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A revista que valoriza o fotógrafo e a fotografia

www.fotografemelhor.com.br
n0 293 | Ano 25

Os retratos
ousados de
Betina Polaroid

As ruas de Curitiba
pelo olhar de
Daniel Castellano

TOGRAFE
GALERIA FO
de
Duas fotos TTO
O L E
MÁRCIA F 50 g em Paisagem
em pap el 2
x 26 cm
formato 20 NE! com tele
COLECIO

Vida selvagem por


Adriano Gambarini

Segredos do
processo criativo
Inspire-se em quatro grandes fotógrafos
para conseguir escapar do lugar-comum

Grandes fotógrafos da edição: Adriano Gambarini Adriano Machado Betina Polaroid Cácio Murilo
Daniel Castellano Guy Veloso Lara Merlin Márcia Foletto Nicholas Nixon Príamo Melo Werther Santana
Fundador
Aydano Roriz
Diretores
Luiz Siqueira
carta ao leitor

F
Tânia Roriz
oram inúmeras as vezes que escutei que tal coisa era fruto de
determinado percentual de inspiração e outro tanto de transpiração.
Diretor Executivo: Luiz Siqueira Podia ser 10% contra 90% ou 20% diante de 80% ou no máximo
Diretor Editorial e Jornalista Responsável:
Roberto Araújo – MTb.10.766 – araujo@europanet.com.br 30% frente a 70%. Em termos médicos, inspirar (do latim inspirare)
nada mais é do que sorver o ar para dentro dos pulmões e depois liberá-lo,
Redação ou seja, expirar. Mas quem trabalha com o subjetivo, com a criação, com a
Diretor de Redação: Sérgio Branco (branco@europanet.com.br)
imaginação, com a invenção precisa ter inspiração, a outra, a que gera uma
Editora de arte e capa: Izabel Donaire
Editor convidado: Érico Elias sensação de prazer, de orgulho, de satisfação quando chega de repente ou
Colaboradora especial: Livia Capeli quando se faz presente em um ciclo de ideias e concepções.
Colaborou nesta edição: Príamo Melo
Revisão de texto: Denise Camargo Pintores, escritores, compositores, escultores, jornalistas, publicitários,
músicos, atores, cartunistas, poetas, artistas em geral e, claro, fotógrafos
Publicidade
publicidade@europanet.com.br precisam de inspiração. É o tal do processo criativo, da fagulha que incendeia
São Paulo a mente, do caminho que leva para além do horizonte, do fio que tece a teia
Equipe de Publicidade: Angela Taddeo, Elisangela Xavier, do saber. Mas inspiração não chega assim, de graça, do nada. A transpiração
Ligia Caetano, Renato Perón e Roberta Barricelli
pode ser vista aí não como um esforço físico que provoca suor, mas sim
Outras Regiões
Head de Publicidade Regional: Mauricio Dias (11) 98536-1555 como o exercício mental de criar repertório para inspirar-se: ler bons livros,
Brasília: New Business – (61) 3326-0205 ver exposições de arte, ir ao teatro, ver bons filmes, escutar boa música, ouvir
Santa Catarina: MC Representações – (48) 9983-2515 boas palestras, estudar a história da arte, buscar referências na fotografia, ver
Publicidade – EUA e Canadá: Global Media, +1 (650) 306-0880
e analisar boas imagens... enfim, se retroalimentar de outras inspirações para
assinaturas e Atendimento ao leitor
Gerente: Fabiana Lopes (fabiana@europanet.com.br) semear a própria inspiração, gerando um ciclo para o processo criativo, que
Coordenadora: Tamar Biffi (tamar@europanet.com.br)
Equipe: Josi Montanari, Camila Brogio e Bia Moreira
logo vira broto e dá flor (ou fruto).
Nesta edição, falamos sobre processo criativo com quatro fotógrafos
atendimento a Livrarias e bancas – (11) 3038-5100
Equipe: Paula Hanne (paula@europanet.com.br) de áreas diferentes e ainda apresentamos outros, em matérias distintas, que
Europa Digital (www.europanet.com.br) também abordam o tema. Entrevistamos quatro, mas poderiam ser 40, ou 400.
Gerente: Marco Clivati (marco.clivati@europanet.com.br)
Equipe: Anderson Ribeiro, Anderson Cleiton e Adriano Severo
Cada fotógrafo tem sua forma de criar, de tentar fugir do lugar-comum, de
escapar de clichês – e essa é uma missão nada fácil para qualquer profissional
Produção, eventos e marketing
Gerente: Aida Lima (aida@europanet.com.br) que trabalha com criação. É certo que muitos não se esforçam a contento,
Arte: Jeff Silva
Equipe: Beth Macedo (produção) e Laura Araújo (arte)
se apegam a receitas que dão certo e vivem em uma zona de conforto que
embala o ego e paga as contas no fim do mês. Porém, mesmo esses, lá no
DISTRIBUIÇÃO E Logística
Coordenação: Henrique Guerche
fundo, ainda sonham com um momento de inspiração.
(henrique.moreira@europanet.com.br) O que buscamos com a matéria é incentivar você a não se acomodar, a não
Equipe: Gabriel Silva e Henrique Kenji
se prender a padrões e sempre tentar ir um pouco mais além, ousar, mesmo
Administração
Gerente: Renata Kurosaki
que não dê certo na primeira vez. Faz parte do jogo o vaivém de tentativa e
Equipe: Paula Orlandini erro. Exercitar a imaginação não faz mal a ninguém e, no caso da fotografia,
Desenvolvimento de pessoal o mundo digital possibilita inúmeras formas de criar, recriar e criar de novo e
Tânia Roriz e Elisangela Harumi
deletar tudo e começar do zero. Inspire-se.
Rua Alvarenga, 1.416 – São Paulo/SP, CEP: 05509-003
Telefone: 0800-8888-508 (ligação gratuita) e
(11) 3038-5050 (cidade de São Paulo)
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Sérgio Branco
Diretor de Redação
Impressão: AR Fernandez

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4 Fotografe Melhor no 292 fotografe@europanet.com.br fotografemelhor.com.br
Ano 25

24
Edição 293

Werther Santana
Fevereiro/Março
2021

Foto de capa:
Cacio Murilo

52
Betina Polaroid
6 Grande Angular
Notícias e novidades

16 Grande Prêmio Fotografe


Tire suas dúvidas sobre o concurso

34
Príamo Melo
18 Portfólio Fotografe
Márcia Foletto, fotojornalismo na veia

20 Fotoclube no MoMA
Fotoclubismo brasileiro ganha mostra 44
24 Processo criativo
Fotógrafos indicam alguns caminhos

34 Betina Polaroid
Daniel Castellano

O mundo das drags pelos olhos dela

44 Olhos sobre a cidade


A Curitiba de Daniel Castellano

58
52 Paisagem com tele
Aprenda com as dicas de Príamo Melo

58 Natureza como ela é


Os conceitos de Adriano Gambarini
Adriano Gambarini
grande angular

Macro com

Gaetano Dario Gargiulo


lente olho-de-
-peixe deu o
principal prêmio
do concurso ao
italiano Gaetano
Dario Gargiulo

Macro de polvo ganha


concurso de fotos subaquáticas
O concurso Ocean Art
Underwater Photo
Competition, organizado pelo
Underwater Photography Guide, anunciou
os ganhadores da edição 2020. Apesar das
no arquipélago dos Açores, território de
Portugal na costa africana. O chinês Qing
Lin ficou em terceiro lugar na categoria
com imagem de uma baleia jubarte
acompanhada de um filhote captada nas
restrições globais de viagens por conta da águas de Tonga, na Oceania.
pandemia, a competição recebeu inscrições O Ocean Art distribuiu US$ 45 mil
provenientes de 80 países, e o primeiro em prêmios, por meio de parcerias
lugar ficou com o italiano Gaetano Dario com resorts em regiões de mergulho
Gargiulo, com imagem inusitada de um paradisíacas, que dão estadias gratuitas
Abaixo, as fotos polvo registrada na Austrália, também aos ganhadores. Além dos quatro
premiadas do
francês Gilles Auroux vencedora na categoria Grande Angular. ganhadores gerais, o concurso conta com
(tubarão-azul) e O segundo lugar geral e na categoria 12 categorias. Confira todas as imagens
do chinês Qing Lin Grande Angular foi para o francês Gilles vencedoras e finalistas no link: tinyurl.
(baleia com filhote) Auroux, com foto de um tubarão-azul feita com/yxrj8fm9.
Qing Lin
Gilles Auroux

6 Fotografe Melhor no 293


Brasileiro se destaca
em dois concursos
O fotógrafo Jorge Diehl, estão entre os finalistas.
baseado em Brasília (DF), se Jorge Diehl se destacou ainda
destacou recentemente em dois no 50 Concurso de Fotografía de la
concursos internacionais. No Patagonia, promovido pela revista
concurso L’Amérique Latine dans Patagon Journal, do Chile. Ele foi
la Rue, promovido pela revista o vencedor na categoria Mudança
francesa Photo, ele ficou entre os Climática, com foto de um incêndio
34 finalistas entre cerca de 2.500 de grandes proporções no cerrado
imagens enviadas, com foto que brasileiro, feita no Parque Nacional
registra manifestações de indígenas de Brasília. Essa categoria permitia
durante o Acampamento Terra Livre, imagens de todo o mundo, não
na capital federal em abril de 2017. apenas da Patagônia. Diehl foi o
Os brasileiros Roberto Soares- único brasileiro premiado na quinta
-Gomes e Márcia Ramalho também edição do concurso anual.

Fotos: Jorge Diehl

Imagens de indígenas se manifestando em Brasília (DF) e incêndio no


Parque Nacional de Brasília deram destaque a brasileiro em concursos

Fotografe Melhor no 293 7


grande angular

O trabalho documental de
Nixon tem séries dedicadas
a famílias americanas
e retratos tomados de
maneira intimista

Nicholas Nixon expõe pela


primeira vez no Brasil
O Instituto Tomie Ohtake, em São estabelecem uma conexão emocional
Paulo (SP), recebe pela primeira vez no entre o espectador e o retratado. O
Brasil uma mostra do premiado fotógrafo trabalho explora a passagem do tempo
Família afro-americana
registrada em Hyde americano Nicholas Nixon. Nascido ao registrar pessoas da família ao longo
Park, Massachusetts, em 1947, em Detroit, ele é conhecido dos anos de forma sistemática.
por Nicholas Nixon principalmente pelos retratos, que Programada para ficar em cartaz
até o dia 18 de abril de 2021, a mostra
intitulada Nicholas Nixon - Coleções
Fundación MAPFRE é composta de
181 obras provenientes da coleção da
fundação espanhola. Tem curadoria de
Carlos Gollonet, chefe de fotografia da
Fundação MAPFRE.
Está dividida em nove núcleos, que
atravessam vários anos de atividade. Além
do núcleo familiar, Nixon fotografou com
olhar doce e terno pessoas em situações
difíceis, idosos residentes em asilos,
pacientes com doenças terminais e a
intimidade de casais. Também registrou
grandes cidades e a paisagem rural do sul
dos Estados Unidos.
Fotos: Nicholas Nixon

A exposição tem entrada gratuita


e é indicada para maiores de 15 anos.
Permanece aberta de terça a domingo,
das 12h às 17h. Para saber mais: https://
bit.ly/2Ywmu0m.

8 Fotografe Melhor no 293


Fotos: Carlos Moreira

Imagem captada no centro de São Paulo nos anos 1970 por Carlos Moreira

Acervo de Moreira
entre dois amigos
Em matéria sobre o fotógrafo Antunes e Moreira se conheceram
Carlos Moreira (1936-2020) publicada em 1976, quando o fotógrafo fazia
na edição 292 de Fotografe foi imagens no Parque do Ibirapuera,
mencionado que seu acervo, após na capital paulista. Antunes tinha 16
sua morte, passou a ser cuidado anos e os dois viveram uma intensa
pela amiga e sócia Regina Martins. A relação afetiva nos anos que se
matéria não menciona, no entanto, seguiram. Antunes acompanhou o
Pedro Antunes, também fotógrafo e curso de Moreira na Universidade de
amigo de Carlos Moreira, igualmente São Paulo, como aluno ouvinte, em
beneficiário do acervo, direito 1985. Também posou para inúmeros
oficializado em testamento. retratos feitos por Moreira, alguns
deles publicados em revistas e
incluídos em exposições.
Formado em Educação Física e
Psicologia, Pedro Antunes decidiu
dedicar-se plenamente à fotografia a
partir de 1999. A relação afetiva com
Carlos Moreira se transformou com o
tempo em uma amizade.
Carlos Moreira era filho único
e não teve filhos. Seu acervo foi
deixado meio a meio em testamento
para os dois amigos de uma vida,
Pedro Antunes e Regina Martins. Os
dois agora avaliam qual o melhor
destino a ser dado ao vasto material
visando à conservação e à difusão.
Boa parte das imagens permanece
inédita, informa Regina.

Foto do Parque do Ibirapuera,


local onde Moreira conheceu
o amigo Antunes em 1976

Fotografe Melhor no 293 9


grande angular

Fotos: Divulgação
Alpha A1, a nova top
de linha da Sony
A Sony lançou a Alpha A1, câmera resolução, com limite de 155 imagens Acima, a Sony A1 vista de frente
mirrorless top de linha que alia um em RAW por disparo e 165 em e de trás; abaixo, ilustração do
sensor full frame de 50 megapixels JPEG. O modelo vem equipado com novo visor eletrônico com taxa
de atualização de 240 frames por
com captura de vídeo em 8K/30p e sistema de estabilização de imagem
segundo e captura sem blackout
4K/120p. O modelo é o mais avançado baseado em cinco eixos.
da marca lançado até o momento. O sistema de foco automático
Tem corpo construído sobre chassi híbrido funciona por fase e
de liga de magnésio com vedação contraste, e está baseado em 1.184
contra poeira e chuva. Traz dois slots pontos, distribuídos em 92% do
para cartão de memória nos padrões enquadramento. A Sony Alpha A1 vem
UHS-II SD e CFexpress. repleta de conexões. Tem conector USB
Conta com visor eletrônico OLED 3.2 tipo C, que atinge velocidade de
de 9,44 milhões de pontos e taxa transferência de 10 Gbps e também
de atualização de 240 frames por permite recarregar a bateria. Oferece
segundo, além de monitor articulado ainda saída HDMI, conector Ethernet,
de três polegadas (1,4 milhão de conexão Wi-Fi de alta velocidade,
pontos) sensível ao toque. Segundo entrada para microfone e saída para
a Sony, o obturador mecânico fone de ouvido. A Sony também lançou a
construído em fibra de carbono tem A Sony Alpha A1 atende lente 35 mm f/1.4 GM, fixa de alta
vida útil estimada em 500 mil ciclos a fotógrafos e videomakers qualidade óptica voltada a câmeras
e funciona de maneira silenciosa e que buscam alta qualidade e de sensor full frame. Pesando 524 g,
sem trepidações, realizando disparos desempenho. Seus recursos são ela tem 14 elementos dispostos em
contínuos de até 10 imagens por condizentes com o preço: US$ 6,5 10 grupos e conta com diafragma
segundo na máxima resolução. mil no mercado americano. de 11 lâminas. Oferece
Usando o obturador eletrônico, distância mínima
a Sony Alpha A1 é capaz de capturar de foco de 25 cm,
30 imagens por segundo na máxima gerando magnificação
máxima de 0,26x. O
preço de mercado nos
Estados Unidos é de
US$ 1,4 mil.

Detalhes da nova
Sony Alpha A1, que é
altamente conectada
e registra até 30
imagens por segundo

10 Fotografe Melhor no 293


grande angular

Fotos: Divulgação
Fujifilm lança médio Nova câmera de médio
formato da Fuji tem sensor
de 44 x 33 mm e gera
formato com 102 MP arquivos de até 400 MP

A Fujifilm lançou a GFX A GFX 100S oferece visor da Fujifilm dispõe de duas entradas
100S, câmera de médio formato eletrônico OLED de 3,68 milhões para cartões de memória UHS-
com sensor BSI CMOS de 102 de pontos, com magnificação -II SD. A bateria NP-W235, a
megapixels (44 x 33 mm). O de 0,77x. Conta com monitor mesma usada no modelo X-T4, tem
modelo possui a maioria dos articulado de 3 polegadas com autonomia de 460 disparos por
recursos já existentes na GFX 2,36 milhões de pontos sensível ao carga (CIPA). Vendida por
100, caso do sensor, mas tem toque. Faz disparos automáticos US$ 6 mil no mercado americano,
um corpo menor, pesando 900 de até 5 imagens por segundo e a GFX 100S é uma câmera para
gramas. Conta com sistema é capaz de filmar em 4K/30p. No poucos. Ainda assim, representa
de estabilização de imagem modo multi-shot, voltado a temas um ótimo negócio quando
baseado em cinco eixos, capaz de estáticos, gera imagens de 400 MP. comparada à GFX 100, que tem o
compensar até 6 pontos de luz. A nova médio formato digital mesmo sensor e custa US$ 10 mil.

Uma olho-de-peixe
pequena e barata
Esta estranha objetiva A Pergear lançou uma objetiva distância focal de 10 mm e abertura fixa
olho-de-peixe recebe o olho-de-peixe para câmeras de sensor de f/8, ela tem cinco elementos dispostos
apelido de “panqueca” APS-C que mais parece uma tampa de em quatro grupos e pesa apenas 80
lente, de tão estreita e pequena. Com gramas. Apesar do tamanho reduzido, a
Pergear conseguiu encaixar nela um anel
de foco, que cobre de 30 cm ao infinito.
Em câmeras com baioneta Fujifilm X,
Sony E e Nikon Z, ela tem distância focal
equivalente a uma lente de 15 mm, já em
câmeras de baioneta Micro Four Thirds
tem distância focal equivalente a uma
objetiva de 20 mm. A nova e estranha
olho-de-peixe da Pergear é vendida no
site da fabricante por US$ 79.

12 Fotografe Melhor no 293


grande angular

Foto do Mês/Arfoc-SP

Papai-Noel
na pandemia
Fim de ano em Brasília (DF), as pautas
políticas dão lugar à cobertura de temas

Adriano Machado
mais amenos. Em 2020, foi diferente, já que
o mês de dezembro foi marcado por uma
segunda onda de infecções pela covid-19
no Brasil. Adriano Machado, stringer da
Reuters na capital federal, ficou sabendo que
em alguns shoppings da cidade estavam sentiu que ela se aproximava da bolha para O toque na mão
adotando medidas de distanciamento social tentar interagir. Trocou rapidamente a lente do Papai-Noel
no tradicional encontro do Papai-Noel com grande angular por uma meia-tele 135 mm dentro da bolha
as crianças. Após aprovada a proposta de f/2. Abaixou-se para registrar a cena, mas a de segurança foi
uma imagem que
pauta, no dia 15 de dezembro ele foi até o primeira imagem ficou muito aberta. Ele deu marcou o Natal
shopping Pátio Brasil, no centro da cidade, e um passo para frente e registrou a mãozinha de 2020 devido
ali encontrou uma cena bastante peculiar. da criança no momento em que toca a mão à pandemia de
O Papai-Noel ficava dentro de uma do personagem. Feita em f/2, a foto explora o covid-19
grande bolha de plástico e interagia com desfoque das luzes do shopping como fundo.
as crianças por meio de um microfone: sua “Consegui registrar na foto a vontade
voz era ouvida no ambiente. Mesmo com a que as crianças tinham, mesmo em
barreira de plástico, as crianças buscavam se tempo de pandemia, usando máscara e
aproximar do “bom velhinho”, encarnado por se protegendo, de tentar um contato e
Abilio da Cruz Pinto, aposentado de 77 anos. fortalecer essa crença no Papai-Noel e na
Machado acompanhava uma das crianças e magia do Natal”, resume Machado.

Galaxy S21 Ultra tem câmera com 108 MP


A Samsung apresentou o Galaxy estabilização de imagem durante
S21 Ultra, smartphone com recursos captura de vídeo e redução de ruído
de ponta para a fotografia. O aparelho para fotos noturnas. Já a câmera
vem com quatro câmeras traseiras, a frontal para selfies tem 40 MP e vem
principal com sensor de 108 MP, com com lente 26 mm f/2.2.
objetiva equivalente a 24 mm f/1.8 A Samsung afirma que a câmera
– as demais com 10 MP e objetiva principal de 108 megapixels pode
240 mm f/4.9, com zoom óptico de capturar fotos HDR de 120 bits com
10x; 10 MP e lente 70 mm f/2.4, com “dados de cores 64 vezes mais ricos e
zoom óptico de 3x; e 12 MP com a alcance dinâmico mais de três vezes
ultra grande angular equivalente a maior” em comparação com a S20
13 mm f/2.2, além de recurso para Ultra. Todas as câmeras são capazes
de gravar vídeos em resolução 4K a 60
Fotos: Divulgação

frames por segundo.


Durante a apresentação do
aparelho, a Samsung afirmou que
ele é capaz de substituir uma DSLR à
altura. A fabricante sul-coreana ainda
não anunciou o preço do Galaxy
O novo smartphone S21 Ultra para o Brasil, que chega ao
S21 Ultra da Samsung mercado americano ao preço de
vem com quatro
câmeras, cada uma US$ 1,2 mil na versão mais simples
com um tipo de lente (com 128 GB de armazenamento e 12
para diferentes usos GB de memória RAM).

14 Fotografe Melhor no 293


concurso
André Zumak

Israel Carlito
Tire suas dúvidas sobre o
Grande Prêmio Fotografe 2021
C om inscrições abertas até
31 de maio de 2021, o
Grande Prêmio Fotografe
2021 é um concurso que busca dar
visibilidade a trabalhos fotográficos
a menos que isso faça parte da
proposta do Ensaio.
Já a categoria Imagem Destacada
é voltada a fotos únicas que
contenham um potencial narrativo.
Na categoria Ensaio, as imagens
são avaliadas na ordem enviada e
como um conjunto. Todos os Ensaios
com três ou mais votos “sim” são
pré-selecionados. Na categoria
com tema livre. Todos os pré- Quem se inscreve na categoria Imagem Destacada, as fotos são
-selecionados são publicados no site pode enviar de uma a três imagens. avaliadas separadamente, na ordem
da revista, os finalistas farão parte Recomenda-se que sejam enviadas enviada. No caso de mais de uma
de um livro e os ganhadores, de três, pois assim aumentam as imagem ter três ou mais votos, a
uma exposição. Para ajudar no envio chances de pré-seleção. As imagens pré-selecionada será aquela com
das inscrições, a organização do GP enviadas podem ser sobre o mesmo mais votos. Somente uma foto pode
Fotografe 2021 separou algumas tema ou não. É possível misturar ser pré-selecionada por inscrição.
questões recorrentes enviadas por cor e P&B, pois as imagens serão Cada membro da Comissão
leitores da revista interessados em avaliadas separadamente. de Pré-Seleção tem seu próprio
participar do concurso. entendimento e autonomia de
Como funciona a pré-seleção de avaliação. Por essa razão, não é
Como escolher entre Ensaio imagens? possível à Comissão emitir pareceres
ou Imagem Destacada? A Comissão de Pré-Seleção sobre trabalhos que não foram
A categoria Ensaio é voltada para é formada por cinco membros pré-selecionados.
conjuntos de seis a dez imagens que experientes e de reconhecido mérito
formam uma narrativa visual sobre na fotografia, cujos nomes serão Tenho que escolher uma
determinado dado. Por isso, é muito divulgados ao final do processo, subcategoria?
importante a coesão do conjunto. A para evitar qualquer tipo de pressão Escolher “corretamente” a
imagem de abertura, que introduz indevida. A ficha de inscrição é enviada subcategoria em que melhor
o tema, deve ser forte e sintética, a ao júri sem o nome do fotógrafo, se encaixa o trabalho inscrito
ordem das imagens deve ser pensada constando apenas título, descrições não é uma exigência que possa
e deve ser evitada a redundância. (caso haja) e link para as imagens na comprometer a avaliação das
Não é indicado misturar cor e P&B, ordem em que foram submetidas. imagens. A Comissão de

16 Fotografe Melhor no 293


Ao lado, na outra
página e abaixo,
fotos inscritas no
Grande Prêmio
Fotografe 2021 que
já passaram pelo
filtro da pré-seleção

Pré-Seleção avalia em primeiro lugar do evento, além da premiação dos momento, respeitando o prazo final
e acima de tudo o mérito fotográfico, participantes. As inscrições podem de 31 de maio de 2021.
a qualidade na forma e no conteúdo. ser adquiridas em pacotes de uma Quem faz duas ou mais
Os títulos, as descrições e as legendas até cinco, por valores que vão de inscrições pode escolher diferentes
fornecidos ajudam a realçar as R$ 59 a R$ 199. Todos os inscritos categorias/subcategorias para
imagens na medida em que trazem ganham de brinde acesso a edições cada inscrição enviada. Veja o
mais informações que não podem ser digitais completas de Fotografe. regulamento completo e os links
visualizadas e dão suporte à melhor O processo de compra do pacote e para os pacotes de inscrição no
compreensão do significado. o envio das inscrições são separados. Grande Prêmio Fotografe em:
A subcategoria não é avaliada Uma vez adquiridas as inscrições, as fotografemelhor.com.br/premio/
pela Comissão de Pré-Seleção e a fotos podem ser enviadas a qualquer regulamento.
curadoria do GP Fotografe se reserva
o direito de alterar a subcategoria de
um trabalho pré-selecionado caso
entenda que ele se encaixa melhor em
outra que não a indicada na inscrição.
A subcategoria terá um peso
importante no processo de escolha
dos finalistas, uma vez que serão
apontados seis finalistas em
cada uma das 10 subcategorias.
Dessa forma, você pode observar
quais subcategorias estão menos
representadas dentre os pré-
-selecionados e dar preferência
para se inscrever nelas.

Como me inscrevo? Tem


algum custo?
Seguindo o padrão de grandes
concursos internacionais, o Grande
Miriam Ramalho

Prêmio Fotografe 2021 tem


inscrições cobradas e os valores
arrecadados serão destinados a
organização, realização e divulgação

Fotografe Melhor no 293 17


Novidade
Menino espera compradores
para os cocos e bacuris
em canoa amarrada ao
barco que faz o trajeto de
Manaus (AM) a Belém (PA)
Fotos: Márcia Foletto

Nascida para ser


fotojornalista
Márcia Foletto, gaúcha radicada no Rio, é mais um grande nome da fotografia
brasileira a ter seu trabalho publicado na série de bookzines Portfólio Fotografe

O fotojornalismo é uma
convicção para Márcia
Foletto desde a época
em que cursava Jornalismo em
Santa Maria (RS), sua cidade natal.
Márcia começou a carreira no
jornal A Razão, de Santa Maria.
Passado um ano de trabalho,
conseguiu um lugar no jornal O
Pioneiro, em Caxias do Sul (RS),
onde permaneceu por mais um
ano. O próximo passo seria o Diário
Catarinense, de Florianópolis (SC),
quando começou a fazer coberturas
de pautas de importância nacional.
Ela até tentou seguir carreira como
jornalista de texto, mas a experiência
serviria para indicar que o caminho Uma das fotos da reportagem
Os Miseráveis, trabalho
era mesmo a fotografia. Desde 1991
ganhador do Prêmio Rei da
como repórter fotográfica do jornal Espanha em 2016
O Globo no Rio de Janeiro (RJ), essa
gaúcha enfrenta diariamente as
tensões e as alegrias da cobertura do
cotidiano de uma das cidades mais
complexas do mundo. Os olhos dela
miram tanto a euforia do Carnaval
quanto a tragédia dos confrontos
armados envolvendo traficantes,
milícias e policiais nas favelas da
cidade. Ultimamente, andam focados
na tragédia da pandemia de covid-19.

18 Fotografe Melhor no 293


Policiais trocam tiros com
traficantes da favela da
Vila Cruzeiro, no Rio, em 2006

Depois de três anos em Santa


Catarina, botou o portfólio debaixo
do braço e foi tentar a sorte no Rio
de Janeiro, onde vivia seu irmão.
Circulou pelas redações de jornais da
cidade até conseguir um espaço para
trabalhar como freelancer em O Globo.
Talentosa e eficiente, foi contratada
depois de alguns meses.
Em 1999, quando o jornal
promoveu uma reestruturação, a
equipe de fotojornalistas passou
a trabalhar ligada a editorias fixas
e Márcia ficou com cobertura da
editoria de Cidades, voltada ao
cotidiano do Rio de Janeiro. Como
esse dia a dia inclui violência, ela
viveu diversos momentos de extrema
tensão na cobertura do hard news,
como estar no meio de batalhas
entre policiais e traficantes – seu
maior medo é ficar sob fogo cruzado.
E, mesmo quando a situação é
aparentemente tranquila, a sensação
é de perigo iminente, pois a qualquer
momento pode começar um tiroteio.
Ela avalia que a pressão diária
da profissão mais ajuda do que
atrapalha, pois dá uma maior rapidez Enquanto policial aborda suspeito, menino tenta roubar a carteira do homem
de raciocínio, algo indispensável para
a formação de um fotojornalista. dia, é essencial para a formação do Márcio Vasconcelos e Orlando
“Temos que chegar ao lugar e com olhar”, explica a fotógrafa. Azevedo. Para saber como se tornar
muita agilidade encontrar uma Com prêmios nacionais e um assinante da série Portfólio
imagem que seja o resumo daquele internacionais no currículo, e Fotografe, acesse www.europanet.
acontecimento. Essa busca, que pode vista hoje vista como uma das com.br ou ligue para 0800-8888--
acontecer diversas vezes no mesmo principais fotojornalistas do Brasil, 508 (ligação gratuita) ou (11) 3038-
independentemente de gênero, ela 5050 (Grande São Paulo). É possível
mostrará parte de seu trabalho na ter informações também pelo e-mail
série Portfólio Fotografe – que já atendimento@europanet.com.br ou
publicou as obras de Tadeu Vilani, pelo WhatsApp (11) 95186-4134.

Acima, a capa do livro; ao lado,


performance de bailarina em
desfile da escola de samba
União da Ilha do Governador, no
Carnaval do Rio de Janeiro de 2014

19
Cultura
Prédio do Ministério
da Educação na cidade
do Rio de Janeiro
em foto de Thomaz
Farkas feita em 1945
Thomaz Farkas

Fotoclube brasileiro
no MoMa
Exposição no Museu de Arte Moderna de Nova York reúne
imagens feitas por membros do Foto Cine Clube Bandeirantes
e comprova a qualidade da produção fotoclubista no Brasil

20 Fotografe Melhor no 293


Ao lado, a obra
Circense, de Julio
Agostinelli, de
1951; abaixo, o
grafismo dos
trilhos de bonde
Julio Agostinelli

no centro de São
Paulo em foto de
André Carneiro,
também de 1951

Por Érico Elias

P ouca gente se dá conta


hoje em dia, mas o
movimento fotoclubista
foi um dos principais responsáveis
pela introdução da fotografia
José Luiz Pedro, presidente do
fotoclube desde 2003.
O primeiro passo nessa direção
foi dado em 2009, com a realização
da exposição em comemoração aos
passou a fazer parte do acervo do
Museu de Arte de São Paulo (MASP)
na forma de comodato. Naquele
mesmo ano, foi realizada no MASP a
mostra Foto Cine Clube Bandeirante:
moderna no Brasil a partir do final 70 anos do Bandeirante, no Centro do arquivo à rede, visitada pela
da década de 1940. O Foto Cine Cultural São Paulo, na capital paulista, curadora Sarah Meister quando
Clube Bandeirante, fundado em São com curadoria de Iatã Cannabrava e esteve no Brasil.
Paulo (SP) em 1939 e dirigido por Monica Caldiron. A exposição reuniu Impactada com as obras vistas
Eduardo Salvatore a partir de 1943, 175 imagens de autores como Chico no MASP, Meister entrou em contato
concentrou parte importante da Albuquerque, Eduardo Salvatore, com o Bandeirante para começar a
produção experimental de vanguarda Fredi Kleemann, Gaspar Gasparian, levantar material e passou a contatar
desse período. O que faltava para Geraldo de Barros, German Lorca, diretamente os fotógrafos e herdeiros
uma projeção internacional desse Gertrudes Altschul, José Oiticica Filho, para adquirir obras para o acervo do
trabalho finalmente chegou: o Museu José Yalenti, Marcel Giró, Rubens MoMA. A partir de 2015, já se sabia
de Arte Moderna (MoMA) de Nova Teixeira Scavone e Thomaz Farkas. que seria realizada no célebre museu
York colocou em sua programação Em 2014, esse conjunto de nova-iorquino a exposição dedicada
a exposição Fotoclubismo: Fotografia imagens, acrescido de uma centena, ao Foto Cine Clube Bandeirante.
Modernista Brasileira,
1946-1964.
Prevista para ficar André Carneiro
em cartaz entre 21
de março e 12 de
junho de 2021, com
curadoria da americana
Sarah Meister, a
mostra também virá
acompanhada do
lançamento de um
grande catálogo.
Representa ainda
a coroação de um
processo de resgate
e valorização do
acervo do Bandeirante,
realizado sob o
comando do fotógrafo

21
Cultura

Maria Helena Valente da Cruz

Gertrudes Altschul
Em busca de renovação
José Luiz Pedro conta que o fotoclubismo
brasileiro viveu uma crise nos anos 1990.
O alto preço pago pelo equipamento
e pelos insumos fotográficos no Brasil
espantou parte do público entusiasta. Com
a popularização da fotografia digital a partir
do início dos anos 2000, o movimento
fotoclubista viveu uma renovação.
No caso do Foto Cine Clube Bandeirante,
após a presidência de Eduardo Salvatore, que
permaneceu no cargo de 1943 até 1990, o
fotoclube quase chegou a fechar as portas. O
resgate começou em 1998, com a mudança
da sede do bairro da Aclimação para a Rua
Augusta, em endereço próximo à Avenida
Paulista, quando as atividades começaram a ser
retomadas praticamente do zero.
Pedro conta que, desde a sua origem, o
fotoclube é um ambiente muito frequentado
por pessoas com mais de 30 anos. Em geral,
fotógrafos entusiastas com uma carreira
profissional consolidada e que conquistaram
uma estabilidade financeira. "Esse panorama
mudou um pouco com a era digital, mas ainda
se discute como podemos fazer para atrair
pessoas mais jovens”, afirma o presidente.
Além de reunir apaixonados por fotografia,
fotoclubes em geral são locais propícios
Palmira Puig-Giró

No alto, fotos minimalistas de Maria


Helena Valente da Cruz e Gertrudes
Altschul; ao lado, imagem abstrata
feita por Palmira Puig-Giró em 1960

22 Fotografe Melhor no 293


Roberto Yoshida

Obra Arranha-céus,
de Roberto Yoshida,
registrada em 1959

para a troca de informações e mensais gratuitos e também cursos do Brasil e promove bienais de
desenvolvimento do conhecimento e palestras pagos. Já os associados, fotografia (cor em anos ímpares
técnico, teórico e prático da arte que contribuem com R$ 350 para e P&B em anos pares), sediadas
de fotografar. O Foto Cine Clube manutenção do fotoclube por ano em cidades que tenham ao menos
Bandeirante, por exemplo, promove e têm 20% de desconto em cursos, um fotoclube – a mais recente foi
concursos, passeios fotográficos, palestras e outros eventos pagos. a Bienal P&B de 2020 em Amparo
exposições, workshops e palestras. O Bandeirante é filiado à (SP). As informações completas
Os interessados podem participar Confederação Brasileira de Fotografia sobre as atividades da Confoto e dos
de duas maneiras: não filiados podem (Confoto), que reúne fotoclubes fotoclubes associados podem ser
frequentar os passeios fotográficos espalhados por todas as regiões obtidas no site confoto.art.br.

Fotografe Melhor no 293 23


Matéria de capa
Werther Santana Guy Veloso

Retrato criativo Guy Veloso usa o


da catadora recurso da baixa
Maria Aparecida velocidade de
na organização obturação para fugir
de material para do lugar-comum
reciclagem feito por em foto documental
Werther Santana sobre religiosidade

Segredos do
processo criativo Por Livia Capeli

Quatro renomados
fotógrafos mostram
trabalhos inspiradores
E m algumas situações,
afundado na rotina de
produção constante,
o fotógrafo acaba, sem querer,
reprimindo a criatividade para
“ON”, já que uma mente cheia de
preocupações, prazos e estresse
pode sabotar a gestação de
ideias essenciais para expandir
os horizontes da imaginação.
que indicam como é cumprir apenas os compromissos O primeiro passo para se livrar
possível desbloquear a diários. Quando o bloqueio do freio criativo é lembrar que
acontece é fundamental lembrar a fotografia pode ser feita sem
mente para se reinventar que o processo criativo precisa de comprometimento, apenas com
e fazer diferente um tempo para entrar no modo o entusiasmo de clicar para

24 Fotografe Melhor no 293


Lara Merlin

Acima, a modelo Dyovana Cantuário em produção com arte digital de Lara


si mesmo. Depois, é possível Merlin; abaixo, a criatividade de Cacio Murilo com o pássaro de alho e cebola
começar uma série de exercícios
para estimular a mente, como
se impor desafios sobre novas
experimentações e técnicas.
Observar e estudar o trabalho
de outros fotógrafos pode ser
um grande estímulo criativo
também, conforme atestam
quatro profissionais renomados
que trabalham em áreas distintas
e seguem vertentes diferentes de
linguagem, porém com um propósito
em comum, a criatividade: o
fotógrafo publicitário Cacio Murilo,
a fotógrafa de ensaios pessoais
Lara Merlin, o documentarista Guy
Veloso e o repórter fotográfico
Werther Santana.
Cada profissional entrevistado
segue por caminhos diversos,
entretanto, todos mostram como
quebram as regras tradicionais da
fotografia valendo-se no dia a dia de
composições, ângulos e produções
que fogem do lugar-comum. Confira
Cacio Murilo

as dicas e os segredos de cada um


para ativar o processo criativo na
hora de fotografar.

Fotografe Melhor no 293 25


Matéria de capa

Fotos: Cacio Murilo

A série Fauna Vegetal vem sendo feita há


muitos anos e sempre traz surpresas, como
uma água-viva feita de melão (à esq.) ou um
pinguim nascido de um pedaço de cebola

Pequenas coisas:
Cacio Murilo
Luz, ovo e prato: Com uma concepção artística
com Cacio Murilo, bem-humorada e muito criativa,
detalhes do cotidiano o fotógrafo publicitário paraibano
também podem Cacio Murilo ficou conhecido por
virar arte
transformar vegetais, legumes e
frutas em animais com a série Fauna
Vegetal, que valeu a ele a publicação
do livro infantil Tem planta que virou
bicho!, volumes 1 e 2, em parceria
Observe com a publicitária Alda de Miranda.
muito, dê atenção Filho de fotógrafos, formado em
aos detalhes, use a Biologia pela Universidade Federal da
memória afetiva, Paraíba e com uma forte ligação com a
viaje, conheça natureza, Murilo sempre está conectado
com o universo de fotos de animais,
novos lugares e livros de zoologia e documentários
liberte-se da sobre natureza e vida selvagem.
rotina para ser São todas essas imagens que ficam
mais criativo guardadas no inconsciente dele que
afloram na hora de criar cada produção.
Cacio Murilo A inspiração pode surgir de várias

26 Fotografe Melhor no 293


Nas mãos do fotógrafo,
mamonas são transformadas
em imagem que remete
ao novo coronavírus

maneiras: às vezes, ele observa Castanhas-de-caju


uma fruta que lembra um bichinho, podem virar uma
em outras, ele tem a ideia de fazer cobra na imaginação
fértil de Cacio Murilo
determinado animal então vai em
busca do vegetal ou fruta mais
apropriado. É comum usar palitos,
arames e alguns truques, como um
olhinho feito de grãos, para criar os
bichinhos. Mas não é apenas a Fauna
Vegetal que alimenta a criatividade
de Cacio Murilo: o mundo da
macrofotografia de bolhas de sabão
e misturas de tintas deixadas após a
arte da filha do fotógrafo também
são motivos para criar imagens
diferentes, fruto da imaginação.
Com 28 anos de carreira, Murilo
defende que uma boa maneira de
exercitar a criatividade é combinar
observação, memória afetiva e novas
percepções sobre as pequenas coisas
ao redor, e observar de maneira
macro, seja uma flor ou uma parede
suja. Para ele, é fundamental ter
um olhar atento para as cores e as
formas de materiais e objetos. É uma
dinâmica que estimula a criação
e a experimentação de elementos
inusitados na fotografia. “Permita-
-se viajar, conhecer novos lugares e
libertar-se da rotina”, recomenda.

Fotografe Melhor no 293 27


Matéria de capa

Acima, ensaio com uma


pegada mais sensual com
adornos que remetem a
dançarinas medievais

e fotógrafa, ela é fascinada por


personagens míticos e civilizações antigas
– especialmente os vikings, devido à forte
conexão com a Escandinávia, onde tem
familiares e amigos.
Com a ajuda da mãe estilista e uma
intensa pesquisa a respeito de vestimentas
e tradições mitológicas, a fotógrafa
desenvolveu figurinos exclusivos apostando
em ensaios temáticos, que têm ainda
a parte criativa de pós-produção, com
tratamento de cor, ajustes de nitidez (e
outros parâmetros) e a inserção de fundo
quando necessário. Para inaugurar as
sessões, primeiro ela convidou amigos.
Com o tempo e divulgação, os ensaios
“diferentões” chamaram a atenção do
público jovem alternativo, lotando a agenda
da fotógrafa, que usa terras da família em
São João da Boa Vista (SP), a 200 km de São
Paulo (SP), como cenário para produções
Olhar mitológico: que estimulam a imaginação.
Lara acredita que diante de um

Lara Merlin mercado de trabalho tão saturado


como o da fotografia, ser criativo é
essencial para destacar-se e aumentar a
Inspirada em histórias e lendas de rentabilidade. Apesar de a criatividade
Acima, produção ao figuras mitológicas, como elfos, fadas, ser uma qualidade inata em algumas
estilo viking, um dos
sereias e deuses vikings, Laura Merlin pessoas, ela pode ser desenvolvida com
preferidos de Lara
Merlin, que cuida chama a atenção ao reinventar a maneira exercícios mentais, acredita ela.
também dos figurinos de fazer ensaios pessoais. Advogada Recomenda que o fotógrafo reserve
com a ajuda da mãe especializada em direito trabalhista diariamente algum tempo para conhecer

28 Fotografe Melhor no 293


Fotos: Lara Merlin

Sereia fotografada em
cachoeira na Chapada dos
Guimarães (MT) e ensaio no
estilo donzela do século 19 digital
Fundos podem
novas referências, estudar detalhes ser aplicados em
e características do trabalho de alguns casos e há
profissionais que admira. “No forte tratamento
entanto, é preciso ter cuidado. nas imagens
Há uma linha muito tênue entre
inspiração e imitação. Podemos
buscar inspiração em outros
artistas, desde que nos esforcemos
em transformar tais referências em
algo exclusivo, inédito e autêntico”,
lembra ela.
Para desbloquear o processo
criativo, a fotógrafa sugere acessar
a todo tipo de material que possa
ampliar a perspectiva visual: assistir a
séries, filmes de época com grandes
produções, estudar sobre culturas
diferentes, ler livros de literatura, de
contos de fadas, de mitologia, bem
como interessar-se pelas obras de
grandes artistas da pintura.
Para Lara Merlin, quanto mais
um fotógrafo nutrir a mente com
conhecimento e informações,
maior será o acervo criativo. “Ao
aguçar a sensibilidade por meio
de estudo e observação de tudo
aquilo com que o fotógrafo se
identifica, esses elementos podem
ser incorporados instintivamente ao
trabalho, tornando-o único, distinto
e incomparável”, argumenta.

29
Matéria de capa
Fotos: Guy Veloso

Observação atenta: Guy Veloso


Aos 17 anos, o paraense Guy básicas de fotografia e daí em documentar os rituais de penitentes,
Veloso ingressou na faculdade de diante não parou mais. Ao apostar irmandades secretas e místicas,
Direito e logo percebeu que teria na religiosidade como foco de seu resultando no livro Penitentes,
que investir em algo como válvula trabalho, aprofundou-se no assunto lançado em 2019 com curadoria de
de escape para a formalidade do por quase duas décadas, viajando Rosely Nakagawa.
curso. Aos 18, fez algumas aulas por 13 estados brasileiros para O fotógrafo comenta que,

A luz em imagens
feitas por Guy Veloso
pode vir de um
problema no filme
(acima) ou de um
carro que ilumina
grupo de penitentes

Veloso tem na pintura


uma referência muito
forte para seu trabalho
documental e também
se inspira em poetas
como Fernando Pessoa

30 Fotografe Melhor no 293


ao lançar-se no desafio de
realizar um registro criativo
de um tema tão complexo, foi
necessário se aprofundar em
uma extensa pesquisa e contato
prévio com as pessoas a serem
documentadas. As inquietações,
tanto pessoais e sociais quanto
de caráter estético, deram
impulso ao documentarista
para criar um trabalho que se
esquiva da trivialidade.
Para ele, é preciso estudar
não apenas a técnica de
fotografia ou o trabalho
de outros fotógrafos, mas
também expandir o olhar
para a arte em geral, como a
pintura e a literatura. Diz que
a pintura é uma das grandes
influências de seu trabalho,
bebendo de fontes como o
pintor holandês Rembrandt,
o alemão Peter Paul Rubens,
o inglês William Turner, o
anglo-irlandês Francis Bacon e o artista da era clássica quanto contemporânea e Dupla exposição (no
plástico maranhense Thiago Martins de se diz admirador do trabalho de nomes alto) ou enquadramento
Melo. Além disso, a poesia de Fernando como Miguel Rio Branco, Luiz Braga, ousado (acima) fazem
parte do repertório criativo
Pessoa, Jorge Luis Borges e até mesmo José Bassit, Elza Lima e Joelington Rios.
do fotógrafo paraense
do cantor e compositor Renato Russo “Medito, estudo e, principalmente, estou
(de quem confessa ser fã incondicional) atento a tudo em minha volta. Mesmo
é usada como inspiração para seu sem a câmera, saio ‘fotografando’ por
trabalho documental. aí com os olhos. Minha forma de ver o
Na fotografia, Guy Veloso também mundo é apenas com câmera e lente 35
sofre influência de profissionais tanto mm”, explica ele.

Fotografe Melhor no 293 31


Matéria de capa

Para Werther
Santana buscar
a criatividade no
fotojornalismo Desafio diário:
é um excercício
diário e ela leva
Werther Santana
Com uma carreira construída desde de cada pauta. Há 12 anos fazendo parte
muito a sério, 1999 na rotina de jornal, iniciada no da equipe do jornal O Estado de S. Paulo,
pois sai para Diário de Suzano, passando pelo Diário Santana está habituado em expandir a
fotografar até de São Paulo e pela Folha de S.Paulo, o criatividade cotidianamente.
repórter fotográfico Werther Santana Ele ressalta que o trabalho de um
quando está de precisa ter o faro ligado diariamente para fotojornalista começa no momento
folga no jornal atender o ritmo frenético de produzir em que recebe a pauta. No entanto, o
boas imagens para atender à demanda profissional precisa estar atento sempre
ao que está ao seu redor. Às vezes, um
insight nasce em um bate-papo no
boteco ou na padaria da esquina, sempre
na hora da descontração, quando a
mente está relaxada. “Acredito que a
criatividade surge com o exercício diário.
Eu fotografo até quando estou de folga.
Também sou curioso: quando uma foto
me chama muito a atenção procuro saber
como ela foi feita e isso ajuda muito no
processo criativo”, comenta.

No alto, como mostrar rua com pouca


gente e rua aglomerada na capital paulista
para ilustrar pauta sobre pandemia; ao
lado, ângulo valoriza foto de entrevista
de Bruno Covas, prefeito de São Paulo

32 Fotografe Melhor no 293


Fotos: Werther Santana

Pelé, o rei do futebol, sempre


merece uma coroa; ao lado,
dupla exposição para pauta
de ensino híbrido em escolas;
abaixo, imagem de pauta
sobre escritórios modernos

Werther Santana é daqueles


que gosta de ousar quando está
fotografando, procura buscar novos
ângulos, composições variadas
e sempre quando possível aplica
novas técnicas para conseguir
efeitos de luzes e sombras. Para ele,
sair do lugar-comum é jamais se
acomodar, se mexer para encontrar
o melhor ângulo, se agachar no
meio de uma coletiva de imprensa
para conseguir uma perspectiva
diferente do retratado ou mesmo
entrar em uma cova para fazer uma
foto chocante sobre a pandemia de
covid-19 (imagem que foi capa da
edição 285 de Fotografe).
Uma série de fotos que o
fotojornalista paulista fez para o
Estadão na cobertura da pandemia
causada pelo novo coronavírus
ganhou destaque internacional e
foi selecionada para a mostra do
prêmio “Documentando o Impacto
da Covid-19: Isolamento Coletivo
na América Latina”, organizado pelo
Centro Harvard David Rockefeller para
Estudos Latino-Americanos. “É um
reconhecimento pelo esforço criativo
diário”, comenta Werther Santana.
Retrato

O fotógrafo Beto Pêgo


e seu alter ego drag
queen Betina Polaroid: ele
aprendeu a se maquiar em
tutoriais em redes sociais

Criatividade sem
fronteira de gênero
Conheça a produção provocativa de Betina Polaroid, alter ego criado pelo fotógrafo
carioca Beto Pêgo para registrar a cena drag carioca e se autorretratar

34 Fotografe Melhor no 293


A estética de
Fotos: Betina Polaroid

imagens ao estilo
Polaroid é uma
característica dos
autorretratos
produzidos pela
drag queen

Por Érico Elias

O processo criativo em
fotografia vai muito
além da escolha do
equipamento e da temática, podendo
envolver até mesmo a concepção
vivendo abertamente sua
sexualidade, Pêgo diz que negava
sua identificação com tudo que era
associado ao feminino, forjando
um padrão minimamente aceitável
algum tempo para ter coragem de
sair de casa “montada” e lançar-se
em sua nova forma física e artística.
“Beto era meu disfarce. Betina, a
super-heroína que se escondia atrás
de um alter ego. Foi assim com Beto de masculinidade – até por defesa da câmera. Como Peter Parker, o
Pêgo, fotógrafo carioca de 44 anos contra a homofobia. “Assim fui me fotógrafo que esconde os poderes de
que criou em 2015 a personagem mantendo protegido na minha bolha Homem Aranha, eu escondia... Sarah
Betina Polaroid, fotógrafa drag queen de privilégios sociais. Mas fotografar Jessica Parker”, brinca.
cuja produção está centrada no a cena queer como alguém que
retrato e no autorretrato, usando a vem de fora era muito conflitante.
estética das câmeras instantâneas Sabia que aquele era meu lugar e
com filmes em papel. que aquela era minha gente. Estava
Pêgo decidiu encarnar a apontando a lente para meu desejo.
personagem depois de redescobrir a Permanecer como mero voyeur,
arte drag em 2014, quando o reality protegido pela câmera, jamais daria
show americano RuPaul's Drag Race conta. Eu precisava sair do armário de
se popularizou e começou a atrair os novo”, explica Pêgo.
holofotes do mainstream. Naquela Contando sempre com o apoio
mesma época, passou a frequentar e a participação do marido, Pêgo
festas promovidas pelo coletivo aprendeu maquiagem seguindo
Drag-se, no Rio, encontrando um tutoriais em redes sociais. Levou
ambiente propício para desenvolver
um projeto pessoal, pois permitia Hoje Beto Pêgo usa câmera
assumir sua homossexualidade sem Polaroid e DSLR, mas se
qualquer tipo de repressão. mantém fiel à proposta que o
Mesmo depois de 20 anos destacou na cena queer

Fotografe Melhor no 293 35


Retrato

Antes de
decidir virar
Polaroid, Betina Estética Polaroid
pensou em
A primeira ideia de nome foi Betina algumas caixas com a ajuda de amigos
usar o nome de Photoshop. Mas, no processo de que vivem em Berlim”, lembra. Pêgo logo
Photoshop. Mas concepção da personagem, Pêgo saiu descobriu que seria inviável fotografar
o presente de em busca de materiais fotográficos que apenas com a Polaroid porque o custo era
poderiam usar na produção do figurino muito alto: 20 euros cada filme. “Imagina
uma amiga e ganhou de presente da fotógrafa Ana cobrir um evento com um equipamento
mudou toda a Limp uma Polaroid 600, edição limitada, que não oferece quase nenhum controle
história dela feita em parceira com a Mattel, fabricante de exposição, tem um flash pífio e filmes
da Barbie. “A câmera rosa com estampa com uma química imprevisível, gastando
de flores era a alegoria perfeita para o mais de cem reais a cada oito cliques?
resgate da criança viada interior, quando Seria loucura e minha falência”, comenta.
a espontaneidade ainda não tinha sido Mas Betina usa e abusa da estética
represada pela reprovação social”, conta. Polaroid, mesmo quando fotografa
A Polaroid representou também a usando uma Canon EOS 5D. Ao tratar as
reconciliação de Pêgo com a fotografia imagens com uso de filtros e molduras
voltada à experimentação artística, em aplicativos, cria Polaroids “virtuais”.
experiência vivida pela primeira vez em Também usa câmeras e filmes do sistema
1995, quando ainda cursava graduação Fujifilm Instax e um equipamento da
No alto, alguns em Publicidade e Propaganda e fez já extinta Impossible Project chamado
retratos feitos por um curso na Escola de Artes Visuais do Impossible Lab, câmera que “analogiza”
Betina Polaroid em Parque Lage, no Rio. “Quando nasceu a imagens digitais ao fotografar a tela de
eventos ou festas
que reúnem drags Betina, a Polaroid não produzia mais, mas dispositivos móveis com filme Polaroid.
promovidos pelo uma empresa alemã, Impossible Project, “Com ele otimizo o aproveitamento
coletivo Drag-se fabricava filmes compatíveis. Consegui dedicando os filmes às fotos favoritas,

36 Fotografe Melhor no 293


previamente selecionadas. Ainda assim originais que retornaram ao mercado. Fotografando drags
há uma perda, porque é um equipamento Evito o desperdício, uso as fotos desde 2015, Betina tem
difícil de dominar e a química ainda é descartadas como matéria-prima na hoje um grande acervo
muito instável nos novos filmes Polaroid confecção de figurinos”, esclarece. de imagens (abaixo)

Fotos: Betina Polaroid

37
Retrato

Fotos: Beto Pêgo


Acima, algumas das
fotomontações de
Betina, que une a
Fotomontações
estética da imagem Betina cria “fotomontações” a partir de Beto Pêgo fotografa, trata e refotografa
Polaroid com
diversas imagens, explorando a estética da o tempo todo, o que se tornou um aspecto
adereços do mundo
drag, como glitter, Polaroid e também a linha do tempo do intrínseco do seu trabalho. São imagens
plumas, pedrarias... Instagram, que possibilita gerar mosaicos híbridas que transitam entre o digital e o
compostos por várias imagens. O nome analógico, assim como uma drag transita
é uma analogia com a “montação” drag, entre gêneros. A ideia é fazer o espectador se
expressão usada para o ato de se vestir e se perguntar se é Polaroid que foi digitalizada,
maquiar. As fotos feitas com filme Polaroid foto digital editada para parecer Polaroid ou
permitem fazer transparências, remover a se foi refotografada com filme. “Faço uma
imagem da moldura e até transplantar a analogia com a dúvida das pessoas que se
emulsão química para outras superfícies. deparam com Pabllo Vittar, por exemplo, e
Além disso, Betina costuma agregar glitter, perguntam se é ‘o’ Pabllo ou ‘a’ Pabllo. Pabllo,
pedrarias, plumas, tintas e outros elementos como artista drag, é um corpo provocador
usados pelas drags em sua “montação”. que borra as definições de gênero, gera

38 Fotografe Melhor no 293


Beto era
meu disfarce e
Betina a super-
-heroína que se
escondia atrás da
câmera. Como
Peter Parker, ou
melhor, Sarah
Jessica Parker
Betina Polaroid

confusão e curiosidade, trazendo à tona softboxes para evitar linhas de expressão Ao lado e abaixo,
questões sobre sexualidades, expressões e e imperfeições da pele geralmente imagens de ensaios
feitos para o
identidades de gênero”, compara. indesejadas. Uso muitos filtros e luzes
programa Drag
Ao produzir como Betina, Pêgo se coloridas também, escolhendo entre cores Photo Studio que
inspira em fotógrafos que se tornaram frias ou quentes para provocar sensações Betina Polaroid
ícones da arte queer, desde Andy Warhol ou criar uma ambientação”, explica. criou no YouTube
e Robert Mapplethorpe (que também se
autorretrataram maquiados e montados
e utilizaram Polaroid) até o casal Pierre e
Gilles, que abusa da estética do universo
drag e também cria molduras decoradas
para suas imagens.
Além dos autorretratos, Betina Polaroid
fotografa outras drags. No início, fazia a
cobertura fotográfica das festas do coletivo
Drag-se. Com o tempo, reduziu um pouco
o ritmo do trabalho documental em
eventos e aproveitou o canal criado pelo
Drag-se no YouTube para fazer seu próprio
programa, o Drag Photo Studio, onde
conversava com artistas drags sobre suas
referências e produzia um ensaio inspirado
nos temas trazidos. Depois veio o projeto
Hall of Fame para o concurso drag da festa
Queens, em que as vencedoras ganham
uma sessão de fotos.
Betina também mantém uma produção
espontânea, que nasce das relações
afetivas criadas com outras drags. “No
estúdio eu procuro que a minha iluminação
corresponda com o trabalho de luz e
sombra da maquiagem, que na drag tem
a função de esconder algumas feições e
dar a ilusão de outro rosto. A luz errada
pode não só revelar os truques, como
destruir completamente o efeito criado.
Evito luzes duras, a não ser em makes
artísticas, em que a textura é um elemento
a ser destacado. Priorizo a luz suave dos

39
Retrato

Fotos: Beto Pêgo


Produção criativa
para o programa
Drag Photo Studio

De Beto a Betina
Formado em Publicidade e jovens profissionais para atuar nas com a ONG Viva Rio e depois
Propaganda, Beto Pêgo começou revistas e publicações da Editora conquistando clientes comerciais do
a carreira na fotografia em 1995. Abril. Dali surgiram os primeiros mercado de decoração, de cama,
Trabalhou como assistente de frilas na área editorial. mesa e banho, o que envolvia muita
fotógrafos experientes, dentre eles Ao longo de duas décadas, Pêgo foto de produto, de ambientes
Ricardo Pimentel e Christian Gaul. Em desenvolveu uma carreira versátil, decorados, de design de interiores
1998, foi selecionado para o Curso publicando em revistas, realizando e arquitetura. Também assinou
Abril, programa de treinamento de fotografia still de cinema, colaborando trabalhos para marcas de cosméticos,

40 Fotografe Melhor no 293


moda, calçados, joias e capas de discos. Montação, em parceria com Maíra Barillo, Acima, algumas
O nascimento de Betina Polaroid marcou organizadora da edição, Lucas Gibson e imagens da série
uma mudança de rumo na produção de Larissa Queiroz. A obra deve ser lançada Hall of Fame, em
Pêgo. Desde 2015, passou a se dedicar cada em breve, com imagens da cultura drag que Betina usa uma
moldura dourada
vez mais à criação autoral. “Betina me abriu realizadas pelos quatro fotógrafos e textos em todas as fotos
para novas redes e oportunidades, tanto na de Maria Lucas, mestra em artes da cena
fotografia como na performance drag, em conhecida também como a performer
eventos e ações de marketing. Fui desde Ma.Ma. Horn, e da figurinista e rainha drag
repórter correspondente da Parada LGBT+ do Carnaval carioca Samile Cunha.
de São Paulo para um canal de televisão A criação autoral de Beto Pêgo hoje é
até professora de um curso de fotografia integralmente voltada à produção de seu Betina
drag, no Sesc”, diz. Desde 2019, ele passou alter ego drag. Ele tem alguns trabalhos Polaroid me abriu
a se dedicar exclusivamente a Betina autorais como Beto Pêgo, mas nada recente. uma série de
Polaroid. Produz em estúdio capas de “É interessante como meus trabalhos mais oportunidades
singles de cantoras drag, publicidade para antigos dialogam com minha produção
marcas de roupas gender free, já que atual. Não existe uma linha nítida que
em várias frentes e
o queer também é um mercado. separa Beto e Betina. Assumi essa fluidez até uma exposição
Em dezembro de 2019, Betina realizou e hibridização entre ambos, na arte e na individual de fotos
a primeira exposição individual no Ateliê vida. Mas adotei em definitivo a identidade já rolou
Oriente, no Rio, com curadoria de Fábio artística de Betina Polaroid e, daqui por
Seixo. Recentemente, participou do livro diante, assim que eu assino”, afirma. Beto Pêgo

Fotografe Melhor no 293 41


Vida de fotógrafo
Daniel Castellano

Um olhar sobre
a cidade
O fotógrafo Daniel Castellano documenta Curitiba há 15 anos
e se desafia a buscar quase todo dia ângulos inusitados e
soluções criativas na paisagem urbana da capital paranaense

44 Fotografe Melhor no 293


O fotógrafo
usou um drone
para capturar o
amanhecer no
Parque Tanguá,
em Curitiba (PR)

Por Livia Capeli

N o corre-corre da vida em
grandes cidades, a maioria
das pessoas não consegue
enxergar a beleza que às vezes está
diante dos olhos. Felizmente, existem
apresentando a terra onde nasceu e
cresceu vista do alto, entre gotas de
chuva ou refletida em simples poças
de água na rua.
Foi entre uma pauta e outra
explorar o espaço urbano quanto
para atender o ritmo diário de sair
em busca de novas imagens para o
periódico. Atualmente vivendo como
fotógrafo documental independente,
fotógrafos talentosos que sabem o como repórter fotográfico do Castellano soma cerca de um milhão
quanto é importante parar e perceber jornal curitibano Gazeta do Povo de imagens sobre o tema e acredita
o encanto das paisagens urbanas, durante 13 anos que Castellano se que não é preciso, necessariamente,
caso de Daniel Castellano, de 40 anos, habituou a exercitar a criatividade viajar o mundo para fazer grandes
que há 15 tem fotografado Curitiba para escapar do lugar-comum – imagens: muitas vezes, uma boa foto
(PR) por meio de um olhar criativo, guiado tanto pela curiosidade de pode estar ao dobrar a esquina.

Fotografe Melhor no 293 45


Vida de fotógrafo

Castellano fotografa o Esse trabalho quase cotidiano de de água como inspiração); além de dois
mesmo lugar em estações registrar cenas na capital paranaense deu projetos que envolvem registros da periferia,
diferentes do ano e sabe origem a sete séries fotográficas: Confissões Aldeia Universal e Hortas Urbanas.
que o outono dá um da Luz (sobre sombras e luzes da cidade),
clima europeu para a Rua
Heitor Alencar Furtado Periscópio Urbano (em que a cidade é Exercício diário
fotografada de cima), Natureza Urbana Para Daniel Castellano, a primeira
(mostra a relação entre cidade e natureza), máxima para quem deseja conseguir fotos
Atemporal (foca no cotidiano nos dias criativas de paisagens urbanas é manter
chuvosos), Reflexos do Cotidiano (usa poças a rotina de sair a campo diariamente.

46 Fotografe Melhor no 293


Fotos: Daniel Castellano

Para fotografar
No alto e acima, duas imagens que fazem constantemente
parte da série Reflexos do Cotidiano, feitas
sempre com base em poças de água uma cidade é
preciso que o
Mesmo não fazendo nenhum clique, retornar ao local durante ou após a fotógrafo tenha
é fundamental o exercício diário de chuva, bem como em todas as estações
contemplar a cidade. Outro segredo do ano – no caso de Curitiba, existe a
disciplina para
é voltar sempre no lugar escolhido perspectiva de fotografar a cidade sob sair quase todo
em horários diferentes e observar a nevoeiro, muito comum na cidade, o que dia e muita
iluminação tanto do Sol quanto da Lua cria um clima misterioso.
– como ela se modifica e interfere nas Madrugar em um local para fotografar criatividade para
construções, no asfalto, na calçada e até virou rotina para o especialista, que não se repetir
nos pedestres. Também é interessante costuma se organizar fazendo uma lista

Fotografe Melhor no 293 47


Vida de fotógrafo

Dança típica realizada por descendentes de poloneses no Bosque do Papa, em Curitiba, em captura feita com drone

dos lugares para o qual precisa retornar. outros ângulos, de cima para baixo, sob
“Estudo a luz por muito tempo, e sei que passarelas, viadutos e coberturas de prédios,
em determinados dias do ano o Sol irá assim como de baixo para cima, colocando
se alinhar naquela determinada rua da a câmera rasante ao chão, aproveitando o
cidade. Saio de casa por volta das 5h da reflexo de poças de água”, ensina.
É preciso manhã e, se não chover ou amanhecer Outro exercício importante é, sempre
estudar a luz dos nublado, consigo fotografar na hora que a que possível, conhecer novos lugares
lugares onde se luz fica mais atraente”, explica. para renovar o repertório visual: “Quando
quer fotografar e Castellano acredita que um fotógrafo frequentamos o mesmo ambiente
isso exige tempo e jamais deve fazer uma imagem e achar durante muito tempo, não conseguimos
que ela é definitiva: a luz, o lugar, as mais enxergar novas possibilidades,
dedicação, pois é construções, a natureza e até a habilidade ficamos com o olhar habituado.
preciso voltar lá da pessoa em fotografar se modificam Porém, quando saímos da nossa zona
várias vezes com o passar do tempo. Por isso, é preciso de conforto, como acontece quando
voltar periodicamente para aperfeiçoar viajamos para um lugar novo, podemos
Daniel Castellano as escolhas. “Procure fazer imagens de expandir nossos horizontes, e isso acaba

48 Fotografe Melhor no 293


Fotos: Daniel Castellano

modificando para sempre o que somos. Um deles é buscar referências de imagens, O movimento noturno
O que enxergávamos antes passa a ser tanto de outros fotógrafos quanto das em dia de chuva na Rua
visto com outro olhar”, acredita. produzidas por ele mesmo anteriormente, São Francisco (acima)
procurando realizar uma avaliação do que e o movimento diurno
na Rua XV (abaixo) em
Ferramentas criativas pode ser melhorado. Ele também se inspira dia ensolarado: o clima
Daniel Castellano conta que costuma nos trabalhos de nomes como o americano na capital paranaense
acessar alguns canais de inspiração para David Alan Harvey e o franco-americano também pauta fotos
ativar o processo criativo na hora de fazer Elliot Erwit, assim como nos brasileiros
a documentação do cotidiano da cidade. Tuca Vieira, Cassio Vasconcelos, Custódio

49
Vida de fotógrafo

Acima, imagem realizada Coimbra, Araquém Alcântara, Cláudio O drone é uma delas, que leva a visão do
com drone na periferia Edinger e João Bruschz. fotógrafo para o alto de ruas e avenidas,
de Curitiba para a série Além do olhar apurado e do empenho explorando a ousadia da arquitetura ou
Hortas Urbanas e, abaixo,
diário para conseguir um resultado criativo, as linhas e formas urbanas, com muitos
a luz na calçada de luz
na Rua Cândido Lopes, Castellano conta com algumas ferramentas grafismos quando a cidade é vista de cima.
centro da cidade importantes para captura das imagens. Com sua DSLR Canon EOS 5D Mark IV
ele ainda experimenta objetivas diferentes
para clicar o mesmo lugar, aprendendo a
Fotos: Daniel Castellano

enxergar o universo com lentes distintas.


Para ele, a fixa 50 mm f/1.4, por exemplo,
proporciona, além do corte, um desfoque
que o olho humano não tem. O fotógrafo
explica que prefere a “cinquentinha”
para cenas de rua e também alterna o
enquadramento com duas lentes com
zoom, a 17-40 mm f/4 e a 70-200 mm
f/2.8 – que usa principalmente para fazer
registros em dias de lua cheia.
Uma lente olho-de-peixe também
faz parte do jogo de ferramentas de
Castellano, que considera essa objetiva
bem versátil para ensaios na cidade: “a
olho-de-peixe, ao oferecer um ângulo

50 Fotografe Melhor no 293


Acima, a Catedral Basílica Menor de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais em um
de visão de 180 graus, permite ao vão de mureta; abaixo, começa o movimento na feira noturna do Água Verde
fotógrafo fugir do comum e incluir
elementos no enquadramento que
antes pareciam impossíveis. Pode
ser usada para imagens criativas
que mostram o que os olhos
humanos não enxergam. Existe a
desvantagem da distorção, porém,
ela pode ser usada a favor da
composição se o fotógrafo souber
se posicionar, como na parte central
de uma esquina, por exemplo,
mostrando os prédios em curvas
que parecem se deitar”, diz.
Essa maneira dedicada e
criativa de registrar cenas da capital
paranaense chama a atenção dos
curitibanos, que se identificam
com o trabalho do especialista,
consumindo livros, fotos impressas
e calendários publicados por ele,
dando motivação para ele sempre
inovar na produção de material.

Fotografe Melhor no 293 51


Fotografia de paisagem

Libere a criatividade
na teleobjetiva
Trocar uma lente de distância focal curta como a grande angular
pela de distância focal longa tira o fotógrafo da sua zona
de conforto. Mas coloca diante dele um instigante desafio

dunas
Nesta foto feita
no Dead Valley, na
Califórnia, EUA, foi
usada uma tele na
posição de
230 mm

52 Fotografe Melhor no 293


Por Príamo Melo, texto e fotos

O paradigma histórico
para a composição da
imagem em fotografia
de paisagem baseia-se no uso
de objetiva de distância focal
narrativa visual que apresenta
detalhes atraentes desde o
primeiro plano (como formações
rochosas intrigantes) até assuntos
monumentais no plano de fundo
longa, a teleobjetiva.
Do ponto de vista da
composição da imagem, há uma
grande diferença entre uma objetiva
grande angular e uma teleobjetiva
curta, conhecida como grande (como uma montanha recebendo (ou mesmo meia-tele). Na categoria
angular. Com ela, o ângulo de os últimos raios de um pôr do grande angular, que compreende
visão é ampliado, ou seja, essa sol). Porém, para uma abordagem lentes com distância focal abaixo
distância focal permite incluir menos convencional, mais criativa de 35 mm, existem ótimas objetivas
diversos elementos da cena, e desafiadora é possível fotografar com zoom, caso da Nikon 14-
abrindo oportunidade para uma com lente de distância focal mais -24 mm, da Canon 11-24 mm

Fotografe Melhor no 293 53


Fotografia de paisagem

Acima (à esq.), close em pinheiro no


Parque de Yosemite, Califórnia, EUA,
com a lente em posição de 270 mm;
ao lado, Parque de Zion, em Utah,
EUA, com posição de 180 mm

e da Sony 12-24 mm. Com elas,


podem ser criadas composições
extremamente dinâmicas, com
a versatilidade de introdução de
um senso de movimento, já que o
ângulo de visão oferecido permite
mostrar o que está próximo e
distante simultaneamente, em uma

54
Raios de luz entre nuvens
nas montanhas dos
Pireneus, próximo a
Benasque, Espanha: lente
em posição de 155 mm

Ao trocar a
grande angular
visão expandida da cena, com céu e principal interesse. Nesse contexto,
terra potencialmente presentes no ele também exercita o processo de
por uma tele
enquadramento. Com a escolha certa exclusão, inerente ao ato de fotografar para fotografar
de um elemento interessante para o (independentemente da distância paisagens, o
primeiro plano, o fotógrafo instiga focal). A teleobjetiva leva o observador
o observador a “participar” da cena diretamente ao detalhe da paisagem
grande desafio
ativamente, sendo que a relação entre que chama a atenção e cativa o olhar. é a redução de
os planos permite a introdução da Cabe lembrar que a distância focal elementos no
noção de tridimensionalidade. utilizada em nada se relaciona com o
Quando o fotógrafo escolhe tamanho do objeto fotografado, seja enquadramento
uma objetiva mais longa, opta por relativamente grande ou pequeno: o
interpretar a paisagem com ângulo importante é que, diante do que se
de visão mais fechado, encurtando vê, o que se registra é um fragmento
a extensão da narrativa e partindo da paisagem à frente. Belo, forte e
mais diretamente ao assunto de completo para justificar a captura.

Fotografe Melhor no 293 55


Fotografia de paisagem

Combinar a
maior distância
focal com
Decidido a simplificar
Com objetivas longas, a meta é fotografia de paisagem. Não por acaso,
ajuste de baixa enfatizar elementos e/ou detalhes não grandes mestres da ciência e da arte se
velocidade é devidamente percebidos na paisagem debruçaram sobre a proposição: para o
uma técnica que que uma grande angular pode capturar. físico alemão Albert Einstein, “tudo deve ser
Esse reducionismo leva a uma visão o mais simples possível, porém não mais
produz efeitos mais introspectiva e íntima, abrindo simples”; o escritor francês Antoine de Saint-
atraentes em espaço para um redescobrimento visual -Exupéry disse que “um artista sabe que
água corrente da paisagem, processo que pode levar alcançou a perfeição não quando não há
à concepção de imagens que remetem nada mais a acrescentar, mas quando não
a sensações de abstração, intriga, bem há nada mais a retirar”.
como ambiguidade, uma vez que O potencial criativo da simplificação
elementos de referência (como a linha do pode também ser conjugado com o uso
horizonte) são eliminados da cena. de longa exposição, técnica muito popular
Ao escolher um ângulo de visão mais em fotografia de paisagem. Nesse tipo de
estreito, o fotógrafo também toma decisões abordagem, é possível escolher um tempo
No alto, mar drásticas de encurtamento de narrativa: de exposição adequado para introduzir
escorrendo entre ter menos planos na imagem é uma forma uma ideia de ação à imagem. De frações de
rochas na Ilha de
de simplificar a cena pela diminuição segundo a poucos segundos, o fotógrafo
Fernando de Noronha:
ajuste de baixa da quantidade de camadas. “Simplificar consegue capturar o movimento de água
velocidade para criar para enfatizar” pode ser considerado um escoando e de folhas balançando ao vento.
o efeito na água mantra nessa abordagem mais criativa em Alternativamente, a técnica pode ser usada

56 Fotografe Melhor no 293


Ao lado, fresta nos
paredões da cachoeira
Gljúfrafoss, na Islândia,
com a posição 200 mm
da tele com ajuste de
baixa velocidade; acima,
detalhe de pau-mulato
descascado fotografado
com lente de 300 mm

na busca de serenidade visual: exposições treinamento visual, é possível perceber


suficientemente longas conseguem tornar
o movimento da água com aspecto
aquilo a que inicialmente não se dava
importância. Aliás, o desafio constante √ Sobre o autor
Príamo Melo é
professor do Programa de
“leitoso” ou mesmo “esfumaçado”, criando para o fotógrafo de paisagem é saber o Engenharia Química da
uma imagem surreal e envolvente. que é distração na cena para eliminá-la do COPPE/UFRJ, no Rio de
Explorar a teleobjetiva em fotografia enquadramento e dar mais clareza ao tema Janeiro. Também se dedica
de paisagem pode ser uma experiência principal escolhido. Essa tarefa se torna ao estudo, prática e ensino
de fotografia de paisagem.
provocadora e emocionante, uma vez especialmente desafiadora com objetivas Seu portfólio atualizado
que o fotógrafo é tirado de uma posição longas, uma vez que é preciso saber muito pode ser encontrado no
de conforto. Com curiosidade, prática e bem para onde direcionar o olhar. Instagram (@priamomelo).

Fotografe Melhor no 293 57


Fotografia de natureza

Uma foto rara de um lobo-guará fêmea com seu filhote: fotógrafo passou 15 anos documentando a espécie

A vida como ela é


Ao completar 30 anos de carreira, Adriano Gambarini mantém-se fiel à técnica que usa
desde a época do filme e defende mais realidade e menos manipulação na fotografia
Por Érico Elias

C om uma trajetória
de três décadas na
fotografia de natureza,
o paulistano Adriano Gambarini,
de 51 anos, consolidou um amplo
A lição é válida sobretudo na
documentação da fauna silvestre,
já que os animais não estão à
disposição do fotógrafo e na
maioria dos casos se escondem
campo, é necessário estudar os
hábitos e comportamentos das
espécies que se deseja fotografar.
Por conta de uma escolha pessoal,
Gambarini não usa a técnica
portfólio, que inclui imagens de quando identificam presença conhecida como câmera trap
vida selvagem, cavernas, paisagens humana. É preciso muita dedicação (armadilha, em inglês), que consiste
e aéreas. Defensor da técnica acima e disponibilidade para passar dias em posicionar uma câmera com
de recursos digitais, da imagem e às vezes semanas registrando sensor de movimento que dispara
fidedigna em vez de manipulação animais, só assim é possível quando percebe a movimentação
e de trabalho a longo prazo, ele obter boas imagens – segundo o de algum bicho diante das lentes.
diz que, de todas as lições que especialista, na natureza selvagem Essa técnica, muito usada para
aprendeu e incorporou ao longo não existe “instante decisivo” documentar hábitos de animais em
da jornada, nenhuma provou ser capturado instintivamente, as geral, permite fotografar sem estar
tão importante quanto um preceito imagens surpreendentes exigem presente na cena. “Não uso câmera
simples porém fundamental na sua muita dedicação. trap por um motivo simples: gosto
especialidade: saber esperar. Além do tempo dedicado em de observar antes de tudo. Talvez

58 Fotografe Melhor no 293


Imagem captada no Abismo
Anhumas, em Bonito (MS), com
câmera subaquática, lente grande
angular e disparos conjuntos de
flashes externos e subaquáticos

minha primeira reação diante de um quinze anos fotografando lobo- mais de quatorze anos”, comenta.
animal seja mais de naturalista do -guará para produzir um livro e outros Logicamente, ele desenvolveu esses
que de documentarista”, compara. dezessete para fazer o livro sobre temas de maneira simultânea, mas
Gambarini ressalta que sua as onças-pintadas. Já o livro sobre pontua que para um fotógrafo
carreira é baseada em muitos anos cavernas foram dezoito anos. Só na realizar um trabalho de peso sobre
de estudo e planejamento, com documentação do pato-mergulhão, determinado assunto é preciso muita
trabalhos que envolvem um processo uma das aves aquáticas mais raras dedicação – confira mais detalhes
sistemático de longo prazo. “Demorei e ameaçadas do mundo, foram sobre os livros no box da pág. 57.

Fotografe Melhor no 293 59


Fotografia de natureza

Tratamento x manipulação
A pós-produção tem pouca presença tempo na pós-produção é porque
no trabalho de Adriano Gambarini. Ele errei na hora do clique. Fotografia é o
mesmo trata as imagens, com ajustes produto originado na hora do clique.
Acima, uma nova espécie mínimos. Na sua opinião, é preciso Sou fotógrafo, não sou um ‘tratador’
de macaco descoberta diferenciar tratamento de manipulação. de fotos. Existe uma linha muito tênue
na Amazônia e da qual
No momento em que o fotógrafo começa entre fotografia e arte digital. Acho que
só Gambarini tem fotos;
abaixo, urso-preto nas a alterar a realidade presenciada na hora está mais do que na hora de o mercado
Great Smoky Mountains, do clique, passa a manipular. “Parto do separar fotografia de arte digital. São
Tennessee, EUA princípio que se eu tiver que ficar muito produtos distintos”, afirma.
Para Gambarini, o tratamento
digital trouxe avanços importantes
para a fotografia de um modo geral,
mas também trouxe alguns “perigos”,
principalmente fotografia de natureza,
que deve desenvolver uma abordagem
documental, ser fidedigna, segundo
ele. “Algumas pessoas perderam o bom
senso. É comum ver fotos de bichos
ou lugares que conheço, e penso:
‘Esse bicho não tem essa cor, aquela
montanha não existe ali. É impossível
uma contraluz assim’. No momento em
que a pessoa faz uma foto e manipula a
esse ponto, não considero o tratamento
digital um avanço. Isso não é fotografia
documental de natureza. Se quiser tomar

60 Fotografe Melhor no 293


Acima, filhote de
tucano coloca
cabeça para fora
do ninho depois de
horas de espera do
fotógrafo; ao lado,
pato-mergulhão
em início de voo
registrado na Serra
da Canastra, em
Minas Gerais

purista
Gambarini
prefere fotografar
como na época do
filme, com poucos
recursos
digitais

outro rumo, sem problemas. Mas aos inúmeros recursos trazidos por do filme. Costumo contornar as
que fique bem claro que houve modelos de câmeras digitais atuais, dificuldades inerentes em uma
manipulação”, reforça. como bracketing, HDR, captura cena por meio das regulagens e
Gambarini recorre ao flash contínua e panorâmica, nenhum técnicas convencionais da fotografia,
como luz de preenchimento ou deles faz parte de seu repertório. abertura, velocidade e luz. Temos
para iluminar em fotos de cavernas, Longas exposições ele utiliza apenas que entender a relação de luz e
uma de suas especialidades. Diz em fotos de caverna e imagens sombra, buscar o enquadramento
gostar bastante da contraluz, noturnas. “Prefiro não usar esses que se quer e esperar o momento
mas “sem firulas”, da forma mais recursos digitais. Minhas fotos são certo do clique. Ter paciência é
simples e original possível. Quanto tal qual sempre fiz, desde a época fundamental”, ensina.

Fotografe Melhor no 293 61


Fotografia de natureza

Além de fotos
de cavernas,
Gambarini
também gosta
de produzir
imagens aéreas, Na mão, sem tripé
mas hoje usa A fotografia de natureza costuma equipamento. Não é o caso de Gambarini,
um drone, que exigir um grande rol de lentes, de grandes que opta por levar o equipamento mais
angulares amplas para paisagens até as compacto possível quando sai a campo.
oferece um custo superteles para registro da vida selvagem. Ele trabalha com equipamento Nikon. Tem
muito menor Muitos fotógrafos acabam atuando com três corpos de câmera, uma mirrorless Z6 e
a ajuda de um assistente, para carregar o duas DSLRs, a D4S e D850, e várias opções
de lentes, desde uma olho-de-peixe 10 mm
f/2.8 até uma 200-400 mm f/4.
Mais uma opção dele que está na
contramão da maioria dos fotógrafos
de natureza: raramente usa tripé ou
monopé, apesar de ter ambos. A lente
de 200-400 mm, segundo o fotógrafo,
dá para ser sustentada na mão. “É
pesada, mas peguei o jeito. Além disso,
em praticamente todas as situações que
vivi fotografando vida selvagem tinha
que ir atrás dos bichos e me camuflar na
mata. Simplesmente não dava tempo de
armar o tripé. Em quase todas as minhas
viagens sou contratado por instituições
e ONGs, para ir a regiões remotas. Não
tenho assistente, ou seja, carrego todo o
equipamento”, explica. Leva o tripé para

Acima, interior da Gruta do


Fendão, no Parque Intervales,
em São Paulo; ao lado, um raro
macaco-da-noite da Amazônia,
difícil de ser documentado

62 Fotografe Melhor no 293


Acima, onça-pintada documentada para primeira matéria na revista National Geographic Brazil em 2000 e filhote de
gorila registrado em parque de Ruanda, na África; abaixo, onça-parda fotografada em região de caatinga no Piauí

Investimento
em livros
Adriano Gambarini tem
18 livros publicados e criou
um site especialmente para
divulgá-los e vendê-los.
Dentre as publicações, merece
destaque Cavernas no Brasil
(Metalivros), de 2012, já que
Gambarini é especialista em
Espeleologia, ciência dedicada
ao estudo das cavernas. Os
livros sobre o lobo-guará e a
onça-pintada mencionados
pelo fotógrafo são Histórias
de um Lobo e Panthera onca
– À sombra das Florestas,
publicados pela editora Avis
Brasilis. Confira outros títulos
e mais detalhes no site:
gambabooks.com.br.

eventuais fotos de paisagem dentro aluguel de helicóptero, monomotor DSLR e uma lente zoom que cubra
de floresta ou cavernas, que exigem ou de ultraleve para fazer esse tipo de grande angular (para paisagens)
longa exposição. Filtros, monopé e de imagem, o que encarecia de a teleobjetiva (para cenas distantes)
teleconversor também não costuma forma significativa. A chegada dos – como as opções 18-200 mm,
usar. “Busco ser o mais sucinto drones facilitou bastante a obtenção 24-240 mm ou 28-300 mm. “Gosto
possível em termos de equipamento de tomadas aéreas. Por isso, ele usa de sugerir esse equipamento básico
pela praticidade”, conta. o modelo Mavic 2 Pro mais recente, para quem está começando porque
Gambarini também tem um fabricado pela DJI. facilita no início. Comprar muitas
extenso portfólio de imagens aéreas. Aos interessados em começar na lentes intercambiáveis pode acabar
Sempre que fazia os orçamentos fotografia de natureza, o especialista atrapalhando e até frustrando a
de viagens, buscava programar o recomenda investir em uma câmera pessoa”, explica Gambarini.

Fotografe Melhor no 293 63


Galeria Fotografe
Um destaque feminino no
Fotojornalismo Brasileiro
F
ormada em Jornalismo pela ANTF (2007), GDA (2016) e Petrobras (2018). Ainda
Universidade Federal de Santa Maria, foi destaque destacou no Concurso Cultural Leica-
no Rio Grande do Sul, iniciou a carreira -Fotografe ao vencer, em 2007, a categoria P&B
de repórter fotográfica em jornais do interior com uma foto da pintura da Passarela do Samba,
gaúcho, passou pelo Diário Catarinense, de no Sambódromo da cidade do Rio de Janeiro.
Florianópolis (SC), até ser contratada para fazer Entre as exposições de que participou
parte da equipe de fotografia do jornal O Globo, destacam-se as coletivas Fotojornalismo
do Rio de Janeiro (RJ), onde trabalha desde 1991. Brasileiro 1990-1995, promovido pela Fundação
Já em 1995 conseguiu o primeiro destaque Bienal de São Paulo; Brava Gente Brasileira, no
nacional ao receber o Prêmio Finep de Museu da República em 2000; 100 Fotógrafos
Fotojornalismo ao fotografar crianças sendo que Retratam o Cotidiano em 24 Horas, no
revistadas por soldados do Exército em uma Museu da Imagem e do Som (MIS), em São
favela do Rio. Esse foi o primeiro dos vários Paulo, em 2000; Retratos da Lida, no Centro
prêmios que conseguiu ao longo da carreira, Cultural Banco do Brasil, no Rio, em 2003;
sendo que o mais importante foi o Prêmio Direitos Humanos-Declaração da Vida, no Centro
Internacional Rei da Espanha, com a reportagem Cultural da Justiça Eleitoral, no Rio, em 2008.
Os Miseráveis, que retratava a realidade de 3,77% Em 2006, apresentou uma retrospectiva do seu
dos moradores do Estado do Rio de Janeiro, trabalho na exposição Quando o Ofício Encontra
cerca de 565 mil pessoas, que viviam em situação a Arte, no Centro Cultural Oi, no Rio. Em 2013,
de extrema pobreza, com pouca comida (ou realizou a mostra individual Sonata, no Centro
nenhuma) e muitas necessidades. Cultural da Justiça Federal, no Rio. Esteve presente
Márcia Foletto também ganhou os prêmios ainda em várias edições do livro O Melhor do
de fotojornalismo CNT (2003), IBBCRIM (2004), Fotojornalismo Brasileiro, editado desde 2009.
Barcos ao anoitecer
iluminados pela luz da
rua em uma marina na
Praia de Botafogo,
Rio de Janeiro (RJ)
Galeria Fotografe
Um destaque feminino no
Fotojornalismo Brasileiro
F
ormada em Jornalismo pela ANTF (2007), GDA (2016) e Petrobras (2018). Ainda
Universidade Federal de Santa Maria, foi destaque destacou no Concurso Cultural Leica-
no Rio Grande do Sul, iniciou a carreira -Fotografe ao vencer, em 2007, a categoria P&B
de repórter fotográfica em jornais do interior com uma foto da pintura da Passarela do Samba,
gaúcho, passou pelo Diário Catarinense, de no Sambódromo da cidade do Rio de Janeiro.
Florianópolis (SC), até ser contratada para fazer Entre as exposições de que participou
parte da equipe de fotografia do jornal O Globo, destacam-se as coletivas Fotojornalismo
do Rio de Janeiro (RJ), onde trabalha desde 1991. Brasileiro 1990-1995, promovido pela Fundação
Já em 1995 conseguiu o primeiro destaque Bienal de São Paulo; Brava Gente Brasileira, no
nacional ao receber o Prêmio Finep de Museu da República em 2000; 100 Fotógrafos
Fotojornalismo ao fotografar crianças sendo que Retratam o Cotidiano em 24 Horas, no
revistadas por soldados do Exército em uma Museu da Imagem e do Som (MIS), em São
favela do Rio. Esse foi o primeiro dos vários Paulo, em 2000; Retratos da Lida, no Centro
prêmios que conseguiu ao longo da carreira, Cultural Banco do Brasil, no Rio, em 2003;
sendo que o mais importante foi o Prêmio Direitos Humanos-Declaração da Vida, no Centro
Internacional Rei da Espanha, com a reportagem Cultural da Justiça Eleitoral, no Rio, em 2008.
Os Miseráveis, que retratava a realidade de 3,77% Em 2006, apresentou uma retrospectiva do seu
dos moradores do Estado do Rio de Janeiro, trabalho na exposição Quando o Ofício Encontra
cerca de 565 mil pessoas, que viviam em situação a Arte, no Centro Cultural Oi, no Rio. Em 2013,
de extrema pobreza, com pouca comida (ou realizou a mostra individual Sonata, no Centro
nenhuma) e muitas necessidades. Cultural da Justiça Federal, no Rio. Esteve presente
Márcia Foletto também ganhou os prêmios ainda em várias edições do livro O Melhor do
de fotojornalismo CNT (2003), IBBCRIM (2004), Fotojornalismo Brasileiro, editado desde 2009.
Trabalhadores pintam
a Passarela do Samba
no Sambódromo da
Marquês de Sapucaí,
no Rio de Janeiro (RJ)

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