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Arquivo compilado por Renato Figueiredo

Medicinal do Rapé
O Rapé
A palavra rapé vem do francês “râper” (raspar). Basicamente, é tabaco
moído, raspado ou pilado até se transformar em um pó fino e aromático que é
aspirado ou soprado adentro das narinas. Até o início do século XX, era bastante
comum o uso de rapé no Brasil. Costumava ser vendido em caixinhas
(semelhantes às de fósforo) ou estojos. Seu uso, neste caso, não é ligado a
rituais (espirituais). O rapé elaborado puramente de tabaco está associado ao
tabagismo e pode causar dependência e doenças associadas ao seu uso
demasiado. Porém, o rapé utilizado para fins espirituais é composto por outras
plantas
Seu uso é ancestral e já esteve bem presente em diversos lugares e
épocas. Porém seu aspecto mais interessante é o uso pelas tribos indígenas e
pelos caboclos da floresta, que o utilizam para diversos fins, entre eles
medicinais e cerimoniais.
Para os huni kuin (kaxinawás) é uma medicina de poder que te conecta a
energia de Youshibu (Deus da Criação).
Geralmente o rapé dos huni kuin contém tabaco. O tabaco utilizado é
aquele cultivado nas aldeias e após a colheita das folhas e seu curtimento é
enrolado na borracha. Esse tabaco é picado e levado ao sol até secar. Depois é
moído e peneirado diversas vezes até ficar em pó. As outras plantas podem
variar entre pxuri, murici, cacau do mato, canela de veio, e muitas outras, sendo
que cada uma delas tem sua medicina especifica. Podem ser usadas as folhas,
as cascas, sementes e até as cinzas destas plantas.

Ponto de Vista Espiritual


O Tabaco sempre foi considerado pelos índios como uma Planta de
Poder, porém caiu em mau uso pelos brancos, perdendo sua força original e seu
poder, sendo usado de forma viciante, responsável por terríveis males no
organismo.
Por isso sempre que usado deve ser com respeito, pois é sagrado. Assim
não se deve jamais misturar rapé com álcool, e nem mesmo utilizá-lo em
qualquer lugar.
Dentro de muitas tradições nativas, é considerada como uma planta
mestre, também vista como um pai ou avôque contém toda sabedoria ancestral
da floresta.
O tabaco pode ser utilizado dentro dos quatro elementos. O tabaco do
fogo é o tabaco queimado em cachimbos (e similares) e apenas baforado, sem
tragá-lo. Neste caso é muito utilizado para rezar. Considera-se que a fumaça
lançada ao ar carrega a oração até o Grande Espírito (Deus).
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Na maior parte das tradições que fazem uso ritualístico do tabaco, ele
jamais é tragado – é considerado um desrespeito com o espírito ancestral desta
planta sagrada.
O tabaco d’água é o tabaco preparado pela sua infusão em água (por
alguns dias) e inalado via nasal ou oral (de acordo com o ritual). O tabaco da
terra é tabaco seco mascado e cuspido (ritual da mascada) e o tabaco do ar é
uso ritualístico do rapé (aspirado via nasal). O tabaco ainda é muito utilizado para
oferenda (para a terra e para o fogo), considerado como uma forma de
agradecimento ou oração.
Quando o tabaco é utilizado espiritualmente, traz purificação,
centramento, transforma energias negativas em positivas, serve de mensageiro.
Ao utilizar o rapé também pode-se entoar cantos de cura e de pajelança,
pois segundo os huni kuin o rapé nos põe em contato com os espíritos da
floresta. A combinação das plantas contidas no rapé irá determinar se o rapé tem
poderes de curas, de concentração, de caça ou de outras crenças. Assim o rapé
pode além da cura física, colocar nosso espírito nos encantos da floresta nos
trazendo poder e força.

A Utilização
Os huni kuin usam a expressão “passar rapé” quando sentem vontade de
usar a medicina. Essa expressão é utilizada porque o rapé é assoprado no nariz
de quem deseja, e tem que ser assoprado nas duas narinas, pois eles dizem que
é para equilibrar a energia da natureza. Se você assoprar em uma narina
apenas, você ficará desequilibrado com a floresta. Isso pode ser de duas formas:
individual ou em dupla. A forma individual é quando você mesmo assopra o rapé
em suas narinas através do “curipa”, um instrumento feito de bambu, taboca ou
osso, de tamanho pequeno em formato de V, onde de um lado você coloca sua
boca e do outro você encaixa em uma das narinas. Já para passar o rapé em
dupla usa-se o “tipi” também em formato de V e feitos com taboca, bambu ou
ossos, onde um assopra na narina do outro.
Dentro da tradição indígena, não se "aspira" o rapé. Ele é sempre
"soprado" por outra pessoa ou por quem vai tomar o rapé. Soprado para dentro
das narinas e aplicado por um pajé ou por outra pessoa, e provoca uma forte
reação nos mais inexperientes. Seu efeito é rápido e após isso sente-se um
grande bem-estar e disposição, fora a limpeza das vias aéreas, que ele
proporciona. Importante ressaltar que quando se vai receber o rapé, tem que
tomar bastante cuidado de quem se vai receber, pois se o aplicador tiver algum
tipo de desequilíbrio, pode ser físico ou emocional, na hora de aplicar o receptor
pode se desequilibrar e até receber a doença do aplicador, é preferível se auto
aplicar, quando não se tem confiança no aplicador ou segurança em vários
aspectos.
Relatam que o rapé se usa para esfriar o corpo, pois quando se trabalha
muito debaixo do sol, ao ir tomar banho de água fria das cacimbas, pode-se
pegar um resfriado, e é bom cheirar rapé antes, porém o resfriamento não é
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regra e em alguns casos pode esquentar o corpo, isso dependerá do estado


energético de cada um.
Além de estimulante, portanto, o rapé também faz baixar a pressão. O
rapé também é usado para caçar e para tirar a "panema" (preguiça) e na hora
da cerimônia do Uni (ayahuasca). As duas energias se unem e o Uni vem com
mais luz, mais perfeito, mais profundo.

Para que é utilizado


O rapé é utilizado para muitos fins. Os principais são as mazelas do corpo
físico, como dor de cabeça, sinusite, nariz congestionado, até mesmo as
panemas, que são as mazelas do espírito. Assim quando se usa o rapé deve-se
ter em mente que o que entra em você são plantas da floresta e também espíritos
de cura da floresta. Por isso é sempre bom ter respeito pelo rapé, assim você
também está respeitando todas as energias da floresta. Sua utilização é muito
comum nos rituais de nixi pae (ayahuasca) onde ao “passar rapé” a força do nixi
pae se intensifica colocando seu espírito mais em contato com a floresta.

Sintomas e benefícios do rapé

A experiência com o rapé é muito intensa. A pessoa vivência uma série


de reações físicas, psicológicas e espirituais em pouquíssimo tempo.
Os sintomas diretos da aplicação forte de rapé são: forte ardência de toda
face nasal, sensação de queimação nas cavidades, forte pressão na cabeça,
tontura, acelera os batimentos cardíacos, falta de ar, náuseas, vômitos,
sensação de paralisação corporal, entre outras. Porém, isto é o extremo, um
sopro moderado pode ser mais tranquilo, apenas sentido leve tontura e
relaxamento do corpo. Vale um parêntese nesse assunto, o sopro é bastante
estudado pelo pajés e aplicadores de rapé, é comum sopros serem nomeados
com nomes de animais, como por exemplo, beija-flor, jiboia, jaguar, etc. Cada
nomeação é correspondente ao tipo de sopro e este altera a percepção de quem
recebe.
O rapé deve ser soprado em ambas às cavidades nasais. Quando
iniciamos um trabalho cerimonial, destacamos muito esta informação. Cada uma
das faces nasais representa um meridiano do corpo. O lado direito é associado
ao masculino (racional) e o lado esquerdo o feminino (intuitivo). A pessoa que
vai receber um sopro pela primeira vez deve estar ciente disto. Algumas
experiências que tivemos, demonstraram que a pessoa que não se propõe
receber o segundo sopro (medo), acaba entrando em um processo tão ou mais
forte que o habitual. Isso basicamente se deve pelo fato da pessoa não se
entregar ao processo de cura e/ou também rejeitar a medicina, o que, de certa
forma é como rejeitar o espírito do rapé.
O rapé, psicologicamente falando, trata principalmente dos medos. Uma
aplicação forte de cura pode levar a pessoa a vivenciar sua própria sombra e
acessar os medos mais obscuros. Inúmeras experiências comprovaram a
eficiência no trato de depressões, medos obsessivos, insônia, ansiedade, entre
outros.
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Há indícios que a cinza de pau pereira neutralize parte da nicotina do


tabaco, o que torna o rapé um meio de curar tabagistas. Comprovadamente pude
conhecer várias pessoas que largaram o vício (cigarro) após fazer ritual com uso
de rapé. Particularmente venho estudando o rapé há algum tempo e, costumam
me perguntar: “rapé vicia?” A resposta é simples: o uso ritualístico (dentro do
sagrado – espiritual) do rapé não vicia. Porém, mesmo este rapé com cinza de
tsunu pode viciar àqueles quem fazem o mau uso (usam rapé sem um propósito
espiritual) desta medicina.
Sob a óptica espiritual, o rapé pode expandir muito a consciência e a
mediunidade. Pessoas com forte mediunidade vivenciam intensas experiências
com o rapé, recebendo com clareza informações, orientações e curas. Para
quem trabalha com esta medicina, ela é excelente para trazer o “centramento”,
conexão, instruções para o trabalho espiritual e, além disto, protege nosso corpo
e espírito.
O rapé também é muito eficiente para tratos do sistema respiratório e
digestivo. Eu mesmo curei minha sinusite e inúmeras pessoas já se curaram de
renites, tiveram maior imunidade contra resfriados e outras disfunções
respiratórias. O rapé é muito poderoso para tratar o sistema digestivo.
Energeticamente, ele atinge de forma direta o plexo solar (região do estômago –
também associada aos medos, ansiedade, etc.), fazendo com que a pessoa
arrote ou até mesmo vomite, eliminando energias densas desta região. É
também muito eficaz para tratar a constipação (efeito imediato). O rapé ainda
traz curas rápidas de dores (cabeça ou no corpo), desperta o corpo (quando
sonolento e preguiçoso), traz relaxamento, e sensação de frio (baixa a pressão).
O povo Yawanawa tem como costume tomar rapé no final da tarde, após
o trabalho para resfriar o corpo e relaxar, seguido de um banho de rio. O rapé
tem energia predominante da terra. Por ser uma energia densa, quando estamos
sob o efeito forte do rapé, a forma mais simples e rápida de diminuir o efeito é
banhar-se com água fria.

Agradeço a todos que contribuíram com a formatação deste texto


instrutivo que de forma direta e indireta influenciaram este estudo. Por isso reforço que
não sou o autor destas palavras, apenas agrupei os ensinamentos.
Ahow!

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