleia disse: “Vamos fechar essa
coisa muito interessante conosco. Nas de qualquer jeito. Concluímos muito mal
escola”. “Vamos pegar a proposta do
quatro primeiras aulas de História da Arte, esse curso de História da Arte. Veio um
colega e votar”. E ele, que era contra, foi o
ele falou o seguinte: “Eu vou ensinar só pessoal de Belo Horizonte para dar essa
líder do fechamento da escola. Tínhamos
sobre Idade Média, não vou entrar em disciplina, mas esse pessoal ficou perdido
muita gente boa politicamente para
arquitetura grega e romana... Vou pular no meio daquela confusão toda. Agora, no
trabalhar...Aí fechamos a escola em 67, e
isso. Vou ensinar só sobre Idade Média, meio desses professores que vieram na
veio um grupo do Paraná para o projeto,
paleocristão, românico, gótico e bizantino”. picaretagem, os quais chamamos de “os
que era o grupo do Jaime Ler, que estava
E nas quatro primeiras aulas falou de picaretas”, estavam o Rego Monteiro, o
no topo. Eles tinham feito o plano de
pensamento místico da Idade Média... Rubem Valentim, que foi posto para fora
Curitiba e estavam fazendo vários trabalhos.
Falou de Santa Tereza D’Ávila, São João da daqui como picareta; embora respei-
Cruz, e essa coisa toda, que ninguém sabia tássemos a arte dele, ele não queria saber L – Foi nessa época que veio esse pessoal
nem o que era. Mas o João Evangelista era da escola. Só dava aulinhas e ia embora. do Sul, Galbinski.
um reacionário... Era de Santa Catarina, e Fazia exatamente o que a reitoria queria.
muito reacionário e duro. E não avançou no Então para nós era um picareta. O único C – É, mas olha só, veio esse pessoal para
pensamento. Havia alguns professores que que nos evitamos de chamar de picareta foi fazer a recuperação... Veio o pessoal do
tinham um pensamento um pouco mais Hélio de Queiroz Duarte, um professor de Paraná e veio a Suzine Melo e o Silvio de
sólido, no que diz respeito a pensamento São Carlos. Ele trabalhou diretamente com Vasconcelos, de Belo Horizonte, para dar a
parte de teoria e história. Mas eram muito representava o partidão todo, mas todos
fracos. Enquanto esse pessoal do Paraná eles eram do partidão. Eles vieram e
era ganhador de concurso. Eles tinham assessoraram a reitoria, mas só que esse
acabado de ganhar o prêmio do concurso assessoramento passava por nós. Eles
do prédio da Petrobrás, no Rio de Janeiro. conversavam conosco e com a reitoria. Aí
Aí eles manobraram, e na reitoria já estava conseguimos reabrir a escola. Em outubro,
tudo certo para que eles permanecessem, conseguimos fazer uns cursos rápidos
ficassem dando aula. Aí falamos: “De jeito para criar um clima e abrir a escola. Em 5
nenhum, não é essa arquitetura que nós de novembro, reabrimos o curso regular.
queremos aqui não”. Eles não gostaram
nada, estavam achando que iam dominar a
escola. Então, foram embora. Isso foi em
fevereiro, pois eles deram a recuperação
em janeiro e fevereiro. E fechamos em 10
de outubro. Assim, perdeu-se outubro, 183
novembro e comecinho de dezembro.
Então, isso compensou e no final de
fevereiro terminaram as aulas da
recuperação e o semestre ficou zerado.
Mas só foi começar de novo em novembro.
Abrimos em novembro de 68 porque
estávamos vendo o AI5 à vista. Não
sabíamos o que era, mas entendemos,
depois do AI5, que, se não abríssemos, não
iríamos abrir mais. Então, cedemos em
algumas coisas. A parte de tecnologia ficou
mal resolvida, mas para a parte de projeto
trouxemos o Miguel Pereira, o Léo Bonfim,
o Zimbres. Enfim, muita gente boa de São
Paulo, do Rio Grande do Sul e do Ceará. O
IAB nacional criou uma comissão para
assessorar a reitora, porque o interessante
desse nosso fechamento da escola é que o
Azevedo já era vice-reitor. Ele assumiu a
vice-reitoria um mês antes de fecharmos a
escola. Em setembro, ele assumiu a vice-
reitoria e fechamos a escola em outubro de
67. Ao fazermos isso, ele criou uma
comissão de inquérito e chegou-se à
conclusão de que tínhamos razão. Porque
o professor chegar em sala e falar: “Dá o
projeto para a Siemens fazer”. Isso é coisa
que se faça em uma escola? É intolerável.
Nem mesmo o Azevedo tinha esse argu-
mento. Então, estávamos certos.
LH – Luis Humberto, docente do Departa- foi colega do meu pai e da minha mãe na onde conseguiu conceber uma porção de
mento de Arquitetura e Urbanismo – UnB. universidade. móveis. Ele tinha um jeito interessante de
criar: fazia um protótipo e pedia que os
G – George Dubugras, Arquiteto, filho de LH – O Sergio Rodrigues é bem mais velho gordinhos como eu, na época, e Leo
Elvin Dubugras. do que eu. Dexheimer se sentassem, para fazer a justa
A – Alex Calheiros, docente do Departa- medição. Então passava um, ele botava o
G – Depois, ouvi dizer que havia muitos
mento de Filosofia da UnB. protótipo na frente e falava: “Senta aí”, e a
leilões na década de 80 e que se arrematou
184 Ai – José Aírton Costa Júnior, estudante de tudo que existia do Sergio. Ninguém dava
pessoa se sentava. Cadeira é uma coisa
estranha, pois, cada vez que se faz um
pós-graduação em Arquitetura – UnB. valor...
desenho, surge algo novo. É algo com-
T – Thiago Freire, estudante de graduação G – Aquele é do Dois Candangos ou, então, plicadíssimo. Sempre íamos no escritório
em Arquitetura – UnB. parecido. do Elvin, e daí experimentávamos as
cadeiras: grandes, pequenos, magrelos...
G – Procuraram-me para perguntar sobre o Ai – Essas mesas aqui são do Elvin? [no tinha de tudo. É um ajuste. O Elvin sempre
mobiliário da UnB, mas, quando cheguei, momento da entrevista não se sabia, com foi um cara extremamente criterioso, muito
eu tinha apenas cinco anos. Aí eu disse: certeza, que as referidas mesas eram do cuidadoso com isso.
“Vocês já falaram com o Luis Humberto? arquiteto Glauco Campelo].
Ele estava lá, viu tudo isso e participou”. G – Essas duas são do meu pai. Eu até
LH – Acho que não são do Elvin, não, mas tenho essas cadeiras.
LH – Quando anteciparam a fundação do sim do Glauco. O Glauco fez muitos móveis
Instituto Central de Arte… o Alcides [da assim. LH – Essa aí está com assento de couro,
Rocha Miranda] sempre diz Instituto Central mas originalmente era de palhinha.
de Arte, porque a arte é uma só, mas tem
diversas variantes. Ele fazia muita questão G – As que tenho são todas de palhinha. No
dessas coisas. escritório da loja eu tenho duas. Inclusive
uma delas dá para perceber que é um
G – Olha, nas oficinas todos os móveis protótipo, pois a curva ainda tem uma
eram de madeira, ferro e couro sola, que corcundinha, uma acomodação.
eram as coisas mais viáveis, sem muita
tecnologia. LH – É que o ajuste era difícil.
LH – Pelo que me lembro, o Elvin nunca G – Na casa da minha mãe tem também
usou ferro. Ele só usou madeira. uma com palhinha. Hoje é até difícil
Tive o privilégio de conviver com os encontrar alguém para recuperar a palhinha
T – Foi fabricado muito mobiliário? processos de concepção e fabricação dos original.
móveis do Elvin, porque essa ideia da
LH – Bastante. LH – A palhinha cede muito. Então, é preciso
Marcenaria do Elvin, que se chamava
permanentemente um empalhador para
G – Até por necessidade, não é? Brasília exatamente assim, surgiu em decorrência
arrumá-la e os caras não querem mais fazer
era fora de mão nessa época. Lembro que, da separação do Instituto Central de Arte, o
esse trabalho. Geralmente dizem assim:
para fazer uma ligação, tinha que pedir à ICA, em uma reunião horrorosa de Darcy,
“Põe couro aí que dura muito tempo”.
telefonista de manhã, para conseguir falar, Oscar, Elvin, eu e outros puxa-sacos do
à tarde, com alguém que morava no Rio... Oscar. Quando chegamos lá, o Oscar G – Se usava muito caviúna na época. Ia lá
Não existia essa mentalidade de trazer recusou-se a trabalhar com arquitetos que no Morgado, no Núcleo Bandeirantes,
coisas de fora... não fossem os dele, que eram Edgar pedia madeira e comprava caviúna preta,
Graeff, Ítalo Campo Fiorito e outros. Nesse pau-ferro e outras. Escolhia as peças…
Luís Humberto, você não foi contem- momento, o Elvin, que não se deixava
porâneo do Sergio Rodrigues, não é? Ele abater, abriu a Marcenaria do Elvin, que foi A – Jacarandá não?
LH – Foi no período de um reitorado em que
eu não estava mais lá. Acho que essa mesa
tão querida, porque é superfotografada,
deve ser do Glauco. Pois não me lembro
em nenhum momento do Elvin ter
desenhado alguma mesa. Ele desenhava
muita cadeira, poltrona... era o que ele
fazia.
185
LH – Jacarandá não existia nessa época. diversos outros departamentos também G – Na época não existia estofamento.
tinham. As máquinas que se comprou na Havia muito poucos recursos.
G – Ainda se usava um pouco, mas já era época estão na oficina até hoje, a qual acho
difícil. que faz parte do departamento. São má- LH – Basicamente existia couro, palhinha e
quinas Heimer, de muito boa qualidade. madeira.
Essa cadeira também é do meu pai. O
encosto é basculante. Já foi criada para ser T – O Chacon não fazia isso também? G –: Eu me lembro do meu pai falar de
mais fácil. O maquinário para se fazer esse umas máquinas Heimer que até hoje estão
gabarito é mais complicado. Ela é cheia de LH – O Alex Peirano Chacon desenhou um funcionando na oficina de Maquete.
detalhes. As duas laterais se desmontam móvel, sim. Fez um móvel muito bonito. Lembro que, em uma viagem que fez, ele
para que se possa carregar e para ocupar escolheu a melhor máquina possível e
pouco espaço. T – Ele era muito talentoso, mas não comprou para fazer a oficina. Não sei se foi
terminava nada que começava. doação ou se tinha dinheiro para comprar.
Ai – E elas eram colocadas geralmente em
que lugar na Universidade? Ai – O Sergio Rodrigues fez a cadeira do A – O Sergio fala que, assim que chegou, o
auditório do Dois Candangos. Darcy falou sobre os móveis. Ele diz ter feito
G – O Luis Humberto deve se lembrar bem os móveis da Reitoria, do Dois Candangos
disso. A Arquitetura foi o lugar que teve LH – Esse foi o primeiro móvel do Sergio
e da primeira moradia dos professores.
mais desses móveis provavelmente, mas Rodrigues, que era imenso e fazia barulho,
porque o assento era suspenso. O primeiro LH – Os móveis do Sergio, que eu me
desenho era do Alex Chacon, que não foi lembre, eram uns sofás com almofadas
aproveitado porque acharam que era muito estofadas que até brincávamos, porque era
caro, apesar de caber bem mais gente. Na mole. São aquelas coisas que a pessoa
verdade, esse primeiro móvel do Alex, que desenha, mas, depois, na hora de sentar...
nunca foi feito, era muito bem bolado. Ele é [risos]. E o Alex era terrível... Íamos
mais um arquiteto que não tem diploma. escorregando, escorregando, e quando
acabava a conversa todo mundo estava
Ai – Quando essas cadeiras que o Sergio
deitado no chão, porque a almofada tinha
fez foram substituídas pelas que estão lá
murchado.
atualmente?
A – Então, no apartamento lá na Oca, onde desenhista do Ministério da Educação. Dr. Alcides disse: “É muita burrice pra um
ficavam os professores, que tipo de móvel Vinha pela divisão de obras. Quando cara só”. Por fim, pegamos o carro e fomos
havia? cheguei, ficava no andar acima do de embora, deixando ele lá. Dr. Alcides era
Alcides. Aí descobri que no andar debaixo mestre em se esconder...
G – Uma das coisas de que me lembro, tinha um arquiteto, o Alcides da Rocha
tinha cinco anos e morava na Oca ainda, Miranda, e qualquer arquiteto o conhecia. Então tinha coisas assim nesse começo da
era que meu pai fazia negócio com móveis. Então comecei a conversar com ele, a fazer Universidade. No período do pós-golpe, o
Então eu queria fazer um móvel. Recordo indagações e tal, e ele gostou de mim, Zeferino Vaz, que era um homem de
que peguei uma raiz de uma árvore, um porque apostava muito no jovem. Até que universidade, mesmo não querendo, aca-
tronco todo torto, que achei que poderia uma hora, vimos uma porta no oitavo andar, bou com a universidade. Ele tentou ir
servir para um bom pé de mesinha... no Gabinete do Ministro, onde estava levando, passou um ano adiando.... Até
Arrumei um compensado e um prego. escrito “Universidade de Brasília”... Aí o que o Castelo Branco cobrou dele uma
Lembro-me de tentar pregar aquilo e de pessoal do MEC dizia: “Uma picaretagem, solução. Ele chegou para o Pecinna e
que o prego não achou a raiz, porque ela a cidade nem começou e já tem uni- começou a falar... fez um discurso. E
186 era toda torta, aí soltou, e botei de lado e fui versidade!”. Aquela coisa do brasileiro perguntou: “E aí, Pecinna, gostou do meu
andando de costas e pisei no tal prego. Até crente, que adora falar da derrota de 1950 discurso? Você o ouviu?”. E o Pecinna
hoje me recordo do prego entrando no meu para o Uruguai, mesmo depois de já ter disse assim: “Ah, doutor, só vi, quando
pé. Foi a primeira vez que fiz um móvel, ou sido cinco vezes campeão. E continuam a cheguei, que o senhor estava nas asas da
que tentei fazer um. Mas os tipos de móveis falar até hoje disso. Conheci o Alcides e nos mediocridade”.
que havia lá, não consigo me lembrar. tornamos próximos, pois todo dia descia
Ai – Indo nessa direção de que está falando,
para conversar com ele, levantava ques-
Ai – Essas construções de madeira eram da há um livro, do qual não lembro o nome da
tões. Era um jovem atrevido, tinha 27 anos;
Oca do Sergio Rodrigues? É aquela autora, que ela fala que os alunos do ICA
fui conversando, conversando e dei muita
construção pré-moldada que ele fazia? de 62 a 64 trabalhavam o desenho da
sorte, porque ele tinha um carro e morava
natureza, esse desenho arquitetônico, e o
no bloco atrás do meu, na 907. Era
LH – Aquelas construções eram provisó- desenho de mobiliário. Nessa época o
complicado para mim, porque eu não tinha
rias. Tenho a impressão de que o Alcides senhor teve algum contato com esses
carro, andava de ônibus... Imagina como
era louco, ia dizendo coisas e construindo, ateliês, com esses alunos?
era ônibus aqui em 61. O Alcides me dava
o que, aliás, se não fosse assim, a Univer-
carona de ida e de volta... era uma alegria,
sidade não tinha saído nunca. Entrei na LH – Sim, eu era professor do ICA.
pois conversávamos bastante. Esse apren-
Universidade em 61, como arquiteto cola-
dizado foi melhor que um curso todo de Ai – Mas, com relação ao mobiliário, você
borador do Alcides. Eu e o Alcides fomos
arquitetura. se lembra dessas aulas?
os primeiros a entrar no cerrado, com lama
até o tornozelo. E aquilo era tão maluco, LH – Não, não lembro. E o ICA foi de 63 a 64.
Um dia estava Pascoal Ranieri Mazzilli [...],
porque nós fizemos o projeto e não existia
ele estava sempre no melhor lugar nos
levantamento topográfico... Era tudo a olho. G – Meu pai falou na época que até se
piores momentos. Um dia o Ranieri Mazzilli
Quando chegamos lá, deu diferença de cogitou de fazer um curso de desenho
foi visitar a Universidade, e o Darcy incen-
nível. Tanto que o prédio segue assim. E industrial aqui, não é? Mas chegou-se à
tivando, porque ele era o presidente. Darcy
acompanhado a linha da laje do FE1, tem- conclusão de que fazer um curso de
não fazia nenhum julgamento de valor. Dali
se o prédio que é hoje a Faculdade de desenho industrial naquela época, em que
a pouco: “Cadê o Alcides, ele sumiu”... E
Educação. não tinha nem indústria, era algo sem pé
pensei: “Como é que vou sair desse brejo
aqui?”. Porque era um brejo a Universidade nem cabeça.
LH – Foi feita uma proposta de chamar
de Brasília. Daí vi o carro do Dr. Alcides lá
aquele bloco da Faculdade de Educação LH – É que havia uma discussão a esse
longe, corri, atravessei, e me lembro de que
de Alcides da Rocha Miranda. Aí uma respeito, porque desenho industrial não é
ele estava na rua entre o FE5 – o Dois
professora levantou e disse: “Deveria se styling, ou seja, não dá para colocar capa
Candangos – e o FE1. Naquela época eu
chamar Honestino Guimarães”. Então no Aero Willys e continuar usando o mesmo
podia correr... “Dr. Alcides, o que que foi?
estragou tudo... O Alcides foi um herói, motor... É necessário ter uma concepção
Sumiu!” Ele disse: “Não, Luis Humberto.
porque topou, acreditou, andava sempre inteira do produto. Na realidade, o que
Não dá para ficar ouvindo Ranieri Mazzilli
de paletó e gravata. A família dele era muito precisava era ter engenharia mecânica.
falando…”. Quando Dr. Alcides apresentou
importante na época, era dona da Pan Air,
a Faculdade de Educação, ele disse assim: G – É, não tinha como fazer um estágio,
que foi prejudicada pelo golpe de 64, pela
“Ó, Faculdade de Educação, agrada muito nem alguma indústria para visitar, para ver
Varig e seus brigadeiros. Vim como ar-
falar de erradicação do analfabetismo”. E o como era um meio de produção.
quiteto não reclassificado. Estava como
LH – Estava-se longe de qualquer meio LH – Ele não era conhecido... Enquanto o G – Ele esteve aqui uma vez, fui até em
de produção. Aqui na Universidade era Darcy era conhecido por todos e visto umas palestras dele. Tive a oportunidade
um brejo. como alguém inteligente e fantástico. O de falar com ele. Ele perguntou pela minha
Alcides era quieto, conversava baixinho. Foi mãe e pelo meu pai, porque haviam sido
G – Os familiares achavam que as pessoas uma pessoa importantíssima na Univer- colegas de universidade
que vinham para cá eram loucas. sidade, mas quase ninguém sabe disso.
Toda vez que tenho oportunidade, falo isso. Ai – O Zanine teve uma loja aqui em Brasília…
LH – É, achavam que éramos todos
É preciso fazer justiça... Ele era arquiteto,
doidos. Mantinham-se as persianas LH – Teve, na rua da igrejinha. Ele vendia
tinha sido pintor...
fechadas, não se queria ver a cidade nem plantas e outras coisas.
nada. G – É, meu pai falava que, se ele quisesse,
Ai – Arranjos secos, coisas assim, não é?
teria sido pintor, mas que escondia esse
Ai – Porque a cidade realmente não tinha
seu talento. G – Ele criou os arranjos secos, não foi?
nada. Não havia planta ainda onde agora
estão as residências. Tenho uma amiga, a Depois isso se vulgarizou...
LH – Ele tinha mania de dizer que a pintura 187
Sabine Gorovitz, filha do Matheus Gorovitz, havia acabado... Era amigo de todos os A rua da igrejinha era aquela em que se
que veio para cá em 70 e… não me lembro. pintores. tinha que andar todo arrumado, colocar
Ela disse que a depressão que sentia era
roupa nova, pois era o lugar mais chique
por conta da imensidão das paisagens e da Ai – Conta-se que os alunos gostavam de
que existia.
secura, da falta de planta. Ela fala disso, ficar na Universidade... saíam às 8h da
dessa solidão. Eu imagino que não tenha noite e voltavam no outro dia cedo. LH – Já não aguentávamos mais desenhar
sido fácil. cerrado. Daí, um dia, estávamos sentados,
LH: Tinha gente...O Klaus Bergman, por
desenhando, e chegou o Zanine em uma
LH – Para ir a uma farmácia, tinha que exemplo, que chegava às 2h da manhã.
kombi. Ele tinha uma kombi horrorosa,
andar a pé um bom pedaço.
A – É, o [Glênio] Bianchetti falava disso. velha e, quando batia as portas, saía poeira
Ai – Desses arquitetos que vieram para o para todo lado... parou essa kombi na
ICA e para trabalhar na UnB, quais são os LH: Você esteve com o Bianchetti? frente da Oca, abriu a porta e saltou com
que tem alguma lembrança ou história para Juntamente comigo, é um dos mais velhos um carneiro puxado por uma corda para
contar? Por exemplo, você teve contato ainda vivo. que pudéssemos desenhá-lo.
com o Zanine, [Caldas]?
A: O Bianchetti fala que às vezes ficava até Ai – Desenho de observação.
1h da manhã na Universidade, porque os
LH – Tive. Zanine gostava muito de mim e
alunos tinham vontade de estudar. LH – E põe de observação nisso...
do Elvin, porque não levávamos em conta
a questão do diploma que possuía. Quando Leo Dexheimer voltou para Brasília,
LH – Saía às 6h, que era o horário normal,
Inclusive ele foi introduzido pelo Alcides, muitos foram reintegrados pela UnB. Eu
mas não via a hora de voltar no dia seguinte.
porque na Universidade havia essa coisa não, porque entrei antes, pois o Cristóvão
Onde é que existe um trabalho como esse?
de abrir espaço para as pessoas que [Buarque] fez uma reintegração, vamos
Quando aconteceu a demissão coletiva, o
demonstravam ter talento, mas que não dizer, abriu as portas... fez isso com uns
mundo acabou para nós. Aí se deu algo
eram necessariamente arquitetas, não cinco que eram mais importantes, que
curioso, pois achávamos que devíamos nos
tinham formação. E o Zanine era uma eram Oscar Niemeyer, Pompeu de Souza,
alinhar politicamente a alguma coisa, mas
pessoa fantástica. Fazíamos muito Valdir Pires, [...]. E com isso ele abriu
não sabíamos a que partido devíamos
desenho de observação, porque o espaço para reintegrar os amaldiçoados. E
pertencer, porque todos tinham sido tão
Alcides acreditava ser algo necessário, e como não havia concurso, as pessoas
calhordas, tão mesquinhos na luta pelo
realmente é. Então levávamos as pessoas eram contratadas que nem jogador de
poder, com um derrubando o outro. Eles não
para fazer esse tal desenho... Eu dava futebol...Já pensou se fosse preciso
entenderam que aquilo era uma luta pelo
isso para rememorar meus tempos de concurso para ser jogador de futebol, com
país, e não pela força política de um partido.
arquiteto. E o Alcides dizia: “Preste prova e ainda redação! ?...
atenção nos vazios, enquanto desenha... Ai – Você teve contato direto com Sergio
olhe o vazio”. Alcides foi um professor Rodrigues nessa tal marcenaria? Ai – Mas então o Jean Claude Bernardet foi
fantástico que tive. contra a demissão coletiva?
LH – Não sei se tive contato com o Sergio
G – O problema do Alcides era a timidez, Rodrigues... Não ouso dizer mais nada LH – Não. Encontrei com ele na frente do
que fez ele passar desapercebido. porque minha memória está péssima. ICA: “Olha, demissão coletiva”. Ele veio
LH – E eu deixei a minha em cima da
mesa... E essa câmera era minha mesmo.
Nós a tínhamos levado embora dali com
medo... Mas exatamente naquele dia eu
trouxe de volta para o ICA. Aí o indivíduo
chegou, entrou na nossa sala, que nessa
época era pequena... As salas do Instituto
de Arte, no SG-1, eram bem pequenas. Eu
estava na sala do Elvin, que era o local de
reunião... Sempre ficávamos conversando
com o Elvin ali. Então, chegou a polícia,
chamada Grupo Especial de Brasília,
GEB... É interessante, porque o grau de
letramento, vamos dizer assim, era de tal
188 ordem que, quando eles davam batidas de
trânsito, paravam o carro, pegavam o
documento e levavam para alguém ler se
estava correto... Bom, aí chegou um
homem, olhou minha mala, a mala da
Cannon, e mostrei para ele que as fotos
que tinha ali eram de família. Ele disse: “Vou
ter que levar isso aqui!”. Chega uma hora
que passa do limite, cansa... Um homem
que estava atrás destravou a metralhadora.
Só anos depois soube que o Léo Dexheimer
e a Marília Rodrigues espremeram ele na
parede, pois o lugar já estava tão cheio de
gente. Foram espremendo ele na parede,
até que ficou sem ter o que fazer...Ele não
ia atirar, não é possível... Mas tudo é
possível, não é? Aí veio o delegado de
polícia: “O senhor vai ter que nos
acompanhar”, e tive minha prisão histórica
de trezentos metros, entre o ICA e a
biblioteca, que não ficava onde é hoje, era
no SG-9, naqueles prédios pré-moldados.
Alguém viu e disse: “Vamos pedir para
alguém da Universidade vir aqui”. E foram
procurar o Dr. Luiz Zaidman, que era diretor
com uma conversa de que não teria sido A – Teve os canalhas que se fingiram de aposentado de um desses tribunais. Esse
consultado, mas foi sim. Correu primeiro equivocados... Teve de tudo. sujeito, quando foi contratado pelo Darcy,
uma lista prévia, pela qual nós sabería- disse: “Olha, senhor Darcy, não sei se
mos quem era a favor ou contra. Porque, LH – Quando houve o golpe, e isso eu posso vir para cá. Essa Universidade é uma
se não desse maioria...Mas deu maioria gravei em depoimento lá na comissão de instituição dita como de esquerda, e sou
esmagadora. 50 anos, alguns indivíduos vieram e um lacerdista confesso”. Aí o Darcy disse
entraram no ICA. Eu estava lá... eu e o Elvin. para ele: “Olha, não estou preocupado
A – Duzentos e pouco, não é? E contam a O Elvin era esperto. com a sua crença política... eu estou
história como se tivessem ficado só os preocupado com a sua competência”. O
canalhas, não é? Os bons teriam ido G – Ele segurou uma máquina fotográfica sujeito foi lá procurar o Dr. Zaidman: “Dr.
embora. Não foi exatamente assim. embaixo da mesa... E a ficou sustentando Zaidman, está acontecendo alguma coisa
com o joelho. Se mandassem ele levantar, ali e estão apreendendo material do ICA”.
LH – Não foi exatamente assim. Teve os ela caía. Ele atravessou a rua e foi lá onde era a Bi-
equivocados, teve os canalhas… blioteca Central, que era num dos prédios.
Então disse para o tal homem que era vontade, seria um complemento da for- para uma reunião, juntamente com o Dr
coronel do Exército, ou que estava sob o mação. Esse Instituto de Artes possibilitaria Ascânio, que era um engenheiro iugoslavo
comando de um coronel. Eles se conhe- qualificar a formação de cineastas, arqui- trazido para realizar uns arremates numa
ciam, porque todo mundo se conhecia, tetos. E uma série de outras profissões obra que estava dando uns problemas.
tanto os do golpe quanto os do não golpe. poderia sair dali. E essas pessoas altamente Chegou em uma mercedes, que era do
E ele disse: “Coronel, o senhor, além de qualificadas eram a nata da Universidade... Ministro da Educação... Eu me lembro de
fazer revolução, está se dedicando ao Podiam trazer para uma qualificação muito que ele era Ministro da Educação por causa
saque? Libera esse material, esse material maior... Os arquitetos estavam impedidos da mercedes. Bom, daí ele veio, encostou
é do Instituto de Arte”. O sujeito que tinha de fazer arquitetura, e o pessoal do Oscar e disse: “Luis Humberto, entra aqui”, então
discutido comigo, da GEB, disse: “Não nos esculhambava, porque tínhamos uma fomos... Aí ele sentou na reunião, que
adianta o senhor entrar aí porque não vai disciplina que era assim: propunha-se um tinhas umas três pessoas, e disse: “O
conseguir nada”. Mas consegui, não por tema dentro do Instituto de Arte, e esse negócio é o seguinte: vocês vão sair daqui
causa do Zaidman, não por minha causa... tema teria que ser feito não só em uma amanhã, vão cortar todas as sucupiras que
Mas antes, quando eu vinha no caminho, planta, como era no meu tempo, mas existem aí na Asa Norte e vão plantar ali na
esse delegado do Dops falou: “Professor, também em uma pequena maquete, para frente, que vai ser o quarteirão das 189
não se engane, porque se essa revolução que se pudesse perceber a expressão sucupiras”. Eu disse para o Dr. Ascânio,
fosse uma revolução comunista, eu seria volumétrica e o espaço ocupado. Então, que era um homem velho, bem mais sábio:
comunista desde pequenininho”. Eu disse: eles diziam que fazíamos maquete... Mas “Dr. Ascânio, como cortar? Sucupira é uma
“Caramba!”. Uma confissão ideológica não era maquete. árvore que leva cem anos para florir. Cortar
dessa na minha proa assim, era fantástico. por onde? Tirar a raiz?”. Ele disse: “Luis
A – Havia um corpo docente muito Humberto, a gente concorda com ele, mas
Ai – E aí eles tomaram a UnB... E a diversificado, interessantíssimo. não faz... Esquece”. Aí eu me acalmei,
documentação, essa coisa de desenho do porque não restava outra saída.
ICA, isso ficou lá? G – Completo... Não se pode ser arquiteto
ficando preso a uma única coisa... Ai – Mas não foi pensado em mobiliário
LH – Ficou no ICA. Deixei todo o material para esses edifícios? Pensou-se no espaço,
fotográfico das exposições que o Alex LH – É preciso entender o mundo que está
mas a mobília só veio depois?
Peirano Chacon fez... E o Alex fazia umas a sua volta.
exposições muito bonitas. Nisso ele era LH – Isso... A mobília que tinha lá não era
G – Essa formação completa é o que está
bom, porque eram de curta duração. nossa. Era basicamente aquilo que contei
faltando hoje.
Fotografei, deixei lá, mas ninguém para vocês... Um sofá todo mole, em que
encontrou nada. Inclusive porque não havia Ai – Voltando um pouquinho àquela história íamos escorregando, escorregando e
um depósito central de material ico- dos edifícios da Faculdade de Educação, acabávamos a conversa deitados no chão.
nográfico. Trabalhei um tempo com o como foi o projeto? George, não sei se você lembra, tinha umas
Cedoc [atual Arquivo Central da Univer- almofadas meio trombudas, meio quadra-
sidade de Brasília] para recuperar isso, LH – Foi do Alcides. Meu trabalho tem das, toda mole. Aí se ia escorregando até ir
porque eu não era o único, mas era o mais acabamentos, azulejos, aqueles buraqui- parar no chão.
lúcido dos sobreviventes. No entanto, não nhos do FE5, de que Alcides gostou muito...
se conseguiu nada. E daqui algum tempo Ele disse assim: “Ficou bom, porque cada A – O Veríssimo tem um texto sobre a
não vou me lembrar de mais nada. buraco desse é uma pintura”. Alcides via cadeira mole em que fala disso.
coisas que nem o próprio inventor percebia.
Ai – Queria saber um pouco da sua trajetória LH – Se eu cair em uma cadeira mole, não
Era um homem fantástico. Ele mexeu com
para chegar à UnB como arquiteto e, de levanto nunca mais. Vão ter que me
a minha vida... Mas acho que a Universidade
repente, se transformar em fotógrafo. transferir com a cadeira mole e tudo.
não tinha ainda maturidade para entender
quem era o Alcides... Não se entende essas A: É muito boa, não é?
LH – A Universidade era muito flexível.
pessoas...
Alcides estava afim de fazer um Instituto de
A – Muita coisa precisava ser comprada,
Artes em moldes bem diferentes do que era LH – O Darcy é muito inteligente, é uma não é? Como essa cadeira dos estudantes...
uma escola de Belas Artes, tanto que se pessoa que leva as coisas para a frente. Era comprada do quê? Da Cimo?
tinha Athos Bulcão, Bianchetti, e outros que
davam disciplinas optativas. Não se pre- A – Agitava todo mundo. LH – Não sei, mas tenho a impressão de
tendia formar pintores ou escultores. Aquilo que era da Oca também. Tenho a
seria um complemento. Só se trabalharia LH – E era ameaçador... ele também
impressão, mas não certeza.
com essas coisas quando se tivesse com ameaçava. Um dia ele chegou e me levou
Ai – Lembrei agora de um assunto... um se via que não era nada disso que eles João Calmon, que tenta preservar essa
artigo no The New York Times, de um pensavam, mas que usavam a ideia de que escala dos prédios antigos. Agora, é uma
repórter que veio para cá. Até pensei em aquilo era comunista... Dizer que se iria pilhagem.
escrever um artigo sobre isso, mas achei “comunizar” a família brasileira, quer dizer,
que seria um pesquisa um tanto confusa. como se a família brasileira precisasse de LH – É, o Cláudio é bom. Agora há lá umas
Ele falou que, na época que a ditadura universidade para isso. Qualquer coisa coisas que parecem umas flores. Há um
tomou conta dos palácios, foi feita meio assim... algo bem primário. Aí o Zeferino prédio lá que é um instituto de qualquer
que uma limpeza de mobiliário dos palácios tentou fazer esse papel... Ele foi, encontrou- coisa…
de Brasília, porque o móvel moderno era se com Castelo Branco, presidente na
Ai – De Biologia.
considerado comunista. época, e disse para ele: “Professor, o
serviço na universidade não está acabado”. A – Parece um shopping center. E tem as
LH – Mas os imbecis continuam os O Zeferino, que nos amava de paixão, na reformas internas do ICC, em que estão
mesmos, não é? verdade, fingia amar, estava querendo levar fazendo umas divisões com gesso...
isso adiante. Cheguei a conversar sobre o umas coisas que parecem consultório
190 G – O Hitler foi atrás da Bauhaus e daquela
laboratório de fotografia, sobre pôr ar-
turma toda, com esse mesmo tipo de odontológico.
condicionado lá. Mas ele não sabia de
pensamento.
nada, não era como o Darcy, que tinha a LH – Você estar falando isso, quer dizer,
Ai – O senhor tem conhecimento disso? reunião dos poderosos e sofismava muito. você é uma pessoa rara dentro da sua área,
Ele disse assim: “O senhor pediu uma com capacidade para entender isso,
LH – Não, nunca ouvi falar. Tudo é possível, unidade de ar-condicionado para o seu porque, na verdade, o que se deveria fazer
não é? laboratório. Em 1939, quando instalei o é uma aproximação maior com fontes de
laboratório em Manguinhos, ninguém conhecimento diferentes dentro da univer-
A – Como começou o processo de usava ar-condicionado”. Aí eu disse: “Deixa sidade para fazer isso, porque assim se
desaparecimento dos móveis? eu dizer uma coisa, reitor” – chutei –, “em criam coisas distantes.
1939, não existia unidade domiciliar de ar-
LH – Acho que isso é uma sucessão, condicionado”. É provável que não mesmo, Ai – O que acho muito sério é que estamos
depois da reitoria do Darcy, Anísio, veio mas eu, na verdade, não tinha a menor lutando, nessas pesquisas, para conseguir
uma turma brava, que era a turma do Laerte ideia se isso era verdade ou não. Então ele salvar o mobiliário moderno da Universi-
Ramos de Carvalho. Veio também o disse: “Ah, então está bom”. E me deu um dade, e daqui uns dias vamos ter que lutar
Zeferino Vaz. Eu tive uma conversa com ele, ar-condicionado. Que país, não! Ter que para salvar o ICC, que está caindo aos
e ele concorda comigo. Ele era um homem enfrentar isso não era brincadeira. pedaços, enquanto isso arranjam dinheiro
de universidade... Mas tinha um passado para construir um prédio do tipo shopping
que o condenava, pois ficara do lado do A – Onde era o antigo Instituto Central de center.
Ademar de Barros, que fora um grande Artes? No prédio que fica acima do
bandido do golpe de 64, um grande Auditório de Música, não é? LH – É a história da universidade. As
corrupto. Ademar vendia coisas até em pessoas acham que história é algo que não
sonho. Zeferino veio achando que ele podia LH – Não, abaixo, é um igual ao SG-1, que se faz, algo que acontece a partir da sua
maneirar daqui, admitir uns ali, mas a dividíamos com a Música. decisão. E, na verdade, a história é algo
universidade era muito pior do que se que preexiste, antes de você, e você é
A – Acho que esse era um dos prédios mais
pensava. Depois, eu vi um livro do SMI, construtor dela. Nós somos herdeiros de
bonitos da UnB. E é uma desgraça o que
porque Pompeu conseguiu uma brecha do heranças e somos fazedores de outras
está acontecendo agora, porque estão
governo Médici e conversava com o heranças, então a história é isso. Acho que
construindo uma série de prédios que
Roberto Médici, que era um professor é preciso entender isso e dar valor para
parecem clínicas médicas.
universitário. Era um refrigério ele conversar história, valor esse que as pessoas de um
com Pompeu. Então, parece que ele G – Não aguento nem andar pela UnB... no modo geral não dão. Então, quando se vai
passou para o Pompeu um livro do SMI, Minhocão [ICC], com aquelas favelinhas em busca dos móveis, vê-se quanta história
onde se dizia que havia um grande montadas. Não dá nem para acreditar existe aí.
equívoco sobre a Universidade de Brasília, naquilo.
que era uma universidade cujos quadros G – Além do mais, prevalecem umas
eram muito qualificados, que tinha uma LH – O Minhocão não é nada, é uma casca. versões da história que não têm nada a ver.
diligência muito forte, por isso mesmo era E a história é tão recente para já se tornar
preciso cuidar dela. Algo mais ou menos A – Ela se repõe, não é? O Cláudio Queiroz desconhecida. Conta-se tudo errado,
assim... Eu vi isso rapidamente há anos. Ali ainda fez lá o Pavilhão Anísio Teixeira e o implanta-se o que querem, e a versão
oficial fica totalmente desvirtuada. seja, fazer uso do material que se tem à
mão.
LH – Uma vez escreveram assim: “Se nós
recrutamos nossas memórias e elas não G – Sobre aquela cadeira que tem encosto
comparecem, inventemos nossos heróis”. basculante, você pode ver que as peças
são retas... só ali onde fica a perna e a parte
A – É verdade. Uma das coisas que gostaria de trás, pois a parte de cima é redonda.
de fazer com essa pesquisa teórica e de
resgate: o nosso departamento [de LH – Se não me engano, as cadeiras-
Filosofia] vai passar por uma reforma, protótipo foram feitas com lona.
então, eles vão gastar dinheiro para
comprar esses móveis fajutos. A minha G – É, havia umas com lona, que cediam
ideia é, tendo a pesquisa pronta, exigir que muito, quando eram toda com lona azul
o Instituto consiga ou restaurar, se encontrar embaixo.
alguma coisa, ou fazer os móveis para
LH – Há algumas coisas que, pensando
191
termos espaços, como, por exemplo, uma
bem, eram do Elvin, pois tinham o estilo
sala de defesa de teses. Qualquer uni-
dele. Porque ele produziu muito, e não foi
versidade séria faria isso.
só uma ou duas cadeiras.
LH – Ritualizar isso, não é?
G – Estava conversando com o Luis
G – O Matheus [Gorovitz] estava fazendo Humberto que fui uma vez em uma casa no
um trabalho sobre aquela cadeira que Park Way que tinha as cadeiras, era de um
estávamos olhando, aquela que meu pai pessoal ligado de alguma forma ao Zanine,
fez, uns anos atrás. Ele fez, por alguma que tinha alguma sociedade com ele, ou
razão, um trabalho, não sei se sobre uma loja próxima. E eu disse: “Poxa, e
mobiliário também. E eu tinha os desenhos essas cadeiras aqui?”, e eles responderam:
originais de um para um, da construção “Ah, isso aí é do Niemeyer”. Eu falei: “Não,
daquela cadeira. é da Universidade, e essas aí foram meu
pai que fez”.
LH – Aquela redonda?
A – As pessoas inventam.
G – É, aquela de que estávamos falando.
Até pensei em reproduzir a cadeira, mas é G – É inventam... é mais chique falar que é
trabalhoso fazê-la... há muita perda de do Niemeyer, porque fica mais bonito lá na
material, é preciso ter os gabaritos. Não é casa delas.
fácil fazê-la em pequena quantidade, pois
T – E o Niemeyer fazia móveis também?
fica muito artesanal.
G: Não, ele nunca foi de fazer móvel. Os
A – Acabamos descobrindo uma coisa im-
móveis dele são...
portante: basicamente, quem fez os primeiros
móveis foi seu pai. Muita coisa é dele. LH – “Insentáveis.”
G – Ele montou a marcenaria, a oficina de G – A ideia era de ser uma coisa escultural,
maquete e tudo. em um hall enorme, em uma escala grande,
mas não era para se usar.
LH – E o Elvin era assim, tinha uma
curiosidade incessante. Ele era quietinho,
mas mandava ver...
A – Alex Calheiros. Havíamos estudado juntos e queríamos tirado de revista americana... E os móveis
pesquisar juntos. E ele acabou vindo fazer do Sergio estavam jogados numa garagem.
S – Sergio Rodrigues. pós-doutorado no Departamento de
Filosofia da UnB, para se aproximar da A – É, tenho relatos de que na década de
V – Vera Beatriz Rodrigues. 80 se encontravam poltronas Mole estra-
UnB. Depois acabou fazendo um concurso
e entrou no curso novo de Teoria e História gando na beira do lago.
F – Filho do Sergio.
da arte. Ele estava estudando sobre o
V – É, é uma coisa horrorosa. Eles não
192 [...] Congresso da Associação Internacional de
tinham noção... E móveis de jacarandá
Críticos de Arte (AICA), que aconteceu em
A – Comecei falando para o Sergio que, ainda da época!... Uma total falta de noção,
Brasília, em 1959. O Marcelo faz estudos
quando entrei na UnB, como tenho de cultura. E jogavam tudo fora. Quando
sobre o projeto moderno brasileiro, porém,
admiração pelo mobiliário brasileiro, começaram a querer recuperá-los, até
com ênfase na arquitetura. Nisso se passou
particularmente fiquei assustado porque conseguiram alguma coisa, mas já era um
um ano... e estávamos fazendo um
sabia vagamente que a UnB tinha move- pouco tarde.
seminário sobre as atas da AICA. Mencionei
leiros que fizeram os móveis para compor que um edital da Universidade havia sido A – Quando ganhamos esse edital, ficamos
as estruturas, e eu via que vários deles aberto e que poderíamos começar a muito satisfeitos, porque estava ligado a
estavam se perdendo. Então, quando pesquisar sobre esse mobiliário, que está essa pesquisa anterior da AICA. Eu e o
entrei, quatro anos atrás, escrevi uma carta dentro desse projeto moderno de Marcelo nos juntamos, convidamos alguns
ao reitor da época, que era o Zé Geraldo renovação do Brasil e ligado à arquitetura. estudantes, na verdade quatro, os quais
Souza Junior, pedindo que se prestasse
começaram a fazer as pesquisas,
atenção nesse patrimônio. O mobiliário da S – É claro, está ligado. É importantíssimo.
procurando nas revistas da época, na
Universidade tem valor histórico, que vai O mobiliário está ligado à arquitetura. Pois,
Habitat, na Módulo, para ver se havia
muito além do valor monetário obviamente. na realidade, é complementação da
alguma notícia. Descobrimos que não só
A qualidade, a origem. É preciso preservar, arquitetura.
não havia notícias, ou que eram pou-
não é? E deve-se não só preservar o projeto
A – Uma complementação da arquitetura... quíssimas, mas também que a UnB não
intelectual, representado pela Universidade.
não se pode pensar uma coisa sem a tinha registro de nada. Porque se começou
Aliás, não há como separar as coisas. A
outra. Chegamos à conclusão de que ao a patrimoniar as coisas só a partir de 1971.
gente fala do projeto do Darcy Ribeiro, do
pensar em Brasília, na Universidade, deve- De modo que não se sabe exatamente o
Anísio Teixeira, mas o próprio Darcy pensou
se pensar também no interior dessas que a UnB tinha nesses 10 anos. Então,
na Universidade como um todo, ou seja,
estruturas. começamos a entrar em salas, departa-
não só no projeto intelectual, mas também
mentos, para fotografar.
na estrutura, na arquitetura.
S – O interior é importante.
Ao, então, vencermos esse edital, pediram,
S – Pensou em tudo, no geral.
V – Jogaram fora todos os móveis... Alguns através da secretaria de Comunicação da
A – Então, escrevi essa carta e o reitor fez foram vendidos. Indo quase todos parar no UnB, que colocássemos uma entrevista no
um comunicado para toda a UnB, o qual estrangeiro. Hoje, ganha-se muito dinheiro site falando sobre esse trabalho, que
alertava que os departamentos não com leilão desses móveis. A gente fica só estava completamente incipiente. Acháva-
deveriam descartar os móveis que consi- observando. Os móveis do Sergio são mos até então que íamos encontrar muita
derassem velhos, exatamente para decidir vendidos a não sei quantos mil dólares e coisa e acabamos encontrando muito
o que seria feito com eles. ele não recebe nada. Foram vendidos a pouco, mas percebemos uma confusão
“preço de banana”. Quando fomos a com relação à atribuição desses móveis. E
A – É só um esclarecimento, porque, na Brasília, pois o Sergio estava fazendo um também que não havia registro dessas
verdade, o projeto acabou ganhando uma trabalho no interior das casas dos diretores atribuições ou reportagens. Então, ficamos
dimensão que não esperávamos. Na do Banco Central, foi doloroso. Por que nós desesperados. Mas, ao mesmo tempo,
verdade, o Marcelo Mari era professor da íamos na casa deles e víamos que, na uma porção de jornais e sites começaram
UFG e foi meu amigo de graduação na USP. época dos militares, tudo que era feito era a procurar-nos. Já fomos mencionados em
mais de 10 ou 12 sites por causa dessa poderia fazer uma coisa boa, com um bom avião para São Paulo. Eu vou lá em São
pesquisa. Daí a reitoria nos procurou e material, mas absolutamente simples. Criei Paulo e procuro as cadeiras na Brasforma e
ofereceu a publicação de um livro. E assim essa linha, que acabou fazendo em diversas outras casas especializadas”.
pensamos assim: “E agora, com tão pouco parte da loja Mobilínea, lá de São Paulo. Ele disse: “De jeito nenhum, quero que você
material, como vamos fazer isso?”. Depois Foram feitas diversas coisas inclusive lá na desenhe a cadeira. Porque quero que a UnB
disso achamos uma série de coisas. loja Mobilínea. Mas ele queria mesmo era tenha... (Ele não falava UnB, não, havia um
Entrevistando os professores mais antigos, fazer o Auditório Dois Candangos? outro termo especial para isso)... tenha, que
descobrimos uma série de histórias e nós tenhamos móveis feitos por você”.
conseguimos achar aí uma linha para tentar V – Por que se chama dois?
fazer a pesquisa. A – FUB talvez? Fundação Universidade
A – Porque existe uma história de que na de Brasília?
S – Muito bem... construção morreram dois operários e que
estariam ali soterrados... algo assim. Seria S – É possível, não estou lembrado. Isso foi
V – Mas ainda existe aquele sofá do uma homenagem aos operários da em 63, não é? Mais ou menos nessa
Sergio? Vocês têm documentação construção. época... Então ele disse que queria as 193
sobre as cadeiras do Auditório Dois cadeiras de qualquer jeito. Eu disse: “Olha,
Candangos? S – É Dois Candangos? E não dos de qualquer jeito você me arranja a
Candangos? passagem, que eu vou a São Paulo e me
A – Só temos fotos antigas com pessoas viro lá para produzir alguma coisa e saber
sentadas neles. V – Tem gente que fala dos... É mais
qual é a fábrica que pode fazer 250
comum...
cadeiras... Não é qualquer fábrica que
S – Isso foi apresentado ao Darcy Ribeiro
A – E depois teve também a homenagem aceita e faz em tão pouco tempo”. “Ah, mas
na época em que ele me chamou... Existe
que foi feita. você tem que fazer, porque já tem
uma história com o Darcy... posso falar
inauguração prevista...”, disse-me ele. Aí
sobre isso se quiser.
S – Acho que sim. eu fui a São Paulo. Desenhei as cadeiras no
A – Ia começar a falar sobre isso para avião mesmo. E desenhei direto, não fiz
S – Então, ele me chamou e fui lá ver, nem protótipo. Não foi feito o desenho em
entrarmos em certa ordem... Seus contatos
conhecer o local para fazer o Dois tamanho natural, como era de hábito antes
com o Darcy eram anteriores à UnB? Você
Candangos. Ele saiu, eu saí, me agarrava de começar a produzir um móvel.
já o conhecia?
de braços dados, muita lama, muita coisa
S – Não. Eu tinha uma loja chamada Oca assim. Chegamos lá no local, ele parou e Uma coisa muito engraçada é que não
na praça General Osório e o Darcy foi disse: “É aqui”. Eu falei: “Mas não tem tinha nem piso quando fui lá. Havia só
várias vezes lá. Acabou comprando uma nada! Não tem nada”. Ele, então, me disse lama. E eu perguntei como ia ser feito o
poltrona Mole, mas até então não tinha que em um mês estaria pronto. Falei: piso dali, se era escalonado ou não, como
contato nenhum com ele. Soube apenas “Como vai estar pronto em um mês? Não iriam fazer para colocar as poltronas.
que ele tinha passado por lá. Uma pena, tem nada...”. Ele disse: “Resolve o seu Então pensei que elas poderiam não ter
tinha vontade de conhecê-lo... Mas um dia problema... seu problema é arranjar as pé, serem fincadas no chão. Então,
ele estava na casa de um sócio meu cadeiras, então arranje essas cadeiras”. Eu precisava, para isso, de duas peças, que
fazendo uma visita e fui chamado por ele. disse: “Bom, vou arranjar”. deveriam ser feitas em uma serralheria...
Disseram que ele estava lá e que queria me Fui a uma serralheria e perguntei se eles
A Oca não iria poder fazer as cadeiras poderiam fazer. Isso só dava para fazer
convidar para fazer os móveis da UnB.
porque já estava com muito trabalho... explicando no desenho, rabiscando na
Pensei: “O que será que ele quer? Bom,
havia trabalhos particulares no Rio e não tela, no quadro-negro para poder entender
vamos ver”. Daí, o Darcy estava lá
daria para fazer 250 cadeiras de uma hora como era. Nem fui mostrar a ele. Ele só viu
entusiasmadíssimo com a cadeira. Falou
para outra. Praticamente ele queria aquilo a cadeira depois de produzida. Combinei
sobre esse assunto. Fiquei entusiasmado...
em menos de um mês. com os serralheiros e com a loja de couro:
Ele chamou para ir ver onde ficava a
Cidade Universitária que o Alcides da essa parte do couro foi feita numa casa
A – É, porque acho que a construção ali especializada em celas de cavalo que
Rocha Miranda tinha feito, tinha projetado. começou em dezembro e ficou pronta em
Fui até lá e havia pouca coisa pronta na encontrei... Pedi ao pessoal que fizesse o
março, abril. No período das chuvas. trabalho. E eles aceitaram.
realidade... O que ele queria era uma coisa Então... foi uma aventura.
simplíssima. Queria algo com material
A – Foi feito lá mesmo, em Brasília?
bom, de jacarandá. Mas que fosse o mais S – Para fazer esse trabalho que ele queria,
simples possível, para mostrar que se disse a ele: “Me arruma uma passagem de S – Não, em São Paulo.
S – Disse a eles que precisaria disso pronto surgiu outro problema: o couro... porque o A – Pois é, porque, além dos móveis, das
rapidamente. Ele disseram: “Nós fazemos couro não tinha sido experimentado. Se cadeiras do Dois Candangos, houve os
em uma semana, e daqui a 15 dias tivesse sido feito um protótipo, eu teria outros móveis que foram feitos para a
entregamos”. Eu disse que dali a 15 dias já experimentando se iria ficar bom ou não. Universidade.
era a inauguração... E o pessoal aceitou... Mas não houve tempo para isso. Sabia que
Foram feitas em praticamente 20 dias todas dois operários, eu e meu mestre, conse- S – Havia móveis para a recepção, para a
as 250 cadeiras. guiríamos montar em duas ou três horas Reitoria, para toda as secretarias... uma
uma cadeira. Fazendo o cálculo, 250 ca- linha completa.
Para segurar o assento, havia dois tirantes, deiras iria demorar um bocado. Mas aí
que eram feitos de raios de roda de A – Pois é, atualmente, na Reitoria há uma
juntou o pessoal todo da Universidade
motocicleta. O assento balançava para a mesa feita por você. Tem também uma
mesmo e aprendeu aquele esquema e
frente e para trás... Sem precisar de mesa para pequenas reuniões, que é a
montou aquilo. De modo que no sábado da
maquinismos que virassem a cadeira. Alex. Você lembra se delas?
inauguração faltou uma cadeira, essa
última cadeira, eu fiquei em pé no lugar da S – Não estou lembrado... teria que ir lá ver.
194 Bom, chegou o dia da inauguração, da
cadeira para não ficar aquele buraco. Foi
abertura. A inauguração foi num Sábado de
uma coisa muito interessante, o Darcy A – Essa outra mesa que está lá é a Alex.
Aleluia. Começou a chegar o material na
curtiu imensamente. E só viu a cadeira Há a mesa de escritório do reitor e uma
Quarta-feira Santa. E o Darcy disse: “Então
depois da cadeira feita. Não viu nem o mesinha de centro, que é parecida com
vamos começar a montar”. Eu falei que só
protótipo da cadeira, viu a cadeira já feita. essa: quadrada baixinha. Como que se
tinha trazido dois operários, e que não daria
chama essa? Essa mesa rebaixada, que é
para montar 250 cadeiras. “Dá um jeito, aí, S – Aí aconteceu a inauguração... foi um larga, em bloco de madeira e com os pés
chama o pessoal que está de férias”, disse. sucesso. Eu me lembro de que aquele pequeninhos?
Mas era feriado da Semana Santa. Aí ele telhado com calhas de ferro não poderia
cedeu um caminhão ou um ônibus, eu não ficar aparente. Seria preciso fazer um teto S – Sei, sei.
estou lembrado agora... E foi escrito, em rebaixado, de madeira ou de gesso.
faixas, do lado de fora do caminhão: “A
Universidade de Brasília precisa de vocês”. A – Depois foram colocadas placas,
E você sabe que conseguiu encher o não é?
caminhão de gente, de estudantes. Foi
emocionante. Às vezes, conto essa história S – Não. Foram colocados toldos. Ficaram
em palestras e etc. e choro... fico emo- vários toldos, como se fossem redes de
cionado de me lembrar daquele amor pela gaiola abauladas. E como é que foram
Universidade. arranjadas aquelas cortinas? Estavam
faltando três ou quatro dias... Eu tinha as
A – O poder de mobilização que o Darcy amostras de tecido e saí procurando nas
tinha, não é? principais lojas de tecidos. Daí encontrei o
tecido... Mandei colocar duas cortinas nas A – Ainda tem uma dessa na sala do reitor
S – Impressionante aquilo... E chegou todo duas laterais e nos apoios, formando uma e uma outra na Faculdade de Comunicação.
aquele pessoal para ajudar. Eles não espécie de tubo. Para serem colocados os
sabiam nem o que iam fazer. Estabeleci tecidos, passavam pelo apoio e ficavam S – Mas e as cadeiras, as poltroninhas?
que usaríamos o local que já estava pendurados. E para não ficar pendurado, Havia outras poltronas, que eram estofadas.
coberto. Já estava com telhas de metal. E como é que vai acabar aquilo? Eu tinha Existia uma de estrutura de madeira e com
ainda tinha gente soldando as telhas. Até imaginado ficar parecido com perga- encosto revestido com um tecido mais
caiu algo na minha cabeça, que me fez ficar minhos... aqueles pergaminhos de enrolar. resistente. E tinha a cadeira, que era muito
sem cabelo. Aí, os engenheiros imedia- Para contrabalançar aquilo havia um tubo simples, feita com um encosto que formava
tamente fincaram os pés das cadeiras. de ferro, e mandei tornear umas rodelas uma certa hierarquia. Tinha assento de
Duzentos e cinquenta cadeiras, portanto, que se encaixavam, dando aquela im- couro, para os que que eram da diretoria, e
na verdade eram quinhentos pés. Foram pressão de papiros. Os móveis do palco já também existia de assento de madeira.
então fincados, e expliquei como é que estavam lá. Conseguimos fazê-los no Rio,
deveriam ficar. Eles fizeram tudo com na Oca. Os móveis da Universidade foram A – Conseguimos várias fotos no Cedoc-
teodolito etc., e montaram em dois tempos feitos lá em São Paulo, sob minha orien- UnB, inclusive, na capa do livro, queremos
as cadeiras. Com aquela montagem rápida, tação, na Mobilínea do Ernesto Hauner que colocar as fotos dessas cadeiras de que o
ninguém iria conseguir sentar naquilo. era um grande amigo meu. senhor está falando, as de tecido mais
Aquilo era um suporte para cadeira. Aí resistente.
A – Essas são do Elvin, me parece. [Até S – É, o Jaburu, exatamente.
esse momento da entrevista, os indícios de
concepção e a hipótese do desenho A – Eu não sabia que tinha móveis do Elvin
desses móveis estavam associados ao por lá.
arquiteto Elvin Dubugras, mas agora se
S – Se tinha móveis do Elvin, eu não sei. O
sabe que não são dele e que não é possível
Elvin fez umas coisas à parte, mas não sei
definir com precisão sua autoria, sendo que
exatamente o quê... Eu não vi o que foi feito.
os desenhos foram executados pela
marcenaria da Universidade de Brasília]. A – Essas daí são as cadeiras dos
estudantes que não conseguimos descobrir
S – Pois é. Então já mexeram. A – Estas mesas.
se foram compradas de fábrica, se alguém
V – Esse Elvin está vivo ainda? fez, se foram feitas lá. Ainda há inúmeras S – Estas mesas assim, com pé cruzado,
dessas Kiko lá. foram criadas por mim. Ainda existem
A – Não, o Elvin morreu. dessas daí lá. 195
S – Essa não fui eu que fiz... isso daí é a Oca
A – Você foi amigo do Elvin Dubugras? que fazia. Eles compraram da Oca. Mas o A – E essa aqui?
desenho é meu.
S – Eu era amigo do Elvin. Ele foi da S – Essa daí é possível que seja minha, sim,
Faculdade de Arquitetura na Escola de A – É, mas não desenhou especificamente porque dessas cadeiras eu me lembro.
Belas Artes e, depois, representante da loja para a UnB, foi comprado pela Oca.
Forma. E começou a fazer esse trabalho. A – Eu tenho uma dessas na minha casa.
Ele foi meu aluno. Ele ainda era estudante V – Ele fez para a Oca ... até hoje faz a Kiko.
e assistente/auxiliar de ensino do Azambuja, S – Essa aqui você não conhece, pois foi lá
A – Sim, lá no Salão de Atos da reitoria há para a Mobilínea. A Mobilínea produziu isso
que era um catedrático. Eu não era
umas cinquenta, sessenta dessas. tudo.
catedrático, mas instrutor de ensino. E
trabalhava com ele. Depois ele fez... V – Imagina! V – Ah, mas foi você que criou?
Aconteceu uma coisa muito engraçada
com ele. Uma vez o Oscar Niemeyer me S – Foi.
ligou de Roma dizendo: “Olha, Sergio, eu
quero que você faça o interior do Palácio do A – Essa ainda existe na Universidade.
Vice-Presidente.” Eu fiz o trabalho...Passou Muitas quebraram, inclusive. Eu já comprei
um ano e não entraram mais em contato em antiquário.
comigo... Eu fiz o trabalho todo, mandei
para a Universidade, lá para a UnB. Fiz todo
o interior do Jaburu com móveis especiais.
S – Essas são Kiko, não é? Acho... V – Essa daqui você que fez também, não é?
196 A – É, são. São essas que estão no Salão S – Espera aí... Onde está o livro, não o
de Atos. Procuramos por muito tempo o estou vendo?
projeto dos móveis para o alojamento dos
professores. A – Qual era as que a senhora estava
mostrando? Ah, as estantes, não é? Não as
A – Ela tinha couro, não é? O puxador era A – Esse banco já sabemos que não é seu, cadeiras... Ah, essas são as Kiko, não é?
de couro. é do Alex Chacon. Você chegou a conhecer
ele? Um chileno que trabalhou na UnB no V – São as Kiko. Dessas há muitas, não é?
S – O puxador era de couro. Eu fiz rasgado. período do Darcy.
O de couro é possível que seja do Elvin. A – Sim, existem muitas... Mais de
Porque o Elvin trabalhava para a Forma, S – Não estou lembrado. cinquenta. Infelizmente, na sala do reitor há
que fazia uns puxadores com couro. uma mesa Alex, mas não existem mais as
A – Esse banco é dele. poltronas com ela.
A – Ele morou em Brasília. E depois morou A – Não, as Kiko estão em uso. Utilizamos
no Rio, na Bahia. Ele trabalhou com o Lelé bastante elas por lá.
por muito tempo. Agora voltou para Brasília.
Inclusive, entrevistamos ele ontem. A – A nossa pretensão era de que a UnB
restaurasse os móveis...
S – É, está bem documentado aqui.
S – Mas as do Palácio do Itamaraty e do
A – Fomos bastante no Cedoc, porque Palácio do Planalto foram restauradas. Eu
não existia nenhum registro de fato no fui lá, inclusive, e acompanhei o trabalho.
patrimônio, então resolvemos procurar
fotos antigas no Centro de Documen- V – Isso foi ótimo. Eles restauraram todas e
A – Também tem bastante dessas na
tação para ver os ambientes com os encomendaram mais. Compraram muitas.
Universidade.
móveis.
A – Falei para o reitor que é o que deveria
S – Fui eu que fiz também... a linha toda,
S – E tinha fotos? ser feito, pelo menos em alguns ambientes
completa.
especiais. No meu departamento, que é o
A – Essa é uma mesinha lateral. A – Tinha. Uma parte dessas fotos são de Filosofia, já pedi autorização ao chefe
exatamente as que vimos no Cedoc. do departamento e agora vamos fazer uma
S – Havia essas travessas... E o couro dava reforma para tentar mobiliar o departamento
para fazer banquinho e mesinha. S – O sofazinho, o sofá da linha da UnB, com os móveis originais.
nós temos. Como é que se chamava aquele
A – Ah, essas daqui então também são sofá? A – Depois, vários dos móveis feitos para a
suas? UnB foram também comercializados, não
V – Tinha aqui no escritório. é?
S – A mesma estrutura servia para as duas
coisas. S – É claro. S – Foram.
V – Pela Oca, não é? V – Era ele que estava fazendo a restauração
do palácio. E foi ele que não deixou comprar
S – Não, foi pela Mobilínea. móveis da Bauhaus. Telefonou para cá e
disse que era um absurdo...
S – Esse sofá de dois, três, quatro lugares...
existia tudo isso. S – Aliás, era um problema, o Elvin, como
sempre foi, até o período da morte dele.
Ele era representante da Forma e tinha
esses móveis da Bauhaus todos ali...
Mies Van Der Rohe etc. As cadeiras eram
todas de metal, e muitas delas foram
A – É essa aqui... mesa auxiliar Eleh.
usadas em alguns ministérios. Mas eles
S – É, então é isso aí. estavam querendo algo criado por mim,
então eu fiz... Foram feitos móveis para o
A – Essa foi feita para a UnB ou foi comprada Ministério das Relações Exteriores, o 197
na Oca? Itamaraty, e também essas Kiko... Fiz
tudo... E depois elas foram espalhadas
S – Está aqui o sofá Darcy, está vendo? S – Foi comprada da Oca. nos ministérios.
A – Não há algum registro de imagem V – Acho que você conheceu o Darcy antes.
disso? Nem desenho? Não foi bem nesse período. Você conheceu
o Darcy antes de 61.
S – Há só o sofá, o sofazinho, aquele que
tínhamos aqui... que eu consegui... A – Há duas ainda restantes na UnB: uma na
S – Não, eu o conheci antes na Oca.
sala do reitor e outra num corredor aberto,
A – Mas você não tem desenho dos outros, na entrada da parte subterrânea da V – Quando é que você fez a Candango?
nesses tamanhos? Faculdade de Comunicação.
S – Ah, a Candango foi em 63, se não me
S – Não, não tenho. Mas isso é algo que V – Vocês precisam restaurá-las. engano.
pode ser feito.
A – Precisam ser restauradas, porque estão A – Que foi na época da inauguração, não
V – Você pode fazer... arranhadas. é? 62, talvez?
S – É, pode ser feito, sim. V – Lá em Brasília tem aquele pessoal que S – Veja ali o que está escrito.
restaurou o Palácio.
S – Olha aqui a poltrona UnB. Era muito A – 63... Deve ter sido abril de 63, na época
simples, igual ao sofá, só que de um lugar, S – Não, aquele pessoal era do Palácio da inauguração do Auditório, com a
não é? mesmo, pessoal do governo. Esse pessoal abertura da Universidade.
do governo estava lá, quando fiz a
A – A ideia então é ter a documentação e restauração. E ficou muito boa, aliás... V – O interessante é que, pelo que
depois, no final, fazer um catálogo com peças estofadas... acompanho do Sergio, o momento de
todos os móveis. maior emoção para ele foi o da inauguração,
V – Aquele arquiteto que faz isso no museu, quando conseguiu fazer a Candango.
S – A poltrona Lia, na verdade, era da UnB pode ajudar vocês.
também. A – É por conta dessa história do
V – É o Claudio? O nome dele é Claudio, engajamento das pessoas.
V – Ah, a Lia é linda. mas não sei seu sobrenome.
V – É, e a forma como conseguiu fazer tudo. V – Eles guardavam os móveis todos numa V –Esse assunto é importante.
Acho que foi mais importante para ele do garagem. Os móveis eram todos destruídos.
que a premiação internacional da poltrona E as mulheres dos militares compravam só A – É, ou seja, qualquer país sério, que tem
Mole. Porque toda vez que falava nesse móveis americanos, que elas viam nas respeito pelo patrimônio, não vai colocar
assunto do Dois Candangos se emocionava revistas. essas coisas horrorosas da Giroflex que
muito. Ele vibrava, ficava emocionado. Até estão sendo fabricadas agora e que se
pouco tempo ainda demonstrava isso. A – A UnB substituiu seus móveis nessa quebram em seis meses ou um ano,
Agora ele já está mais calmo. época, na década de 70. Recebeu para enquanto se têm essas cadeiras, que estão
isso uma doação do MEC-USAid. lá desde a inauguração, há cinquenta anos.
A – Mas eu também me emociono com a Adquiriram umas poltroninhas de metal e Começamos com esse projeto muito
história da UnB. couro, muito comum na década de 70 nas timidamente porque não acreditávamos
instituições públicas. Por esse motivo a que iria repercutir tanto assim. Canais de TV
V – Porque foi uma coisa de pioneirismo, de UnB ainda tem muitas delas, que recebeu nos ligaram querendo fazer reportagem
coragem, não é? de doação do governo americano. Então, sobre a pesquisa. Então, espero que isso
198 de fato, seus móveis foram substituídos por desperte as ´pessoas. Acho que uma hora
A – É, e um projeto inovador, revolucionário
esses outros. isso vai acontecer. Já existe interesse, os
em termos de construção da nova capital
professores já falam muito. Todo mundo
do país, da Universidade e até da educação. V – Colocaram móveis americano porque começou a prestar atenção nesses móveis
Na época, a primeira pessoa com quem achavam que os daqui eram de comunista, que estão perdidos pelos corredores. Já vi
conversei nem tinha ideia de fazer esse não é? cadeira criada por você nos centros
projeto, existia apenas uma ideia vaga de
acadêmicos, em festas, e ninguém per-
um dia escrever alguma coisa sobre essa A – Que estupidez, não é?
cebia ou sabia do seu valor.
história de UnB... O envolvimento dos
professores, do Darcy, dos alunos. E toda E – Isso foi terrível para a vida profissional
V – Essas cadeiras aqui no espaço aberto,
essa coisa de renovação, inclusive dos do Sergio, porque ele perdeu a Oca. Foi
que você vê aqui, é incrível. São da década
móveis. Então, conversei com o Glênio uma época pavorosa... e ninguém queria
de 50, não é?
Bianchetti, o pintor. reeditar os móveis dele. Uma época de
ostracismo para ele também. Ainda bem S – Foram produzidas para o Palácio do
S – Não estou lembrado dele. que deu tempo de ele ser relançado, e está Planalto.
aí agora conhecido no mundo inteiro.
A – E ele conta que a UnB era só diurna, V – Se fossem feitas hoje, seriam
mas que eles ficavam até uma, duas horas A – É, foi uma barbaridade, não é? superatuais.
da manhã dando aula.
V – Todas as manifestações artísticas so- S – Foram feitas umas 50 cadeiras dessas.
S – O pessoal era excepcional. Eram apai- freram. Todos os setores culturais.
xonados por aquilo. Era algo muito sério. V – Sei que estão todas lá, mas sabe-se lá
A – Foi uma pena essa história da UnB ter o que fizeram, pois tiraram a parte de
A – E de repetente o golpe militar seu projeto interrompido. jacarandá. Estavam todas sem essa parte
interrompeu o projeto, mas inclusive de madeira. Devem ter tirado para vender.
desperdiçou tudo, não é? V – Foi uma pena mesmo.
A – Tenho um amigo que tem um antiquário
S – O Zanine Caldas, por exemplo, A – Lá na UnB ainda tem todo o material
lá em Brasília, e ele acabou de restaurar
trabalhava, não sei dizer se era catedrático, que o Darcy comprou na época das
uma Beto. E estava sem a madeira, se não
mas era professor na Arquitetura e foi marcenarias da Universidade. Eram três
me engano.
embora, foi despachado. Chegou no Rio de marcenarias, e está tudo lá com todas as
Janeiro praticamente sem dinheiro. Como máquinas alemãs... Tudo parado. Houve V – Eles roubavam a madeira para fazer
eu tinha outra lojinha, a Meia Pataca, ele um professor que tentou revitalizar essas qualquer coisa que não sei exatamente o
apareceu um dia lá com uma esculturazinha marcenarias exatamente para que se que.
feita por ele para ver se eu conseguia pudesse refazer os móveis da UnB, assim
vender. Ele era um grande amigo meu e como anteriormente. Não sei exatamente A – Era isso mesmo. E essa que esse meu
fiquei arrasado com isso. se os seus, mas muitos desses móveis, amigo tem era da Câmara do Senado.
feitos nas aulas com o Elvin, com o Zanine,
A – Dizem que os militares não gostavam foram replicados na marcenaria para serem V – Pois é, eles as jogavam para cá e para
dos móveis, porque diziam que era coisa usados na Universidade, que estava lá, e depois lançavam tudo fora.
de comunista, não é? crescendo.
V – Acho que o Elvin se inspirou um A – É, acho que sim. Ficou famosa essa S – Mas essas são diferentes, porque as do
pouquinho nas do Sergio, não é? história de que o Lula foi lá dar uma palestra, Anhembi têm o mesmo sistema de balan-
ou algo assim, e pediu à reitoria essa mesa, cinho, com raios de motocicleta. E as outras
A – É, se inspirou. para levar para o palácio. tinha-se que chumbar, tinham um pezinho.
S – Inspiração qualquer um tem. Qualquer V – Está aí um fã que você nunca pensou A – Pois é, mas atualmente, na Dois
pessoa tem. que tivesse? Candangos, acho que as poltronas são
dessas aí.
A – Acho que havia essa ideia de preservar A – É, e depois acho que foi a pedido do
o traço dos móveis originais, e como eles Lula que os móveis originais do Palácio do S – É? Não sei. Substituíram aquelas?
foram sendo reinventados dentro das Planalto, os do Oscar e os seus foram
aulas... Parece que o Elvin dava uma restaurados e recolocados lá. A – Substituíram na década de 70, no final
disciplina que era exatamente sobre da década de 70. Mas são muito parecidas.
mobiliários. Acho que nessas aulas ele V – Não, não foi. Esse era um plano que já Depois mando a fotografia da Dois
experimentava algumas coisas. Ele criou havia. O Fernando Henrique tem todos os Candangos. 199
outras poltronas depois, e que são bastante móveis do Sergio. A dona Ruth gosta muito
diferentes, com palhinha. dos móveis do Sergio. Ela telefonava para S – Daí eu digo logo...
cá. Tanto que o Fernando Henrique tem
S – É, exato. Um pouco mais requintadas. A – Todo as pessoas a quem perguntamos
todos... Tem poltrona Mole de jacarandá.
dizem que as do Sergio foram tiradas e
Muitas vezes ele foi fotografado perto
A – Mais requintadas e bem bonitas. São substituídas por essas, mas ninguém sabe
desses móveis. E a dona Ruth era muito fã
um pouco mais difíceis de serem de quem é... Mas elas são iguaizinhas. Na
desses móveis. E ela tentou dar andamento
produzidas. foto só não dá para ver a parte detrás, que
a esse plano. Só que não deu tempo. Eu
tem um cinzeiro.
V – Há muitas dessas Kiko, não é? me lembro de que até a filha dela veio aqui,
comprou móveis e tudo mais. Mas eram S – É, pode ser. Essa ideia do cinzeiro não
A – Sim, há muitas num salão lá enorme, e para ela mesma. E uma vez ela telefonou sei se foi do Darcy ou sugestão de algum
também há mesas, que ainda são aquelas para mim perguntando como é que poderia responsável na época. Além do mais, os
feitas por você. Há várias em L... As mesas fazer para restaurar os móveis do Sergio, cinzeiros eram de metal.
são utilizadas nessa sala de reuniões, mas acho que não houve teve tempo para
quando o reitor faz alguma reunião com os isso. A – É de metal o que tem lá.
professores mais importantes. E essas
mesas são todas rodeadas de Kiko. Estão S – Recebemos diversas fotografias lá de V – Imagina colocar um cinzeiro hoje em dia
todas lá, mas muito estragadas. Não sei se Anápolis, porque fiz a casa do Anapolino num espaço desses, com todo mundo
originalmente elas têm rodinhas no pé... Faria. Você já conhecia lá? fumando.
S – Algumas, sim, mas outras, não. A – Não conhecia, não. É o da empresa de A – Pois é, agora com esse fascismo de
ônibus, a Anapolina. que ninguém deve fumar. Achava ótimo
A – Mas na época elas já foram feitas com quando nos cinemas se podia fumar.
as rodinhas? V – Foi feita a casa inteira. Nunca fumei, mas acho que as pessoas
têm direito a fumar.
S – Não. S – Praticamente todos os móveis eram
meus. V – Era bem poluído o ambiente.
A – As mesas estão com rodinhas também.
V – E eles estão querendo, ou estavam A – Então, há dessas poltronas na Dois
S – Também com rodinhas? Eu não fiz uma querendo fazer uma exposição aberta ao Candangos atualmente. Eles justificam que
coisa dessas. público da casa e dos móveis. Você fez o foram tiradas por não terem manutenção,
interior todo também, não é, a parte da daí faziam muito barulho, rangiam muito.
A – Inclusive a do Dois Candangos. A gente arquitetura? Mas estão demorando muito
fez um evento lá esses dias. Há uma mesa para conseguir verba. E a família está S – É claro. Como aconteceu no MAM, que
grande, enorme, mas que está quebrada, ficando desesperada e vai começar a tem dessas mesmas cadeiras.
com as rodas destruídas. Acho que é essa vendê-los. São ótimos. Mas nunca vi...
a que o Lula queria. Não sei bem. V – No cinema do Museu de Arte Moderna.
A – Sergio, eu tenho uma dúvida... É que
V – O Lula se interessa por isso? Mobiliário? acabei de ver aquelas poltronas do Anhembi. S – Faziam barulho. Era só falta de
lubrificação. Mas lubrificarem, depois de 10
anos, pela primeira vez!... Era algo a ser A – Seria interessante, porque parece que de Juscelino. Não, alma, não, porque ele
visto antes. o auditório vai ter 50 lugares. era vivo nessa época.
V – Tudo precisa de manutenção, não é? S – Então, esse modelo foi feito para ser A – Alma no sentido do espírito
fincado no chão. Veja que as poltronas só empreendedor.
A – Claro. Você fez dessas da Dois têm dois pés, um de cada lado, e não
Candangos também para outros lugares? quatro como as outras, a do Anhembi. S – Espírito empreendedor.
S – Não. V – Elas eram bípedes. A – Deve ter sido uma época emocionante.
A – Só fez para a UnB... A – Elas eram fantásticas... É a engenharia, S – Sim, porque no Itamaraty foi a mesma
não é? coisa. Fui convidado a fazer muita coisa lá.
A – E os protótipos, você não os têm mais. Fizemos coisas no gabinete do ministro e
V – Queria lhe passar o nome desse rapaz, de diretores também. Estivemos até com o
S – Não há protótipo. Fiz elas de couro
desse arquiteto, que é muito bom e se ministro anterior do Itamaraty. Ele nos
200 porque não tinha como fazer de estofado.
empenhou em fazer com que os móveis do convidou e nós fomos lá. A senhora dele
Mas, sem conservação, duraram pouco, pois
Sergio fossem restaurados. estava preservando muitas coisas feitas
com aquela garotada toda da universidade.
por mim. Ela foi muito gentil.
Duraram uns 10, 20 anos talvez. A – Não é Cláudio Queiroz?
A – É, agora existe um certo interesse, às
A – Quinze anos, porque só foram V –Estou com 83 anos e minha memória já vezes, escuso, ligado ao mercado. Não é
trocadas bem posteriormente. Vou não é a mesma. tanto pelo patrimônio, mas pelo valor
arranjar a foto, porque acho que são
fetichista. Tanto que muitos desses jorna-
iguaizinhas. A diferença é que ela tem A – Precisamos registrar tudo direitinho,
listas que nos procuraram perguntavam
também a tábua. porque queremos fazer como no catálogo:
sempre quantos móveis do Sergio
colocar no final as fotos, além de ter os
S – Tem a tábua também? Rodrigues ainda existiam na Universidade,
artigos, ou seja, catalogar de fato, algo que
quanto valiam. Esses dias entrei também
a UnB nunca fez.
A –Sim. Essas do Anhembi têm. na loja desse meu amigo que tem o
S – Interessante. antiquário...
S – É possível...
A – Queremos fazer o registro de tudo que S – Qual é o nome dele?
A – Menos mal. Se estou certo, então,
você criou para a UnB. Se depois
substituíram por outras criadas por você. A – Chama-se Fábio de Almeida Prado. E a
conseguíssemos os desenhos ou as fotos,
Mas não se guardou nenhuma dessas da galeria é a Almeida Prado.
pelo menos dos tipos de sofá, da cadeira
Dois Candangos.
Lia. A – E daí, estava lá sentado, no dia em que
V – Nada? Não tem nenhuma? ele reinaugurou a loja, e entrou uma
S – Isso pode ser feito. Posso fazer uns
senhora e perguntou se ele tinha algum
A – Não. Já procurei em tudo, em desenhos dela. Aí você pode, através do
móvel da UnB. Como saiu em vários jornais,
antiquários... Se alguém guardou, algum desenho, ver a linha toda que foi feita.
as pessoas já estão procurando no
colecionador, ou se algum professor levou, mercado alguém que tenha esses móveis,
A – É isso que eu queria fazer, para poder
não se tem notícia. porque sabem que são criados por você.
registrar a linha toda. Porque, como tem
V – Dá para fazer uma dessas? todas essas controvérsias, acho que seria
S – Os apartamentos funcionais eram todos
bom até para fixar, para efeito de pesquisa...
decorados, equipados com esse mobiliário.
S – Dá, sim. E para o caso de eventualmente a
Muitas pessoas os levaram, pois não havia
Universidade um dia despertar o interesse
nada que garantisse que aquilo era
V – Só para fotografar. de repor o mobiliário. Vamos conseguir, de
patrimônio da Universidade.
fato, despertar essa consciência, porque
A – Quem sabe convenço o chefe do acho que foi criminoso o que aconteceu. A – Pois é, era isso que eu ia lhe perguntar.
departamento do auditoriozinho do Depar-
Você fez os dois prédios, o da Oca, que foi
tamento de Filosofia, que vamos fazer, a S – É, é coisa de Brasília jovem... Garotada
o primeiro alojamento dos professores.
colocar as cadeiras lá. jovem, que não tinha ainda o espírito de
conservação e de proteção, reverência S – Semelhante a ele há o Iate Clube de
S – Seria interessante. mesmo ao que fora feito. Aquilo foi a alma Brasília.
A –Fizemos fotos também do Iate Clube. Iate Clube atual, de concreto, foi feito pelo que ficavam na parte de fora. Um
Milton, que era do Oscar Niemeyer. colaborador do Alcides da Rocha Miranda
S – Inclusive, acho que todo o pavilhão do também fala que na reitoria tinha uns sofás
Iate Clube era semelhante ao do Oca 1 e A – Não para os alojamentos, mas, para os que eram de couro, mas agora ele não
Oca 2. apartamentos funcionais do Lelé foram sabe dizer se era a Mole ou não.
feitos móveis seus?
A – É, então, fomos lá para registrar tudo. O S – Não era a Mole, não.
prédio está lá, mas os móveis foram todos S – Inclusive foi distribuído na época um
vendidos e trocados por outros. Perdeu-se catálogo com desenhos meus mostrando A – Aqueles que as pessoas sentavam e
tudo. Fomos, inclusive, na esperança de os móveis que foram feitos para os escorregavam, ele dizia. As crianças
encontrar algumas coisas que tinham sido apartamentos. Eu devo ter ainda. Agora gostavam de brincar porque escorregavam.
feitas para a UnB, que esta já não tem. E está sendo montado o Instituto Sergio
que são da mesma época, não é? Rodrigues, e estão colhendo tudo isso, do S – Realmente.
mesmo jeito que vocês. Muito do que se
S – Sim. V – A Mole foi feita depois?
perdeu foi por falta de atenção, mas nós 201
A – E tinha o refeitório. estamos fazendo um levantamento. É S – Não, foi antes...
possível que tenha tudo isso. Mas esse era
S – É. um catálogo bonitinho, verde. Eu desenhei A – A Mole é de 57, não é?
A – A Oca 1 era o alojamento dos uma Oca 1 ou Oca2, eu não me lembro. Foi
a Oca dos professores. Desenhei em S – 57.
professores e acho que a 2 era o refeitório...
E que atearam fogo. perspectiva a vista geral e fiz um quarto ou
escrivaninha com a cadeira, onde se via V – A primeira foi de 57? Aquela que não foi
bem a cadeira. aceita porque já tinha sido publicada. Por
S – Atearam fogo?
que são três Moles, não é?
A – Foi. Na época dos militares, como era o A – A cadeira que é de lona, não é?
A – Que inclusive é maior, mais alta?
lugar em que se reuniam os estudantes,
parece que eles criminosamente colocaram S – É.
V – Não, elas são do mesmo tamanho.
fogo no refeitório. Então, agora, das Oca só
existe a 1, que antes era o alojamento, e S – Têm o mesmo almofadão sobre a
agora a prefeitura da UnB resolveu restaurar estrutura. Essa estrutura era feita com um
e fazer um espaço de exposição dos sistema diferente, mas eram do mesmo
desenhos, das plantas da Universidade. tamanho.
V – Eu tenho o livro e vou dar para ele. A – Bem, é isso, muito obrigado Sergio.
Alex Chacon, ex-professor da UnB. as suas máquinas. A maior parte delas que mexer com máquinas brincando de fazer,
ele usava, eram da sua criação. Porém, por porque meu pai apesar de funcionário
Alex Calheiros, professor do Departamento
mais talentosa e habilidosa, a pessoa não público, era fascinado por trabalho em
de Filosofia – UnB.
vai ter meios tecnológicos de fazer uma madeira e metal e foi ao longo do tempo
Marcelo Mari, professor do Departamento trançadeira, uma serra de fita, uma plaina, usando todas as suas economias com-
de Artes Visuais – UnB. um desengrosso, com o desempenho que prando ferramentas e máquinas. Comprar
delas se espera. Então nas máquinas dele uma nova ferramenta não era coisa simples
Thiago Freire, aluno de graduação do curso
de Arquitetura e Urbanismo – UnB.
se gastava muito tempo de calibração para ele, para cada compra, percorria toda 203
antes de uma operação. Mas Manoel sem a cidade em busca do melhor e mais
Alex Chacon – [...] Eu andava explorando dúvida era um personagem notável, era barato. Assim foi que ele formou um
as quadras de Brasília e numa dessas uma figura muito curiosa. Pessoalmente, ferramental muito bom, e máquinas peque-
descubro um marceneiro e sua marcenaria como figura, era um homenzão grandão, nas, boas. Naquela época as máquinas
em plena quadra SQS 208. Manoel (Manoel com voz estereofônica, um homem de eram importadas, não se faziam no Chile
Ferreira Lima) um sujeito chamativo, falan- personalidade forte, aqueles que contam máquinas e ferramentas. Assim eu me criei
do de madeira, de encaixes, de máquina e causos das suas façanhas. E se mexia lá dentro, como numa incubadora de ideias
tal, e aí passou a ser uma rotina nossos assim com a mobilidade de um navio que e projetos/brinquedos.
encontros. No lusco-fusco, sentávamos em vai girando. Muito curioso. Como desde
banquinhos na porta da sua marcenaria, criança eu tinha mexido com máquinas e Voltando ao Manoel, foi assim que, imedia-
onde rolava prosa sobre tudo aquilo que marcenaria, foi amor a primeira vista. tamente eu entrei em sintonia com o
nos era comum. Manoel, ele me adorava porque eu falava
as coisas que ele gostava de ouvir. Eu já
estava na UnB. A relação com o nosso
reitor era de distância e respeito. Não sei
como é que foi, só sei que Darcy soube que
eu conhecia marcenaria e tal e ele um dia
me chamou para a sua casa. Lembro de ter
ido ao seu apartamento, não guardei muito
bem pormenores de como foi, mas recordo
alguns detalhes. foi lá que conheci pela
primeira vez a sua senhora, Berta, uma
mulher brilhante diga-se de passagem. A
lembrança dela é de uma pessoa muito
gentil e contida, em outras ocasiões que a
vi assim me pareceu. Lembro-me de uma
rede azul anil, indígena, lindíssima, e de
uma série de peças de vários grupos
indígenas, fantásticas. Foi nesse dia que
ele me chamou para perguntar-me o que eu
achava de chamar o Manoel para montar
uma marcenaria na UnB. Respondi que me
parecia uma ótima ideia. Então fizeram o
galpão para ele, eu não consegui localizar
Marcelo – Ele conhecia tudo de madeira, Marcelo – Qual que foi sua trajetória do
nos arquivos de hoje nenhum vestígio pois
não é? Chile, depois aqui no Brasil?
as referências se apagaram, mas eu sei
Alex Chacon – Pois é, e ele era apaixonado Alex Chacon – Você vai saber. Eu vinha de bem onde era. Nos arquivos iconográficos
por seu oficio. Ele próprio é que tinha feito uma formação de casa onde eu aprendi a da UnB não existem fotos nem do chão
nem aéreas em que figure o galpão, uma Alex Chacon – Sim, era um assunto pouco máquinas-ferramentas de pequeno porte
pena. ventilado publicamente, ninguém falava para madeira e algumas para metal e um
muito nisso, aparentava ser um terreno um ferramental bastante completo. Impedido
Agora, falando do meu ateliê, que na tanto minado. Eu me mantinha equidistante. eu pelo código de Hamurabi familiar de sair
verdade foram três, deles o terceiro foi o A uma convergência política, correspondia à rua para onde minha alma pendia, tentado
mais confortável e completo. Era na con- uma diferença conceitual e talvez mais do pelo vozerio da garotada, fiz do “taller” e do
tinuação da extremidade do galpão do que isso, entre ambos, mas era discreta- quintal meu mundo encantado, tropeçando
Manoel, com a mesma fachada de tábua mente evidenciada. O Dr. Alcides da Rocha no fazer, arquitetando geringonças e
bruta, que era a tônica. Miranda, já pela sua própria personalidade, contando-me historias com os brinquedos
onde a discrição era seu traço marcante, era que eu lá fazia. Foi aí e assim, brincando,
Manoel tinha a obsessão de fazer uma
um homem extremamente cativante como sem precisar quando nem como, que
turbina de avião, então de vez em quando,
ser humano e extremamente interessado na começou o meu aprendizado pela madeira,
depois do trabalho se ocupava com seu
sua conversa, no seu projeto, uma pessoa pelo metal, por outros materiais e pela raiz.
“mega” e delirante projeto de fazer uma
preocupada intensamente com a arte e a
204 turbina fundida em alumínio e tal, era sua
educação e de uma bondade humana sem Eu não vejo ninguém com formação em
fixação, não lembro qual era a origem design como a que eu tive. Não faço juízo
paralelo, difícil de encontrar. Na sua trajetória
dessa fixação, e me apeno de não lembrar, de valor, simplesmente é diferente aprender
tinha participado ativamente dos grandes
mais sem dúvida esse propósito era desde criança, brincando, os elementos
momentos culturais, arquitetônicos, artísti-
fantástico, totalmente fílmico até (risos). fundamentais do trabalho com a matéria.
cos e educacionais da moderna história
Fosse hoje, virava documentário. Até que Meu pai me ensinou a compreensão e
brasileira. Dois homens substantivamente
numa dessas, nas operações de fundir respeito aos materiais, o primor que deve-
diferentes, Oscar Niemeyer e Dr. Alcides.
peças em alumínio, Manoel acabou invo- se ter na realização de qualquer tarefa
Creio até que por temperamento e formação
luntariamente, botando fogo no barracão e – um purismo até as vezes perturbador –,
tinham que discrepar.
aí foi consumido pelas chamas, a marce- me ensinou o que se pode atingir com cada
naria, o sonho do Manoel e junto... foi o Marcelo – Vamos começar pelo seu roteiro? instrumento e cada máquina e ir mais longe
meu ateliê. Como é que você pensou em fazer sua implementando elas, me ensinou a liber-
fala? Vai falar de tua vida escolar, passagem dade de pensar soluções, de relacionar o
Marcelo – Isso em que ano que foi?
pelo Rio? aparente impossível, de juntar lé com cré,
Alex Chacon – 1964, 1965, eu já tinha saído com ele apreendi a experimentação e que
Alex Chacon – Pronto para responder tudo pode ser possível, enfim, o caminho
da Universidade quando pegou fogo.
perguntas da forma como vocês determi- da criatividade.
Marcelo – Deixa eu te falar, essas cadeiras narem, não obstante imaginei um roteiro,
aqui são da tua época, não é? baseado em que a minha trajetória, até me Nunca renunciei à minha liberdade de fazer
ver designer, não é ortodoxa. Um profis- as coisas, porém me nutria de informações
Alex Chacon –São. sional que fez o percurso acadêmico dirá, do meu pai e ele me indicava os caminhos,
sou engenheiro, sou medico, sou designer quando eu estava num beco sem saída. E
Marcelo – Você sabe quem fez? e de imediato se estabelece a partir daí um ele tinha uma cartola cheia de coelhos,
entendimento basilar da sua formação, tinha um jeito de resolver qualquer coisa. E
Alex Chacon – Não, não. Eu não sei iden- Não sendo assim, é preciso explicitar o olha que eu estou falando isso com
tificar. Mas esse modelo, essa abordagem modo singular – no sentido “pertencente informação bastante mais consistente de
de cadeira é depois da Oca. Quem come- ou relativo a um só” para ocorrer o quem já tem um saber nessa área. Quando
çou a trabalhar com o design dessas entendimento. achava que não tinha jeito, ele oferecia uma
cadeiras foi o Elvin Mackay Dubugras, ele solução surpreendente, Qualquer coisa
chamou para si esse trabalho de projetar Marcelo – Acho que vai ficar mais coerente, que você colocasse, era para ele um jogo
cadeiras de uso na Universidade. Mais porque como é uma entrevista que a gente que iria desafiá-lo e ele adorava isso, e
adiante você poderá entender melhor. Já vai transcrever e publicar no livro, eu acho acabava mesmo resolvendo.
podemos começar? que se tiver um começo, com a biografia
mesmo, memorial, é muito mais interessante. Me ensinou a perceber a índole, o espírito
Marcelo – Podemos. Agora, só mais uma de cada material, até onde você pode
perguntinha antes de começar. É verdade Alex Chacon – Então foi assim que começou, utilizar cada um deles, qual é a fronteira
que tinha dois grupos ativos de arquitetos no fundo do quintal, onde Don Manoel, pai limítrofe de transformação desse material e
na UnB? Um que nós podemos chamar de de uma família classe media e numerosa, do seu uso, cada um tem sua condição,
grupo do Niemeyer e outro do Alcides? foi gota a gota formando uma oficina como mecânica, física, química própria e assim
a sua verdadeira paixão, com todas as
deve ser entendido e tratado. A madeira vistas com facilidade e algumas incursões representá-lo por todos seu lados e cortes,
para ele era uma coisa viva, apreendi que no desenho a mão livre. era tão obvio. Hoje vejo que isso era o
havia madeiras flexíveis, elásticas, lasca- resultado de todas minhas brincadeiras na
Pessoas foram muito importantes, tive dois
deiras, duras, moles, macias, agressivas, oficina no fundo do quintal. Éramos dois,
gurus. Um, o namorado da minha irmã, um
outras doces, madeiras de comportamento numa turma de 35, com esse pendor do
sujeito cuja mente não parava de pensar
diferente ao sol, ao calor, outras mais qual não tínhamos consciência.
mundos interessantíssimos que quando
resistentes à agua, à umidade, enfim, e até
minha irmã não dava atenção, ficava Aprendi nas oficinas a operar torno universal
o lado afetivo dos materiais. A afetividade
desenhando, desenhava, desenhava, de- com troca de velocidade do fuso por
do material, dito assim dá a impressão que
senhava o futuro, desenhava muito bem e combinação de engrenagens, um inferno,
você entrou num papo esotérico, mas não
tinha uma paciência enorme comigo, aprendi a operar fresa universal, retífica,
é não. Madeiras sedosas, mais carinhosas
sempre mostrando-me um mundo fasci- plaina limadora, e a usar instrumentos de
que parecem saber o que você quer fazer e
nante da ciência e da fantasia tecnológica. medição, enfim. Para mim, lógico, era tudo
elas lhe ajudam. Quando você trabalhava
Estou falando da década de 50, ele mais mais fácil. Agora, havia uma oficina que
com um formão bem amolado o raulí, que
é uma madeira próxima ao que poderíamos
adiante iria a ser pesquisador de energia particularmente me fascinava, pode ser 205
solar. Quem falava naquela época em deslocado do nosso tema falar, mas direi
dizer mogno, mas com menos fibra, muito
energia solar? Ninguém. O segundo guru assim mesmo assim pois acho interessante
equilibrada, de um róseo constante, com a
foi um vizinho, Chito, estudante de Arqui- pelo aspecto imaterial de algo tão material,
mesma resistência quase em todos os
tetura e que de vez em quando me levava refiro-me à oficina de forja. Desde tempos
sentidos, então você saberá o que é isso,
para a escola de Arquitetura onde eu ficava imemoriais o fogo, o metal e o seu domínio,
essa docilidade do raulí, é uma madeira
boquiaberto vendo os projetos, os cenários, foram objeto de grandes mitos, de tabus e
fantástica. Então eu me criei naquele
as maquetes. Caramba, é difícil transmitir de uma infinidade de deidades que, com
âmago, sentindo os aromas da madeira, e
para vocês o quanto me fazia feliz o que distintos nomes, estiveram presentes em
amando eles, um cheiro de madeira pode
eles me davam. todas as antigas culturas. Foi para mim
ser tanto quanto Channel n°5. Quando um
pouco mais crescido meu pai me mandava uma experiência forte e inesquecível tra-
E uma terceira e importante via de nutrição
comprar madeira, era como me convidar balhar o metal incandescente e com o uso
do conhecer, de formação, foi minha irmã,
para uma festa. Ia feliz, com uma sensação do fogo domar o indomável que é o aço,
minha doce irmã, hoje com Alzheimer, era a
de responsa e alegria profunda, “meu pai compreende? Você chegar a fazer o aço lhe
única pessoa da família com formação
me permitiu ir comprar sozinho a madeira”. obedecer em seus desígnios e se tornar
política de esquerda, e a segunda com
E assim se apreende a escolher o material dúctil perante teu objetivo, mas é mais do
formação intelectual, adorava e adoro essa
olhando ao longo do seu cumprimento e que isso, trabalhando na forja e batendo na
irmã, foi quem me introduziu no universo da
pelo canto sua linearidade, revira o lado bigorna pode-se compreender melhor a
dança, da pintura, da música, das ciências
para ver se não há presença de nós e de carga de mitos e tabus a respeito do
e das artes em geral, era ela que me levava
albúmen, retorcimento, variação dimen- ferreiro, o fogo, o domínio do aço, as forças
aos concertos. Na família numerosa o
sional, rachaduras, se está muito verde, da natureza. Eu franzino manipulando com
dinheiro é escasso. Nos ciclos de concertos
confere a uniformidade da cor, enfim. E se tenaz, martelos pesados, atiçador, malhan-
gratuitos de verão, lá eu estava com ela,
tiver que desmontar a pilha, para chegar à do na bigorna o metal no limite de fusão, é
temporada de balé para estudantes, lá os
ideal, azar, assim tem que ser. Resumindo, uma fonte de energia maior do que você
dois no galinheiro do Teatro Municipal de
foi nesse ambiente familiar, lúdico e das consome e por incrível que pareça, eu era
Santiago. É com profundo afeto e amor que
fantasias infantis que apreendi os prole- bom nisso. Controlar a ventoinha no fluxo
despertou o meu intelecto. Assim, eu tinha
gômenos do fazer com o melhor mestre justo de ar, e da velocidade correta do ar, a
três troncos de alimentação muito fortes,
que se poderia ter. quantidade certa de carvão coque em que
mesmo não sendo uma coisa articulada.
você tem que introduzir o ferro, o ângulo de
Outra vertente da minha formação foi a No terceiro ano cansei do Liceu Miguel Luís introdução, aprender a ler a temperatura no
Mecânica Popular (risos) uma revista de Amunátegui, onde as rotinas já me irritavam, metal pela mudança de cor que vai
“divulgação tecnológica” e do como fazer, decidi por uma continuidade mais objetiva tomando material na medida que se
era uma revista esperada com ansiedade, e fui para a Escola Industrial São Miguel, esquenta, sem chegar a queimar, porque
com soluções e facilitações no melhor uso Santiago. Já nessa nova escola, havia uma se isso acontece é faísca para tudo quanto
de ferramentas, era o meu gibi. matéria que os colegas morriam de medo e é lado. A sensação é que trabalhando na
eles estudavam e eu não conseguia, em sã forja, sempre Hefesto está por perto.
Outra atividade a que me dedicava era a
consciência, entender como se podia
fazer desenhos técnicos, reproduzia mo- Bom, com isso completo a minha formação
estudar, aquilo que nada tinha para ser
tores de aeromodelismo em corte e em de casa, considerando que a escola está
estudado. Imaginar um corpo no espaço e
relacionada à casa. Quer dizer, tem essas mira...”, Farewell. Então tinha essa forma- muitos amores, admirei a arquitetura grega,
quatro vertentes que me formaram. Mas eu ção literária que me ajudava muito. Não sei depois me apaixonei pela coerência
não entendia isso como um esquema como isso pode contribuir para um designer estrutural e filosófica e a elegância da
articulado repito. Não compreendia isso diretamente, mas sei que, no seu conjunto, arquitetura gótica. Pela primeira vez no
como uma estrutura coerente, que fizesse a literatura contribui expressivamente no mundo se fazia uma arquitetura com
sentido, não. Lendo estes dias um livro do exercício de qualquer profissão. mudanças tão expressivas. Porque antiga-
valter hugo mãe, intitulado, A Máquina de mente era “Pum pum pa tcha”, pedra sobre
Fazer Espanhóis sublinhei uma frase que Cheguei ao Brasil por Porto Alegre. Meu pedra, paredes portantes e tchau. Agora,
talvez dá sentido a isso tudo: “– Sobre o primeiro emprego, que tinha que achá-lo com a arquitetura gótica, a arquitetura se
que instintivamente se resolveu do meu no mesmo dia, foi fazer café expresso. posiciona num outro patamar de alta
destino porque, sobretudo, era o instinto Pouco depois conheci um guru da minha sofisticação.
que me dava inteligência, ou não, para idade, filho de poloneses e neto de um
sobreviver.” Então, ele, o instinto, me nutria sábio fugido dos pogroms. Família humilde, Era com esse meu amigo Thales guru que
de inteligência. Era um universo complexo. inteligente, culto e louco por música andávamos para cima e para baixo,
206 Distante do ensino sistémico. Longe de clássica, terminou o segundo grau e não discutindo arte, descobrindo a cultura, era
mim privilegiar este modelo em detrimento pode continuar os estudos, a situação comum ficarmos até duas, três horas da
do modelo académico, Na minha formação económica da família não permitia, foi ser manhã naquela praça perto da rua da Praia,
há lagunas e uma é justamente a falta de office boy em uma farmácia. Com ele discutindo. Naquele tempo ninguém iria
uma experiência de aprendizado sistêmico, conheci a existência de uma discoteca pensar em trombadinha, roubo, assalto,
me faltou muitas coisas que o ensino pública. era outro mundo. Logo fui apresentado a
sistêmico te fornece e eu não completei um pequeno grupo que tinha os mapas do
Alex Calheiros – No centro de Porto Alegre? labirinto. Concertos, vernissages, teatro,
isso durante a minha vida. A minha for-
mação fica sendo então uma espécie de festivais de cinema, recitais, ballet, nada
Alex Chacon – Sim, O café era o “Café da
fiorde, num mar de desconhecimentos. era impenetrável, estávamos em todas, de
Praia” no centro de Porto Alegre, na rua da
graça. Quando você é mais ferrado é
Praia. Aí eu descobri que tinha uma
Bom, saí do Chile. A vida escolar e a quando mais você se enriquece.
biblioteca pública que fechava tarde da
presença familiar acabam. Pensei, “vou sair
noite. Dividia o meu tempo livre entre Thales me convenceu que eu era um homem
em busca de alguma coisa que me inquieta”,
discoteca pública e à noite na biblioteca. O de talento e insistiu até me botar dentro da
só isso. Vou conhecer primeiro o Brasil
que que eu ia fazer na biblioteca? Comecei Belas Artes como aluno ouvinte. Lá vou eu,
porque eu tinha visto uma fotografia de
a estudar história da arquitetura. Quem que morto de medo, ser aluno ouvinte no que eu
Paquetá que me encantou. O ser humano é
me falou isso? Simplesmente inventei de achava ser o templo do talento nas artes,
muito maluco, às vezes são as bobagens
estudar história da arquitetura. Claro, eu me acotovelar com gênios, não era uma
que direcionam seus grandes passos. Saí
tinha meus dois gurus arquitetos do ideia muito tranquilizadora. Não tardou
para chegar primeiro ao Brasil, rumo a
passado. Então, lá vivia feliz entre as ordens muito em que era um dos primeiros alunos
Canadá e Romênia, Imagine só, objetivos
gregas, que é aquela chatura com que o da turma, claro, para mim isso era um
mais antípodas. “Em busca do que não faz
professor Thales Memória, famoso no assunto pessoal que levava a peito e em
sentido” poderia chamar-se esta disposição
Brasil inteiro, já falecido, lecionava na que me divertia, o que é importante. Meu
exploratória. Por que Canadá? Por causa
Federal do Rio de Janeiro, atazanando a professor Corona, me adotou liberando a
das revistas de Mecânica Popular em que
vida dos seus os alunos de arquitetura. minha entrada no seu Sancto Santorum,
havia muita informação sobre o pais do
Tinham que desenhar minuciosamente privilégio de poucos. Tudo aquilo era uma
norte do norte. E por que Romênia? Porque
aquelas três ordens gregas, jônico, corín- grande farra para mim. E estudei com muito
na minha formação literária que a minha
tio, dórico. Talvez eu tenha sido o único que, afinco História da Arte, um corolário dos
irmã me legou tinha 5 livros do autor romeno
mesmo sem ser aluno de arquitetura, meus objetos de interesses. Chegou um
Panait Istrati que li com avidez...Naquela
estudava isso a contento. Estilóbata, momento da comichão de partir, seguir
época eu lia Pearl S. Buck, Somerset
estereóbata, coluna, fuste, ranhuras, para o norte, buscando outro norte. Eu
Maugham, mas também Dostoievski, de
ábaco, equino, entablamento, arquitrave, tinha como objetivo continuar subindo para
quem possivelmente não entendi nada ou
métopas, triglifos, gotículas, friso, regula, o norte, foi assim que cheguei ao Rio de
quase nada: Os irmãos Karamazov, Crime e
ressoam na minha cabeça até hoje. E ia Janeiro ao encontro do meu cartão postal.
Castigo. E claro, poesia de Garcia Lorca e
passando por toda a história da arquitetura, No Rio entrei no Belas Artes também como
Pablo Neruda. Sim, e ler e sofrer com os
a egípcia, a grega, romana, bizantina, ouvinte. Foi quando conheci uma turma de
“Vinte poemas de amor e uma canção
românica, os distintos góticos, a renascen- artistas e arquitetos, já tinha uma entourage.
desesperada”: “desde el fondo de ti, y
tista até as arquiteturas modernas. Tive Por esse tempo meu autodidatismo artístico
arrodillado / un niño triste, como yo, nos
se acentuou bastante, mas precisava chegando para ver a tal cadeira. A cadeira Alex Calheiros – Nada mal. (risos)
arrumar emprego. Conheci um chileno, foi apresentava um problema que motivava a
Alex Chacon – É muito interessante porque
o único amigo patrício que eu tive, já que todos sugerir alterações, discutir melhorias,
são marcos, são códigos. São referências
buscava conhecer pessoas da terra, me depois de muitas sugestões sem se chegar
estranhas, sabe? Se acreditasse em
fundir no possível à sociedade brasileira, a conclusão nenhuma, o pessoal se dis-
energias e coisas que tais, seria mais um
repelia a ideia de saudosismos e curtição persa refluindo a suas pranchetas, só o
pirado no Planalto Central onde já afluíam
do que ficou na terra de origem. Fui Sérgio Bernardes, mais alguém e eu. E eu
muitos (risos). Seria um acólito do Dom
trabalhar com Mario de la Parra, um chileno estava doido para falar para ele o que eu
Bosco, usando túnicas coloridas.
que tinha uma fábrica de flâmulas e estava enxergando e o que enxergava era
imprimia, em silk, cartões de pintores a solução daquela cadeira. “Dr. Sérgio...”. Brasília, naquela época, era um deserto de
brasileiros conhecidos, Tarsila de Amaral, Quando eu falei quis fazer um buraco e me contato humano, o povo ia para trabalhar,
Djanira, Milton Da Costa, Aluísio Carvão, enterrar, apesar de toda a gentileza e trabalhar, trabalhar e divertir-se na casa das
Aldemir Martins, Clóvis Graciano e outros. amabilidade dele, ele era um gentleman. meninas. Mas na garimpagem da vida,
Fiquei um tempo trabalhando para ele, até “Posso falar sobre a cadeira?”, ele diz achei esparsamente gente muito interes-
um certo dia aparecer na sua casa o “Claro! Lógico, está aí para isso.” Vencendo sante. Tinha o pessoal do DUA – Depto. de 207
galerista Alfredo Bonino de chegada ao Rio a hesitação “Veja, essa distância aqui não Urbanismo e Arquitetura: Glauco Campelo,
para construir e instalar sua moderníssima acho adequada, porque isto, aquilo e Gladson da Rocha, Adeildo, Athos Bulcão,
galeria na rua Barata Ribeiro. Participando aquilo outro e, tal qual.” Ele me olha Wilson Reis Neto e outros, trabalhando
da conversa na condição de reles funcio- pensando “De onde saiu este rapaz?” e me diretamente com Oscar Niemeyer. Alguns
nário, porém considerado, eu devia ter um pergunta, “Você quer trabalhar comigo?” professores do ensino médio e alguns
brilho nos olhos muito bandeiroso pois No dia seguinte, começava como jornalistas entediados. Nessas prospec-
Bonino pergunta “você gosta de arte”? desenhista no escritório. Imagine o que que ções acabei conhecendo um rapaz que
“quer trabalhar na galeria?”, bem, a era para mim trabalhar no escritório do falava a minha língua e muito mais, Luiz
resposta não se fez esperar, no dia seguinte Sérgio Bernardes. Alex Nikolaeff é Áquila Rocha Miranda, foi uma descoberta.
me apresentava na ruina em demolição do testemunha desse episodio. Então na Luiz Áquila estudava no Elefante Branco,
que mais tarde seria a Galeria Bonino. minha vida tem mais do que uma cadeira, ensino médio, onde era um estranho no
Passei a morar no fundo da velha casa em essa cadeira definiu um rumo, uma ninho, totalmente desajustado aos padrões
demolição enquanto a obra o permitisse. mudança de vida que seria substantiva. E o de ensino, era querer encaixar uma forma
Quem tomava conta da obra era o arquiteto Sérgio, muito louco, me deu para fazer uma em estrela numa triangular equilátero, nada
Alex Nikolaeff, o projeto era assinado por cobertura zenital que abrangia seis por oito a ver. Sendo assim, tinha poucos amigos
Sérgio Bernardes. Vez em quando o Alex metros, sanduíche de vidro com lã de vidro ou talvez nenhum. Aliás, ele não cabia na
aparecia para conferir o andamento da no meio dividido em oito laminas que sua própria idade, sua cabeça estava
obra, era uma ocasião da gente conversar, abriam com redutores de velocidade e noutra. Por esse tempo iniciava suas
daí começaria nascer uma grande amizade. sensores, uma engenhoca que naquele incipientes incursões pelas artes plásticas.
Um certo dia o Bonino disse “Alex, eu vou tempo era uma “piração”. Então convivíamos muito andando por
para o escritório do Sérgio Bernardes para aquelas poeiras vermelhas e por aqueles
ver como é que está o projeto, você quer vir No escritório aparecia de vez em quando espaços incompletos do que viria ser uma
comigo? Tem interesse de ver o projeto?”, um construtor de Brasília com varias obras cidade. Aí pelas tantas me diz “o meu pai
era perguntar se rato quer queijo. Vou de lojas em andamento algumas das quais quer te conhecer”, foi assim que conheci
contar isso porque tem uma cadeira no Sérgio estava projetando. Minha aquele que viria ser um dos meus mestres,
meio. Naquela época o escritório do Sérgio curiosidade por Brasília era muita e me Dr. Alcides da Rocha Miranda. Eu era
Bernardes não estava na Barra, estava na levava a fazer perguntas sobre essa sequioso de tomar uma sopa em casa de
subida da Niemeyer, com uma vista estranheza que, como assombração se família, desse modo, esse convite à sopa
despudorada para o mar, Leblon e Ipanema levantava no meio do nada. Numa dessas veio a calhar e se tornou frequente. Ocioso
e as ondas batendo na encosta. Eu achava ele pergunta se quero conhecer Brasília, é relatar o quanto interessante e instigante
que isso não existia, um escritório tão era dia 18 de abril, no dia 19 me aboletava eram esses encontros com a família. Um
amplo, estava dentro de um filme. E aí a na boleia do caminhão que levava material ambiente simples, tudo era muito simples
gente chega lá, eu recolhido, muito tímido para a nova Capital. Chegava no dia da com Dr. Alcides e ao mesmo tempo de
– eu juro que era tímido... um caso sério. inauguração de manhã como mais um muito bom gosto e refinado.
Quando nós chegamos, chega também o sonho do que uma realidade.
Alex Calheiros– Onde ele morava?
marceneiro do Sérgio trazendo uma cadeira
Marcelo – Isso é de 60?
que Sérgio tinha projetado, a coloca num Alex Chacon – Morava na SQS 107 Sul.
espaço mais amplo e toda a turma vem se Alex Chacon – 59 ou 60. Sempre conheci ele morando lá.
Nós chegaremos depois para falar dessa transformá-lo internamente em um ambiente
cadeira. propício para um ateliê. O barraco não poderia
ser mais barraco, tábua bruta espinhada,
Marcelo – Você enviou uma carta para o estrutura de caibros e telhado de Eternit.
Darcy Ribeiro te contratar?
Marcelo – Isso daqui era do lado da oficina
Alex Chacon – Então, a Universidade come- do Manoel?
çando a se estruturar. Dr. Alcides me disse
um dia, “Alex, você não quer fazer uma Alex Chacon – Não, foi um anterior, existiram
carta para o reitor, Darcy Ribeiro, para você três ao todo, porque era muito intensa a
fazer parte do trabalho da Universidade?” dinâmica de ocupação do Campus, do
Marcelo – Muita gente frequentava a casa Foi um impacto, não a Universidade, mas ritmo de construção, de abertura do
dele ou não? fazer uma carta para um reitor! Algo como sistema viário, de construções que se
escrever uma carta ao rei Don Manoel no levantavam concomitantemente, então logo
208 Alex Chacon – Não, ele prezava muito a sua século XVI. Como é que se falaria com um que um barraco se montava aqui, outro ia
intimidade. Não ia gente lá não. Ele era ao reitor? Senti-me ao relento, mas bateu a ser desmontado acolá. A estratégia era
mesmo tempo que gentil, muito reservado, EUREKA e compreendi que deveria falar mantê-lo exteriormente com sua feição
toda a família muito discreta. Dr. Alcides com meu repertório, nem falar demais, não original, e interiormente, contando com o
era de uma família exibicionismo zero. Ele estava vendendo seguros. Eu não me auxílio do pessoal de obras, dar uma boa
era a parte pobre da família, mas adorava sentia nada, mas espere, não estava guaribada. Foi então que comecei a per-
os irmãos que eram donos da Cruzeiro do pleiteando um ministério. O que resultou foi ceber que a Universidade, no seu conceito
Sul, não tinha o menor problema sobre uma carta muito louca, porém era um bom fundamental, veria com bons olhos que
essas diferenças, enfim. espelho da minha personalidade e singu- frutificasse iniciativas criativas e fertiliza-
laridades. Dr. Alcides levou a carta, ele leu doras, que a burocracia abrisse espaço e
Alex Calheiros – A gente estava vendo de e deu sinal verde para Dr. Alcides me não tolice. E assim. eu tive três barracos,
onde é essa cadeira, para que você fez. contratar. Foi assim que fui ser desenhista, dois foram derrubados para dar lugar aos
área em que tinha experiência, e trabalhar arruamentos. O terceiro barraco é que era
Alex Chacon – Essa eu fiz na Universidade
nos primeiros prédios do Campus, projetos na continuidade do barraco da marcenaria
como pesquisa.
do Dr. Alcides. Como desenhista, tinha do Manoel.
Marcelo – E aí recebeu uma carta elogiosa muito contato o Departamento de Obras o
que me valeu muito para o que viria a fazer. Alex Calheiros – Você não têm fotos dessa
do Lucio Costa falando dessa cadeira.
época?
Alex Chacon – Eu tenho a original do Lucio Marcelo – Departamento de obras daqui
da UnB? Alex Chacon – Naquela época, bater fotos
Costa. Segundo Maria Elisa Costa ele
era complicado, comprar o filme, bater,
adorava essa cadeira, até quando o couro
Alex Chacon – Sim. Que foi dirigido pelo levar para revelar, ir buscar e a cabeça
já não aguentava mais, sentava nela. Para
engenheiro Ernesto Walter. Inclusive re- documental era “rupestre”. Quem têm fotos
ele eu era o “Alex da cadeira”.
centemente houve uma homenagem a ele dessa época é Luis Humberto que se
Alex Calheiros – Ela chegou a ser usada na no MAB promovido pelos arquitetos, pelo dedicou à fotografia com sucesso.
Universidade? CAU, quem organizou foi o Haroldo há uns
dois meses atrás mais ou menos. Ernesto Alex Calheiros – Ele não têm mais. Muita
Alex Chacon – Não. Eu que fiz o protótipo. Walter foi um excelente engenheiro e admi- coisa estava na Universidade, quando teve
Foi produzida aqui por um amigo meu. nistrador, Diretor do Departamento de invasão, ele saiu e as coisas foram levadas.
Obras da UnB, de muita competência para
Marcelo – Foi na oficina do Manoel? Alex Chacon – É uma pena porque tinha
poder dirigir a loucura de obras que era o
uma documentação preciosa, pois ele é
Campus naquele momento. Por via do meu
Alex Chacon – Não. Isso foi eu mesmo. que bateu e tinha fotos do ateliê também,
trabalho, conhecia todo mundo do Depar-
eu só tenho duas fotos de duas pessoas no
Marcelo – Inclusive a madeira, tudo? tamento de Obras e tinha uma relação
interior do barraco. Então o barraco é o
muito especial com Ernesto Walter. Logo
seguinte. Muito guiado pela intuição do que
Alex Chacon – Tudo. Foi na oficina da ma- passei a desempenhar-me também como
estava sendo a Universidade e o “grande
quete que eu fiz ela. Inclusive o corte e a professor auxiliar de Plástica. Foi quando
pensamento” que a estava concretizando,
costura do couro também. Apreendi a tomei a decisão de invadir um barraco
percebi que havia espaços a serem
costurar bem com duas agulhas olhando daqueles que iam sendo largados com as
preenchidos e que havia condições para
um velho seleiro no Jokey Clube do Rio. constantes transformações do Campus e
fazê-lo se você se dispusesse a enfrentar o que eu estava fazendo e ele estimulava e educador, Mariza Peirano, antropóloga
um certo nível de risco. Deixa contar uma isso, mas a distância. Creio que estaria de na UnB, Jorge Bodanzki, documentarista e
historinha, aconteceu numa sala de espera conformidade com seu ideário mais liber- diretor de cinema, enfim.
em Londres. Entrou um senhor e o primeiro tário, senão basta reportar-se ao seu
desejo é desdobrar seu Financial Times e passado, à sua trajetória, senão também
acender o seu cachimbo, porém logo avista Darcy não teria chamado ele para lançar os
uma placa com um aviso: “Proibido fumar fundamentos e implementar o ICA. Em
neste recinto”, olha em volta e vê que todos suma, consegui fazer algo que não estava
fumam, surpreendido, se dirige ao guarda nos padrões, ninguém tinha mandado, e eu
e pergunta “Sir, posso acender o meu fiz. Não digo que a UnB instaurasse esse
cachimbo?” o guarda gentilmente indica procedimento de forma regular, mas creio
para o aviso, então volta a perguntar, “mas que ele estava na essência do sonho da
todos estão fumando?” “é que ninguém Universidade de Brasília.
perguntou se poderia fumar”. Foi assim
que surgiu o primeiro ateliê livre da Sentia necessidade de ter um objeto de 209
Universidade de Brasília, com o intuito de trabalho mais real e participativo, foi quando
me ocorreu criar um setor de exposições Alex Calheiros – De Bem? É parente da
ter um espaço diferenciado de experi-
onde pudéssemos refletir, projetar e mulher do Glênio Bianchetti?
mentação, desenvolvimento de trabalho,
desenvolvimento de projetos livres, de produzir as exposições que chegavam à
Alex Chacon – Não, não é parente não. O
trocas de ideias, de convívio, de ruminar o Universidade, envolvendo assim estudan-
Zé Paulo é de Florianópolis.
que se trazia de toda a Universidade e com tes num trabalho real de “arquitetura
o suficiente ambiente para isso, fogareiro provisória” e ter oportunidade de executar
Alex Calheiros – Não sabia que Bodanzky
para chá, toca-discos, livros, revistas, metendo a mão na massa.
tinha passado por Brasília.
sóbrios porém agradáveis assentos cober-
Alex Calheiros – O Luis Humberto me falou
tos com colchas de tear mineiras, cartazes Alex Chacon – Sim claro, se formou aqui. O
que era muito bom e fazia muito bem essa
poloneses nas paredes, enfim um lugar pessoal que passou pelo ateliê aconteceu
parte das exposições e que ele lembra de
aconchegante. Tinha pranchetas, instru- no Brasil. Enfim, então o ateliê é um refúgio
uma das exposições.
mentos de desenho, ferramentas, bancada ao mesmo tempo. Por fora é um barraco,
de trabalho, era bem aparelhado. O terceiro por dentro era um universo em obras, eu
Alex Chacon – Fazer exposições é algo que
barraco foi o vizinho do barraco do Manoel diria. Mas há um dado muito interessante.
me atrai muito e que acabou, muito tempo
marceneiro, foi o mais completo, com a Nós não sabíamos o que era Design.
depois, me levando a propor, coordenar,
mesma tônica de simplicidade, mas de Entenda-me, a gente sabia porque tinha
projetar e montar a exposição Por Ti
sofisticação, com um jardim interno para lido Pevsner, tinha lido Panofsky, toda essa
América de Arte Pré-Colombiana, nos
poder equilibrar o calor e a secura do ar de turma que falava sobre estética, sobre a
CCBB – Centro Cultural Banco do Brasil do
Brasília e gozar da visão de samambaias, Gestalt, sobre isso e aquilo. Algo esquisito
Rio, São Paulo e Brasília, No CCBB do Rio
philodendros, aráceas, begônias, que, por e subjetivo. Design, era algo que você
foi recorde de público: 850.000 visitantes,
estar permanentemente regados com falava como uma externalidade. Eu não era
isso foi em 2003/2004.
atomizadores de água, cresciam viçosos e designer, nós não fazíamos design, nós
repousavam a vista. Lá se discutia arqui- No ateliê o interesse cultural era múltiplo e fazíamos “coisas”. Nós fazíamos design
tetura, artes, cinema, política, literatura, atualizado, se discutia cinema italiano, sem saber que era design. Fazíamos de
música, filosofia, tecnologia, sonhos e tudo Luchino Visconti, Pier Paolo Pasolini, tudo lá dentro, tanto assim que chegávamos
aquilo que nós considerávamos que Federico Fellini, conhecíamos o new look a mudar as capas dos discos de LP porque
integrava o conhecimento, como era a da arte gráfica polonesa, Lenica, Henryk a gente as achava feias, a gente criava
Universidade. E isso acontecia lá. Muitas Tomaszewski, a literatura de Julio Cortázar, outra capa. Se inventaram coisas lá que
instrutores e professores passaram pelo Os prêmios, o Jogo da Amarelinha, o design não ficaram documentadas. Em certo
ateliê, entretanto o ateliê não era de porteira finlandês, Tapio Wircala, Arne Jacobsen e o momento surgiu a ideia de pesquisa e
aberta, porque a discrição era importante que se escutava era do Cravo Bem projetos de mobiliário, foi quando fiz o
para a sua existência. E qual era o papel do Temperado de Bach a “Bird” Charlie Parker. primeiro móvel, era um banco...Olha aqui,
Dr. Alcides nisso? Fundamental. Dr. Alcides Luis Humberto e eu levando no meio do
administrou meu equilíbrio instável na Entre as pessoas que frequentavam o cerrado esse banco.
Universidade. Sim, de longe, sem permitir ateliê, estava José Paulo de Bem, professor
que fosse drasticamente incomodado por da Mackenzie, Luiz Carlos Riper que foi Vou lhe explicar qual era a abordagem
uma norma qualquer, ele sabia muito bem cenógrafo, diretor de arte, diretor de teatro desse banco. O conceito de banco é
trabalhar com madeira barata, macia, não projeto inovador em dois aspectos, o preço de banana. Intermediado pelas
usar madeira de lei. Esteticamente tem um primeiro é o que para a época poderia ser serrarias e os madeireiros não poucas
reflexo da época, construtivista, é todo duro chamado de “sustentável”, com deliberada vezes associados ao crime, o Capital vai
visualmente mas ao mesmo tempo é preocupação de redução do uso da madeira drenando as matas brasileiras para Europa
adoçado pelas catenárias da lona do e isso tem relação com o segundo aspecto, e outras regiões.
assento. As travessas aprisionam os pés que é seu sistema construtivo, usando tubo
com parafusos de carroceria passantes industrial nas longarinas e dispensando Houve arquitetos de um talento
cabeça francesa, porém, por si só não seria adesivos, parafusos ou qualquer outro extraordinário, que se tornaram famosos
suficiente para enrijecer o conjunto, foi componente para completar a montagem. por projetos de casas e móveis empre-
quando inseri lixa recortada e dobrada As pontas das longarinas de tubo de aço gando uma quantidade incrível de madeira,
entre as superfícies que os parafusos industrial se introduzem nos orifícios nos pés aqueles móveis espantosamente exces-
aprisionam. de madeira, a pressão – orifícios que tem 0,2 sivos. Se dizia, e devia ser, que tudo era
mm a menos que o tubo – usando para isso madeira caída, mas a questão é o papel
Marcelo – Isso é lona? a capacidade de elastecer da madeira, indutor que esse trabalho exercia, pela
210 favorecido por um corte de serra somente na própria fama do profissional, um papel de
Alex Chacon – Lona, lona de caminhão. deseducação.
parte de cada perfuração. As extremidades
dos tubos deveriam ser tampadas com
Alex Calheiros – Quando ele voltou na dé-
botão de plástico. A Poltroninha é com-
cada de 80 e fez aquele laboratório, aquele
pletada por assento e encosto numa peça
era um lugar para vender móvel para as
única de soleta com costura a duas agulhas.
mulheres ricas de Brasília. Uma coisa
A segurança dos encaixes está garantida
estranha dentro da Universidade inclusive
pela própria condição da madeira de con-
porque era um entra e sai dos ricos que
trair-se com o tempo. Absolutamente
vinham fazer os móveis aqui com ele.
impossível os encaixes folgarem ou soltarem.
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1 e 2 – Poltrona do auditório Dois Candangos rais da UnB, a poltrona UnB aparece invariavel- 13 – Estante
Sergio Rodrigues. 1962 mente revestida em tecido. Elvin Mackay Dubugras, Circa 1963-5
65 x 60 x 65h 105 X 40 X 210h (cada módulo)
Estrutura da poltrona em aço curvado, com as- 6.1 – Sofá Darcy Estante modulada de madeira de lei maciça (pe-
sento, encosto e os braços revestidos em couro. Sergio Rodrigues, 1963 robinha do campo) com encaixes para pratelei-
A estrutura em aço estava ancorada em base de 180 x 75 x 60h ras em vários níveis de altura; nichos com portas
concreto no piso e foi feita com ajuda dos enge- Estrutura em madeira de lei maciça, com almo- corrediças de vidro e nicho de porta de madeira
nheiros do edifício; entre os braços das poltronas fadas soltas sobre caixa de molas horizontais branca com puxador de couro sola natural.
encontrava-se mesinha retrátil para anotações. estofadas e revestidas em couro ou tecido. No
A poltrona Dois Candangos possuía sistema de contexto da UnB, os registros indicam que o sofá 14 – Fotografia do interior da Antiga Biblioteca da
232 balanço (batizado por Sergio Rodrigues de ba- Darcy era revestido em tecido. Universidade de Brasília, localizada em prédio
lancim) com movimento de projeção, para frente dos Serviços Gerais (SG), onde se pode verifi-
para trás, o que permitia melhor deslocamento 7 – Croqui de desenho de interior e mobiliário de car conjunto de estantes e poltrona Lia de Sergio
entre as fileiras do auditório. Sergio Rodrigues para quarto de alojamento es- Rodrigues com assento e encosto revestido de
tudantil da Universidade de Brasília, constando tecido.
3 – Cadeira Cantu Alta de cadeira, de mesa, de estante e de beliche, pu-
Sergio Rodrigues, 1959 blicado em catálogo da Oca, Brasília, 196-. 15, 16 e 17 – Poltrona Lia, 1962
50 x 50 x 100h 60 x 60 x 70h
Estrutura em madeira de lei maciça com torne- 8 – Fotografia de interior do alojamento estudantil Feita para a Universidade de Brasília, a poltrona
amento, assento e encosto em couro natural. da UnB com desenho de interior de Sergio Rodri- Lia tem estrutura em jacarandá maciço, encosto
Móvel de Sergio Rodrigues adquirido na filial da gues e, em primeiro plano, variação de cadeira e assento estofados em espuma de poliuretano
Oca, em Brasília. UnB em tecido. e pode ser revestida em couro ou tecido. No re-
gistro fotográfico da Antiga Biblioteca da UnB,
4 – Mesa Redig 9 – Cama Georgia encontra-se uma poltrona Lia com assento e en-
Sergio Rodrigues, 1963 Sergio Rodrigues, 1962 costo revestido de tecido.
180 x 90 x 75h ou 200 x 100 x 75h Cama de casal: 190 x 140 x 60h
Mesa desmontável, com estrutura em formato T Cama de solteiro, as dimensões são desconhe-
18 – Cadeira de descanso
duplo em madeira maciça (jacarandá), com tam- cidas.
Elvin M. Dubugras, Circa 1963-5
po de compensado e acabamento em folha de ja- Pensada para os alojamentos de professores e
70 X 70 x 75h
carandá, acabamentos de parafusos em latão po- de alunos da UnB, a cama tem estrutura em ma-
Estrutura em madeira maciça (pau-ferro e perobi-
lido. Esta mesa está registrada em várias imagens deira de lei maciça, com todos os encaixes em
nha do cerrado), seção quadrada com encaixes
documentais dos primeiros anos da UnB, muito ângulos retos. Poderia ser de solteiro ou de ca-
em ângulos retos, encosto e assento em couro
presente nas reuniões da Antiga Reitoria da UnB, sal, com cabeceira e guarda nos pés da cama
sola natural.
onde se encontravam Darcy Ribeiro, Anísio Teixei- em tecido, muito provavelmente de lona. A cama
ra, Heron Alencar, entre outros. A família de mó- de casal Georgia é homenagem a Georgia Mo-
veis denominada Redig (nome em homenagem a purgo, esposa de Ernesto Hauner. 19 e 20 – Estante com módulo empilhável
Olavo Redig) nasceu das experiências de seriação Autoria desconhecida
produzidas no período de fundação da UnB. 10 – Cadeira UnB Sem datação precisa.
Sergio Rodrigues, 1962 98 X 30 X 62h (cada módulo)
5 – Mesa Auditório Dois Candangos 45 x 45 x 75h
Sergio Rodrigues, 196-. Estrutura em madeira de lei maciça, com assento 21 e 22 – Mesa e cadeira infantil.
400 x 119 x 77h em tecido e encosto em lâmina de madeira; mo- Autoria desconhecida.
Mesa cerimonial do auditório Dois Candangos delo com braços fixos. Sem datação precisa.
com estrutura em madeira de lei maciça (jaca- Dimensões desconhecidas.
randá), tampo de acabamento em folha de ja- 11 – Banco de três lugares
carandá e painel frontal com elemento estofado Alex Peirano Chacon, 1963 23, 24 e 25 – Poltrona com encosto em rótula
em couro na cor preta; mesa possui ainda trava Dimensões desconhecidas Elvin M. Dubugras, Circa 1963-5
transversal e longitudinal de sustentação. Por fal- Banco de três lugares em estrutura de madeira 70 X 75 X 75h
ta de fontes documentais, não se sabe se o de- maciça com assento e encosto independentes Estrutura em madeira maciça (pau-ferro), seção
talhe ornamental (estofado) da mesa foi ou não em lona. quadrada, braços fixos e encosto em movimento
acrescido posteriormente durante a reforma do de rótula; tanto o assento como o encosto são
Auditório na década de 1970. 12 – Cadeira UnB em couro sola natural.
Sergio Rodrigues, 1962
6 – Poltrona UnB 45 x 45 x 70h 26, 27 e 28 – Mesa de reuniões
Sergio Rodrigues, 1962 Estrutura em madeira de lei maciça (jacarandá), Glauco Campelo, Circa 1963-5
70 x 75 x 70h com diversos tipos de acabamento sendo o mais 300 x 112 x 75h
Estrutura em madeira de lei maciça, com encai- comum o assento e o encosto em tecido; porém Mesa com estrutura em madeira maciça (jaca-
xes em ângulos retos, almofadas estofadas, em também foi encontrado com assento e encosto randá do cerrado), travas laterais e longitudinais
couro ou tecido, e soltas sobre caixa de molas em couro; com assento em couro e encosto em com tirante de ferro em forma de “V”; tampo com
horizontais. Nas imagens documentais dos recin- madeira ou lâmina de madeira; todos os modelos lâmina de jacarandá.
tos internos da Antiga Reitoria, nos anos inaugu- com ou sem braços.
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da página 233 até página 247
29 – Cadeira de assento e encosto de couro 38 – Variação número 01 da cadeira de palco de Dimensões desconhecidas
Autoria desconhecida João Filgueiras Lima Estrutura em madeira maciça, pés torneados
Sem datação precisa Autoria desconhecida com encaixes em ângulos retos e assento em
45 x 50 x 90h Sem datação precisa couro sola natural.
Cadeira com assento e encosto em couro sola Dimensões desconhecidas
natural inteiriço, com dobras nas travessas supe- 52 – Poltroninha
riores e inferiores da estrutura em madeira maciça 39 e 40 – Variação número 02 da cadeira de pal- Alex Peirano Chacon, 1963
(ipê, cabreúva). Aparentada à cadeira Cantu baixa, co de João Filgueiras Lima Poltrona com estrutura em madeira maciça, as-
a cadeira de assento e encosto de couro natural Autoria desconhecida sento e encosto inteiriços em couro natural.
não tem pés torneados como aquela, mas em se- Sem datação precisa
248 ção quadrada, com encaixes em ângulos retos. Dimensões desconhecidas 53 – Mesa Itamaraty
Sergio Rodrigues, 1960
30 – Cadeira com assento em couro e encosto 41 – Mesa-mostruário de biblioteca 200 x 100 x 75h
de madeira Autoria desconhecida, Circa 1962-5 Estrutura em madeira de lei maciça com tampo
Autoria desconhecida 151 x 60 x 93h de compensado folheado e acabamentos de
Sem datação precisa Feito em madeira maciça, com caixa hermética parafusos em latão cromado. Trata-se de mesa
42 x 42 x 89,5h e tampo de vidro na parte superior. A estrutura criada especialmente para o Ministério das Rela-
Cadeira com estrutura em madeira maciça, trava de madeira dos pés laterais é fixada por trava ções Exteriores, sendo adquirida por outros mi-
dupla (travessa de madeira) no encosto e assen- longitudinal e grande tirante, em barra de ferro, nistérios públicos em Brasília, com variações no
to em couro sola natural; pés em seção quadra- no formato de “V”. Esse tirante foi expediente Pallazzo Pamphili, em Roma, e pela Universidade
da, com encaixes em ângulos retos. aplicado primeiramente por Glauco Campelo em de Brasília.
sua mesa e logo depois migrou para o projeto do
31 e 33 – Banco de couro trançado mostruário de biblioteca. 54 – Aparador
Zanine Caldas, Circa 1963-5 Sergio Rodrigues, 196-.
30 x 30 x 65h 42 – Mesa-mostruário de biblioteca 225 X 50 X 75h
Estrutura em madeira maciça (peroba do campo) Atribuído a Elvin Mackay Dubugras Aparador com portas corrediças em madeira;
com assento em couro sola natural trançado e Sem datação precisa móvel adquirido provavelmente na loja da Oca
encaixes em ângulos retos. Esse banco foi con- Dimensões desconhecidas em Brasília.
cebido e utilizado por Zanine Caldas, para suas
aulas de marcenaria em disciplina ofertada aos 43 – Carrinho de biblioteca 55 – Mesa auxiliar com gaveta
alunos do Instituto Central de Arte da Universida- Atribuído a Elvin Mackay Dubugras Sergio Rodrigues, 1965
de de Brasília (ICA-UnB). Sem datação precisa 40 x 30 x 60h
Dimensões desconhecidas Caixa em compensado folheado, com gaveta;
32 e 33 – Cadeira de couro trançado móvel adquirido provavelmente na loja da Oca
Autoria desconhecida 44 – Mostruário de biblioteca em Brasília.
Sem datação precisa. Atribuído a Elvin Mackay Dubugras
43 x 43 x 82h Sem datação precisa 56 – Mesa auxiliar Latini
Cadeira com assento em couro trançado e en- Dimensões desconhecidas Sergio Rodrigues, 1965
costo feito com travessa de madeira; estrutura 100d x 45h
em madeira maciça (ipê) com pés em seção qua- 45, 46, 47 e 48 – Conjunto de cadeira e mesa Base da mesa em formato de cruz com botões
drada e encaixes em ângulos retos. para escritório cromados e tampo de cristal; móvel adquirido
Atribuído a Elvin Mackay Dubugras provavelmente na loja da Oca em Brasília.
34 – Banco trançado e prancheta utilizados na Sem datação precisa
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Univer- Dimensões desconhecidas 57 – Mesa de reuniões
sidade de Brasília. Cadeira para escritório com estrutura em madeira Autoria desconhecida, Circa 1962-3
maciça, trava (travessa de madeira) no encosto 302 x 111 x 80h
35, 36 e 37 – Cadeira de Palco e assento em couro sola natural; pés em seção Mesa em madeira maciça com trava longitudinal
João Filgueiras Lima, 1962-3 quadrada, com encaixes em ângulos retos. Mesa e extremidades arredondadas.
Dimensões desconhecidas para escritório com estrutura em madeira maci-
Cadeira de Palco produzida para o Auditório de ça, pés em seção quadrada e encaixes em ângu- 58 – Mesa auxiliar
Música da Universidade de Brasília. Assento e los retos; painel frontal de madeira. Autoria desconhecida
encosto de courvin que trespassa as duas tra- Sem datação precisa
vessas de madeira constituindo a base do as- 49 – Banco baixo 52 X 64 X 38h
sento da cadeira. A terceira travessa, ligeiramen- Luiz Marçal, Circa 1963-5 Mesa auxiliar ripada em madeira maciça com pés
te curvilínea, encontra-se no espaldar da cadeira 50 x 50 x 44h afinados e seção quadrada.
e também é trespassada pelo courvin. Todas as Estrutura em madeira maciça com encaixes em
três peças de madeiras da cadeira são articula- ângulos retos e assento em couro sola natural. 59 – Poltrona de palhinha
das por estrutura de barras de ferro tanto tubular Elvin M. Dubugras, 1963
como batido, o que permite o balanço livre do as- 50 e 51 – Banco variante 58 x 56 x 78h
sento e do encosto inteiriços. A base da cadeira, Autoria desconhecida Poltrona com estrutura em madeira maciça (ipê)
em haste tubular, tem quatro pés. Sem datação precisa e assento em palhinha.
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