Você está na página 1de 18

Análise da narrativa 1

William Labov trad. Waldemar Ferreira Netto

LABOV, William . Some further steps in narrative analysis


To appear in special issue of The Journal of Narrative and
Life History Volume 7, 1997 Numbers 1-4
«http://www. ling. upenn. edu/~wlabov/sfs. htm».

Alguns passos iniciais na análise da narrativa


William Labov.
University of Pennsylvania

Os primeiros passos na análise da narrativa dados por Joshua Waletzky e por mim
mesmo foram um subproduto dos métodos de trabalhos de campo sociolingüístico que
haviam sido desenvolvidos nas pesquisas do Lower East Side (LABOV, 1966) e no
trabalho que nos engajou nesse tempo: o estudo do African American Vernacular English
in South Harles (LABOV; COHEN; ROBINS; LEWIS, 1968). Nós definimos a língua
vernácula como a forma de língua adquirida primeiro, perfeitamente aprendida, e usada
somente entre falantes da mesma língua vernácula. O esforço para observar como os
falantes falavam quando eles não estavam sendo observados criou o Paradoxo do
Observador. Entre as soluções parciais para esse paradoxo nas entrevista face-a-face, o
estímulo à produção de narrativas de experiências pessoais mostraram-se as mais eficazes.
Nós fomos, então, levados a compreender tanto quanto poderíamos sobre a estrutura dessas
narrativas e como elas eram introduzidas nas conversas do dia-a-dia que nossas entrevistas
simulavam. Labov e Walezky (1967) apresentaram uma estrutura que se mostrou útil para
a narrativa em geral, como este trabalho demonstra.
Desde aquele tempo, eu publiquei somente uns poucos estudos de narrativa (LABOV,
1972; LABOV; FANSHEL, 1977; LABOV, 1981). Isso não quer dizer que eu tenha
perdido o interesse nesse objeto, pois eu escrevi e divulguei muitos ensaios inéditos nessa
área.1 Mas eu não tinha levei esses ensaios até a publicação porque a análise da narrativa
estava competindo com estudos quantitativos da variação e da mudança lingüística, em que
teorias cumulativas podiam ser construídas a partir de resultados decisivos para discussões
consecutivas mais gerais. A discussão da narrativa e de outros eventos da fala no nível do
discurso muito raramente permitem-nos provar alguma coisa. É um estudo essencialmente
hermenêutico, em que a associação contínua com o discurso, tal como ele foi mostrado,
alcança a perspectiva do falante e de seu ouvinte, dando curso à transferência da
informação e da experiência de uma maneira que aprofunda nossa própria compreensão do
que são aproximadamente a linguagem e a vida social. O dado mais importante que eu
recolhi sobre a narrativa não foi escolhido da observação da produção de fala nem de
experimentos controlados, mas da reação dos ouvintes das narrativas quando eu lhas
repassava. De uma maneira regular e predizível, algumas narrativas produziam nos
ouvintes uma grande atenção que criava um silêncio e uma imobilidade ininterruptas, um
efeito que continua muito tempo depois da seu término. É o esforço para compreender o
poder irresistível de tais narrativas que me trouxe ao ensaio atual, um resumo de um
tratamento mais estendido das narrativas de experiências pessoais de follow.2
Labov e Waletzky demonstraram que o esforço para compreender uma narrativa é
responsável por uma estrutura formal, particularmente na definição de narrativa como a
escolha de uma técnica lingüística específica para reportar eventos passados. A estrutura de
L&W desenvolvida para narrativas orais de experiência pessoal mostrou-se útil na
Análise da narrativa 2
William Labov trad. Waldemar Ferreira Netto

abordagem de uma grande variedade de situações e de tipos de narrativas, incluindo


memórias orais, contos tradicionais, novas avant-garde, entrevistas terapêuticas e, mais
importante ainda, narrativas banais da vida diária. Isso nos permitiu compreender pseudo-
narrativas como recipientes, plantas de apartamentos e outros tipos de experiências
remodeladas em uma forma narrativa. Foi aparecendo lentamente que as narrativas são
formas privilegiadas do discurso que tem um papel central em quase todas as conversas.
Nossos esforços para definir outros eventos de fala com comparável precisão mostraram-
nos que a narrativa é o protótipo, talvez o único exemplo de um evento de fala bem
formado, com um começo, um meio e um fim.
A narrativa e o largo campo de contação de histórias têm se tornado um foco de atenção
em muitas disciplinas acadêmicas e literárias. Aqui a trajetória tradicional de um contador
de histórias corre transversalmente ao foco principal deste artigo. A imagem clássica do
contador de história é a de alguém que pode criar do nada, que pode dirigir nossa atenção
com uma elaboração fascinante dos detalhes que entretêm, divertindo-nos e nos
recompensando emocionalmente. A partir das primeiras linhas de uma narrativa, nós
sabemos que estamos diante de um usuário de linguagem muito bem dotado. Credibilidade
muito raramente é um objetivo. Contos, mitos e mentiras prontas nos são apresentados
regularmente, e não sabemos nem estamos preocupados em saber se os eventos narrados
teriam ocorrido de fato com o contador da história ou com qualquer outro. As narrativas
que são o foco central deste trabalho são muito diferentes. Os contadores não eram
conhecidos como contadores de história bem dotados; as pessoas não se reuniram em torno
deles para ouvi-los falar. Eles eram pessoas comuns, no mais profundo sentido do termo.
Eles não elaboraram ou sofisticaram a experiência de outros. Suas narrativas eram uma
tentativa de comunicar com simplicidade e seriedade as experiências mais importantes de
suas vidas. Algumas vezes, as histórias foram contadas muitas vezes, mas, muito
freqüentemente, não tinham sido contadas, ou, ainda, talvez estivessem sendo contadas
pela primeiríssima vez. Eles tratavam dos maiores acontecimentos da vida e da morte,
incluindo repentinas explosões de violência; a proximidade com a morte ou o seu
testemunho; premonições do futuro, comunicações diretas com a morte; coragem diante da
adversidade e o esforço contra perigos terríveis. Eu não acredito que esse foco em objetos
sérios e significativos limitarão o escopo da análise. Melhor ainda, o uso da narrativa para
tratar de fatos da vida e da morte realçarão as habilidades apresentadas de uma maneira
mais casual, interessante ou mesmo trivial. Nos tratamentos menos sérios e mais
freqüentes das narrativas, técnicas são usadas com mais perfeição; em domínios mais
sérios, elas são colocadas em teste.
As narrativas que formam o foco deste trabalho foram normalmente feitas durante uma
entrevista sociolingüística. Ainda que estivessem adaptadas em alguma extensão à situação
e freqüentemente a uma questão proposta pelo entrevistador, elas eram essencialmente
monológicas e mostraram algum grau de descontextualização. Elas exibiram uma
generalidade que não era esperada de narrativa que serviriam para um ponto argumentativo
em uma conversa muito interativa e competitiva. Tais narrativas são freqüentemente
fragmentadas e podem solicitar diferentes abordagens. Entretanto, estudos de conversa
espontânea também mostram uma alta freqüência de narrativas monológicas que prendem
a atenção dos ouvintes da mesma maneira que as narrativas das entrevistas. Os princípios
desenvolvidos neste ensaio estão exemplificados muito claramente com narrativas desse
tipo.
O objeto que será desenvolvido aqui vai além da análise de L&W, que tratou da
organização temporal e da avaliação. A estrutura que eu apresentarei, começa com esses
aspectos da narrativa e vai para a consideração dos maiores objetivos da relatabilidade, da
credibilidade, da objetividade, da causalidade e da atribuição de louvor e de censura.
Análise da narrativa 3
William Labov trad. Waldemar Ferreira Netto

Neste esboço de apresentação, eu usarei uma narrativa para ilustrar os princípios


envolvidos 4:

a — Ah! Eu tava sentado numa mesa bebendo


b — E esse marinheiro norueguês veio pra cima de mim
c — e, então, ele continuou falando um monte de merda sobre eu estar sentado com a
mulher dele.
d — E todo mundo que tava sentado na mesa comigo era meu companheiro de navio.
e — Então eu virei para trás
f — e empurrei ele
g — e eu falei para ele, eu disse
“Sai!
h — Eu nem mesmo quero mexer com você.”
i — E a próxima coisa que eu me lembro é que eu estava no chão, com sangue em
cima de mim
j — E um cara que me dizia, dizia
“Não mexe sua cabeça.
k — Sua garganta tá cortada.”

Essa narrativa curta mostrou-se paradigmática quanto à habilidade de transferir a


experiência do narrador para o ouvinte. O leitor é convidado a reunir essas doze linhas na
memória e re-contar a história para um ouvinte ou um grupo de ouvinte. Muitos ouvintes
relatam a experiência de ver na cena um quarto esfumaçado nas linhas (a-h); nas linhas (i-
k), uma mudança súbita de perspectiva, um olhar de cima para baixo; e depois da linha (k),
algo em torno de um terço das pessoas em qualquer conjunto de ouvintes faz uma
inspiração súbita, como se fosse em sua garganta que, de fato, aquilo estivesse
acontecendo.
Além do curso de uns vinte anos, eu tratei da questão de como essa narrativa curta
comanda a atenção e comunica a experiência de maneira tão eficaz. As páginas seguintes
são um esboço de minhas tentativas de obter uma resposta. A apresentação está na forma
de definições; implicações a partir das definições; descobertas empíricas a partir de um
grande conjunto de narrativas; e teoremas, que propõem relações com conteúdos empíricos
que são mais problemáticos. O leitor é convidado a aceitar a validade dessas descobertas
provisoriamente, até que um conjunto maior de dados possa ser apresentado.

0. Narrativas de experiência pessoal

(0.1) Definição: Uma narrativa de experiência pessoal é o relato de uma seqüência de


eventos que teve lugar na biografia do falante por uma seqüência de sentenças que
corresponde à ordem dos eventos originais.

Essa definição está baseada na concepção inicial de L&W; uma definição que separa a
narrativa nesse sentido de outros meios de contar uma história ou de recontar o passado. É
uma segregação arbitrária no sentido da narrativa para propósitos técnicos, mas que se
mostrou muito útil. Especificando que a experiência precisa ter lugar na biografia do
falantes, eu distingo narrativas de uma mera recontagem de observações tais como os
eventos de uma parada por uma testemunha olhando por uma janela. Isso acarretará que
eventos que tiverem lugar na biografia do falantes sejam social e emocionalmente
avaliados e, assim, transformados pelos experiência.
Análise da narrativa 4
William Labov trad. Waldemar Ferreira Netto

1. A organização temporal da narrativa.

Essa discussão sobre organização temporal inclui uma nova peça terminológica que não
estava presente em L&W, um “sentença seqüencial”.

(1.1) Definição: Duas sentenças estão separadas por uma juntura temporal se a inversão
de sua ordem resultar na mudança que o ouvinte faz na interpretação da ordem dos eventos
descritos.
Assim, todas as sentenças em (1) estão separadas por uma juntura temporal com as
seguintes exceções: (a) e (b) sobrepõem-se, por isso não há juntura entre elas, e (i)
sobrepõe-se a (j) e a (k), assim, não há juntura entre (i) e (j).5

(1.1.1) Implicação [e definição de uma narrativa mínima]: Uma narrativa precisa conter
pelo menos uma juntura temporal.

Como L&W mostraram, histórias podem ser contadas sem qualquer juntura temporal
pela incorporação sintática, uso do passado perfeito ou outros artifícios gramaticais. A
juntura temporal é a maneira mais simples, mais conveniente ou não-marcada de recontar o
passado.

(1.2) Definição: Uma sentença seqüencial é uma sentença que pode ser um elemento de
uma juntura temporal.

Qualquer relação temporal de uma sentença subordinada à sua principal será indicada
por sua conjunção subordinativa como antes ou depois. Outras conjunções subordinativas
como sobre em (1c) podem somente indicar simultaneidade. Sentenças subordinadas (isto
é, dependentes) não podem, então, entrar em juntura temporal.

(1.2.1) Implicação: Todas sentenças seqüenciais são sentenças independentes (mas nem
todas sentenças independentes são sentenças seqüenciais).

Para uma sentença independente ser uma sentença seqüencial, sua cabeça precisa incluir
um tempo que é não somente dêitico, indicando um domínio temporal específico, mas
identificar relações seqüenciais de tempo. O passado progressivo do inglês designa um
tempo antes do tempo do falantes mas não foca o ponto inicial ou final desse tempo. Pode
o progressivo atuar como cabeça de uma sentença seqüencial? Um grande número de casos
como (i1) indicam que essa possibilidade existe. O progressivo em (li) é simultâneo com
(j,k), mas parecer estar na seqüência de (h).6

(1.2.2) Implicação: [Em inglês], sentenças seqüenciais são encabeçadas por verbos no
tempo passado, passado progressivo, ou no tempo presente com interpretação semântica de
passado (presente histórico).

Ambas as definições gerais de narrativa e a definição de juntura temporal necessitam de


que os relatos sejam relatos de eventos reais. Segue-se disso, que modais, futuros e
negativas não servem como cabeças de frases verbais que atuem como juntura temporal.
em inglês, essa função está reservada para o modo indicativo, que é nosso único modo
realis.
(1.2.3) Implicação: Todas as sentenças seqüenciais estão no modo realis.
(1.3) Definição: Uma sentença narrativa consiste em uma sentença seqüencial [a
Análise da narrativa 5
William Labov trad. Waldemar Ferreira Netto

cabeça] com todas a sentenças subordinadas que são dependentes dela.

2. Tipos temporais de sentenças narrativas.

Nós podemos empregar essas definições para dar um quadro mais claro e mais simples
do que o conjunto temporal que L&W apresentaram. Com a sentença narrativa definida
sobre a base de sentenças seqüenciais — sentenças que tenham juntura temporal — é
possível focalizar especialmente as relações temporais de sentenças narrativas e excluir
outras.7

(2.1) Definição: O raio de ação da sentença narrativa é o conjunto das sentenças


narrativas entre a primeira precedente e a próxima imediatamente após uma juntura
temporal.

Nas convenções de transcrição seguidas aqui, o raio de ação de uma narrativa é indicado
por uma subscrito esquerdo que indica o número da sentença narrativa precedente, com
que a sentença particular é simultânea, e um subscrito direito que é o número da sentença
seguinte. O raio de ação é a soma das duas.

(2.2) Definição: Uma sentença livre é uma sentença que refere à uma condição que seja
verdadeira durante toda a narrativa.

Uma sentença livre não é, então, definida sintaticamente, mas semanticamente. Um


passado progressivo que serve como uma sentença restritiva é uma sentença narrativa pode
ser uma sentença livre em outra.

(2.2.1) Implicação: Uma sentença livre não pode servir como uma sentença seqüencial
na narrativa em que ela é livre.

(2.3) Definição: Uma sentença [temporariamente] presa é uma sentença independente


com um raio de ação zero.

(2.3.1) Implicação: Todas sentenças presas são sentenças seqüenciais.

(2.4) Definição: Uma sentença narrativa com um raio de ação maior do que zero é uma
sentença restritiva.

(2.4.1) Implicação: Narrativas são conjuntos de sentenças presas, restritivas e livres.

Nós podemos reescrever (1) com um raio de ação e com classes de sentenças indicadas.
Na narrativa, uma distinção importante entre ações e citação é que as ações freqüentemente
sobrepõem-se, enquanto que as citações raramente fazem isso. A regra de que uma pessoa
fale de cada vez nunca é esquecida em uma narrativa pessoal.

0a2 — Ah! Eu tava sentado numa mesa bebendo


1b0 — E esse marinheiro norueguês veio pra cima de mim
c0 — e, então, ele continuou falando um monte de merda sobre eu estar sentado com a
mulher dele. d — E todo mundo que tava sentado na mesa comigo era meu
companheiro de navio.
Análise da narrativa 6
William Labov trad. Waldemar Ferreira Netto

0e0 — Então eu virei para trás


f0 — e empurrei ele
0g0 — e eu falei para ele, eu disse
"Sai!
h0 — Eu nem mesmo quero mexer com você."
0i 2 — E a próxima coisa que eu me lembro
restritivaé que eu estava no chão, com sangue em cima de mim
1j0 restritiva— E um cara que me dizia, dizia "Não mexe sua cabeça.
0k0 — Sua garganta tá cortada."

Aqui, o subscrito para (a) indica que (a) não é simultâneo com nenhum evento
precedente, mas sobrepõem-se com os dois seguintes (e com a sentença livre (d), que não é
considerada). Mas ela não é simultânea com (e), uma vez que mostra que Shambaugh não
está mais simplesmente sentado bebendo à mesa.

3. Tipos estruturais de sentenças narrativas.

Nós agora vamos considerar os tipos estruturais de sentenças narrativas introduzidas por
L&W. O principal acréscimo a essa parte da estrutura é que sentenças de ação
complicadores são sentenças necessariamente seqüenciais, elas podem participar de
junturas temporais; isso não é verdadeiros para resumos, orientações e codas.

(3.1) Definição: Um resumo é uma sentença inicial em um narrativa que relata uma
seqüência de eventos da narrativa.

(3.2) Definição: Uma sentença de orientação dá informação sobre o tempo, lugar dos
eventos de uma narrativa, a identidade dos participantes e seu comportamento inicial.

(3.3) Definição: Uma sentença de ação complicadora é um sentença seqüencial que


relata um evento seguinte como resposta a uma questão potencial “E [então] o que
aconteceu ?”

(3.3.1) Implicação: Todas a sentenças seqüenciais são sentenças de ação complicadora e


todas as sentenças de ação complicadora são sentenças seqüenciais.

(3.4) Definição: Uma coda é uma sentença final que retorna a narrativa ao tempo do
falante, impedindo uma questão potencial “E, então, o que aconteceu?”

Todas são muito auto-explicativas, mas também muito incompletas. Falta até agora a
noção de uma conclusão ou de uma resolução, que não pode ser definida até o conceito de
“evento mais relatável” ser introduzido. Mais importante é o fato de que muitas sentenças
nas narrativas não fazem nenhuma dessas coisas. A grande questão da análise de L&W é
provocar a questão: “Se uma narrativa é um relato de eventos que ocorreram, porque nós
encontramos sentenças encabeças por negativas, futuros e modais nas narrativas?” Ou,
colocando isso de outra maneira, sob quais condições é relevante falar sobre o que não
aconteceu mas que poderia ter acontecido. A contribuição primária deste ensaio é
estabelecer a relação dessa questão estrutural com o conceito socio-emocional de
“avaliação”.
Análise da narrativa 7
William Labov trad. Waldemar Ferreira Netto

4. Avaliação

Eu começo aqui com uma definição não-lingüística desse conceito básico.

(4.1) Definição: Avaliação de um evento narrativo é a informação sobre as


conseqüência desse evento para as necessidades e para os desejos humanos.

(4.2) Definição: Uma sentença avaliadora apresenta uma avaliação de um evento


narrativo.

Ainda que esteja muito próximo, isso não está relacionado por si só aos traços
estruturais da narrativa descritos na seção 2. L&W discutiram muitos tipos de estruturas
lingüísticas que serviram à função de avaliar eventos narrativos, incluindo ênfase,
estruturas paralelas e comparativas. Em grande medida, os mais importantes deles eram os
modais, os negativos e os futuros que foram questionados acima.
Nossa proposta é que essas referências a eventos que não ocorreram, que poderiam ter
ocorrido, ou que poderiam servir com um propósito avaliador, eram a questão teórica
principal de L&W, e poderiam ser descritos como:

(4.3) L&W Hipótese 1: Uma sentença narrativa em um modo irrealis é uma sentença
avaliadora.

Mais genericamente, olhando para comparativas, podemos avançar nesse propósito para
um nível de um teorema:

(4.4) L&W Teorema 1: Um narrador avalia eventos comparando-os com eventos em


uma realidade alternativa que não foi de fato realizada.

A partir de trabalhos que seguiram diretamente L&W, nós sabemos que a freqüência de
sentenças irrealis em narrativas cresce rapidamente com a idade, tão logo os falantes
adquirem habilidade para avaliar sua experiência (LABOV, 1972).
Finalmente, nós distinguiremos entre uma sentença avaliadora e uma seção avaliadora.
O material avaliador é normalmente espalhado ao longo de uma narrativa, mas mais
freqüentemente ele está concentrado de uma maneira que suspende o movimento seguinte
da ação. Mais genericamente, nós definimos tais seções:

(4.5) Definição: Uma seção de uma narrativa é um grupo de sentenças de um tipo


funcional comum.

e dessa maneira, re-exprime-se um segundo teorema de L& W

(4.6) L&W teorema 2: A avaliação está caracteristicamente concentrada em uma seção


avaliadora; localizada exatamente antes da mais importando ação avaliação, ou “ponto” da
narrativa.

A aplicação desse concepção de avaliação a (1) é imediata, exceto pelo problema das
citações. Por um lado (1g) pode ser vista como uma ação simples que é um evento preso:
Shambaugh disse alguma coisa para o marinheiro norueguês. Por outro lado, o que ele
disse representa duas ações de fala distintas (=”se eu não quero fazer uma ação mínima
Análise da narrativa 8
William Labov trad. Waldemar Ferreira Netto

como mexer com você, segue que eu não quero fazer nenhuma ação mais importante.”).
De tudo o que sabemos sobre a conectividade dos atos de fala, a análise deve
objetivamente atingir o nível mais abstrato de ação. Contudo, é no nível da gramática das
sentenças que nós encontraremos nossas pistas mais diretas para a avaliação. Quando um
ator na narrativa é animado para falar diretamente, não importa sobre qual tópico ou para
qual destinatário, a situação atual está apta para avaliação. O uso de negativas,
comparativos, modais ou futuros deve lido então como uma forma e avaliação. Nesse
sentido (1h) avalia a situação narrativa comparando-o com outra na qual Shambaugh
gostaria de zombar de outro, e em (1j) outro avalia a situação em comparação com uma em
que seria seguro para Shambough mover sua cabeça. A atribuição de categorias estruturais
para as 12 sentenças está de acordo com a de (1).

(1")
OR 0a2 restritiva Ah! Eu tava sentado numa mesa bebendo
CA 1b0 restricted esse marinheiro norueguês veio pra cima de mim
CA 0c0 bound ele continuou falando um monte de merda sobre eu estar sentado com a
mulher dele.
ORd free todo mundo que tava sentado na mesa comigo era meu companheiro de navio.
CA 0e0 bound Então eu virei para trás CA 0f 0 bound e empurrei ele
CA 0g0 bound e eu falei para ele, eu disse "Sai! EV 0h0 bound Eu nem mesmo quero
mexer com você." E a próxima coisa que eu me lembro
CA 0i2 restricted eu estava no chão, com sangue em cima de mim
EV 1j0 restricted "Não mexe sua cabeça.
CA 0k0 bound Sua garganta tá cortada.

Um dos conceitos mais difíceis, apesar de essencial, na análise da narrativa é a


relatabilidadea. O conceito original é que fazer uma narrativa requer que uma pessoa
ocupe um espaço social maior do que em outras trocas conversacionais — to hold the floor
longer, e a narrativa tem de produzir muito interesse nos ouvintes para que justifique essa
ação. Entretanto, um implícito ou explícito “E daí?” é sempre uma possibilidade, com a
implicação de que o falante violou normas sociais fazendo uma reivindicação injustificada.
A dificuldade é que não há nenhum padrão absoluto de interesse inerente, e tem sido
proposto que em algumas circunstâncias relaxadas, sem tópicos competindo entre si, uma
narrativa pode ser feita de maneira naturalmente banal e comum. Dada a dificuldade de se
mensurar o interesse da narrativas ou de seus propósitos em competição, essa abordagem
da relatabilidade é, ela própria, de interesse limitado. Já o conceito de “o evento mais
relatável” é central para a estrutura organizadora da narrativa, como nós veremos abaixo.
Uma abordagem para esse problema é voltar a um aspecto mais objetivo da situação
social do narrador, tal como foi desenvolvido na abordagem de Sacks para a inserção da
narrativa em um conversa. Na abordagem de Sacks, o problema não é visto como “holding
the floor”, mas como o controle da atribuição do falante. Para Sacks, uma narrativa
raramente é feita como um simples turno de fala, uma vez que sinais de retorno do
destinatário são eles mesmos tomados como turnos de fala. Eu resumo essa discussão
como:

(5.1) Teorema da Atribuição de Sacks: Na conversa livre, os falantes não têm controle
sobre a atribuição do falante no segundo ou terceiro turno seguintes ao seu turno, mas o
desempenho da narrativa efetivamente reivindica o retorno da atribuição da fala ao

a
N.T.: no inglês reportability
Análise da narrativa 9
William Labov trad. Waldemar Ferreira Netto

narrador, até que a narrativa esteja completa.

Esse princípio de Sacks tem quatro implicações que apontam para uma nova definição
de possibilidade de um evento ser narrado.

(5.1.1) Implicação 1: Uma vez que uma narrativa requer uma série de unidades
narrativas maiores do que o turno normal permite, a compleição bem-sucedida da narrativa
requer re-atribuições automáticas do papel de falante ao narrador após o turno seguinte de
uma fala, se a narrativa não for completada naquele turno.

(5.1.2) Implicação 2: Uma narrativa precisa ser introduzida por um ato de fala que
informe ao ouvinte que será necessário fazer uma reatribuição ao narrador se a narrativa
não for completada na seqüência da fala.

(5.1.3) Implicação 3: Ouvintes têm um meio seguro de reconhecer o final das narrativas.

(5.1.4) Implicação 4: Para ser uma ato social aceitável, uma narrativa precisa ser aceita
como justificativa para a reatribuição automática de turno ao narrador.

Nós podemos, agora, reintroduzir uma definição de um evento relatável numa narrativa,
não em termos de um conceito geral, mas de um evento com essa possibilidade na
narrativa.

(5.2) Definição: Um evento relatável é aquele que justifica a automática reatribuição do


papel de falante ao narrador.

(5.2.1) Implicação: Para ser um ato social aceitável, uma narrativa de experiência
pessoal deve conter ao menos um evento relatável.

Está claro que a relatabilidade de um mesmo evento vai variar bastante dependendo da
idade, da experiência, dos padrões culturais do falante, e, mais importante, do contexto
social imediato com suas propostas competindo por uma re-atribuição do papel do falante.
Os princípios universais de interesse que subjazem à essa abordagem da narrativa
estabelecem que alguns eventos sejam sempre portadores de um grau maior de
relatabilidade: os que tratam de morte, de sexo e de indignações morais. No entanto, um
passo fora desses parâmetros levam-nos a um alto grau de contextualização da
relatabilidade que somente uma pessoa intimamente familiarizada com a audiência e com a
história recente da situação social pode estar segura de não dar um errar na introdução de
uma narrativa. Essa relativização da relatabilidade não nos previne, entretanto, de um
reconhecimento de graus de relatabilidade com alguma confiança, na própria narrativa. De
fato, a criação de uma narrativa e a continuidade das estruturas narrativas são dependentes,
sobretudo do reconhecimento de um evento único que é o “mais relatável”.

(5.3) Definição: O evento mais relatável é o evento que é menos comum do que
qualquer outra na narrativa e que tem um muito grande efeito nas necessidade e desejos
dos participantes da narrativa [é mais fortemente avaliado].

Uma narrativa de experiência pessoal é essencialmente a narrativa do evento mais


relatável por si só. Isso é normalmente refletido no resumo, se houver. Como nós veremos,
a construção da narrativa precisa lógica e existencialmente começar com a decisão de
Análise da narrativa 10
William Labov trad. Waldemar Ferreira Netto

relatar o evento mais relatável. A narrativa (1) é introduzida como uma situação em que
Shambaugh esteve próximo de morrer. O evento mais relatável nessa narrativa é que o fato
de que o marinheiro norueguês cortou a garganta de Shambaugh. O problema da
construção narrativa é construir uma série de eventos que inclua, de maneira lógica e
significativa, esse evento mais relatável. Mas, antes de considerar como isso é feito, nós
precisamos reconhecer outra dimensão, ortogonal à relatabilidade. Dadas as restrições de
situações sociais e a pressão para assegurar o propósito do falante, é normal para os
falantes levar adiante narrativas de eventos mais relatáveis de sua biografia mais
imediatamente relevantes. Segue-se que:

(5.3.1) Implicação: O evento mais relatável de uma narrativa é a maior justificativa para
uma atribuição automática do papel de falante ao narrador.

Isso cria o paradoxo da próxima seção.

6. Credibilidade

No início, notava-se que essa abordagem das narrativas estava baseada em explicações
sérias e diretas do eventos que eram expostos para ter de tomar lugar, e não de piadas,
contos, sonhos ou outros gêneros de natureza menos séria. A narrativa é então ouvida
como uma exposição em que os eventos narrados ocorreram, formando uma maneira
grosseiramente semelhante à explicação verbal. Isso imediatamente envolve o conceito de
credibilidade da narrativa.

(6.1) Definição: A credibilidade de uma narrativa é a extensão em que os ouvintes


acreditam que os eventos descritos tenham ocorrido de fato na forma descrita pelo
narrador.

Lembrando que a relatabilidade de um evento está relacionada à sua freqüência, bem


como seus efeitos sobre a necessidade e os desejos dos atores, segue-se que quase
automaticamente ao crescer a possibilidade de ser relatável de um evento, a sua
credibilidade diminui. Esse fato pode ser rotulado como Paradoxo da Relatabilidade, que
pode ser estabelecido como um teorema.

(6.2) Teorema: A possibilidade de ser relatável é inversamente proporcional à


credibilidade.

A melhor compreensão de como os narradores criam narrativas, e qual estrutura eles


constroem quando as produzem, depende, sobretudo, de uma compreensão dessa relação
paradoxal. A próxima proposição não é uma implicação óbvia, mas decorre da observação
da vida social. Limita-se às narrativas “sérias” no sentido estabelecido no sentido dessa
seção, e pode ser relativa a vários contextos sociais.

(6.3) Teorema: Uma narrativa séria que não consiga a credibilidade é considerada ter
falhado, e a reivindicação dos narradores da re-atribuição do papel de falante será
considerada então como inválida.

Uma “reivindicação inválida da re-atribuição” é um meio técnico de declarar que o


narrador sofreu uma perda do status que afetará suas futuras reivindicações desse tipo, bem
Análise da narrativa 11
William Labov trad. Waldemar Ferreira Netto

como outras prerrogativas sociais. É um resultado que deve, normalmente, ser evitado.

(6.3.1) Implicação: Ao mais relatável dos eventos de uma narrativa, o narrador deve
devotar o maior esforço possível para dar-lhe credibilidade.

A natureza desse esforço deverá, agora, comandar nossa atenção.

7. Causalidade.

Dado o fato de que o narrador decidiu produzir uma narrativa sobre o evento mais
relatável, considerações de credibilidade dirigem logicamente e inevitavelmente ao
mecanismo seguinte de uma construção narrativa:

(7.1) Teorema: A construção narrativa requer uma teoria pessoal de causalidade.

1. O narrador primeiro seleciona o evento mais relatável e-0, a partir do qual a narrativa
vai se desenvolver.
2. O narrador, então, seleciona o evento primeiro e-1 que é causa eficiente de e-0, que é
a resposta à questão sobre e-0 “Como isso aconteceu?”
3. O narrador continua o processo do passo 2, recursivamente, até um evento e-n se
atingido para o qual a questão do passo 2 não ser apropriada.

A questão “Como isso aconteceu?” não é apropriada quando a resposta é “Porque esse
tipo de coisa (normalmente) acontece”. O evento e-n é a Orientação da narrativa, mais
especificamente, o contexto comportamental da Orientação. Em (1), tal orientação está
apresentada por (a). Shambaugh não necessita explicar porque ele estava com seus colegas
marinheiros sentados em um bar bebendo: é o tipo de coisa que eles sempre fazem em um
porto, e o ouvinte sabe disso.
Não temos evidência direta da seqüência dos passos 1...3; a visão da narrativa como
uma teoria popular da causalidade não decorre de nenhuma observação. É uma implicação
necessária de todas as definições e implicações das seções 5 e 6. Há muitos detalhes e
complicações na descrição completa das opções disponíveis para o narrador construir sua
teoria causal. No caso da narrativa (1), a seqüência causal dos eventos reconstruídos a
partir da forma da explicação de Shambaugh podem ser dados como a seguir:

(7.2)
e4 Orientação: Shambaugh e seus amigos marinheiros estava em uma mesa bebendo
e3 [Por uma razão não conhecida], um marinheiro norueguês veio reclamar com
Shambaugh de um fato inexistente.
e2 [Porque não havia base para a reclamação,] Shambaugh rejeitou a reclamação
e1[Porque não havia mais nada para dizer,] Shambug virou as costas para o marinheiro
e0 [Porque Shambaugh virou as costas para o marinheiro,] o marinheiro foi capaz de
cortar a garganta de Shambaugh.

As relações causais não estão dadas tão explicitamente na narrativa como em (7.2). A
base causal de e2 é dada pela palavra “merda” em (1c) e em (1d). e1 está implicada mas
não explicitada. A ligação causal entre e1 e e0 é normalmente dada por Shambaugh na
discussão que se segue na narrativa. A moral que ele evoca da história é que na próxima
vez, se ele empurrar alguém, ele mesmo deverá ficar de pé e bater no outro. A teoria de
Análise da narrativa 12
William Labov trad. Waldemar Ferreira Netto

Shambaugh dos eventos é, então, que ele teve a garganta cortada porque deu as costas para
alguém cujo comportamento é de uma maneira incompreensível.
Há alguma controvérsia na redução de uma afirmação narrativa a uma causal, e, sem
dúvida, haverá grandes variações em tais atos de interpretação. A construção essencial é
que há a proposição de uma cadeia de eventos orientando-se ao evento mais relatável.
Eventualmente decorre que a seleção da orientação é um ato crucial da interpretação do
seqüência dos eventos, e uma etapa necessária no aspecto seguinte da narrativa, atribuição
do elogio e da culpa.

8. A atribuição do elogio e da culpa

Na seção 7, a construção da narrativa é equivalente à atribuição de uma teoria da


causalidade. Na explicação do conflito entre atores humanos, ou o esforço dos atores
humanos contra forças naturais, o narrador e os ouvintes inevitavelmente atribuem elogio e
culpa aos atores envolvidos nas ações. Os meios pelos quais se faz isso são muito variados
para serem reduzidos a um simples conjunto de proposições. Eles incluem o uso de
artifícios lingüísticos de modo, factividade e causatividade, léxico avaliativo, a inserção de
“pseudo-eventos”9 e a indiscriminada omissão de eventos. Narrativas podem ser
polarizadas, quando o antagonista é visto violando maximamente as normas sociais, e o
protagonistas conformando-se maximamente a elas. O estudo de como narradores atribuem
elogio e culpa é o aspecto principal da análise narrativa, cujas relações vão além do escopo
deste artigo.
É bastante por agora ver que, em (1), atribui-se ao antagonista um tipo social
convencionalmente associado aos marinheiros escandinavos no porto: uma pessoa grande,
violenta, bêbada e irracional (ver O’NEILL, 1956). Shambaugh vê a si mesmo como um
ser racional que comete um erro subestimanado a extensão da irracionalidade do outro.
Uma compreensão de como os eventos subjacentes são apresentados pode ser obtida por
meio de uma visão mais abrangente das causas mais comuns dos eventos envolvidos. A
cena no bar em Buenos Aires reflete uma fonte comum de violência da classe trabalhadora,
refletida em muitas narrativas acumuladas em muitos anos. A situação e mais claramente
analisada no seguinte extrato de uma entrevista com Joe Dignall, 20, de Liverpool:

Um grupo de amigos, se eles estão em gangue, eles deixam suas meninas


com suas colegas, enquanto eles estão em um bar com seus colegas, falando
sobre qualquer coisa. E você poderia ir para cima, começar a conversar com
essas meninas, e a aí, sabe, você num tá nem sabendo de nada. E ela vai se
encostando em você, você é um cara legal, você fica um pouco atraído.
Grande! E você está conversando sobre isso, você está pagando uma bebida
para ela. Aí, é:, um cara vem vindo. “E aí, cara, o que você tá fazendo?” Bom,
você não sabia que ele estava vindo com ela, assim você fala para ele ir
embora. Aí, ele pega os amigos dele... os amigos dele vão na sua direção e...
você tá maus! Ou você corre, ou você briga.

Assim, pode-se ver de forma subjacente nesses eventos a possibilidade de que tenha
havido, de fato, uma mulher sentada por perto, que tivesse vindo originalmente com o
marinheiro norueguês, ou que tivesse estado com ele; que ela tivesse se juntado ao grupo
de Shambaugh, ou que esse grupo tivesse se juntado a ela, sem perceber nenhuma conexão
entre ela e o marinheiro norueguês; que ela tivesse tomado um poucos drinques, ou
customers; e que o marinheiro norueguês tivesse em seus próprios olhos uma reclamação
Análise da narrativa 13
William Labov trad. Waldemar Ferreira Netto

legítima. A seqüência de fatores causais a partir do ponto de vista do marinheiro


Norueguês não poderia ser muito diferente, e a motivação para seu comportamento poderia
ser menos incompreensível. Entretanto, isso não é nosso problema aqui. É suficiente ver
que Shambaugh tinha apresentado uma seqüência causal começando com a Orientação (1a)
que implementou sua própria teoria causal. Está igualmente claro que, se a história tivesse
sido apresentada do ponto de vista do marinheiro norueguês, uma orientação diferente
poderia ter sido selecionada, uma antecipação considerável na seqüência dos eventos.
A atribuição de elogio e culpa certamente reflete o ponto de vista do narrador. Mas não
é comum que seja uma informação consciente transmitida pelo narrador aos ouvintes, mas
sim uma estrutura ideológica a partir da qual os eventos são vistos. Ao desvendar esta
ideologia, estamos partindo do mecanismo dramático que é a essência do evento de fala
narrativa: transferir a experiência do narrador aos seus ouvintes. Essa experiência é
certamente colorida pela postura moral tomada pelo narrador. Pode-se pensar que aqueles
que tomam a mesma moral tomada pelo narrador serão mais impressionados pela narrativa
do que aqueles que não e, então, encontrarão maior credibilidade e maior interesse e
engajamento. De certa maneira, parece que isso é verdadeiro somente em uma extensão
limitada. A narrativa de Shambaugh parece ter um impacto semelhante naqueles que
aceitam seu ponto de vista, mas, também, naqueles que são insensíveis à realidade em
torno dele. O efeito da narrativa transferindo experiência é relativamente independente da
atribuição de elogio e culpa feita pelo narrador. De um jeito ou de outro, o narrador leva
seu ouvintes a ver o mundo através dos olhos do narrador.

9. Ponto de vista

Ao tentar compreender como a experiência é transferida do narrador para os ouvintes,


encontramos os traços mais característicos das narrativas de experiências pessoais: o ponto
de vista particular, ou o ponto de vista a partir do qual a ação é vista.

(9.1) Definição: O ponto de vista de uma sentença narrativa é o domínio espacial e


temporal a partir do qual a informação transmitida por uma sentença pode ser obtida por
um observador.

Um traço das narrativas orais da experiência pessoal que as distingue mais nitidamente
da narrativa literária é que, na literatura, podem-se mudar pontos de vista, tomar um ponto
de vista impessoal e entrar na consciência de qualquer um ou de todos os atores. Nas
narrativas orais de experiência pessoal, há somente um opção. Os eventos são vistos pelos
olhos do narrador.

(9.2) Descoberta: O ponto de vista nas narrativas orais de experiência pessoais é o do


narrador no momento dos eventos referidos.

Essa descoberta aplica-se consistentemente a todas as narrativas e sentenças livres na


narrativa. Aplica-se a todas as sentenças da narrativa (1), que são uma explicação
consistente do eventos tais como ficaram conhecidos para Shambaugh.

(9.2.1) Implicação: A seqüência temporal dos eventos nas narrativas orais da


experiência pessoal segue a ordem na qual os eventos tornaram-se conhecidos para o
narrador.
Análise da narrativa 14
William Labov trad. Waldemar Ferreira Netto

Na narrativa literária, não é raro mudar de ponto de vista, para dar informação sobre
eventos que ocorreram em um ponto de anterior no tempo. Classicamente, isso é expresso
como um flashback: “Enquanto isso, voltando à fazenda...” Trata-se de uma descoberta
empírica de algum peso o fato de que flashbacks não são usados no tipo de narrativa que
nós estamos abordando aqui.

(9.2.2) Descoberta: Não há flashbacks nas narrativas orais de experiência pessoal.

A condição de não haver flashback tem validade para um grande número de narrativas
de experiência pessoal que têm sido coletadas e estudadas pro muitos anos. Na narrativa
(1), a garganta de Shambaugh é cortada sem que ele perceba. Não sabemos que isso
aconteceu até que Shambaugh saiba disso. Pode-se construir facilmente uma narrativa na
qual técnica oposta seja usada. Por exemplo, “A próxima coisa de que eu lembro era eu
estar deitado no chão, com sangue em cima de mim. Ele tinha tirado uma faca em me
cortado antes que eu percebesse o que tinha acontecido. Um cara me contou, ele disse...”
Mas tais exemplos não têm sido encontrados. O passado perfeito é usado, mas somente
para relatar eventos que o narrador já conhecia no tempo em que ele estava relatando.
Talvez venham a ser encontrados exemplos se a busca continuar o bastante para isso, mas,
por agora, parece ser um fato empírico a condição de não haver flashbacks nas narrativas
orais de experiência pessoal.

10. Objetividade

Entre as milhares narrativas pessoais que têm sido gravadas e estudadas nas últimas
poucas décadas passadas, encontramos uma quantidade considerável de variabilidade no
grau de objetividade. L&W apresentam uma escala de objetividade de afirmações
avaliativas cujo alcance vem dos relatos das emoções internas relativas a eventos e objetos
materiais.
Em geral, encontramos narrativas de classe média alta, de falantes com nível superior,
tendendo a reportar as emoções do narradores. Em contraste, muitos narradores da classe
trabalhadora são econômicos no seu relato de sentimentos subjetivos. Foi surpreendente
para mim, verificar que a “subjetividade” característica dos falantes de classe média é
considerada uma qualidade positiva por escritores terapeuticamente orientados, e pessoas
que não relatam suas emoções nas narrativas de perda, por exemplo, são consideradas
estarem sofrendo algum dano de suas habilidades normais e desejáveis. Minha própria
experiência de recontar narrativas para várias experiências indicam uma escala de valores
um pouco diferente. As narrativas que têm grande impacto sobre os ouvintes no sentido
das linhas apontadas acima — que prendem a atenção dos ouvintes e permitem-lhes
compartilhar a experiência do narrador — são as que usam os meios de expressão mais
objetivos. Para apresentar esse argumento com mais exatidão, algumas definições são
necessárias.

(19.1) Definição: Um evento objetivo é aquele que se torna conhecido do narrador por
meio da experiência dos sentidos. Um evento subjetivo é aquele de que o narrador é
informado através da memória, da reação emocional ou na sensação interna.

A observação geral que narrativas que relatam a experiência mais objetivamente são
mais eficazes do que as que relatam subjetivamente não é uma afirmação fortemente
evidenciada; não há dados fortes para sustentar isso. Entretanto, alguma evidência
Análise da narrativa 15
William Labov trad. Waldemar Ferreira Netto

experimental sustenta que a crença de que a objetividade aumenta a credibilidade.

(10.2) Teorema: Uma vez que se concorde que a observação do narrador possa ser
afetada por seu estado interno, relatos de eventos objetivos são mais críveis do que de
eventos subjetivos.

Para explorar o muitos meios em que abordagens objetivas e subjetivas das narrativas
diferem ter-se-ia que ir além do escopo desse breve sumário. As sentenças da narrativas (1)
são inteiramente objetivas. Em nenhum momento há qualquer afirmação que descreva
como o ator se sente. Nós falamos o que ele disse e o que ele fez. As afirmações de
conclusão de (1j, k) são as de uma terceira pessoa que testemunhou o evento, mais
objetivas do que qualquer afirmação do ator principal. Propõe-se aqui que essa
objetividade é uma condição necessária para a capacidade de narrativas como (1) para
transmitir a experiência aos ouvintes. Para desenvolver esse ponto claramente, uma nova
implicação pode ser descrita a partir das descobertas (9.2):

(10.3) Teorema: A transferência da experiência de um evento aos ouvintes ocorre na


extensão de que eles se tornem conscientes disso como se isso fosse sua própria
experiência.

A condição “se” pode ser expandida para significar que os ouvintes alcançam a
consciência dos eventos da mesma maneira que o narrador alcançou-a. A condição
essencial de não haver flashback advém imediatamente dessa condição. Se o teorema
(10.3) permite, duas conseqüências imediatamente seguem para marcar o limite da
transferência da experiência na narrativa pessoal.

(10.3.1) Implicação: A transferência da experiência do narrador para a audiência é


limitada, desde que a explicação verbal dá somente uma pequena fração da informação que
o narrador recebeu das imagens, do sons ou de outros sentidos.10

(10.3.2) Implicação: A proporção que o narrador acrescenta relatos subjetivos de suas


emoções à descrição de um evento objetivo, os ouvintes tornam-se conscientes desse
evento como e ele fosse experiência do narrador.

Essas duas implicações apontam para mais uma proposição que é mais do que um
implicação. Ela combina as experiências derivadas de re-contar histórias e observações das
diferenças das classes sociais na estrutura narrativa com a lógica de 10.3.1-2 para derivar o
seguinte teorema:

(10.3.3) Teorema: A objetividade da descrição de um evento é uma condição necessária


para a transferência da experiência em uma narrativa pessoal.

Há mais do que um sinal de paradoxo aqui. A transferência da experiência é um


fenômeno subjetivo, que não é fácil de observar ou de medir. O teorema argumenta que se
obtém essa experiência subjetiva somente por meio da apresentação objetiva dos eventos.

11. Resolução.

No tratamento deL&W, a resolução da narrativa era simplesmente o fim ou a


Análise da narrativa 16
William Labov trad. Waldemar Ferreira Netto

conseqüência; não houve um meio muito preciso de distingui-la das últimas ações
complicadoras. Mas a situação é drasticamente alterada com a introdução da ação mais
relatável como uma unidade estrutural na seção 5. A resolução pode ser vista logicamente
como a série de ações complicadora que seguem e0, e não as que precedem.

(11.1) Definição: A resolução de uma narrativa pessoal é o conjunto de ações


complicadoras que seguem o evento mais relatável.

Na narrativa (1), não parece haver uma seção de resolução distinta. Numa primeira
olhada, a narrativa termina com o evento mais relatável, assim a resolução coincide com
e0. Um exame mais detalhado mostra que (1j, k) não é o evento mais relatável, mas mas
um relato do evento mais relatável, que é, ele próprio, implicado e não relatado. Isso é
uma resolução?
L&W definiram a coda como a sentença ou sentenças que apresentam o retorno
narrativo ao momento em que se conta a história, assim, a questão “E o quem aconteceu
depois?” deixa de ser adequada. Isso não significa que o ouvinte esteja automaticamente
satisfeito com toda a informação dada como conseqüência do evento mais relatável. Se a
resolução não é satisfatória nesse aspecto, o ouvinte terá a impressão de que a narrativa
está incompleta. Eu investiguei um bom número de ouvintes quanto à sua reação para a
narrativa (1) em relação a esse aspecto, e o consenso parece ser que a narrativa caminha
para um final. Shambaugh pausou nesse ponto o bastante para eu fazer uma pergunta, e
numa série de trocas, aprendi que a faca do marinheiro norueguês tinha cortado sua
garganta mas não tinha atingido a veia jugular; que Shambaugh, de fato, tinha uma faca no
seu quarto, acima; que um de seus amigos tinha acertado o marinheiro norueguês com uma
cadeira; e que a pancada o matara. Esses fatos são interessantes, e sua ausência na narrativa
joga luz na abordagem de Shambaugh ao assunto. Mas eles não fazem parte da narrativa
tal como ela está, agora, constituída, e nós precisamos inferir que (1j, k) é de fato sua
resolução.

12. Conclusão

A análise de L&W introduziu a definição de narrativa como uma técnica de relatar


eventos passados por meio de juntura temporal e estabeleceu uma base para a compreensão
da organização temporal e para a avaliação da narrativa. Esta contribuição explorou mais o
conceito de “relatabilidade”, argumentando que o evento mais relatável é um eixo
semântico e estrutural a partir do qual a narrativa está organizada. Dada uma relação inicial
inversa entre credibilidade e relatabilidade, segue-se que narradores que comandam a
atenção e o interesse de seus ouvintes normalmente maximizar a credibilidade pelo relato
objetivo de eventos.
A segunda metade desta contribuição foca sobre a capacidade de uma narrativa
transferir a experiência do narrador aos ouvintes. Essa capacidade depende da propriedade
única e definitiva da narrativa pessoal de que eventos são experimentados da mesma
maneira que eles foram inicialmente conhecidos pelo narrador. Propõe-se que a
transferência da experiência de um evento aos ouvintes ocorra a proporção que eles se
tornam conscientes dela, como se ela fosse de sua própria experiência. Segue-se que isso
somente é possível se o narrador reporta eventos como experiências objetivas sem
referência ás reações emocionais do narrador.
Também foi proposto que uma narrativa pode ser vista como uma teoria das causas do
evento mais relatável, assim que o ato interpretativo crucial é a posição da orientação como
Análise da narrativa 17
William Labov trad. Waldemar Ferreira Netto

a situação que não precisa de uma causa explícita. A cadeia de um evento causal
selecionado na narrativa está intimamente ligada com a atribuição de elogio e culpa para as
ações relatadas. Essa visão da narrativa como uma teoria do comportamento moral e o
narrador como um expoente das normas culturais será feita em publicações posteriores.

Referências bibliográficas

LABOV, William. The Social Stratification of English in New York City. Washington D.
C.: Center for Applied Linguistics, 1966.
LABOV, William. Language in the Inner City. Philadelphia: Univ. of Pennsylvania Press,
1972
LABOV, William. Speech actions and reactions in personal narrative. In D. Tannen (ed.),
Analyzing Discourse: Text and Talk. Georgetown University Round Table. Washington,
DC: Georgetown University Press, 1981. p. 217-247.
LABOV, William; WALETZKY, Joshua. Narrative analysis. In J. Helm (ed.). Essays on
the Verbal and Visual Arts. Seattle: University of Washington Press, 1967. p. 12-44
LABOV, William; FANSHEL, David. Therapeutic Discourse: Psychotherapy as
Conversation. New York: Academic Press, 1977.
LABOV, William; COHEN, P.; ROBINS, C.; LEWIS, J. A study of the non-standard
English of Negro and Puerto Rican Speakers in New York City. Cooperative Research
Report 3288, 1968. Vols. I and II. Philadelphia: U. S. Regional Survey (Linguistics
Laboratory, U. of Pa.)
O'NEILL, Eugene. Long Day's Journey into Night. New Haven: Yale University Press,
1956.
SACKS, Harvey. Lectures on Conversation. Volume I and II. Edited by Gail Jefferson.
Cambridge: Blackwell, 1992.

Notas
1
Particularamente, The re-organization of reality, the lectures given at the University of
Rochester, October , 1977; The vernacular origins of epic style, the W. P. Ker Lecture at
the U. of Glasgow, May 4, 1983; On not putting two and two together: the shallow
interpretation of narrative, Pitzer College, March 10, 1986; e um grande número de
apresentações de narrativa sob o título de Great Speakers of the Western World.
2
A forma mais recente da abordagem apresentada aqui é o produto de um curso sobre
Análise da Narrativa que eu ministrei em Penn, no outono de 1976, é que está em débito
com as contribuições dos membros daquele curso. Eu gostaria de agradecer, em particular,
Trevor Stack, Matt Rissanen, Kirstin Smith, Pierette Thibault e Dr. Herbert Adler.
3
De fato, uma abordagem para a definição de conversas é vê-las como uma maneira de
instanciar princípios gerais por meios de narrativas.
4
Essa narrativa é uma das que foram discutidas detalhadamente na exploração das
relação de fala e violência, em Labov (1981).
5
A questão dos eventos ordenados nas citações é difícil; meu melhor julgamento é que
as locuções de (g) e (h) poderiam ter sido produzidas em outra ordem, sem mudar sua
força lógica ou interativa, e isso também para (j) e (k). Mas, para o momento, eu tomo a
Análise da narrativa 18
William Labov trad. Waldemar Ferreira Netto

narrativa literalmente, dizendo que os dois conjuntos de locuções estão assim ordenados. A
questão se (e,f,g) estão bem ordenados entre elas mesmas também está em aberto.
6
Se nós interpretamos a construção gramatical como derivada de “E a próxima coisa
que eu me lembro...”, então o verbo poderia ser uma sentença seqüencial, o que não é
comum. “A próxima coisa que eu lembro” tem de ser interpretada como equivalente à
“Seguinte...”
7
Já não é mais necessário empenhar-se numa tabulação enfadonha o escopo das
sentenças livres, incluindo todas a que sentenças que precedem e que segue, os número
podem ter mudanças a cada vez que nós revisemos a transcrição.
8
Isso não evita a presença de elementos de humor em uma narrativa que é basicamente
séria: o que interessa aqui é que a narrativa é compreendida como uma afirmação de que os
eventos naturalmente tomaram lugar mais ou menos da maneira relatada.
9
O uso de “virar” em (1e) é um dos muitos verbos de movimente que foram usados
para amplificar o grau de atividade do narrador, que não envolve, necessariamente, uma
ação observável.
10
Na visão de Sacks, os ouvintes não estão de fato sujeitos à experiência do narrador;
isso não pode tornar-se experiência deles (1992 II, p. 242-248). Mesmo que não se possa
duvidar da afirmação fundamental de Sacks de que a experiência não pode ser transferida
tão facilmente como a informação; este artigo está baseado nas descobertas empíricas de
que algum grau de experiência foi de fato transferida.

Você também pode gostar