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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA

AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO

O CONCEITO DE PAISAGEM E SUAS DISSONÂNCIAS1


2
RAPHAEL NEVES DA CONCEIÇÃO
3
HÉLIO DOS SANTOS PASSOS

Resumo
A Geografia é uma ciência que tem como objeto de estudo as relações sociais
espacialmente organizadas que organizam/desorganizam os espaços. Essas
relações deixam suas marcas e criam suas representações. O debate acerca
das categorias Lugar e Paisagem são relevantes no âmbito da Geografia
Humanista e Cultural, uma corrente que possui três inclinações de pensamento
com interpretações acerca do fenômeno espacial distintas, mas não
excludentes. O trabalho tem o objetivo de apresentar um histórico da categoria
Paisagem promovendo um debate acerca das dissonâncias nas distintas
vertentes: Escola de Berkeley; pela Nova Geografia Cultural proveniente dos
anos de 1980 e da chamada vertente humanista de orientação fenomenológica.
Palavras-chave: Paisagem, Escola de Berkeley, Geografia Humanista e
Cultural.
THE CONCEPT OF LANDSCAPE AND DISSONANCES
Abstract
Geography is a science that has as object of study the spatially organized social
relations that organize/clutter the spaces. These relationships leave their mark
and create their representations. The debate about the categories Place and
Landscape are relevant in the context of Humanist and Cultural Geography, a
school that has three branches of thought with interpretations about the distinct
spatial phenomenon, but not exclusive. The work aims to present a history of
the Landscape category by promoting a debate on the dissonance of the
distinct branches: Berkeley`s; the New Cultural Geography from the 1980`s and
the so-called humanist school of phenomenological orientation.
Key-words: Landscape, School of Berkeley, Humanist and Cultural
Geography.

1
Este trabalho é resultado da Pesquisa “Política, tecnologia e interação social na educação”,
financiada pelo Programa Observatório da Educação – OBEDUC/CAPES (2013-2015).
2
Geógrafo. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal
Fluminense. Professor da Rede Estadual de Educação do Rio de Janeiro e do Município de
Campos dos Goytacazes. Bolsista do Programa Observatório da Educação no Brasil –
OBEDUC/CAPES (2013-2015). email: rapha_nc@hotmail.com
3
Licenciado em geografia pela Universidade Federal Fluminense (Pólo – Campos dos
Goytacazes). Bolsista do Programa Observatório da Educação no Brasil – OBEDUC/CAPES
(2013-2015). email: hs.passos2@gmail.com

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1- Introdução
O presente trabalho visa discutir o conceito de paisagem proposto pelas
três inclinações de pensamento da Geografia Humanista Cultural. Os debates
sobre paisagem foram desenvolvidos inicialmente pela denominada Escola de
Berkeley, iniciada nos anos 1920, seguido pela Nova Geografia Cultural
proveniente dos anos de 1980 e pela vertente Humanista, iniciada nos anos de
1950 por Eric Dardel, que só foi considerada relevante a partir dos anos de
1990.
A principal distinção de interpretação da paisagem é conduzida pelo
método de cada uma das vertentes. A primeira vertente segue as orientações
metodológicas da observação e descrição da paisagem, considerando as
morfologias da paisagem mediada pela cultura, ou seja, a paisagem é
produção de um gênero de vida. A segunda vertente, de orientação neo-
marxista, busca analisar a paisagem para além da morfologia. A paisagem
deve ser interpretada, analisada e explicada a partir dos elementos
representativos das distintas classes sociais. Por fim, a paisagem a partir de
uma perspectiva humanista, que relaciona paisagem a lugar e busca analisar
não apenas a paisagem, mas também suas representações produzidas pelas
expressões artísticas e culturais. A relação entre paisagem e cinema; paisagem
e literatura, por exemplo.
Assim, o trabalho ora apresentado, encontra-se subdivido em sessões:
uma reconstituição histórica da categoria com o início da interface com a
ciência geográfica, seguindo para a apresentação das referidas vertentes e ao
final a apresentação das dissonâncias reconhecidas.

2- Interfaces da categoria paisagem


O tema ora estudado consiste na reconstituição da categoria paisagem
na perspectiva da Geografia Humanista e Cultural. Antes de o fenômeno
espacial ser vinculado à ciência geográfica, a categoria era utilizada como uma
técnica para as obras pitorescas. A construção do termo, originado nas pinturas

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do século XV, precisamente nos Países Baixos, na forma de landskip4. Uma


metodologia da pintura era utilizada a semelhança com uma janela, um
enquadramento do olhar. A paisagem como forma de pintura é introduzida nas
análises dos geógrafos, que já tinham por interesse, desde o começo da
disciplina geografia, os estudos das paisagens. Esse interesse influenciava os
viajantes que utilizavam a geografia para apreensão da natureza das regiões
que percorriam, ou seja, na conjuntura dos estudos naturalistas. No século
XVIII as descrições das paisagens são complexas, as descrições dos relevos,
rios, entre outros, eram limitadas. Porém, os progressos nesta deficiência de
descrição são rápidos e aparecem com os estudos botânicos aperfeiçoando a
linguagem dos naturalistas na Europa.
No final do século XVIII, o mundo ocidental estabelece a preocupação
com as descrições. Entre os geógrafos como Malte-Brun na França, havia a
necessidade de mais consistência nas descrições. "Como as palavras não são
suficientes para isso, eles passam a ilustrar seus trabalhos com gravuras"
(CLAVAL, 2012, p. 247). O método de descrição das paisagens naturais
através da ilustração, nos trabalhos de Alexander Von Humboldt que acabaram
por influenciar geógrafos, sobretudo os alemães. No século XIX, aparecem
novas formas de analisar a diversidade existente na categoria, bem como o
avanço da litografia e a descoberta da fotografia, facilitando o trabalho dos
interessados nestes estudos. Os estudos das paisagens obtiveram grande
progresso a partir do século XIX com a proliferação da fotografia, quando foi
possível disseminar as imagens das diferentes paisagens existentes no mundo.
Neste período as análises dependem da sensibilidade do sujeito que a
observa. É com o alemão Humboldt, que ocorreu a proliferação desta idéia em
consonância com os avanços das técnicas. A sensibilidade do pesquisador
configura as paisagens como interface, criando múltiplas perspectivas com
objetivo de explicar a superfície terrestre.
Os estudos de Ratzel com a antropogeografia surgem repercutindo
intensamente na Alemanha e França, estudos que focavam a distribuição dos

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No inglês antigo: landscipe (região, distrito); no inglês médio: landschippe; no escocês:
landskipe (paisagem).

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homens, das atividades e suas obras na superfície terrestre, ou seja, a


influência que o meio tem sobre o indivíduo (coletivo ou individual). Trata-se de
um estudo das afinidades complexas que se desenvolvem entre o homem e os
ambientes, sem que haja uma generalização ou oposição de uma geografia
humana sobre a física. Em 1900 encontram-se numerosos estudos geográficos
sobre as paisagens e aponta Claval (2012, p. 250): "O privilégio dado ao olhar
é confirmado". As paisagens nos estudos geográficos foram sendo concebidas
como interfaces, diferentes da descrição dos pintores. A diferença é pelo fato
de que para os geógrafos existem diversos pontos de vista, para sintetizar as
paisagens.
Com Humboldt e suas oscilações na ótica para explicar o mesmo
ambiente, uma reconstrução ordenada de pontos de vistas consecutivos, que
inicialmente abarcavam do ponto mais alto ao mais baixo de um relevo e
permitiam novas descobertas. Ainda existia proximidade da forma de olhar dos
pintores, essa distinção ocorre somente a partir da concepção da paisagem
como interface. Com a visão vertical potencializa-se a percepção, podendo os
olhares abarcar elementos que se encontravam negligenciados. Essa visão faz
com que proliferem novos usos do termo paisagem, como as paisagens
agrárias de Fénelon.
Entende-se que Paisagem concebe o campo do visível, primeiramente
como uma técnica pictórica e a geografia ao incorporar a paisagem em seu
repertório de pesquisa, sugere um aprofundamento do que é visível. Na
sequencia da revisão, discutiremos a respeito da geografia humanista cultural,
sua criação e construção do pensamento e suas inclinações que diz respeito à
orientação filosófica, padrão cultural e seu método de investigação.

3- A Escola de Berkeley
Ao iniciarmos a discussão desta referida corrente, é imprescindível
mencionar sobre Carl Ortwin Sauer. Esse geógrafo "(...) situa-se entre os
grandes mestres que, pelo espírito crítico, criatividade, talento e liderança
intelectual definiram alguns caminhos através dos quais a Geografia iria trilhar"
(CORRÊA, 1989, p. 113). Carl Sauer é o criador da Geografia Cultural Norte-

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Americana, também conhecida como Escola de Berkeley. Por meio dos


estudos de Sauer, a Geografia Norte-Americana desprende-se do
determinismo ambiental e forma palpáveis ligações com os estudos históricos e
antropológicos.
A Geografia Norte-Americana antes da formação até 1920
fundamentava-se em três ciências que formavam o tripé de orientação dos
estudos da ocasião:
A Geografia Norte-Americana teve suas origens ligadas
primordialmente às ciências naturais, especialmente a
Geologia, que, no último quartel do século XIX, gozava de
grande prestígio e se afirmava como uma ciência voltada
para o levantamento sistemático dos recursos do subsolo
em fase a industrialização crescente. Secundariamente,
foi influenciada pela antropogeografia alemã e, em menor
escala, pela Economia, interessada na ampliação do
comércio internacional norte-americano (CORRÊA, 1989,
p. 114).
Inicia-se um movimento forte com críticas ao determinismo ambiental
nos Estados Unidos, entre 1915 e 1920, período em que se formou a idéia que
a visão determinista ambiental não se vinculava mais nos estudos científicos da
época. Na década de 1920, surgem vetores que recusam o padrão
determinista, um desses vetores era o de Sauer, por meio de suas teorias em:
Morfologia das Paisagens.
Como já referido, os estudos de Sauer e a Geografia Cultural iniciou-se
com a publicação de seu artigo, precisamente no ano de 1925, a geografia
norte-americana constrói seu renome inicial devido a dois autores: Ellen C.
Semple5, aluna de Ratzel e fundamentada em um determinismo rigoroso, onde:
"(...) todos os fenômenos de desenvolvimento social eram associados às
condições do meio ambiente, resultante de leis invariáveis e gerais" (GOMES,

5
Geógrafa norte-americana, seus trabalhos associados a antropogeografia e ambientalismo,
trabalhos com interesses predominante no determinismo ambiental, a teoria de que o ambiente
físico, ao invés de condições sociais, determina a cultura. No entanto, seu trabalho mais tarde
enfatiza influências ambientais em oposição ao determinismo do ambiente sobre a cultura,
refletindo descontentamento acadêmico.

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2011a, p. 229) e W. Morris Davis6 com uma teoria biológica que coloca as leis
de desenvolvimento da geomorfologia a partir da idéia de ciclos vitais, que fora
aceita durante muito tempo, a teoria científica que admitia explicar as diferentes
paisagens, bem como as suas formas e processos. Essas idéias, com a
perspectiva determinista permearam até os anos 20 do século XX.
Interessante é que neste século, até os anos 1930 foi a separação
construída, que segundo Gomes (2012) "aparentemente incontornável" do
ponto de vista regional e geral da Geografia. Para Sauer essas disputas
impediam uma integração estrutural das pesquisas geográficas. Ao criticar o
determinismo, a geografia passou a ser questionada e bem fragmentada, sem
uma integração e um método sucinto. As propostas de Sauer são a tentativa de
resolver os problemas que a geografia encontrava, ou seja, suas dualidades e
a ausência de um método objetivo adequado. O artigo "A morfologia da
Paisagem" é a obra que se oferece um método e um objeto a Geografia que
até então, fundamentava-se com um objeto de diferentes pontos de vista, não
se limitando ao evidente, como as outras disciplinas. Deste modo, entendemos
que a obra de Sauer propõe um novo método e um novo objeto à Geografia.
Para Sauer, a geografia regional é a síntese do trabalho geográfico e a
paisagem é o estudo desta síntese, ou seja, o método da geografia regional
percebe-se então que Sauer entende que o objeto da Geografia é a região e o
seu método, a análise das paisagens, suas relações e associações e a escolha
de uma metodologia correta para Sauer, às dicotomias como geral e particular
seriam superadas: "pela descrição de "formas" (GOMES 2011, p.233), são
frutos de observações confrontadas e manifestam: "uma estrutura invariável
que tem importância generalizada" (GOMES 2011, p.233).
Portanto, "as formas são a expressão local e empírica de um sistema
abstrato funcional-lógico" (GOMES 2011, p. 233). Na idéia de Sauer, nota-se
que a geografia regional é substancial, ela reafirma relações globais e gerais,
contudo, entende-se que as paisagens são informações primárias da

6
Geógrafo norte-americano, muitos o consideram o "pai da geografia americana" devido ao
seu incessante trabalho no estabelecimento da geografia como um disciplina acadêmica, pela
sua influência no progresso da geografia e geomorfologia

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observação empírica e simultaneamente tornam-se produtos teóricos finais da


pesquisa geográfica pela aplicação das lógicas genéticas e ordenadas.

4- A Nova Geografia Cultural: a crítica ao modelo de cultura


Até a década de 1950 os estudos dos geógrafos culturais tiveram essas
orientações, a cultura sendo o fator condicionante para as transformações do
homem nas áreas. A geografia cultural provocaria diversas críticas procedentes
de várias direções, até mesmo de geógrafos regionais como Richard
Hartshorne e sua crítica à geografia cultural por só preocupa-se com um
elemento (a paisagem) que se inter-relacionam nas áreas. Dentre essas
críticas, apontamos a que explana o conceito de cultura utilizado por esta
vertente.
Em outras palavras, os geógrafos culturais estariam mais
voltados para fenômenos de divergências do que
convergência cultural, esta sendo associada a uma certa
homogeneização de grupos sociais sob o impacto da
expansão capitalista. Daí seus interesses voltarem-se
para estudos em áreas culturais "não-ocidentais"
(CORRÊA, 1989, p. 119).

Os geógrafos culturais eram muito seletivos em seus estudos, bem


como os extensos estudos sobre religião em relação aos estudos sobre
línguas, além da melhor compreensão sobre os aspectos materiais e a
negligencia dos aspectos não-materiais. Porém, a crítica que consideramos
mais importante e que apontou uma nova direção para a geografia cultural foi
àquela associada ao conceito de cultura, com profundas críticas de
antropólogos. Esse padrão cultural é entendido como uma entidade supra-
orgânica, fundamentado por Herbert Spencer, segundo Corrêa: "pai do
darwinismo social” (1989, p. 119) e concebido por Alfred Kroeber e Robert
Lowie no início do século XX. Para explicar o conceito de cultura, nos
apoiaremos em James Duncan, o autor faz uma crítica ao modelo de cultura
utilizado até então pelos geógrafos culturais.
O modelo cultural supra-orgânico foi desenvolvido no seio da
antropologia americana com Alfred Kroeber e posteriormente utilizado por

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Robert Lowie, em uma tese que consistiu na autonomia da cultura, conforme


aponta: "Este trabalho marcou o início do determinismo cultural na antropologia
americana, uma perspectiva que só começou perder vigor nos anos 1950"
(DUNCAN, 2001, p. 67). A realidade é composta por estágios, a base é
inorgânica, segue para orgânica, que por sua vez é vestido por um estágio
psicológico e por fim o estágio cultural está interligado, porém separados por
áreas de investigação, possuem suas particularidades e casualidades. Não
havendo como transferir uma explicação de um estágio para o outro. Duncan
(2001) aponta que os autores preocupam-se com a relação entre o indivíduo e
o meio social supra-orgânico, em parte, uma tentativa de distinguir a
antropologia, da psicologia e sociologia, mantendo foco na cultura como
independente da realidade.
A partir do final da década de 1970 e a década seguinte, a geografia
cultural incidiu por um procedimento de renovação, calcada da tradição da
Escola de Berkeley e o conceito de supra-orgâncio que os geógrafos culturais
adotaram é profundamente criticado. Essa década é marcada pela nova forma
de analisar a cultura. Essa crítica é feita por geógrafos como o referido acima,
James Duncan e Denis Cosgrove.
Vivemos em um mundo repleto de significados, que são expressos, por
meio de símbolos culturais e nossas práticas são expressas na paisagem. Vai
dizer Cosgrove (2012) a geografia nos cerca. A geografia humana deve
direcionar seus estudos seguindo dois pressupostos: a que o autor vai
denominar de "mágica da geografia", compreender a vida humana e suas
expressões na paisagem humana, mostrando que a geografia existe para ser
contemplada. Segundo o autor, essa mágica é esquecida devido ao
funcionalismo objetivo de explicação geográfica, são: "(...) as paixões
inconvenientes, às vezes assustadoramente poderosas (...)" (COSGROVE,
2012, p. 222), que influenciam nas ações humanas, ou seja, as ações morais,
religiosas, sexuais, patriótica e políticas. Segundo o autor essas ações
influenciam no comportamento diário dos indivíduos e a geografia humana
nega ou ignora. Devido a isso, a geografia negligencia muitos significados
contidos na paisagem humana.

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Para Cosgrove (2012), há uma relação entre cultura e poder, pois os


indivíduos vivem em sociedades, são compostas por subdivisões, bem como
classe, etnia, sexo, etc. Essas divisões são decorrentes, da divisão territorial do
trabalho, acarretando em diversas posições aos indivíduos perante uma
sociedade, tais posições implicam em consciência e experiências diferentes,
assim culturas diferentes. Existe em uma sociedade o conflito na paisagem
humanizada entre a cultura dominante e as culturas alternativas.

5- A vertente Humanista e a Geograficidade de Eric Dardel


Nos últimos anos o humanismo vem sendo a grande influência nas
ciências sociais, onde fez surgir uma vasta diversidade de concepções. Grande
parte de obras que seguem esta orientação metodológica, vem por influenciar
no conhecimento geográfico. Obras sociológicas, filosóficas, fenomenológicas
e até literárias. Causando a ausência de um "programa unitário" (GOMES,
2012, p. 304), uma incoerência que caracteriza trabalhos de geógrafos que
seguem o humanismo. Caracteriza-se por uma diversidade que é interpretada
por um ecletismo espontâneo, em função do novo contexto crítico das ciências
sociais. Seguindo na direção dominante na atualidade que busca a não
exclusão de nenhum acesso para não haver risco de limitação e
empobrecimento nas pesquisas. O ecletismo acaba por criar certo equívoco, no
que diz respeito às propostas, métodos e abordagens. Mas do que impreciso,
os discursos humanistas entre si, a cada passo são carregados de
contradições e oposições (GOMES, 2012). Cada aspecto busca fixar a
superioridade de um ponto de vista na tentativa de fundar o humanismo
adequado e em grande parte os pontos de vistas se tornam excludentes
reciprocamente.
Gomes (2012) relata que a conduta das escolas de pensamento, é
sempre a mesma, primeiramente surge a crítica, para melhor assegurar
adiante, a elevação de um novo ponto de vista para a ciência. Mas na
geografia humanista, se há o acordo em contestar o modelo científico anterior,
não há um consenso em torno de um novo modelo a seguir. No entanto, o
espaço de grande importância para geografia, é considerado simultaneamente

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um processo histórico concreto, possuindo um volume real e físico ou como


uma construção simbólica associado aos sentidos e idéias (GOMES, 2012) e
entre essas duas maneiras, encontram-se múltiplas concepções.
De grande importância para os estudos culturais é a obra de Eric Dardel
intitulado: "O Homem e a Terra: a natureza da realidade geográfica"
fundamenta-se no debate em defesa da geografia como a relação entre o
indivíduo e a superfície terrestre, denominada de "geograficidade", uma relação
visceral que implica na existência e destino do indivíduo (DARDEL, 2001, p.1).7
O espaço geográfico é homogêneo e indefinido, é dono de espaços
individualizados e o indivíduo com suas realizações nos lugares oferecem as
singularidades. O conhecimento geográfico se apóia com base na etimologia: a
descrição da Terra. Esse termo grego que propõe a superfície terrestre como
uma escritura a ser decifrada, onde as aparências terrestres, ou seja, os
relevos, os rios, os oceanos, etc. são símbolos deste texto, logo: "O
conhecimento geográfico tem por objeto esclarecer esses signos, isso que a
Terra revela ao homem sobre a condição humana e seu destino" 8. O papel da
descrição é ressaltado junto ao da imagem. O geógrafo ao observar e
descrever a Terra, relatando as feições que nesta há, faz uma analogia a um
poeta escrevendo uma poesia, ou seja, uma escrita literária da Terra.
Dardel (2001) afirma que "muito mais que uma justaposição de detalhes
pitorescos, a paisagem é um conjunto, uma convergência, um momento vivido,
uma ligação interna, uma impressão, que une todos elementos"9 . A paisagem
é um reflexo da condição social dos indivíduos e comporta uma marca da
vivência do mesmo, logo: "A paisagem pressupõe uma presença do homem,
mesmo lá onde toma forma de ausência. Ela fala de um mundo onde o homem
realiza sua existência como presença circunspeta e atarefada" 10.

7
DARDEL, 2001, p.10. A primeira publicação de “O homem e a Terra” data de 1952, escrita
pelo professor Eric Dardel, esta obra ficaria esquecida por vários anos, até ser redescoberta
nos anos de 1970 por Y-Fu Tuan e Eduard Relph.
8
Op. cit., p.2.
9
Op. cit.
10
Op. cit. p.32.

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6- Conclusões
Neste artigo foram postos suportes bibliográficos que acreditamos
oferecer uma base teórica da evolução da categoria paisagem no decorrer das
correntes do pensamento geográfico e seus respectivos vetores. Contudo,
entende-se que os três vetores surgiram de críticas. Carl Sauer iniciou com a
crítica a sua formação, ao determinismo ambiental, propondo novos estudos e
sua preocupação com a modernização da ciência geográfica, que veio a
influenciar em diversos estudos, assim como nos planos do sistema capitalista,
sobretudo no imperialismo dos EUA, onde esta corrente baseava-se no método
observação/descrição. Em contrapartida, a Nova Geografia Cultural que
igualmente surge de críticas a esses métodos, assim como o padrão de cultura
fundamentado pela visão positivista, o denominado "supra-orgânico". Por fim, a
vertente humanista busca valorizar as experiências da existência e as
interfaces com as obras de arte analisadas a partir das representações no/do
espaço.

A cultura não é só algo materializado nas paisagens, mas uma condição


social, sujeito a diversas interpretações. Não obstante, essas interpretações
podem ser expressas pela música, pelos filmes, pelas fotografias, ou seja, a
interface com as manifestações artísticas e culturais que vem a ser algo
subjetivo e sujeito a múltiplas interpretações. Assim acreditamos serem essas
as dissonâncias da Geografia Humanista Cultural.

REFERÊNCIAS
CLAVAL, Paul. A paisagem dos geógrafos. In: CORRÊA & ROSENDAHL.
(Orgs.). Geografia Cultural: uma antologia (1). Rio de Janeiro: EdUERJ,
2012.
DUNCAN, J. S.O supra-orgânico na geografia cultural americana. In: CORRÊA
e ROSENDAHL (Orgs.). Introdução à Geografia Cultural. Rio de Janeiro:
EdUERJ, 2014.
CORRÊA, R. L. Carl Sauer e a geografia cultural. Revista Brasileira de
Geografia (IBGE), Rio de Janeiro, v. 51, n.1, p 113-122, jan/mar. 1989.
COSGROVE, Denis. A geografia está em toda parte: cultura e simbolismo nas
paisagens humanas. IN: CORRÊA, R. L.; ROSENDAHL, Z. (Orgs.). Geografia
Cultural: uma antologia. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2012.

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DARDEL, Eric. O homem e a terra. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2001.


GOMES, Paulo C.C. Geografia e modernidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2011.
SAUER, Carl. A morfologia da paisagem. In: CORRÊA, R. L. e ROSENDAHL,
Z. Geografia Cultural: uma antologia (1). Rio de Janeiro: EdUERJ, 2012.
SEGA, Rafael A. O conceito de representação social nas obras de
Moscovici e Jodelet. http://www.ufrgs.br/ppghist/anos90/13/13art8.pdf, acesso
em 18 de setembro de 2014.

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