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Editora CRV
Curitiba – Brasil
2021
Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação e Capa: Designers da Editora CRV
Foto da Capa: Raphael Pereira Tognini Batista
Revisão: Analista de Escrita e Artes da Editora CRV
P974
Bibliografia
ISBN Digital 978-65-251-0000-5
ISBN Físico 978-65-251-0005-0
DOI 10.24824/978652510005.0
2021
Foi feito o depósito legal conf. Lei 10.994 de 14/12/2004
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora CRV
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Andréia da Silva Quintanilha Sousa (UNIR/UFRN) Christiane Carrijo Eckhardt Mouammar (UNESP)
Anselmo Alencar Colares (UFOPA) Edna Lúcia Tinoco Ponciano (UERJ)
Antônio Pereira Gaio Júnior (UFRRJ) Edson Olivari de Castro (UNESP)
Carlos Alberto Vilar Estêvão (UMINHO – PT) Érico Bruno Viana Campos (UNESP)
Carlos Federico Dominguez Avila (Unieuro) Fauston Negreiros (UFPI)
Carmen Tereza Velanga (UNIR) Francisco Nilton Gomes Oliveira (UFSM)
Celso Conti (UFSCar) Helmuth Krüger (UCP)
Cesar Gerónimo Tello (Univer .Nacional Ilana Mountian (Manchester Metropolitan
Três de Febrero – Argentina) University, MMU, Grã-Bretanha)
Eduardo Fernandes Barbosa (UFMG) Jacqueline de Oliveira Moreira (PUC-SP)
Elione Maria Nogueira Diogenes (UFAL) Marcelo Porto (UEG)
Elizeu Clementino de Souza (UNEB) Marcia Alves Tassinari (USU)
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Fernando Antônio Gonçalves Alcoforado (IPB) Mariana Lopez Teixeira (UFSC)
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Este livro passou por avaliação e aprovação às cegas de dois ou mais pareceristas ad hoc.
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO............................................................................................. 9
CAPÍTULO 1
VIVENCIAR O MAR COM UMA PRANCHA: uma fenomenologia do
surfar em perspectiva pré-reflexiva.................................................................. 11
Thabata Castelo Branco Telles
Natali Cristofolli Wendich
CAPÍTULO 2
NARCISO SOBRE ONDAS: reflexões sobre
a autoimagem e a democratização imagética no surfe.................................... 31
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CAPÍTULO 3
TÁ DANDO ONDA? UMA SUSPEITA SOBRE
O IMAGINÁRIO GOOD VIBES DO SURFE................................................. 43
Fidel Machado de Castro Silva
CAPÍTULO 4
A INFLUÊNCIA DE FATORES PSICOLÓGICOS
NO DESEMPENHO DE SURFISTAS............................................................ 57
Lino D. G. Scipião Junior
Liana Araújo Scipião
CAPÍTULO 5
SURFANDO COM AS JUVENTUDES:
significados e sentidos do surfe para os jovens............................................... 67
Liana Lima Rocha
Maria Eleni Henrique da Silva
CAPÍTULO 6
NARRATIVAS DE SURFISTAS PROFISSIONAIS:
construção da identidade e da carreira............................................................ 85
Mariana Vannuchi Tomazini
Lucy Leal Melo-Silva
CAPÍTULO 7
MULHERES AO MAR: o fenômeno dos coletivos femininos de surfe.......... 119
Júlia Frias Amato
Marina Simons Barbosa de Oliveira
Anna Beatriz Vargas Panfili
CAPÍTULO 8
EM BUSCA DE EMOÇÃO, EQUILÍBRIO E TRANQUILIDADE:
estudo qualitativo sobre a relação entre surfe e saúde.................................. 135
Léo Barbosa Nepomuceno
CAPÍTULO 9
EFEITOS TERAPÊUTICOS DO SURFE NA SAÚDE MENTAL................ 157
Erick Francisco Quintas Conde
CAPÍTULO 10
A PSICOLOGIA NO SURFE ADAPTADO................................................... 169
Maria Gabriela Carreiro
Marina Penteado Gusson
CAPÍTULO 11
SURFE, ESTILO DE VIDA E DEPRESSÃO: a opinião de Kelly Slater...... 189
Tiago Brant de Carvalho Falcão
Introdução
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Dessa vez, não tentaria surfar no Brasil, mas em Portugal. Um clima dife-
rente e o mar parecia fazer parte de outro oceano. O biquíni com camisa
por cima foi substituído pelo fato de neoprene, que cobria o corpo inteiro
e parecia não querer me deixar movimentar.
- Tem certeza que esse é o tamanho certo?
1 Fomos autorizadas a divulgar o nome da escola e aproveitamos para agradecê-la pelo apoio na elaboração
deste capítulo.
16
Eu amo entrar no mar. Então, pra quebrar o gelo (literalmente!), fiz o que
sabia fazer de melhor: esqueci a prancha e mergulhei logo. Isso sim eu
já tava acostumada a fazer e ainda me ajudaria a não ficar reclamando do
frio. A prancha, tadinha, presa apenas pelo meu tornozelo, voltou a ser
segurada bem depois.
último pode ser compreendido como uma espécie de saber marginal, que se
encontra à nossa disposição, embora não precisemos atentar a ele para nos
movimentarmos (GALLAGHER, 2005; TELLES, 2018). Por exemplo, não
precisamos nos lembrar de como se anda para andar, do mesmo jeito que
um(a) surfista experiente não precisa retomar o movimento de se pôr em pé
a cada vez que pega uma onda. Ou ainda, no caso do relato acima, não se faz
necessário checar se o tronco está alto o suficiente a cada vez que se rema
para quem possui um bom esquema corporal para a prática.
A fim de conseguir realizar a movimentação adequada para determinada
atividade, recorre-se constantemente ao processo de imitação do outro, que
se apresenta como referência do movimento a ser realizado (neste caso, o
instrutor ou um colega mais experiente que estivesse próximo). Este processo
perceptivo que busca se desdobrar em gesto técnico é mediado, portanto,
pelo esquema corporal. Assim, mesmo que se compreenda o que deve ser
feito, o corpo realiza apenas aquilo que lhe é possível fazer em determinado
momento, espaço e situação.
Ainda acerca do processo de imitação, é importante considerar que este
não consiste meramente em uma tentativa de realizar um movimento exa-
tamente como o outro fez, mas sim em atingir o objetivo da ação (MER-
LEAU-PONTY, 2001/2006) – assim como o outro conseguiu, tento também
conseguir. A imitação só existe, portanto, na medida em que há um desafio
com forte caráter perceptivo identificado pelo corpo, mas que necessita de
referência externa para ser superado.
Para que o iniciante se aproxime da experiência objetivada ou mesmo
do gesto técnico a ser aprendido, além das instruções e repetição das movi-
mentações que constituem o processo a ser incorporado, pequenas adaptações
e alterações no ambiente que possam facilitar a tarefa, especialmente para
quem não está habituado a ela, são fundamentais:
18
Pelos ventos fortes, recebemos a instrução de sair de mar e entrar por outro
caminho, mais ao lado de umas pedras que pareciam formar um espigão.
[...] Havia outros grupos e mesmo com o que parecia ser pouco espaço
pra tanta gente tentando surfar deu certo. Não sentia o vento incomodar
mais tanto e finalmente conseguia ficar mais tranquila. Continuava caindo
ao tentar ficar em pé na prancha, mas estava tranquila. Apenas olhava a
paisagem e seguia tentando mais calmamente. Os medos e dores sumiram
e parecia que a aula havia começado ali.
2 Trecho original: “It is a way to comprehend how adapted a person can be while facing a new challenge and
also how persistent one can be not to give up on difficult situations. In short, self-efficacy is related to how
good or bad people consider they are while dealing with a specific situation, and it is also about knowing
how they could proceed to surpass each obstacle” (tradução livre).
PSICOLOGIA DO ESPORTE E SURFE: aspectos socioculturais e psicológicos 19
De repente, sem eu ter dito nada, outro instrutor (que me deu aulas na
semana anterior) me abordou e sugeriu trocar a prancha. Ah, era isso!
Droga! Mais uma aula em que o começo foi tomado por tensões e só agora
eu parecia conseguir fazer as coisas direito. Conseguia finalmente remar e
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No outro sábado, optamos por não fazer aula e quem precisasse (meu
caso) só alugaria a prancha e o fato de neoprene. Confesso que, apesar
de estar entre amigos, estava um pouco preocupada em estar no mar pra
tentar surfar pela primeira vez sem um instrutor. Segui sem conseguir ficar
em pé na prancha, no máximo descia um tempo na onda de joelhos. Acho
que a questão é mais de medo mesmo do que técnica.
mostre que o movimento que está sendo realizado não é adequado, ele será
mais facilmente modificado se a própria pessoa que o faz se percebe fazendo-o.
Isto não significa dizer que, até que o movimento seja realizado corretamente,
não se possa desfrutar da atividade:
O neoprene dessa vez estava bem largo e a água entrou nele todo logo no
começo. Pra minha sorte, a água não estava tão gelada e não tinha muito
vento. O mar também não estava com ondas fortes e às vezes a gente ficava
um tempo sentado na prancha esperando onda sem ela vir. Mas quer saber?
Foi uma delícia! Eu conseguia curtir estar ali mesmo sabendo que ainda não
conseguia fazer muito. Estar em um mar tranquilo me deu uma paz absurda
e por vezes me perguntava se eu queria mesmo que a onda viesse. Ao invés
de ficar esperando por isso, eu olhava pro horizonte, conversava com o
pessoal e, se não viesse nada, tava tudo bem também. Tudo no seu tempo.
Vixe, surfar é uma das melhores coisas que tem na face da terra. Sei lá,
é muito, muito bom. É uma paz muito grande né, acho que não sei [...]
e é muito exaustivo. Então quando você chega no fundo do mar, que
você senta na sua prancha, no momento que você tá ali olhando pro céu
e contemplando te traz uma plenitude e uma paz muito forte. Então você
fica naquele negócio ali, e você fica esperando uma onda, então, entre
uma onda, uma série boa chegar, e uma série, e com o tempo que não
tem nenhuma onde, demora o que, 3,5 minutos, você fica ali 3, 5 minutos
PSICOLOGIA DO ESPORTE E SURFE: aspectos socioculturais e psicológicos 21
O surfe não depende só de você sabe, na verdade ele depende que 60%,
acho que mais até, do mar mesmo, da natureza, então, tipo, é o que eu
te falei antes, é uma sincronia muito grande com o ambiente (Silvana).
3 Trecho original: “there is nothing to say because it is too different. I don’t know. you need to be there to
understand” (tradução livre).
22
[...] quando levei caldo assim, essa vez que eu te falei que eu voltei res-
pirando, eu achei que ia morrer. Porque eu fiquei muito tempo embaixo
da água, e eu senti que a água tava muito turbulenta, e eu tentava voltar,
tentava voltar e subia, subia, subia, remava, remava pra subir e não voltava,
não via ar nenhum (Paulo).
Teve uma vez que eu entrei no mar, tava só eu e meu amigo, e do nada
invadiu uma super nuvem, carregada. Aquele momento foi realmente
marcante pra mim porque eu realmente me senti pequeno, sabe, realmente
eu me senti inútil, minúsculo, porque se resolvesse ter uma tempestade,
cair raio ali... era um dia bem fechado, entrou essa nuvem carregadona e
ficou bem em cima de mim. Realmente aquele dia foi marcante... me senti
um nada, um grão de areia ali (Fábio).
Até pra tu continuares a surfar, tem que ter gente que vai surfar con-
tigo, ta ligado? O surfe é um encontro social ta ligado? É legal ir surfar
sozinho, mas é muito legal ir surfar com gente, ficar lá na água. Não é
competitivo, é um esporte que um fica instigando o outro, e querendo que
o outro seja bom também (Ricardo).
Como eu já fui ajudado muitas vezes e ainda me ajudam [...] nos conselhos,
ajudar na praia, ajudar no vento assim, na parte técnica, ajuda como ser
humano caso alguém se afogue você tem que ajudar também, ajuda de
um modo geral mesmo, ajuda a ser parceiro da pessoa mesmo que você
não conhece (Fábio).
Considerações finais
REFERÊNCIAS
AMATO, J.; SOUZA, V.; FALCÃO, T. B. C. A Olimpização do Surfe. In:
RUBIO, K. (org.). Do pós ao neo olimpismo: Esporte e Movimento olímpico
no século XXI. São Paulo: Képos, 2019.
GALLAGHER, S. How the body shapes the mind. Oxford: Oxford Uni-
versity Press, 2005.
NOË, A. Out of our heads. Why you are not your brain, and other lessons
from the biology of consciousness. [S.l.]: Hill and Wang, 2009.
PESCA, A. D.; SNÉZSIE, D. S.; DELBEN, P. B.; NUNES, C.; RAUPP, F.;
CRUZ, R. M. Measuring coaching efficacy: a theoretical review. Revista de
Psicologia del Deporte, v. 27, p. 103-109, 2018.
PSICOLOGIA DO ESPORTE E SURFE: aspectos socioculturais e psicológicos 29
foram ver nos mapas e declararam que ilhas por conhecer é coisa que
se acabou há muito tempo...” “Pela hora do meio-dia, com a maré,
A Ilha Desconhecida fez-se enfim ao mar, à procura de si mesma”
(José Saramago).
Introdução
Narciso, na mitologia grega, se apaixonou pela sua própria imagem,
refletida num lago. Na narrativa mitológica, essa paixão o levou à morte. Nos
dias atuais, possivelmente, Narciso teria uma rede social repleta de fotografias
de si mesmo (selfies). As curtidas poderiam ser comparadas às ninfas que por
ele se apaixonaram e foram desprezadas, pois, Narciso estava mais dedicado
ao desejo da bela imagem de si mesmo, do que retribuí-las em forma de afeto.
No entanto, as curtidas, tais quais ninfas, parecem ecoar como solicitações para
que esse fenômeno ‘narcisista’4 do mundo contemporâneo, ocorra. Decerto,
poderíamos somar a esse cenário, o conceito de cultura da vaidade sugerido
por La Taille em “Moral e ética no mundo contemporâneo”, onde o sujeito vai-
doso depende, necessariamente, do olhar e da admiração do outro, carregando
consigo uma necessidade de permanecer conectado e, consequentemente, visí-
vel para o outro. Ao trazer a palavra vaidade para o centro do debate, o autor
observa que sua origem etimológica sustenta o significado de vão, de vazio,
de frivolidade (2016 p. 37). Antes de seguirmos com a interpretação do mito,
vale ainda ressaltar que a etimologia de “Narciso” remete sobre sua natureza.
Do grego narkissos, que significa “aquele que foi narcotizado, paralisado”.
A palavra “narcótico”, em português, emana do mito, por ser narciso um dos
mais antigos narcóticos que se conhece, tendo efeito próximo aos extratos
retirados da papoula (SALIS, 2003, p. 132).
4 Termo aqui colocado no sentido corriqueiro e sem relação, em primeira vista, à exercício formal de mitohermenêutica.
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[...] o que emerge das normas sociais que desaparecem de modo gradual
é um ego desnudo” e “na busca de si mesmo e de uma sociabilidade
afetuosa, ele se perde com facilidade na selva do self. Alguém que esteja
se movendo devagar, na neblina do seu próprio self, deixa de ser capaz
de notar que esse isolamento, esse ‘confinamento solitário do ego’ é uma
sentença da massa (BAUMAN, 2008, p. 68-69).
enquanto ser capaz de realizar ações extraordinárias. Hoje, este surfista pode
alcançar um lugar de destaque não somente pelo nível de habilidade no surfe
apresentado nas competições, mas também pelo volume de conteúdo e enga-
jamento gerado nas mídias sociais em torno de suas vidas pessoais. Não basta
vestir o uniforme de competição e realizar manobras habilidosas. Ao surfista
profissional que queira ganhar visibilidade, cabe ainda alimentar seu canal no
Youtube, com edições de viagens de surfe, participar dos desafios do Tiktok7
e postar fotos de sua rotina, muitas vezes com o intuito de exibir o produto
do patrocinador. Enfim, participar ativamente da sociedade do espetáculo,
conceito criado por Guy Debord, em 1967, em que define o espetáculo como
o conjunto das relações sociais mediadas pelas imagens (COELHO, 2010).
Estampar capas de revistas impressas se tornou produção imagética de
tempos passados. O surfista, de ambos universos, que almeja ter notoriedade,
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obter fama e viver do surfe nos dias atuais, não precisa exclusivamente parti-
cipar de competições nacionais e internacionais, como era comum no início
da profissionalização do surfe, na década de 1980. Atualmente, é possível
optar por investir em consultorias de mídias sociais que o ajudem a vender sua
imagem nas plataformas digitais orientadas às redes sociais, utilizando o surfe
como pano de fundo. Ou seja, se trata de surfistas capazes de acumular segui-
dores e, portanto, capazes de influenciar muitas pessoas; o chamado digital
influencer, voltado ao universo específico desta cultura corporal de movimento.
Seguindo na esteira da potencialidade de alcance do surfista enquanto
influenciador por intervenção da sua autoimagem, nos deparamos com o sur-
fista não profissional, o surfista de fim de semana, o iniciante, ou seja, uma
grande parcela específica dessa população que pratica, consome e é, sobretudo,
influenciada pelo conteúdo do surfe. População que pode ser persuadida por
conseguir imagens que mimetizam a realidade de um surfista popular nas
redes sociais, seja esse surfista profissional ou não. Nessa trajetória, nasce
um desejo de exibir um ideal imagético de aproximação da relação entre
surfe, enquanto filosofia de vida, e indivíduo. O narcisismo generalizado,
segundo Bachelard (2002), “transforma todos os seres em flores e dá a todas
as flores a consciência de sua beleza. Todas as flores se narcisam e a água é
para elas o instrumento maravilhoso do narcisismo” (p. 27). Esta colocação
de Bachelard pode assumir uma forma mais concreta, ao observarmos o que
vem ocorrendo nas areias das praias brasileiras, quando observamos a elevada
presença do número de fotógrafos especializados na produção imagética do
surfe, dispostos a capturar imagens de surfistas, do iniciante ao profissional,
e fazer disso mais uma fonte de renda; quando não a principal.
7 Aplicativo de mídia para compartilhamento de vídeos breves em celulares. Disponível em: https://www.tiktok.
com/pt_BR/ (18/09/2020).
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REFERÊNCIAS
BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação da
matéria. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
as ofensas são por conta da casa. Diante desse contexto, histórias tecidas na
teia da desigualdade são facilmente utilizadas para querer enaltecer a falácia da
meritocracia. Mais um estratagema para isentar de responsabilidades e manter
o sistema com as engrenagens lubrificadas. Essa falácia é estúpida e só serve
para atenuar as tensões e normalizar as desigualdades dos órgãos, federações,
confederações e comitês. Se apropriar da representatividade de maneira conve-
niente sem modificação no alicerce soa como uma solução cosmética e utilitária.
A suspeita, conduta recorrente na filosofia e no pensamento de Nietzs-
che, caracteriza-se por colocar em suspensão interpretações vigentes, ver-
dades acabadas e hegemônicas com possíveis associações e interferências
de elementos da moral, para, posteriormente, dar-lhes outras perspectivas.
O método da suspeita configura-se como um recurso que pode nos permitir
ver algo a mais nesse cenário, ampliando assim a discussão sobre o tema. O
filósofo propõe que mantenhamos nossas crenças e nossos valores sempre
8 A rebentação é o local do mar onde quebram as ondas. Para que o surfista possa ter melhores condições
de onda é necessário passar da rebentação e assim chegar ao outside.
PSICOLOGIA DO ESPORTE E SURFE: aspectos socioculturais e psicológicos 45
Não objetivo com a escrita destas linhas inverter o polo e impor que para
ser homem agora é obrigatório dançar, chorar, usar flor na barba e ser sensí-
vel. Isso seria mais uma roupagem de uma outra moral que, como princípio,
seria idêntica ao modo vigente. O intuito é suspeitar e questionar a estrutura.
Compreender as engrenagens que mantém por tanto tempo e de forma tão
forte esses papéis sociais. Desnaturalizar e refutar os discursos, talvez já possa
ser um primeiro passo para questionar essas verdades absolutas. Um convite
para refletir sobre as imposições sociais que supervalorizam comportamentos
hipermasculinizados e exercem efeitos diversos no que tange a verbalização
e a relação com os afetos e os sentimentos.
A ideia de homem e masculinidade possui estruturas rígidas que perpas-
sam vários setores, mas, por ser um parâmetro de classificação, não possui
ancoragem na realidade haja vista que se baseia em uma ideia. A luta inces-
sante e inglória é para tentar atingir ou performatizar esse ideal. A batalha é
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ainda mais árdua, pois quando se supõe que o modelo foi atingido, inaugura-se
a guerra para permanecer no interior dos moldes. Nesse cenário, o homem,
muitas vezes, deixa de ser substantivo para ser adjetivo. Os homens aban-
donam o plural para perseguir o modelo de homem singular. Como um dos
rebotes dessa ânsia insegura, temos o que denominamos de masculinidade
tóxica e masculinidade frágil. Na tentativa de universalização, o que por si
já é uma grande violência, desconsideramos as divergências, os conflitos e
as problemáticas da própria diferença. Afirmo que também sou atravessado
por todos esses atributos mencionados e operacionalizados pelo machismo.
Toda escrita é, de certa forma, autobiográfica. Logo, os fatores aqui
abordados falam muito sobre a minha constituição. Cresci imerso no que
denomino corporativismo masculino que tem como lema a famigerada frase
que ainda provoca diversos efeitos sobre mim: “ao lado de um homem, outro
nunca estará errado. Independente do feito ou do fato, ele não errou”. Fora
essa, outras frases foram basilares nos meus dias, como “Macho é aquele que
já pegou muitas mulheres”; “Homem mesmo é aquele que transa por horas sem
tirar de dentro”; “Se sair, obrigatoriamente, tem que ficar com alguém”; “Não
pode chorar”; “Se apanhar fora de casa, quando chegar, apanha dobrado”;
“Isso não pode. É coisa de menina”. Essas são algumas poucas de muitas
frases que vários meninos, assim como eu, ouvem, ouviram e ainda ouvirão
na sua infância e adolescência. Por mais normalizadas que essas frases sejam
na nossa sociedade, os seus efeitos são incalculáveis. Fora todo esse combo,
impositivamente, heteronormativo, a pornografia adentra como quesito basilar
e fundante da “educação sexual” de jovens além de moldar a sensibilidade e
o prazer. É incrível como todos esses ingredientes flertam com a objetificação
das mulheres, com a naturalização dos privilégios, com o distanciamento de
características tidas como femininas, com a cultura da violência e, quiçá, com
48
Tal estrutura tóxica e excludente precisa ser revista para ser alterada. As
características de um sistema marcado pelo patriarcado e operacionalizado
pelo machismo insistem em manter alguns ideais utilitaristas de feminilidade.
Permaneçamos assim com a célebre frase de Beauvoir (1980) quando a autora
faz a distinção entre gênero e sexo e profere que não se nasce mulher, mas, a
partir de um caldeirão de fatores, torna-se mulher.
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que, por sua vez, segue os moldes do padrão de beleza branco, loiro e hete-
rossexual. Invariavelmente, esse modelo constitui o nosso imaginário e faz
com que alguns corpos sejam vistos como estranhos, não pertencentes ou até
mesmo incompatíveis com a prática do surfe. A indústria e a mídia corrobo-
ram com a manutenção dessa lógica e estimula não só a divulgação, mas a
venda de uma imagem extremamente elitista no mundo do surfe. Raras são
as exceções e excessivos são os comentários ofensivos quando se pensa em
algo que fuja desse main stream. Dessa forma, o cenário está inteiramente
construído para que corpos que divirjam sejam excluídos e marginalizados.
Talvez, se as grandes marcas de surfe decidissem comercializar para mais do
que apenas homens jovens, brancos e heterossexuais, isso levasse não ape-
nas a uma cultura mais diversificada, mas a uma indústria financeiramente
mais robusta. A insistência em manter comportamentos tradicionais e não se
sensibilizar as demandas contemporâneas não parece ser somente ignorância
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A discussão sobre o racismo, por mais emergencial que seja, ainda gera uma
série de animosidades, pois, se levada a cabo, balança toda a pirâmide social. A
racialização, de maneira muito perversa, dita a ocupação dos cargos. Percebemos
nas instituições que regulam o surfe uma manutenção, estrategicamente, tácita
na ausência de pessoas pretas em postos de destaque nas diretorias. Parece-me
que vidas negras, para as camadas do topo da pirâmide, só importam quando
convém, quando são subservientes, quando se enquadram em entretenimento ou
prestação de serviços. Dentro de toda essa estrutura que nos constitui enquanto
sujeitos, o protagonismo e o privilégio parecem ser direitos da branquitude.
Ademais, diante de uma estrutura imponente e muito bem articulada, as exceções
não podem ser vistas como regras. Esse mecanismo é mais uma das artimanhas
do complexo racismo brasileiro para tentar camuflar as opressões. As conquistas
desses escassos atletas são amplamente divulgadas e publicizadas, todavia, as
derrotas são particularizas. É preciso uma atenção constante.
O silêncio da pauta racial na elite do surfe, ao meu ver, e para os fins aqui
pretendidos não é algo a ser comemorado. Em uma sociedade alicerçada e
operacionalizada estruturalmente pelo racismo, o surfe não se apresenta como
um oásis em que o mito da democracia racial se concretiza e a questão da cor
se dissipa pela premissa da igualdade de todos perante todos. Sob a minha
ótica, tal silêncio é ensurdecedor e rapidamente refutável quando observamos
a quantidade de atletas negros no ranking. Sem muito esforço, enxergo a
predominância de meninos e meninas negras sem patrocínio. Em uma busca
rápida, sem nenhum desgaste, noto uma produção acadêmica e científica
inexpressiva, quiçá, inexistente sobre a questão racial no mundo do surfe.
Não é a mudança que torna o surfe chato como alguns surfistas enfatizam.
Talvez a chatice resida na insistência em manter os mesmos comportamentos
de outrora frente ao dinamismo das mudanças do devir com justificativas
simplistas e explicações estanques. Nessa conjuntura, a chatice impera quando
alicerçada sobre uma ótica em que determinados corpos insistem em manter
prerrogativas ilusórias de uma suposta supremacia que os colocam em patama-
res elevados para assim exercerem seus meios de dominação sobre os demais.
O imaginário good vibes não se sustenta se olharmos a partir da pers-
pectiva de outros corpos que fogem a ilusória normalidade padronizada. A
manutenção desse ideário soa como a preservação de privilégios, regalias
e conforto. Uma maquiagem atrativa, vistosa e eficiente travestida de neu-
tralidade e boas energias. Enxergar somente a partir do espectro do grupo
hegemônico pode resultar em inúmeras violências. Limitar toda a discussão
à uma só narrativa limita, simplifica e empobrece o caldeirão da reflexão e
discussão. Além disso, pode silenciar outras inúmeras possibilidades de ser.
A presença de determinados corpos assombra mais que a gritante ausência
em determinados espaços. O ideário good vibes pode contribuir para ratificar
54
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, C. S. Nas ondas do surfee: estilo de vida, territorialização
e experimentação juvenil no espaço urbano. Dissertação (Mestrado) – Uni-
versidade Federal do Ceará, 2006.
Introdução
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O surfe competitivo
Pinna Neto (2004) caracteriza o surfe como um esporte de movimentos
cíclicos (remada), seguido por movimentos acíclicos (movimentos realizados
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Para Jones (2003), existe uma ampla gama de emoções que está associada
a mudanças nos níveis de performance. Em termos gerais, o autor sugere que
o estado emocional de um indivíduo pode influenciar a motivação, bem como
o desempenho físico e cognitivo.
Para Mellalieu, Hanton e Thomas (2009), a natureza estressante do
esporte e o ambiente competitivo em torno da realização de estados men-
tais de pré-desempenho ideais, colocam altas demandas cognitivas nos atle-
tas participantes.
O surfe é praticado em um ambiente imprevisível, no qual o surfista
recebe informações constantemente, têm de processá-las e, em seguida, tomar
uma decisão apropriada. Lawrence et al. (2020) propõem que o aumento da
demanda cognitiva seja responsável pelos efeitos negativos da ansiedade sobre
o desempenho. O autor acrescenta que, sob condições ansiosas, a atenção é
normalmente desviada de sistemas direcionados a objetivos para estímulos
relacionados a ameaças como, por exemplo, preocupação. Essa mudança
pode aumentar as demandas cognitivas gerais da situação da tarefa, muitas
vezes resultando em um executor excedendo sua capacidade de atenção e,
posteriormente, reduzindo seu desempenho.
Vallerand e Blanchard (2000) consideram a emoção como uma fun-
ção adaptativa que pode mediar e energizar comportamentos subsequentes,
garantindo que os atletas canalizem recursos físicos e mentais extras para
uma tarefa. Essas consequências motivacionais, foram descritas por Deci
(1980) como tendências de ação, que podem levar o indivíduo em direção
a um objeto (por exemplo, raiva) ou para longe de um objeto (como medo).
PSICOLOGIA DO ESPORTE E SURFE: aspectos socioculturais e psicológicos 61
REFERÊNCIAS
ALEXANDRE, D. M.; DE FARIAS, M. L.; DE CARVALHO, R. D. Ava-
liação do nível e sintomas de estresse em surfistas durante a competição.
[S.l.], 2008. p. 45.
Introdução
Este capítulo tem como finalidade apresentar um dos achados obtidos
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como nas suas relações e nos modos de viver e ser juventude(s), por isso
falamos no plural. Conceituar o termo juventude não é uma tarefa fácil, pois
esta palavra tem assumido variados significados de acordo com o contexto
histórico, social, econômico e cultural presente, destacando-se, assim, algumas
simbologias distintas. Por essa razão, a literatura atual tem usado a palavra
juventude no plural: “juventudes”.
Sobre essa questão do conceito identificamos na literatura que trata dessa
temática, duas perspectivas: uma que a reconhece como uma faixa etária,
caracterizada por sujeitos pertencentes a um mesmo momento de transição,
refletindo uma percepção homogênea, e outra perspectiva, que compreende a
juventude de forma heterogênea, não pensando em uma única juventude, mas
em juventudes múltiplas, entrelaçando o seu conceito a ideias configuradas
pela diversidade social, cultural, regional e educacional, reconhecendo que
essa juventude sofre influências e influencia os diversos contextos sociais,
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A prática de deslizar sobre as ondas, apesar de ser uma novidade para mui-
tas pessoas, é, na verdade, bastante antiga, podendo ser considerada, inclusive,
como uma atividade secular, pois apresenta indícios de ter raízes em práticas de
navegação há cerca de 3.500 mil anos. Contudo, esse desvendar histórico do surfe
não é uma tarefa fácil, pois ainda é uma produção incipiente no meio científico,
portanto historicamente, o surfe é marcado por certa imprecisão, ninguém sabe
ao certo quando ou onde surgiu. Algumas teorias levam à África Ocidental,
outras indicam o seu surgimento na costa norte do Peru, e outros relatos histó-
ricos apontam que os primeiros surfistas surgiram na Polinésia. “A imprecisão
histórica é ainda grande. Há quem acredite que os primeiros surfistas viveram
há cerca de mil anos. Eles teriam vivido na Oceania e, em constante emigrações,
espalharam o hábito de pegar onda pelo Pacífico Sul” (SOUZA, 2004, p. 16).
A história comumente relatada nos livros, revistas e nas conversas informais
com alguns surfistas é que a expansão inicial desta prática, de todo modo, parece
ter começado mesmo nas águas transparentes nas Ilhas Polinésias, como o Tahiti
ou Bora Bora, constituindo uma antiga expressão cultural desse povo. A expansão
inicial desta prática aconteceu a partir do uso de canoas chamadas Hokule’as,
pelos povos polinésios, que, ao buscar sua sobrevivência no mar, através do
transporte de canoa de uma ilha para outra nessa região, acabaram as usando
também para sua diversão, marcando o que parece ter sido o início do surfe.
Apesar do surfe ter se desenvolvido inicialmente na Polinésia, foi no Havaí
que ele atingiu seu auge, sendo a habilidade de manter-se ereto sobre as enor-
mes pranchas a sua mais relevante expressão. Lá, o surfe não foi simplesmente
um passatempo, mas o centro da vida social e das atividades ritualísticas desse
povo, associado ao misticismo, ao sagrado e à liberação de energias.
PSICOLOGIA DO ESPORTE E SURFE: aspectos socioculturais e psicológicos 71
tanto para o grande número de praticantes quanto para que o Brasil tenha atletas
de destaque, que fazem parte da elite mundial do surfe (BRITO; LIMA, 2009).
Com esse conceito inicial, podemos classificar o surfe como um esporte
náutico ou uma atividade física para o lazer, desenvolvendo as habilidades
físicas de base específicas das suas movimentações corporais, proporcionando
diversão e descontração aos seus praticantes, através dos movimentos radicais
contra as ondas. Assim, o surfe é considerado um esporte maravilhoso e uma
grande terapia, por estar ligado à natureza.
Nesse sentindo, o surfe é uma prática corporal que traz significados diver-
sos, o movimento de deslizar o corpo sobre as águas do mar não carrega apenas
o significado de ser um deslocamento corporal contínuo sobre uma superfície,
pois essa ação impetra variados significados, que não só estão em um campo
físico, mas se expandem para outras dimensões da vida. São concepções amplia-
das sobre o corpo em movimento, que ultrapassam a mera lógica das ativida-
des físicas, podendo, assim como a arte, a literatura, a política, o cinema etc.,
contribuir para um pensar e um vivenciar das várias formas sociais e culturais.
Primeiras ondas
Eu surfava com meus amigos que tinha prancha, eu tinha uns 6, 7 anos, mas
era só brincadeira, aí aqui aprendi mais coisas. Antes daqui, do IPOM, fui de
outra escolinha, mas aqui no IPOM eu aprendi muito mais e aqui também a
gente aprende mais que manobra, tem as atividades de inglês, informática e
na outra não tinha nada disso, eu me desenvolvo mais aqui (Vizinho, 13 anos).
Foi há dois anos, aqui no IPOM, eu tinha 13 anos, antes, eu só ficava na beira
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Significa uma coisa legal que a pessoa pode praticar, faz bem à saúde e
pode se divertir ao mesmo tempo (Vizinho, 13 anos).
PSICOLOGIA DO ESPORTE E SURFE: aspectos socioculturais e psicológicos 75
Surfe significa várias coisas, na hora que a pessoa tá estressada, vai pro
mar, esquece tudo que passou, pega altas ondas, esquece tudo que tava lá
fora, volta com a mente mais fria (Havaizinho, 15 anos).
Nos últimos anos, e de forma cada vez mais intensa, podemos observar
que os jovens vêm lançando mão da dimensão simbólica como a principal
e mais visível forma de comunicação, expressa nos comportamentos e
atitudes pelos quais se posicionam diante de si mesmos e da sociedade.
É possível constatar esse fenômeno nas ruas, nas escolas ou nos espaços
de agregação juvenil, onde os jovens se reúnem em torno de diferentes
expressões culturais, como a música, a dança, o teatro, entre outras, e tor-
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Na minha vida, né?! (pausa curta de emoção) o surfe é uma coisa especial,
assim, muito especial. É tipo como se eu tivesse uma outra família no mar,
o surfe é maravilhoso (Titanzinho, 13 anos).
Surfe é vida né?! Surfe é arte e eu acho que o significado é que quando
a gente tá surfando é muito bom se tem a sensação de ser livre, é isso
(Vizinho, 13 anos).
Ele é quase tudo, porque a gente vai surfar até uns anos né?! Porque o surfe
faz parte da nossa vida. Ele é um passatempo pra mim, porque eu poderia
tá fazendo coisa errada lá fora e ele ajuda na coisa física da gente e até
gosto, porque é envolvido com a natureza e é esporte (Portão, 15 anos).
perigoso porque tem a coisa ruim, mas tem coisa boa, tem o surfe também,
que é muito importante nas nossas vidas (Havaizinho, 15 anos).
que possam construir os laços de amizade, sendo importante para a sua socializa-
ção. Essas boas sensações proporcionadas pelo surfe vêm da capacidade presente
em todas as atividades físicas de uma forma geral, somada a fatores particulares
de tal prática, já que um dos benefícios dos exercícios físicos é a produção de
endorfina, substância narcótica de ocorrência natural que diminui a dor e aumenta
as sensações de conforto e bem-estar (NETO; WENDHAUSEN, 2011).
Partindo de uma análise mais específica, existe uma probabilidade maior
em atividades realizadas próximas à natureza promoverem essas sensações de
prazer, como apontam Romariz, Guimarães e Marinho (2011), que a sintonia
com a natureza, ou seja, o contato com o mar, as ondas, o sol, causa mudanças
ao corpo, à mente e ao espírito, aumentando a sensibilidades dos surfistas para
entrarem em conexões com outras esferas da vida humana, tranquilizando-os.
Os autores acima também apontam que as oportunidades de socialização, dentro
e fora do mar através do surfe, proporcionam contribuições para a manifestação
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Considerações finais
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, C. S. “Nas ondas do surfe”: estilo de vida, territoriali-
zação e experimentação juvenil no espaço urbano (Dissertação de Mestrado)
– Universidade Federal do Ceará, 2006.
Introdução
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10 GUIMARÃES, F. Gabriel Medina é bicampeão mundial. [S.l.], 2018. Disponível em: https://hardcore.com.
br/gabriel-medina-conquista-bicampeonato-mundial-de-surfe/amp/. Acesso em: 1º nov. 2019.
86
teve seu terceiro campeão mundial de Surfe, Ítalo Ferreira, além de cinco
surfistas brasileiros no ranking, sendo três entre os quatro primeiros colocados
(CLASSIFICAÇÃO..., 2019)11. O campeonato mundial de surfe de elite 2020
foi cancelado em virtude da pandemia da covid-19 e postergado para maio
de 2021 (ALEXANDRINO, 2020)12. Porém, antes de ser cancelado, o Brasil
tinha onze brasileiros competindo, sendo três dentre os quatro melhores do
ranking. Atualmente, em 2020, o Brasil é o quarto país no ranking de obten-
ção de títulos mundiais no Surfe de elite masculino (CIRCUITO..., 2020)13.
Tais dados evidenciam o crescente desenvolvimento e valorização do Surfe
profissional em âmbito nacional e mundial. E, neste contexto de grande espe-
tacularização da modalidade, também há grande evidência do protagonista
deste espetáculo esportivo: o surfista profissional, foco deste estudo.
Para tratar da identidade, neste estudo, tem-se por base o Modelo Teó-
rico da Construção de Si de Guichard (2009). Esse modelo abarca três
Esta oferta é dada – como tal – quando o indivíduo nasce. Mas ela evolui
por meio da mediação de suas ações, interações ou jogos de linguagem,
os indivíduos contribuem para a evolução desses contextos sociais. Assim,
novas categorias aparecem (GUICHARD, 2009, p. 252).
11 CLASSIFICAÇÃO do circuito mundial de surfe 2019 – masculino. 2019. Disponível em: https://globoesporte.
globo.com/radicais/surfe/mundial-de-surfe/noticia/classificacao-mundial-de-surfe-2019-masculino.ghtml.
Acesso em: 10 out. 2020.
12 ALEXANDRINO, R. Circuito mundial de surfe é cancelado por pandemia do coronavírus. O Globo, Rio de
Janeiro, 17 jul. 2020. Disponível em: https://br.noticias.yahoo.com/circuito-mundial-surfe-%C3%A9-cance-
lado-130124035.html. Acesso em: 10 out. 2020.
13 CIRCUITO mundial masculino de surfe. 2020. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Circuito_Mun-
dial_Masculino_de_Surfe. Acesso em: 10 out. 2020.
PSICOLOGIA DO ESPORTE E SURFE: aspectos socioculturais e psicológicos 87
Método
Participantes
Foi utilizada uma amostra composta por três atletas brasileiros de surfe,
com idade entre 15 e 27 anos, do sexo masculino (cujos dados foram obtidos
em 2016). Os critérios de inclusão foram: a profissionalização no esporte e
a categoria esportiva na qual competem. Assim, os participantes têm o surfe
de alto rendimento como profissão e competem na categoria profissional de
surfe. Com intuito de proteger a identidade dos mesmos, foram omitidos dados
que permitissem a identificação.
O participante 1 tem 27 anos, ensino médio incompleto, é profissional
do surfe há mais de 10 anos e definiu-se como pertencente ao nível socioe-
conômico baixo. O participante 2 tem 17 anos, ensino médio completo, é
profissional do surfe há menos de um ano e definiu-se sendo do nível socioe-
conômico médio. Por sua vez, o participante 3 tem 15 anos, cursa o primeiro
ano do ensino médio, é profissional do surfe há menos de um mês e defi-
niu-se sendo do nível socioeconômico médio. Os três participantes estavam
vivenciando transições em suas carreiras no momento da coleta de dados,
sendo que P2 e P3 enfrentavam um processo de adaptação a uma transição
normativa (transição para a carreira profissional e para o âmbito mundial de
competição) e P1, a uma transição não normativa (perda de patrocínio). As
transições normativas caracterizam-se por relativa previsibilidade, visto que
estão associadas às etapas que os atletas deverão atravessar. Já as transições
90
Instrumentos e procedimentos
Savickas e Hartung (2012), que enfatizam que a narrativa eliciada pela entre-
vista sobre construção de carreira deve ser organizada e integrada em um senso
amplo de significância, a partir do conteúdo manifesto, buscando descobrir o
que é vital para o indivíduo. A atividade se organiza em quatro questões-guia,
objetivando obter dados específicos, estabelecidos a priori, e abordando os
aspectos nucleares de self, os modelos de conduta utilizados na construção da
identidade, os interesses manifestos, os temas de vida e as estratégias utilizadas
para lidar com as demandas de vida e de carreira. Cada questão-guia objetiva
obter dados específicos, estabelecidos a priori, que neste estudo denomina-
remos categorias e subcategorias temáticas. A relação entre as questões-guia,
as categorias e subcategorias temáticas são descritas na Tabela 1.
Resultados e Discussão
uma pedra, abrindo um corte grande em sua cabeça: “eu chorei pouco, mas
levei numa boa, não fiquei traumatizado”. A segunda recordação de P2 ocor-
reu na infância e foi intitulada “Mordida de cão”. O cachorro da vizinha
fugiu e mordeu-o, machucando-o. Ele chorou muito e passou a ter medo do
animal: “[...], mas devagar busquei enfrentar e fui perdendo o medo [...] eu
amo cachorro, então isso também ajudou”. A terceira recordação de P2 foi
intitulada “O caldo da vida”. Enquanto ele surfava, uma onda muito grande
o afogou, deixando-o submerso por longo tempo, como mostra o excerto a
seguir. “Fiquei apavorado [...] tonto [...] assustado [...] levei um bom tempo
pra conseguir surfar naquela praia de novo, mas continuei surfando e devagar
fui ficando mais tranquilo [...] o amor pelo surfe não me deixou desistir, me
fez continuar [...] e tentar até ter confiança de novo”.
A primeira recordação de P3, sobre a primeira vez que ele surfou, foi
[...] era uma onda muito forte, eu era muito pequeno e estava no fundo
[...] levantei da água roxo [...] angústia de não poder respirar e vinha mais
onda, fiquei desesperado [...] nunca vou esquecer [...] aquela cena marcou
minha infância, na época fiquei traumatizado [...] um mês sem surfar [...]
devagar fui enfrentando [...], mas nunca me imaginei desistindo do surfe
[...] algo que eu amo [...] (P3).
PSICOLOGIA DO ESPORTE E SURFE: aspectos socioculturais e psicológicos 95
são pessoas que ensinaram e apoiaram a prática esportiva. Amaral e Dias (2008)
enfatizam a influência da mídia esportiva na motivação para a adesão e prática
do surfe, o que vai ao encontro do fato de seis dos nove modelos de conduta
eleitos pelos participantes serem atletas de alto rendimento e terem construído
suas trajetórias de carreira em práticas esportivas veiculadas pela mídia.
Savickas e Hartung (2012) ressaltam que a seleção dos heróis pode ser
considerada a primeira escolha de carreira e diz muito sobre a identidade
vocacional. A escolha dos heróis evidencia que a identidade vocacional dos
participantes esteve associada ao esporte desde a infância. A influência dos
atletas de alto rendimento eleitos como heróis na construção da identidade
vocacional dos participantes pode ser ilustrada por alguns trechos das falas
dos mesmos, como “modelo de atleta a ser seguido” (P2), “eles me inspiraram
bastante” (P3) e na fala a seguir de P1, sobre os três atletas de alto rendimento,
que citou como heróis, como expresso na narrativa:
também está se descrevendo. P1, por exemplo, define seu primeiro herói
como “muito competente no que fazia” e “gostava de ajudar os outros”. O
participante também pode ser considerado competente no que faz (pois atua
como surfista profissional há mais de uma década, possui grandes marcas de
surfwear em seu histórico de patrocínios e destaca-se em termos de perfor-
mance esportiva) e parece ter o “auxílio ao próximo” como tema de vida em
sua trajetória de vida e de carreira. Esta temática está contida em sua segunda
recordação primária, intitulada “Ajudar o próximo sem querer nada em troca”
e no momento atual, pois, além do papel de surfista profissional, ele atua como
professor voluntário de surfe em um Projeto Social.
Segundo Savickas e Hartung (2012), a primazia denota importância e o
primeiro modelo de conduta citado, de modo geral, é o mais relevante na cons-
trução da identidade e evidencia características nucleares do self. Os primeiros
heróis citados por P1, P2 e P3 (respectivamente, Ayrton Senna, Mick Fanning e
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Meu tio era apaixonado por fórmula 1 [...] e todo domingo a gente assistia
o Senna juntos [...] cresci assistindo ele. O Senna é um cara que admiro
até hoje [...] assisto tudo sobre ele [...] eu via ele como um herói nacional
[...] quando ele morreu eu era criança e chorei [...] por um cara famoso
que eu nunca tive contato [...].
eu tinha medo de ir pro fundo [...] e meu pai sempre me levava no fundo e
ficava lá comigo, sempre me apoiando [...] me empurrando nas ondas [...]
me incentivando a ir nas ondas grandes e não nas pequenas [...] sempre me
apoiando nos campeonatos, correndo atrás pra mim, sempre foi comigo
[...] acho que ele foi um grande herói na minha vida também.
Categoria: interesses
que “antecipa, planeja e pensa sempre no próximo passo que vai dar”. P1
está vivenciando uma transição não normativa, considerada o tipo de tran-
sição mais delicada na carreira esportiva, por se tratar de um evento inespe-
rado (ALFERMANN; STAMBULOVA, 2007; SCHLÖSSBERG; WATERS;
GOODMAN, 1995). Após ser patrocinado por mais de uma década por uma
grande empresa de surfwear, ele perdeu repentinamente a maior parte de seu
patrocínio. A estratégia implícita na história, para auxiliá-lo a lidar com sua
demanda de vida/carreira atual (contida no trecho “antecipa, planeja e pensa
sempre no próximo passo”) aponta para a importância um planejamento estraté-
gico dos próximos passos que dará em sua carreira e, portanto, está relacionada
à relevância de um processo de planejamento e gestão da carreira esportiva.
A história mencionada por P2 fala sobre luta, dedicação e superação
para um atleta tornar-se campeão e referência em sua modalidade: “por ter
muita determinação, ser focado no esporte, dedicado ao treinamento físico
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e ter o apoio de um treinador muito bom, ele atinge o objetivo [...] supera
muita dificuldade, obstáculo, vence o melhor atleta e se torna um grande
campeão”. No momento atual, P2 encontra-se em adaptação a uma transição
normativa, ou seja, uma transição previsível ao longo da carreira esportiva
(ALFERMANN; STAMBULOVA, 2007; SCHÖSSBERG et al., 1995). Há
menos de um ano ele realizou a transição da categoria amadora para a profis-
sional. Apesar de satisfeito, ele considera esta transição bastante desafiadora
e enfatiza que a categoria profissional é bem mais competitiva e as vitórias
são menos frequentes, de modo que é necessário ter muito mais foco do que
na categoria anterior para manter a motivação e atingir bons resultados. O
roteiro da história citada evidencia uma estratégia para a manutenção da
motivação, a superação dos obstáculos e o alcance dos resultados almejados
na categoria profissional: ter determinação, dedicação ao treinamento físico
e apoio profissional e social para a prática esportiva.
A história citada por P3 despertou seu interesse por ser, segundo ele: “uma
história real, com suspense, que dá vontade de saber o que vai acontecer no
próximo capítulo. Sobre um homem que conseguiu vender seu trabalho pelo
mundo, por ser confiante, determinado, destemido, focado e, mesmo enfren-
tando obstáculos, foi crescendo, se desenvolvendo, ganhando dinheiro e ficando
conhecido pelo seu trabalho”. P3 realizou a transição da categoria amadora para
a profissional há um mês e está na iminência de realizar os primeiros campeo-
natos na nova categoria, em âmbito mundial. A estratégia implícita na história
citada, para que ele possa desenvolver-se no campeonato mundial e alcançar seu
objetivo de ter reconhecimento social e financeiro como surfista profissional é
enfrentar os obstáculos com confiança, determinação, coragem e foco.
Tanto P1 quanto P3 definem suas histórias de forma parecida, apesar de se
tratarem de enredos diferentes e de estarem vivenciando momentos e transições
110
Considerações finais
REFERÊNCIAS
ALEXANDRINO, R. Circuito mundial de surfe é cancelado por pandemia do
coronavírus. O Globo, Rio de Janeiro, 17 jul. 2020. Disponível em: https://br.
noticias.yahoo.com/circuito-mundial-surfe-%C3%A9-cancelado-130124035.
html. Acesso em: 10 out. 2020.
NOTA, L.; ROSSIER, J. (ed.). Handbook of the life design: from practice
to theory, from theory to practice. Boston: Hogrefe, 2015.
O swell feminino
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como uma fuga da rotina vivida nas cidades (VAROTO; SILVA, 2010). Nesse
sentido, o surfe também pode ser associado a esse contraponto à vida metro-
politana, no sentido de compensar as situações de estresse da vida cotidiana,
agindo na reestruturação do equilíbrio mental através da interação com o mar
(AMARAL; DIAS, 2008; PEREIRA NETO et al., 2017).
Esta interação harmoniosa entre o ser humano e a natureza, presente na
prática do surfe, pode proporcionar mais energia e disposição, que vão além
das águas. O surfe favorece a sintonia entre corpo, mente e meio ambiente,
através de experiências intensas e significativas (BABOGHLUIAN, 2003).
Segundo Nepomuceno e Monteiro (2019), o esforço pela busca do equilíbrio
físico e psicológico traz possibilidades de aprendizagem e conhecimentos
através das vivências relacionadas ao contato com o mar e as ondas. Os prin-
cipais motivos para a aderência ao surfe estão relacionados ao contato com a
natureza, à busca por emoções corporais intensas e sentimentos como felici-
dade, liberdade, prazer e bem-estar, também à possíveis benefícios à saúde,
satisfação pessoal e relacionamentos interpessoais (AMARAL; DIAS, 2008;
PEREIRA NETO et al., 2017).
A experiência do surfar transcende os limites do mar, alcançando outros
aspectos da vida daqueles que o praticam. Comumente é possível obser-
var mudanças no estilo de vida dos praticantes de surfe, influenciando suas
rotinas, características físicas e emocionais, e a forma de lidar com a vida.
Hábitos mais saudáveis, como os alimentares, são incorporados ao dia a
dia e práticas como yoga ou meditação passam a ser associadas ao surfe. O
contato com a natureza muitas vezes também auxilia na conscientização da
importância da preservação das praias e do mar, influenciando em decisões
de consumo dos surfistas (PEREIRA NETO et al., 2017; CRISTOFFOLI;
DE MORAES; TELLES, 2018).
122
Mulheres ao Mar
Nesse sentido, de acordo com Knijnik, Horton e Cruz (2010), pela prática
do surfe se dar em um ambiente onde os corpos estão à mostra o tempo todo e
a ideia de “corpo perfeito” se fazer presente, existe uma grande preocupação
em relação aos corpos femininos, que talvez tenha formas “não condizentes”
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O surfe coletivo
São Paulo 11
Santa Catarina 6
Bahia 5
Rio de Janeiro 4
Ceará 4
Pernambuco 1
Maranhão 1
Total: 36
apenas do coletivo, como a fundadora do Maré Alta (SP), Bruna Bessa, que
embora tenha se formado em jornalismo, investe em seu grupo, organizando
viagens, sessões de surfe e compartilhamento de conteúdos nas redes sociais.
Algumas outras, tem o coletivo como fonte de renda, mas também possuem
outras profissões, como a fundadora do Surfe Nelas, Aline Karines, que tam-
bém é engenheira. Além disso, mesmo a maioria das fundadoras serem sur-
fistas amadoras, alguns coletivos de surfe feminino contam com surfistas e
ex-surfistas profissionais como suas criadoras, como Claudinha Gonçalves do
Coolture Life (RJ), Suelen Naraísa do Girls Surfing Experience (SP) e Nuala
Costa do TPM-Todas Para o Mar (PE). Isso demonstra a importância de termos
a participação de referências do surfe no movimento dos coletivos femininos.
Outro ponto interessante de análise refere-se aos nomes dos coletivos,
que em sua grande maioria remetem, de alguma forma, a questões envolvendo
o feminino e o surfe: Gals at the Sea (SP), Surfe com Elas (SP), Salty Sisters
Considerações finais
REFERÊNCIAS
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prática do surfe. Licere – Revista do Programa de Pós-Graduação inter-
disciplinar em Estudos do Lazer, v. 11, n. 3, 2008.
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1298, 2016.
PSICOLOGIA DO ESPORTE E SURFE: aspectos socioculturais e psicológicos 131
EVERS, C. “The Point”: surfing, geography and a sensual life of men and
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10, n. 8, p. 893-908, 2009.
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PONTING, J. Projecting paradise: the surf media and the hermeneutic circle
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Sport Medicine, v. 15, n. 10, oct. 1987.
WAITT, G. ‘Kiling waves’: surfing, space and gender. Social & Cultural
Geography, v.9 n.1, feb. 2008.
Introdução
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vida tornam-se relevantes estudos que deem subsídios para pensar alternativas
em termos de cuidado, prevenção de doenças e promoção da saúde.
Sabe-se que a prática regular da atividade física é um elemento impor-
tante para a promoção da saúde e a prevenção de doenças. Os efeitos em
termos de bem-estar psicológico também são importantes tanto para o tra-
tamento de transtornos mentais, quanto para a promoção da saúde mental
(WEINBERG; GOULD, 2008). Conforme Lourenço et al. (2017), quando
inserida no contexto de vida de pessoas acometidas com transtornos men-
tal, a prática da atividade física, como modalidade terapêutica, tem efeitos
benéficos para a saúde. De acordo com Weinberg e Gould (2008, p. 426), a
prática de exercício físico regular proporciona uma melhor qualidade de vida
o que engloba a satisfação na vida, no trabalho, melhor qualidade de sono,
aumento da autoestima e do autoconceito, aumento do sentimento de prazer,
Metodologia
Resultados e discussão
Como veremos adiante, o surfe tem enorme potencial para promover a saúde
mental de praticantes. Nesse contexto, Godfrey et al. (2015) investigaram como
um projeto social que usa o surfe como intervenção foi capaz de influenciar a
sociabilidade de 114 jovens com idades entre 8 e 18 anos que enfrentam proble-
mas de saúde mental ou exclusão social. Os resultados do estudo apontam que
a modalidade foi capaz de deixar os jovens mais felizes e proporcionar melho-
ras na sociabilidade. Outros estudos também convergem em seus resultados na
perspectiva de afirmar que a prática do surfe está relacionada a sentimentos de
felicidade (CADDICK, SMITH E PHOENIX, 2015; BUSH, 2016).
traz importantes contribuições para a saúde. Como sintetizado por uma das espe-
cialistas entrevistadas o surfe trabalharia a dimensão física da saúde que se refere
a “aptidão física, a capacidades físicas como força, resistência cardiorrespiratória,
flexibilidade, coordenação motora, agilidade e velocidade” (Entrevistada 29).
Melhorias de saúde ou benefícios relacionados ao surfar, nessa dimensão
“física” foram identificados pelos(as) participantes como mudanças de estilos
de vida sedentários, melhora no condicionamento físico, melhora no fôlego e
disposição. No entanto, as referências à preparação física relacionada ao surfe
geralmente estavam associadas a uma preparação também psicológica e a “ensi-
namentos” que a prática trazia, como abordaremos adiante. A partir de nossa pes-
quisa, destacamos que as percepções do surfe como uma atividade produtora de
sentimentos de felicidade ou de satisfação/realização relacionam-se diretamente
à alta adesão por parte dos(as) praticantes. Os(as) surfistas entrevistados(as),
portanto, potencialmente se enquadravam no que a literatura científica chama de
população fisicamente ativa. Como destacam Weinberg e Gould (2008, p. 427):
Sociabilidades
Às vezes, a gente não sabia surfar tão bem ou não tinha companhia para
ir à praia. Então assim, o que eu penso de primeira mudança em minha
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[...] uma maneira de você ter uma conexão com a natureza de uma maneira
muito forte e intensa, onde a gente pode explorar tanto a questão ambiental
quando essa questão interna nossa. É uma via de exploração dupla, da
natureza e de nós mesmos. Então o surfe para mim é essa conexão, esse
estilo de vida que sustenta essa conexão (Entrevistada, 30).
Clifton Evers (2006) explora o mundo dos homens que surfam. O artigo
é autorreflexivo e aborda aspectos interessantes da experiência de surfar.
Segundo o autor, um surfista sente as ondas e passeia com elas, não simples-
mente sobre elas. As ondas formam parte dos corpos dos que surfam e esses
são parte delas. É uma troca em que as ondas se quebram sobre os corpos até
que não se sabe onde o surfista começa e onde a onda termina. O corpo do
surfista se estende para ser parte da complexidade de uma onda.
Na conexão com o oceano o(a) surfista tem que se adaptar às condições
ambientais de modo a exercitar a abertura ao ineditismo e ao risco, bem como a
aprimorar sua percepção de modo a construir um conhecimento refinado sobre
os sinais dados pelos fatores ambientais presentes nos contextos de prática.
Surfistas adquirem conhecimento sobre as ondas através do contato direto
com elas, desenvolvem uma sensibilidade frente a tudo que muda a forma e
PSICOLOGIA DO ESPORTE E SURFE: aspectos socioculturais e psicológicos 145
O surfe hoje em dia pra mim, é a minha espiritualidade. Ele está ligado
não só à qualidade de vida, mas a uma prática que transcende, onde tudo
está conectado numa visão holística de conexão corpo, mente, natureza,
enfim a interação entre o ser humano e um cosmo, que é muito maior
(Entrevistado 9).
argumento dado por tais surfistas no que tange à relação entre surfe e saúde,
os benefícios do surfe para a saúde mental.
A ideia do surfe como terapia foi a ideia mais recorrente em termos quanti-
tativos (apresentando maior frequência do tema nos discursos) e qualitativos na
nossa pesquisa (apresentando alta relevância dentre os significados e sentidos da
prática). Os(as) praticantes atribuem ao surfe um sentido de cuidado em saúde,
com forte ênfase na saúde mental. Nesse contexto, a modalidade exige, para um
bom desempenho ou mesmo melhor proveito da prática que os(as) surfistas des-
liguem-se dos problemas cotidianos e que estejam presentes e concentrados(as)
ao surfar. Os entrevistados relatam que a atividade traz alívio do estresse coti-
Considerações finais
REFERÊNCIAS
AMRHEIN, M.; BARKHOFF, H.; HEIBY, E. M. Spirituality, depression, and
anxiety among ocean surfers. Journal of Clinical Sport Psychology, Chro-
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BUSH, L. Creating our own lineup: Identities and shared cultural norms of
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Ethnography, v. 45, n. 3, p. 290-318, 2016.
CADDICK, N., SMITH, B.; PHOENIX, C. The effects of surfing and the
natural environment on the well-being of combat veterans. Qualitative health
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154
COMER, K. Surfer Girls in the New World Order. Durham: Duke Uni-
Press, 2010.
THORPE, H. Action sports for youth development: Critical insights for the
SDP community. International journal of sport policy and politics, v. 8,
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WAITT, G. ‘Kiling waves’: surfing, space and gender. Social & Cultural
Geografy, v. 9, n. 1, february, 2008.
Introdução
Considerações finais
REFERÊNCIAS
ADOLPH, K. E.; BERGER, S. E. Motor development. In: KUHN, D.; SIE-
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BUSH, Lee. Creating our own lineup: Identities and shared cultural norms of
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MIYAZAKI, Y.; PARK, B. J.; LEE, J. UN: Nature therapy, 2013. p. 408-412.
Foi também durante este evento que aconteceu uma reunião entre inte-
ressados na fundação de uma instituição responsável por solidificar o esporte.
Assim surgiu a Associação Brasileira de Surfe Profissional (Abrasp), que se
consolidou dois meses mais tarde. De acordo com Gutenberg (1989, p. 197),
“se perdessem o instante, o surfe poderia atrasar, mais uma vez, seu desen-
15 Este dado foi obtido através de Alcino José da Silva Neto, surfista presente no evento.
PSICOLOGIA DO ESPORTE E SURFE: aspectos socioculturais e psicológicos 175
Com muita dor, agora não mais mascaradas pelo efeito de medicamen-
tos, e frente ao risco de morte que corria, Alcino questionou o médico sobre
suas condições. Apresentando baixo peso e chances remotas de recuperação,
Alcino recusou a proposta de uma nova cirurgia, e, percebendo que seria o
único meio de cessar as dores e melhorar seu estado físico, levantou a possi-
bilidade de amputação.
Depois de assinar o termo de consentimento, passou pela cirurgia de
amputação, que ocorreu de forma tensa devido a uma parada cardiorrespirató-
ria. Na recuperação, Alcino sentiu-se aliviado ao perceber que a dor infecciosa
havia dado espaço à passageira dor pós-cirúrgica, mas viveu simultaneamente
a insegurança de enfrentar o mundo que o aguardava fora do hospital. De
volta ao Guarujá um mês após o acidente, tinha a necessidade de reestruturar
a vida adaptando-se às novas condições.
A primeira grande dificuldade foi em relação à locomoção. As ruas, assim
como a praia e outros trajetos que faziam parte do cotidiano de Alcino, não
eram acessíveis ao deslocamento em cadeira de rodas. Nesta fase, ele pouco
saía às ruas devido aos obstáculos e resolveu voltar para Minas Gerais, onde
teria auxílio de familiares e outros recursos para se preparar melhor e tomar
novamente liderança de sua vida.
Em sua avaliação, esta foi uma decisão benéfica, pois, distante do Gua-
rujá, conseguiu focar integralmente em sua reabilitação, dedicando-se à apren-
dizagem do deslocamento com muletas e à fisioterapia, que se concentrou na
preparação do coto para receber futuramente uma prótese. Havia tido contato
com algumas pessoas que as utilizavam e isso o despertou para que refizesse
seu condicionamento físico. Considera, contudo, que durante esse período seu
principal meio de reabilitação foi o cavalo que ganhou de seu avô. Além de
176
cido por atletas do mundo todo, entre os quais circulava na área do evento e
surfava nas horas vagas da competição. Estes atletas deram a ele a visão de
que aquilo que ele realizava era de grande valia para o surfe e para as pessoas
que precisavam de um incentivo de vida. Pirata chamou atenção não só dos
atletas, mas também do patrocinador do evento. Ao final da etapa, tornou-se
o primeiro surfista adaptado profissional com um patrocínio consolidado.
A partir daí começaram as viagens internacionais em busca da técnica em
ondas maiores e de outras pessoas que fizessem o surfe de forma adaptada.
Soube através de uma revista que um sul africano havia perdido a perna em
um ataque de tubarão e continuava surfando. Mas o fato de, por vários anos,
não ter encontrado pessoalmente alguém que praticasse a modalidade inten-
sificou a ideia de divulgar o esporte e aliar-se a uma instituição que pudesse
contribuir nesta difusão.
Em 1997 no primeiro curso de instrutor de surfe no Brasil, Pirata conse-
guiu que as pessoas tomassem conhecimento do surfe adaptado pela primeira
vez. Já tendo uma escola de surfe nesta época, mostrou também que uma
pessoa com deficiência era capaz de dar aulas para outras pessoas, sendo elas
deficientes ou não. Sua certificação como instrutor foi um importante passo
para a inclusão da pessoa com deficiência no surfe, seja como aprendiz ou
como instrutor.
Em 1998, numa viagem de Pirata aos Estados Unidos, houve a primeira
implantação do surfe adaptado numa instituição de surfe, concretizada atra-
vés do reconhecimento oficial pela International Surfing Association – ISA
sobre a existência desta modalidade e de um projeto de surfe adaptado,
chamado Surfing for All. O mesmo movimento aconteceu com a Confe-
deração Brasileira de Surfe, que também reconheceu oficialmente a ver-
tente esportiva. Inicialmente, os trabalhos de divulgação eram feitos com
178
parte dos que proporcionam esta oportunidade, tais como escolas de surfe,
instituições esportivas ou projetos independentes, assim como pela sociedade
e pelas políticas públicas que olham externamente o processo. Ao psicólogo,
cabe ter a visão macro do processo, avaliando-o constantemente e buscando
mantê-lo em progressão.
Outro ponto importante a ser considerado diante das diversas experiências
nas quais atuamos, é que o surfe adaptado não deve ser pensado de forma
generalizada em termos de técnicas e adaptações, pois cada caso remete a
um procedimento que engloba especificidades que consideram a condição
idiossincrática apresentada por cada indivíduo. Também é relevante destacar
que parte das dificuldades para conseguir incentivos financeiros para projetos
neste sentido acontece em função da vertente não aglutinar grandes números
de participantes simultaneamente devido à tamanha especificidade.
Para finalizar, chamamos atenção ao fato de que todas as modalida-
des oferecidas para as pessoas com deficiência, paralímpicas, radicais ou
de aventura, possuem potencial para importantes mudanças em termos de
transformação pessoal. Sendo assim, de forma alguma devem ser despre-
zadas, merecendo reflexões constantes sobre o modo como estão sendo
ministradas e proporcionadas em prol de sustentarmos a ideia de igualdade
de oportunidades entre todos.
186
REFERÊNCIAS:
A CONSTRUÇÃO social da deficiência e do deficiente: uma breve incursão.
In: RODRIGUES, David (org.). Atividade Motora Adaptada: a alegria do
corpo. São Paulo: Editora Artes Médicas, 2006. p. 17-27.
DANUCALOV, Marcelo Arias Dias. Surfe Gênese. São Paulo: Editora Cos-
mmos do Brasil, 2002.
Cultura Surfe
Uma atitude que espelha, em muito, a postura dos hippies da Califórnia dos
anos 1970. Desde essa época, fruto dos movimentos culturais revolucionários que
tiveram seu apogeu no final dos anos 1960, houve um aumento substancial nos
chamados esportes ligados à natureza, também conhecidos como esportes alter-
nativos (RINEHART; SYDNOR, 2003) ou Lifestyle Sports (WHEATON, 2004).
Neste ambiente, interessa mais o lúdico que o prático e evidente, deixando normas
e regras em segundo plano se comparadas às sensações de risco e prazer.
O amadurecimento de um esporte
película foi tão grande que levou centenas de milhares de novos praticantes
às praias dos Estados Unidos (BORTE, 2000). O movimento iniciado pelo
filme pode ser comparado a poucas manifestações culturais de massa vistas
antes e, com o sucesso da indústria de filmes em Hollywood, esta cultura
emergente se espalhou rapidamente pelo mundo.
Como resultado desse movimento cultural que emergia nas décadas de 1950
e 1960, principalmente nos Estados Unidos, o surfe foi unindo elementos à sua
formação. As músicas utilizadas na sonografia dos filmes com melodias agitadas
e marcantes foram um dos aspectos que se desenvolveram junto a essa formação
cultural. Bruce Brown utilizou muito em seus filmes os solos de guitarra de Dick
Dale, que viriam a influenciar a formação de inúmeros grupos rotulados sob o
gênero surfe music. O maior ícone desse gênero surgiu na década de 1960 com
os californianos Beach Boys que foram, por determinado tempo, os Beatles da
América. A sua influência, juntamente com Gidget e Endless Summer, foram
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Surfe no Brasil
extremamente rígido, os surfistas eram taxados como pessoas ociosas, que não
queriam assumir compromissos para poderem passar suas horas ocultando-se
do barulho da cidade, entregues à melodia salgada das ondas cariocas. Enfren-
tando uma ditadura, os surfistas eram verdadeiros guerreiros que lutavam,
ainda que de forma passiva e à beira-mar, contra um sistema ameaçador que
acometia todos aqueles que almejavam uma sociedade livre de censura, dotada
de direitos hoje considerados básicos como ir e vir, expor ideias, fazer música
e, até mesmo, surfar as belas ondas do nosso privilegiado litoral.
Desde o fim da ditadura, que durou praticamente 20 anos, de 1965 a 1985,
o surfe amadureceu como esporte, transformando aos poucos sua imagem
rebelde e descompromissada em atividade de alto rendimento e passível de
grandes lucros por parte de surfistas e patrocinadores.
Mesmo antes da aparição dessa geração vitoriosa comandada por três
campeões mundiais, o Brasil já vinha conquistando, a passos lentos, um nobre
Novos Tempos
Não há uma expressão única para designar o nosso tempo e as sociedades
nele forjadas. Pós-modernidade, modernidade tardia, sociedade de controle,
sociedade da norma e sociedade líquida são algumas das designações atri-
buídas a ele por estudiosos da contemporaneidade. Vivemos numa sociedade
complexa e multifacetada. Uma sociedade global que, de um lado, mantém
seus cidadãos fortemente interconectados e, de outro, extremamente vulne-
ráveis em seus vínculos relacionais de inclusão e pertencimento.
Nada disso, no entanto, garante uma existência mais leve e feliz para seus
praticantes, diante das pressões complexas que constituem o tempo presente.
Tanto que temos nos deparado, cada vez mais, com uma realidade descon-
certante para os mais céticos, o suicídio de surfistas e atletas de outras moda-
lidades esportivas ligadas ao prazer e ao risco, reconhecidamente talentosos
e teoricamente livres da depressão por viver uma vida que a grande maioria
da população considera idílica. Este capítulo pretende desmistificar o esporte
dos reis havaianos e lançar luz sobre uma doença sutil e onipresente, capaz
de atingir todos os extratos da sociedade, incluindo seres altamente espiri-
tualizados e em constante contato com as forças da natureza, e seus efeitos
benéficos, como é o caso dos surfistas.
Recentemente, tivemos tristes casos de surfistas campeões mundiais
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Tem a ver comigo, tive muitos amigos que cometeram suicídio, temos
o Sunny (campeão mundial de surfe em 2000) que está apenas se segu-
rando, ele está melhorando um pouquinho, mas esteve muito deprimido e
cansado de sua vida, se sentindo desta forma em sua mente, mesmo tendo
tantas pessoas que ele ama e que o amam de volta, ele tem esse apoio,
mas não conseguia mais suportar o que sentia por dentro. É muito duro
ver um amigo ou qualquer pessoa passar por isso, mas é especialmente
difícil ver alguém próximo a você e que você conhece desde sempre...
198
Eu caio em Pipeline nos dias bons (risos), ainda (!), é o mesmo sentimento
de quando eu tinha doze anos de idade, eu continuo amando do mesmo
jeito, talvez mais, porque hoje não tenho mais medo, como eu tinha antes,
então aproveito muito mais (SLATER, 2019).
Encerrada a entrevista, uma outra jornalista pergunta sobre sua nota dez
durante o último Pipemasters. Sua resposta traduz o que ele quis dizer com
“altos diferentes de outras pessoas”.
Essa foi uma das melhores ondas da minha vida. Não era uma onda per-
feita, se eu olhasse pra essa onda da areia, eu diria que era uma ondinha
PSICOLOGIA DO ESPORTE E SURFE: aspectos socioculturais e psicológicos 199
legal, mas não o tipo de onda que você viaja ao outro lado do planeta pra
surfar. Mas lá dentro foi incrível. Uma daquelas ondas em que, duas ou
três vezes no percurso eu pensei que não ia conseguir completar (foi legal,
mas ela não vai me deixar sair...), então eu acho que algumas vezes nós
temos que acreditar em mágica. E aquele foi um momento mágico em
minha vida (SLATER, 2019).
o próprio campeão, assim como todos nós mortais, ainda busca. Intrigante,
no entanto, é constatar que o surfe, com seu histórico que nós leva a com-
preender os importantes aspectos terapêuticos e lúdicos do esporte, ainda é
impotente para conter a depressão no controverso ambiente contemporâneo,
ocasionando problemas de saúde mental, depressão e suicídio, mesmo dentro
do estilo de vida idílico proporcionado pelo surfe e seu alegre ambiente social.
Ou seria exatamente este ambiente inspirador e jovial o grande disparador
deste fenômeno?
200
REFERÊNCIAS
AMATO, J.; SOUZA, V.; FALCÃO, T. B. C. A Olimpização do Surfe. In:
RUBIO, K. (org.). Do Pós ao Neo Olimpismo: Esporte e Movimento Olím-
pico no Século XXI. São Paulo: Képos, 2019.
Mercuryo, 2004.
C
Carreira esportiva 95, 98, 99, 100, 101, 102, 104, 106, 108, 109, 110,
111, 112, 114, 211
Coletivos femininos de surfe 8, 119, 125, 126, 127, 128, 129
Competição 12, 37, 45, 57, 58, 59, 61, 62, 63, 89, 93, 96, 140, 177
Construção da identidade 7, 85, 91, 92, 96, 99, 100, 102, 103, 108, 111
Cultura 26, 28, 31, 33, 37, 44, 45, 46, 47, 48, 50, 51, 53, 54, 56, 72,
74, 84, 85, 96, 103, 107, 110, 119, 120, 122, 123, 124, 128, 129,
133, 138, 142, 143, 145, 147, 150, 154, 173, 189, 190, 192, 193,
201, 203, 204
D
Desigualdades de gênero 56, 116, 132, 155
E
Educação 26, 27, 47, 57, 64, 65, 67, 68, 78, 80, 82, 83, 84, 114, 116,
117, 130, 131, 136, 153, 166, 169, 171, 172, 174, 187, 202, 204,
209, 210, 211, 212, 213
Educação física 26, 27, 57, 64, 65, 83, 84, 114, 130, 136, 153, 166,
169, 171, 172, 174, 187, 202, 209, 210, 211, 212, 213
Efeitos terapêuticos 8, 147, 149, 151, 157, 158, 159, 162, 163, 164
Esporte 3, 4, 9, 24, 27, 28, 29, 32, 35, 38, 39, 41, 45, 49, 54, 55, 56,
57, 59, 60, 64, 65, 66, 69, 70, 71, 73, 74, 77, 78, 79, 83, 84, 85,
88, 89, 94, 95, 96, 97, 98, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 108,
109, 111, 112, 113, 114, 116, 120, 122, 123, 124, 125, 127, 128,
206
129, 130, 131, 132, 136, 137, 139, 142, 144, 149, 150, 152, 153,
155, 156, 164, 165, 167, 169, 171, 172, 173, 174, 176, 177, 178,
179, 180, 181, 184, 187, 189, 190, 191, 193, 194, 197, 199, 200,
201, 203, 209, 210, 211, 212, 213
F
Filosofia 26, 27, 37, 44, 53, 80, 89, 117, 201, 209, 210, 211, 212
L
Lazer 9, 38, 44, 71, 75, 76, 80, 81, 82, 83, 84, 103, 106, 114, 130, 132,
149, 174, 178, 180, 181, 189, 196, 200, 201, 204
Liberdade 74, 75, 76, 79, 82, 119, 120, 121, 129, 138, 148, 151, 160,
173, 182, 195, 196, 203
N
Natureza 11, 12, 15, 21, 22, 23, 25, 26, 27, 31, 33, 44, 45, 49, 54, 55,
60, 67, 71, 76, 79, 80, 81, 84, 85, 89, 102, 107, 114, 119, 120,
121, 124, 127, 129, 130, 131, 135, 138, 143, 144, 145, 152, 153,
158, 159, 181, 183, 189, 190, 196, 197, 199, 200, 202, 203
O
Ondas 7, 19, 20, 22, 24, 25, 31, 33, 34, 36, 44, 45, 49, 50, 54, 55, 58,
61, 68, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 77, 79, 81, 83, 84, 101, 105, 121,
124, 143, 144, 145, 146, 148, 149, 150, 161, 176, 177, 178, 180,
189, 190, 192, 194, 196, 198, 199
P
Prancha 7, 11, 12, 15, 16, 18, 19, 20, 22, 24, 25, 26, 33, 34, 35, 58,
70, 73, 74, 94, 120, 121, 150, 176, 178, 180, 181, 182, 183, 189,
192, 193
Prática corporal 9, 32, 33, 69, 71, 76, 77, 78, 80, 81, 82, 124, 135, 141,
142, 143, 145, 147, 151, 152, 161
Prática esportiva 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 106,
109, 111, 112, 116, 187
PSICOLOGIA DO ESPORTE E SURFE: aspectos socioculturais e psicológicos 207
Psicologia do esporte 3, 4, 9, 27, 28, 29, 56, 59, 60, 64, 65, 66, 88,
113, 116, 130, 132, 136, 137, 139, 155, 156, 167, 172, 181, 187,
209, 210, 211, 212
S
Saúde 8, 41, 45, 74, 75, 80, 81, 82, 83, 86, 105, 120, 121, 123, 135,
136, 137, 138, 139, 140, 141, 142, 147, 148, 149, 151, 152, 153,
154, 157, 158, 160, 161, 162, 163, 164, 167, 173, 175, 186, 187,
199, 201, 204, 209, 210, 211, 212
Saúde mental 8, 105, 136, 137, 139, 140, 148, 149, 151, 152, 154,
157, 158, 161, 162, 164, 199, 210, 212
Sociedade 32, 36, 37, 40, 43, 46, 47, 48, 51, 53, 54, 55, 67, 68, 77, 78,
86, 87, 100, 120, 122, 123, 128, 129, 154, 179, 183, 184, 194,
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T
Treinamento 57, 58, 63, 74, 80, 83, 100, 101, 102, 109, 175, 210,
212, 213
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SOBRE OS AUTORES
Anna Beatriz Vargas Panfili
Psicóloga graduada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-
-SP). Atualmente é pós-graduanda em Psicologia do Esporte pelo Instituto
Sedes Sapientiae. Tem experiência na área da Psicologia do Esporte com
modalidades coletivas e atendimento clínico. É membro do grupo de estudos
da consultoria Flow Psicologia do Esporte.
Thabata Castelo Branco Telles acumulados pelos(as) autores(as) e no que tange à produção cultural e cien�fica relaciona-
Vinícius Cardoso de Souza da ao tema. A obra apresenta-se como uma relevante fonte de pesquisa para estudantes,
profissionais e pesquisadores(as) interessados em aprofundar seus conhecimentos sobre
o surfe e suas dimensões e singularidades.
ISBN 978-65-251-0005-0
9 786525 100050