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Os primeiros passos na análise da narrativa dados por Joshua Waletzky e por mim
mesmo foram um subproduto dos métodos de trabalhos de campo sociolingüístico que
haviam sido desenvolvidos nas pesquisas do Lower East Side (LABOV, 1966) e no
trabalho que nos engajou nesse tempo: o estudo do African American Vernacular English
in South Harles (LABOV; COHEN; ROBINS; LEWIS, 1968). Nós definimos a língua
vernácula como a forma de língua adquirida primeiro, perfeitamente aprendida, e usada
somente entre falantes da mesma língua vernácula. O esforço para observar como os
falantes falavam quando eles não estavam sendo observados criou o Paradoxo do
Observador. Entre as soluções parciais para esse paradoxo nas entrevista face-a-face, o
estímulo à produção de narrativas de experiências pessoais mostraram-se as mais eficazes.
Nós fomos, então, levados a compreender tanto quanto poderíamos sobre a estrutura dessas
narrativas e como elas eram introduzidas nas conversas do dia-a-dia que nossas entrevistas
simulavam. Labov e Walezky (1967) apresentaram uma estrutura que se mostrou útil para
a narrativa em geral, como este trabalho demonstra.
Desde aquele tempo, eu publiquei somente uns poucos estudos de narrativa (LABOV,
1972; LABOV; FANSHEL, 1977; LABOV, 1981). Isso não quer dizer que eu tenha
perdido o interesse nesse objeto, pois eu escrevi e divulguei muitos ensaios inéditos nessa
área.1 Mas eu não tinha levei esses ensaios até a publicação porque a análise da narrativa
estava competindo com estudos quantitativos da variação e da mudança lingüística, em que
teorias cumulativas podiam ser construídas a partir de resultados decisivos para discussões
consecutivas mais gerais. A discussão da narrativa e de outros eventos da fala no nível do
discurso muito raramente permitem-nos provar alguma coisa. É um estudo essencialmente
hermenêutico, em que a associação contínua com o discurso, tal como ele foi mostrado,
alcança a perspectiva do falante e de seu ouvinte, dando curso à transferência da
informação e da experiência de uma maneira que aprofunda nossa própria compreensão do
que são aproximadamente a linguagem e a vida social. O dado mais importante que eu
recolhi sobre a narrativa não foi escolhido da observação da produção de fala nem de
experimentos controlados, mas da reação dos ouvintes das narrativas quando eu lhas
repassava. De uma maneira regular e predizível, algumas narrativas produziam nos
ouvintes uma grande atenção que criava um silêncio e uma imobilidade ininterruptas, um
efeito que continua muito tempo depois da seu término. É o esforço para compreender o
poder irresistível de tais narrativas que me trouxe ao ensaio atual, um resumo de um
tratamento mais estendido das narrativas de experiências pessoais de follow.2
Labov e Waletzky demonstraram que o esforço para compreender uma narrativa é
responsável por uma estrutura formal, particularmente na definição de narrativa como a
escolha de uma técnica lingüística específica para reportar eventos passados. A estrutura de
L&W desenvolvida para narrativas orais de experiência pessoal mostrou-se útil na
Análise da narrativa 2
William Labov trad. Waldemar Ferreira Netto
Essa definição está baseada na concepção inicial de L&W; uma definição que separa a
narrativa nesse sentido de outros meios de contar uma história ou de recontar o passado. É
uma segregação arbitrária no sentido da narrativa para propósitos técnicos, mas que se
mostrou muito útil. Especificando que a experiência precisa ter lugar na biografia do
falantes, eu distingo narrativas de uma mera recontagem de observações tais como os
eventos de uma parada por uma testemunha olhando por uma janela. Isso acarretará que
eventos que tiverem lugar na biografia do falantes sejam social e emocionalmente
avaliados e, assim, transformados pelos experiência.
Análise da narrativa 4
William Labov trad. Waldemar Ferreira Netto
Essa discussão sobre organização temporal inclui uma nova peça terminológica que não
estava presente em L&W, um “sentença seqüencial”.
(1.1) Definição: Duas sentenças estão separadas por uma juntura temporal se a inversão
de sua ordem resultar na mudança que o ouvinte faz na interpretação da ordem dos eventos
descritos.
Assim, todas as sentenças em (1) estão separadas por uma juntura temporal com as
seguintes exceções: (a) e (b) sobrepõem-se, por isso não há juntura entre elas, e (i)
sobrepõe-se a (j) e a (k), assim, não há juntura entre (i) e (j).5
(1.1.1) Implicação [e definição de uma narrativa mínima]: Uma narrativa precisa conter
pelo menos uma juntura temporal.
Como L&W mostraram, histórias podem ser contadas sem qualquer juntura temporal
pela incorporação sintática, uso do passado perfeito ou outros artifícios gramaticais. A
juntura temporal é a maneira mais simples, mais conveniente ou não-marcada de recontar o
passado.
(1.2) Definição: Uma sentença seqüencial é uma sentença que pode ser um elemento de
uma juntura temporal.
Qualquer relação temporal de uma sentença subordinada à sua principal será indicada
por sua conjunção subordinativa como antes ou depois. Outras conjunções subordinativas
como sobre em (1c) podem somente indicar simultaneidade. Sentenças subordinadas (isto
é, dependentes) não podem, então, entrar em juntura temporal.
(1.2.1) Implicação: Todas sentenças seqüenciais são sentenças independentes (mas nem
todas sentenças independentes são sentenças seqüenciais).
Para uma sentença independente ser uma sentença seqüencial, sua cabeça precisa incluir
um tempo que é não somente dêitico, indicando um domínio temporal específico, mas
identificar relações seqüenciais de tempo. O passado progressivo do inglês designa um
tempo antes do tempo do falantes mas não foca o ponto inicial ou final desse tempo. Pode
o progressivo atuar como cabeça de uma sentença seqüencial? Um grande número de casos
como (i1) indicam que essa possibilidade existe. O progressivo em (li) é simultâneo com
(j,k), mas parecer estar na seqüência de (h).6
(1.2.2) Implicação: [Em inglês], sentenças seqüenciais são encabeçadas por verbos no
tempo passado, passado progressivo, ou no tempo presente com interpretação semântica de
passado (presente histórico).
Nós podemos empregar essas definições para dar um quadro mais claro e mais simples
do que o conjunto temporal que L&W apresentaram. Com a sentença narrativa definida
sobre a base de sentenças seqüenciais — sentenças que tenham juntura temporal — é
possível focalizar especialmente as relações temporais de sentenças narrativas e excluir
outras.7
Nas convenções de transcrição seguidas aqui, o raio de ação de uma narrativa é indicado
por uma subscrito esquerdo que indica o número da sentença narrativa precedente, com
que a sentença particular é simultânea, e um subscrito direito que é o número da sentença
seguinte. O raio de ação é a soma das duas.
(2.2) Definição: Uma sentença livre é uma sentença que refere à uma condição que seja
verdadeira durante toda a narrativa.
(2.2.1) Implicação: Uma sentença livre não pode servir como uma sentença seqüencial
na narrativa em que ela é livre.
(2.4) Definição: Uma sentença narrativa com um raio de ação maior do que zero é uma
sentença restritiva.
Nós podemos reescrever (1) com um raio de ação e com classes de sentenças indicadas.
Na narrativa, uma distinção importante entre ações e citação é que as ações freqüentemente
sobrepõem-se, enquanto que as citações raramente fazem isso. A regra de que uma pessoa
fale de cada vez nunca é esquecida em uma narrativa pessoal.
Aqui, o subscrito para (a) indica que (a) não é simultâneo com nenhum evento
precedente, mas sobrepõem-se com os dois seguintes (e com a sentença livre (d), que não é
considerada). Mas ela não é simultânea com (e), uma vez que mostra que Shambaugh não
está mais simplesmente sentado bebendo à mesa.
Nós agora vamos considerar os tipos estruturais de sentenças narrativas introduzidas por
L&W. O principal acréscimo a essa parte da estrutura é que sentenças de ação
complicadores são sentenças necessariamente seqüenciais, elas podem participar de
junturas temporais; isso não é verdadeiros para resumos, orientações e codas.
(3.1) Definição: Um resumo é uma sentença inicial em um narrativa que relata uma
seqüência de eventos da narrativa.
(3.2) Definição: Uma sentença de orientação dá informação sobre o tempo, lugar dos
eventos de uma narrativa, a identidade dos participantes e seu comportamento inicial.
(3.4) Definição: Uma coda é uma sentença final que retorna a narrativa ao tempo do
falante, impedindo uma questão potencial “E, então, o que aconteceu?”
Todas são muito auto-explicativas, mas também muito incompletas. Falta até agora a
noção de uma conclusão ou de uma resolução, que não pode ser definida até o conceito de
“evento mais relatável” ser introduzido. Mais importante é o fato de que muitas sentenças
nas narrativas não fazem nenhuma dessas coisas. A grande questão da análise de L&W é
provocar a questão: “Se uma narrativa é um relato de eventos que ocorreram, porque nós
encontramos sentenças encabeças por negativas, futuros e modais nas narrativas?” Ou,
colocando isso de outra maneira, sob quais condições é relevante falar sobre o que não
aconteceu mas que poderia ter acontecido. A contribuição primária deste ensaio é
estabelecer a relação dessa questão estrutural com o conceito socio-emocional de
“avaliação”.
Análise da narrativa 7
William Labov trad. Waldemar Ferreira Netto
4. Avaliação
Ainda que esteja muito próximo, isso não está relacionado por si só aos traços
estruturais da narrativa descritos na seção 2. L&W discutiram muitos tipos de estruturas
lingüísticas que serviram à função de avaliar eventos narrativos, incluindo ênfase,
estruturas paralelas e comparativas. Em grande medida, os mais importantes deles eram os
modais, os negativos e os futuros que foram questionados acima.
Nossa proposta é que essas referências a eventos que não ocorreram, que poderiam ter
ocorrido, ou que poderiam servir com um propósito avaliador, eram a questão teórica
principal de L&W, e poderiam ser descritos como:
(4.3) L&W Hipótese 1: Uma sentença narrativa em um modo irrealis é uma sentença
avaliadora.
Mais genericamente, olhando para comparativas, podemos avançar nesse propósito para
um nível de um teorema:
A partir de trabalhos que seguiram diretamente L&W, nós sabemos que a freqüência de
sentenças irrealis em narrativas cresce rapidamente com a idade, tão logo os falantes
adquirem habilidade para avaliar sua experiência (LABOV, 1972).
Finalmente, nós distinguiremos entre uma sentença avaliadora e uma seção avaliadora.
O material avaliador é normalmente espalhado ao longo de uma narrativa, mas mais
freqüentemente ele está concentrado de uma maneira que suspende o movimento seguinte
da ação. Mais genericamente, nós definimos tais seções:
A aplicação desse concepção de avaliação a (1) é imediata, exceto pelo problema das
citações. Por um lado (1g) pode ser vista como uma ação simples que é um evento preso:
Shambaugh disse alguma coisa para o marinheiro norueguês. Por outro lado, o que ele
disse representa duas ações de fala distintas (=”se eu não quero fazer uma ação mínima
Análise da narrativa 8
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como mexer com você, segue que eu não quero fazer nenhuma ação mais importante.”).
De tudo o que sabemos sobre a conectividade dos atos de fala, a análise deve
objetivamente atingir o nível mais abstrato de ação. Contudo, é no nível da gramática das
sentenças que nós encontraremos nossas pistas mais diretas para a avaliação. Quando um
ator na narrativa é animado para falar diretamente, não importa sobre qual tópico ou para
qual destinatário, a situação atual está apta para avaliação. O uso de negativas,
comparativos, modais ou futuros deve lido então como uma forma e avaliação. Nesse
sentido (1h) avalia a situação narrativa comparando-o com outra na qual Shambaugh
gostaria de zombar de outro, e em (1j) outro avalia a situação em comparação com uma em
que seria seguro para Shambough mover sua cabeça. A atribuição de categorias estruturais
para as 12 sentenças está de acordo com a de (1).
(1")
OR 0a2 restritiva Ah! Eu tava sentado numa mesa bebendo
CA 1b0 restricted esse marinheiro norueguês veio pra cima de mim
CA 0c0 bound ele continuou falando um monte de merda sobre eu estar sentado com a
mulher dele.
ORd free todo mundo que tava sentado na mesa comigo era meu companheiro de navio.
CA 0e0 bound Então eu virei para trás CA 0f 0 bound e empurrei ele
CA 0g0 bound e eu falei para ele, eu disse "Sai! EV 0h0 bound Eu nem mesmo quero
mexer com você." E a próxima coisa que eu me lembro
CA 0i2 restricted eu estava no chão, com sangue em cima de mim
EV 1j0 restricted "Não mexe sua cabeça.
CA 0k0 bound Sua garganta tá cortada.
(5.1) Teorema da Atribuição de Sacks: Na conversa livre, os falantes não têm controle
sobre a atribuição do falante no segundo ou terceiro turno seguintes ao seu turno, mas o
desempenho da narrativa efetivamente reivindica o retorno da atribuição da fala ao
a
N.T.: no inglês reportability
Análise da narrativa 9
William Labov trad. Waldemar Ferreira Netto
Esse princípio de Sacks tem quatro implicações que apontam para uma nova definição
de possibilidade de um evento ser narrado.
(5.1.1) Implicação 1: Uma vez que uma narrativa requer uma série de unidades
narrativas maiores do que o turno normal permite, a compleição bem-sucedida da narrativa
requer re-atribuições automáticas do papel de falante ao narrador após o turno seguinte de
uma fala, se a narrativa não for completada naquele turno.
(5.1.2) Implicação 2: Uma narrativa precisa ser introduzida por um ato de fala que
informe ao ouvinte que será necessário fazer uma reatribuição ao narrador se a narrativa
não for completada na seqüência da fala.
(5.1.3) Implicação 3: Ouvintes têm um meio seguro de reconhecer o final das narrativas.
(5.1.4) Implicação 4: Para ser uma ato social aceitável, uma narrativa precisa ser aceita
como justificativa para a reatribuição automática de turno ao narrador.
Nós podemos, agora, reintroduzir uma definição de um evento relatável numa narrativa,
não em termos de um conceito geral, mas de um evento com essa possibilidade na
narrativa.
(5.2.1) Implicação: Para ser um ato social aceitável, uma narrativa de experiência
pessoal deve conter ao menos um evento relatável.
Está claro que a relatabilidade de um mesmo evento vai variar bastante dependendo da
idade, da experiência, dos padrões culturais do falante, e, mais importante, do contexto
social imediato com suas propostas competindo por uma re-atribuição do papel do falante.
Os princípios universais de interesse que subjazem à essa abordagem da narrativa
estabelecem que alguns eventos sejam sempre portadores de um grau maior de
relatabilidade: os que tratam de morte, de sexo e de indignações morais. No entanto, um
passo fora desses parâmetros levam-nos a um alto grau de contextualização da
relatabilidade que somente uma pessoa intimamente familiarizada com a audiência e com a
história recente da situação social pode estar segura de não dar um errar na introdução de
uma narrativa. Essa relativização da relatabilidade não nos previne, entretanto, de um
reconhecimento de graus de relatabilidade com alguma confiança, na própria narrativa. De
fato, a criação de uma narrativa e a continuidade das estruturas narrativas são dependentes,
sobretudo do reconhecimento de um evento único que é o “mais relatável”.
(5.3) Definição: O evento mais relatável é o evento que é menos comum do que
qualquer outra na narrativa e que tem um muito grande efeito nas necessidade e desejos
dos participantes da narrativa [é mais fortemente avaliado].
relatar o evento mais relatável. A narrativa (1) é introduzida como uma situação em que
Shambaugh esteve próximo de morrer. O evento mais relatável nessa narrativa é que o fato
de que o marinheiro norueguês cortou a garganta de Shambaugh. O problema da
construção narrativa é construir uma série de eventos que inclua, de maneira lógica e
significativa, esse evento mais relatável. Mas, antes de considerar como isso é feito, nós
precisamos reconhecer outra dimensão, ortogonal à relatabilidade. Dadas as restrições de
situações sociais e a pressão para assegurar o propósito do falante, é normal para os
falantes levar adiante narrativas de eventos mais relatáveis de sua biografia mais
imediatamente relevantes. Segue-se que:
(5.3.1) Implicação: O evento mais relatável de uma narrativa é a maior justificativa para
uma atribuição automática do papel de falante ao narrador.
6. Credibilidade
No início, notava-se que essa abordagem das narrativas estava baseada em explicações
sérias e diretas do eventos que eram expostos para ter de tomar lugar, e não de piadas,
contos, sonhos ou outros gêneros de natureza menos séria. A narrativa é então ouvida
como uma exposição em que os eventos narrados ocorreram, formando uma maneira
grosseiramente semelhante à explicação verbal. Isso imediatamente envolve o conceito de
credibilidade da narrativa.
(6.3) Teorema: Uma narrativa séria que não consiga a credibilidade é considerada ter
falhado, e a reivindicação dos narradores da re-atribuição do papel de falante será
considerada então como inválida.
como outras prerrogativas sociais. É um resultado que deve, normalmente, ser evitado.
(6.3.1) Implicação: Ao mais relatável dos eventos de uma narrativa, o narrador deve
devotar o maior esforço possível para dar-lhe credibilidade.
7. Causalidade.
Dado o fato de que o narrador decidiu produzir uma narrativa sobre o evento mais
relatável, considerações de credibilidade dirigem logicamente e inevitavelmente ao
mecanismo seguinte de uma construção narrativa:
1. O narrador primeiro seleciona o evento mais relatável e-0, a partir do qual a narrativa
vai se desenvolver.
2. O narrador, então, seleciona o evento primeiro e-1 que é causa eficiente de e-0, que é
a resposta à questão sobre e-0 “Como isso aconteceu?”
3. O narrador continua o processo do passo 2, recursivamente, até um evento e-n se
atingido para o qual a questão do passo 2 não ser apropriada.
A questão “Como isso aconteceu?” não é apropriada quando a resposta é “Porque esse
tipo de coisa (normalmente) acontece”. O evento e-n é a Orientação da narrativa, mais
especificamente, o contexto comportamental da Orientação. Em (1), tal orientação está
apresentada por (a). Shambaugh não necessita explicar porque ele estava com seus colegas
marinheiros sentados em um bar bebendo: é o tipo de coisa que eles sempre fazem em um
porto, e o ouvinte sabe disso.
Não temos evidência direta da seqüência dos passos 1...3; a visão da narrativa como
uma teoria popular da causalidade não decorre de nenhuma observação. É uma implicação
necessária de todas as definições e implicações das seções 5 e 6. Há muitos detalhes e
complicações na descrição completa das opções disponíveis para o narrador construir sua
teoria causal. No caso da narrativa (1), a seqüência causal dos eventos reconstruídos a
partir da forma da explicação de Shambaugh podem ser dados como a seguir:
(7.2)
e4 Orientação: Shambaugh e seus amigos marinheiros estava em uma mesa bebendo
e3 [Por uma razão não conhecida], um marinheiro norueguês veio reclamar com
Shambaugh de um fato inexistente.
e2 [Porque não havia base para a reclamação,] Shambaugh rejeitou a reclamação
e1[Porque não havia mais nada para dizer,] Shambug virou as costas para o marinheiro
e0 [Porque Shambaugh virou as costas para o marinheiro,] o marinheiro foi capaz de
cortar a garganta de Shambaugh.
As relações causais não estão dadas tão explicitamente na narrativa como em (7.2). A
base causal de e2 é dada pela palavra “merda” em (1c) e em (1d). e1 está implicada mas
não explicitada. A ligação causal entre e1 e e0 é normalmente dada por Shambaugh na
discussão que se segue na narrativa. A moral que ele evoca da história é que na próxima
vez, se ele empurrar alguém, ele mesmo deverá ficar de pé e bater no outro. A teoria de
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Shambaugh dos eventos é, então, que ele teve a garganta cortada porque deu as costas para
alguém cujo comportamento é de uma maneira incompreensível.
Há alguma controvérsia na redução de uma afirmação narrativa a uma causal, e, sem
dúvida, haverá grandes variações em tais atos de interpretação. A construção essencial é
que há a proposição de uma cadeia de eventos orientando-se ao evento mais relatável.
Eventualmente decorre que a seleção da orientação é um ato crucial da interpretação do
seqüência dos eventos, e uma etapa necessária no aspecto seguinte da narrativa, atribuição
do elogio e da culpa.
Assim, pode-se ver de forma subjacente nesses eventos a possibilidade de que tenha
havido, de fato, uma mulher sentada por perto, que tivesse vindo originalmente com o
marinheiro norueguês, ou que tivesse estado com ele; que ela tivesse se juntado ao grupo
de Shambaugh, ou que esse grupo tivesse se juntado a ela, sem perceber nenhuma conexão
entre ela e o marinheiro norueguês; que ela tivesse tomado um poucos drinques, ou
customers; e que o marinheiro norueguês tivesse em seus próprios olhos uma reclamação
Análise da narrativa 13
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9. Ponto de vista
Um traço das narrativas orais da experiência pessoal que as distingue mais nitidamente
da narrativa literária é que, na literatura, podem-se mudar pontos de vista, tomar um ponto
de vista impessoal e entrar na consciência de qualquer um ou de todos os atores. Nas
narrativas orais de experiência pessoal, há somente um opção. Os eventos são vistos pelos
olhos do narrador.
Na narrativa literária, não é raro mudar de ponto de vista, para dar informação sobre
eventos que ocorreram em um ponto de anterior no tempo. Classicamente, isso é expresso
como um flashback: “Enquanto isso, voltando à fazenda...” Trata-se de uma descoberta
empírica de algum peso o fato de que flashbacks não são usados no tipo de narrativa que
nós estamos abordando aqui.
A condição de não haver flashback tem validade para um grande número de narrativas
de experiência pessoal que têm sido coletadas e estudadas pro muitos anos. Na narrativa
(1), a garganta de Shambaugh é cortada sem que ele perceba. Não sabemos que isso
aconteceu até que Shambaugh saiba disso. Pode-se construir facilmente uma narrativa na
qual técnica oposta seja usada. Por exemplo, “A próxima coisa de que eu lembro era eu
estar deitado no chão, com sangue em cima de mim. Ele tinha tirado uma faca em me
cortado antes que eu percebesse o que tinha acontecido. Um cara me contou, ele disse...”
Mas tais exemplos não têm sido encontrados. O passado perfeito é usado, mas somente
para relatar eventos que o narrador já conhecia no tempo em que ele estava relatando.
Talvez venham a ser encontrados exemplos se a busca continuar o bastante para isso, mas,
por agora, parece ser um fato empírico a condição de não haver flashbacks nas narrativas
orais de experiência pessoal.
10. Objetividade
Entre as milhares narrativas pessoais que têm sido gravadas e estudadas nas últimas
poucas décadas passadas, encontramos uma quantidade considerável de variabilidade no
grau de objetividade. L&W apresentam uma escala de objetividade de afirmações
avaliativas cujo alcance vem dos relatos das emoções internas relativas a eventos e objetos
materiais.
Em geral, encontramos narrativas de classe média alta, de falantes com nível superior,
tendendo a reportar as emoções do narradores. Em contraste, muitos narradores da classe
trabalhadora são econômicos no seu relato de sentimentos subjetivos. Foi surpreendente
para mim, verificar que a “subjetividade” característica dos falantes de classe média é
considerada uma qualidade positiva por escritores terapeuticamente orientados, e pessoas
que não relatam suas emoções nas narrativas de perda, por exemplo, são consideradas
estarem sofrendo algum dano de suas habilidades normais e desejáveis. Minha própria
experiência de recontar narrativas para várias experiências indicam uma escala de valores
um pouco diferente. As narrativas que têm grande impacto sobre os ouvintes no sentido
das linhas apontadas acima — que prendem a atenção dos ouvintes e permitem-lhes
compartilhar a experiência do narrador — são as que usam os meios de expressão mais
objetivos. Para apresentar esse argumento com mais exatidão, algumas definições são
necessárias.
(19.1) Definição: Um evento objetivo é aquele que se torna conhecido do narrador por
meio da experiência dos sentidos. Um evento subjetivo é aquele de que o narrador é
informado através da memória, da reação emocional ou na sensação interna.
A observação geral que narrativas que relatam a experiência mais objetivamente são
mais eficazes do que as que relatam subjetivamente não é uma afirmação fortemente
evidenciada; não há dados fortes para sustentar isso. Entretanto, alguma evidência
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(10.2) Teorema: Uma vez que se concorde que a observação do narrador possa ser
afetada por seu estado interno, relatos de eventos objetivos são mais críveis do que de
eventos subjetivos.
Para explorar o muitos meios em que abordagens objetivas e subjetivas das narrativas
diferem ter-se-ia que ir além do escopo desse breve sumário. As sentenças da narrativas (1)
são inteiramente objetivas. Em nenhum momento há qualquer afirmação que descreva
como o ator se sente. Nós falamos o que ele disse e o que ele fez. As afirmações de
conclusão de (1j, k) são as de uma terceira pessoa que testemunhou o evento, mais
objetivas do que qualquer afirmação do ator principal. Propõe-se aqui que essa
objetividade é uma condição necessária para a capacidade de narrativas como (1) para
transmitir a experiência aos ouvintes. Para desenvolver esse ponto claramente, uma nova
implicação pode ser descrita a partir das descobertas (9.2):
A condição “se” pode ser expandida para significar que os ouvintes alcançam a
consciência dos eventos da mesma maneira que o narrador alcançou-a. A condição
essencial de não haver flashback advém imediatamente dessa condição. Se o teorema
(10.3) permite, duas conseqüências imediatamente seguem para marcar o limite da
transferência da experiência na narrativa pessoal.
Essas duas implicações apontam para mais uma proposição que é mais do que um
implicação. Ela combina as experiências derivadas de re-contar histórias e observações das
diferenças das classes sociais na estrutura narrativa com a lógica de 10.3.1-2 para derivar o
seguinte teorema:
11. Resolução.
conseqüência; não houve um meio muito preciso de distingui-la das últimas ações
complicadoras. Mas a situação é drasticamente alterada com a introdução da ação mais
relatável como uma unidade estrutural na seção 5. A resolução pode ser vista logicamente
como a série de ações complicadora que seguem e0, e não as que precedem.
Na narrativa (1), não parece haver uma seção de resolução distinta. Numa primeira
olhada, a narrativa termina com o evento mais relatável, assim a resolução coincide com
e0. Um exame mais detalhado mostra que (1j, k) não é o evento mais relatável, mas mas
um relato do evento mais relatável, que é, ele próprio, implicado e não relatado. Isso é
uma resolução?
L&W definiram a coda como a sentença ou sentenças que apresentam o retorno
narrativo ao momento em que se conta a história, assim, a questão “E o quem aconteceu
depois?” deixa de ser adequada. Isso não significa que o ouvinte esteja automaticamente
satisfeito com toda a informação dada como conseqüência do evento mais relatável. Se a
resolução não é satisfatória nesse aspecto, o ouvinte terá a impressão de que a narrativa
está incompleta. Eu investiguei um bom número de ouvintes quanto à sua reação para a
narrativa (1) em relação a esse aspecto, e o consenso parece ser que a narrativa caminha
para um final. Shambaugh pausou nesse ponto o bastante para eu fazer uma pergunta, e
numa série de trocas, aprendi que a faca do marinheiro norueguês tinha cortado sua
garganta mas não tinha atingido a veia jugular; que Shambaugh, de fato, tinha uma faca no
seu quarto, acima; que um de seus amigos tinha acertado o marinheiro norueguês com uma
cadeira; e que a pancada o matara. Esses fatos são interessantes, e sua ausência na narrativa
joga luz na abordagem de Shambaugh ao assunto. Mas eles não fazem parte da narrativa
tal como ela está, agora, constituída, e nós precisamos inferir que (1j, k) é de fato sua
resolução.
12. Conclusão
a situação que não precisa de uma causa explícita. A cadeia de um evento causal
selecionado na narrativa está intimamente ligada com a atribuição de elogio e culpa para as
ações relatadas. Essa visão da narrativa como uma teoria do comportamento moral e o
narrador como um expoente das normas culturais será feita em publicações posteriores.
Referências bibliográficas
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Cambridge: Blackwell, 1992.
Notas
1
Particularamente, The re-organization of reality, the lectures given at the University of
Rochester, October , 1977; The vernacular origins of epic style, the W. P. Ker Lecture at
the U. of Glasgow, May 4, 1983; On not putting two and two together: the shallow
interpretation of narrative, Pitzer College, March 10, 1986; e um grande número de
apresentações de narrativa sob o título de Great Speakers of the Western World.
2
A forma mais recente da abordagem apresentada aqui é o produto de um curso sobre
Análise da Narrativa que eu ministrei em Penn, no outono de 1976, é que está em débito
com as contribuições dos membros daquele curso. Eu gostaria de agradecer, em particular,
Trevor Stack, Matt Rissanen, Kirstin Smith, Pierette Thibault e Dr. Herbert Adler.
3
De fato, uma abordagem para a definição de conversas é vê-las como uma maneira de
instanciar princípios gerais por meios de narrativas.
4
Essa narrativa é uma das que foram discutidas detalhadamente na exploração das
relação de fala e violência, em Labov (1981).
5
A questão dos eventos ordenados nas citações é difícil; meu melhor julgamento é que
as locuções de (g) e (h) poderiam ter sido produzidas em outra ordem, sem mudar sua
força lógica ou interativa, e isso também para (j) e (k). Mas, para o momento, eu tomo a
Análise da narrativa 18
William Labov trad. Waldemar Ferreira Netto
narrativa literalmente, dizendo que os dois conjuntos de locuções estão assim ordenados. A
questão se (e,f,g) estão bem ordenados entre elas mesmas também está em aberto.
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Se nós interpretamos a construção gramatical como derivada de “E a próxima coisa
que eu me lembro...”, então o verbo poderia ser uma sentença seqüencial, o que não é
comum. “A próxima coisa que eu lembro” tem de ser interpretada como equivalente à
“Seguinte...”
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Já não é mais necessário empenhar-se numa tabulação enfadonha o escopo das
sentenças livres, incluindo todas a que sentenças que precedem e que segue, os número
podem ter mudanças a cada vez que nós revisemos a transcrição.
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Isso não evita a presença de elementos de humor em uma narrativa que é basicamente
séria: o que interessa aqui é que a narrativa é compreendida como uma afirmação de que os
eventos naturalmente tomaram lugar mais ou menos da maneira relatada.
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O uso de “virar” em (1e) é um dos muitos verbos de movimente que foram usados
para amplificar o grau de atividade do narrador, que não envolve, necessariamente, uma
ação observável.
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Na visão de Sacks, os ouvintes não estão de fato sujeitos à experiência do narrador;
isso não pode tornar-se experiência deles (1992 II, p. 242-248). Mesmo que não se possa
duvidar da afirmação fundamental de Sacks de que a experiência não pode ser transferida
tão facilmente como a informação; este artigo está baseado nas descobertas empíricas de
que algum grau de experiência foi de fato transferida.