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Vinícius Sousa

T11

Tutoria SP4M3 – 5ª etapa

1. Sobre a SDF: epidemiologia, fatores de risco, etiologia, fisiopatologia, quadro clínico,


diagnóstico, evolução (úlceras) e tratamento;
Dispepsia funcional ou dispepsia não ulcerosa ou síndrome dispéptica é uma desordem heterogênea caracterizada por
períodos de abrandamentos e exacerbações, e seu diagnóstico é em geral empregado quando, em uma avaliação
completa em um paciente que apresenta dispepsia, não se consegue identificar a causa para os seus sintomas. O
mecanismo fisiopatológico ainda é desconhecido e o tratamento ainda não totalmente estabelecido.

Embora várias definições sejam usadas para descrever dispepsia funcional, a mais comum, de acordo com os consensos
Roma II e Roma III (Tabela 1), é aquela de dor, queimação ou desconforto crônico ou recorrente com sensação subjetiva
desagradável, que pode estar associada a saciedade precoce, empachamento pós-prandial, náuseas, vômitos,
timpanismo, distensão abdominal, localizados no abdômen superior, com a ausência de provável doença orgânica que
justifique os sintomas e ausência de evidências de que os sintomas melhorem ou estejam associados a alterações no
ritmo ou nas características das evacuações intestinal. Além disso, os sintomas apresentam duração mínima de 3 meses
(12 semanas), contínuos ou intermitentes, e apresentam no mínimo 6 a 12 meses anteriores de história de acordo com
os consensos Roma II e III.

De acordo com o consenso Roma III, os principais sintomas observados na dispepsia funcional são: empachamento pós-
prandial, saciedade precoce, dor epigástrica e queimação epigástrica. Dispepsia funcional é uma desordem
gastrointestinal muito comum observada na população geral, nos ambulatórios de clínica médica geral e nos
ambulatórios de especialidade, é causa muito comum de vários tratamentos, de vários exames laboratoriais e inclusive
de internação hospitalar. A dispepsia funcional também está associada ao uso de vários medicamentos, automedicação,
absenteísmo e perda de produtividade.

O efeito do gênero no mecanismo da dispepsia funcional, na apresentação dos sintomas e na resposta ao tratamento é
uma área de crescente interesse e de vários estudos. Portanto, apesar de os mecanismos fisiopatológicos e a causa não
estarem totalmente esclarecidos, parece haver algumas características específicas relacionadas ao gênero na dispepsia
funcional.

Esvaziamento gástrico lento ou gastroparesia primária ou idiopática é uma condição em que ocorre um retardo no
esvaziamento gástrico na ausência de obstrução mecânica. Esta condição pode ocorrer em até 30% dos pacientes com
diagnóstico de dispepsia funcional e pode contribuir para os sintomas.

Outros possíveis mecanismos fisiopatológicos sugerem distúrbios na acomodação gástrica ou relaxamento receptivo,
hipersensibilidade à distensão gástrica, sensibilidade duodenal alterada a lipídios ou ácidos, motilidade duodenojenunal
anormal, suscetibilidade familiar, alterações da função neuro-hormonal, disfunção autonômica, hipersensibilidade
visceral a ácido ou distensão mecânica, infecção por Helicobacter pylori, infecções do trato gastrointestinal, co-
morbidade psicossocial e estresse.

H. pylori é uma bactéria espiralada Gram-negativa que pode estar presente no muco que cobre a superfície do
estômago. A confirmação da infecção do trato gastrointestinal por H. pylori pode ser dada pela pesquisa direta da
bactéria no material coletado por endoscopia digestiva alta (histoquímica, cultura e reação em cadeia de polimerase) e
por um teste indireto (teste rápido da urease), e também por testes que não exigem a endoscopia digestiva alta, que
são o teste respiratório usando ureia marcada com isótopos C13 ou C14 e a pesquisa de anticorpos no sangue (Tabela
2).

O papel da infecção do trato gastrointestinal por H. pylori na fisiopatologia dos sintomas na dispepsia funcional ainda
não está bem esclarecido. Apesar de controverso, alguns autores têm recomendado prescrever medicamentos para a
erradicação do H. pylori em pacientes com dispepsia mesmo na ausência de sintomas de alarme. Apesar de vários
estudos epidemiológicos sugerirem uma incidência aumentada de infecção por H. pylori em países subdesenvolvidos,
parece não haver nenhuma diferença estatística da melhora dos sintomas dispépticos após a erradicação H. pylori em
pacientes com dispepsia funcional. Embora nenhum tratamento específico tenha sido estabelecido para tratar os
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sintomas da dispepsia funcional, vários medicamentos com o objetivo de aliviar os sintomas têm sido empregados
como, por exemplo, drogas que inibem a secreção ácida, drogas pró-cinéticas, antibióticos indicados para a erradicação
de H. pylori e antidepressivos, associados ou não.

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A Dispepsia Funcional é uma desordem gástrica caracterizada pela presença de um ou mais sintomas (dor epigástrica,
plenitude pós-prandial, saciedade precoce, queimação estomacal) durante os últimos 3 meses e que se iniciaram, no
mínimo, 6 meses antes.

O aparecimento da dispepsia ou sintomas dispépticos pode estar associado a vários distúrbios do trato gastrointestinal
superior, como doença ulcerosa péptica, doença do refluxo gastroesofágico, gastrites, neoplasias do trato
gastrointestinal superior, doença do trato biliar e a dispepsia funcional.

No caso da dispepsia funcional, o diagnóstico se dá a partir de uma avaliação completa em um paciente que apresenta
dispepsia e não se consegue identificar uma causa orgânica para os seus sintomas. Ao exame endoscópico, não há
evidências de lesões estruturais e os sintomas de refluxo gastroesofágico (pirose e regurgitação) não são os mais
proeminentes.

Estudos recentes apontaram que, aproximadamente, de 20 a 40% da população geral apresenta alguma queixa
dispéptica. A dispepsia representa a causa de 3 a 5% dos atendimentos ambulatoriais de clínica geral e de 30%, em
média, das visitas ao gastroenterologista. Os sintomas dispépticos podem surgir em qualquer faixa etária e possuem
uma maior prevalência em mulheres.

Após a adoção dos critérios de Roma IV, a incidência da dispepsia funcional caiu significativamente, devido a melhor
distinção entre os sintomas dispépticos e os sintomas da DRGE.

Fisiopatologia

A fisiopatologia da dispepsia funcional ainda é pouco conhecida. Alterações das funções motoras e/ou sensoriais
gastroduodenais podem estar presentes, além de fatores psicossociais como estresse (está associado a maior secreção
de conteúdo gástrico), depressão e ansiedade e infecção por H. pilory (pode desencadear a dispepsia mesmo sem sinais
de gastrite ou úlcera).

As principais alterações motoras/sensoriais envolvidas no processo da dispepsia funcional são: esvaziamento gástrico


lento (devido à gastroparesia primária idiopática – causa de aproximadamente 30% das DF), distúrbios na acomodação
gástrica e hipersensibilidade visceral (principalmente à distensão e a lipídeos/ácidos).

A lentificação do esvaziamento gástrico e os distúrbios na acomodação gástrica estão relacionados principalmente com
a saciedade precoce e plenitude pós-prandial. Já a hipersensibilidade visceral é a principal causa de dor epigástrica.

Quadro clínico

Segundo o critério de Roma IV, a dispepsia funcional engloba duas síndromes clínicas diferentes: a síndrome da dor
epigástrica e a síndrome do desconforto pós-prandial.
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Os sintomas da dispepsia normalmente variam de acordo com a síndrome, no entanto, pode haver sobreposição das
síndromes com manifestações de ambas.

Síndrome da dor epigástrica

Caracterizada comumente por dor em região epigástrica, intermitente, com ausência de irradiação ou generalização,
pelo menos uma vez na semana e que não melhora após a defecação ou eliminação de flatos.

Síndrome do desconforto pós-prandial

Decorrente de alteração na motilidade e/ou na acomodação gástrica; caracterizada por saciedade precoce, sensação
de plenitude pós-prandial e aumento da eructação.

Diagnóstico

O diagnóstico da DF é um diagnóstico de exclusão, ou seja, só pode ser estabelecido após as etiologias mais comuns de
dispepsia terem sido descartadas.

Clínico: Presença de pelo menos um dos sintomas definido pelo critério de Roma IV (dor epigástrica, plenitude pós-
prandial, saciedade precoce, queimação estomacal) nos últimos 3 meses, com início há 6 meses, no mínimo.

Exames complementares

Endoscopia digestiva alta: ausência de lesões no estômago ou duodeno que possam ser responsáveis pelos sintomas.

Descartar outras causas que justifiquem os sintomas, como problemas no pâncreas ou na vesícula biliar.

2. Sobre a úlcera duodenal: epidemiologia, fatores de risco, etiologia, fisiopatologia, quadro


clínico, diagnóstico, evolução (pneumoperitônio) e tratamento;

Ulcera

Os sintomas referidos pelos pacientes não permitem diferenciar úlcera duodenal (UD) e úlcera gástrica (UG) e, algumas
vezes, são muito discretos, atípicos ou ausentes. Quando presente, a dor é habitualmente pouco intensa, em
queimação, localizada no epigástrio, circunscrita e descrita como “dor de fome, queimadura ou desconforto na boca do
estômago”. A dor mantém-se por semanas, de forma rítmica. A ritmicidade é relação íntima da dor com a alimentação:
a melhora da dor com a ingestão de alimentos é relativamente frequente nos portadores de UD (chamada de dor em
três tempos: dói-come-passa), ao passo que, em portadores de UG, a ingestão de alimentos às vezes piora ou
desencadeia o sintoma (dor em quatro tempos: dói-come-passa-dói). Outra característica da dor da úlcera péptica é a
periodicidade: períodos de acalmia (desaparecimento da dor por meses ou mesmo anos) intercalados por outros
sintomáticos. O fato de o paciente ser despertado pela dor no meio da noite (clocking) é sugestivo da presença de
úlcera, particularmente, duodenal. A pirose ou azia é comum nos pacientes com UD, em virtude da associação da UD
com refluxo gastroesofágico. Outros sintomas dispépticos, como eructação, flatulência, sialorreia, náuseas e vômitos,
não são próprios da úlcera péptica, mas podem estar associados. O exame físico nada acrescenta, a não ser nos casos de
complicações, como hemorragia, estenose ou perfuração. Muitos pacientes que procuram os hospitais para o
tratamento das complicações da doença, como hemorragias ou perfurações, nunca apresentaram sintomatologia
prévia. Curiosamente, em 10% dos ulcerosos, a hemorragia é a primeira manifestação da doença e, em ⅓ dos pacientes
com úlcera perfurada, o abdome agudo foi o primeiro sintoma. Na dependência das complicações desenvolvidas, os
pacientes com doença ulcerosa péptica complicada podem apresentar melena, hematêmese, perda de sangue oculto
nas fezes, náuseas, vômitos, distensão abdominal, sinais de peritonite ou instabilidade hemodinâmica (Quadro 53.2).
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Epidemiologia

Nos Estados Unidos, a úlcera péptica afeta até 10% de homens e 4% de mulheres em algum momento de suas vidas. A
incidência é influenciada por idade (pessoas mais velhas são mais suscetíveis que pessoas mais jovens) e gênero (os
homens são mais suscetíveis que as mulheres). Visto que a úlcera péptica é frequentemente recorrente, sua prevalência
excede sua incidência. A erradicação da Helicobacter pylori do estômago reduz sobremaneira a ocorrência de úlcera.
Com o uso difundido de regimes de tratamento para H. pylori, a prevalência de úlcera péptica está diminuindo nos
Estados Unidos. A reinfecção com H. pylori continua sendo um evento incomum nos Estados Unidos, com uma
incidência de aproximadamente uma reinfecção por 100 pacientes/ano.

Fisiopatologia

Apesar dos grandes avanços no conhecimento da doença ulcerosa péptica a sua etiologia ainda não é totalmente
conhecida. O conceito fisiopatológico básico é de que a úlcera péptica resulta da ruptura do equilíbrio existente entre os
fatores agressivos (ácido e pepsina) e os de protecão da mucosa gastroduodenal.

O ácido clorídrico e o pepsinogênio I são secretados pela mucosa do corpo e do fundo gástricos pelas células parietais e
principais, respectivamente. A secreção ácida é controlada pela ação de três potentes estimulantes: histamina,
acetilcolina e gastrina. Eles atuam através de uma cascata de eventos que levam à ativação da bomba de H+- K+ ATPase,
que secreta íons hidrogênio em troca de potássio. A pepsina é uma enzima proteolítica que é secretada principalmente
via estimulação colinérgica, sob a forma de pepsinogênio I e II, que são convertidos à pepsina ativa pela acidez gástrica.

Vários fatores de defesa são envolvidos na proteção da mucosa gastroduodenal contra a atividade do ácido e pepsina,
dentre eles, muco, bicarbonato, camada de hidrofobicidade, prostaglandinas, replicação e resistência celular e fluxo
sangüíneo mucoso. A camada de muco-bicarbonato recobre a superfície do estômago e do duodeno, sendo provável
que o muco retarde a difusão dos íons H+ do lúmen para as células epiteliais, e o bicarbonato neutralize os íons que
tenham se difundido para dentro da camada de muco.

As prostaglandinas aumentam a resistência mucosa, através do aumento do fluxo sanguíneo e do estímulo da secreção
de muco e bicarbonato, e diminuem a secreção ácida. Entre os fatores que inibem ou reduzem a secreção de muco e
bicarbonato estão o ácido acetilsalicílico, ácidos biliares, antiinflamatórios não esteróide, corticosteróides, álcool e
nicotina. Essa ação pode em grande parte ser mediada pela inibição da síntese das prostaglandinas. Tradicionalmente
considera-se que a úlcera duodenal primária está mais relacionada ao aumento dos fatores agressivos da mucosa. Já a
úlcera gástrica primária e a duodenal secundária tendem a ocorrer como o resultado de alterações nos mecanismos de
defesa. As hipóteses mais prováveis da etiopatogênese da doença ulcerosa agrupam fatores genéticos, distúrbios
fisiopatológicos e fatores ambientais.
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Fator de risco

Atualmente, a H. pylori pode ser considerada o fator de risco mais importante para úlceras duodenais e gástricas, mas é
evidente que a mera presença de H. pylori no estômago não é suficiente para causar úlceras pépticas.

Etiologia

H. pylori e os anti-inflamatórios não esteroides (AINE) prejudicam as defesas e a capacidade de reparação da mucosa,
tornando-a mais suscetível ao ácido gástrico. H. pylori é a causa da infecção em 50 a 70% dos pacientes com úlcera
duodenal e em 30 a 50% dos pacientes com úlcera gástrica. Quando se erradica  H. pylori, somente 10% dos pacientes
apresentam recorrência da doença ulcerosa péptica, comparados a 70% de recorrência em pacientes tratados com
supressão ácida isoladamente. O uso de AINE responde por mais de 50% das úlceras pépticas.

O tabagismo é um fator de risco do desenvolvimento de úlceras e suas complicações. O tabagismo também interfere na
cicatrização e aumenta a incidência de recorrência. O risco se correlaciona ao número de cigarros fumados por dia.
Embora o álcool seja um potente estimulante da secreção ácida, não existem dados definitivos ligando o consumo
moderado de álcool ao desenvolvimento ou aumento do tempo de cicatrização das úlceras. Bem poucos pacientes têm
hipersecreção de gastrina causada por gastrinoma (síndrome de Zollinger-Ellison).

Antecedentes familiares estão presentes em 50 a 60% das crianças com úlcera duodenal.

Diagnóstico

Endoscopia digestiva alta

As úlceras pépticas gastroduodenais são definidas como soluções de continuidade da mucosa gastrointestinal
secundárias aos efeitos cáusticos do ácido e da pepsina. Elas estendem-se para além da camada muscularis mucosae, o
que as diferencia das erosões, as quais são mais superficiais. Atualmente, o padrão-ouro para o diagnóstico das
ulcerações pépticas é o exame de endoscopia digestiva alta (EDA). Trata-se de um método seguro, sensível e específico
para a detecção de lesões ulcerosas no trato gastrointestinal. Tem a vantagem de documentar a lesão por meio de
fotografias ou vídeos, o que possibilita revisões posteriores e por diferentes examinadores em tempos distintos. Além
disso, pode-se fazer a pesquisa de Helicobacter pylori e coletar biópsias, confirmando o diagnóstico por meio da
histologia. A desvantagem deve-se ao fato de ser invasivo, necessitando de sedação para melhorar a aceitação do
paciente. Entretanto, as informações providas pelo exame que, frequentemente, influenciam o manejo clínico do
paciente compensam a desvantagem. Habitualmente, ao diagnosticar uma úlcera no trato gastrointestinal, várias
características devem ser avaliadas. Descrevem-se minuciosamente as características da úlcera, como localização,
forma, margens, base, mucosa adjacente, características das pregas da periferia da lesão, tamanho, número de lesões e
ciclo evolutivo da lesão. Endoscopicamente, as úlceras são vistas como lesões escavadas com base ou fundo
esbranquiçado. As bordas das úlceras benignas são regulares e delgadas, e as pregas ao seu redor são proeminentes,
mas convergem regularmente para o nicho ulceroso. As úlceras pépticas podem ser encontradas em qualquer parte do
estômago e do duodeno. Todavia, particularmente no estômago, mais de 80% são localizadas na pequena curvatura, em
antro ou incisura angular, regiões mais suscetíveis à isquemia transitória da mucosa. O fundo, o corpo e a grande
curvatura são menos afetados. Múltiplas úlceras gástricas são geralmente associadas ao uso de anti-inflamatórios. Mais
de 90% das úlceras duodenais são localizadas em bulbo, particularmente na parede anterior e menos comumente nas
paredes posterior, superior e inferior. Úlceras distais ao bulbo levantam a suspeita de síndrome de Zollinger-Ellisson. Na
presença de úlcera localizada na hérnia de hiato, a úlcera recebe o epônimo de úlcera de Cameron. Quando há presença
de duas úlceras em paredes opostas do estômago ou duodeno, estas são denominadas kissing ulceras. Definem-se
úlceras gástricas gigantes aquelas com mais de 3 cm de diâmetro. Tais úlceras eram frequentes antes da era dos
antissecretores, e são descritas em 10 a 25% de todas as úlceras gástricas. Com o advento de potentes medicamentos
bloqueadores da secreção de ácido, a frequência reduziu substancialmente, mas passou a haver relatos em idosos com
sintomas de alarme, como anorexia e perda de peso. Esses pacientes também têm histórico de doença mais agressiva,
com maior incidência de hemorragia, taxas de mortalidade mais elevadas (10% versus 3%) e maior necessidade de
cirurgia de urgência (65% versus 12%) em comparação a pacientes com úlceras de menor diâmetro. Pacientes com
úlcera duodenal gigante (maiores que 2 cm) também foram relacionados a taxas de complicações mais elevadas,
incluindo sangramento e perfuração. A endoscopia é importante para descartar malignidade e causas raras de úlceras
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gigantes, como doença de Crohn, gastroenterite eosinofílica e isquemia, e pode ser necessária para a gestão de
complicações associadas com úlceras gigantes.

Classificação de Sakita

Um dos aspectos mais importantes na descrição de uma úlcera é a caracterização quanto à sua fase evolutiva . Com base
no aspecto do nicho ulceroso, em 1973, Sakita validou uma classificação em que diferencia a lesão em três fases:

• A (active) – ativa;

• H (healing) – em cicatrização;

• S (scar) – cicatrizada. Cada uma dessas fases subdivide-se em outras duas, conforme mostra a Tabela 54.1.

Exame histopatológico

Durante o exame endoscópico, a realização de biópsias para obtenção de material para exame histopatológico contribui
não só para estabelecer o diagnóstico da úlcera, como também determina a sua natureza e permite a definição da
etiologia. A retirada de fragmentos de biópsias nos bordos das úlceras gástricas e de antro e corpo para a pesquisa do H.
pylori influencia decisivamente no manejo clínico do paciente (Figuras 53.6 e 53.7).

Exame radiológico contrastado

Outro método útil para o diagnóstico da doença ulcerosa, porém menos preciso e pouco utilizado com o advento da
endoscopia digestiva, é o exame radiológico contrastado (Figura 53.8 A e B). Tem como desvantagem o uso de radiação
ionizante e a necessidade da realização de exames endoscópicos e biópsias das lesões suspeitas para confirmação
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diagnóstica. Dessa forma, fica indicado apenas em situações em que o exame endoscópico não está disponível ou
quando há indicação cirúrgica.

Outros exames complementares

Gastrina

Nos pacientes que apresentam quadro clínico atípico, por exemplo, múltiplas úlceras gastroduodenais, úlceras
refratárias, recorrentes ou localizadas em segunda porção duodenal e não associadas a H. pylori ou AINE, úlceras
recorrentes pós-operatórias, associação com diarreia ou cálculo renal e história pessoal ou familiar de tumor de hipófise
ou paratireoide, justifica-se a pesquisa de gastrinoma (síndrome de ZollingerEllison). O teste mais sensível e específico
para diagnosticar gastrinoma é a demonstração de gastrina sérica elevada. A concentração sérica de gastrina em jejum
acima de 1.000 pg/mL e a hipersecreção gástrica de ácido têm estabelecido o diagnóstico de gastrinoma . É importante
lembrar que elevações significativas da gastrinemia ocorrem em estados hipossecretores ou acloridria gástrica, como,
por exemplo, na anemia perniciosa. Pacientes que apresentam quadro clínico compatível e discreta elevação da gastrina
sérica necessitam realizar os testes provocativos para estabelecer ou excluir o diagnóstico de gastrinoma. Destes, o de
maior valor é o teste da secretina. Em indivíduos normais ou com úlcera péptica duodenal, a injeção intravenosa de
secretina pode provocar discreto aumento na gastrinemia. Ao contrário, pacientes portadores de gastrinoma
apresentam aumentos acentuados na gastrinemia. Uma vez suspeitado o diagnóstico de gastrinoma, torna-se
obrigatório tentar localizar o tumor, com a finalidade de ressecção cirúrgica sempre que possível. Recomenda-se que a
investigação seja realizada em centros de referência com exames que incluem ultrassonografia endoscópica,
cintilografia dos receptores da somatostatina, tomografia computadorizada, ressonância magnética e arteriografia
seletiva.

Tratamento

O tratamento da úlcera péptica, seja ela gástrica ou duodenal, tem como objetivos: alívio dos sintomas, cicatrização das
lesões e prevenção de recidivas e complicações. Até a descoberta do H. pylori, os dois primeiros objetivos eram
facilmente alcançados, entretanto, ao final de um ano, praticamente todas as úlceras recidivavam. Atualmente, sabe-se
que não basta cicatrizar a úlcera, mas há necessidade de erradicar a bactéria para evitar a recidiva. Cultivar uma boa
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relação médico-paciente é fundamental, explicando ao paciente a natureza de sua doença, inclusive do ponto de vista
emocional. Quanto à alimentação e à dieta, nem o tipo, nem a consistência da dieta afetam a cicatrização da úlcera,
mas é conhecido que alguns alimentos aumentam e/ ou estimulam a produção de ácido clorídrico e que outros são
irritantes à mucosa gástrica. É importante recomendar aos pacientes que evitem alguns alimentos, assim como que
parem de fumar, pois o fumo pode alterar o tempo de cicatrização da úlcera. As medicações que promovem a
cicatrização da úlcera agem por dois mecanismos: fortalecendo os componentes que mantêm a integridade da mucosa
gastroduodenal (pró-secretores) e diminuindo a ação cloridropéptica (antissecretores). Os pró-secretores atuam
estimulando os fatores responsáveis pela integridade da mucosa, como muco, bicarbonato, fatores surfactantes, além
de favorecer a replicação celular e o fluxo sanguíneo da mucosa. São considerados prósecretores: antiácidos, sucralfato,
sais de bismuto coloidal e prostaglandinas, mas, na prática são pouco utilizados. As prostaglandinas surgiram na década
de 1980 como medicamentos promissores baseados na ação antissecretora e citoprotetora. O misoprostol era
altamente eficaz na prevenção de lesões agudas de mucosa provocada por AINE, com eficácia semelhante ao
omeprazol. O alto custo, os efeitos colaterais (diarreia e cólicas abdominais) e o uso indevido como abortivo, por sua
vez, inviabilizaram a utilização e foram praticamente abandonados na prática clínica. Os antissecretores são os
medicamentos de escolha para a cicatrização da úlcera e dois grupos são atualmente utilizados: os bloqueadores do
receptor H2 da histamina e os inibidores da bomba de prótons (IBP). O primeiro bloqueador H2 que nos anos 1970
revolucionou o tratamento da úlcera péptica foi a cimetidina, diminuindo significativamente a indicação de cirurgias.
Posteriormente surgiram no mercado brasileiro a ranitidina, a famotidina e a nizatidina. Esse grupo de medicamentos
atua bloqueando o receptor H2 existente na membrana da célula parietal, redu zindo significativamente a ativação da
ATPase K + ativada no canalículo secretor, com redução de aproximadamente 70% da secreção ácida estimulada pela
refeição. Todos os bloqueadores de receptor H2 apresentam eficácia semelhante de cicatrização, em torno de 60 a 85%,
com quatro semanas de tratamento e com resposta adicional de aproximadamente 10% após extensão do tratamento
por mais quatro semanas. As doses preconizadas diárias de cimetidina, ranitidina, famotidina e nizatidina são 800 mg,
300 mg, 40 mg e 300 mg, respectivamente, podem ser administradas em dose única matinal ou noturna, embora com
maior frequência sejam fracionadas em duas tomadas. As medicações da classe IBP bloqueiam diretamente a ATPase K
+ ativada, enzima responsável pela união do H + com o Cl − no canalículo da célula parietal, origem do HCl. Atualmente,
no Brasil, os medicamentos disponíveis são: omeprazol, lansoprazol, pantoprazol, rabeprazol e esomeprazol. Esses
medicamentos têm eficácia semelhante, com cicatrização de 70% após duas semanas e 92 a 100% após quatro semanas
de tratamento. A dose de IBP é de 20 mg para o omeprazol e rabeprazol, 30 mg para o lansoprazol e 40 mg para o
pantoprazol e esomeprazol. O medicamento é administrado pela manhã em jejum. Nos poucos pacientes cuja úlcera
permanece ativa após quatro semanas de tratamento, observa-se cicatrização com o aumento da dose.

Mecanismo de ação
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Antiácidos

Os antiácidos são utilizados há séculos no tratamento de pacientes com dispepsia e doenças ácido-pépticas.
Constituíram a base do tratamento dos distúrbios ácido-pépticos até o advento dos antagonistas dos receptores H2 e
dos inibidores da bomba de prótons (IBP). Continuam sendo usados como remédios de venda livre para tratamento da
pirose e da dispepsia intermitentes. Os antiácidos são bases fracas que reagem com o ácido clorídrico gástrico,
formando sal e água. Seu principal mecanismo de ação consiste em reduzir a acidez intragástrica. Depois de uma
refeição, são secretados cerca de 45 mEq/h de ácido clorídrico. Uma dose única de 156 mEq de antiácido, administrada
1 hora depois de uma refeição, neutraliza efetivamente o ácido gástrico por um período de até 2 horas. Entretanto, a
capacidade de neutralização do ácido entre diferentes formulações comerciais de antiácidos é bastante variável,
dependendo de sua velocidade de dissolução (comprimido versus líquido), hidros-solubilidade, taxa de reação com
ácido e taxas de esvaziamento gástrico. O bicarbonato de sódio reage rapidamente com o ácido clorídrico (HCl),
produzindo dióxido de carbono e cloreto de sódio. A formação de dióxido de carbono resulta em distensão gástrica e
eructações. O álcali que não reage é absorvido de imediato, podendo causar alcalose metabólica quando administrado
em altas doses ou a pacientes com insuficiência renal. A absorção de cloreto de sódio pode exacerbar a retenção de
líquido em pacientes com insuficiência cardíaca, hipertensão e insuficiência renal. O carbonato de cálcio é menos
solúvel e reage com mais lentidão do que o bicarbonato de sódio com HCl, formando dióxido de carbono e cloreto de
cálcio (CaCl2). À semelhança do bicarbonato de sódio, o carbonato de cálcio pode causar eructação ou alcalose
metabólica. O carbonato de cálcio é utilizado para diversas outras indicações, além de suas propriedades antiácidas. O
uso de doses excessivas de bicarbonato de sódio ou de carbonato de cálcio com derivados do leite contendo cálcio pode
levar ao desenvolvimento de hipercalcemia, insuficiência renal e alcalose metabólica (síndrome do leite-álcali). As
formulações que contêm hidróxido de magnésio ou hidróxido de alumínio reagem lentamente com o HCl, formando
cloreto de magnésio ou cloreto de alumínio e água. Como não há produção de gás, não ocorre eructação. A alcalose
metabólica também é incomum, devido à eficiência da reação de neutralização. Como os sais de magnésio não
absorvidos podem causar diarreia osmótica, e os sais de alumínio podem provocar constipação intestinal, esses
fármacos costumam ser administrados juntos em formulações comerciais para minimizar o impacto sobre a função
intestinal. Tanto o magnésio como o alumínio são absorvidos e excretados pelos rins. Por conseguinte, os pacientes com
insuficiência renal não devem tomar esses fármacos por um longo período de tempo. Todos os antiácidos podem afetar
a absorção de outras medicações por causa de sua ligação ao fármaco (reduzindo a sua absorção) ou do aumento do pH
intragástrico, com consequente alteração na dissolução ou solubilidade do fármaco (em particular os fármacos pouco
básicos ou ácidos). Por conseguinte, não se devem administrar antiácidos dentro de 2 horas após a ingestão de doses de
tetraciclinas, fluoroquinolonas, itraconazol e ferro.

Antagonistas dos receptores H2

São utilizados clinicamente quatro H2-antagonistas: a cimetidina, a ranitidina, a famotidina e a nizatidina. Esses quatro
agentes são absorvidos com rapidez pelo intestino. A cimetidina, a ranitidina e a famotidina sofrem metabolismo
hepático de primeira passagem, resultando em biodisponibilidade de cerca de 50%. A nizatidina exibe pouco
metabolismo de primeira passagem. A meia-vida sérica dos quatro fármacos varia de 1,1 a 4 horas; entretanto, a
duração de ação depende da dose administrada. Os H2-antagonistas são depurados por uma combinação de
metabolismo hepático, filtração glomerular e secreção tubular renal. É necessário reduzir a dose em pacientes com
insuficiência renal moderada a grave (e, possivelmente, insuficiência hepática grave). No indivíduo idoso, observa-se um
declínio de até 50% na depuração dos fármacos, bem como redução significativa no volume de distribuição. Os
antagonistas dos receptores H2 exibem inibição competitiva nos receptores H2 das células parietais e suprimem a
secreção ácida tanto basal como estimulada por uma refeição (Figura 62-2) de modo linear e dependente da dose. São
altamente seletivos e não afetam os receptores H1 ou H3 (ver Capítulo 16). Ocorre também redução do volume de
secreção gástrica e da concentração de pepsina. Os antagonistas dos receptores H2 reduzem a secreção de ácido
estimulada pela histamina, bem como pela gastrina e pelos fármacos colinomiméticos, por meio de dois mecanismos.
Em primeiro lugar, a histamina liberada das células ECL pela gastrina ou por estimulação vagal tem a sua ligação ao
receptor H2 da célula parietal bloqueada. Em segundo lugar, a estimulação direta da célula parietal pela gastrina ou pela
ACh exerce um efeito diminuído sobre a secreção de ácido na presença de bloqueio dos receptores H2. A potência dos
quatro antagonistas dos receptores H2 varia em mais de 50 vezes (Tabela 62-1). Entretanto, quando administrados em
doses habituais de prescrição, todos inibem 60 a 70% da secreção total de ácido em 24 horas. Os antagonistas H2
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mostram-se particularmente efetivos na inibição da secreção ácida noturna (que depende, em grande parte, da
histamina), ao passo que exercem impacto moderado sobre a secreção de ácido estimulada pelo alimento (que é
estimulada pela gastrina, pela acetilcolina e pela histamina). Por conseguinte, o pH intra-gástrico noturno e em jejum
aumenta para 4 a 5, já o impacto sobre o perfil do pH diurno estimulado pelo alimento é menor. As doses
recomendadas mantêm uma inibição do ácido de mais de 50% durante 10 horas; por esse motivo, esses fármacos
costumam ser administrados 2 vezes ao dia. Nas doses disponíveis em formulações de venda livre, a duração da inibição
do ácido é de menos de 6 horas.

Inibidores da bomba de Prótons (ibp)

Seis IBP estão disponíveis para uso clínico: omeprazol, esomeprazol, lansoprazol, dexlansoprazol, rabeprazol e
pantoprazol. Todos são benzimidazólicos substituídos, que se assemelham aos antagonistas dos receptores H2 na sua
estrutura (Figura 62-3), mas que apresentam um mecanismo de ação totalmente diferente. O omeprazol e o lanzoprazol
são misturas racêmicas dos isômeros R e S. O esomeprazol é o isômero S do omeprazol, ao passo que o dexlansoprazol é
o isômero R do lansoprazol. Todos esses fármacos estão disponíveis em formulações orais. O esomeprazol e o
pantoprazol também estão disponíveis em formulações intravenosas. Os IBP são administrados como profármacos
inativos. Para proteger o profármaco ácido-lábil de sua rápida destruição no lúmen gástrico, os produtos orais são
formulados para liberação tardia, na forma de cápsulas ou comprimidos de revestimento entérico, resistentes a ácido.
Após passar pelo estômago e alcançar o lúmen intestinal alcalino, o revestimento entérico dissolve--se, e o profármaco
é absorvido. Para crianças ou pacientes com disfagia ou com sondas de alimentação enteral, as formulações em
cápsulas (mas não os comprimidos) podem ser abertas, e os microgrânulos misturados com suco de maçã ou de laranja
ou com alimentos moles. O esomeprazol, o omeprazol e o pantoprazol também estão disponíveis em suspensões orais.
O lansoprazol está disponível na forma de comprimido, que se desintegra na boca, já o rabeprazol está disponível em
uma formulação que pode ser polvilhada no alimento. O omeprazol também está disponível em pó (cápsula ou
envelope) contendo bicarbonato de sódio (1.100 a 1.680 de NaHCO3; 304 a 460 mg de sódio) para proteger o fármaco
desnudo (sem revestimento entérico) da degradação pelo ácido. Quando administrada com estômago vazio por via oral
ou tuboenteral, essa suspensão tem “liberação imediata”, resultando em rápida absorção do omeprazol (Tmáx. < 30
minutos) e início da inibição do ácido.

Os IBP são bases fracas lipofílicas (pKa de 4 a 5) que, após absorção intestinal, sofrem rápida difusão pelas membranas
lipídicas para dentro dos compartimentos acidificados (p. ex., canalículo das células parietais). O profármaco é
protonado com rapidez no interior do canalículo e concentrado em mais de 1.000 vezes por retenção de
HendersonHasselbalch. Nesse local, sofre rápida conversão molecular na forma ativa, um cátion de sulfonamida tiofílico
reativo, que estabelece uma ligação de dissulfeto covalente com a H+/K+-ATPase, inativando de modo irreversível a
enzima.

Protetores gástricos

A mucosa gastroduodenal desenvolveu vários mecanismos de defesa para se proteger contra os efeitos nocivos do
ácido e da pepsina. Tanto o muco como as junções firmes entre células epiteliais restringem a difusão retrógrada de
ácido e de pepsina. A secreção epitelial de bicarbonato estabelece um gradiente de pH dentro da camada mucosa, em
que o pH varia de 7 na superfície da mucosa até 1 a 2 no lúmen gástrico. O fluxo sanguíneo transporta o bicarbonato e
os nutrientes essenciais para as células da superfície. As áreas de lesão do epitélio são rapidamente reparadas por
restituição, um processo em que a migração de células do colo da glândula leva ao fechamento de pequenas erosões,
restabelecendo a integridade do epitélio. As prostaglandinas da mucosa parecem importantes ao estimularem a
secreção de muco e de bicarbonato, bem como o fluxo sanguíneo da mucosa. Dispõe-se de diversos agentes que
potencializam esses mecanismos de defesa da mucosa para a prevenção e para o tratamento dos distúrbios
ácidopépticos.

Sucralfato

O sucralfato é um sal de sacarose complexado com hidróxido de alumínio sulfatado. Em água ou soluções ácidas, forma
uma pasta viscosa e de consistência firme, que se liga seletivamente às úlceras e erosões por um período de até 6 horas.
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O sucralfato apresenta solubilidade limitada e sofre decomposição em sulfato de sacarose (de carga fortemente
negativa) e sal de alumínio. Menos de 3% do fármaco intacto e alumínio são absorvidos pelo trato intestinal, ao passo
que o restante é excretado nas fezes. Diversos efeitos benéficos foram atribuídos ao sucralfato, porém o mecanismo
preciso de ação ainda não está bem esclarecido. Acredita-se que o sulfato de sacarose de carga negativa liga-se a
proteínas de carga positiva na base das úlceras ou das erosões, formando uma barreira física que restringe qualquer
lesão cáustica adicional e que estimula a secreção de prostaglandinas e de bicarbonato pela mucosa.

Análogos de prostaglandinas

A mucosa gastrintestinal humana sintetiza diversas prostaglandinas, sendo as principais as prostaglandinas E e F. O


misoprostol, um análogo metílico da PGE1, foi aprova-do para tratamento de distúrbios gastrintestinais. Após
administração oral, sofre rápida absorção e metabolismo a um ácido livre metabolicamente ativo. A meia-vida sérica é
de menos de 30 minutos; por conseguinte, o misoprostol precisa ser administrado 3 a 4 vezes ao dia. É excretado na
urina; entretanto, não há necessidade de se reduzir a dose em pacientes com insuficiência renal. O misoprostol possui
propriedades inibidoras da secreção de ácido e protetoras da mucosa. Acredita-se que o fármaco estimula a secreção
de muco e de bicarbonato, além de aumentar o fluxo sanguíneo da mucosa. O misoprostol diminui a incidência de
úlceras induzidas por AINE para menos de 3%, bem como a incidência de complicações da úlcera em 50%. Foi aprovado
para a prevenção de úlceras induzidas por AINE em pacientes de alto risco. Todavia, o misoprostol nunca chegou a ser
amplamente usado, em virtude de seu elevado perfil de efeitos colaterais e da necessidade de múltiplas doses diárias.

Compostos de bismuto

Dispõe-se de dois compostos de bismuto: o subsalicilato de bismuto, uma formulação de venda livre que contém
bismuto e salicilato, e o subcitrato de bismuto potássico. Nos Estados Unidos, o subcitrato só está disponível em um
produto de combinação adquirido com prescrição, que também contém metronidazol e tetraciclina para o tratamento
do H. pylori. O subsalicilato de bismuto sofre rápida dissociação no estômago, possibilitando a absorção do salicilato.
Mais de 99% do bismuto aparece nas fezes. O bismuto é absorvido, embora em quantidade mínima; é armazenado em
muitos tecidos e sofre excreção renal lenta. O salicilato (à semelhança do ácido acetilsalicílico) é absorvido com rapidez
e excretado na urina. Os mecanismos precisos de ação do bismuto permanecem desconhecidos. O bismuto recobre as
úlceras e as erosões, criando uma camada protetora contra o ácido e contra a pepsina. Além disso, pode estimular a
secreção de prostaglandinas, de muco e de bicarbonato. O subsalicilato de bismuto diminui a frequência das evacuações
e as evacuações líquidas na diarreia infecciosa aguda, devido à inibição da secreção intestinal de prostaglandinas e de
cloreto pelo salicilato. O bismuto exerce efeitos antimicrobianos diretos e liga-se às enterotoxinas, explicando o seu
benefício na prevenção e no tratamento da diarreia do viajante. Os compostos de bismuto apresentam atividade
antimicrobiana direta contra o H. pylori.

Complicações – pneumoperitônio

Abdome agudo perfurativo

Dentre as urgências abdominais não traumáticas, o Abdome Agudo Perfurativo é uma das síndromes mais frequentes. É
a terceira causa de abdome agudo, depois do inflamatório e do obstrutivo. Sua etiologia é variada e podem ser
decorrentes de processos inflamatórios (úlcera péptica e diverticulite), neoplásicos, infecciosos, ingestão de corpo
estranho, traumatismos e iatrogênicas. A mortalidade pode chegar a 10%.

Nas perfurações altas, como por exemplo, as causadas pela úlcera péptica, os sucos digestivos que extravasam, levam a
uma peritonite química, seguido de proliferação bacteriana e consequente processo infeccioso. Nas perfurações baixas
do trato digestivo, a peritonite é infecciosa desde o início, evoluindo rapidamente de um quadro focal, para um
sistêmico. Outro fator que interfere na localização, intensidade e gravidade do quadro é o grau de distribuição dos
líquidos extravasados na cavidade abdominal. Pode haver um bloqueio parcial da área lesionada, com consequente
localização da dor e dos sinais de peritonite.

O tempo decorrido do início do quadro até a intervenção médica e a etiologia da perfuração, também são fatores
determinantes da evolução e desfecho do caso.
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Tem como fatores etiológicos processos inflamatórios (Úlcera péptica, Crohn), infecções por salmonella,
citomegalovírus, tuberculose intestinal e neoplasia intestinal e iatrogênicas (procedimentos diagnósticos e terapêuticos)
(MENEGHELLI, 2003; RASSLAN e MORICZ, 2007). O quadro abaixo mostra as principais causas de abdome perfurativo
não traumático.

Uma investigação clínica bem dirigida e um exame físico minucioso, além de enquadrar a urgência como um abdome
agudo perfurativo, podem ainda dar pistas importantes sobre a etiologia, extensão e gravidade do quadro abdominal.
O quadro clínico é caracterizado por dor abdominal súbita, intensa, irradiada para todo o abdome, agravada pelo
movimento, acompanhada por náuseas e vômitos, febre, alteração de ritmo intestinal. O quadro clínico dependerá do
tamanho da lesão, quantidade de líquido extravasado, comorbidades, situação de nutrição e tempo de atendimento.
Sinais de septicemia, hipotensão ou choque são frequentes.
No exame físico além da dor à palpação é possível identificar a presença do sinal de Jobert, caracterizado pela perda da
macicez hepática à percussão.
Importante avaliar os seguintes parâmetros:

 Peritonite é química ou bacteriana;


 Nível da perfuração;
 Tempo de evolução do quadro;
 Presença de comprometimento sistêmico;
 Etiologia da perfuração;

Tratamento

O tratamento é cirúrgico. Entretanto, as ações do médico da atenção básica começam na prevenção do evento
perfurativo, através do diagnóstico precoce e tratamento dos agravos que podem evoluir com complicações agudas.
Uma vez que o profissional se depare com um paciente em Abdome Agudo Perfurativo, realizar o diagnóstico
sindrômico, com a identificação dos riscos imediatos e estabilização do paciente visando à prevenção do choque, com
encaminhamento imediato para os serviços de urgência/emergência.

Úlcera péptica

A perfuração da úlcera péptica é responsável por 5-10% das cirurgias abdominais de urgência. Caracteriza-se pela
ruptura da lesão, com extravasamento do conteúdo digestivo (alimentos e suco gástrico, etc).

Pode ser decorrente de úlceras agudas (história de Etanol, corticoterapia, antinflamatórios, aas), ou úlceras de evolução
crônica, cujos sintomas habituais subitamente mudam, com exacerbação da dor, desaparecimento dos movimentos
peristálticos e sinais de peritonite.

A dor é o sintoma preponderante, com as características citadas no início do capítulo. No exame físico observa-se defesa
involuntária, com contratura de todo abdome. Além disso, existe a diminuição ou paralização dos movimentos
peristálticos, distensão abdominal e com a evolução, sinais de septicemia.

A história clínica é essencial para determinar a etiologia do evento perfurativo. São pacientes que geralmente tem
história arrastada de epigastralgia, pirose e/ou azia. É necessário também investigar o uso de medicamentos como
corticoides e antinflamatórios não hormonais, além do uso de Etanol. No exame do abdome, há sinais evidentes de
peritonite, ausência de macicez hepática (sinal de Jobert) e de ruídos hidroaéreos.

3. Quais as principais classes e o mecanismo de ação dos medicamentos utilizados nas SDF?
O tratamento medicamentoso visa aliviar o sintoma predominante. A estratégia terapêutica vai depender da natureza e
intensidade dos sintomas, do grau de comprometimento funcional e dos fatores psicossociais envolvidos.

 Inibidores da bomba de prótons: controlam a acidez estomacal.


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Omeprazol, pantoprazol

 Bloqueadores H2: inibem a secreção gástrica

Ranitidina

 Procinéticos: melhoram a motilidade gastroduodenal ao aumentar o tônus gástrico, a motilidade antral e a


coordenação antroduodenal; alguns também podem promover o relaxamento do fundo gástrico.

Domperidona, metoclopramida.

 Tratamento H. Pilory

Amoxicilina + claritromicina

 Antidepressivos: indicados para casos em que o paciente não responde a nenhuma

4. Como é a associação da H.pylori com a úlcera duodenal?


O H. pylori coloniza apenas o estômago humano ou outro epitélio que tenha sofrido metaplasia da mucosa
gástrica. Os seres humanos representam o único reservatório e são a principal fonte de transmissão desse
microrganismo. A transmissão do H. pylori ocorre de pessoa a pessoa, embora ainda seja desconhecido o modo de
disseminação entre os seres humanos. Postula-se que as rotas de transmissão ocorram pelas vias oro-oral, feco-oral ou
gastro-oral, veiculadas em meio aquático, tendo em vista que esse patógeno pode sobreviver por poucos dias em água
fresca, água salgada, água destilada e água de torneira. A disseminação pela via feco-oral pode ocorrer diretamente de
uma pessoa infectada a outra saudável, em decorrência de situações ambientais que a favoreçam, tais como elevada
densidade populacional intradomiciliar e precárias condições sanitárias e higiênicas, ou indiretamente pela
contaminação de água e alimentos com dejetos humanos contendo formas viáveis de H. pylori. A rota oro-oral tem sido
considerada a forma de transmissão mais provável nos países e regiões mais desenvolvidas, onde as condições de vida
são mais elevadas e, consequentemente, houve redução das situações que favoreçam transmissão de doenças por via
feco-oral. Finalmente, a transmissão dessa bactéria também pode ocorrer pela via gastro-oral, considerando que a
secreção gástrica pode alcançar a cavidade oral e proporcionar a contaminação de uma pessoa não infectada em
situações de contato íntimo com outra colonizada por H. pylori, principalmente durante a infância.

Epidemiologia

O Helicobacter pylori (H. pylori) é uma bactéria Gram-negativa espiralada que coloniza a mucosa gástrica dos
seres humanos, desencadeando um processo inflamatório agudo (gastrite aguda) e, posteriormente, inflamação
crônica, caracterizada como gastrite crônica. Estima-se que a infecção pelo H. pylori afete aproximadamente metade da
população mundial, podendo ser detectada em todas as latitudes e longitudes do nosso planeta. Todavia, há marcantes
desigualdades relacionadas à frequência dessa infecção nas diversas populações humanas, sobretudo entre países
desenvolvidos e subdesenvolvidos. De modo geral, até ⅓ dos adultos que residem em países desenvolvidos albergam o
H. pylori, enquanto em países pobres as taxas são bem superiores a 50% na população adulta. Ademais, podem ser
observadas diferenças marcantes, mesmo dentro de um mesmo país, a depender das condições de vida do grupo
populacional estudado. A prevalência da infecção por H. pylori tem inversa relação com a situação socioeconômica da
população, durante a infância, que é considerado o período crítico de maior risco para aquisição desse microrganismo,
sobretudo nos primeiros anos de vida do indivíduo.

Considerações finais Pontos-chave acerca da epidemiologia da infecção por H. pylori:

• o estômago humano é o único reservatório reconhecido dessa bactéria;

• a aquisição da infecção ocorre principalmente durante a infância;

• existe correlação inversa entre a prevalência do H. pylori e baixo índice de desenvolvimento humano (IDH).
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Melhorias do padrão de vida, hábitos de higiene e nível educacional das populações têm resultado em
progressiva e acentuada redução da infecção por H. pylori.

O lúmen gástrico é fortemente acídico com um pH próximo de 1, mais do que um milhão de vezes mais ácido do
que o sangue. Esse ambiente hostil contribui para a digestão, mas também tem o potencial de danificar a mucosa
gástrica. Múltiplos mecanismos têm evoluído para proteger a mucosa gástrica (Fig. 17-11). A mucina secretada pelas
células foveolares da superfície forma uma camada fina de muco que evita que partículas grandes de comida toquem
diretamente o epitélio. A camada de muco também promove a formação de uma camada “inerte” de fluido sobre o
epitélio que protege a mucosa e tem pH neutro como resultado da secreção do íon bicarbonato pelas células epiteliais
da superfície. Finalmente, o rico suprimento vascular da mucosa gástrica libera oxigênio, bicarbonato e nutrientes
enquanto remove o ácido que foi difundido de volta para a lâmina própria. A gastrite aguda ou crônica pode ocorrer
como consequência do rompimento de um desses mecanismos protetores. Por exemplo, a síntese reduzida de mucina
nos idosos foi sugerida como um dos fatores que podem explicar sua susceptibilidade aumentada à gastrite. As drogas
antiinflamatórias não esteroidais (DAINEs) podem interferir na citoproteção normalmente fornecida pelas
prostaglandinas ou reduzir a secreção de bicarbonato, qualquer um dos quais aumenta a susceptibilidade da mucosa
gástrica à injúria. Similarmente, a injúria gástrica que ocorre nos pacientes urêmicos e naqueles infectados com H. pylori
secretora de uréase pode ser decorrente da inibição dos transportadores gástricos de bicarbonato pelos íons amônio. A
ingestão de químicos agressivos, particularmente ácidos ou bases, tanto acidentalmente quanto por uma tentativa de
suicídio, também resulta em injúria gástrica grave, predominantemente como resultado da injúria direta da mucosa
epitelial e das células estromais. A injúria celular direta também é implicada na gastrite em função de consumo
excessivo de álcool, DAINEs, terapia radioativa e quimioterapia. Já que toda a superfície da mucosa gástrica é
substituída a cada 2 a 6 dias, inibidores mitóticos, incluindo aqueles usados na quimioterapia do câncer, causam danos
generalizados à mucosa em razão da regeneração epitelial insuficiente. Finalmente, a liberação de oxigênio diminuída
pode explicar a incidência aumentada de gastrite aguda em altas atitudes.

Ulceração gástrica aguda

Defeitos focais da mucosa gástrica que se desenvolvem agudamente são complicações bem conhecidas da terapia com
DAINEs. Eles podem também podem aparecer após estresse fisiológico grave. Alguns recebem nomes específicos,
baseados na localização e nas associações clínicas. Por exemplo:

• As úlceras de estresse são mais comuns em indivíduos com choque, sepse ou trauma grave.
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• As úlceras que ocorrem no duodeno proximal e estão associadas a queimaduras graves ou traumas são chamadas de
Úlceras de Curling.

• Úlceras gástricas, duodenais e esofágicas que surgem em pessoas com doença intracraniana são chamadas de Úlceras
de Cushing e apresentam uma alta incidência de perfuração.

Patogenia. A patogenia da ulceração aguda é complexa e não completamente compreendida. As úlceras induzidas por
DAINEs estão relacionadas à inibição da ciclooxigenase. Isso inibe a síntese das prostaglandinas, as quais acentuam a
secreção de bicarbonato, inibem a secreção de ácido, promovem a síntese de mucina e aumentam a perfusão vascular.
Sabe-se que as lesões associadas a injúrias intracraniais são causadas pela estimulação direta dos núcleos vagos, o que
causa uma hipersecreção de ácido gástrico. A acidose sistêmica, um achado frequente em tais condições, também pode
contribuir para injúria na mucosa pela diminuição do pH intracelular das células mucosas. A hipóxia e o fluxo sanguíneo
reduzido, causados pela vasoconstrição esplâncnica induzida por estresse, também contribuem para a patogenia das
úlceras agudas.

Crônica

A causa mais comum de gastrite crônica é a infecção com o bacilo Helicobacter pylori. Antes da aceitação do
papel central da infecção por H. pylori na gastrite crônica, outros irritantes crônicos, incluindo estresse psicológico,
cafeína e o uso de álcool e tabaco foram considerados as principais causas de gastrite. A gastrite autoimune, causa mais
comum de gastrite atrófica, representa menos de 10% dos casos de gastrite crônica em pacientes sem infecção por H.
pylori. Etiologias menos comuns incluem injúria por radiação, refluxo biliar crônico, injúria mecânica e envolvimento por
doença sistêmica, tais como a doença de Crohn, amiloidose ou doença do enxerto-versus-hospedeiro.

GASTRITE POR HELICOBACTER PYLORI

A infecção por H. pylori é a causa mais comum da gastrite crônica. A doença se apresenta mais frequentemente como
uma gastrite predominantemente antral com alta produção de ácido, a despeito da hipogastrinemia. O risco da úlcera
duodenal é aumentado nesses pacientes e, na maioria, a gastrite é limitada ao antro, com envolvimento ocasional da
cárdia. Em um subgrupo de pacientes, a gastrite progride para envolver o corpo gástrico e o fundo. Esta pangastrite está
associada a atrofia mucosa multifocal, secreção reduzida de ácido, metaplasia intestinal e risco aumentado de
adenocarcinoma gástrico.

Os organismos H. pylori se adaptaram ao nicho ecológico fornecido pelo muco gástrico. Embora o H. pylori
possa invadir a mucosa gástrica, isso não está evidente histologicamente, e a contribuição da invasão para a doença não
é conhecida. Quatro características estão ligadas à virulência do H. pylori:

• Flagelos, os quais permitem que a bactéria seja móvel no muco viscoso.

• Urease, a qual gera amônia da ureia endógena e assim eleva o pH gástrico local.

• Adesinas que acentuam sua aderência bacteriana à superfície das células foveolares.

• Toxinas, tais como a citotoxina de associação com o gene A (CagA), que pode estar envolvida no desenvolvimento de
úlcera ou câncer por mecanismos fracamente definidos.

Embora os mecanismos pelos quais o H. pylori causa gastrite não sejam completamente entendidos, está claro
que a infecção resulta na produção aumentada de ácido e na ruptura dos mecanismos de proteção das mucosas gástrica
e duodenal normais, como descrito anteriormente (Fig. 17-11). A gastrite por H. pylori é, portanto, o resultado de um
desequilíbrio entre as defesas das mucosas gastroduodenais e forças danificadoras que se superam essas defesas. Ao
longo do tempo, a gastrite antral crônica por H. pylori pode progredir para uma pangastrite, resultando em gastrite
atrófica multifocal. Os mecanismos subjacentes que contribuem para essa progressão não estão claros, mas as
interações entre o hospedeiro e a bactéria parecem ser críticas. Por exemplo, os polimorfismo particulares no gene que
codifica a citocina pró-inflamatória interleucina-1β (IL-1β) se correlacionam com o desenvolvimento da pangastrite após
a infecção por H. pylori. Os polimorfismos no TNF e em uma variedade de outros genes associados à resposta
inflamatória também influenciam o resultado clínico na infecção por H. pylori. A gravidade da doença também pode ser
influenciada pela variação genética entre as linhagens de H. pylori. Por exemplo, o gene CagA, um marcador para a ilha
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de patogenicidade de aproximadamente 20 genes, está presente em 50% de todos os isolados de H. pylori, mas em 90%
dos isolados de H. pylori encontrados em populações com risco de câncer gástrico elevado.

Úlcera

Atuação multifatorial do ácido, gastrina, pepsina e H. Pylori

Proteínas, íons Ca++, aminoácidos, histamina e acetilcolina estimulam a célula G a produzir gastrina. A gastrina
atinge o receptor na célula parietal por via sanguínea, induzindo-a a produzir HCl. A queda no pH intraluminal se difunde
e ocupa o receptor da célula D, produtora de somatostatina, que tem ação inibitória (via parácrina) sobre a celular G.
Trata-se, portanto, de um eficiente mecanismo de autorregulação.

A secreção de ácido de um indivíduo varia de acordo com vários fatores ambientais. A alimentação, o uso de
determinados medicamentos, o hábito de fumar e o estado emocional influenciam a produção de ácido nas 24 horas. A
produção de ácido está, em geral, aumentada nos portadores de úlcera duodenal normal ou baixa, nos indivíduos com
úlcera gástrica. A secreção basal de HCl é 2 a 3 vezes maior nos ulcerosos duodenais, observando-se uma intrigante
imbricação dos valores pós-estímulo máximo. No entanto, apenas 20 a 30% da população de ulcerosos duodenais
apresentam, após estímulo máximo, uma produção de HCl acima do limite superior do normal. O aumento da secreção
ácida pode ser explicado pelas seguintes observações:

• aumento da população de células parietais;

• maior sensibilidade da célula parietal ao estímulo da gastrina;

• menor sensibilidade da célula G aos mecanismos inibitórios.

A histamina produzida nas células enterocromafim- -símile – enterocromaphin cell like (ECL), a gastrina nas
células G e a acetilcolina no nervo vago são os primeiros mensageiros químicos que ativam a célula parietal. A ligação
destas aos receptores específicos na membrana da célula parietal ativariam o segundo mensageiro (AMP-cíclico ou
canais de cálcio), culminando na produção da ATPase K+ ativada no canalículo secretor, considerada a via final para a
produção do HCl (Figura 53.1).

O principal mediador da secreção ácida estimulada por alimentos é a gastrina, portanto, distúrbios da secreção
ácida relacionados à hipergastrinemia tendem a se exacerbar com a ingestão de alimentos. O peptídeo liberador da
gastrina – gastrin releasing peptide (GRP), neuropeptídeo presente nos nervos do trato gastrointestinal, especialmente
no antro gástrico, é liberado na presença de alimentos no estômago e estimula a secreção de gastrina pelas células G.
Atualmente, o GRP é o melhor método disponível para simular a secreção ácida estimulada pela alimen - tação. Após
infusões intravenosas de GRP, pacientes H. pylori positivos apresentam níveis de gastrina e secreção ácida 3 vezes maior
que os encontrados em voluntários negativos submetidos ao mesmo estímulo. Entre os pacientes H. pylori positivos, os
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portado - res de úlcera péptica produzem até duas vezes mais ácido para os mesmos níveis de gastrina. Tais acha - dos
podem estar relacionados à hipergastrinemia prolongada e ao maior número de células parietais, bem como à redução
de mecanismos inibitórios da secreção gástrica, associados ou não a características genéticas do indivíduo.

A resposta exagerada da gastrina pode resultar, também, da menor produção de somatostatina, hormônio que
inibe a célula G. A razão da diminuição da concentração da somatostatina na mucosa e de seu RNA-mensageiro em
ulcerosos infectados não está esclarecida, porém, certamente, se deve à presença da bactéria, pois normaliza com sua
erradica - ção. As citocinas localmente produzidas e a elevação do pH consequente à produção de amônia pela bactéria
são mecanismos lembrados como responsáveis pela diminuição da concentração da somatostatina.

O pepsinogênio, precursor da pepsina, encontra - -se elevado na maioria dos ulcerosos. As frações 1 e 3 do
pepsinogênio I, que desempenham maior atividade proteolítica, estão presentes em porcentagem maior nos ulcerosos.
Os ulcerosos duodenais apresentam, portanto, aumento no pepsinogênio total, e ainda mais importante é o fato de a
atividade proteolítica dessa enzima ser maior nos ulcerosos.

Além das alterações na produção de HCl e pepsinogênio, deve ser lembrada a equação agressão/defesa. A
diminuição da capacidade de defesa da mucosa é importante, tornando-a mais vulnerável aos elementos agressivos. A
inflamação da mucosa e a diminuição de peptídeos envolvidos no estímulo dos elementos que mantêm a mucosa
íntegra favorecem a lesão.

O H. pylori atuaria em ambos os lados dessa equação, diminuindo a disponibilidade endógena de


prostaglandinas (PGs) e do fator de crescimento epitelial – epithelial growth factor (EGF), reduzindo a defesa da
mucosa, além de aumentar a produção dos fatores agressivos por mecanismos descritos anteriormente. As PGs são
responsáveis por estimular a produção de muco e de bicarbonato pelas células epiteliais, influenciam a hidrofobicidade
do muco adjacente à superfície epitelial, regulam o fluxo sanguíneo da mucosa e a capacidade de replicação do epitélio.
A redução dos níveis de PGs resultaria em sério comprometimento dos mecanismos de defesa da mucosa. O EGF é
elemento essencial na reparação da mucosa. O comprometimento de sua produção significa redução na capacidade
regenerativa da superfície epitelial. Diminuição da concentração do EGF foi observada em pacientes portadores de
úlcera gástrica e duodenal.

Em suma, a integridade da mucosa diante de um ambiente intraluminal extremamente hostil depende de um


mecanismo complexo, no qual os elementos responsáveis pela defesa da mucosa devem estar aptos a exercer proteção
eficaz contra os fatores agressivos. A Figura 53.2 resume os fatores agressivos, defensivos e de reparação da mucosa.
Nos pacientes com úlcera duodenal, geralmente, a inflamação está restrita ao antro gástrico e à região do corpo
poupada, ou comprometida por discreta inflamação. Em virtude da infecção e do processo inflamatório antral pela
bactéria, a produção de gastrina está aumentada e, como a mucosa do corpo está preservada, observa-se maior
produção de ácido, que é ofertado em maior quantidade ao bulbo. Uma das consequências desse fenômeno é maior
frequência de metaplasia gástrica no bulbo duodenal. Os locais onde há metaplasia gástrica são colonizadas pelo H.
pylori e evoluem com inflamação, tornando-se mais suscetíveis à agressão pelo fator ácido-péptico, cujo resultado final
é a úlcera.

Além do distúrbio na secreção de ácido e da alteração da defesa da mucosa, a própria ação lesiva da bactéria
deve ser lembrada como fator importante na etiologia da úlcera. Sabe-se que pacientes ulcerosos geralmente estão
infectados por cepas cytotoxin-associated gene (cagA) positivas, que geralmente são vacuo - lating cytotoxin A (vac-A)
positivas. A proteína cagA é um marcador de ilha de patogenicidade envolvendo outras citocinas importantes em
determinar a virulência da bactéria. Estudos recentes demonstraram um padrão constante, relacionando as cepas cagA
positivas à maior produção de gastrina e de ácido pós-estímulo. Outros genes, como os das proteínas de adesão BabA e
de membrana OipA, têm elevada frequência nos pacientes com doença ulcerosa, porém, com um papel menos
relevante em sua patogênese.
Vinícius Sousa
T11

A infecção pelo H. pylori é observada em 60 a 70% dos pacientes com úlcera gástrica, mas esse percentual tem-
se reduzido na atualidade, possivelmente porque uma proporção apreciável de úlceras gástricas está relacionada ao uso
de AINE. Na maioria dos pacientes portadores de úlceras gástricas observa-se pangastrite com diminuição da massa
funcional de células parietais, portanto, mesmo na presença de hipergastrinemia, não há hipersecreção ácida. A
fisiopatologia da úlcera gástrica está relacionada à fragilidade da mucosa, provavelmente em decorrência do processo
inflamatório e do comprometimento dos mecanismos de defesa representados pela camada muco-bicarbonato,
capacidade surfactante do muco (menor hidrofobicidade), alterações da microcirculação (diminuição da vitalidade da
mucosa) e menor capacidade de regeneração da mucosa. Ressalta-se que o H. pylori altera a qualidade do muco
gástrico.

5. Quais as complicações da automedicação e seus riscos?


Os riscos da automedicação para o indivíduo são o atraso no diagnóstico ou o diagnóstico incorreto, devido ao
mascaramento dos sintomas, possibilitando o agravamento do distúrbio; a escolha do medicamento inadequado; a
administração incorreta, dosagem inadequada e uso excessivamente curto ou prolongado do medicamento; a
dependência; a possibilidade da ocorrência de efeitos indesejados graves; o desconhecimento das interações com
outros medicamentos; reações alérgicas, intoxicações; e, ainda, o armazenamento incorreto e uso do medicamento fora
de seu prazo de validade. Além do impacto sobre a vida humana, as reações adversas a medicamentos também
influenciam significativamente nos custos despendidos com saúde. Entende-se como automedicação o uso de
medicamentos sem nenhuma intervenção por parte de um médico, ou outro profissional habilitado, nem no
diagnóstico, nem na prescrição, nem no acompanhamento do tratamento. Pode-se apontar com uma das causas a
facilidade de acesso a medicamentos devido ao número elevado de farmácias e drogarias, além de práticas comerciais
éticas e legalmente questionáveis cometidas por diversos estabelecimentos. O amplo uso de medicamentos sem
orientação médica, quase sempre acompanhado do desconhecimento dos malefícios que pode causar, é apontado
como uma das causas destes constituírem o principal agente tóxico responsável pelas intoxicações humanas registradas
no país. Dessa forma, o uso indiscriminado de medicamentos tornou-se uma das grandes dificuldades enfrentadas pela
saúde no âmbito mundial.

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