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MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

HISTÓRIA DA POLICIA
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HO RIO DE JANEIRO
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ASPECTOS DA CIDADE E DA VIDA CARIOCA
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-V' (1831-1870)

Editora A NOITE • Rio de Janeiro


ALGUMAS opiniões sobre
A

Kbiériâ ia PtlSela á® BI®


d» Janslro
(VOLUME DE 1565 A 1831)

"Evidentemente o crítica
da Brasil, pelas suas figuras
mais renornadas, soube com­
preender e coroar com seus
aplausos os autores da im­
portante obra. A mim, teste­
munha que fui, com Rober­
to Seidl, do entusiasmo com
que Mello Barreto Filho, um
de seus autores, me falava
de sua obra, é duplamente
satisfatório registar o apa­
recimento d e s t e primeiro
tomo".
Nóbrega de Siqueira

"Ao cabo de larga e mila­


grosa excursão, que somente
a inteligência é capaz de
conceber e realizar, Mello
Barreto Filho e seu compa­
nheiro escreveram a HISTÓ­
RIA DA POLÍCIA DO RIO
DE JANEIRO.
Especialista na matéria, o
professor Mello Barreto Fi­
lha sabia de antemão que na
instituição a ser estudada se
refletiriam grandes trechos
ría própria história do país.

"Com a publicação do pri­


meiro volume, os autores as­
sumiram a responsabilidade
do remote do trabalho mo­
numental, Venceram a jor­
nada inicial.
Andre Corrazxoni
MELLO BARRETO FILHO
e H E R M E T O L I M A

HISTORIA DA POLICIA
DO

RIO DE JA N E IR O
ASPECTOS DA CIDADE E DA VIDA CARIOCA

1831-1870

PREFÁCIO DE FELISBERTO BATISTA TEIXEIRA

EMPRESA A NOITE / RIO DE JANEIRO


ÍDcaçâo da (/Jamília do fDes. Seoerino dlíves de Sousa
Há muitas vezes na história, ao
lado dos fatos públicos, outros
sucedidos nas trevas, os quais
frequentemente são a causa ver­
dadeira daqueles, e que os ex­
plicariam se fossem revelados.
A L E X A N D R E H ERCULANO
A
Estêvão Pires Ferrão
Paulo César de Andrade
Henrique Brito e Cunha
e Alcides Senra

— Como expressão de constante reco­


nhecimento e afetuosa admiração —

D E D IC A M O S ÊSTE VOLUM E
Quando iniciamos a publicação da H istó ria da P olícia
do R io de Jan eiro , escrevemos, no volume que abrange
os anos de 1565 a 1831, as seguintes palavras:

Foi em 1930 que tivemos a lembrança de es­


crever a H IS T Ó R IA D A P O L ÍC IA DO R IO
D E J A N E IR O . A o cabo de um ano. já havia,
para isso, um punhado de notas e achegas, de
gravuras e documentos vários, que poderíamos
considerar elementos suficientes para a elabo­
ração da obra projetada.
Seria, ao que tínhamos imaginado, um vo­
lum e de 250 a 300 páginas, agasalhando episódios
ocorridos num período de quase 400 anos, to­
mando-se como ponto de partida a data da fu n ­
dação da cidade.
Traçado, porém, o roteiro definitivo, verifi­
cámos que a jornada ia ser m uito áspera e que
os caminhos a percorrer seriam, como foram, na
maioria das vezes, estreitas e tortuosas trilhas,
de chão pedregoso, ou de urzes tapetado, algu­
mas quase intransponíveis...
Enquanto, dias e noites, no silêncio claustral
das bibliotecas, procurávamos decifrar uma con­
tradição cronológica, ou tentávamos esclarecer
divergências entre textos consultados, ou pe­
díamos luzes aos grandes cronistas do passado,
aos nossos ouvidos de velhos poetas im peniten­
tes, ressoava, tentadora e irresistível, a plangen­
d a de um verso:
MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

A jornada era longa e desabrida...


E era o caminho alcantilado e vário. . .
Mas, fervoroso, incauto e temerário,
E u fu i galgando, aos poucos, a su b id a ...

Com a publicação dêste volume, chegamos à


encosta da m ontanha. . .
Abrange êle o período que vai de 1565 a 1831
— da fundação da cidade de S. Sebastião do Rio
de Janeiro aos momentos tormentosos da R e­
gência. E m época, que, esperamos, não será
m ui remota, outros volumes virão na seguinte
ordem :
De 1831 (R egência) a 1889 — (E m preparo).
De 1889 (Proclam ação da R epública) a 1930.
De 1930 (R evolução) a 1940.
Da primeira idéia à realização da obra, per-
cebe-se não fo i pequena a modificação operada
no ânimo dos autores. E m lugar de um só livro
de 300 páginas, serão quatro, de cêrca de 400,
cada um.
E, como, no decorrer do trabalho, os assun­
tos policiais versados, fôssem articulando os
mais variados fatos da vida carioca, pondo em
relêvo aspectos interessantíssimos da cidade, —
a tarefa, pouco a pouco, inevitavelm ente, fo i
aumentando de vulto, ora fotografando cenas e
MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA 7

costumes, ora esboçando ambientes caracterís­


ticos, ora salientando personalidades e aconte­
cim entos de maior projeção nos diversos setores
da atividade social, tudo, sempre, ou quase sem­
pre, direta ou indiretamente, relacionado com
o poder de polícia, quer em sua feição arbitrária
dos primeiros tempos, em que os poderes se
confundiam, quer sob o conceito hodierno de
“manifestação do poder publico tendente a fazer
cum prir o dever geral do indivíduo”, na clássica
e judiciosa expressão de Oto Mayer.
Dessa ampliação, a que fomos levados insen­
sivelm ente, resultou, bon gré, mal gré, não ape­
nas a H istória da Polícia, mas a H istória da
Cidade e da Polícia do Rio de Janeiro.
Desviados, assim, do rumo inicial, tantos
anos empenhados em pesquisas esfalfantes, ain­
da cobertos da insidiosa poeira dos arquivos,
teremos sido, como o sonhador de Canaã ,
apenas “fervorosos, incautos e temerários”, e, na
tentativa dessa escalada perigosíssima, avistare­
mos a Terra Prometida?
Se tivéssemos formulado esta indagação há
dez anos passados...
Agora, é im possível retroceder.
Bem ou mal sucedidos, a boa vontade fo i
enorme, fo i tudo, neste ousado empreendimento.
Excusado será dizer, muito nos valemos de
fontes autorizadas, buscando, sequiosamente,
orientação e apoio nas páginas dos mais lum ino­
sos mestres da História Pátria. Invocando-os e
8 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

seguindo-lhes as pegadas, fo i que conseguimos


vencer obstáculos que se nos afiguravam in ­
transponíveis, com a vantagem de haverem êles,
na ajuda que nos prestaram, suprido, com o que
lhes sobejava, o que a nós nos falecia.
Se nos fôsse permitido ambicionar recom­
pensa, seria a de pretendermos que, aos pés do
A lta r da Pátria, no momento memorável, que se
aproxima, da solenização do meio século da R e­
pública Brasileira, fôsse êste trabalho homena­
gem digna da memória ale todos os varões ilus­
tres, que tantos foram, e que tanto engrandece­
ram a Terra de Santa Cruz.

Agora, quase três anos decorridos, damos cumprimento


à promessa feita : — outro volume aparece. Mas houve ne­
cessidade de modificação nos períodos em que se divide a
obra. Não fo i possível incluir aqui matéria que alcançasse
além de 1870. Isto importaria na apresentação de um livro
de mais de 600 páginas — o que, sob m últiplos aspectos,
reputamos inconveniente.
O volume que deveria chegar ao momento da procla­
mação da República, todavia, já se acha no prelo e será
dado à publicidade nos primeiros meses do ano próximo
vindouro, abrangendo a época de 1870 a 1889. Os assuntos
que o mesmo encerra estão antecipadamente indicados ao
leitor nas páginas finais da presente edição.

Rio de Janeiro — 1942.

OS A U T O R E S .
PREFÁCIO

O momento presente é demasiado febril e ver­


tiginoso para que, mesmo os que se preocupam com
as cousas do espírito, se detenham no prefácio de
um livro, retardando, assim, a curiosidade e o pra­
zer de penetrar no seu âmago e gozar os encantos
de sua leitura. Por isso, julgo os prefácios literá­
rios, senão inúteis, pelo menos enfadonhos e impor­
tunos, salvo quando constituem espécies de cartas
de apresentação pública firmadas por grandes vul­
tos literários e destinados a recomendar os inicia­
dos nas letras e preparar sua aceitação por parte
dos leitores.
No caso presente, porém, esta última hipótese
fica afastada. Nem eu preencho requisitos para
apresentar quem quer que seja à consagração lite­
rária, nem os autores desta obra são principiantes
a carecer de qualquer recomendação que lhes faci­
lite a aceitação benevolente do público.
Fica, pois, de pé a primeira hipótese. Êste pre­
fácio é inteiramente dispensável e completamente
inútil, e eu sou o primeiro a convidar o amigo leitor
a lhe abandonar sua leitura — se é que a tanto se
10 PREFÁCIO

aventurou — e saciar sua curiosidade e sêde de pra­


zer espiritual, diretamente no texto da magnífica
História da Polícia do Rio de Janeiro, que a clara
inteligência de Melo Barreto Filho, com a colabo­
ração do ilustre cronista Hermeto Lima, acaba de
produzir, em continuação ao primeiro volume cuja
edição inicial já se encontra quase esgotada, o que
lhe constitue, por si só, a melhor afirmação de êxi­
to e a maior garantia para êste segundo volume.
Meu nome por baixo dêste prefácio não teria,
pois, qualquer explicação. Entretanto, tratando-se
de uma obra histórica sôbre a Polícia do Rio de
Janeiro, onde por tantos anos mourejou Melo Bar­
reto Filho, quis êle, certamente, prestar uma home­
nagem ã atual administração sob cuja chefia ser­
viu, tendo assim ocasião de lhe conhecer e apreciar
as falhas e virtudes.
Para o primeiro volume escolheu o major Fi-
linto Müller, nome, sob todos os títulos ilustre e
digno do maior respeito e admiração dos brasilei­
ros pelos magníficos e incomparáveis serviços
prestados à Pátria com uma devoção, espírito de
renúncia e patriotismo verdadeiramente excepcio­
nais.
Agora, caráter franco e coração bondoso, Melo
Barreto Filho quer ver o meu modesto nome liga­
do ã sua obra, retribuindo, dêsse modo, com o calor
de sua amizade e o brilho de seu talento, algumas
poucas considerações que lhe dispensei quando
meu auxiliar na Diretoria Geral de Comunicações e
Estatística, esquecendo, generosamente, que muito
PREFÁCIO 11

maiores serviços prestou à minha administração,


dando-lhe todo seu esforço de funcionário culto,
trabalhador e probo e todo o magnífico esplendor
de sua inteligência de literato consagrado. Fica,
dêsse modo, explicada a existência de prefácio nes­
te segundo volume. E se alguém não puder ver pre­
fácios sem os ler, como há quem não possa ver cou­
ves sem comê-las, embora sujeitando-se a ter indi­
gestão, que se queixe não de mim mas do próprio
autor da obra, fazendo-lhe vêr que em assuntos
desta natureza o coração fica de lado e apenas a
inteligência opera soberana e só.
Feita esta breve explicação a título de justifi­
cativa, não me furto ao prazer egoístico de tecer
um rápido comentário a êste esplêndido livro de
Melo Barreto Filho e Hermeto Lima.
Obra histórica da organização e atividades da
Polícia do Rio de Janeiro, não lhe faltam os dois
atributos indispensáveis: autenticidade dos fatos
dentro do princípio cronológico e unidade do con­
junto na tecedura complexa dos acontecimentos.
Além disso, o cunho episódico da narração, a
indiscrição maliciosa de certos instantâneos de
ante-câmara, ao lado de quadros vigorosos de acon­
tecimentos políticos, dão-lhe um feitio literário de
sabor original e vivo que torna a leitura leve e ame­
na, ao contrário das obras exclusivamente históri­
cas de feitura pesada e massiça, mais próprias aos
estudos de gabinete dos especialistas e eruditos da
ciência histórica.
A Polícia é uma criação da Civilização... evol­
vendo com ela e adquirindo novas formas de de-
12 PREFÁCIO

senvolvimento, como um órgão que se vai especia­


lizando para o melhor desempenho da função, den­
tro do organismo cada vez mais complicado do E s­
tado moderno.
Estudar a Polícia é, pois, quase estudar o país
a que pertence, sendo certo que é estudar o govêr-
no a que serve, porquanto são muito poucos os fatos
políticos que deixam de ter sua repercussão dentro
das atribuições policiais, pois não é a Polícia so­
mente o órgão de repressão às atividades crimino­
sas, mas, principalmente, o aparêlho de defesa do
Estado e da Sociedade.
Assim o compreendeu Melo Barreto Filho. E
por isso seu livro é um repositório histórico da vida
do Rio de Janeiro, no longo período que se inicia
com a instituição da Regência.
Que época magnífica de ensinamentos histó­
ricos encerram êsses oito lustros da vida brasileira!
Com a instituição da Regência, pode-se dizer
que implantamos o primeiro govêrno genuinamen­
te nacional e que de fato obtivemos nossa emanci­
pação política.
Não foi, contudo, sem sofrimentos e sacrifícios
que demos passo tão decisivo.
Todo o tempo a Regência foi caracterizado
por agitação e revoltas em diversas regiões do Bra­
sil. A unidade nacional constantemente ameaçada
pelas forças desagregadoras dos regionalismos,
graças à energia máscula de um Feijó e à espada
invencível de um Caxias, conseguiu impor-se e
triunfar, podendo os homens dêsse período entre­
gar a Pedro II a Pátria una e indissolúvel, como

1
PREFÁCIO 13

um grandioso legado digno da memória de seus


autores.
E tudo isso, ou teve nascimento no Rio de Ja­
neiro, ou aí teve sua repercussão natural e lógica,
atuando sobre o govêrno e sobre os homens de res­
ponsabilidade, ou deles recebendo a orientação e
o comando que, por sua vez, iam produzir decisões
concretas nas mais longínquas regiões do território
nacional.
Embora incipiente e quase sem organização, a
Polícia sofria os efeitos dos acontecimentos e sôbre
êles influenciava; eis, porque, sendo êste livro um
estudo histórico da Polícia, também o é da vida
pública da capital do país e, sob certos aspectos, do
próprio Brasil.
Segue-se após, o longo govêrno do segundo
Imperador. Período relativamente calmo da vida
política brasileira, nele se consolidou, adquirindo
vigorosa consistência, a unidade da Pátria e se fun­
dou propriamente, a vida administrativa brasileira,
organizando-se em bases nacionais os diversos
órgãos governamentais.
Não faltaram ao segundo Império grandes e
históricos acontecimentos para lhe balizar longa
trajetória de meio século. O que dá mais grandeza
a êsse período é, porém, o ter apertado para
sempre os laços de unidade nacional de maneira
tão forte, que nem os quarenta anos da inconsciên­
cia dqsagregadora das “pequenas pátrias” positi­
vistas da primeira República, conseguiram quebrá-
los, embora nos tenham entregue, pela fôrça da
Revolução triunfante de 30, bastante rôtas e incon-
14 PREFÁCIO

sistentes a êsse grande e providencial estadista —


Getulio Vargas — sob cujo govêrno as verdadeiras
tradições históricas da vida pública brasileira, re­
tomaram seu curso, salvando-se, novamente, e des­
ta vez para a perpetuidade da História, a unidade
nacional.
Durante o período governamental de Pedro II
a Polícia sofreu várias reformas, procurando adap­
tar-se às novas circunstâncias da época. Foram
criadas as delegacias auxiliares, designação que
até hoje conservam, o que mostra o acêrto da me­
dida. Nomes dos mais ilustres na vida política do
país passaram pela chefia da Polícia, procurando
todos imprimir à repartição métodos mais mo­
dernos de ação e de trabalho; e assim foi até à pro­
clamação da República, de modo que a Polícia foi
sofrendo transformações constantes de acordo com
o desenvolvimento do próprio organismo estatal
a que pertence, sempre esforçando-se por serví-lo,
defendê-lo e preservá-lo de agressões e abalos, con­
firmando, dêsse modo, concretamente, que ela não
é apenas um aparelho repressor das atividades ilí­
citas contra a Sociedade, mas também um órgão de
defesa do Estado.
Essa tese deve ser suficientemente esclareci­
da, para que se compreenda porque é a Polícia o
órgão mais combatido e visado por certos partidos
extremistas de fins exclusivamente revolucio­
nários.
É que a Polícia é o cinturão defensivo do E s­
tado e principalmente do Estado moderno. Por isso
precisa ser enfraquecido, desmoralizado e destrui-
PREFÁCIO 15

do como primeiro passo para a destruição do pró­


prio Estado e da Sociedade que êle encarna.
Essa é a razão por que, tanto os comunistas,
como os totalitários, voltam sua luta e concentram
todos seus meios de destruição contra a Polícia.
Foi, também, a razão por que os republicanos
de 89 procuraram atingir a organização policial da
época, desmoralizando-a e impedindo, assim, de­
fendesse o regime com a plenitude da fôrça de
que dispunha.
Os exemplos do passado devem servir de en­
sinamento aos dirigentes de hoje. Se a República
nos convinha e era um imperativo histórico do
povo brasileiro dentro da comunidade republicana
da América, não quer dizer que certas doutrinas
revolucionárias o sejam hoje. Muito pelo contrá­
rio. Tanto o extremismo da direita como o da es­
querda são aberrações à legítima tradição política
brasileira, e como tais devem ser combatidos. Para
êsse combate, a Polícia deve estar sempre na pri­
meira linha, mas para isso precisa, não só de meios
adequados, mas também do indispensável apoio
moral do povo que deve ver nela um órgão de sua
defesa, como realmente o é, e não um aparêlho
opressor, como hábil e maquiavelicamente procla­
mam os propagandistas do extremismo e seus ve­
nenosos simpatizantes, tentando, por êsse modo,
incompatibilizá-la com a opinião pública, afim de
melhor atingir a destruição da própria Sociedade
e do Estado.
Nada mais ilustrativo à inteligência do que a
História! É ela a recapitulação da vida do homem
16 PREFÁCIO

e de suas instituições em determinada época. Nada


tão iecundo e rico em ensinamentos de tôda espé­
cie! Vêr como nasceram, se processaram e realiza­
ram certos acontecimentos em determinado mo­
mento do passado é adquirir experiência para a so­
lução de acontecimentos presentes ou futuros. E s­
tudar a vida pregressa dos povos é conhecer a di­
reção geral de seu desenvolvimento e poder prever,
dentro das contingências humanas, o sentido pro­
vável de sua evolução ulterior.
A História da Polícia do Rio de Janeiro é uma
grande e verdadeira história da instituição policial
desde seu nascimento; é uma pequena e interessan­
te História do Brasil, ou melhor, um condensado
histórico da vida do Brasil, desde a fundação da
cidade do Rio de Janeiro.
E agora o leitor que se aventurou a digerir êste
prefácio, que corra sem demora à leitura dêste
magnífico livro e, com êle aprendendo a conhecer
os serviços que essa caluniada instituição pública
tem prestado ao Brasil e à Sociedade, aprenda tam­
bém a respeitá-la e amá-la como a melhor e mais
segura guardiã de seu sossêgo e de sua liberdade.

Rio de Janeiro — 1942.

Felisberto Baptista Teixeira.


HISTÓRIA DA POLÍCIA
DO RIO DE JANEIRO

O Rio de Janeiro durante o período


regencial — A specto geral — Instabili­
dade social — Frias e Vasconcelos lê o
decreto da Abdicação — Panorama polí­
tico Relatório do Ministério da Justiça
A imprensa usa linguagem violentís­
sima -—Alguns empreendimentos de vulto
Figuras de alto relêvo no cenário da
vida nacional — (1831-1840).

O chamado período regencial, que vai de 7 de A bril


de 1831 a 23 de Ju lh o de 1840, foi o m ais som brio na vida
do país. Como disse João R ibeiro, “ nunca o B rasil atraves­
sou período tão d ifícil e calamitoso, e, se o coração do país,
São Paulo, M inas e Rio, não lhe desse o n u trie n te alim ento
da paz, como na g uerra da independência, é certo que nau­
frag aria.”
Na prim eira daquelas datas, perante o povo e a tropa
reunidos no campo da Aclamação, M iguel de F rias e V as­
concelos leu o decreto firm ado por d. P edro I, abdicando
em seu filh o o tro n o do Brasil.
Uma das prim eiras ten tativ as dos p atrio tas m ais ex alta­
dos foi obter a m udança do nome daquele logradouro pú­
blico pelo de campo da H onra.
a
18 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

Em bora sem choque e sem violências, o ato da A bdica­


ção foi assinalado pela m orte de um cidadão b rasileiro,
M anuel de A g u iar B randão, vitim ado por uma bala, na
ocasião em que ouvia a le itu ra do decreto.
Q uanto ao panoram a p o lítico do m om ento, assim se
m anifesta M anuel A lves B ranco, em seu relató rio do M i­
n isté rio da J u stiç a :
“ E u concluirei, finalm ente, senhores, repetindo-vos o
que já uma vez inculquei e é que agora m ais do que nunca
aparece a u rg en te necessidade de um poder inacessível às
in trig a s locais, im parcial e fo rte, contra quem nada possam
os chefes irreg u lares de m inorias tu rb u len tas. D esenganai-
vos! Não é a fôrça da razão, não é a da civilização, não é a
do progresso que m ina as en tran h as de um govêrno de tir a ­
nos. Não. Ao povo do B rasil não é negado algum d ireito .
A s nossas revoluções atu ais não têm nada de idealism o ou
de filan tro p ism o ; o seu caráter é som ente o de paixões fe­
rozes, de vícios infam es, de b ru ta estupidez e de bárbara
insolência. D ecidi, pois, se a p retex to de despotism os p re­
sum idos do govêrno, devem nossos concidadãos co n tin u ar
a so frer efetivos despotism os de tu b u rlen to s cegos e fe­
rozes.”
E m m em orável conferência realizada h á vinte e cinco
anos no In s titu to H istórico, com aquela m aestria incom pa­
rável até agora não superada, conta o inolvidável V ieira
F azen d a: “ A prim eira fase dêsses nove anos foi, p rin cip al­
m ente, o tem po das rusgas, dos fecha-fechas, da g u erra aos
papeletas. Não havia sossêgo nem tranq u ilid ad e. Ao som
das m atracas acudiam os guardas nacionais para fazer fre n ­
te a d istú rb io s de tôda a ordem. B oatos alarm antes circ u la­
vam sem cessar, com pelindo as fam ílias ao abandono dos
centros povoados para se refu g iarem longe do bulício dos
* am otinadores. P o r sua vez os capoeiras, cedendo aos m áus
in stin to s, assassinavam a tô rto e a d ireito , visando, com
especialidade, os p ortugueses natos e até os adotivos, que
haviam abraçado a nossa Independência. P ululavam os c ri­
m es e, para reprim í-los, os governantes não encontravam
nas leis os indispensáveis m eios coercitivos. M uitos dis-
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 19

cursos, m uitos pareceres, m as nada de p rático para pôr um


dique à g an g ren a m oral que avassalava o B rasil. Q uem se
não recorda, por exem plo, das proezas do fam igerado
Pedro Espanhol e da horda de canibais autores da célebre
trag é d ia da ilha da C aqueirada e os da escuna Santa Clara?
P ara escarm ento de ta n ta m aldade a forca perm anecia a r ­
m ada no largo do Capim, hoje praça G eneral Osório, só se
estragando com o tem po, até que A ureliano C outinho a
m andou re tira r dali, por serv ir apenas de brinquedo aos
desocupados.
Os governos regenciais, como já disse, não dispunham
de m eios para opor-se a ta n to s e tão m ultiplicados d esati­
nos. A n te às exigências dos rep resen tan tes do poder
executivo, o leg islativ o cruzava os braços, em penhando-se
em discussões estéreis, in d o ao ponto de negar as p ro v i­
dências reclam adas pelo m in istro da Ju stiça !
E xcluam -se do período regencial as três figuras m agnas
de E v aristo , F e ijó e V asconcelos, secundados por m ais
alguns p a trio ta s sinceros, e quem sabe se êsses nove anos
de govêrno dem ocrático não seriam de esterilidade num a
quadra aflitiv a !
Os hom ens políticos, absorvidos pelo jogo de interêsses
p artid ário s, apresentavam -se divididos, procurando corrom ­
p e r e dando em resultado a m aior desorganização. A m igos
da véspera tornavam -se inim igos irreconciliáveis. S ectá­
rios de idéias in teiram en te opostas ligavam-se no dia se ­
guinte, co n stitu in d o uma reu n ião instável e, por isso mesm o
híbrida.”
N o u tra passagem acrescen ta: “ A nova fase p o lítica em
que en tro u o B rasil depois de 7 de A bril, caracterizada p o r
v erdad eira ebulição, devia trazer grandes embaraços aos n o ­
vos governantes. F icou abalado, como era de esperar, o
crédito p ú b lic o ; tendo à vista os deficits dos exercícios
an te rio re s; houve logo decrescim ento das rendas e d e p re ­
ciação do créd ito público. A A lfândega do R io teve em 31 a
dim inuição de quase quatro m ilhões de suas rendas. As ap ó ­
lices foram cotadas a q uarenta e cinco. J á no ano a n te c e ­
dente não havia sido paga à In g la te rra a anuidade do em-
20 M ELLO B A R R E T O F IL H O e R E R M E TO LIM A

préstim o b rasileiro. D esde 1828 fô ra suspenso o pagam ento


da dívida p o rtu g u esa, havendo-se acum ulado em quatro
anos a soma de 400 m il libras esterlinas. Na b rilh an te e eru ­
d ita co n ferên cia sobre os Financistas Brasileiros, lida na
B iblioteca N acional em 22 de D ezem bro de 1913, o sr. sen a­
dor L eopoldo de B uíhões fez um adm irável resum o das
m edidas fin an ceiras postas em p rática pelo govêrno da R e­
gência para dom inar as crises. São do ilu stre p arlam en tar
e por duas vezes m in istro da Fazenda, as seguintes p alav ras:
“ E ncerra-se em 1840 o ciclo do govêrno regencial, que, em­
bora atorm entado pelas dissenções p olíticas e sedições m i­
litares, pôde legar o restabelecim ento da ordem, a proibição
do tráfico dos negros, a carta de a lfo rria das províncias com
o ato adicional e a elim inação do cobre. O m ovim ento do
com ércio internacional que nos p rim eiros anos da R eg ên ­
cia foi de sessenta e nove mil contos, em 1840 elevava-se
a noventa e cinco m il, e as rendas, de dez mil contos tinham
subido a quinze m il contos, co n tribuindo para elas a im ­
portação com cêrca de nove mil contos e a exportação com
quase quatro m il.” T an to basta p ara ju s tific a r o p ro ced i­
m ento p atrió tico dos governantes regenciais, patrio tism o
que, na frase de Joaquim Nabuco, era in sp irad o p o r algum a
coisa do sôpro p u ritan o . “ Os hom ens tin h am nêsse tem po
outro caráter, acrescenta Nabuco, o u tra solidez, o u tra têm ­
p era; os p rin cíp io s conservavam -se em toda a sua fé e
p u reza; os ligam entos m orais que seguram e ap ertam a
comunhão, estavam ainda m ais fo rtes e intactos, e por isso,
apesar do desgovêrno, mesmo por causa do desgovêrno, a
R egência aparece como uma grande época nacional an i­
m ada.”
D u ran te o período regencial a im prensa ag ito u fo rte ­
m ente a opinião pública, sendo em pregada linguagem vio­
lentíssim a, p rincipalm ente nos jo rn ais da oposição, no n ú ­
m ero dos quais havia os seguintes pasquins: Tôrre dc Babel,
A N ova Luz, O Escalado, J urujuba. F ilho da Terra, Ver­
dadeiro Caramurú, Pai José, O Caolho, Lafuente, Lima
Surda, A Babosa, O Permanente, O A dotivo, Papeleta, Ma­
traca, O Pardo, Brasil A llito — êste ú ltim o d irig id o pelo
H IST Ó R IA DA P O L ÍC IA DO R IO DE JA N E IR O 21

p an fletário Clem ente de O liveira, que pagou com a vida a


audácia de u ltra ja r os lares m ais dignos e honrados.
De dois dêsses tem íveis pasquineiros, deu-nos os seus
retra to s E v aristo F e rre ira da V eiga: “ T irad as poucas exce­
ções, o jornalism o caram uruano do Rio de Jan eiro , cuja
variedade de títu lo s pode ao longe fazer algum ruido, d i­
vide-se em jo rn ais “ Q u eiró s” e em jo rn ais “ D avi” ; são os
srs. Jo ão B atista de Q ueirós, ex -red ato r da Matraca e do
J uru juba dos Farroupilhas, e D avi da Fonseca P in to , ex-
redato r do Poraquê e do Verdadeiro Patriota, os quais
inundam a cidade com periódicos, que de o rd in ário não
passam do q uarto núm ero. E stes dois paladinos da re tro g ra ­
dação, am bos em pregados por d. P ed ro I e dem itidos d e­
pois da revolução, ambos igualm ente notáveis pela im ora­
lidade de sua conduta, pelas ações vergonhosas com que se
têm feito conhecidos na sociedade, são, contudo, d istin to s
um do o u tro como escritores, por qualidades que denun­
ciam à prim eira vista as suas produções e que as d ife re n ­
ciam : A Lim a Surda, o Pai José, A Babosa, o Restaurador,
o Tamoio Constitucional e p arte do O Caolho e do O Per­
manente são o lote do sr. Q ueirós; pesam sôbre os ombros
do sr. D av i: o A dotivo, o Papeleta, o Brasileiro, o Pardo,
o O Andradista, o L a fuente e p arte do Bem tevi. O prim eiro
afeta a fin u ra, p ro fu n d id ad e e estilo m isterioso, p rocura
com desvêlo analogias recônditas e falsas e quer parecer
filósofo e pensador à m aneira dos cínicos m ais depravados.
O segundo tem fum os de literato , pilha F elin to E lisio e a l­
guns q u in h en tistas para te r o ar de p u rista em linguagem ,
e é sem pre declam ador e pedante. O prim eiro, não contente
com a im undície que en co n tra na su p erfície da te rra , vai
cavá-la no fundo e com esforço. O segundo contenta-se
com o que acha à su p erfície para e n feitar os seus im undos
escritos. O prim eiro, pregando a restauração e facilitan d o -
lhe os cam inhos, a cada passo m an ifesta que zomba com
papelões aristocratas, a quem a está fazendo e cujos in te ­
resses defende por um cálculo de perversidade. O segundo
aspira a ser popular e ad u lar a m u ltid ão e não pode d is­
farçar a aversão, o antigo ódio que v o ta aos b rasileiro s e a
sua sim patia exclusiva p o r tudo que é do o utro m undo. O
22 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

prim eiro encara a restauração como um m eio de chegar à


anarquia ensanguentada, ao regim e do te rro r, à dominação
dos dem agogos ferozes. O segundo olha a anarquia como
o cam inho que vai te r à restauração e à tira n ia im perial. O
prim eiro anela o p razer bárbaro de decapitar vítim as no t r i ­
bunal rev olucionário e de sacrificar à sua in v eja e raiva
negra tôdas as n otabilidades sociais, adulando para êsse fim
as paixões da populaça. O segundo conta enviar à forca e
às galés os am igos da liberdade brasileira, gozando o favor
do prín cip e, em cujo serviço se tem arrastad o tan to .1’
N o decurso do governo regencial tiv eram excução al­
guns em preendim entos de v u lto : a criação do Colégio de
P ed ro I I ; a reform a da A cadem ia de B elas A rte s; a fu n ­
dação do In s titu to H istó rico e G eográfico B rasileiro ; o es­
tabelecim ento da Com panhia N iteró i-In h o m irim ; etc.
Foram , en tre outras, fig u ras de alto relêvo no cenário
da vida nacional, nessa “ época tu m u ltu ária, em que as pai­
xões políticas tan to se acenderam , deixando o germ e da de­
m ocracia que havia de p ro liferar, dando-nos o reinado de
d. P ed ro I I e evoluindo depois para a R epública: D iogo
A ntônio F eijó , E v aristo da V eiga, B ern ard o P ereira de
V asconcelos, Jo sé B onifácio de A n d rad a e Silva, F rancisco
de Lim a e Silva, A ntônio P au lin o Lim po de A breu, A raujo
Lim a, Jo sé C lem ente P ereira, M iguel de F ria s e V asconce­
los, H onório H erm eto, A ureliano C outinho, Silva Lisboa,
F ernandes P in h eiro , V ilela Barbosa, Jo sé da C osta Carva­
lho, Jo ão B raulio M uniz, A n tônio P in to C hichorro da Gama,
C aldeira B ran d t, A lves B ranco, P au la e Souza, V ergueiro,
A lvares M achado, M agalhães, P o rto A legre, T o rres H o­
mem, M ont’A lverne, Jo sé M aria do A m aral, Ju stin ia n o da
Rocha, Jan u ário , F rancisco M anuel, João Caetano, Cal-
mon, O dorico, M artim Francisco, A n tônio Carlos, A lves
C arneiro, Jap iassú , A g u ilar P an to ja e E uzébio de Q ueirós
C outinho M atoso Câmara.
A regência provisória eleita a 7 de A b ril de 1831, era
com posta do m arquês de Caravelas, N icoláu P ereira de
Campos V ergueiro e F rancisco de Lim a e Silva.
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 23

A Polícia sob a Regência — Dissolve-se o


Corpo de Polícia — Criação da Guarda Nacio­
nal — Outras providências do novo govêrno.

D u ran te a m enoridade de d. P ed ro I I, isto é, de 7 de


A b ril de 1831 a 23 de Ju lh o de 1840, denom inou-se R egên­
cia o govêrno rep resentativo, abrangendo os três seg u in tes
perío d o s:
Regência trina provisória — de 7 de A bril a 17 de J u ­
nho de 1831;
Regência trina definitiva — de 17 de Ju n h o de 1831
a 12 de O u tu b ro de 1835;
Regência una definitiva — de 12 de O utubro de 1835
a 23 de Ju lh o de 1840,
R eunidos Senado e Câmara, procedeu-se à eleição da
R egência provisória, para a qual obtiveram v o to s: o m ar­
quês de Caravelas, 40; F ran cisco de Lim a e Silva, 35; Cam­
pos V erg u eiro , 30.
O novo govêrno m anifestou logo a sua energia. O Corpo
da P o lícia foi dissolvido por atos de insubordinação. G ran­
de fo i o núm ero de o ficiais presos, reform ados ou tra n sfe ­
rid o s de corpos.
A 18 de A gosto de 1831 foi prom ulgada uma lei que
criava a G uarda N acional, como au x iliar do E x érc ito e em
su b stitu ição aos ex tin to s corpos de m ilícias dos G uardas
M unicipais, exercendo, m u itas vezes, funções policiais,
como condução de presos e condenados. “ Seu serviço era
pessoal e obrig ató rio a todos os hom ens m aiores de 18 anos,
com exceção dos m ilitares de te rra e m ar na ativa, senado­
res, deputados, conselheiros de E stado, clérigos, carcerei­
ros, o ficiais da Ju stiç a e da P olícia, os m aiores de 50 anos, os
reform ados do E x ército e da A rm ada, os em pregados pos­
tais e os provadam ente in aptos para o serviço das arm as.”
A fim de g aran tir a p recária situação social e p o lítica do
Im pério, a R egência tom ou ainda várias o u tras p ro v id ên ­
cias, proibindo ajuntam entos noturnos, de cinco ou m ais
pessoas, nas ruas ou praças públicas das cidades e vilas,

&
24 M ELLO B A R RETO F IL H O e H ERM ETO LIM A

regulando a concessão de fiança em caso de flag ran te d elito


e por crim es p o liciais (L ei de S de Ju n h o de 1831).
No dia 17 de Ju n h o de 1831 foi eleita a R egência trin a
d efinitiva, recaindo os votos nos nomes dos deputados José
da C osta Carvalho, João B ráu lio M uniz e general F ra n ­
cisco de Lim a e Silva.
Q uase q u atro anos depois, a 7 de A bril de 1835, nos te r­
mos do A to A dicional, o padre D iogo A n tônio F e ijó era
eleito p rim eiro regente, sendo empossado no dia 12 de O u­
tu b ro e nele perm anecendo até 19 de Setem bro de 1837.

Intendentes Gerais da Polícia que ser­


viram durante a Regência.
E xerceram o cargo de in ten d en te geral da P olícia, du­
ran te a R egência: o desem bargador A n tônio P e re ira B ar­
reto P edroso ( in te r in o ) ; o dr. F rancisco José A lves C ar­
n eiro (e n c a rre g a d o ); o desem bargador A ureliano de Sousa
e O liveira C outinho (e fe tiv o ); o dr. A go stin h o M oreira
G uerra (encarregado) e o dr. Eusébio d e Q ueirós C o u ti­
nho M atoso Câmara (efetiv o ).
Ê ste últim o foi, em ordem cronológica, o nosso p ri­
m eiro chefe de P olícia, desde 1832, quando, com a prom ul­
gação do Código do P rocesso C rim inal, a 29 de Novembro,
passou a In ten d ên cia G eral da P olícia a te r a denom inação
que ain d a hoje conserva, de C hefatura de Polícia.

Sedição militar — Revolta-se o 26.° Ba­


talhão de Infantaria — Uma página de
Moreira de Azevedo.

No dia 12 de Ju lh o de 1831, revolta-se o 26.° B atalhão


de In fan ta ria.
E is como n arra o fato o dr. M oreira de A zev ed o :
“ Se em 1831 a nação ergueu-se, su sten to u a sua au to ­
nom ia, p ro testo u pelas liberdades públicas, se o p atriotism o
H U |:------ - —— - asnjpr-^ m

H IST Ó R IA D A P O L ÍC IA DO R IO DE JA N E IR O 25

expandiu-se, se os brasileiro s resolutos, firm es, inflam ados


de am or p átrio, reagiram contra a m archa governam ental,
também caiu o país ern anarquia, e houve conflagração de
idéias, de sentim entos que originaram contendas, lu tas e
sedições.
Levado pelo im pulso da época, arrastad o pelas idéias do
tem po, tornou-se o p artid o que fizera a revolução de 7 de
A bril, ex altado e an árq u ico ; cegou-o a gló ria do triu n fo , e,
ufano p o r acre d itar que suspendera a p átria do abismo,
m ostrou-se exigente, altiv o e dom in ad o r; ultrap asso u a lei,
p ertu rb o u a ordem , a segurança pública, zombou de tudo e
de todos, ju lg an d o que só dêle podiam pro v ir a felicidade
e a grandeza do país, e que, se havia patriotism o, liberdade
e independência era só no seu estan d a rte que liam-se estes
princípios.
A im prensa, que desde os últim os anos do reinado do
prim eiro im perador to rn ara-se inconveniente, indecorosa,
esquecendo a reserva e g ravidade dos prim eiros tem pos,
caíra, depois da revolução de 7 de A bril, na licença, no
desfaçam ento, e de dia p ara dia m ais fel e peçonha foi d er­
ram ando no corpo so cial; transform ou-se o jo rn al em pas­
quim , e su b stitu íam aos argum entos as in jú rias, aos racio ­
cínios, os in su lto s; em vez de educar, a im prensa p erv ertia
o povo, e não assem elhava-se à pomba da arca de Noé, mas
à cruz de fogo dos escosseses, que sem pre anunciava des­
truição e sangue.
C irculavam na cô rte e em algum as províncias p erió ­
dicos exaltados que, p regando a anarquia, consideravam
m eios ú teis de debelar o p artid o co n trário , as ameaças, as
injúrias, a deportação, o bacam arte e o punhal.
Publicavam -se em Pernam buco o periódico exaltado in ­
titu lad o A Bússola; na B aía a Sentinela do Forte de S. Pe­
dro e o Eco da Liberdade, orgãos daquele p a r tid o ; em São
P au lo o Observador Constitucional, e no R io de Jan eiro a
Nova L uz, o Exaltado, a Voz da Liberdade e o Jurujuba.
A fô rça m ilitar indisciplinada, arro g an te, crendo ser a
espada o cetro da lei, que tu d o devia decidir-se pelas armas,
pela vontade dos soldados; orgulhosa por ver que desde
1821 satisfizera suas exigências, e conspícuo papel repre-
26 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

sentara nos negócios públicos, deixara de ser a d ep o sitária


da ordem, da tran q u ilid ad e p ú b lica; em vez de g a ra n tir os
cidadãos debelava-os; já não era um elem ento de ordem ,
um sustentáculo da lei, mas um corpo anárquico que alçava
a cabeça logo que havia um m otim , quando não era o p ri­
m eiro a atear o facho da rebelião.
E tão desorganizada e d isso lu ta andava a corporação
m ilita r que qualquer tribuno aliciava soldados, e levava-os
de espingarda ao ombro a com eter desatinos, a d esresp eitar
a lei, a p ertu rb ar o sossêgo, e a levantar exigências que,
quando não eram cum pridas, eram o cartel de desafio, a
iniciação de sedições repetidas, perigosas e sanguinolentas.
Falando da tro p a que reunira-se nos dias 14 e 16 de
Ju lh o de 1831, na praça da C onstituição, diz o deputado
V ieira Souto:
“ Os corpos que vieram em sossêgo e obediência se
deixaram seduzir pelos anarquistas.”
Se conservaram -se alguns batalhões fiéis à lei e à p átria,
se não conflagrou-se o esp írito de insurreição, foram os
esforços e os brios m ilitares dos seus com andantes que os
contiveram .
Não só na côrte, mas em algum as províncias do n o rte
do Im pério hasteou-se o estan d arte da rebelião e da an ar­
q u ia; reunem -se na cidade da Baía alguns hom ens no fo rte
de São P edro, e fazem dali as requisições m ais violentas,
que põe em coação o govêrno, e não sendo obedecidos em
seus votos, porque a população sensata aglom erada em o u tro
ponto lhos im pediu, caluniam , u ltrajam e perseguem aos
bons cidadãos. Dão-se tam bém perturbações na P araíb a ;
m as a firm eza, e a prudência do govêrno geral restabelecem
a ordem , a confiança e a união social. E stam os em Ju lh o
de 1831, e é na tro p a que se o rigina a insurreição que a
côrte presenciou nessa época, a qual, como disse a R egência
na participação aos p resid en tes das províncias, derram ou
a consternação e o susto nos pacíficos habitantes, e pôs em
risco, por sua exaltação de m om ento, a dignidade nacional,
as propriedades, honras e vidas dos cidadãos.
N a noite de 12 de Ju lh o de 1831 o batalhão 26, com an­
dado pelo m ajor L ib erato José, aquartelado no m osteiro de
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 27

S. B ento, in subordinou-se; ouviram as rondas próxim as


q u atro ou cinco tiro s de espingarda, que pareciam tra z e r
bala, e por isso ap itaram pedindo refo rço ; chegaram os
avisos às paróquias circunvizinhas, e dentro de um a hora
achavam-se postados na rua D ireita, aguardando as ordens
das au to rid ad es com petentes, m ais de seiscentos cidadãos
gu ard as m unicipais.
R elatara o m ajor L ib erato ao com andante das arm as a
sedição que rom pera no batalhão, e, ordenando-lhe o gene­
ral das arm as que se d irig isse ao m in istro da G uerra para
prevení-lo do ocorrido, apressou-se o mesmo general em
levar ao conhecim ento da R egência a n o tícia do f a to ; deter­
m inou a R egência o em barque do batalhão p ara a província
a que p e rte n c ia ; mas, enquanto preparavam -se o tran sp o rte
e m eios necessários para a viagem , resolveu, afim de con­
serv ar o batalhão dividido, incum bi-lo da g u ard a da cidade
no dia 13. No dia seguinte em barcou o batalhão para a p ro ­
vín cia da B aía. N a noite dêsse dia, das sete para as oito
horas, revoltou-se o corpo de polícia aquartelado na rua
Nova de S. B ento, e logo após outros co rp o s; e essa tro p a
insubordinada, voltada contra a au to rid ad e e a lei, com eteu
desatinos e c rim e s; disparou tiro s com balas, p ratico u ro u ­
bos, p erp etro u assassínios, e espalhou a consternação e o
te rro r, obrigando m uitas fam ílias a em igrarem para os a rra ­
baldes da cidade, e para os navios ancorados no porto.
A com panhado do m ajor Reis, e do capitão F elician o F irm o
M onteiro, prim eiro e segundo com andantes do corpo de po­
lícia, d irigiu-se o com andante das armas, Jo sé Joaquim de
Lim a e Silva, depois visconde de M agé, ao m in istro da
G uerra, que, cien te da sedição, ordenou se em pregasse a
fôrça para debelar a anarquia dos soldados da P olícia.
R eunindo a fôrça m ilitar sob seu com ando, tra to u o co­
m andante das arm as de dividi-la em trê s colunas, que de­
viam de m archar ao mesmo tem po, a p rim eira pela ru a da
Q uitanda, a segunda pela da C andelária, e a ú ltim a pela rua
D ireita até à do Sabão, onde p ostar-se-ia; d o u tro corpo,
dividido em duas colunas, uma devia de ocupar o largo da
P raín h a e a o utra a rua do mesmo nome, e duas com panhias
23 M ELLO BA R RETO F IL H O e H ERM ETO LIM A

estanciarem na la d eira de S. B ento, contíguo ao quartel dos


am otinados.
Cercado o q u arte l pela tro p a assim disposta, resolvera
o com andante das arm as in tim ar aos não culpados que de­
pusessem as arm as, e saissem do quartel, sob pena de atacar
e fazer fogo sôbre os rebeldes, que não atendessem à ordem
m ilitar. Mas, form ada a fôrça m ilitar na praça da C o n sti­
tuição, à espera da ordem para m archar, am otinou-se o povo,
e com eçou a sed u zir os soldados; em breve ecoaram g rito s
clam an d o :
— V enha a polícia, desem barque o batalhão 26, soltem -
se os presos; não querem os mais cipoadas, fo ra o gen eral!
D eixando o quartel, veio o corpo de po lícia unir-se ao
povo e à tro p a na praça da C onstituição.
T ão grave sucesso levou a A ssem bléia G eral a en tra r em
sessão secreta no paço da cidade, onde achavam -se o im pe­
rad o r ainda m enor e as princesas suas irm ãs, durando a
sessão desde as três horas da tard e do dia 14 até às 11 e m eia
horas da m anhã seguinte. Conservou-se a Câm ara dos D epu­
tados em sessão perm anente.
D irig iu a R egência no dia 15 uma proclam ação à tro p a
censurando acrem ente o seu procedim ento e reb eld ia; no
mesmo dia a Câm ara dos D eputados, tendo p o r presidente
Jo sé M artiniano de A lencar, publicou um a proclam ação
convidando os flum inenses a confiarem no govêrno, nos
rep resen tan tes da nação e nas leis do E s ta d o ; e também
em um a proclam ação falou a Câmara M unicipal ao povo,
lem brando-lhe que devia de considerar seus defensores a
C onstituição, a A ssem bléia Geral e o govêrno.
E ram então vereadores B ento de O liveira B raga, p re­
sid en te; H enrique Jo sé de A raujo, João Jo sé da Cunha,
Jo sé de Carvalho R ibeiro, A ntônio Jo sé R ibeiro da Cunha
e F rancisco L u ís da C osta Guimarães.
M archaram os rebeldes, cidadãos e soldados, para o
campo da H onra, hoje praça da Aclam ação, onde estru g i-
ram os g rito s;
— A baixo a R egência, abaixo a A ssem bléia G e ra l; que­
rem os co n stitu in te.
H IST Ó R IA DA P O L ÍC IA DO R IO DE JA N E IR O 29

C hegou a sedição ao seu au g e; excessiva to rn o u -se a


confusão, ex tra o rd in ário o alarid o ; houve tiro te io s e n tre a
fôrça m ilitar, e deles resu ltaram ferim en to s e a m o rte de
um soldado do 3.° batalhão. A m orte dêsse soldado atiçou
o ódio, a vingança de seus com panheiros do batalhão, que
chegaram a em punhar arm as para atacar aos corpos reb el­
des com quem h á pouco conspiravam .
P alavras im p ru d en tes de alguns ex altad o s; as bebidas
alcoólicas que estes haviam rep artid o pelos soldados, in fla ­
m aram de ta l m odo a fôrça m ilitar, que esta praticou desor­
dens, u ltra jo u as rondas m unicipais, rep eliu os cidadãos pa­
cíficos, te n to u tira r arm as dos arsenais, e cercou o paço im ­
perial com uma atitu d e am eaçadora.
A lguns desses cidadãos rebeldes, acom panhados de sol­
dados in disciplinados, e excitados pelo vinho e pela ag u ar­
dente, p en etraram no p alecete que erguia-se no Campo da
H onra, e endereçaram ao governo a seg u in te representação
rubricad a p o r 441 assin atu ra s:
Senhor. — O povo e tro p a da capital do Rio de Jan eiro
é de novo reu n id o para p e d ir a expulsão para fó ra do im ­
pério dos acérrim os inim igos da nação brasileira, que ta n ­
tos males lh e hão causado, e que são incansáveis em tram ar
solapadam ente a sua ru ín a : convêm, pois, senhor, que tais
homens, nocivos ao nosso bem estar não continuem a viver
no meio de n ó s !
O povo e tro p a desta capital, incansáveis pelo bem da
sua pátria, tem a honra de ap resen tar a lista dos inim igos
da nação brasileira, sua independência e constituição, e
esperam que sejam quanto antes apartados para longe de
nós afim de que jam ais possam p ertu rb a r sua tranquilidade.
O povo e tropa, senhor, desejam não larg ar as arm as da
mão sem o cum prim ento do seu pedido, p ro testan d o a obe­
diência devida às autoridades constitucionais que nos re ­
gem. Campo da H onra, 15 de Ju lh o de 1831.”
P edia-se nessa representação a deportação de 89 pes­
soas, das quais sete eram senadores do Im pério.
A R egência enviou êsse papel à A ssem bléia Geral, que
continuou em sessão perm anente até às 8 horas da no ite
no dia 16.
23 M ELLO BA R R ETO F IL H O e H ER M ETO LIM A

estanciarem na lad eira de S. B ento, contíguo ao q uartel dos


am otinados.
C ercado o q u arte l pela tro p a assim disposta, resolvera
o com andante das arm as in tim ar aos não culpados que de­
pusessem as arm as, e saissem do quartel, sob pena de atacar
e fazer fogo sôbre os rebeldes, que não atendessem à ordem
m ilitar. Mas, form ada a fôrça m ilitar na praça da C o n sti­
tuição, à espera da ordem para m archar, am otinou-se o povo,
e começou a sed u zir os soldados; em breve ecoaram g rito s
clam an d o :
— V enha a polícia, desembarque o batalhão 26, soltem -
se os p reso s; não querem os m ais cipoadas, fora o general!
D eixando o quartel, veio o corpo de p o lícia unir-se ao
povo e à tro p a na praça da C onstituição.
T ão grave sucesso levou a A ssem bléia G eral a e n tra r em
sessão secreta no paço da cidade, onde achavam-se o im pe­
rad o r ainda m enor e as princesas suas irm ãs, durando a
sessão desde as trê s horas da tard e do dia 14 até às 11 e meia
horas da m anhã seguinte. Conservou-se a Câm ara dos D epu­
tados em sessão perm anente.
D irig iu a R egência no dia 15 uma proclam ação à tro p a
censurando acrem ente o seu procedim ento e reb eld ia; no
mesmo dia a Câm ara dos D eputados, tendo por presidente
Jo sé M artin ian o de A lencar, publicou uma proclam ação
convidando os flum inenses a confiarem no governo, nos
rep resen tan tes da nação e nas leis do E sta d o ; e também
em um a proclam ação falou a Câm ara M unicipal ao povo,
lem brando-lhe que devia de considerar seus defensores a
C onstituição, a A ssem bléia G eral e o govêrno.
E ram então vereadores B ento de O liveira Braga, p re ­
sid e n te ; H en riq u e Jo sé de A raujo, Jo ão Jo sé da Cunha,
Jo sé d e C arvalho R ibeiro, A ntônio Jo sé R ibeiro da Cunha
e F rancisco L u ís da C osta G uim arães.
M archaram os rebeldes, cidadãos e soldados, para o
campo da H onra, h o je praça da A clam ação, onde estru g i-
ram os g rito s:
— A baixo a R egência, abaixo a A ssem bléia G eral; q u e­
rem os co n stitu in te.
H ISTÓ RIA DA P O L ÍC IA DO R IO DE JA N E IR O 29

C hegou a sedição ao seu au g e; excessiva tornou-se a


confusão, ex trao rd in ário o alarid o ; houve tiro te io s en tre a
fôrça m ilitar, e dêles resu ltaram ferim entos e a m orte de
um soldado do 3.° batalhão. A m orte desse soldado atiçou
o ódio, a vingança de seus com panheiros do batalhão, que
chegaram a em punhar arm as para atacar aos corpos rebel­
des com quem há pouco conspiravam.
P alavras im p ru d en tes de alguns exaltados; as bebidas
alcoólicas que estes haviam rep artid o pelos soldados, in fla­
m aram de tal modo a fôrça m ilitar, que esta p ratico u desor­
dens, u ltra jo u as rondas m unicipais, repeliu os cidadãos pa­
cíficos, ten to u tira r arm as dos arsenais, e cercou o paço im­
p erial com uma atitu d e am eaçadora.
A lg u n s desses cidadãos rebeldes, acom panhados de sol­
dados indisciplinados, e excitados pelo vinho e pela aguar­
dente, pen etraram no palecete que erguia-se no Campo da
H onra, e endereçaram ao governo a seguinte representação
ru b ricad a por 441 assin atu ras:
Senhor. — O povo e tro p a da capital do R io de Jan eiro
é de novo reunido para p ed ir a expulsão para fóra do im­
p ério dos acérrim os inim igos da nação brasileira, que ta n ­
tos males lhe hão causado, e que são incansáveis em tram ar
solapadam ente a sua ru ín a : convêm, pois, senhor, que tais
hom ens, nocivos ao nosso bem estar não continuem a viver
no m eio de nós!
O povo e tro p a desta capital, incansáveis pelo bem da
sua p átria, tem a honra de apresentar a lista dos inim igos
da nação brasileira, sua independência e constituição, e
esperam que sejam quanto antes apartados para longe de
nós afim de que jam ais possam p ertu rb ar sua tranquilidade.
O povo e tropa, senhor, desejam não larg ar as arm as da
m ão sem o cum prim ento do seu pedido, p ro testan d o a obe­
diência devida às autoridades constitucionais que nos re ­
gem . Campo da H onra, 15 de Ju lh o de 1831.”
Pedia-se nessa representação a deportação de 89 pes­
soas, das quais sete eram senadores do Im pério.
A R egência enviou êsse papel à A ssem bléia Geral, que
co n tin u o u em sessão perm anente até às 8 horas da noite
no dia 16.
30 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

M as em tão penosas e graves circu n stân cias m anifestou-


se o patrio tism o dos bons cidadãos, que, reprovando a re­
beldia dos soldados e os excessos do p artid o exaltado, ap ro ­
xim aram -se da causa da lei e tom aram arm as para d efender
a pátria. O ficiais su p erio res de tôdas as paten tes e de todos
os corpos co n stitu íram um batalhão chamado dos soldados
da pátria, com andado pelo general Jo sé M anuel de M orais,
e de esp in g ard a ao om bro foram g u ard ar as estações p ú b li­
cas que podiam ser in v estid as pelos rebeldes.
R elevantes serviços p resto u êste corpo à segurança
pública, deu p restíg io às ordens do govêrno, afasto u das fi­
leiras dos rebeldes m u ito s cidadãos, e cooperou en erg ica­
m ente para o restabelecim ento da ordem social. E lo g ian ­
do-o, disse o m in istro da Ju stiç a o padre F e ijó :
“ Ê stes bravos da p átria cingiram as patronas sôbre as
b a n d a s; êles deram o prim eiro exem plo de patrio tism o .”
A crescenta um periódico do te m p o :
“ O brigadeiro, o chefe de esquadra passeiam contentes
de espingarda ao ombro, e vão fazer a sua guarda.”
P ro n tas e enérgicas providências partiram do govêrno
da R egência para abafar a insurreição m ilita r; em barcou no
dia 16 para as fo rtalezas de V illegaignon e S. João, o corpo
de polícia, que, ex tin to por decreto do dia im ediato, foram
rem etidos os soldados no brigue Flôr do Rio e no patacho
D oze de Outubro p ara diferen tes províncias afim de serem
agregados aos corpos do E x é rc ito ; m odificou-se no mesmo
dia 16 o gabinete m in isterial, entrando para o m in istério da
F azen d a B ern ard o P e re ira de V asconcelos, para o do Im ­
pério o dr. Jo sé L ino C outinho e para o da G uerra o coro­
n el M anuel da Fonseca L im a; e por decreto do dia 17 foi
nom eado com andante geral das guardas m unicipais o d ep u ­
tado Sebastião do R ego B arros, pelo que dispensou-o a
A ssem bléia dos trab alh o s legislativos.
-N o recin to da rep resen tação nacional leu e apresentou
o d ep u tad o H o lan d a C avalcanti o seg u in te p ro jeto de le i:
A rt. l.° — N inguém será perseguido pelos aco n teci­
m entos dos dias 14, 15, 16 e 17 (até às 11 do dia) na cidade
do Rio de Jan eiro .
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 31

A rt. 2.° — A tro p a da guarnição da cidade do R io de


Jan eiro será rem ovida para d istrito s arredados da cidade
pelo m enos cinco léguas de distância, prestando-se-lhes to ­
dos os auxílios necessários à sua m archa regular, su b sistên ­
cia e bom aquartelam ento.
^ A rt. 3.° — A m unicipalidade desta cidade tom ará, de
acordo com os ju izes de paz dos d iferen tes d istrito s dela,
as m edidas necessárias para a guarda da mesma cidade, sen­
do para isso auxiliada do govêrno naquilo que ela requer.
Os em pregados das d iferen tes repartições públicas fa ­
rão as guardas destas rep artiçõ es segundo requererem seus
respectivos chefes.
A rt. 4.° De hora em diante, a entrada de fôrça arm a­
da para d en tro da cidade, sem precedência de licença da
m unicipalidade, é considerada como ato de rebelião da
mesma fôrça.
As m edidas m encionadas na presen te resolução poderão
ser aplicadas à adm inistração das províncias por acordo
dos conselhos do govêrno nas mesm as províncias.
F icam revogadas, etc.”
Ê ste p ro jeto que, depois de rem etido à comissão de ju s ­
tiça crim inal e constituição, que contra êle lavrou parecer,
foi rejeitad o pela A ssem bléia, p aten teia o receio que havia
da fôrça m ilitar cuja in flu ên cia era perniciosa nos m o tin s
p opulares; do E x érc ito nascia a anarquia, lavrava nas file i­
ras m ilitares a desm oralização, e já se não podia dizer com
o antigo im perador rom ano:
— C onfiai nos soldados e zombai de tudo mais,
Se, lisongeando a fôrça m ilitar, im pelindo-a à revolta,
tram avam os exaltados contra o govêrno; se, de braço a l­
çado e voz arrogante, faziam requisições im p ru d en tes; se,
para atem orizar a autoridade, rodeavam o paço da Câm ara
dos D eputados, e invadiam -no com atitu d e e vozes amea­
çadoras, porfiavam os cidadãos pacíficos cooperadores da
ordem , em oferecer seus serviços à R egência, em p u g n ar
pela tran q u ilid ad e pública, respeitando as leis, e salvando a
pátria.
No dia 16 de Ju lh o , mais de mil e q uinhentos cida­
dãos enviaram uma representação à Câmara dos D eputados,
32 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

na qual ofereciam seus serviços e vidas afim de su sten tarem


o sistem a co n stitu cio n al e o govêrno legal. No mesmo dia
chegou à A ssem bléia um ofício do com andante, oficiais e
cadetes do corpo de a rtilh a ria da M arinha m anifestando os
seus votos de adesão às leis e ao govêrno; e de igual modo
procedeu o l.° corpo de a rtilh a ria m ontada do E x ército ,
declarando-se fiel aos p rin cíp io s da ordem e da legalidade.
P a ra galardoar o m érito e prem iar serviços, deliberou
a câm ara dos rep resen tan tes da nação in serir na ata de suas
sessões os nomes dos com andantes e dos oficiais que haviam
p ro testad o su sten tar os deveres de defensores da p á tria ;
e ordenou a R egência se publicassem os nomes dêsses o fi­
ciais e de todos os cidadãos, que apresentaram seus serviços
em defesa da in stitu ição das leis e poderes con stitu íd o s.
R esolveu a A ssem bléia em sessão do dia 19, que fosse
devolvida a representação que enviaram -lhe a tro p a e o
povo, pois, por in co n stitu cio n al e absurda, não podia ser
objeto de deliberação; e o govêrno, resoluto a firm ar a se­
gu ran ça e a paz, m andou p ren d er m uitos cidadãos pelos
acontecim entos dos dias 14 e 15 de Ju lh o , e recolhê-los às
fortalezas de V illegaignon e S anta C ruz; lavrou baixas de
m uitos soldados de batalhões diversos; dem itiu, reform ou
e tra n sfe riu m uitos oficiais p ara diferen tes corpos e p ro ­
víncias do im pério.
E m 20 de Ju lh o oficiou o m in istro da J u stiç a ao de­
sem bargador co rreg ed o r do crim e da corte e casa para que
passasse a in d ag ar quais os com plicados nos m otins de 14
e 15 de Ju lh o , afim de proceder-se a corpo de delito, e dar-
se p rin cip io à devassa.
E stava abatida a anarquia, repelidos os sediciosos, mas
tran q u ilo nao era o sono da paz em que adorm ecia o povo-
tram avam os conspiradores nas trevas, e, depois de d eix a­
rem o cacete e o punhal, quiseram servir-se do fogo. E ram
os dem agogos que ensaiavam as cenas que os com unistas
deviam de rep resen tar em nossos dias com m ais h o rro r e
descaro; propalou-se que p retendiam alguns anarquistas lan­
çar fogo a A lfândega pela p arte do m ar; e por isso p ro v i­
denciaram as au to rid ad es para evitar essa calamidade, orde-
REGENTE ARAUJO LIMA E SEUS MINISTROS

Rego Barros A ra u jo Lima Rodrigues Torre*

Bernardo de Vasconcelos Maciel Monteiro Miguel Calmon

wmm 'i.i4satnum tt
Ministros do Estado no poríodo rogoncial
■ H

HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 33

nando que os em pregados daquela repartição perm aneces­


sem debaixo de arm as.
E m 20 de J u lh o oficiou o m in istro do Im pério L ino
C outm ho aos p resid en tes das províncias relatando os acon­
tecim entos que haviam ocorrido na Côrte, e participando-
lhes o restabelecim ento da ordem , da confiança e união so­
cial.
D ois dias depois declarou o m inistro da Ju stiç a à Câ­
m ara dos D ep u tad o s estar ex tin to o m ovim ento revolucio­
nário, e a R egência proclam ou ao povo anunciando-lhe que,
debelada a anarquia, voltava a cidade ao rem anso da paz e
do sossêgo.
N esses dias de ódios, de lu tas intestinas, em que a im­
p ren sa rep resen tav a d istin tam en te os dois partidos que
pugnavam na aren a pública, se os periódicos moderados
louvavam os esforços do governo em prol da tranquilidade
e segurança social, os exaltados injuriavam seus adversários
político s, e, arrastad o s pelas paixões e lutas, propunham
m edidas que nem sem pre eram consentâneas com a razão
e com o direito.
C ensurando o procedim ento do govêrno co n tra os re­
volucionários de J u lh o de 1831, escreveu o Exaltado:
Povos do universo, conhecei e ficai sabendo que no
B rasil em Ju lh o de 1831, se considera anarquia ped ir ao go­
vêrno que liv re a p á tria dos seus inim igos.”
M as anim avam aos bons cidadãos, aterravam aos maus,
e faziam e n tra r em seus deveres aqueles que haviam sido
fascinados pelas ilusões ou pelas paixões, os periódicos
A stréia, O Tempo, O Independente e Aurora; e dizia Eva-
risto , o red ato r da Aurora, ao term in ar um artig o concitan­
do seus am igos p o lítico s:
“ Se perecerm os na luta, ao m enos acabarem os com hon­
ra e com a convicção de haverm os cum prido o nosso dever
CtS como cidadão, como escrito r livre e como m em bro da assem ­
bléia legislativa. V iva a liberdade e a lei.”
A cordou o p atrio tism o de m uitos cidadãos de diversos
m unicípios das províncias do R io de Jan eiro , São P aulo e
M inas a n o tícia da sedição m ilita r operada na c ô r te ; ofere-
ceram -se m uitos a tom ar arm as para debelar a anarquia, e as
4
34 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

câmaras m unicipais de Itú , de Santos, de Caeté, de São João


d’E l-R ei, da C am panha das P rin cesas, de A rêas, e outras
m anifestaram à R eg ên cia seus sen tim en to s p o r ocasião
dessa alteração da ordem pública, e agradeceu-lhes a R e­
gência essa dem onstração p atriótica.
A ssinalados serviços presto u à p á tria nesta e em outras
crises p o líticas o m in istério de 16 de Ju lh o de 1831; F eijó,
V asconcelos e L in o C outinho salvaram os p rincípios da lei
lutando com a anarquia e a dissolução social; enquanto re­
peliam os m o tin s dos exaltados, e abatiam a soldadesca in ­
d iscip lin ad a e revolta, sustentavam o crédito nacional, er­
guiam o p restíg io do poder, m antinham a paz e a segurança
g e r a l; notáveis estadistas pugnavam pela lei e fôrça m oral
da autoridade, e nautas peritos nesses tem pos tem pestuosos,
salvavam a nação que era dilacerada e arrastad a pela revo­
lução; foram êles os paladinos que, no m eio da comoção
social, sustentaram sobre seus om bros o país, mas o país
todo e unido, na sua in tegridade e autonom ia.”

Diogo Antônio Feijó — Defensor da uni­


dade da pátria — Precursor do govêrno forte.

D iogo A ntônio F eijó nasceu em São Paulo, aos 17 de


A gosto de 1784 e faleceu no dia 9 de N ovem bro de 1843.
É uma das m aiores fig u ras nacionais de todos os tem ­
pos e foi “ a fig u ra m ais viva e m ais brilh an te, m ais fo rte e
m ais nobre de tô d a a p o lítica nacional do B rasil m onár­
quico”, na expressão de M. Bomfim.
E m 1807 recebeu ordens sacerdotais e dedicou-se ao
m agistério, como p rofessor de L atim , R etórica, Filosofia,
H istó ria, G eografia e Francês, em G uaratinguetá, Parnaiba,
Cam pinas e Itú .
Sua carreira p o lítica começa em 1821, quando p artiu
para Lisboa, como deputado por São P aulo. A lí pugnou
desassom bradam ente pela in d ependência de sua p átria, fa­
zendo os m ais enérgicos discursos em defesa dos d ireito s
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 35

do B rasil. E m consequência da agitação popular contra os


brasileiros separatistas, foi obrigado a fu g ir com o u tro s
com panheiros. Em F alm outh, no condado de C ornw alli, na
In g laterra, publicaram uim m anifesto em que expuseram os
m otivos do seu procedim ento.
T endo regressado ao Rio para tom ar parte ativa e sa­
lie n te no m ovim ento da independência, proclam ada esta,
F e ijó com parece, eleito deputado, à C o n stitu in te de 1823.
A província de São Paulo elegeu-o deputado de 1826
a 1833. Na sessão de 1827, confirm ando o apôio que an te­
rio rm en te havia dado ao p rojeto F e rre ira F rança contra o
celibato dos padres, propôs a abolição do celibato clerical.
E ncontrava-se na Cam ara a 4 de Ju lh o de 1831, quando
foi convidado pela regência perm anente para assum ir a
p asta da Ju stiça, num m om ento em que tudo era am eaçador:
m otins, confusão política, revoluções, quarteladas, in d isci­
p lin a geral. P ois foi neste m om ento dos m ais graves peri­
gos que êle avultou em p atriotism o e energia, defendendo,
em pugnas sucessivas, a unidade da pátria, profundam ente
am eaçada, e firm ando o p rin cíp io do govêrno fo rte, do qual
é incontestavelm ente precursor, pelas m edidas que adotou
e fez cu m p rir inflexivelm ente, desde as que puniam com
inquebrantável rig o r os agentes da desordem, às que resta­
beleceram a segurança das in stitu iç õ es e restauraram a au ­
to rid ad e civil.
J á estava eleito senador pela província do R io de J a ­
neiro, quando, em 1835, foi indicado, por g ran d e m aioria,
regente do Im pério, tom ando posse em 12 de O utubro e
renunciando dois anos m ais tarde.
D epois que F eijó deixa a regência e vai para São Paulo,
p reten d en d o dedicar-se à lavoura, alí, e depois daquele ep i­
sódio, sua vida é assim acom panhada de perto pelo seu d e ­
dicado biógrafo A m érico P alh a:
“ Em 1842, rebenta em São P aulo, com sede em Soro­
caba, a revolução liberal contra o predom ínio dos C onser­
vadores. O brigadeiro R afael T obias de A guiar é aclamado
presiden te da P rovíncia. Feijó, desde logo, aceitou a in ­
surreição e dela participou. Êsse hom em “ m edula leonina” ,
im obilizado pela paralisia, ainda encontrou coragem e
36 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

ânim o para um gesto ex trao rd in ário , ainda encontrou no


esp írito reservas m orais p ara in su fla r pela im p ren sa a re ­
belião contra o poder. O padre que se fizera na vida um v er­
dadeiro revolucionário, que ab rira um p arêntesis nessas
atividades quando no governo para rep rim ir revoluções,
voltava, no fim da v id a a ser aquilo que sem pre fô ra: um
rebelde. O destino não lhe quebraria a fôrça dos ideais e das
a titu d e s : por isso, se subm etia à fôrça dos próprios destinos.
Caxias, vencedor dos rebeldes de Sorocaba, foi dep arar
com o padre no seu posto. A m oléstia não lhe perm itia
fu g ir. Mesmo, sem ela, F eijó não desertaria. “ O B arão de
Caxias — com enta o sr. W ash in g to n L uís — o encontra
sozinho, im obilizado — não pela crudelíssim a m oléstia que
o to rtu ra, mas pelo seu querer, abnegado e imóvel — no
exercício da presidência rebelada, tendo nas mãos os o rig i­
nais ainda úm idos do jo rn al revolucionário, a se com pro­
m eter ainda mais, se possível fôra, a tra ta r em nom e da r e ­
volução, na correspondência que ficou célebre, com o chefe
das tro p as vencedoras. P ad re e enferm o, é agarrado como
um am otinado vulgar e trazid o para a capital p au lista;
senador do Im pério, é preso e deportado para a província
do E sp írito S anto; ex-m inistro, ex-regente, a cam inho do
degrêdo, só a caridade do com andante do navio-prisão lhe
poupa a boia da m aru ja; e no degrêdo, tendo p artid o com
20$000 no bolso, vive seis m eses da hospitalidade dos b ra­
sileiros.”
E m 1843, F eijó comparece ao Senado. A presença da­
quele homem, paralítico, abatido, daquele homem que reco r­
dava períodos im ortais da fase m aior do B rasil nascente,
dava ao Senado um solene aspecto de m ajestade. A lí estava
êle para se defender, para falar, fren te a fren te, aos que o
iriam ju lg a r: “ E u declaro ao Senado e à Nação que, em
verdade, eu não fui cabeça, nem ao m enos au to r do m ovi­
m ento revolucionário de São P au lo ; mas que o ap ro v ei;
que aderi a êle; que desejava que êle fôsse feliz e para êsse
fim escrevi e dei alguns passos, depois do seu ro m p im en to ;
eu estava e ain d a estou pro fu n d am en te convencido que a
isso era eu obrigado pelos juram entos que p re ste i; que, se
o que eu fiz todos fizessem , se todos fôssem fiéis aos ju ra-
.IM H W M M
a ffia a |

HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 37

m entos prestados à C onstituição do E stado, nunca haveria


m ovim entos revolucionários, porque os que ousassem lan çar
sôbre ela mãos sacrílegas se achariam cobertos de m aldição
e d esp rêso . . . ”

*
* *

A 9 de novem bro de 1843, F eijó fechou os olhos para


sem pre. Levava êle para a eternidade a esperança do ju lg a­
m ento da p o steridade. Som ente esta poderia, isenta de pai­
xões e de ódios, lançar a sentença definitiva sôbre os atos
da sua vida. A sentença já foi dada pela história. F eijó
passou à im o rtalid ad e cercado da auréola lum inosa que o
id e n tifica “ como um dos constru to res da nacionalidade,
como um dos vu lto s em inentes da nossa raça”, um homem
que delineou os m oldes da p ró p ria estátua, desde os dias
agitado s das C ortes de Lisboa até o últim o discurso no
Senado do Im pério.
Seu p erfil de herói e de santo — herói nas batalhas
que sustentou, santo no m a rtírio que os hom ens lhe im ­
puseram — se destaca no painel da vida am ericana como um
dos símbolos m aiores de todos os siclos da h istó ria do con­
tin en te, ao lado daqueles que, na epopéia das lutas pela
liberdade, legaram às gerações do mundo, as mais altas
traições e os m ais expressivos exem plos.”

Nova sedição em 28 de Setembro de


1831 — Grave conflito no Teatro Consti­
tucional Fluminense.

N ão tin h a arrefecido a sedição de Ju lh o , e eis que


estala o u tra a 28 de Setembro.
É ainda o in signe au to r de Quadros Guerreiros quem
nos inform a sôbre os acontecim entos:
“ R epresentava-se em 28 de Setem bro de 1831 no teatro
de São P edro, que nêsse ano foi denom inado T eatro Cons-
38 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

titu cio n al Flum inense, o dram a “ O E sta tu á rio ”, em bene­


fício do ato r M anuel B atista Lisboa.
D esde o comêço do espetáculo notou-se grande inquie­
tação e m otim nos espectadores, o que não era de estran h ar
nessa época de agitação, em que toldados andavam os ân i­
m os políticos, e facilm ente estrugiam gritos, originavam -se
d istú rb io s em qualquer reunião de cidadãos.
D esde alguns m eses que um punhado de facciosos, diz
E v aristo da V eiga, ocupava quase constantem ente o teatro
e daí bania o cidadão honesto, o homem tran q u ilo que p ro ­
curava inocente recreação; era m ister v erdadeira coragem
para que alguns dêstes ousassem ir expôr-se aos u ltrag es
m ais violentos, e esperar os efeitos de clam ores sediciosos
em que as autoridades e as leis eram a cada m om ento m e­
noscabadas.
C oncorrera para azedar os ânim os, nesses dias de Se­
tem bro, a so ltu ra de alguns indivíduos, presos em v irtu d e
da devassa feita sôbre os acontecim entos do m ês de Ju lh o .
Reinavam no teatro m u ita vozeria e inquietação, e às
10 horas vieram cham ar o ju iz de paz da freg u esia do Sa­
cram ento, S aturnino de Souza e O liveira, que presidia o
espetáculo, para aquietar uma desordem que havia no largo
ju n to aos arcos do teatro entre o ten en te A ntônio C aetano
e um oficial do estado-m aior, cham ado Paiva, queixando-se
este de que aquele o investira com m ais seis com panheiros,
lh e tira ra a espada e lhe despedaçara as correias do ta la ­
barte. D izia A ntônio Caetano que P aiva o acom etera com
a referid a espada, entregando-a depois a um cam arada seu.
D eu o ju iz ordem de prisão a ambos, e ordenou a uma
p atru lh a de rondas m unicipais de cavalaria os conduzisse
à g u ard a p rin cip al; mas vociferou A ntônio Caetano, decla­
rando que iria preso, porém não pela patrulha, visto que era
oficial. A ten d eu o ju iz a essa reclam ação e p ediu ao coman­
dante da guarda do teatro que levasse o p reso ; subm eteu-se
o te n en te Caetano.
Im ediatam ente ecoou en tre a m ultidão um g rito u n ís­
sono co n tra a prisão de A ntônio Caetano, apesar de decla­
ra r êle que se achava preso e lh e cum pria obedecer à disci­
p lin a m ilita r; no m eio do tu m u lto desapareceu o oficial
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 39

Paiva, constando m ais tard e ter-se ido en tre g ar à prisão na


guarda m u n ic ip a l; m as a fu g a dêsse m ilita r atiçou m ais a
cólera dos tu rb u len to s, e ouviram -se vozes repetidas, cla­
m ando que se p ren d era o brasileiro A ntônio C aetano e se
facilitara a evasão do p o rtu g u ês Paiva. Ê ste oficial era b ra­
sileiro adotivo.
E m vão p ro testo u a au to rid ad e que pren d era a ambos, e
prov id en ciaria oficiando ao com andante das arm as para ser
recolhido ao xadrez o oficial P aiv a; o povo, porém, arrasta­
do pelo frenesi do m om ento, se não aquieta facilm ente,
nem ouve a voz a m ais autorizada, que lh e brad a m odera­
ção e ordem : é como o rio, que, en contrando em baraços na
co rren te, embravece e se despenha furioso sôhre as fragas
da rocha que p o r m om entos o detiveram .
« A rrebatado pela onda popular, foi A n tô n io C aetano le­
vado p ara o recin to do teatro , e rep ercu tiu na ro tu n d a do
edifício um g rito estrid en te.
— E stam os traídos, bradaram to d o s; cresceu o alarido,
ferveu a confusão, e ferin o s insultos, pesadas in jú rias e im­
p ru d en te s ameaças atiraram -se à autoridade, repetindo-se
que por causa de um estrangeiro se achava preso um na­
cional.
O rdenou o ju iz ao com andante da g uarda do teatro qqe
efetu asse a prisão de A ntônio Caetano, que era o causador
d o tu m u lto ; porém pro testaram diversos cidadãos co n tra a
ordem da autoridade, e responderam que não podia ser
preso êsse oficial, porque a tal se opunha o povo, que era
soberano e absoluto.
A fastou-se S atu rn in o de Souza e O liv eira do saguão do
te atro e determ inou que as rondas m unicipais, atraíd as ao
lu g a r pela vozeria e tum ulto do povo, se conservassem na
d istân cia de trê s braças da arcaria do edifício.
Constavam essas rondas m ais de duzentos homens, e
eram com andadas por A ntônio L u ís P e re ira de A raujo, que,
depois de haver prestad o assinalados serviços nêsses dias
calam itosos, tendo feito parte em 1817 da expedição enviada
a Pernam buco, se v iu to lhido do reum atism o, e m orreu
pobre e esquecido em 3 de Dezem bro de 1869.
40 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

Das arcadas e vestíbulo do te atro prorrom peram os


am otinadores em insultos às rondas m unicipais, afrontando-
as com os m ais grosseiros epítetos e provocadoras ameaças.
Se ten tav a o ju iz p ren d er os m ais violentos, o cu lta­
vam-se estes no in terio r do te a tr o ; e, no entanto, se não
descuidava a autoridade de co n ter os guardas m unicipais
que, raivosos, ouviam os apodos que lhes atiravam os fac­
ciosos.
M andou o ju iz de paz fechar o teatro, do qual já se h a­
viam ausentado quase todos os espectadores; e, com pare­
cendo o ex-com andante geral Sebastião do Rego B arros,
opinou que se prendessem aqueles que vilipendiavam a
fô rça pública, pelo que enviou S atu rn in o .q u atro guardas ao
saguão do edifício, afim de aprisionar os prim eiros que os
provocassem , e lógo após destacou o u tro s; mas um in d iv í­
duo, aproxim ando-se de um desses guardas, que fora sar­
gento de brigada, arrebatou-lhe a arm a e com ela fez fogo
p a ia fora.
Uma descarga de trin ta espingardas foi a resposta dada
àquele tiro.
Irrita d a s como se achavam as rondas m unicipais, e
crendo-se investidas pelos am otinadores, dispararam as a r­
m as sem ninguém lho ordenar.
Os tiro s afugentaram os facciosos, m ataram a trê s in ­
divíduos, e feriram a diversos turbulentos e a alguns g u a r­
das m unicipais.
Dos falecidos um era n atu ral da província de P ern am ­
buco, outro da do M aranhão e o últim o um português, que,
tendo vindo ao teatro pela prim eira vez, saltara no tablado
na ocasião do motim, entrara na cena p o r um dos lados do
pano que já estava descido, e dem orando-se em exam inar a
p in tu ra do cenário, foi alcançado pela bala que atravessou
o pano e cravou-se-lhe na cabeça. A briram -se sep u ltu ras na
ig reja da Lam padosa para êsses três cadáveres.
D ispersára-se todo o povo, mas continuaram as rondas
m unicipais a a flu ir para a praça da C on stitu ição ; m archa­
ram co n tingentes de diversas freguesias, de sorte que à
m eia-noite havia na praça m ais de mil e quatrocentos guar-
H IST Ó R IA DA PO L ÍC IA DO RIO D S JA N E IR O 41

das m unicipais, e em tôda cidade m ais de três m il em


arm as.
E spalhando-se o boato de que m archava do quartel de
B arbonos o batalhão de granadeiros para atacar as guardas
m unicipais, colocaram -se vedetas na rua do P iolho, hoje
C arioca; porém já estavam serenados os ânimos, e nada
m ais ocorreu, debandando-se a fôrça m unicipal às quatro
horas da m anhã.
R eceando o ju iz de paz S aturnino ser vítim a de algum a
traição p ediu a A ntônio L u ís P ereira A raujo, com andante
de esquadra, cargo sem elhante ao de inspetor de quarteirão,
que viesse com alguns g u ard as m unicipais pernoitar em sua
residência.
P ro ced eu o ju iz de paz ao corpo de delito nos m ortos e
ferido s, e o ficiou ao m in istro da J u stiç a o padre D iogo
A n tô n io F eijó , relatando-lhe os acontecim entos da noite
de 28 de Setem bro, e referin d o -lh e que se haviam oposto
o m ajo r M iguel de F rias, assim como outros oficiais, à p ri­
são de A n tô n io Caetano.
E m alocução que endereçou aos guardas m unicipais da
freg u esia do Sacram ento louvou o ju iz de paz a conduta
e a pru d ên cia dêsses seus camaradas, e pro flig o u a fôrça de
p rim eira lin h a que fizera g uarda no teatro, “ a qual, acres­
centa S atu rn in o , não só não me tin h a coadjuvado para su s­
te n ta r a ordem , e m ostrava-se in d iferen te espectadora dos
u ltra je s que se nos faziam, mas até se nos m ostrara h ostil,
calando baionetas ao prim eiro reforço que chegou à en trad a
do sa g u ã o ; era, portanto, de recear um violento ataque de
baion eta no pequeno espaço do saguão, aonde m uitas vidas
se perderiam , e eu em pregarei sem pre todos os m eios de
não com prom eter a vida de um só guarda m unicipal.
O te n en te do l.° batalhão de caçadores C ândido M on­
te iro que com andara a guarda de prim eira linha postada no
teatro , na no ite do motim, publicou uma correspondência
refu ta n d o as censuras que lhe fizera o ju iz de paz da fre ­
guesia do S acram ento; mas êste oficiou ao com andante in ­
te rin o das arm as o coronel Francisco Carlos de M orais p aia
que fôsse responsabilizada a fôrça de prim eira lin h a que fi­
zera a g uarda do teatro na noite de 28 de Setem bro.
42 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

D irig iu o govêrno, no dia seguinte, um aviso ao coman­


dante in terin o das arm as, ordenando que fossem recolhi­
dos presos à fo rtaleza de Santa C ruz os alferes F rancisco
Joaquim B acelar e Jo sé A lexandre, à da Lage o m ajor M i­
guel de F ria s e V asconcelos, à de V illegaignon os tenentes
H onório Jo sé F e rre ira e A ntônio Joaquim B acelar, e à de
São Jo ão o ten en te Leopoldo F red rico Thom pson e o alfe­
res Jo ão do Rego M arques para serem julgados legalm ente,
segundo o resultado da devassa que se procedesse, “ pois
era n o tó rio pela p arte oficial do ju iz de paz da freguesia
do Sacram ento, reza o aviso, o fato da assuada, m otim e
resistên cia à ju stiça ocorrido no teatro nacional, na no ite
de 28 de Setem bro, no qual tiveram grande e não duvidosa
p arte esses oficiais.”
D eterm inou o m in istro da Ju stiça , em aviso de 30 de
Setem bro, que se procedesse à devassa dos fatos ocorridos
em 28 e 29 do mesmo mês, “ convindo, diz o aviso, que os
pertu rb ad o res da ordem pública e os principais autores de
tais desordens sejam processados pelos m eios legais para
que de sua im punidade se não siga a renovação de tão tris­
tes acontecim entos que tan to concorreram para o desassos-
sêgo desta capital.”
Os periódicos do p artido exaltado, excitados pelas pai­
xões políticas, exageraram a narração dos fatos ocorridos
no te a tro ; inventaram incidentes, enegreceram as circuns­
tâncias, e, p ara im pressionar vivam ente o público, tornaram
feia e h o rrorosa a descrição de tais acontecim entos.
P ublicou a Nova L u z que, quando o povo e fam ílias qui­
seram sair acharam o teatro circulado por guardas m uni­
cipais, as p o rtas todas tomadas, proibindo-se a saida a quem
estava d e n tro ; procurou insinuar que eram portugueses os
cidadãos guardas m unicipais que estavam em fre n te do
te atro na ocasião do m o tim ; que no núm ero dos m ortos con­
tava-se um a senhora, e acrescentou:
— Os vândalos de fardeta e boné fizeram fogo pelas
p o rtas da fre n te e óculos laterais do teatro.
O u tro periódico elevou o núm ero dos m ortos a mais de
vinte, e o cham ado Jum juba escreveu o seg u in te:
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 43

“ O sangue b rasileiro foi derram ado por mãos de assas­


sinos que fazem alarde de seu crime. O m onstro S atu r­
nino, etc.”
N ão se dem orou a Sociedade D efensora da L iberdade e
In d ep en d ê n cia N acional em rem eter uma carta em 4 de O u­
tu b ro ao ju iz de paz Saturnino de Souza e O liveira, lo u ­
vando o seu civismo e circunspecção na ocasião do motim.
De feito m ostrou-se êsse cidadão pru d en te e firm e
nessa no ite de confusão e desordem , soube sustentar a
d ig n id ad e de seu cargo, sem abusar da fôrça que estava
sob seu co m an d o ; não foi além dos seus deveres, conservou-
se nos lim ites da lei, e conseguiu restabelecer a ordem e o
sossego.
O T e a tro C o n stitucional Flum inense, que se fechara
p o r ordem do govêrno desde o dia do motim , reabriu suas
p o rta s com o dram a “ O A ldeão M ag istrad o ” em 2 de D e­
zem bro, dia de reg o zijo público, de festejo nacional, ani­
v ersário n atalício do im perador, que contou nêsse dia um
lu s tro e um ano de existência.”

Os jornais que existiam no Rio de Janeiro,


quando começou o período regencial—(1831)
— Não respeitavam o nascimento, a posi­
ção, a jerarquia, a modéstia nem a virtude.

Q uando com eçou o período regencial, em 1831, num ero­


sos perió d ico s circulavam na cidade do Rio de Janeiro.
U savam , geralm ente, linguagem desabrida e tinham por fi­
n alid ad e a discórdia, a confusão, a agitação política, não
m ed in d o insultos, diatribes e agressões. R eferindo-se a essas
publicações, observa M oreira de Azevedo, citado por M ax
F le iu ss : — “ O estilo de nossos jo rn ais tornou-se in su ltu o ­
so ; a c rítica ferin a e a sátira m ordaz não respeitavam o
nascim ento, a jerarq u ia, a m odéstia nem a v irtu d e ; o jo r­
nalism o aberrou de sua instituição, esqueceu seus deveres
e tran sfo rm o u -se em pelourinho, onde se expunha a zom­
baria da m ultidão a reputação e a vida p articulares, o que
I I I

V '■ - . if ‘' - v ;

44 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

havia de m ais sério e g rav e; a honra, o pundonor, a d ig n i­


dade, o m érito foram sacrificad o s ao fu ro r, ao desespero dos
p artid o s p o líticos” .
E n tre os jo rn ais e pasquins daquela triste época, podem
ser relacionados os seg u in tes: O Sete de Abril, Brasileiro
O fendido, Americano, Brasileiro, Vigilante, Clarim da L i­
berdade, O Independente, Jurujuba dos Farroupilhas, Liceu
Liberal, Moderador, Filho da Terra, Espelho dos Brasilei­
ros, Regenerador do Brasil, Recompilador, D ois Compadres
Liberais, D outor Tira Teimas, Novo Brasileiro Imparcial,
Novo Conciliador, N ovo Censor, Bússola da Liberdade,
M édico dos Malucos, O Buscapé, V oz da Liberdade, O
Velho Casamenteiro, Patriota Brasileiro, Enferm eiro dos
Doidos, D efensor da Liberdade, O Mensageiro, O Consti­
tucional, O Regente, A Verdadeira Mãe do Sim plício, Voz
da Razão, Veterano, Exaltado, A Matraca dos Farroupilhas,
Correio da Câmara dos Deputados, A Voz Fluminense, O
Grito da Pátria contra os Anarquistas, O H om em e a A m é­
rica.
F oi também nessa época que apareceram os prim eiros
jo rn ais ilustrados, que teve o R io de Jan eiro , supondo-se
que o prim eiro dêles foi O Martelo, que circulou em 1832.

A liberdade de imprensa ultrapassa


os seus lim ites — O alferes Lima e Silva
elimina um redator do “Brasil A flito” —
O panfletário Clemente de Oliveira.

Os ânim os políticos em 1831 se achavam irritad íssim o s


no R io de Jan eiro .
A im prensa filiad a ao P a rtid o E xaltado, em linguagem
de alcouce, atacava im piedosam ente não só os reg en tes e os
m inistros, mas tam bém os chefes do partido L iberal.
A Matraca, a Jurujuba dos Farroupilhas, de Jo ão B a­
tista de Q ueirós, inju riav am sem lim ites os hom ens do go-
vêrno, atassalhando-lhes a h onra e vilipendiando-lhes o ca­
ráter.
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 45

O Brasil A flito , de C lem ente de O liveira, não se lim i­


tava som ente a isso; ia a m ais: penetrando nos lares, d isse­
m inava a esmo o veneno da calúnia,
O reg en te F rancisco de L im a e Silva, em certo m om en­
to, fo i alvo p red ileto daqueles m iseráveis apodos. O Brasil
A flito , não co n ten te em lhe d esp restig iar a honra m ilita r
e cívica, invadiu-lhe a casa sagrada da fam ília e escreveu
um a in d ig n id ad e que aqui não repetirem os.
L im a e S ilva leu aquelas lin h as ignóbeis. Achando de
m ais a afro n ta, rasgou o jo rn al, e, cheio de ju sta indigna-
- ção, chorou, m aldizendo a situação do hom em político no
B rasil, cuja h o n ra estava nas mãos de jo rn alistas despudo­
rados.
O filho, o alferes Carlos M iguel de L im a e Silva, viu as
lágrim as do pai.
T om ou o jo rn al, un iu os pedaços dilacerados e leu tam ­
bém aquela vilania.
E ra pela m anhã.
O a lfe re s Carlos, então com 18 anos apenas, fardou-se,
m on to u a cavalo e, sem dizer para onde ia nem o que ia
fazer, tom ou rum o do largo da Carioca.
A í chegado, na p arte que fica entre a ru a dos L atoeiros
e a da V ala (hoje, respetivam ente, Gonçalves D ias e U ru ­
guaiana) no lu g a r onde atualm ente está um a alfaiataria,
apeou-se e en tro u num a farm ácia ali existente, de p ro p rie­
dade de D avi Pam plona C ôrte Real, português, n atu ral dos
A çores.
À p o rta, várias pessoas conversavam .
O alfe res Lim a e Silva aproxim ou-se do pequeno grupo
e, d irig in d o -se a um senhor de chapéu alto, que estava na
roda, p e rg u n to u :
__O senhor é que se cham a C lem ente de O liveira?
— Sou, sim, senhor. Q ue deseja?
A estas palavras, o alferes desem bainhou a espada e, de
um golpe, fez em dois o crânio do jo rn alista.
O chapéu do caluniador caiu para um lado, espalhando-
se, então, pelo chão, os núm eros do Brasil A flito , ali
ocultos.
Jpfí
I'

46 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

A n otícia do assassínio espalhou-se logo pela cidade e


nêsse dia a conversa que se ouvia era inevitavelm ente e s ta :
— O filh o do reg en te m atou o Clem ente de O liveira.
— E foi preso?
— Sim ; apresentou-se espontaneam ente à prisão, logo
depois do desfôrço.
A lgum as sem anas decorridas, o alferes Carlos de Lim a
e Silva com parecia d ian te do trib u n al do jú ri e êste decla­
rava, p o r unanim idade, que não havia m atéria para acusação.
O reg en te F rancisco de Lim a e Silva, se bem que o
filh o tivesse a sim patia pública, não consentiu que, depois
do episódio, aqui ficasse. M andou-o para o estran g eiro , de
onde vo lto u m ais tard e para p restar serviços à p átria.
No ú ltim o período da rebelião do Rio G rande do Sul,
lá êle se achava sob o com ando do irm ão, depois duque de
Caxias, com batendo co n tra os sediciosos.
Q uando term inou a rebelião, era já m ajor, com 31 anos
de idade.
F aleceu de febre perniciosa, na cidade de P o rto A le­
gre, em 1846.

Um ex-deputado baiano subleva o


Corpo de Artilharia da Marinha.

No dia 6 de O utubro, nova revolta e desta vez prom o­


vida pelo Corpo de A rtilh a ria da M arinha aquartelado na
ilha das Cobras. Ju g u lo u -a o general Jo sé M aria P in to P e i­
xoto, que, ordenando se organizassem duas colunas um a às
ordens do coronel João P aulo dos Santos B arreto e o u tra
às do m ajor L u ís A lves de Lim a e Silva, em pouco tem po
bateu os sediciosos, cujos chefes foram presos, sendo d is­
solvido o batalhão.
Êsse novo m ovim ento foi instigado pelo conhecido agi­
tad o r C ip rian o Jo sé B arata de A lm eida,.ex-deputado, em
1822, às cortes po rtu g u esas pela Baía.
E nquanto os navios de gu erra su rto s no p orto abriam
intenso fogo contra a ilha, elem entos policiais prestavam
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 47

valiosos serviços em terra, guarnecendo o arsenal. R eco­


nhecendo êsses serviços, o govêrno expediu, no dia 8 de
O utubro, duas p ortarias louvando “ o m odo legal e honroso
porque se houveram na no ite de 6, os ju izes de paz desta
capital e a G uarda M unicipal e o seu chefe” .

Os crimes de Mucunã — Durante 28


anos deu trabalho à Polícia.

E m fin s de O utubro de 1831 apareceu boiando nas p ro ­


xim idades do cais dos M ineiros o cadáver de um negro.
T raz id o à terra, verificaram tra ta r-se de um crim e e,
como o cadáver fo i reconhecido como o de um am igo de
A ntônio M anuel M ucunã, a P o lícia p rendeu êste, que, en­
tão, contava 17 anos de idade.
D espertando, assim, suspeitas de que fô ra êle o assas­
sino de tal negro, recolheram -no ao A ljube no dia 1 de N o­
vem bro de 1831.
Passou-se o ano de 1832 e nada de ser resolvido o caso
de M ucunã; até que, a 11 de Setem bro de 1833, o pequeno
conseguiu fu g ir daquele antro.
A 8 de D ezem bro, porém , dêsse and, ei-lo novam ente
recolhido ao A ljube, acusado de haver com etido um assas­
sínio no A terrad o .
C ondenado a galés em 15 de M aio de 1834, foi, a 24 de
Novembro, enviado para au x iliar as obras dá Casa de C or­
reção.
Mas, ainda alí, não se regenerou.
E m 6 de O utubro de 1836 deu um a facada num com­
panheiro de trabalho, ten tando su icidar-se im ediatam ente.
E m 14 de Setem bro de 1839, evadiu-se de novo, m as foi
in feliz desta vez.
Prenderam -no, quatro dias depois, na fazenda de S anta
Cruz.
E m 20 de A bril de 1843, fu g iu ainda, sendo nêsse m es­
mo dia capturado, depois de tenaz resistência.
— W» ,-V

48 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

T ran sferid o para o p resíd io da ilha das Cobras, passou


para a fo rtaleza de S anta C ruz, onde esteve até 17 de J u ­
nho de 1859.

Abolido o uso dos bigodes no Exército.

A 6 de Dezem bro de 1831 foi abolido no E x érc ito o uso


dos bigodes como d istin tiv o , “ quando (considerava a lei)
estão em desuso em tôda a classe m ilitar, desde 7 de A b ril
do presen te ano”.
E is o teo r da determ inação assinada pelo m in istro da
G u e rra :
“ A regencia em nome do Im perador, con­
vencida das ju diciosas razões que V. S. pondera
em seu officio de hontem a respeito dos big o ­
des com que novam ente apparecem alguns o ffi-
ciaes, quando está em desuso em to d a a classe
m ilitar desde 7 de abril do p resente anno.
D eterm ina que de hoje em deante fique
prohibido sem elhante distinctivo. O que p a rti­
cipo a V. S. para fazer constar em ordem do dia.
D eus guarde a V. S. Paço, 6 de Dezem bro de
1831. — M anoel da Fonseca Lim a e Silva. —-
Sr. A ntero Jo sé F e rre ira de B ritto .”
E ssa providência, aliás, já havia sido adotada há m uitos
anos passados relativam ente aos corpos da P olícia. De fato,
a 31 de Jan eiro de 1822 o govêrno fizera baixar um decreto
nos seguintes term os:
“ M anda o P rin c ip e R egente, pela S ecretaria
de E stado dos N egocios da G uerra, que o T e ­
n en te G eneral G overnador das A rm as da C o rte
e P ro v in cia prohiba absolutam ente o uso de b i­
godes no Corpo de P o licia desta Côrte, por ser
p reju d icial ao serviço de que o d ito Corpo é
ordinariam ente encarregado. Paço, em 31 de J a ­
neiro de 1822 — Joaquim de O liveira A lvares.”
D. Pedro II e suas irmSs no quarto de estudo do palftclo de S. Cristóvão

Regente José da Regente Lima e Silva Regente Joflo Brâulio Munlx


Costa Carvalho
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 49

O primeiro ministro processado no Brasil.

F oi em 1831 que se viu processado por excesso de au­


to rid ad e Jo sé Clem ente P ereira , que tão relevantes serviços
p resto u ao B rasil em vários cargos que ocupou, in clu siv e
o de in ten d en te geral da P olícia, de 1827 a 1828.
A 9 de Ju n h o de 1832 reuniu-se o Senado, em sessão
ex trao rd in ária, como trib u n al de ju stiça.
D epois de te r sido recebida a Comissão da Câm ara dos
D eputados, encarregada da acusação, e estando presentes o
p ró p rio acusado e 37 senadores, prin cip iaram os debates.
Os objetos prin cip ais da acusação eram : prim eiro, te r o
acusado, como m in istro da G uerra, m andado recru tar sem
lei que o au to rizasse; segundo, co n tratar aquisição de a r­
m am ento e equipam ento, tam bém sem lei que o perm itisse.
F in d a a acusação, subiu à trib u n a Jo sé C lem ente e
provou que não ex o rb itara e que não tin h a fundam ento a
acusação.
F oi absolvido unanim em ente.

Quando Darwin esteve no Rio de Ja­


neiro — A Polícia prestou valioso auxílio
ao famoso naturalista inglês.

F o i d u ran te a m enoridade de d. P ed ro I I , no período


da regência tr in a d efin itiv a, em p rin cíp io de 1832, que
esteve no R io de Jan eiro C arlos R oberto D arw in, que então
contava 23 anos d f idade.
A pós viagem torm entosa, iniciada em D evenport, a 27
de Dezem bro de 1831, o fam oso n a tu ra lista inglês aqui che­
gou a bordo do b rig u e Beagle, que se p ropunha v iajar à
volta do m undo em investigações científicas.
Em v isita de cortesia ao general F rancisco de Lim a e
Silva, êste, que era dedicado a assuntos de m ineralogia e
botânica, dispensou en tu siástico acolhim ento ao jovem
hóspede, recom endando ao in ten d en te geral da P o lícia que
.6
50 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

pusesse à disposição de D arw in, que os aceitou desvane­


cido, todos os recursos necessários à realização das ex cu r­
sões, algum as verdadeiram ente arriscadas, que, declarara,
preten d ia fazer, e realm ente fez, dias e dias seguidos, nas
densas m atas que circundavam a cidade, especialm ente nas
da T iju ca, S anta T eresa e Gávea.
D u ran te o tem po que perm aneceu no Rio de Jan eiro ,
D arw in re sid iu em B otafogo, num a grande casa edificada
ju n to ao c o n tra fo rte do Corcovado, aí p reparando as várias
e preciosas coleções de insetos referid o s, m ais tard e, nas
páginas da Viagem de um naturalista em volta do mundo.
“ M inha casa, descrevia D arw in, era no sopé da bem
conhecida m o n tan h a do Corcovado, e aí me ocupava fre ­
quentem ente em estu d ar as nuvens que, vindas do mar,
passavam pela p arte m ais elevada do Corcovado.”

“ A í ficava eu, a ouvir rãs, cigarras, grilos, gozando,


imóvel, o concerto no tu rn o , até ser d istraído pelo vôo, de
esm eraldinos fulgores, dos pirilam pos em luz para e n tra r
na treva.”
N a segunda vez que esteve no B rasil, em A gosto de
1836, D arw in não veio ao Rio de J a n e iro ; v isito u as cida­
des da Baía, do .Recife e O linda.
Na obra Vida e Correspondência de Carlos Darwin,
publicada pelo seu filh o Francisco D arw in, há uma série
de cartas datadas da B aía e do R io de Jan eiro (B o tafo g o ).
E m tôdas elas há observações científicas de alta valia,
cheias de adm iração e entusiasm o diante da m aravilhosa
paisagem b rasileira. Talvez a exclamação de hoje, tão d i­
vulgada em prosa e verso, seja uma paródia da que b rotou
há um século passado, nos lábios do g rande sábio: — P ai­
sagem m aravilhosa!
E is aí algum as observações colhidas ao acaso em sua
co rresp o n d ên cia:
“ Nada pode im aginar-se mais belo do que a an tig a
cidade da B aía, cercada por uma flo resta enorm e de árvo­
res lu x u rian tes, de cujo declive ráp id o se dom inam as
tran q u ilas águas da B aía de Todos os Santos. São alta s e
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 51

brancas as casas, e as janelas, estreitas e longas, im prim em -


lhe um aspecto de ligeireza e de elegância. O s conventos,
os pórticos, os m onum entos públicos variam a u n ifo rm i­
dade da casaria; está coalhado de navios o p ô rto ; e pode
realm ente dizer-se que esta paisagem é uma das m ais belas
do B rasil. O p razer delicioso de divagar no m eio de tão
lindas flores, de árvores tão belas, não pode ser com preen­
dido senão por quem o experim entou já. O clim a convem-
me im enso e faz-m e sen tir o desejo de viver tran q u ila­
m ente e d u ran te algum tem po neste lindo país.”

“ E m terra, quando percorro estas flo restas sublimes,


cercado de vistas m aravilhosas, sin to um p razer que poucas
pessoas poderão com preender c o m p le ta m e n te ...”

“ V i agora, p ela p rim eira vez, uma flo resta tro p ical em
tôda a sua m ajestade sublim e. Só a realidade pode dar uma
idéia da m agnificência pro d ig io sa desta p a is a g e m ...”

Duas revoltas em menos de 15 dias: a


d\as fortalezas, em 3 de A bril; a de
Bulow, em 17 do mesmo mês.

E m m enos de 15 dias duas revoltas estalaram no Rio


de Jan eiro , em A b ril de 1832.
E i-las d escritas pelo respeitável h isto riad o r Max
F le iu s s :
“ A 2 de A bril, os m ilitares presos em consequência
dos últim o s sucessos nas fortalezas de V illegaignon e Santa
Cruz, capitaneados pelo m ajor M iguel de F rias e V asconce­
los, sublevaram , d u ran te a noite, as respectivas guarnições
e, apossando-se de uma peça de artilharia, vieram desem ­
barcar, às 6 horas do dia seguinte, na praia de B otafogo.
D irigindo-se pelas ruas do C atete, Lapa, M angueiras,
A rcos e Lavradio, chegaram os rebeldes até ao campo da
52 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

H onra, onde, em núm ero de cerca de 200, fizeram fren te ao


quartel.
O m inistro da Ju stiç a Diogo F eijó m andou o Corpo de
P erm anentes, dividido em duas colunas, com andadas pelo
m ajor L u iz A lves de Lim a e Silva, uma de in fan taria e o u tra
de cavalaria, ao encontro dos atacantes.
A in fa n ta ria avançou pela rua dos Ciganos (C o n stitu i­
ção), a cavalaria pela do A lecrim (H ospício). À en trad a da
praça, a in fan taria fez uma descarga e, calando baionetas,
atacou os revoltosos, que dispararam a peça de artilh aria,
mas, envoltos pelas duas colunas governistas, fu g iram em
debandada, ocultandò-se pelas casas das ruas circunvi­
zinhas.
Foram feitas m uitas prisões e cêrca de 90 revoltosos
renderam -se; dez foram m ortos na ação e m uitos feridos.
Do Corpo de P erm anentes m orreu apenas um soldado e
houve três baleados.
O m ajor M iguel de F rias, vendo-se acossado p o r Lim a
e Silva, hom iziou-se em uma casa da ru a do A real, de onde
conseguiu, algum tem po depois, evadir-se para os E stad o s
U nidos.
As duas fortalezas revoltadas chegaram a assestar suas
peças contra a cidade, mas durante a no ite de 3 de A bril o
capitão A lbuquerque M aranhão preparou uma contra-revo­
lução na fortaleza de Santa Cruz, prendeu o ten en te Cabral,
que se fizéra governador dessa praça de guerra, e conseguiu
restabelecer a ordem. V illegaignon tam bém capitulou, te n ­
do sido presos grande núm ero de am otinados e recolhidos
às enxovias da ilha das Cobras.
A 17 de A bril m alogrou-se novo ataque ao governo, d i­
rigido, desta vez, pelo alemão Bulow e ao qual não foi
estranho o próprio tu to r José B onifácio, pois êsse m ovi­
m ento teve origem na qu in ta da B oa V ista, e, en tre os r e ­
beldes contra a Regência, se encontravam , em g rande n ú ­
mero, criados do Paço.
Q uando m archavam para a cidade as forças rebeldes,
foram inteiram ente destroçadas no Rossio Pequeno (h o je
P raça Onze de Ju n h o ) pelo Corpo de P erm anentes e G uar­
da N acional, após um quarto de hora de tiro teio cerrado,
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 53

em que os atacantes tiveram 20 m ortos, aproxim adam ente,


e B ulow foi preso, quando encontrado oculto em uma chá­
cara do A ndaraí.
T erm inado o combate, desfilaram as forças vitoriosas
governistas até ao largo do Paço, dando vivas ao im perador,
que se achava em uma das janelas do palácio.
O govêrno da R egência d irig iu proclamações ao povo
a 3 e 17 de A b ril expondo o s acontecim entos graves de que
esta cidade fôra, então, teatro , e quais as m edidas postas em
prática, pelo govêrno, para o efeito de restabelecer a ordem
pública. A 27 foi m andado p ren d er o ed ito r responsável
do jo rn al O Caramurú, como órgão sedicioso do p artido
restau ra d o r de d. P ed ro I.
E m vista dos ú ltim o s sucessos políticos e da retirad a
do gabinete, enviou, a 31 de Ju lh o , a R egência uma m ensa­
gem à A ssem bléia L egislativ a solicitando a sua demissão.
A Câmara, em resposta de 1 de A gosto, reafirm ou-lhe sua
in te ira confiança.”
A s duas referid as proclam ações estavam assim re d i­
gidas:

“ A paz e a tran q u ilid ad e que com tantos sa­


crifício s haveis chegado a firm ar en tre nós, foi
de novo p ertu rb ad a por um punhado de m iserá­
veis am biciosos; não era já só contra o govêrno
legalm ente, con stitu íd o que os inim igos da or­
dem pública tram avam seus negros planos, os
rep resen tan tes do povo haviam incorrido no ódio
da cabala; co n tra estes se dirigiam também seus
sacrílegos anátem as, nêsse m anifesto que tão
ousada quão im pudentem ente publicaram , res­
sum bram os p érfid o s desígnios de desorganizar
nossa bela p á tria para sobre ela estabelecerem
a m ais detestável tirania.
A vossa coragem e patriotism o, as v irtu d es
cívicas que ta n tas vezes tendes patenteado, vie­
ram desta vez ainda, graças à P rovidência, que
sem pre nos tem protegido, salvar a nação do
abism o que lhe cavavam filhos degenerados, e
MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

m ostrar ao m undo in teiro que os b rasileiro s são


dignos da liberdade de que gozam.
C idadãos! O procedim ento heróico que até
agora haveis m ostrado, e pelo que em nom e da
nação vos tributam os os m ais cordiais agradeci­
m entos, dá também a nossos com patriotas o d i­
reito de esperar de vós a continuação dos servi­
ços, à vista dos quais haveis tanto concorrido
para fu n d ar a prosperidade da pátria e a ven tu ra
de seus filhos. — Rio, 3 de A bril de 1832.
V iva a C o n stitu ição !
V iva a A ssem bléia L egislativa!
V iva o senhor d. P edro I I !

Francisco de Lim a e Silva.


José da Costa Carvalho.
João Bráulio M uniz.
Diogo Antônio Feijó.

“ No dia 3 m ostrastes vosso am or à ordem,


vosso respeito à -lei, dispostos a com bater os
conspiradores que ten taram depor a R egência,
d erribar o governo, e proclam ar uma assembléia
co n stituinte. No dia de hoje vosso patriotism o
acaba de esm agar êsses perversos, que insolentes
atreveram -se a proclam ar d. P edro I.
Acabais de desenganar a êsses pérfidos, que
jam ais dareis um passo além do dever e d a honra,
e que os inim igos da p átria vos terão em campo
no momento em que ousarem ofendê-la. Q uando
se está à fren te de cidadãos como vós sois, uma
nobre u fan ia se apodera dos que se acham en­
carregados de executar a vontade nacional. Viva
a nação brasileira, digna da liberdade que goza!
V iva a constituição do Im pério! Viva a Assem ­
bléia G eral! V iva o senhor d. P edro I I , único
im perador do B rasil! V ivam os cidadãos arm a­
dos e os m ilitares, que os têm coadjuvado na de­
fesa da p á tria !”
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 55

Prisão do aventureiro barão de Bulow.

Chamava-se A ugusto H u g o auf H oiser e era n atu ral do


H anover êsse reles aven tu reiro , in titu lad o barão de Bulow,
que, em 1832, ch efio u o m alogrado m ovimento de 17 de
A bril.
A ssim que viu as suas forças rechassadas pela G uarda
N acional e pelo batalhão de m unicipais, Bulow fugiu co­
vardem ente, deixando en trè os seus comandados cêrca de
20 m ortos e vários ferid o s.
No dia 24 de A b ril o desm oralizado barão foi preso pela
P olícia, quando en contrado oculto em uma fu rn a na chá­
cara M axwel, em A ndaraí.
Subm etido a ju lg am en to , em 1833, incum biu-se o réu
da p ró p ria defesa, lendo p eran te o ju ri uma extensa apo­
logia em que apregoava os seus títu lo s e serviços prestados
ao B rasil. C ondenado a dez anos de prisão com trabalhos,
viu, porém , no ano seg u in te, com utada esta pena na de b a­
nim ento p ara fo ra do im pério.
A lfred o de C arvalho assim recapitulou a vida agitada
do av en tu reiro han o v erian o : “ D u ran te os vinte anos se­
guintes, a personalidade do p reten so barão de B ulow p er­
m anece envolta nas som bras do desconhecido, ignorando-se
a que paragens o co n d u ziu então o seu gênio errante. Mas,
em 1856, volta a aparecer à to n a dos acontecim entos, fig u ­
rando em posição conspícua nos fastos revolucionários da
A m érica C entral. A ato rm en tad a existência política das
cinco repúblicas chegara, então, m ais um a vez, ao paro­
xism o da an arq u ia; a freq u ên cia dos pronunciamentos e a
facilid ad e com que os seus prom otores galgavam o poder,
m overam a am bição de um aventureiro norte-am ericano a
renovar as proezas len d árias dos conquistadores do sé­
culo X V I. W illiam W alker, advogado e jo rn alista em
Nova O rleans, depois m ineiro na C alifórnia, à fren te ape­
nas d e 55 hom ens valen tes e bem armados, invadiu, em
M aio de 1855, a república de N icarágua, bateu em várias es­
caram uças as ind iscip lin ad as e escassas forças locais e fez-
se eleger à presidência. O s chefes do p artido nacionalista,
56 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

logrando refu g iar-se em C osta Rica, determ inaram o go­


verno dêste país a d eclarar gu erra ao invasor, e, em F e ­
vereiro de 1856, o barão de Bulow, com andando em chefe
a alguns m il hom ens, penetrava no te rritó rio de N icarág u a;
a 20 de Maio, ganhava sôbre o caudilho Schles&iniger a b a­
talh a de Santa Rosa, desbaratando com pletam ente os flib u s­
teiros, sôbre os quais alcançou ainda outras vantagens,
obrigando-os, por fim , a abandonar o solo conquistado. Com
esta b rilh an te fase, encerra-se a carreira conhecida do
pseudo-barão de Bulow, que, já avançado em idade, prova­
velm ente term inou em C osta R ica a sua atribulada ex istên ­
cia de condottiere tardio, consum ida em estéreis ten tativ as
para obter g ló ria e fo rtu n a” .

i i

Momento de excepcional gravidade na


vida do país — (1832) — Famoso relatório de
Diogo Antônio Feijó — “ Um abismo hor­
roroso está a um só passo diante de nós”.

Q uadro fidelíssim o de um m om ento de excepcional g ra­


vidade na vida do país; panoram a im pressionante de uma
época de confusão geral e de violentos choques — é o fa ­
moso relatório do m in istro da Ju stiç a D iogo A ntônio
F eijó, dirigido, em 1832, aos representantes da Nação. P o r
ser uma peça de alto valor histórico e parcam ente divulga­
da, vai tran scrita integralm ente, linhas abaixo, respeitada a
g rafia do o rig in al:

A U G U ST O S E D IG N IS S IM O S S E N H O R E S
R E P R E S E N T A N T E S DA NAÇAÕ.

T u d o quanto tenho de expor he tris te ; e


m ais m elancólico he ainda o fu tu ro , que se me
antolha, se a P rovincia D ivina não d irig ir os im ­
p ortantíssim os trabalhos da presente Sessão.
T alvez que m inha im aginação assombrada com
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 57

ta n to s acontecim entos desastrosos, que rap id a­


m ente tem-se succedido huns aos outros em todo
o Im p e rio : que m inhas forças estancadas na lu ta
com tan tas dificu ld ad es: e que m inha razão
pouco fecunda em recursos, sejão a causa de
prever males tão proxim os, e que por ventura
se achão á tão grande d istancia; mas sou B rasi­
le iro : interesso pela m inha P a tria : e antigos, e
novos exem plos me fazem estrem ecer a vista da
m archa p rogressiva do esp irito revolucionário
no B rasil.

Tranquilidade, e Segurança Publica.

P ará, M aranhão, Ceará, Pernam buco, Bahia,


E s p irito Santo, Cuiabá, e Goyaz, são as P ro v in ­
cias aonde m ais extensivo foi o movimento re ­
volucionário. Sedições m anejadas por pessoas
tu rb u len tas, e ambiciosas, reforçadas por m ili­
tares, que aberrarão no cam inho do dever, e da
honra, tem sido em geral o genero de commo-
ções, que m ais tem perturbado estas Provincias.
T o d as achão-se presentem ente em apparente
tran q u illid ad e; e o mesmo Ceará deve estar li­
vre das atrocidades de P in to M adeira, segundo
as ultim as noticias, das quaes constava, que os
h ab itan tes daquella Provincia lhe tinhão oppos-
to vigorosa resistência e que as circum visinhas
estavão do mesmo acordo.
As o u tras Provincias tem mais ou menos se
resen tid o do mesmo espirito v ertiginoso; mas
nem suas C apitaes tem sido perturbadas, nem o
restan te da população affectado.
A C apital do Im perio tem-se conservado
constantem ente em sustos desde A bril do anno
passado. A licença huma vez desenfreada com
d ifficu ld ad e se contém. Os luctuosos aconteci-

mm
MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

m entos de 14 de Ju lh o , e 7 de O utubro passarão-


se dian te dos vossos olhos. Os esforços da classe
in teressad a na m anutenção da ordem publica a
tem segurado até h o je ; m as á som bra d’esta
ap p aren te tran q u illid ad e os p artid o s form arão-
se, os planos forão concertados, e o Governo
sem m eios legaes para os d estru ir vio-se na dura
necessidade de aprom ptar-se sóm ente para o
com bate. No dia 3 do passado sahio á campo o
p rim eiro p artido gerado no club federal; mas
illu d irão -se as suas esperanças, falharão seus
calculos; e esse punhado de facciosos, que atre-
veo-se á affro n ta r a Capital, colheu o fru cto de
sua tem eridade. A 17 do mesmo mez, com igual
audacia appareceu a facção restauradora, annun-
ciada pelo insolente Caramurú e preparada no
conventiculo da Conservadora: igual também foi
o resultado.
Doloroso, mas necessario he dizer, que Boa-
v ista foi o Q uartel G eneral dos C onspiradores:
que da Q u in ta sahirão duas peças, que sob d if­
ferentes p retex to s se recusou en treg ar dias an­
tes, que os Criados do Paço form avão o grosso
do ex erc ito ; e que os C om m andantes delles não
cessavão de freq u en tar os que governavão, ou
dirigião o mesmo Paço.
Srs., estes factos incontestáveis vos devem
convencer do grande perigo em que está a P es­
soa, e os interesses do novo M onarca debaixo
da tu tela daquelle á quem a confiastes. Se elle
não he connivente, he tao inepto, que nem sou­
be o que a Capital ha m uito p resen tira; ou se
soube, não prevenio o m al, que nada m enos im­
portava que a destronisação do seu A ugusto
P upilo.
Todos estes p artid o s existem , e em grande
num ero: não cessão de tram ar novas conspira­
ções, que todas tem p o r fim d eix ar o B rasil
acephalo, e sem R epresentação. Se a voz publica
*; 3» - f *«

HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 59


■%
designa seus principaes autores; se o Governo
bem os conhece, os meios, que as L eis offerecem
para os apprehender, e punir, são inefficazes.
H a homens, que ju lg ão ter direito aos altos E m ­
pregos do E stado, e não duvidarão arriscar tudo
para saciar a ambição, que os devora. He incom ­
patível a paz, e segurança interna com a p re­
sença de sim ilhantes homens.
A T ro p a de l.a L inha na Capital desappa-
receo: as guarnições de terra, as rondas poli-
ciaes, o auxilio á Ju stiça, são prestados pelos
G uardas N acionaes. E ste onus he insuportável.
H a m ais de 6 mezes estes Cidadãos são distrahi-
dos de suas occupações diarias. Serviços ordi­
narios, e ex trao rd in ario s alterão á cada momen­
to os seus com m odos; e m uito deve a P atria á
fidelidade, ao patriotism o, e intrepidez dos
G uardas Nacionaes da C apital do Im perio. D ei­
xando esta de ser presa das facções, tem dado
exem plo ás m ais Provincias de quanto pode o
resp eito á Lei, e o amor da P atria.
A G uarda M unicipal, não obstante as van­
tagens, com que foi creada, ainda não tocou o
num ero de 400 praças. Tal he a repugnância, que
tem os B rasileiros á profissão M ilitar, em todos
os tem pos tão mal, e tão desigualm ente recom­
pensada. Cumpre providenciar esta falta. Sem o
auxilio da l.a L in h a encarregada da guarnição
da Cidade, não h e possível que possa continuar
o actual m ethodo de segurança publica.
A instituição das Guardas Nacionaes deve
ser alterada, a fim de com prehender m aior nu­
m ero de Cidadãos prestáveis. O s de reserva
achão-se em serviço activo: a mocidade reunida
á an tig a Guarda M unicipal está addiada áquella:
fizerão-se as possíveis reducções nas d iffere n ­
tes guarnições: não ha huma só sentinella dis­
pensável: a G uarda M unicipal coadjuva com
serviços ex traordinarios: benem eritos O fficiaes
MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

m ilitares cooperão activam ente como sim ples


soldados, mas ain d a assim raro he o dia, em que
se com pleta o detalhe. A p a rte penal, e o P r o ­
cesso he ou inexequivel, ou inefficaz.
E m algum as P rovincias do Im perio consta
te r se dado p rin cip io á organisação das G uar­
das N acionaes e M unicipaes, e ainda mesmo
n’esta P ro v in cia alguns M unicípios ha em que
ellas não se achão organisadas. A m á divisão das
P aro ch ias; a negligencia de algum as Camaras,
e Ju izes de P az: o desejo de condescender com
a repugnância de A lguns O fficiaes de 2.a linha,
e O rdenanças, que de máo grado se sugeitão a
ser contem plados como sim ples G uardas, tem
sido a causa d’este retard am en to : Q u atro E n g e ­
nheiros estão encarregados d e form ar as divisas
das Parochias, e C uratos d’esta P rovincia, de
m aneira, que a com modidade de seus h ab itan ­
tes esteja em H arm onia com o serviço publico.
A C apital tem hoje 5 B atalhões de In fa n te ria , e
3 E squadrões de Cavallaria, contendo a força
de 4 m il G uardas N acionaes. Se o Governo do
B rasil deixou de ser m ilita r; se não convém ás
liberdades publicas augm entar o num ero d’esta
classe, cum pre, que todas as Cam aras M unici­
paes organisem hum a guarda p ro p ria á custa do
M unicipio, cujo plano seja previam ente appro-
vado pelos Conselhos geraes resp ectiv o s: he só
d’esta arte, que a Ju stiç a será resp eitad a; e os
p articu lares desonerados de serviços, aliás ne­
cessários e frequentes, e que de ordinario, ou
não são prestados, ou o são fo ra de tempo, po­
derão entregar-se seguros às suas occupações
diarias.

Administração da Justiça

A ugustos, e D ignissim os Srs. R ep resen tan ­


tes da Nação, quando á força de instancias en-
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 61

carreguei-m e d’esta R epartição, todo o Im perio


sabe em que estado de h o rro r, e de consternação
achava-se a C ap ital: ninguem n’ella estava se­
guro. Roubos, e assassinios commetião-se de dia,
nas ruas, á face das A u to rid ad e s; e este mal tra ­
zendo sua origem de tantos annos de descuido,
e relaxação, não dava esperanças de prom pto
rem edio. A policia tin h a desapparecido, nem o
G overno era inform ado dos acontecim entos dia-
rio s: tudo estava abandonado. H oje se não forão
as facçõ es; se a ambição não estivera em cam­
po, talvez se podesse affirm ar sem erro, que ha
m uitos annos a Cidade do Rio de Jan eiro não
offereceo ta n ta segurança á seus habitantes, en­
tre ta n to que de dia se não vê hum a só patrulha.
D esapparecerão as quadrilhas de ladrões, que in-
festavão sem pre a C apital e suas visinhanças;
os assassinatos dim inuirão consideravelm ente e
as desordens já não são tão frequentes: graças
á vigilância, ao zelo incansável, e ao patriotism o
dos Ju izes de Paz, que sem o menor interesse,
com sacrificio s de seus bens, expostos a m ale­
dicência dos perversos, voltarão-se inteiram ente
ao bem da P atria. Sendo tão frequentes as p ri­
sões dos vadios, turbulentos, e que usão de armas
defezas, que mezes houverão, em que forão re­
colhidos ás cadêas m ais de SOO, hoje haveria me­
n o r num ero de presos, que a hum annd atraz, se
os sediciosos, e conspiradores nao viessem ha
poucos dias engrossa-lo; mas ainda assim não
excede a 850.
A organisação da P olicia em todo o Im perio
deve m erecer-vos m ui p articular cuidado. Os
Ju izes de P a z exclusivam ente encarregados
d ’ella, nem sem pre poderão entregar-se ao tra ­
balho, que demandão circunstancias ex trao rd in a­
rias, nem todos terão a intelligencia, e circuns­
pecção necessaria. M agistrados probos, e intelli-
gentes, da nomeação do Governo, collocados nos
MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

centros de d iffe re n te s circulos, com jurisd ição


com utativa com os Ju izes de Paz, e com ins-
pecção sobre os mesmos, são os que podem sup-
p rir suas faltas, e h ab ilitar o Governo a p rovi­
d enciar sobre a tran q u illid ad e e segurança pu­
blica. D ’outra sorte, sem unidade de acção, e sem
meios, o Governo collocar se ha fóra da resp o n ­
sabilidade, e os Cidadãos ficarão sujeitos á sorte
de erradas escolhas.
A A dm inistração da J u stiç a civil he des­
graçada; hum grito unisono se houve de todos
os pontos do Im p erio : os M agistrados em gran ­
de p arte ignorantes, frouxos, e omissos deixão
que as dem andas se eternisem ; e hum Processo
decretado em vistas de tu d o acautelar, involve
nas trévas da chicana as causas ainda as m ais
simples. A propriedade do Cidadão depende do
capricho do ju lg a d o r; e se a prudência presi­
disse ao desejo das partes, mais u til lhes seria
abandonar o p retendido d ireito , do que in ten tar
reivindical-o á custa de tantos sacrifícios quasi
sem pre inúteis. 1
Se a Assem bléa Geral não se en surdecer ás
instancias de suppostas necessidades; se não
despresar as reclam ações da classe obstinada á
exigências de certas form ulas dispensáveis, con­
tin u ará ainda por m uitos annos este talvez o
m aior flagello do B rasil.
O s Ó rfãos, e pessoas m iseráveis, á quem a
Lei designando M agistrados privativos, quiz
providenciar, estão por to d a a parte em aban­
dono. O contencioso m isturado com o adm inis­
trativ o , entregues as causas á descripção de J u i­
zes leigos, ou negligentes, ou que por pouco
tem po se demorão nos lugares, não offerecem
garan tia algum a áquelles infelizes. O u tro tanto,
e ainda m ais acontece com os desgraçados A fri­
canos conduzidos á nossos portos por contraban­
dos: não tendo parentes, ou am igos interessa-
HISTÓRIA. DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 63

dos na sua sorte, vão ser perpetuam ente redusi-


dos á escravidão: ignora-se até o poder em que
se achão, e não ha m eios de rem ediar sim ilhante
falta.
O vergonhoso, e infam e trafico dos pretos
continua p o r toda a parte. Sem effeito tem sido
até hoje as m ais energicas recom mendações.
Q uando as mesmas A utoridades são interessadas
no crim e, inevitável he o com m ettel-o: com tu d o
o G overno acaba de dar hum R egulam ento para
a execução da C arta de Lei de 7 de Novembro
do anno passado, talvez que delle resultem os
bens, que a referid a Lei pretendeu mover.
Os J u í z o s de p rim eira instancia são encarre­
gados em quasi todo o Im perio á leigos, que ha-
bitão lugares, onde nem ha á quem consultar, e
que derigidos pelos p ro p rio s E scrivães ignoran­
tes, ou perversos são cegos in strum entos de pai­
xões alheias.
A s Relações m al organisadas, e a tão g ran ­
des distancias das p artes, longe de serem m ais
hum a g aran tia ao Cidadão, só servem para pro­
lo n g ar seus sofrim entos.
A R elação de P ernam buco creada com nove
D ezem bargadores achava-se com desoito: o Go­
verno não podia reconhecer Em pregados fóra
da L e i : designou os que por sua antiguidade for-
mavão o num ero le g a l: deixou continuar ne
exercício em que estavão seis; porque a Lei do
O rçam ento applicando-lhes ordenados, de cer­
to modo parecia reconhecer a sua creação. Os
m ais forão declarados nullos até que a Assem-
bléa G eral resolvesse o contrario.
A Relação do M aranhão foi inteiram ente
aniquillada pela Sedição de S etem b ro ; forçoso
foi nom ear in terinam ente 3 D ezem bargadores
para que não se interrom pesse a m archa da J u s ­
tiça naquella P ro v in cia; mas restitu íd o s, como
estão, os p ro p rietario s aos seus lugares, term i-
I
64 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

nadas as causas em que estes são suspeitos, de­


vem aquelles retirar-se.
A A dm inistração da J u s tiç a C rim inal he
pessim a. A fa lta de prom pta punição do crim e
descorçoa o Cidadão pacifico, e resp eitad o r da
Lei. A in d ifferen ça dos M agistrados: a ig n o rân ­
cia de grande p arte delles, organisando P ro ces­
sos inform es, dão lugar á im punidade dos réos;
m il factos vos poderião ser apresentados, basta
porém recordar, que a C apital in teira foi te ste ­
m unha dos lugubres acontecim entos de 14 de
Junho, e 7 de O utubro, en tretan to a m aior p ar­
te dos delinquentes não foi p ro n u n ciad a; e dos
pronunciados todos, ou quasi todos, forão absol­
vidos. J á não ha quem se atreva a depôr contra
os réos; porque esperão ser com prom ettidos,
sem que por isso seja a Ju stiça satisfeita. V er­
dade he, que a m inuciosidade do Processo, e
tan tas solenidades requeridas occasionão fre ­
quentes nu llid ad es; e a Lei que tan to se cançou
por salvar a innocencia, pareceu im portar-se
pouco com a prosperidade publica: donde resu l­
ta te r o M agistrado na mão a chave dos destinos
do Cidadão, e verem-se por isso todos os dias
com espanto, e indignação soltarem -se réos car­
regados de enormes crimes, quando o u tro s por
pequenas faltas jazem sepultados annos in teiro s
nas prisões. Não he possivel, que possa continuar
este estado de cousas! O Codigo de Processo
adoptado já em huma das Camaras, creando o
Ju rad o no crim e tem providenciado em p a rte ;
a im m oralidade porém, que todos os dias cresce
he hum a barreira, onde quebra-se a fo rça das
m elhores instituições.
A ugustos e D ignissim os Senhores R epre­
sentantes da Nação, entre nós a M oral foi sem­
p re hum objecto religioso, e feliz o povo, cujas
maxim as de v irtu d e vindas do Céo não estão su­
je ita s ao capricho, e ás paixões dos homens.
Eusébio de Queirós Coutinho
Matoso Câmara

José Clemente
Pereira

Lino Coutinho

Ciprlano J. Barata de Almeida


HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 85

Em quanto a R eligião C hristã foi resp eitad a:


em quanto sua m oral foi ensinada: quando seus
M inistros davão o exem plo da santidade da d o u ­
trin a, que professavão, os B rasileiros ain d a se­
m ibarbaros, não obstante hum G overno despó­
tico, que os hum ilhava, deixavão entrever hum
fundo de honra, e probidade, certo respeito, e
veneração á v irtu d e, o que hoje he bem pouco
vulgar. E lev ai a R eligião ao seu antigo estado.
Não espereis da mesma Ig reja a refo rm a de que
ella n ecessita; a m aior parte dos P relados, dos
Sacerdotes, e m ais M inistros de culto, tem -se es­
quecido in teiram en te dos seus deveres. C onten­
tando-se com exterioridade, percebendo unica­
m ente as vantagens do seu M inisterio, grande he
o mal, que occasionão á R eligião; nenhum he o
proveito, que os Povos tirão de não pequenas
sommas, com que contribuem debaixo de diver­
sos p rete x to s para a manutenção* do mesmo
culto.
Sem que a A ssem bléa invada o dom inio es­
p iritu a l: sem dar m otivo á ju sta s queixas da A u­
to rid ad e E cclesiastica; usando do d ireito, que
ninguem lhe d isp u ta de ad m ittir sóm ente as
Leis disciplinares, que estiverem de acordo com
- as Leis, com os usos e costum es da Nação B ra­
sileira, e negando ou suspendendo o B eneplacito
á todas as o u tras Leis, está principiada, e con-
cluida a indispensável reform a. N em he de p re­
sum ir, que os E cclesiasticos do B rasil, conhe­
cendo a p u reza das intenções dos R epresentan­
tes da Nação, e a lig itim id ad e de suas delibera­
ções, queirão engrossar o num ero dos p e rtu r­
badores da O rdem publica, e im itar o deplorável
exem plo dos fanaticos, e supersticiosos, que em
nome da R eligião, que d etesta o crime, e r eprova
a desordem , inundão o m undo de atro cid ad es e
de m iserias.
Se a Camara dos Srs. D eputados reconhecer
!•'. ■

MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

com o Governo á absoluta necessidade de pôr


term o á im m oralidade p ublica: se concordar no
meio proposto, im portantes trab alh o s estão quasi
concluidos, e serão apresentados á vossa consi­
deração.
Srs., O u tra causa não m enos fecunda da im-
m oralidade he a licença de escrever. Povos ain-
da ig n o ran tes: hum a m ocidade fogosa, cujos
annos vão despontando no orisonte de hum a L i­
berdade ainda mal firm ada, e pouco esclarecida,
abração com precipitação, e sem o m enor exame,
tu d o quanto pelo p restig io da Im prensa se offe-
rece á sua in esp erta razão. Q ualquer homem sem
letras, e sem costum es, espalha im punem ente
prin cip io s falso s: ataca a vida p articu lar e pu­
blica do Cidadão honesto: inflam m a as paixões,
e resolve a Sociedade. Tem os Lei, he verdade,
que castiga estes abusos, m as he ainda in su fi­
ciente para reprim il-os. O escriptór descobre
m uitos m eios de escapar á responsabilidade: e
sendo tao graves as consequendas do abuso de
escrever, he com tudo o crim e m ais favorecido
pela L ei existente. Cautelas devem ser tomadas,
para que o E scrip tó r nem possa illu d ir a boa-fé
dos leitores, occultando o seu nom e talvez bem
despresivel, nem escape ao prom pto castigo de
sua tem eridade. A s in jurias, calum nias, e am ea­
ças, que pela Lei de 26 de O utubro do anno p ro ­
ximo passado tão sabiam ente classificastes en­
tre os crim es policiaes, ainda im pressas, devem
ser processadas do mesmo m odo: A sim plicida­
de do Processo, a prom pta im posição da pena,
abafarão .o resentim ento de honra u ltrajad a :
evitar-se-hão as funestas co n seq u en d as do am or
pro p rio offendido, e conter-se-ha a audacia do
homem sem pundonor, e sem educação.
A sorte dos prezos já não he tão desgraça­
da: comem duas vezes ao dia, hum a subm inis-

trad a pelo Governo, e o utra pela S anta Casa. Os
I
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 67

nus são vestidos: seus Processos tem sido alg u ­


ma cousa ad ian tad o s; e á vigilância, e zelo in ­
cansável do P resid en te da Relação, deve-se esse
tal ou qual m elhoram ento na adm inistração da
Ju stiça , e algum a ordem, e regularidade na m ar­
cha dos Processos. Se o Governo não tivera a
p rom pta coadjuvação d’este M agistrado, nada
te ria feitq n’este ramo da A dm inistração. Por
filan tro p ia elle se tem encarregado de obriga­
ções pesadas e alheias do seu M inisterio. H e á
in teg rid ad e, ao am or da Ju stiça do D esem bar­
gador que n ’estes ultim os tem pos servio de P ro ­
m otor, que se deve, nas suas visitas das Cadêas,
a descoberta de tan to s desgraçados inteiram ente
esquecidos, e to talm en te abandonados.
O s A rm azéns de Sta. B arbara, e as prisões
da Ilh a das Cobras, tem sido preparadas: achão-
se quasi concluídas, e com capacidade para con­
te r m il presos em onze repartições, entrando no
num ero destas as destinadas para a M arinha, e
hum espaçoso hospital, que póde acommodar
m ais de cincoenta enferm os. E stão limpas, e are­
ja d a s: são seguras, e retiradas do centro da C i­
dade: já não devem assustar os seus habitantes.
Nas duas Ilh as há lugares destinados para A u ­
diência, Guardas, e Carcereiros. J á o horroroso
da cadêa d esap p areceu ; e este inferno dos vivos |1|
não ato rm en tará jam ais.
N ão era possível, que a quantia decretada
no O rçam ento bastasse para tanta despeza, e des-
peza reclam ada com urgência pela hum anidade;
m as ta n to foi o excesso neste anno, tanta sera
/ a dim inuição no seguinte.
R esta o calabouço, prisão tyrannica, e in to ­
lerável. Se os presos não forem transportados
para a an tig a cadêa, como tanto comvém ao ser­
viço, á que são destinados, deve ser quanto an­
tes arejad a; a despeza será pequena, e m uito
g anhará a hum anidade.
r

MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

E stá banido o abuso vergonhoso de m anda­


rem os Srs. aos escravos enterrarem -se naquelle
lu g a r por mezes, e p o r annos; e de serem açoi­
tad o s deshum anam ente por ordem da m esm a au-
th o rid ad e, que m ais devia p ro teg er a estes des­
graçados. N em mais de hum mez poderáõ ser alli
re tid o s á arb itro dos sen h o res; nem m aior casti­
go que o de cincoenta açoites serão dados por o r­
dem dos mesmos. O G overno ju lg o u que a au ­
to rid ad e dos senhores re stric ta á correcção de
faltas, não devia estender-se á punição de c ri­
m es reservada á Ju stiça. O s escravos são homens,
e as L eis os com prehendem .
Se a C apital possue h o je prisões su fficie n ­
tes, outro tan to acontece no resto da P rovincia,
e do J m p e rio . Não he possivel, que das co n tri­
buições geraes se possa ap p licar qu an tia s u ffi­
ciente para objecto, que reclam a m ui prom ptas
providencias. Cada M unicipio tem p articu lar in ­
teresse na prisão, e castigo dos m alfeitores, deve
ser obrigado á co n trib u ir -para sim ilhante des-
peza. E m quanto ella se não fizer á custa dos in ­
teressados, prom essas, e esperanças serão o unico
socorro, que a Assem bléa G eral lhes poderá sub-
m in istrar.
N ’estes ultim os tem pos tem sido ex trao rd i­
nario o esforço dos p resos em arrom bar as p ri­
sões. D esde que suberão, que o arrom bam ento
não he crim e, não ha nem v ig ila n d a nem m eios
de obstar ás tentativas. O G overno espera, que
a A ssem bléa G eral retocando o novo Codigo
crim inal n’esta sessão p ara p ô r em m elhor p ro ­
porção as penas com os delictos, se não esque­
cerá d’este im portante objecto. Cum pre ig u al­
m ente, que o P oder L egislativo D ecrete o ge­
nero, e q u an tid ad e de castigos correccionaes,
que os C arcereiros possão in flig ir aos presos,
quando recusão cum prir com seus deveres. E sta
falta produz hum a im m oralidade espantosa:
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 69

ameaça a existência dos E m pregados nas p r i­


sões, e d ificu lta sobre m aneira o tratam en to dos
presos.
Senhores, não vos pareça extranho, que o
Governo prim eiro executor da Lei, tan to se
queixe de sua fa lta de execução. O que póde fa ­
zer o G overno do B rasil? Recom m endar? In s ­
ta r? M andar? T u d o isto tem fe ito : nada m ais
lhe resta fazer. E xpor-vos com franqueza o v er­
dadeiro estado de tran q u illid ad e e segurança
publica, e da adm inistração da J u stiç a : arriscar
suas co n jectu ras sobre as causas, que produzem
esse mesmo e s ta d o : apontar os meios, que a ex-
periencia aconselha para rem ovel-as; he até onde
chega a alçada do Governo.
A u g u sto s e D ignissim os Senhores R ep re­
sen tan tes da Nação. Se a Nação, cujo Governo
he fraco, está exposta aos em bates das paixões,
e aos assaltos do crim e, o que será d ’hum E s ta ­
do, como o B rasil, onde hum a A dm inistração
frouxa, e im previdente, por longos annos deixou
os hom ens fam iliarisarem -se com o crim e; onde
a im punidade tem sido constante, e os laços so-
ciaes quasi in teíram en te se dissolverão? O ha­
bito de obedecer; o tem or do reto rn o do absolu­
tism o ; o p restig io de hum M onarca rodeado de
atribuições, e de P oder, e que parecia escorado
p o r P o tên cias fortes, forão, no m eu pensar, a
mola, que su sten tav a ainda a ordem social no
B rasil. T udo isto porém desapareceu; e teve de
succeder na R egencia á hum P rincepe Cidadãos
tirad o s do meio da sociedade, sem outro p re sti­
gio m ais do que a probidade e o patriotism o. O
Governo desde então exposto aos ataques da in ­
veja, da ambição, da m aledicência, e da calum nia:
obrigado a im p lo rar ju stiça m uitas vezes peran ­
te os p ro p rio s offensores, e este recurso im po­
ten te, não pode deixar de tornar-se cada vez mais
fraco. Se o O fficial publico não for encarregado
MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

de officialm ente v indicar as in ju ria s feitas a


hum tal Poder, nem poderá su sten ta r a sua d ig ­
nidade nem deixar de ser presa das facções.
Srs. pela C onstituição he o G overno o b rig a­
do a prover tudo quanto fo r concernente á se­
gurança in te r n a ; as Leis porém lhe não facultão
os m eios; he ào P o d er Ju d icial unicam ente a
que se offerecem alguns recursos, ao G overno
com pete d irig ir D ecretos, R egulam entos, e In s-
trucções adequadas á boa execução das L eis;
mas qualquer homem lhe d isp u ta a in telig ên cia
d’ellas; o M agistrado se arroga esse d ire ito : for-
mão-se duvidas reaes, ou ap p aren tes; e o G over­
no he m ero espectador d’esta confusão. O que
acontece he, que cada Cidadão obedece quando
q u er; que cada J u iz entende a L ei e julga, como
lhe convem ; e o Governo que he o principal
executor d’ella nem ao m enos pode fix ar a sua
in tellig en cia para exigir a sua execução. A ’ As-
sembléa com pete pôr term o á esta colisão, e de­
clarar o direito do Governo, firm ar a in tellig en ­
cia das Leis, pelo m enos em quanto o P o d er L e ­
gislativo não in terp retal-as diversam ente.
P ela C onstituição o Governo nomea os E m ­
pregados p u b lico s: sem elles não m arca a A dm i­
nistração, e n tre tan to todos, ou quasi todos são
vitalícios, ou de eleição popular. O Governo
nem os póde d em ittir, nem mesmo em m uitos
casos suspender, e m uito menos castig ar: he a
outro P o d er a quem está reservado o juizo da
sua conducta. E s te P oder acha-se mal organiza­
do: an tig as peças, e m uito im perfeitas compõem
este novo E d ifíc io : he quasi sem pre rival do
E x ec u tiv o ; este ainda não pôde conseguir a res­
ponsabilidade talvez de hum só dos que tem sido
subm ettidos ao seu Juizo, não obstante a voz pu­
blica perseguil-os. Senhores, se a resp o n sab ili­
dade dos E m pregados não fo r encarregada á
hum T rib u n al popular ou ao m enos eterogenec
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 71

aos que devem ser responsabilisados: se o P ro ­


cesso não for sim ples, e prom pto, he a resp o n ­
sabilidade hum a p erfeita quimera.
O T rib u n al Suprem o de Ju stiça está abso­
lu to de facto, e de d ireito : de facto, porque ju l­
ga-se irresponsável em suas deliberações, e re ­
cusa dar contas de sua co n d u cta; de direito, por­
que a Lei fazendo o T ribunal inteiro J u iz em
m uitos casos, deixou seus membros sem J u iz que
conheça de suas prevaricações. Se máo he hum
G overno absoluto em M ag istratu ra responsável;
quem poderá su p o rtar hum a M ag istratu ra abso­
lu ta com G overno responsável?

Srs., o G overno do B rasil nenhum mal póde


p rev en ir: elle não póde nem punir, nem recom ­
pensar, e quando mais não fosse isto bastava para
provar a sua nim ia fraqueza. Tem pois existido
ain d a o G overno do B rasil, porque he N acional,
porque tem m archado á par da vontade do m aior
n u m ero ; porque a classe interessada na Ordem,
convencida da pureza de suas intenções; da ju s ­
tiça de suas deliberações da invariabilidade do
seu caracter, tem feito esforços extraordinarios,
tem sacrificado seus commodos, e até sua pro­
p ria existência para su sten tal-o ; mas quanto he
desigual a so rte do Cidadão respeitador da Lei
e a do am bicioso, e do perverso! Os C hefes dos
C onspiradores lanção mão de todos os meios
para conseguir seus fins, em quanto o Governo
re stric to á Lei não pode dar hum só passo fóra
d^ella. C ircunstancias extraordinarias sobrevem,
m as nem por isso as Leis se mudão. A ambição,
a inveja, a vingança, o interesse desenvolvem-se
de mil m aneiras: nenhum obstaculo encontrão;
quando o Governo ou ignorando as cilladas, ou
m ero espectador dos tram as insidiosos, a penas
se prepara para hum combate in certo : e ainda
depois d’este he obrigado a vêr os inim igos da
MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

P a tria sahirem das cadêas carregados de crim es


para forjarem ou tro s ainda m aiores.
Tal he Srs., o G overno do B ra sil: taes são
as triste s circunstancias em que nos achamos.
H um abismo horroroso está a hum só passo dian­
te de nós. R ejnedios fo rtes, e prom ptissim os
pódem ainda salvar a P atria. H um só m om ento
de dem ora talvez faça a desgraça inevitável. Ou
lançai mão d’elles com presteza, ou decidi-vos
já pela negativa. O Governo está firm em ente re ­
solvido á aju d ar vossos esforços em salvar o
B rasil, quando queiraes m archar de acordo com
elle ; ou abandonar já o lu g a r para ser su b stitu í­
do por quem se ju lg u e com valor de arro star
tan tas dificuldades.

Rio de Jan eiro , 10 de M aio de 1832.

D IO G O A N T O N IO F E I J O ’.

Em 1832 foi extinto o cargo de intendente


geral de Polícia e criado o de chefe de Polícia.

Em 1832, a 29 de Novembro, foi prom ulgado o Código


do Processo Crim inal, que veio fazer passar a P olícia por
transform ações.
F oi ex tin to o lugar de in ten d en te geral de P olícia e
criado o de chefe de P olícia, que seria um dos juizes de
direito.
O chefe de Polícia, porém, não foi logo nom eado;
continuou a P olícia a ser adm inistrada por intendentes, e
assim, vemos, ainda nêsse ano, como tais, o desem bargador
A ntônio P ereira B arreto Pedroso, o desem bargador F ran ­
cisco Jo sé Alves C arneiro, o desem bargador A ureliano de
Souza e O liveira C outinho, o dr. A gostinho M oreira G uerra,
e, finalm ente, o dr. Eusébio de Q ueirós C outinho M atoso
Câmara.
P P » w .

HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 73

Atribuições do chefe de Polícia.

D ispondo o Código do P rocesso Crim inal, em seu a r­


tig o 6.°, que “ nas cidades populosas poderá haver até trê s
ju izes de direito (em cada com arca) com ju risd ição cum u­
lativa, sendo um dêles o chefe de P olícia” ficou conse­
quentem ente ex tin to o an tig o cargo de in ten d en te geral de
P olícia, e foi preciso d e fin ir as atribuições que iam caber
à nova au to rid ad e criada. T al o objeto do seguinte decreto:
“ A R egência P erm anente, em nome, etc.,
tendo em vista o disposto no Código do P ro ­
cesso C rim inal e querendo reg u lar as atribui­
ções do chefe de P o lícia decreta:
A rt. l.° — O ju iz de direito que for chefe
de P o lícia te rá a seu cargo:
1. ° — V ig ia r sôbre tu d o que pertence à p re­
venção de d elito s e m anutenção da segurança
pública.
2. ° — In sp ecio n ar tôdas as autoridades poli­
ciais do seu têrm o e seus subalternos, os quais
lhe serão todos subordinados.
3. ° — T e r todo o cuidado em saber se as re ­
ferid as au to rid ad es cum prem seus regim entos e
desem penham seus deveres no que toca à P o ­
lícia.
4. ° — D ar às referidas autoridades as in stru ­
ções que ju lg a r necessárias para m elhor desem­
penho das atribuições policiais que a lei lhes fa­
culta, advertindo as que forem omissas e n e g li­
gentes e prom ovendo a que se lhes faça efetiva
a responsabilidade.
5. ° — Convocar as vezes que ju lg a r conve­
niente ou a pedido de qualquer autoridade poli­
cial as o u tras autoridades policiais do têrm o,
afim de conferenciarem sôbre os m eios de m an­
ter a P o lícia segurança e tranquilidade pública,
prevenindo que se cometam delitos e coadjuva­
rem-se m utuam ente.
MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

6. ° — E xam inar se as câmaras m unicipais


têem providenciado sôbre os objetos de polícia
que por lei se acharem a seu cargo, rep resen ­
tando-lhes por meio de ofícios civis as m edidas
que entender convenientes, que se converterão
em posturas e usando do recurso do artig o 73,
da lei de l.° de O utubro de 1828, quando não fo r
atendido.
7. ° — T e r inspeção sôbre os te atro s p ú b li­
cos, prisões, casas de correção, hospitais, e casas
de caridade, fiscalizando a execução dos seus
respectivos regulam entos e dando aos ju izes e a
quem houver incum bida a inspeção dos teatros,
espetáculos, prisões e casas de correção.

A rt. 3.° — O chefe de P olícia dará conta ao


m inistro da Ju stiç a da C orte e aos presid en tes
nas províncias de quanto se contiver em as p ar­
ticipações que os juizes de paz devem dar, em
conform idade do disposto no artigo an teced en ­
te, e observará no que forem aplicáveis e ainda
se acharem em vigor, as disposições dos p ará­
grafos 6 até 19 do alvará de 25 de Ju n h o de
1760.
A rt. 4.° — O mesmo chefe de P olícia v isi­
ta rá no p rin cíp io de cada mês as prisões e ca­
deias, acom panhado do prom otor público do te r ­
mo, o qual deverá requerer a bem do ad ian ta­
m ento dos processos dos presos, e da observân­
cia das leis, lavrando-se de tudo os com petentes
term os.
A rt. 5.° — O expediente da P olícia da C ôrte
se fará pela com petente Secretaria, para a qual
o chefe de Polícia form ará um regulam ento
contendo as obrigações dos seus em pregados, que
subm eterá à aprovação do governo; nas outras
cidades, em que houver chefe de P olícia, o seu
. ps

HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 75

expediente se fará pelos escrivães dos ju izes de


direito.
H onório H erm eto C arneiro Leão, M inistro
da Ju stiç a , o faça executar, etc.”.

O ministro da Justiça declara oficialmen­


te que em 1833 não existia polícia no Império.

E m seu relató rio de 1833 declara o m inistro da Ju stiça


H onó rio H erm eto :
“ A P olícia, objeto de ta n ta im portância em tem pos de
perturbações, pode-se dizer que não existe hoje no Im pé­
rio. A In ten d ê n cia G eral da P olícia desta Côrte, que em
m uitas ocasiões foi objeto de declamações tais, que, ao
ouvir-se os declam adores, se deveria supô-la m ontada à se­
m elhança da P o lícia de França, de fato nunca a ela se apro­
xim ou. No tem po da m inha vida pública, sem pre a conheci
lim itad a à adm inistração de obras públicas, e à apreensão
de ladrões e m alfeito res, de objetos roubados ou furtados,
e de escravos fugidos. E stas mesmas atribuições eram mal
exercidas por d eficiên cia de meios, porque cada ano uma
desgraçada fatalid ad e fazia com que mais se lhe re strin ­
gissem os poucos que tinha, negando-se-lhe sem pre tôda a
espécie de cooperação.
A ssim mesmo, a P olícia, sem pre que teve in ten d en te
hábil e d ilig en te, não pequenos serviços fez a esta capital;
hoje, porém , está in teiram ente privada de os poder fazer
de algum a valia.
O Código do Processo ex tin g u iu o intendente geral da
P olícia, ordenando, como ordenou, que nas cidades populo­
sas pudesse haver até três juizes de direito, e que um dêles
fôsse o chefe de P olícia. O Código, porém, não d efiniu o
que fôsse chefe de Polícia, que atribuições tin h a e como as
havia de exercer.
O govêrno deu-lhes um regulam ento; por êle o chefe
de P o lícia está quase lim itado a tran sm itir n o tícias aos ju i­
zes de paz e a recebê-las dêles para as com unicar ao govêr-
76 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

no. É fácil, portanto, aju izar que chefe de P olícia é um


nome vão, que não serve senão para com prom eter o m a­
gistrado que o tiver.
Não tem ju risdição para passar um só m andado de b u s­
ca, um só m andado de prisão.
E m uma capital como esta, em que h a uma tão g rande
acum ulação de ladrões e facínoras e em que aportam tan to s
estrangeiros vadios, hábeis na arte de fu rta r, é in d isp en sá­
vel uma polícia m elhor m ontada. Os ju izes de paz não po­
dem exercê-la satisfato riam en te; além disso, não se pode
p ô r à disposição de tantos juízes a fôrça pública e nem pode
haver a unidade que seria necessária. A m uitos falta a in te ­
ligência, zêlo e atividade que para isso era necessária; ou­
tros, ocupados com seus negócios p articu lares, tem em pro­
curar vestígios de delitos, que lhes roubariam o tem po que
querem dar a êssèfe negócios.
Assim, pode-se dizer que o Código de Processo no que
toca à Polícia, não protege a vida dos cidadãos honrados,
não lhes g arante meios de haverem sua propriedade ro u ­
bada; protege os roubadores, d ificu lta e to rn a in certa a
apreensão do que êles uma vez conseguiram apropriar-se
violenta ou astuciosam ente.”

Quando o imperador d. Pedro 11 con­


tava oito anos e nove meses, tentaram
raptá-lo — Dois importantes documentos
oficiais relativos ao grave acontecimento.

O fato constitue um dos episódios m ais graves da H is­


tó ria do B rasil, no regim e m onárquico, e foi, sem dúvida,
um dos m ais sensacionais na H istó ria da P olícia do R io de
Jan eiro . E n tretan to , não é dos mais comentados, nem foi
ainda suficientem ente esclarecido pelos nossos h isto ria­
dores.
D. P ed ro I I contava apenas oito anos e nove meses,
quando ten taram raptá-lo, no paço im perial da cidade, na
no ite de 21 de Setembro de 1833.
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 77

Ju stam en te, à falta de m aiores esclarecim entos, o caso,


por vezes, tem sido considerado sim ples m anobra política,
ou fru to da im aginação popular, tão fé rtil em boatos na épo­
ca em que teria ocorrido.
D e qualquer form a, há dois im portantes docum entos
oficiais relativos ao grave acontecim ento; um dá conta das
providências po liciais; outro, em form a de decreto, da p ró ­
p ria R egência, pune os juizes de paz — “ por omissão
em objeto tão grave, como pela alteração da tranquilidade
p ública”.
D iz o prim eiro d o cu m en to :

“ lim o. e Exm o. Sr. — Sabendo há pouco que


no paço im perial se achavam reunidos alguns
juizes de P az e que para ali afluiam m uitas pes­
soas, m andei que o chefe de P o lícia se dirigisse
ao mesmo paço e soubesse o m otivo de seme­
lh an te reu n ião ; assim o fez e acaba de infor-
m ar-m e que um dos referid o s juizes, tom ando
a palavra pelos outros, lhe dissera que constan­
do-lhes que havia um plano de roubar-se esta
no ite a pessoa de s. m. im perial o im perador e
a au g u sta fam ília im perial, se haviam dirigido
ao paço para obstar sem elhante aten tad o ; c
observando-lhes o dito chefe quanto era ex trao r­
d inária sem elhante reunião, que estava causando
alarm e na capital, disse-lhes que se deveriam re­
colher a seus d istrito s e neles m anter a tran q u i­
lidade pública, depois do que dirigiu-se ao tu to r
de s. m. im perial a indagar m ais circunstancia­
dam ente o fato, e diz-me o mesmo chefe de P o ­
lícia que o tu to r lhe dissera que teve uma de­
núncia de que na flo resta se assentara de roubar
hoje o jovem m onarca e que em consequência
tom ara suas precauções. Conquanto isso só m e­
recesse riso, todavia é tão ex trao rd in ário o fato
da reunião dos ju izes de Paz ag o ra de n o ite no
paço im perial, para onde, por tal m otivo, estão
afluindo m uitas pessoas do povo, que ju lg o con-
MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

veniente com unicá-lo já a V. E x c ia .; bem como


o faço ao sr. dr. João B ráulio M oniz e aos srs.
m in istro s; no entanto que estou dando algum as
providências ten d en tes a evitar que se altere a
tranquilidade pública por tão insólito quanto
risível acontecim ento; o prim eiro que tudo m an­
dei refo rçar a guarda do paço, com m aior n ú ­
mero de guardas nacionais. — Rio, 21 de Setem ­
bro, etc. — Senhor P resid en te da Regência, em
nome do Im perador — Aureliano de Souza e
Oliveira Coutinho.”
D iz o decreto da R egência:

“ A R egência P erm anente em nome do im ­


perador, o senhor d. P edro Segundo, tendo em
vista a inform ação do ju iz de D ireito chefe da
Polícia, acom panhada das respostas dos juizes
de Paz do prim eiro d istrito da C andelária Gus­
tavo A dolfo de A guilar, do prim eiro de S anta
A na M anuel Joaquim Gomes F igueiredo, do se­
gundo da mesma freguesia P aulo F ernandes
Viana, do prim eiro e terceiro do Sacram ento
Francisco José P in h eiro G uim arães e A ntônio
Jo sé de Souça e A lm eida, e o fato da ex tra o r­
dinária reunião dos ditos ju izes no paço im perial
da cidade, na noite de vinte e um do corrente,
a pretexto de haverem tido denúncia de que exis­
tia um plano de roubar nessa noite a fam ília im ­
perial, não havendo os mesmos juizes com unica­
do im ediatam ente ao govêrno, nem ao chefe da
P olicia tão horroroso e extraordinário plano,
como era do seu dever, para se darem conve­
nientes providências, se por v en tu ra tais den ú n ­
cias fôssem fundadas, no que m ostraram m ui
culposa omissão, com prom etendo além disso a
dignidade do mesmo govêrno, e perturbando
com tao insólita reunião a tran q u ilid ad e pública,
fazendo-se m ister ao govêrno providenciar p ro n ­
tam ente a tal resp eito ; e tendo outrossim em
I
/

HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 79

vista as mais inform ações, a que se m andou p ro ­


ceder : H á por bem por todos estes m otivos sus­
p ender os referidos juizes de Paz, para resp o n ­
derem em juizo com petente, tanto pela sobre­
d ita omissão em objeto tão grave, como pela
alteração da tranquilidade pública, a que deram
causa. A ureliano de Souza e O liveira Coutinho,
m in istro e secretário de Estado dos Negócios
do Im pério e encarregado interinam ente dos da
Ju stiç a , o tenha assim entendido e faça executar
com os d esp ach o s' necessários. Palácio do Rio
de Jan eiro , em vin te e quatro de Setembro de
m il oitocentos e trin ta e três, duodécimo da I n ­
dependência e do Im pério — Francisco de Lim a
e Silva —- João Bráulio M oniz — Aureliano de
Souza e Oliveira Coutinho."
(D o Correio O ficial de 26 de Setembro de m
1833 — Tom o I — N.° 74).

É de se re p e tir o conselho de V ieira Fazenda a propó­


sito do fam oso “ Q uero já ” : — “ D estrincem o caso os h is­
to riad o res de masso e mona, na frase de Camilo Castelo
B ranco, e p restarão um bom serviço”.
U ltim am ente, escrito res brasileiros de grande conceito
agitaram o assunto e “ abriram perspectivas para fascinantes
pesquisas” : Gustavo Barroso — História Secreta do Brasil
(1937) ; S érgio C orrêa da C osta — As quatro coroas de d.
Pedro I (1941); Roberto Macedo — Notas Históricas
(1941).

O crime da viuva.

E m fins de Setem bro de 1833, a Polícia recebeu d en ú n ­


cia de que em uma casa da rua dos Inválidos, que, naquela
época, tin h a o núm ero 118, uma senhora, viuva do coronel
M anoel dos Santos P o rtugal, havia matado a pancadas uma
escrava.
A&
80 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

Realizadas as necessárias diligências, foi o fato com­


provado, más a senhora evadiu-se.
Um em pregado de uma botica situada nas pro x im id a­
des da casa onde se dera o crim e, declarou à P o lícia que,
às S horas da m adrugada, chegando à rua, ouvira g rito s la n ­
cinantes no in te rio r da residência da viuva, donde, m eia
hora depois, vira sair apressadam ente um padre.
O u a testem unha confundira, pelas vestes, a viuva com
um sacerdote, ou aquela, para poder fu g ir, arran jara, não se
sabe como, a indum entária com pleta de um rep resen tan te
do clero.
A propósito dêsse crime, o Jornal do Comércio do dia
2 de O utubro, na secção “ C orrespondência”, publicou o se­
guinte :
“ U m caso horroroso, um crim e inaudito pelas circu n s­
tâncias agravantes que a acom panharam , acaba de ser pra­
ticado nesta capital. No dia 28 de Setem bro últim o teve
den ú n cia s. ex. o m inistro da Ju stiç a de que a viuva do
coronel M anuel dos Santos P o rtu g al, m oradora na ru a dos
Inválidos, n.° 118, depois de ter m artirizado com m il to r­
m entos uma sua escrava, a assassinara cruelm énte. De
p ronto se expediram os necessários avisos, e pelas 10 horas
da n o ite o ju iz de paz do distrito , acom panhado de seu es­
crivão e de algum as praças do Corpo de Perm anentes, se
d irig iu ao lugar indicado. Chamadas algum as testem unhas
da vizinhança, e em presença delas, procedeu-se a corpo de
delito. A chou-se com efeito o cadáver envolto em um len­
çol cosido, tendo os dentes todos quebrados e os lábios h o r­
rivelm ente dilacerados. Sendo então chamados os escravos
da casa, confessaram estes que, depois de castigar por m ui­
tas sem anas com açoites aquela escrava, sua senhora lhe ti­
rara a vida, introduzindo-lhe o cabo da palm atória pela
garganta, e depois pelas partes pudendas; feito s os exames,
reconheceu-se a veracidade dêste fato, bem como o de se
achar pejada a vítim a de tam anha brutalidade. A lém desta,
achou-se em lu g ar recôndito um pobre p reto cruelm ente
alanhado, e prêso a grossas correntes, provavelm ente des­
tinado a igual sorte. T odos deixavam ver em seus corpos
sinais evidentes da barbaridade dêste m onstro fem inino,
Marquês de Itanhaem, tutor de d. Pedro II e suas irmãs
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO

que no dia seguinte (29) conseguiu subtrair-se às mãos da


ju stiça. E ste fato tem infu n d id o tal horror e causado tan to
escândalo na vizinhança, que dificil é o descrever. P orém
a hum anidade será vingada, porque a ju stiça reclam a exem ­
p la r castigo, afim de não verm os reproduzidas en tre nós
cenas só próprias de povos bárbaros e que tanto revoltam
a natureza. Cabe aqui trib u tarm o s nossos respeitos à honra­
dez com que se houve o sr. dr. M eireles, que, sendo viva­
m ente solicitado para que desse uma certidão de óbito para
ser o cadáver sepultado na M isericórdia, recusou p ro stitu ir
a sua firm a.
F o i depois destas in fru tu o sas diligências que o m ons­
tro determ inou sep u ltar o cadáver no seu quintal, onde já
tin h a aberto p ro fu n d a c o v a ! ... F elizm ente estas cenas são
tão raras en tre nós, que estam os seguros de que o crim e de
um só indivíduo não im p o rtará m ácula ao nome de um povo,
conhecido sem pre pelo seu gênio hum ano e docilidade.'’
Um am igo da H um anidade.”

O ano de 1833 termina com grande


agitação — Os tutores de d. Pedro II —
A questão da Sociedade Militar — Prisão
de José Bonifácio,

2 de D ezem bro de 1833.


A n iv ersário n atalício do im perador d. P edro II.
H ouve cortejo no paço, onde, em nome do corpo diplo­
m ático, orou o m in istro da França, conde de S. P riest.
A Sociedade D efensora da Liberdade e Independência
do B rasil enviou como seu orador, para felicitar o m onarca,
o sócio A ntônio F élix M artins, e com pareceram em n ú ­
m ero de mais de seten ta os alunos das escolas e oficinas do
A rsenal de G uerra, dos quais um, chamado Feliciano P o r-
fírio, exposto da S anta Casa da M isericórdia, e que teria
pouco m ais ou m enos a idade do im perador, recitou um
discurso de saudação, e em nome dos com panheiros, o fere­
ceu diversas obras por êles feitas nas oficinas do arsenal, as
7

sm s
82 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

quais podiam servir de brinquedos a d. P ed ro I I e de in d í­


cios de seus talentos, aproveitados pelo governo em b en efí­
cio de sua orfandade e da nação. De noite, apesar de copiosa
chuva, houve espetáculo de gala no T eatro C onstitucional
Flum inense, presidido pelo juiz de paz Jo sé Inácio
Coimbra.
F indo o espetáculo, capacitado o povo de que na fren te
da casa da Sociedade M ilitar, criada em 11 de A gosto de
1833, estava, entre as figuras dos oficiais das d iferentes a r­
mas, o re tra to do duque de Bragança, pediu e obteve que o
quadro fôsse dali tirado, e depositado em casa do ju iz de
p a z ; arreado o painel e procedendo-se àôbre êle o com pe­
te n te auto de exame, viu-se que havia o seg u in te: — a f i ­
g u ra de um anjo com um dístico que d izia: “ É o meu D eus
que me alum ia e salva; quem tem erei? O m eu Senhor p ro ­
tege a m inha vida; que fatal perigo pode assustar-m e?”
Sobre um pedestal erguia-se um escudo com a coroa
im perial na parte su p erio r; no meio, sôbre um campo vei-
de, P edro I I ; logo abaixo um livro aberto que dizia: “ Cons­
titu ição p o lítica”, com uma bandeira de cada la d o ; da p arte
d ireita levantava-se uma fig u ra que m ostrava ser a de um
oficial de cavalaria; logo adiante um oficial G uarda-N a­
cional, e na fren te a de um m ilitar com o fardam ento do
estado-m aior, chapéu armado com arm inhos, botas à russi-
lhana, esporas, cinto amarelo e encarnado. E ssa últim a f i ­
gura, vista ao longe, dem onstrava o todo do duque de B ra­
gança, porém vista de perto em nada se lhe parecia no sem ­
blante, e nem se lhe acharam insígnias que indicassem ser
o ex-im perador.
Do lado esquerdo apareciam um oficial de m arinha e
um do batalhão do ex-im perador; e na fren te um da a r ti­
lh aria m ontada, o qual, com um outro que ocupava o p r i­
m eiro plano do lado direito, tin h a as mãos postas sôbre a
carta constitucional.
A exibição dêsse painel, no qual lobrigara o povo a f i­
g u ra do duque de Bragança, pareceu ser uma provocação
do partido R estau rad o r; além disso, um dos órgãos dêsse
p artid o ousou publicar que as moças das fam ílias brasi-
h is t ó r ia da p o l íc ia do RIO de j a n e ir o 83

leiras se ufanavam de p referir .


•^ ° “ *» r s : portuãueses
que a SociTdade l i f u t a r ta re :u T r “ para ” b ° ’t
consideração, e vieram m ais superexcitar os ~° ^
quenos editais que se espalharam por tôda a c id a d T " ’ ^
seg u in te proclam ação: Cldade com a
B rasileiro s! — H o je se reune o conselho da Sociedade

H ta ? TT^rabalham
Htar. b T h a m eco
“ n ?tra
* * *nossa
" * ^ liberdade
° ^ eenganoso de mi‘
para entrevar
nos ao ju g o do p rín cip e po rtu g u ês que nos oprim iu por dez
anos. A te quando sofrerem os que se agreguem que deh
b " 7 0 °t consPira d ° res que querem escravizar-nos e derru-
ros? A ° Se" ^ P e d r° 11 ? A té q uando> B rasilei­
ro s. A vossa paciência já toca o extrem o do aviltam ento
R eunam o-nos, exaltados, m oderados, em face dessa associa-'
fai°tare am ad0S’ *** tra id °*res à nossa Querida pátria, e sem
m eÍm o f r6SPeit0 ^ 86 deV* àS IeÍS 6 às c i d a d e s , aí
mesmo form em os um requerim ento em que se peça ao go-
tria" B rasil8 Sr o dêSta ajuntam ento inim ig° de nossa pá-
r ^ 'a B a • QUand° Vem° S ° país ameaÇado por vis
restau raâo res, a in d iferen ça é um crime. Não hesitem os um
m om ento. Vamos. — Um p atrio ta.”
N ão se realizou a sessão anunciada, mas reuniu-se o
povo na tard e do dia 5, no largo de São Francisco de Paula.
Tendo disso n o ticia o ju iz de paz Jo sé Inácio Coimbra, di-
n g iu -se para ali, e, vindo te r com ele, diversos cidadãos
denunciaram -lhe que constava haver armas na casa das
sessões da Sociedade M ilitar, e requereram se desse busca.
A com panhado do ju iz de paz do segundo distrito, de seu
escrivão, de dois oficiais de ju stiça e de quatro a seis pes­
soas para servirem de testem unhas, penetrou Inácio Coim­
bra na casa indicada, porém nada encontrou.
E n q u an to se procedia à busca, invadiu o povo a casa,
arrem essou à ru a alguns trastes, e da fren te das janelas do
segundo an d ar arrancou a taboleta que indicava o nome da
sociedade em le tras de ouro sôbre campo azul ferrete.
M ais de m il pessoas, que atopetavam a praça, d eclara­
ram que queriam rep resen tar à Regência, pedindo a disso-
84 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

lução da Sociedade M ilitar e a dem issão do tu to r por p er­


tencer ao p artid o C aram urú, e ser conivente com seu irm ão
A ntônio Carlos. A ssinaram a representação no pró p rio la r­
go, e exigiram que o ju iz de paz se encarregasse de levá-la;
anuiu esta autoridade, e, regressando, anunciou que a re ­
presentação, acolhida benignam ente pelo governo, seria to ­
mada em consideração. G eral entusiasm o despertou esta no­
tícia ao povo, que levantou vivas a d. P ed ro I I , ao dia 7 de
A bril, à C onstituição, à Regência, ao m inistério, e in su lto u
e apupóu os adeptos do partido R estaurador.
Levados pela exaltação do mom ento, excitados por a l­
guns chefes, dos que ousam criar conspirações p ara terem
o d ireito e o m érito de puni-las, como diz Segur, dirigiram -
se diversos indivíduos à tip o g rafia do Diário, onde se im ­
prim iam os periódicos caram urús, in titu lad o s A Trombeta,
Arca de Noé, Verdadeiro Caramurú e Pedro I, e à tip o g ra­
fia Paraguassú, de D avi da Fonseca P in to , red ato r do Ca­
ramurú, e espalharam os tipos, quebraram as caixas, in u tili­
zaram os im pressos, que arrem essaram à ru a ; não satisfei­
tos, não saciados em seu vandalism o, apedrejaram as casas
de alguns in flu en tes do partido R estaurador, como as do
m arquês de Baependi, H u et Bacelar, e generais M orais e
N óbrega Botelho, sendo êstes dois últim os d ireto res da So­
ciedade M ilitar. C oncorreram para exacerbar os ânim os as
proclamações do p artid o R estaurador im pressas no p erió ­
dico Fado dos Chimangos, que, como diz o utro periódico
da época, pôs rem ate a tudo quanto a ousadia, a im pudência
e a torpeza de escritores anárquicos tem até h o je vom itado,
e também as proclam ações inseridas no periódico Esbarra.
E is uma dessas proclam ações:
“ Com efeito o sanguinário govêrno da R egência, com­
posto dos m ais abjetos dragões, que tôdas as fú rias do in ­
ferno poderiam produzir, desafia cada vez m ais contra si a
execração do povo, que pasmado, adm ira a audácia e inso­
lência com que êle o acom ete! Não é possível encontrar-se
um com posto tal de m alvadeza e bestialidade! M ais estú­
pidos do que selvagens, e m ais ferozes que tig res, os nossos
capoeiras governantes só atendem às suas p articu lares p ai­
xões e a uma incom preensível cabeça! Órgãos e escravos
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 85

da ladra facção chim anga, a vontade desta é a p rim eira das


le is ; embora se com prom eta a nação e se percam o repouso
e prosperidade pública!
A m edonha e tenebrosa perspectiva da anarquia nenhu­
ma sensação produz nos m alvados sanguinocratas, que, afei­
çoados aos crim es e aos roubos, nenhum atentado há-de que
não sejam capazes de p erp etrar, Não sabemos, com in g e­
nuidade o dizemos, em que se estribam os m onstros para
tan to abusarem da paciência do povo, que os despreza e
detesta. P orém o nosso coração p alpita de jú b ilo com a lem ­
brança de que breve está o têrm o das nossas am arguras; o
raio da vingança nacional cedo deve v ib rar sôbre os saltea­
dores, piratas, alcoviteiros, p elintras, sevandijas, bandalhos
e estúpidos em busteiros, petulantes, incestuosos e m alcria­
dos camelos. N enhum chim ango, ainda o m ais desprezível,
deix ará de ser castigado como m e re ce; não haverá a m ínim a
contem plação com os renegados, descarados, sem vergonha,
adotivos p atifes e néscios que até contra seus conterrâneos
conspiram . E ssa trem pe de fato, m onstruoso parto da mais
n eg ra e abom inável traição, que para bem do B rasil ju lg o u
o corpo legislativo te r nomeado, mas que som ente para ro u ­
bar tem trabalhado, seja a prim eira cúm plice a castigar-se;
m as como? Se L u ís X V I, inocente e virtuoso m onarca,
am ante do povo francês, foi guilhotinado como devem ser
pu n id o s laranjeiras desprezíveis e tiran o s? Do mesmo
m odo? N ão; de m aneira exem plar.”
D e um pássaro que há na província do Rio G rande do
Sul, derivou-se o nome de chimango, dado a prin cíp io a um
corpo m ilitar que alí existiu, aplicado depois por analogia
aos adidos à guarda m unicipal perm anente do Rio de J a ­
neiro, e em pregado por fim pelos caram urús para denom i­
nar os homens do p artido M oderado.
T ratando-se em época de eleições acêrca do d ireito de
votar, atribuído ou recusado aos soldados adidos à guarda
m unicipal perm anente, apelidados chimangos, sustentaram
os m oderados êsse direito, alegando terem os chim angos a
ren d a exigida pela co n stitu ição ; mas ponderaram os cara­
m urús que tais hom ens não tinham paróquia e por conse­
quência em nenhum a delas lhes era perm itido v o ta r; venci-
/ /

86 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

dos, nesta contestação, começaram a denom inar in d istin ta ­


m ente chim angos a todos seus contrários, fôsse qual fôsse a
m odificação do credo político destes.
Em 6 de Dezem bro a R egência proclam ou ao povo nos
seguintes te rm o s :
“ B rasileiros! — T ende confiança no governo que em i­
nentem ente p atrió tico não consentirá jam ais que prevaleça
qualquer p artid o hostil ao B rasil; mas cum pre que vós s e ­
ja is os p rim eiros a respeitar as leis e as autoridades cons-
titu id as, e a obedecer aos seus m andados; do contrário caire­
mos na m ais hedionda anarquia de que todos serem os v íti­
m as; recolhei-vos as vossas casas, e esperai tran q u ilo s que
o govêrno obre como fô r de ju stiça e o bem geral ex ija ; é
ao govêrno, que, ciente das verdadeiras necessidades da pá­
tria, cum pre tom ar m edidas ju stas e prudentes para m anter
a segurança individual, e fazer respeitar a constituição, o
trono do nosso augusto monarca brasileiro, o sr. d. P ed ro I I
e as leis; o govêrno está vigilan te; descansai sôbre êle e não
vos m ancheis com atos, que vos podem desdourar, e dar ra­
zão e fôrça aos inim igos da prosperidade do B rasil.
“ B rasileiros. C onfiai no govêrno; recolhei-vos as
vossas casas, e estai tranquilos, assim vô-lo ordena a R e­
gência em nome do im perador, o sr. d. P ed ro II.
“ Viva a religião, viva a nação brasileira, tfiva a cons­
tituição política do B rasil, viva o sr. d. P ed ro I I ! — Fran­
cisco de Lima e Silva. — João Bráulio M uniz. — Aureliano
de Souza e Oliveira Coutinho.”
P or aviso de 7 de Dezembro de 1833 proibiu o govêrno
aos m ilitares de l.a e 2.a linhas e ordenanças, fazerem
p arte da Sociedade M ilitar, sob pena de serem castigados
como desobedientes e in frato res da disciplina.
Se o p artid o R estaurador conspirara e com etera exces­
sos, também os praticara o partido dom inante; o próprio
govêrno entregava-se a pequenas in trigas, e procurava ser­
vir-se de tôdas as ocasiões de desordem que as circu n stân ­
cias lhe apresentavam para atacar e d estru ir o p artid o con­
trário .
Falava-se que o p artid o R estaurador prem editava a
nova rev o lta; correra no dia 14 que se d istrib u irá cartucha-
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 87

me pelos agentes da conspiração. H ouvesse verdade nessa


notícia ou fôsse apenas p retexto, reuniu-se o m in istério na
noite dêsse dia em casa do m inistro da ju stiç a A ureliano
de Souza e O liveira Coutinho, depois visconde de Sepetiba,
e aí, d u ran te um saráu, foram assinados decretos suspen­
dendo o tu to r e nom eando para substituí-lo o m arquês de
Itanhaem .
E is os decretos:
“ A R egência perm anente, considerando os graves ma­
les que devem resu ltar de que o conselheiro José B onifá­
cio de A ndrada continue no exercício da tu te la de s. m. im­
perial, o sr. d. P ed ro I I e de suas augustas irmãs, há por
bem, em nome do mesmo senhor, suspendê-lo do indicado
exercício, enquanto pela Assem bléia G eral L egislativa se
não d eterm inar o contrário. A ntônio P in to C hichorro da
Gama, m in istro e secretário de E stado dos negócios do im­
pério, o tenha assim entendido e faça executar com cs des­
pachos necessários. Palácio do Rio de Jan eiro em 14_de
D ezem bro de 1833, duodécimo da independência e do Im ­
pério. — Francisco de Lima e Silva. — João Braulio Muniz.
— A ntônio Pinto Chichorro da Gama.’'
“ A R egência perm anente, tendo atenção às distin tas e
bem notórias qualidades que caracterizam o m arquês de I t a ­
nhaem, há por bem, em nome do im perador o sr. d. P edro II
e enquanto pela A ssem bléia G eral L egislativa se não d eter­
m inar o contrário, encarregá-lo da tu tela do mesmo senhor,
e de suas augustas irmãs, de cujo exercício foi suspenso
por decreto desta d ata o conselheiro José B onifácio de A n­
drada. A ntônio P in to C hichorro da Gama, m inistro e se­
cretário de E stado dos negócios do Im pério, o tenha assim
entendido e faça executar com os despachos necessários.
P alácio do Rio de Jan eiro , em 14 de Dezembro de 1833,
duodécim o da independência e do Im pério. — Francisco de
Lima e Silva. — João Braulio Mutiiz. — Antônio Pinto
Chichorro da Gama.”
Convocados no dia seguinte pelo ju iz de paz do te r­
ceiro distrito , da freguesia de S. José, João Silveira do
P ilar, os juizes de paz das outras freguesias, dirigiram -se
88 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

por ordem da R egência à q u in ta da Boa V ista, com cento


e vinte homens de in fan taria e igual fôrça de cavalaria do
corpo de perm anentes, e, depois de dividirem essa fôrça
em p atru lh as para rondarem as circunvizinhanças e guar-
dareím as saidas, penetraram no paço e apresentaram ao tu ­
to r o decreto da R egência. José B onifácio reagiu. D eclarou
que não cum pria a ordem, e que se não dava por suspenso do
exercício de tu to r, com etendo, levado pelos assomos de seu
gênio que às vezes irrom pia violento, um ato inconvenien­
te, um a desobediência à lei, à autoridade. V endo sua relu ­
tância, retiraram -se os juizes de paz p ara uma casa próxim a,
onde residia Joaquim M oreira da Costa, e participaram o
ocorrido à Regência.
O ficiou José B onifácio ao m inistro do Im pério nos se­
g u in tes term os:
“ T endo de responder ao ofício de v. ex., que acompa­
nhava o decreto da R egência de 14 do corrente, digo que
não reconheço na mesma o direito de suspender-m e do exer­
cício de tu to r de sua m ajestade e de suas augustas irmãs.
Cederei à fôrça, pois que a não tenho, mas estou capaci­
tado que nisto obro conform e a lei e a razão, pois que nunca
cedia a injustiças, a despotism o, há longo tem po prem edi­
tados e ultim am ente executados para vergonha dêste Im ­
pério. Os ju izes de paz fizeram tudo para me comover,
porém a tudo resisti, e torno a dizer que só cederei à fôrça.”
Ciente a R egência do que lhe expuseram os juizes de
paz, ordenou-lhes que prendessem im ediatam ente o conse­
lh eiro José B onifácio, fazendo-o embarcar para a ilha de
P aq u etá em escaler do A rsenal de G uerra para êsse fim
ancorado na praia de São Cristóvão, e enviou ao m eio-dia
ao palácio da Boa V ista os brigadeiros Jo sé Joaquim de
Lim a e Silva e R aim undo José da Cunha M atos, em com­
panhia do novo tu to r marquês de Itanhaem , incum bidos de
pedirem ao im perador a tran sferên cia de sua residência para
o palácio da cidade, e intim arem ao conselheiro José B oni­
fácio a sua suspensão. O ficiou a Francisco M aria T eles
da Silva, aio de d. P edro II, “ que no caso de recusar Jo sé
B onifácio cum prir as ordens que lhe fôssem intim adas,
dando-se com isso algum a inquietação de esp írito do im-
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 89

perador, velasse sôbre êste, e o conduzisse com suas irm ãs


para o paço da cidade, se porventura não se apresentasse
antes o m arquês de Ita n h a e m ; e se por não ter in teira e re-
ligiosa observância essa recomendação experim entasse o
joven prín cip e qualquer incômodo, dêle aio seria a respon­
sabilidade.”
In tim ad a de novo a ordem do govêrno, acedeu José
B onifacio, e, en tran d o na sege de um dos juizes de paz,
encam inhou-se para o cais de São Cristóvão, onde embarcou
para a ilha de P aquetá, em com panhia do capitão João Ne-
pom uceno C astrioto, encarregado de conduzi-lo, e de seu
sobrinho o capitão Gabizo, que quis acompanhá-lo até sua
casa.
E m uma alocução convidou o brigadeiro Cunha Matos
a d. P ed ro I I e às princesas para estabelecerem sua residên­
cia p o r algum tem po no paço da cidade, ao que anuiram o
im perador e suas irm ãs; e, deixando o palácio de S. C ris­
tóvão às 4 ^ 2 h o ras da tarde, foram recebidos no campo da
Aclam ação, e acom panhados até o paço pelos regentes e m i­
n istro s de E stad o . De no ite ilum inaram -se os edifícios p ú ­
blicos, m uitos cidadãos percorreram as ruas entoando, ao
som da m úsica, e de vivas ao m onarca e à Regência, o hino
de 7 de A bril.
N o mesmo dia 15 de Dezembro publicou a Regência esta
p roclam ação :
“ B rasileiro s! A tranquilidade, a ordem pública são ain ­
da um a vez am eaçadas por indivíduos, que, devorados de am­
bição, de orgulho, nada poupam para levar a efeito seus in ­
te n to s detestáveis, embora com isso sacrifiquem os destinos
e prosp erid ad e nacional. Uma conspiração acaba de ser pelo
govêrno descoberta, a qual tem por fim deitar abaixo a R e­
gência, que em nome do im perador governa, e quiçá des­
tru ir a m onarquia rep resen tativ a na terra de Santa Cruz.
No p ró p rio palácio de S. Cristóvão, nas imediações deste,
e em outros p ontos se forjaram os planos; arm am ento e
cartucham e foram já distribuídos, e os celerados só ag u ar­
dam o m om ento destinado para lhes dar execução. B rasilei­
ros! A R egência está vigilante, e tem tom ado todas as m e­
didas ao seu alcance para fru stra r as insídias dos conspira-
90 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

dores, havendo en tre elas lançado mão de uma que ju lg o u


indispensável para desalentar as crim inosas esperanças dos
perturbadores da ordem . E la acaba de suspender o tu to r de
s. m. im perial e de suas augu stas'irm ãs, o dr. Jo sé B o n ifá­
cio de A ndrada e Silva, o homem que servia de centro e de
in stru m en to aos facciosos, havendo nomeado para su b stitu í-
lo, enquanto pela A ssem bléa L egislativa se não d eterm inar
o contrário, o m arquês de Itanhaem , brasileiro distin to , e
que tão dignam ente já exercera a mesma tu to ria quando
dela encarregado. B rasileiros! confiai no governo; a paz
pública será m antida, e conservàdo inabalável o tro n o n a­
cional do jovem m onarca, in g en te penhor da prosperidade
e gló ria do Im pério, ídolo dos brasileiros, que se honram
de pertencer à briosa nação de que somos membros. V iva
a nossa santa religião, viva a constituição, viva o nosso
jovem im perador o sr. d. P ed ro II . — Francisco de Lima e
Silva. — João Braulio M uniz. — Antônio Pinto Chichorro
da Gama.”
No dia seguinte rem eteu a R egência uma circular aos
presidentes de província, relatando o que ocorrera na côrte,
e recom endando vigilância e cuidado na m anutenção da or­
dem pública. N êsse dia o ju iz de paz do segundo d istrito
da freguesia do Sacram ento, L uiz F rancisco Pacheco, foi
ao paço de S. Cristóvão, e, dando busca encontrou em um
quarto, por baixo do torreão novo, 33 arm as quasi novas
com feixos e uma sem êles; 15 baionetas, 36 pederneiras,
10 balas soltas, 344 cortuchos de pistola e 40 de espingarda,
assim como os individuos seguintes, que foram rem etidos
presos para o q uartel de M atap o rco s:
í
T enente-coronel Jo sé R icardo da Costa, brasil, adotivo.
Sargento-m ór Caetano Cardoso de Lim a, idem.
T enente M anoel Joaquim P ereira B raga, idem.
T en en te reform ado, A ntônio de A raujo Silva.
M iguel Jo sé Tavares, brasileiro.
Inocêncio Jo sé de M enezes, idem.
Jo sé M arty M avignard, francês.
Jo sé P ereira Aias, português.
Francisco Jo sé Ribeiro Bastos, idem.
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 91

F rancisco Joaquim P in to , idem.


Jo sé D ias de F aria, idem.
A ntônio M anoel de Souza, idem.
F rancisco Jo sé de Souza, idem.
A ntônio P ereira, idem.

P renderam -se na q u in ta da Joana três indivíduos, dos


quais dois eram portugueses e um francês, oficial m ilitar
que seryira de aju d an te de ordens do brigadeiro L abatut.
A rrom bada a casa do feito r, encontraram -se pistolas carre­
gadas, cartuchos embalados, um em brulho com uma quan­
tidade de quartos de bala, baionetas, e uma delas encravada
em um páu, um a clavina carregada, com baioneta, e um ca­
valo que um p reto confessou p erten cer a um indivíduo que
na noite an teced en te conferenciara com o feito r e com êle
fugira.
A o ju iz de paz do segundo d istrito da freguesia de
S an t’A na rem eteu o m inistro da Ju stiç a êste ofício:
“ H avendo o govêrno descobrido uma conspiração que
se tram ava para os fins declarados na proclam ação que fez
publicar ontem , e tendo-se encontrado no paço da Boa V is­
ta, depois de haver dela saído s. m. o im perador o sr. d. P e ­
dro I I , algum arm am ento, cartucham e e vários indivíduos
cúm plices daquela conspiração, assim como outros m uitos
que se evadiram , como foi o coronel Teobaldo Sanches
B randão, que se conheceu d istintam ente no m om ento da
fugida, ordena a Regência, em nome do mesmo augusto se­
nhor, que vossa m ercê dê todas as providências para ser
capturado o dito Sanches, e proceda às m ais escrupulosas
pesquizaçõe^ afim de v ir no verdadeiro conhecim ento dos
indivíduos do seu d istrito, que entraram nessa tram a, bem
como aonde existe o arm am ento e cartucham e que se d is tri­
buiu pelos conspiradores, procedendo crim inalm ente contra
todo aquele indivíduo, que encontrar incurso em sem elhan­
te delito, do que dará conta por esta secretaria de E stado.
Deus guarde a vmcê. Paço, em 16 de Dezem bro de 1833.
— Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho. — Sr. J u iz de
paz do segundo d istrito de S an t’Ana.”
F oram recolhidos à frag ata Paraguassú quatorze ofi-
j' i f fB M

92 MELLO BARRETO PILHO e HERMETO LIMA

ciais acusados de cúimplices na conspiração da q u in ta da


Boa V ista. P o r determ inação da R egência dispensou o novo
tu to r do serviço do paço a certos indivíduos, e encarre­
gou do exercício de cam areira-m ór d. M ariana C arlota de
V erna, que desvelada e judiciosam ente d irig ira a educação
do jovem im perador até ser desviada dêsse en carg o ;'m as,
ad m itida de novo no serviço do paço, m ostrou-se so lícita e
dedicada, e m ereceu ser agraciada com o títu lo de condessa
de B elm onte, no dia da coroação do segundo im perador do
B rasil.
A lguns dos indivíduos encontrados ocultos na q u in ta
de S. C ristóvão na ocasião da remoção do tu to r, e por isso
suspeitos de quererem opor-se às ordens do govêrno, foram
soltos por alvará do j ú r i ; porém outros foram pronunciados
1Ç à prisão e livram ento, como o conselheiro Jo sé B onifácio,
?*' que continuou a resid ir em sua casa da ilha de P aq u etá; e
3 quanto a seu sobrinho, o capitão Gabizo, foi rem etido p ara
a fragata Paraguassú e m ais ta rd e teve a cidade por m ena­
gem, até ser julgado pelo jú ri.

O parecer que removeu José Bonifácio


do cargo de tutor de s. m. o imperador —
Eleição do marquês de Itanhaem.

Em 28 de M aio de 1834 leu-se o seg u in te parecer da


Comissão de C onstituição:
“ A Comissão de C onstituição, a quem foi rem etido o
relató rio do m inistro e secretário de E stad o e N egócios do
Im pério, apresentado na atual sessão, observa que a prim eira
m edida que êle dá conta à Assem bléia G eral pela sua m e­
recida im portância, é a que na form a do decreto de 14 de
D ezem bro de 1833, suspendeu ao cidadão Jo sé B onifácio
de A ndrada e Silva o cargo de tu to r de s. m. im perial e das
princesas suas augustas irm ãs. E sta medida, sendo há m uito
ü tem po reclamada, logo que foi patente a in g erên cia do m es­
mo tu to r em negócios políticos, contra o disposto no ar-
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 93

tigo 2. da lei de 12 de A gosto de 1831, por atos que com­


prom etiam èssencialm ente os interesses do seu augusto p u ­
pilo, servindo de centro e de apôio à facção estrangeira, que
ainda não desanim ou de restabelecer no B rasil o domínio do
duque de B ragança, tornava-se absolutam ente necessária e
indispensável à conservação do tro n o constitucional de 7
de A bril, no m om ento em que o govêrno dela lançou mão
para fazer ab o rtar o plano vasto, concertado, e que já come­
çava a executar-se, contra as liberdades públicas, a au to ri­
dade do sr. ,d. P ed ro I I, e a existência do govêrno legal­
m ente estabelecido.
Os fatos que com provam esta asserção são m uitos e
incontestáveis, e foram com geral escândalo praticados den­
tro e fora do Im pério, na presença de todos, para que seja
m istér enum erá-los; ninguém há que os ignore, ninguém
que com ju s tiç a possa contestá-los. Os processos judiciais,
que derrad eiram en te se in ten taram a tal respeito, não po­
dem aum entar os gráus de convicção e de certeza, que cada
um deve te r ad q u irid o sôbre a conivência ou ineptidão do
tu to r, segundo a expressão apropriada de um m inistro pa­
trio ta ; apenas poderão êles te r contribuído para dar m aior
evidência à prim eira p arte desta alternativa.
A cresce que a m edida de que se tra ta não é oposta à
lei de 12 de A gosto de 1831, posto que nela não se ache
expressa, e parece m uito conform e aos princípios gerais da
legislação que regulam a remoção dos tutores suspeitos.
N estes term os a Comissão, tendo em vista a referida
lei de 12 de A gosto de 1831, e convencida não só da con­
veniência, senão mesmo da necessidade de ser removido o
tu to r, propõe à consideração da Câmara a seguinte reso­
lução :
A rtig o único. O cidadão José B onifácio de A ndrada
e Silva, é rem ovido do cargo de tu to r de s. m. o im perador
e das prin cesas suas augustas irmãs.
Paço da Câm ara dos D eputados, em 27 de M aio de
1834. — Oliveira, — Melo, — Lim po de Abreu.”
A berta a discussão sôbre êste parecer, foi aprovado de­
pois de longo debate em 10 de Junho, por cincoenta e sete
votos, recolhendo-se trin ta e um contra, tendo sido nominal
94 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

a votação. Em 21 de ju lh o votou o Senado o mesmo parecer


por vinte e trê s votos, havendo quinze co n tra ; e, reunidas
em assem bléia geral as câmaras, no paço do Senado, em 11
de A gosto, saiu eleito tu to r, por setenta e trê s votos, o m ar­
quês de Itanhaem .

A Polícia consegue prender o famoso


Pedro Espanhol — Principais façanhas do
tem ível salteador.

Chamava-se P edro o célebre assassino que durante


anos deu os m aiores trabalhos à P olícia do Rio de Janeiro.
Pelo fato de te r nascido na Galiza, adicionaram -lhe o ape­
lido de “ E spanhol”.
Q uando ainda m uito moço, em sua te rra natal ap unha­
lou um jovem de sua idade; em seguida, fu g iu para P o r­
tugal.
D otado de máus instintos, sedento de sangue, em L is­
boa se relacionou com quase todos os bandidos famosos, em
com panhia dos quais ficou conhecendo tôda a espécie de
vícios.
F oi com êsse bando, em que havia degenerados da peor
espécie, que m atou, em A lfam a, um pobre velho, para lhe
roubar um crucifixo de prata.
M ais sanguinário do que os outros, assum iu logo o pos­
to de chefe da quadrilha, que, em 1830, levou o pânico à ci­
dade de Lisboa.
Um dia, a quadrilha combinou assaltar uma herdade, nas
proxim idades de S intra. D ado o assalto, saquearam tudo,
m atando m iseravelm ente a golpes de espada o dono da h e r­
dade, aos olhos da esposa dêste, que, antes, am arraram ,
am ordaçada, a uma árvore próxim a.
P erseg u id o pela polícia lisboeta, P ed ro E spanhol fu ­
g iu p ara o P ô rto , onde, logo ao chegar, se lhe deparou uma
senhora inglesa. M altrapilho, esquálido, fam into, P ed ro es-
tendeu-lhe a m ão:
— Uma esmola, pelo am or de D eus!
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 95

V endo-o tão jovem e tão cheio de m iséria, a senhora


condoeu-se dele e disse-lhe que fôsse a sua casa, para ser
atendido. M rs. Jo hnston, tal era o nome da caridosa dama,
deu-lhe m ais do que solicitara: fê-lo seu criado de con­
fiança.
D epois de alguns meses de relativo descanso, já fisi­
cam ente reconfortado, o desgraçado sentia-se farto daquela
v id a sem sangue e sem aventuras. C erta manhã, a boa Mrs.
J o h n sto n foi encontrada m orta no seu aposento de dormir".
P ed ro desaparecera, roubando tôdas as jóias da p ro ­
tetora.
Em te rra s de P o rtu g al levou errando por algum tem ­
po, até que, relacionando-se com outro bandido de igual
estofo M anuel da B eira — resolveu, em com panhia dês-
te, p a rtir para o B rasil.
A qui chegados, P ed ro tin h a uma preocupação constan­
te : — liq u id ar o com panheiro, que receava capaz de “ dàr
com a lín g u a nos dentes” e, assim, revelar o seu últim o
crim e no P ô rto .
E m certa m anhã, cam inhavam os dois pela rua da
M isericórdia. Sem mais nem menos, pretextando apanhar
qualquer coisa ho chão, P edro deixa-se ficar para trás de
M anuel da B eira, e, num salto, crava-lhe uma faca nas cos­
tas. A vítim a, sem dar um grito, cai m orta. T inha o coração
atravessado pela lâm ina afiadíssim a. Estava, enfim, satis­
fe ita a vontade do m iserável.
No dia seguinte, passando pelo largo de São Francisco,
o ancião G eraldo de Siqueira B astos viu um grupo a con­
versar. D êsse gru p o faziam parte P edro Espanhol e os ban­
didos daquele tem po — João da Cunha, Serino José e João
A lgarve. P ro fu n d am en te religioso e esmoler, vendo aquele
rapaz, ainda tão jovem e já relacionado com tais m alfeito­
res, teve pena dêle, chamou-o para a casa em que residia,
dando-lhe alim ento e conselhos paternais.
Na loja do sobrado em que morava Siqueira Bastos, na
rua do Sabão, habitava, por bondade, uma pobre m ulher
cham ada M aria, de quem P edro em breve se fez am ante.
De parceria com ela, planejou m atar o velho, para lhe roubar
96 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

algumas moedas de ouro. E com outro bandido de sua laia


— o O lho T o rto — com binou o assalto à casa.
E assim fizeram , uma noite. P ed ro E spanhol m ansa­
m ente abriu a p o rta do q uarto onde dorm ia o seu b enfeitor.
Seguia-o, tão feroz, o o utro assaltante. Ambos de faca em
punho, pro n to s à prim eira. O velho acorda sobressaltado.
Vê os dois em atitu d e am eaçadora. G rita por socorro.
D ado o alarma, os assaltantes fogem ru a fora e vão se
abrigar nas m atas de Santa Teresa. E m certa altura, P edro
diz ao com panheiro:
— É preciso que ninguém saiba dos crim es que co­
m eto. .. Não tenho confiança em t i . . .
E , puxando da faca, investe furioso.
Olho Torto com preende todo o perigo, mas não se in ­
tim ida. A ceita a luta. Trava-se o duelo, m edonho, corpo a
co rp o . . .
E ngalfinhados, rolam os dois pelo s o lo ... Tão unidos,
formam um só v u lt o ... Como dois tigres, m ordem -se, fe ­
rem -se e, ensanguentados, arquejantes, precipitam -se pela
ribanceira a b a ix o ... Mas não se s e p a ra m ... Na queda,
Olho Torto é mais in fe liz : seu corpo vai de encontro a uma
pedra e fra tu ra o crânio. .. Pedro Espanhol não deixa es­
capar a o p o rtu n id ad e: en terra tôda a faca no v en tre do
ad v ersário .. .
— A inda é pouco! vocifera o m onstro vitorioso.
E , arrancando a faca com que acabava d e dilacerar os
in testin o s do outro, crava-a duas vezes no coração que já não
mais pulsava.
O sol começava a dard ejar os seus prim eiros raios, flo ­
resta dentro, quando o facín o ra resolveu reg ressar à ci­
dade. Isto feito, corre a casa de seu p ro teto r e pede-lhe
perdão. O velho abre uma pequena caixa e dá-lhe duas da­
quelas moedas que êle p rete n d era roubar. E d iz -lh e :
— Vai. Que D eus Nosso Senhor te acom panhe! Êle é
quem te pode p e r d o a r ...
P ed ro saiu, prom etendo que se regeneraria.
M as não o fez. No dia 6 de A gosto de 1832, assassinou
a sua ex-amante* vibrando-lhe uma punhalada no coração.
O nze dias depois, esfaqueou, para roubar, um caixeiro da
Pedro de Araujo Lima — marquêe de
Olinda — último regente do Impôrio

Antônio Cario* de Andrada — chefe


do partido maioritta
M M i& |

HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 97

rua do O uvidor, esquina da rua dos L atoeiros. Em seguida


assaltou o brigue Flora, cuia tripulação, além de roubada,
foi massacrada.
M ais tarde, tom ando-se am ante de uma sobrinha de um
negociante m ineiro chamado A ntônio Alves, êste se o fere­
ceu à P olícia para prender o salteador. Descoberto o seu
esconderijo, na rua Nova do O uvidor, aí, a m uito custo, foi
capturado pelo inspetor A ntônio Luís P ereira de A raujo,
no m om ento em que se ocultava no fôrro da casa. R ecolhe­
ram-no à cadeia do A ljube, donde foi transferido para a
fortaleza de Santa Cruz.
Como, porém, continuassem os roubos e os assaltos a
mão armada, Pedro Espanhol conhecendo todos os autores
dos crim es que estavam sendo executados, declarou à P o ­
lícia com prom eter-se a prendê-los, um a um, se lhe dessem,
para isso, alguns dias de liberdade.
A tendido, Pedro Espanhol foi retirad o da fortaleza
no dia 16 de A bril de 1834.
Seu prim eiro ato, uma vez em liberdade, foi assassinar
o negociante A n tô n io Alves, que o denunciara. Depois, en­
contrando, tard e da noite, na travessa do Rosário, um ci­
dadão francês, m atou-o pelas costas, supondo tratar-se da
pessoa do in sp eto r A raujo.
P erseguido novam ente pelas autoridades, refugiou-se
em Inhaúm a, onde organizou num erosa e perigosíssim a
quadrilha.
A P olícia deu-lhe, então, apertado cêrco. Quando o in s­
petor A ntônio Jo aq u im Cândido, seguido de bem m uniciada
patrulha, alcançou o reduto dos bandidos, foi por êles re­
cebido a tiro s de espingarda. O inspetor força a situação.
Os soldados correspondem com bravura. Não cessam os ti ­
ros. Percebe-se serem m uitos os que atiram do lado dos ban­
didos. O valente policial resolve não contem porizar. J á
estava bem próxim o do grupo. A vança um pouco m ais e
abre fogo. T erm inado o tiroteio, foi encontrado, estendido
no chão, gravem ente ferido, o tenebroso chefe da quadrilha.
A seu lado, m orto, estava Jo sé A lgarve.
E ncarcerado na prisão do A ljube, Pedro Espanhol fa­
leceu no dia seguinte — 4 de Maio de 1834. Seu corpo foi
8
98 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

sepultado no cem itério novo que havia nos terren o s ex is­


tentes nos fu n d o s da S anta Casa da M isericórdia. O dia de
sua m orte fo i um g ran d e acontecim ento na cidade do Rio
de Jan eiro . A população respirou, aliviada.
Q uando o cadáver do facínora baixou à terra, viu-se
um homem, de joelhos, orando; o mesmo que pouco antes
a tirára uma pá de cal sôbre a sepultura. E ra o piedoso
ancião G eraldo Jo sé de Siqueira Bastos. Q ue alma bonís­
sima !
O sem pre lem brado José do P atro cín io concebeu um
belo rom ance, tendo como pro tag o n ista P ed ro E spanhol,
sôbre quem o grande h isto riad o r M oreira de Azevedo tam ­
bém escreveu im pressionante crônica.

Decretada a demolição da forca.

E m 17 de Ju n h o de 1834 a população carioca assiste à


demolição da forca, então existente em caráter de perm a­
nência no L argo da P rain h a. R eferendou o decreto o de­
sem bargador A ureliano de Souza e O liveira C outinho. O
docum ento declarava que a forca, daí em diante, só se a r­
masse quando houvesse necessidade e que as tábuas fôssetn
vendidas a quem m ais desse.

te
A primeira casa comercial que vendeu
máscaras para o Carnaval.

Q uando o Rio de Jan eiro tin h a apenas 132.397 h ab itan ­


tes, isto em 1835, e a cidade se estendia até pouco além do
Rossio Pequeno, foi que se instalou nesta cidade a p ri­
m eira casa com ercial que expôs à venda m áscaras para o
Carnaval.
Ficava na ru a do O uvidor, n.° 128, canto da rua dos
O urives, e p erten cia a uma firm a francesa.
E m anúncios, dizia haver recebido da Franca, pelo na-
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 99

vio Ursin, g rande q u an tid ad e de m áscaras de cera e de p a ­


pelão, “ com expressões jocosas e sérias”, e, também, acre s­
centava o anúncio, “ narizes de papagaio, ditos fin g in d o
p eix e, p eito s de senhoras para hom ens que queiram v e stir
de m u lh er; caras de porco, de cachorro, de gato ; cabeças
m ecânicas, com barbas, bigodes e queixo movendo, in v en ­
ção de B o n stifan in i, de V enesa.”
O negócio deveria te r produzido ótim os resultados, não
só porque enorm e foi o núm ero de pessoas que apareceram
m ascaradas, m as porque, no ano seguinte, outras casas co­
m erciais passaram a v ender m áscaras em profusão.

A morte de d. Pedro I — Notável pá­


gina de Pedro Calmon.

E m 1834 recebeu a R egência a no tícia do falecim ento


de d. P ed ro I. O ilu strad o e eru d ito h isto riad o r P edro C al­
mon, um dos lum inares da A cadem ia B rasileira de L etras,
escreveu, a p ro p ó sito dêsse lu tu o so acontecim ento, notável
página, que, a seguir, transcrevem os, na íntegra, com a d e­
vida v é n ia :
“ No dia 24 de Setem bro, há exatam ente um século, na
sala de d. Q uixote, do palácio de Q ueluz, m orreu d. P e ­
dro I e IV , do B rasil e de P o rtu g al. No mesmo aposento
onde, trin ta e seis anos antes, nascera, para ser p rín cip e
am oroso e aventureiro, im perador, rei e herói de dois p a ise s ;
naquele mesm o paço co n stru íd o por d. M ariana d ’A ustria,
uma m ística e d. P edro I I I , um i n ú t i l . .. Com pleta-se o cen ­
te n ário do desaparecim ento do fun d ad o r do im pério b ra si­
leiro, do p atriarca da liberdade portuguesa. Uma grande
data sem dúvida; e um g ran d e homem ela recorda. O m aior
do seu tem po na p átria, in egavelm ente; o m aior da sua es­
tirp e real, desde o M estre de Aviz e de D. Jo ão I I ; sobre­
tu d o um homem universal.
N a vocação heróica do nosso prim eiro im perador há um
pouco da fatalid ad e do seu tem po, daquele co n flito que êle
viveu in teiram en te, en tre o rom antism o político, que ama-
300 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

nhecia, e o ocaso do d ireito divino das m onarquias, an te­


cipando-se o p rim o g ên ito de d. João IV à sua época, fa ­
zendo a revolução antes do povo, dando às dinastias tr ê ­
m ulas e à E u ro p a caquética o form idável exem plo da sua
dem ocracia. Mas, no destino h istó rico de dom P ed ro pulsam ,
p rincipalm ente, as grandes idéias napoleônicas, do cesa-
rism o do século X IX . O seu é um caso m agnífico de m im e­
tism o. F oi um deslocado, um inadaptado, desde a infância,
isolado, pelo seu gênio de violência, pelos seus hábitos de
m ovim ento e de fôrça, na côríe pacata, sóbria e m usical
do prín cip e-reg en te seu pai. A duquesa d’A brantes, que o
viu tam anino, esperta criança de seis anos, m u ito bonita
para a feia parentela de princesas m agras e triste s, lhe no­
to u a adm iração pelo uniform e dourado de Ju n o t, uma farda
esplêndida de 15 mil francos. C resceu assim. Q uando os
príncipes da sua Casa tocavam o cravo, com as infantas, ou
regiam a orquestra como d. P edro I I I , no painel do te to
de Q ueluz, em que há uma cena de concêrto de Jom elio
filho de Carlota Jo aq u in a jogava as armas, m etia-se com os
criados da ucharia, experim entava os m úsculos nas cava­
lariças e guiava carruagens com a mão hercúlea de um
auriga rom ano.
No Rio de Jan eiro tornou-se um soldado de causar
inveja aos veteranos sargentos de Bussaco, aos antigos a l­
feres do conde de L ippe. Na fazenda de S anta Cruz, m e­
nino de onze anos, d. P edro esbordoava em com bates sim u­
lados o mano M iguel. Os diplom atas que lá iam, a cum pri­
m entos, ver a fam ília real, estranhavam a ferocidade do
herdeiro do trono, que, armado de uma espada de pau, ba­
tia o irm ão m enor. .. Como, vinte anos depois, na gu erra
civil — à roda do P ô rto .
D. João, conhecendo o seu rapaz, tem ia-o. A m edrontava
o rei o seu estouvam ento, a facilidade com que se lançava
à aventura mais perigosa e mais chula, o seu fraco pela po­
pularidade, principalm ente assustava a dom João V I o fran-
cesismo dêle. N apoleâo foi o grande inim igo de sua fam ília.
Os frades pintavam -no como ao anti-C risto, flagelo da
Ig reja, espécie de novo Domiciano, cuja crueldade o m ar­
tírio de P io V II destacava, em cores religiosas. A s velhas
BMffi------ • — E ' wmmm

HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 101

in fan tas que tinham secado as lágrim as no oratório pedindo


a D eus piedade para M aria A n tonieta, para L u ís X V I, para
aquela pobre M adame E lisab eth de cujo noivado se falara,
com o p rín cip e do B rasil d. Jo sé —■ consideravam a Na-
poleão o esp írito da decadência m undial, o plebeu feito
rei para escarm ento da vaidade antiga, e o odiavam com o
seu d eliran te ódio im potente. Na cô rte portuguesa o ho rro r
que êle causava sublinhava-se de desolação, quando era a
rainha louca, d. M aria, que passava, gem endo e soluçando,
desgrenhada e repulsiva, en tre os fidalgos aterrados. E n ­
doidecera de pavor, com os ecos da Revolução Francesa, a
catástro fe das c o r o a s ... P o is d. P ed ro procurava im itar o
corso. Sonhava rep ro d u zir-lh e de algum modo a audácia,
como im perador de um país imenso, chefiando também um
exército poderoso, a espantar as nações com a sua irrev e­
rência. A fastava-o, por isso, o rei, do govêrno que algum
dia lhe arreb ataria, ligado aos m açons e liberais. C onser­
vou-o quanto pôde fo ra da política, distrain d o o ócio, de
p rín cip e desem pregado, nas cavalgatas escandalosas pelos
subúrbios, na escalada dos m orros, nas corridas de coche,
nas caçadas da T iju ca, nos passeios à chácara do Corcovado,
do gen eral H ogendorp, antigo aju d an te de campo de Napo-
leão e no nam oro da rua do O uvidor, cheia de lojas de
m odas e capelistas de P aris. A té que lhe chegou, para a sua
en trad a te atral na política, o m om ento definitivo. Foi a
revolução do P ô rto , no ano de 20. Q ue desejavam os bacha­
réis de Coim bra, lá sem rei, sem independência nacional,
sem esperanças de dias m elhores? A C onstituição, segundo
as d o u trin as de B enjam im C onstant e C o n d o rc e t... D, P e­
dro fez-e então o prim eiro co n stitu cio n alista do B rasil. O
prim eiro p rín cip e que, na sua estroinice, de estoura-vergas,
achava a liberdade uma grande idéia, o regim e rep resen ta­
tivo uma bela coisa. E o rei d espertou uma m anhã com o
moço à porta, fardado, de sabre à cinta, dizendo-lhe que a
guarnição se in su rg ira, e a ralé, aos g ritos, exigia a C ons­
tituição . Prom oveu tudo. A acomodação, o ju ram en to da
C arta, a aliança do govêrno e do povo à sombra da p ro ­
messa constitucional, o regresso para Lisboa do rei velho,
a sua perm anência aqui, como regente, a evolução para a
102 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

Independência, a luta. E quando os deputados portugueses,


parodiando os convencionais, o ameaçavam da perda dos
seus d ireito s realengos, da sua destituição, de punições
exem plares, saía êle a proclam ar a em ancipação do B rasil
na canhada do Ip iran g a e se transform ava em im perador,
a d esafiar a coligação das dinastias européias, os recursos
da m ãe-pátria, o resto do m undo. A coroa im perial foi copia­
da à de N apoleão. C ercou-se d. P ed ro das mesm as águias
latinas, de uma pompa que lembrava o im pério francês, de
um a ex terio rid ad e m ilitar, de uma ressonâpcia in tern acio ­
nal capazes de lá fora, o recom endarem como ao consul
am ericano, o B olivar a tlâ n tic o ... T raiu-o, nos seus largos
projetos, inexperiência. A tacanhez da sua educação
atou-o às crises políticas, o B rasil, seu sonho, foi-se to r­
nando a sua decepção, e sofreu incom preendido, tam bém
desastrado, as in jú rias m ais atrozes do lebarlism o que fu n ­
dara. Não o ajudaram na sua gu erra às P ro v ín cias U nidas
do Rio da P rata. A m o rte da im p eratriz L eopoldina im pe­
diu-o de assum ir a chefia do exército, que logo encontraria
em Itu zain g ó a falange argentina. A m arquesa de Santos,
seu capricho teim oso, P om padour do reinado, am argara-lhe
a viuvez com a inverossím il ambição, o desejo alucinado de
ser, por sua vez, im p eratriz do B rasil. Casou-se com uma
n eta de Jo sefin a, com uma filh a do enteado de Napoleão,
o p ríncipe E ugênio, a esp iritu al e linda A m élia de Leuch-
tenberg. D edicou-lhe a O rdem da Rosa. P rom eteu em en­
dar-se, sendo afinal um rei m origerado e justo. Mas, logo
é um tiro de pistola que assassina, em São P aulo, L ibero
B adaró. O boato absolutista. As ig rejas barocas de O uro
P re to que o recebem com os sinos plangendo, a finados,
acintosam ente, por Badaró, o m á rtir republicano. A n o ite
confusa das garrafadas. C apoeiras contra portugueses.
A rru aceiro s contra taverneiros. O nacionalism o espicaçado
pelos partidos, com plicados de influências estrangeiras, da
revolução de 1830, da guerra que estalara em P o rtu g al en tre
d. M iguel usurpador do trono, e os p artid ário s de d. P ed ro
e de sua filh a D. M aria da Glória, as iras indebeláveis. Não
pode mais. A afro n ta do irm ão desvaira-o. D. M iguel como
que se desforra das b rutalidades de Santa Cruz, roubando-
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 103

lhe a herança de d. M aria I I . E d aria tudo, a vida e a g lória,


o Im pério e os bens, p ara responder-lhe, no seu p ró p rio
reino, dente por d e n t e ... E ap ro v eitaria o p retex to . V ai
de encontro às m assas. Provoca-as, dem itindo o m in istério
to leran te que as agradava, e nom eando 'um gabinete p ala­
tino, im popularíssim o, de combate. A tropa sai, para p ro ­
te s ta r; e não lhe dá tem po para propor uma fórm ula de
acordo, uma transação que conserve o Im pério. P arece te r
medo do apaziguam ento. A bdica precipitadam ente, quase
alegrem ente, escarnecendo dos fidalgos, que pranteavam
a calam idade, que não sabiam o que seria d ê le s ... E em­
barca, vai com a m ulher, deixando no B rasil, os filhos, vai
p rep arar em F ran ça uma expedição de em igrados. E com
ela passa aos A çores. A rm a na T erc eira um exército de sete
m il e qu in h en to s p artid ário s. G ente velha e nova. A n tig o s
soldados, lite ra to s adolescentes, poetas e pescadores. L á
estão G arret e A lex an d re H erculano. Com essa legião se
a tira a P o rtu g al, desem barca em A rnosa de Cam polide,
num a costa erma, cham ada de P ra ia dos Ladrões, porque
antes aí arribavam , como to n tas aves de presa, os corsários
do oceano — e m archa em triu n fo sôbre o P ôrto, e o iten ta
m il soldados que à beira do rio D ouro tem d. M iguel. No
P ô rto é cercado, investido, hostilizado durante longo te m ­
po, leão retirad o na arm adilha, rodeado de um círculo de
fogo, do qual parecia cativo p ara sempre. P orém se tra n s ­
m uda tu d o num in stan te de g ên io : quando o duque da T e r ­
ceira realiza a sua ex tra o rd in ária incursão de flanco, e a pe­
quena fro ta da rain h a destroça a arm ada do rei bsoluto. E
d. P ed ro entra, com a rain h a pequenina, em Lisboa. E m
meio de um entusiasm o in d escritív el. J á m etam orfoseado
em lendário cavaleiro. Q ue su b stitu ía, com o im pulso ci-
clópico, as in stitu içõ es seculares, em nome da C arta. P orém
o cêrco do P ô rto tirara-lh e a saude. E ntisicava. Uma noite,
no teatro , a p latéia apupou-o, porque, vencedor m ag n ân i­
mo, im pedia as rep resálias que, p o r fôrça, os liberais q u e­
riam adotar, co n tra os le g itim ista s que cap itu laram em
Évora-M onte. Levantou-se, pálido, na trib u n a real e tossiu.
Q uando retiro u dos lábios o lenço, tinha-o tin to de sangue.
A ssim mesmo ordenou, com um gesto dom inador, que a or-
104 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

q uestra continuasse o espetáculo. F oi tom ar ares a Q ueluz.


D e fato foi m o rrer lá. F eliz, porque a dois filhos dera os
tronos dos avós: a d. P e d ro II , o do B rasil, a d. M aria da
G lória, o de P o rtu g al. E aos trin ta e seis anos, tuberculoso,
agonizante, ainda te n to u despedir-se da nação de uma m a­
neira napoleônica, a im itar o adeus de Fontainebleau. C ha­
m ou um soldado do batalhão 5, da T erceira, o que prim eiro
saltara na P ra ia dos L adrões, p erto de M indelo, an tes da
epopéia do P ô rto . E abraçando o soldado, rogou-lhe que
tran sm itisse aquela saudade a todos os seus com panheiros.
A filh a rainha, a quem o P arlam ento acabava de considerar
m aior, correu a Q ueluz, levando-lhe o colar da O rdem e
E spada, prim eira graça que no seu reinado concedia. C in­
giu-lhe o pescoço a com enda da sua bravura. E êle — a 24
de Setem bro de 1834 — chorado pelo reino in teiro , na sala
de d. Q uixote, ornada de p in tu ras representando a trag j-
com édia do ú ltim o cavaleiro and an te nas suas abaladas so­
bre os m oinhos de vento, fechou os olhos para a vida, num
fim de apoteose. Num epílogo de poema. M aior acabando
que co m eçan d o ... Rei de 1830.”

Inaugura-se a Casa d e Correção — O


primeiro correcional matriculado.

Surge em 1831 a idéia da construção de uma pen iten ciá­


ria, para su b stitu ir d efinitivam ente as prisões de S anta
B árbara e do A ljube, que se achavam em péssim o estado.
F oi em M aio dêsse ano que o então m in istro da J u s ­
tiça, dr. M anuel Jo sé de Souza F rança, tom ou as prim eiras
providências sobre o assunto.
M ais tard e, em 19 de O utubro de 1833, graças aos es­
forços do m in istro da J u stiç a A ureliano de Souza e O li­
veira C outinho, foi com prada pelo governo, m ediante le­
tra s em itidas a prazo diverso e no valor de 80 contos, a
chácara de M anuel dos P assos C orreia, em Catum bí, situada
en tre a rua do Conde, lad eira do B arro V erm elho e M ata-
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 105

porcos, destinando-se todo o espaço do terreno para a cons­


trução da penitenciária.
Concluidos os trabalhos e m princípios d e 1835, e m 19
de M arço dêsse ano foi aberto o primeiro iivro de m a trí­
culas dos sentenciados aos trabalhos da Casa de Correção.
O prim eiro correcional matriculado foi o galé João,
escravo cabinda, condenado a 6 de Dezembro de 1832 a
prisão perpétua com trabalho, por ter rnatado seu senhor
M anuel Clemente.
P o r seis vezes d e s e m p e n h o u êsse c o r r e c i o n a l as f u n ­
ções de carrasco, razão p o r que a p e n a l h e f o i c o m u t a d a e m
prisão simples.
João Cabinda f a l e c e u subitamente em Novembro d e
1848, dia 16, no m om ento em que fazia uma oração na capela
do presíd io .

j u lg a m e n to d e J o s é B o n ifá c io .
*
Reuniu-se a 14 de Março de 1835, sob a presidência do
dr. J u s tin o José Tavares, o jú ri que teve de julgar José
Bonifácio e mais vinte réus acusados de crime político.
Jo sé Bonifácio não compareceu, sendo defendido pelo
desem bargador Cândido Ladisláu Japiassú.
T odos os réus foram absolvidos.

^4s p r im e ir a s b a rca s d e N ite r ó i — O s


s in is tr o s d e 1844 — 1895 — 1915.

A té o ano de 1835, era um problem a ir-se a N iterói. T o ­


m ava-se uma falua no cais d. M anuel e depois de duas h o ­
ras, ou de três e quatro, quando havia ressaca, lá se ch e­
gava. P o r vezes as faluas eram atacadas por bandidos, como
aconteceu na no ite de 8 de A bril de 1838, em que a fam ília
de M anuel F rancisco de M oura escapou de ser assassinada
por um grupo deles. Mas, no período da R egência, em 6 de
106 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

O utubro de 1834, um decreto au to rizara a organização da


Sociedade Navegação de Niterói.
A lteradas, no ano seguinte, algum as disposições do re ­
ferido decreto, em Setem bro de 1835 apareceram as p rim ei­
ras b a rc a s: — a N iteroiense, a Praia Grande e a Especula­
dora — e a 14 de O utubro do mesmo ano inaugurava-se o
serviço. As barcas tin h am capacidade para 250 p esso as; tr a ­
fegavam de hora em hora, e o preço de passagem era de
100 réis nos dias ú teis e 160 réis nos dias de dom ingo e f e ­
riados. P artiam da praia d. M anuel e o desem barque era na
ru a da P raia, em N iterói.
C orria o serviço m ais ou menos a contento, quando,
a 25 de Maio de 1844, cêrca das 5 horas da tard e, lam entável
desastre encheu de consternação as duas cidades. L argava
do cais P h arp u x a barca Especuladora, quando form idável
explosão, por te r arrebentado a caldeira, levou pelos ares a
barca. M orreram setenta passageiros e seten ta e um ficaram
feridos. Em F evereiro de 1852, fundiu-se a C om panhia com
a Inhom irim , m elhorando o serviço e am pliando o núm ero
de barcas, que passou a ser de nove. A s passagens foram au ­
m entadas para 120 réis.
A com panhia faliu em 1865, mas as viagens para N i­
te ró i não foram interrom pidas, porque em 1858 o dr. V an
T u y l obteve a concessão para o estabelecim ento das via­
gens em barcas, sistem a “ F e rry ”.
A 29 de Ju n h o de 1862, foram inaugurados os serviços,
que eram feitos por três b a rc a s: a Primeira, a Segunda e a
Terceira. O preço das passagens era de 120 réis, até às 20
horas e m eia; 240 réis, até às 22; e daí em diante, 500 réis.
Tem pos depois, em 1889, foi organizada a Companhia Can­
tareira e Viação Fluminense, que, entre os m elhoram entos
que in troduziu, iniciou o da ilum inação das barcas, à e le tri­
cidade, cuja instalação defeituosa deu lugar, ao que se diz,
ao incêndio de 6 de Jan eiro de 1895 da barca Terceira,
m orrendo cêrca de 80 passageiros.
E is como o D. Quixote, de  ngelo A gostini, deu no­
tícia da catástro fe:
A barca Terceira da Companhia C an tareira foi cons-
tru id a nas oficinas da mesma companhia.
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 107

E ra ilum inada à luz elétrica. A sua marcha regulava 12


m ilhas por hora, e dispunha de acomodaçoes confortáveis.
N a véspera fizera a sua prim eira viagem de inaugura­
ção, dando m agnífico resultado. No dia seguinte a essa
festa, co n co rrid a por grande número de convidados e re­
p resen ta n tes de tôdas as classes sociais, entrara em serviço
público pela prim eira e últim a vez.
— A barca Terceira, que levava perto de 300 pessoas,
acabava de deixar a estação de S. Domingos onde dera de­
sem barque a vários passageiros, quando, m inutos após,
houve o alarm a de fogo que começara na tolda, em tôrno
da cham iné.
O m estre V idal, então, não dispondo de recursos para
e x tin g u ir o incêndio, viu-se na colisão de voltar a S. Do­
m ingos, o que te n to u im proficuam ente, ou de encalhar a
barca afim de salvar os passageiros. Vendo, porém, a barca
Quinta, que m om entos antes saira de N iterói, aproxim ar-se,
enten d eu ser mais seguro para os passageiros a passagem
de uma barca para outra, e assim esperou que a Quinta
atracasse.
N esta ocasião deu-se o fato mais revoltante e deshuma-
no, de que não há exem plo em sin istro s m arítim os: — al­
guns passageiros da barca Quinta, apesar do m estre Pedro
C osta asseg u rar não haver o menor perigo em aproxim ar-se
m ais da Terceira, em pregaram a fôrça, a mão armada, se tal
fizesse. A in d a assim o m estre Costa tentou vencer a resis­
tên cia que lhe era im posta, mas, já im possibilitado de ma­
nob rar pelos m iseráveis que o rodearam, teve, desolado, com
as lágrim as irrom pidas, de abandonar à triste sorte de m or­
rerem queim ados ou afogados os infelizes passageiros da
Terceira, cujas vidas estavam nas suas mãos. A Quinta
tocou atrás e o m estre m andou que se lançasse ao m ar todos
os barcos e salva-vidas de que dispunha.
Os passageiros da Terceira, vendo afastar-se essa barca
que para êles representava a salvação, a vida, enfim , pensa­
ram então na m orte im placável que os esperava: e gritos
desolados e p u n g en tes ecoaram no ar. Homens, m ulheres
e crianças, reunidas em grupo, como que despediam-se
108 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

com pungidam ente uns dos outros, agora que para todos êles
soara o m om ento fatal. E quanta dor, quanto desespêro,
quanta agonia subia do coração ,p o r ver-se aquelas pobres
criancinhas, ainda tão cedo, já condenadas a tão cruel des­
tino.
É êste o m om ento que rep resen ta a estam pa. Na tolda,
o sr. M anso Saião vestido de branco e que desde o p rin cíp io
recom endara calma aos passageiros, pois providenciaria,
em balde fez sinal para que a Quinta se aproxim asse, não
supondo n u n ca que já, naquela hora suprem a, ela fugia,
fu g ia cobardem ente, levando consigo a m aldição que recai
sôbre todos os m iseráveis assassinos que, im pedindo o mes­
tre P ed ro C osta de cum prir o seu dever de homem do m ar e
de homem hum ano, deram causa a tam anha hecatom be.”
Em 1902 rem odelou-se a com panhia, que passou a ser
adm in istrad a pelo visconde de M orais e seu irm ão. Em
1908 a com panhia começou a ser financiada por capitais
ingleses. E m 1913, aum entou as passagens para SOO réis.
E m 1915, na tard e de 26 de O utubro, novo desastre. N au­
fragava na P o n ta de A reia a barca Sétima, que conduzia
328 m eninos, alunos do Colégio Salesiano, de Santa Rosa.
M orreram várias pessoas. E m dezembro de 1925, a em prêsa,
aum entando de novo o preço das passagens, deu lu g ar a.
que o povo se insurgisse, tendo havido sérios co n flito s
aqui e em N iteró i.
A tu alm en te o serviço é relativam ente bem feito . A s
barcas são lim pas e, salvo algum im previsto, chegam mais
ou m enos à hora a seus pontos determ inados.
A s barcas têm servido m uitas vezes de veículo para os
que desertam da vida. É sem conta o núm ero dêsses desa­
fo rtu n ad o s que, num m om ento de desespêro, se atiram às
ondas. G rande alarido, a barca m uda de rumo, os salva-
vidas são atirad o s ao m ar, o náufrago agarra-se a eles, a
viagem se atrasa e os passageiros que têm de chegar à
hora certa, m aldizem o m om ento em que o in feliz suicida
se atirou ao m ar, fazendo-lhes perd er o “ ponto” . . .
Wá -
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 109

U m in o c e n te c o n d e n a d o à fo rca .

A 22 de D ezem bro dá-se o crim e do p reto cego, como


ficou conhecido o assassínio praticado em uma casa de
m
com ércio da rua do R osário e cuja vítim a foi um caixeiro.
O p reto cego, que se chamava D om ingos M oçambique, foi
condenado à m orte, ficando depois provado que o au to r do
crim e não fôra êle e sim um desalm ado, que teve a coragem
de com parecer ao enforcam ento do infeliz.

A P o líc ia , e m 1837, c o n tin u a s e n d o


a lv o de c r ític a s .

A P olícia, em 1837, co ntinua sendo alvo de acerbas c rí­


ticas, pela sua m á organização.
R eferin d o -se a ela, diz o m inistro da Ju stiç a Gustavo
A dolfo de A g u ila r P an to ja, em seu relató rio daquele ano:
“ Se a nossa P o lícia tivesse mais atribuições, p ró p rias
e consentâneas com esta in stitu ição s a lu ta r ; se não estivesse
encarregada a um m agistrado continuam ente distraíd o pela
presid ên cia do J ú ri, pelos m ais encargos de uma vara-crim e,
além das sentenças definitivas, que no caso da suspeição dos
outro s juizes lhe incum be p ro fe rir; enquanto não lhe for
possível dar uma busca sem dependerem do juiz de paz do
lu g a r ; enquanto forem tão acanhadas as suas faculdades le­
g ais; enquanto não puder em pregar oficiais, a quem a paga
convide, pouco e m uito pouco se poderá co n seg u ir; e não
é exagerado o que se vos disse na passada sessão, que entre m
nós não existe nem o sim ulacro da P olícia.”

A b a n d e ira da M is e r ic ó r d ia .

A 7 de M arço de 1837, tendo de ser executados no largo


da P ra ín h a trê s assassinos, aconteceu que a b andeira da
M isericórdia caiu sôbre um deles, o que, na opinião do povo,
110 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

significava que êle estava inocente. H avendo p ro testo s e


vozerias, o ju iz ordenou se continuasse a execução, o que
se fez debaixo de g rande alarido, dando lugar a que o p elo­
tão, ali em serviço, debandasse o povo à pata de cavalo. V i-
ram-se algum as pessoas obrigadas a atirar-se ao m ar e outras
ficaram levem ente ferid as com o atropelo.

Dois gatunos estrangeiros assaltam a


relojoaria Meiral.

N êsse mesmo ano, a 4 de D ezem bro, outro crim e abalou


a cidade. Foi roubada a relo jo aria M eiral, na rua do O u­
vidor, e assassinado o negro que trazia as chaves da casa.
A P o lícia prendeu dois estran g eiro s suspeitos e deportou-
os, visto não haver provas do crim e. C onduzidos para bordo
dum navio que p artiu para Cowes, confessaram a um cai­
xeiro onde haviam ocultado p arte do roubo.

Foi na casa de um intendente geral da


Polícia que apareceram os sorvetes, pela
primeira vez, no Rio de Janeiro.

D en tre os in ten d en tes g erais da P olícia, que serviram


d u ran te o período regencial, av u lta a fig u ra do desem ­
bargador A ureliano de Souza e O liveira Coutinho.
Cognom inado — o ju iz reto — êsse ilu stre m agistrado
ocupou os mais altos cargos: ju iz de fora, ouvidor, depu­
tado, presid en te das províncias de São P aulo e do Rio de
Jan eiro , ju iz de Ó rfãos do Rio de Jan eiro , in ten d en te geral
da P o lícia da C ôrte (duas vezes), m inistro da Ju stiç a e dos
N egócios E stran g eiro s.
P o is foi em casa de A ureliano de Souza e O liveira Cou­
tin h o , visconde de Sepetiba, g rande do Im pério, do C onse­
lho do Im perador, fid alg o da Casa Im perial, cavaleiro de
C risto e da Rosa, d ig n atário da ordem do C ruzeiro, s ' vice-
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 111

p resid en te do In s titu to H istórico, etc., etc., que, segundo


depoim ento inconteste de M oreira de Azevedo, apareceram
os sorvetes, pela prim eira vez, no Rio de Janeiro.

N a p o le ã o I I I no p ô r to d o R io d e J a ­
n e iro — O r e g e n te F e ijó fa z re c o m -
m e n d a ç õ e s a P o líc ia .

D u ran te a R egência, em 1837, Feijó no governo, su rg iu


no dia 10 de Jan eiro , na baía de Guanabara, deslisando g a r­
bosam ente, com andada pelo capitão de mar e gu erra H e n ­
riq u e V illeneuve, uma elegante fragata francesa ,para a
qual se voltaram aten tam en te não só as vistas da população,
mas, de m odo m u ito p articu lar, as do in ten d en te geral da
P olícia.
E ra a Androm ede, que trazia a bordo, rumo da A m érica
do N orte, o p rín cip e Duís Napoleão B onaparte, que foi,
quinze anos m ais tarde, Napoleão I I I .
Como era natu ral, tratando-se de um conspirador de­
portado, a P olícia, de acordo com as providências desde logo
assentadas pelo padre senador Diogo A ntônio F eijó e pelo
m in istro de E stran g e iro s Gustavo A dolfo de A g u ilar P a n ­
to ja, ficou de sobreaviso, im pedindo com unicações desne­
cessárias com a Andromède, afastando-se, com energia e
acêrto, a h ip ó tese sugerida oficiosam ente, no m om ento da
chegada da fra g a ta francesa, no sentido de ser perm itid o
o desem barque do fu tu ro im perador dos franceses, de 1852
a 1870.
Todavia, graças à am istosa intervenção do conde de
G estal, foi p erm itido ao príncipe revolucionário fazer
breve v isita à ilha do V iana, onde aquele ex-consul tin h a as
suas propriedades. A inda aí a P olícia andou alerta, para
ev itar qualquer possibilidade de fuga, como aconteceu um
ano depois, nos E stad o s U nidos, quando êle dali se evadiu
para a E uropa.
112 M ELLO B A R R E T O F IL H O e H E R M E T O L IM A

“Usem im p r e te r iv e lm e n te d e b ig o d e s ,
com e x c e ç ã o d o s r e v e r e n d o s -c a p e lã e s ” .

Seis anos depois de haver proibido aos o ficiais do nosso


E x érc ito o uso de bigode, eis que a R egência m u d a de o p i­
nião, conform e se vê do seguinte docum ento:

“ Q uartel G eneral, no Caimpo da H onra em


8 de ju lh o de 1837 — “ Subindo à presença do
R egente em nome do Im perador hum req u eri­
m ento com d iffere n tes assignaturas dos Senho­
res O fficiaes desta guarnição pedindo a revo­
gação da p o rtaria expedida em 6 de dezem bro
de 1881 pela S ecretaria de E stad o dos N egócios
da G uerra, que p ro h ib ira o uso dos bigodes aos
m ilitares do im perio e patenteando igualm ente
grande desejo os com m andantes, o fficialid ad e e
mais praças dos corpos arregim entados que tal
supplica fosse benignam ente acolhida para que
os mesm os corpos apresentassem m ais arreganho
e m elhor apparencia m ilita r: houve por bem o
R egente, em nome do Im perador, p o r aviso ex­
pedido pela S ecretaria dos N egocios da G uerra
em 4 do mez, que corre, au to rizar o brig ad eiro
com m andante das arm as da côrte para d eferir
aos su p p lican tes como p erm ittir a reg u larid ad e
do serviço, guardadas as disposições da lei a tal
resp eito ; e em consequência ordena o mesmo
com m andante das arm as que de ora em deante
todas as praças dos d ifferen tes corpos a rre g i­
m entados, com excepção dos reverendos ca-
pellães, usem im preterivelm ente de bigodes; e
quanto aos Srs. officiaes do E stad o m aior, do
Im perial Côrpo de engenheiros e das d iffe re n ­
tes classes, ha perm itid o que delles tam bém pos­
sam usar sem contudo serem a isso obrigados. —
A ntonio E lisiario de M iranda e B ritto , b rig ad e i­
ro com m andante das armas. — E s tá conform e.
O sinistro da barca Terceira (Gravura de A. Agostini)
. ' ’ T..
^ ...^ . . ............... . .... ,

HISTÓRIA DA POLÍCIA d o RIO DE JANEIRO 113

7 M“ uel A ntonio da Fonseca Costa, aju d an te


de ordens.”
1'

1"
|v
^4 chegada do primeiro elefante
que veio ao Brasil.
Í
¥ Sem pre que a população aco rre em m assa a certo ponto
1 da cidade, a P olicia tam bém se m ovim enta, quando m ais
If , nao seja p ara evitar atropelos.
I
i . A ssim aconteceu no ano de 1837, a 18 de Julho.
N esse dia nin g u ém perm aneceu em casa.
i D esde cedo o cáis ficou literalm en te cheio. 1
) . C hegaria algum personagem ilu stre?
E s ta ria algum a esquadra dando entrada na G uanabara? f
3v.-‘ )
■For que tan ta gente nas ruas?
O caso, hoje corriqueiro, foi naquele tem po aconteci­
m ento n o tá v e l: a bordo do b rig u e oriental Figaro vinha
um anim al estranho, jam ais visto no B rasil - um elefante.
O desem barque do paquiderm e foi sensacional, orga-
m zando-se verdadeiro cortejo até à rua da M isericórdia
em um de cujos préd io s ficou o anim al em exposição, até
que a em prêsa M eed & Comp, o tran sp o rto u para o Circo
Olímpico, de propriedade de B artolom eu Corrêa da Silva
onde passou a trabalhar. ’
A tualm ente — tempora m utantur — os quadrúpedes \
embarcam e desembarcam sem nenhum a tropelia, sem o me-
nor co n stra n g im e n to ...
A v a c a Its (juase viajou de avião *

1
"gil
O ex-intendente geral de Polícia Au­
reliano Coutinho foi o precursor do ser­
viço de ônibus no Rio de Janeiro — (1 8 3 7 ).

S e te anos depois d e haver exercido o cargo de inten-


en e g era. de P olicia da Côrte, quando j á no m in istério
9 li

' ' - M

>* N . . v
114 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

em 1837, foi que A u reliano de Sousa e O liv eira C outinho,


m ais tard e visconde de Sepetiba, a par de o u tras im p o rtan tes
iniciativas (criação da Casa de Correção, do M onte S o­
corro, do M ontepio Geral, etc.) teve a id éia da instalação
da prim eira com panhia de ônibus, à sem elhança do que já
era usado em várias cidades da E uropa, p o r m eio de tração
animal.
E m discurso que pronunciou a 11 de O u tu b ro de 1837,
por ocasião da instalação da com panhia, em e x tra o rd in ária
antevisão do desenvolvim ento da cidade, assim p ro fetizo u
o dem olidor da forca da P ra in h a :
“ Êsse sentim ento, expressado em uma reunião fam iliar,
em que eu tiv e a h onra de m e achar com os ilu stres cid a ­
dãos, os srs. P aulo Barbosa da Silva, C arlos A u gusto T au-
nay, Jo sé R ibeiro da Silva e M anuel O dorico M endes, nos
levou ao desejo d e form ar uma com panhia de carros de
posta, p ara pessoas decentes, denom inados em F ran ça
“ ônibus” , e que ali, como em o u tro s paises civilizados da
E uropa, servem m aravilhosam ente o fim desejado. Os
ônibus trarão sem dúvida o aum ento dos edifícios, da p o p u ­
lação e do com ércio nos arredores da c a p ita l; e êsse au­
m ento dos edifícios, da população, assegurará progressiva-
m ente um acréscim o de interesses a C om panhia dos Ô ni­
b us; assim é que as in d ú strias e as artes se coadjuvam e
auxiliam m utuam ente.”
O tráfeg o foi iniciado no mês de Ju lh o de 1838, tendo
os veículos como ponto de p artid a a praça da C onstituição
(H o tel Itá lia ), em direção, a princípio, a B otafogo, São
C ristóvão e E n g en h o V elho e, depois, a L aran jeiras, A n-
daraí Pequeno, R io C om prido e ru a N ova do Im p erad o r
(h o je ru a M ariz e B arros).
P a ra q u alq u er ponto, a passagem custava a im p o rtân ­
cia de 200 réis.
Êsse sistem a de condução durou cêrca de 30 anos.

r-— — - --- 7- -- ■■ . — . Mi M ni
. .
mi —

HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 115

O a s s a lto à ilh a d a C a q u eira d a .

O assalto à ilha da C aqueirada foi assunto p alp itan te


em tôdas as rodas, d u ran te m uito tempo.
N arrêm o -lo :
A p ito resca ilha do Bom Jesu s, próxim a à ponta do
Cajú, em 1838, época em que se deu o crim e de que nos
ocupam os, chamava-se C aqueirada ou dos F rades. É nela que
se acha hoje o A silo dos In v álid o s da P átria, destinado a
reco lh er os soldados e oficiais reform ados, que precisem de
recursos para viver, sem o au x ílio da caridade pública.
F o i aí tam bém que ex istiu um velho convento dos fra ­
des franciscanos, que, depois de extinto, serviu em várias
épocas p ara diversos fins.
A ssim , de 1823 a 1832, foi ocupado pelo hosp ital de
M a rin h a ; em seguida, até 1853, serv iu de recolhim ento para
os m o rfético s; de 1853 a 1855, dè depósito para os colonos
e de en ferm aria de coléricos, e em 1866, finalm ente de
q u artel p ara os voluntários, que se destinavam à guerra do
P araguai.
A 5 de O utubro de 1819, dia consagrado a S. F rancisco
de A ssis, houve nessa ilha um g ran d e banquete, dado pelos
m em bros da com itiva de D. Jo ão V I, para solenizar o nas­
cim ento da princesa M aria da G lória, prim eira neta do rei.
A p arte m ais la rg a da ilha e habitada do lado do oeste
é que se chamava Caqueirada, ou dos Frades, por causa do
convento a que já nos referim os.
P o is bem ; foi nessa ilha que houve um assassínio que
por m u ito tem po serviu de assunto ás conversas e cujos
au tores foram quatro bandidos.
C ondenados à m orte, iam ser enforcados no dia 6 de
F evereiro de 1839, quando, na véspera da execução, reco lh i­
dos todos à fortaleza da Lage, resolveram en tre si co n tar
cada um a sua vida.
F alou prim eiro Jo sé V icente, que disse tin h a sido
criado pelos m iseráveis pais em pobreza tal que às vezes
lhe faltav a o pão em casa. N unca tin h a sido enviado à
116 M ELLO BA RRETO FILHO e HERMETO LIMA

escola, razão por que não sabia ler, mas tin h a aprendido,
com os negros, o ofício de barbeiro sangrador. D epois, em ­
pregara-se em casa de um barbeiro, de quem ro u b ara certa
quantia, e fu g ira. F oi para M inas Gerais, em pregando-se aí
em uma fazenda, onde se ocultou um dia debaixo da cama
do fazendeiro, e, quando o in feliz dorm ia, lhe en terro u no
p eito a faca que levava. Daí fôra para O uro P reto , onde se
casara e tiv era filhos, abandonando a fam ília pouco tem po
depois.
E m seguida falou A ntônio Joaquim , que declarou que
a sua educação tin h a sido igual à do com panheiro Jo sé V i­
cente. F ô ra educado nas ruas, acom panhando as m úsicas
dos batalhões, nas festas do E sp írito Santo e nas de Reis.
A ssim se to m a ra capoeira e gatuno.
B atia carteiras, su rrip iav a objetos das lojas, tendo sido
preso pela p rim eira vez quando roubava camisas de uma
casa na ru a do H ospício. “ A bsolvido, co n tin u ei na mesma
v id a ; tornei-m e ladrão”, disse o celerado. “ Serví-m e de
gazuas, assaltei casas; de ladrão passei a assassino. E m 1837
m atei, em S anta Teresa, um escravo que eu sabia conduzir
o b jeto s de valor. D epois assaltei a ouriv esaria M eyral, na
ru a d o O uvidor. O btendo um a ordem de “ habeas corpus” ,
saí da prisão, relacionei-me contigo, Jo sé M artins, e con­
tig o , A lb in o ; e tendo com binado o assalto na ilha da Ca-
queirada, fu i eu quem desfechou o tiro no ouvido de G on­
çalves L iberal, m atando-o”.
D epois falou A lbino. C ontou que tin h a sido arrastad o
ao crim e pela ociosidade em que sem pre vivera nos seus
p rim eiro s anos. T endo amado uma moça rica, cham ada
A lice, para ser ric ^ também, tornara-se jogador. R elacio­
nando-se com M artins, ficara pertencendo à sua quadrilha.
T o rn ara-se salteador, ladrão e assassino, auxiliando a m a­
ta r G onçalves L iberal na ilha da Caqueirada, o qual pedia
de joelhos, em nome de D eus e da mãe do céu, lhe poupas­
sem a vida.
E m seguida, M artins tom ou a palmyra. D isse que nunca
tiv e ra inclinação para o estudo, embora seus pais o tiv es­
sem m andado para a escola, de onde a cada passo fugia. Daí
en treg o u -se à vida do mar. Em uma viagem que fez a Santos
« K r.^r.-^r -pyr.rxTfr : — -ig?-.'TOH *'" '■'W'rT\*?' -' ' r',~?&f'

HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 117

viu um com panheiro com o bolso recheado de dinheiro.


Quando êle dorm ia no tom badilho “ fez a lim pa” e “ sacudiu
com o homem ao m ar”. E m o u tra viagem, m atou o contra­
m estre do navio, roubando-lhe tudo quanto possuia. Fizera
parte da q u ad rilh a de P ed ro E spanhol e com êle assaltara
a casa do padre F o rtu n a. R em etido para a ilha das Cobras,
fugira, escalando um m u ro ; m udara de nome, m atara o
com andante de um navio que se d irig ia a Pernam buco, ro u ­
bando-lhe grande soma. Ê sse com andante chamava-se F ra n ­
cisco de M orais. Sabendo que na C aqueirada vivia um ho­
mem de nom e F rancisco Gonçalves Liberal, n atural de M i­
nas, an tig o soldado e po ssu id o r de avultada fortuna, p ro je­
tou um assalto. “ M atam os o L iberal, disse o celerado, e m a­
tam os tam bém um escravo que nos queria fazer frente. O
resto já sabem : fom os denunciados p o r uns p reto s rem ado­
res do cáis dos M ineiros e aqui nos achamos. M as não dei­
xemos que nos m atem assim. Suicidem o-nos todos.”
— E xcelen te idéia, disse o Jo sé V icente. Sob esta fu n ­
da, que m e sustem a hérnia, tenho uma lima e uma na­
valha.
E Jo sé V icente começou a lim ar a corrente de A lbino;
depois os outros praticaram a m esm a operação.
Q uando os soldados foram buscar os bandidos, para se­
guirem para o O ratório, e dai serem enforcados, achando-os
livres das correntes, não quis o chefe de P olícia expô-los
à sanha dos m alvados e esperou que pela fome e pela sêde
se entregassem .
C ontinuando êles a resistir, o m in istro da J u stiç a en­
viou o com andante L uiz A lves de L im a e Silva e o m ajor
Polidoro, afim de darem as providências que achassem mais
convenientes, resolvendo, então, estes oficiais, lançar d en ­
tro da enxovia uma composição de enxofre, com a intenção
de os obrigar a render-se.
Vendo-se perdido, Jo sé M artins lançou mão da navalha
e deu com ela um grande talho no pescoço.
A lbino Jo sé P ereira fez o m esm o; em seguida, Jo sé
V icente rasgou a arté ria radial do braço esquerdo e uma
das veias ju g u lares. A n tônio Joaquim , m ais covarde, fez
uma pequena incisão no pescoço. Não m o rreu ; foi tratado
118 MELLO BARRETO PILHO e HERMETO LIMA

no hospital da M isericórdia e depois rem etido para a C a­


deia do A ljube. Daí, no dia 8 de F evereiro de 1839, co n d u ­
zido por dois negros e deitado sôbre uma padiola, foi levado
ao largo do Capim, onde estava arm ada a forca, e executado.
A ssim m orreu o últim o dos salteadores da ilha da Ca-
queirada.

Falecimento de José Bonifácio.

A 8 de A bril de 1838, via-se grande m ovim ento de tro p a


no largo do Paço. Ju n to ao cais estacionavam dois coches
da casa im perial. E ra o corpo de Jo sé B onifácio, que, tendo
falecido, dois dias antes, em N iterói, ia ser conduzido à
ig reja dos T erceiro s do Carmo. Ao desem barcar fô ra rece­
bido pelo m arquês de P aranaguá, H olanda C avalcanti, Jo ão
E vangelista, P aulo José de Melo, E rn esto F e rre ira F rança e
Jo sé Ju stin ian o de Azevedo C outinho.
D epois da cerim ônia da encom endação, foi o corpo le­
vado para as catacum bas, ju n to às quais discursaram os drs.
M ota, Simoni, V aldetaro e outros.
O cadáver foi embalsamado pelos drs. M eireles, O ta-
viano, C ristóvão e Faire, sendo, depois, encerrado em um
caixão de chum bo e levado para São Paulo, sendo sepul­
tado na capela m or da ig reja do convento do Carmo, em
Santos. H oje, as suas cinzas repousam no panteon erigido
aos A ndradas em 1922.

Doze bandidos atacam uma embarca­


ção que vinha de Niterói.

N a noite de 8 para 9 de A bril de 1838, o sr. M anuel


F rancisco de M oura, resid en te em S. Gonçalo, em N iterói,
resolveu v ir a esta C apital em passeio e ao mesmo tem po
v isitar pessoas de seu conhecim ento.
Tom ou a barca a vela e, em com panhia da senhora, uma
I —. v, wiff<*m*!etfe>$.,• ■- , »11*, , . , < f n o - « w » ) m V

HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 119

filh in h a de dias e qu atro negros seus escravos, tocou-se para


aqui.

Q uando a em barcação se aproxim ava da ilha de Mo-
canguê G rande, nas circunvizinhanças da Armação, eis que
é abordada por duas canoas, conduzindo doze ladrões.
Os bandidos im ediatam ente pularam para dentro da
barca e vociferaram :
— A baixo tudo, senão m o rre m !
E exibindo am eaçadoram ente duas pistolas e uma faca,
exigiram lhes entregasse M oura todos os valores que trazia.
E, am arrando a vítim a com os braços para trás, come­
çaram a limpa.
Os escravos, am edrontados, nada fizeram , tem endo
serem assassinados.
De quando em quando, os salteadores ordenavam que
ninguém pedisse socorro, sob pena de serem todos im edia­
tam ente m ortos.
Às vezes, tentavam alvejar o peito de M oura, mas to ­
das as vezes que isso acontecia, a esposa, com o filho no
colo, abraçava-se ao m arido, dizendo aos ladrões que então
m atassem todos.
F eito o roubo, que consistiu em dois sacos de cobre,
660 m il réis em m oeda corrente, e todas as jó ias que o casal
M oura consigo levava e o u tro s objetos, tom aram de novo
as duas canoas e fizeram -se ao largo.
Q uando já não eram m ais vistos, os dois escravos, tra n ­
sidos de medo, desam arraram M oura e conseguiram chegar
até ao cáis.
R elatado o caso à polícia, foram presos os bandidos.
E ra uma quadrilha form ada por P edro E spanhol e que
ainda subsistia depois de sua m orte.
D ada a busca em casa de dois dos seus chefes p rincipais,
foram encontrados 16 arm as de fogo, 9 espadas, m uitas a r ­
mas curtas, cartucham e embalado, além de fôrm as de fazer
balas, de in strum entos para arrom bar portas, etc., etc.
120 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

O p r im e ir o p o r tu g u ê s qu e d a n ço u na
corda bamba.

D urante os prim eiros meses de 1838 m uito fraco foi o


m ovim ento te atral no Rio de Jan eiro .
Os poucos em presários, que então existiam , queixavam -
se am argam ente da falta de público e já não sabiam que gê­
nero de espetáculo haviam de ap resen tar que agradasse à
platéia carioca.
E m fin s de Ju lh o dêsse ano, porém , registou-se um
grande acontecim ento, que se trad u z iu em verdadeiro su­
cesso te a tra l: a apresentação do a rtis ta lu sitan o M anuel
A ntônio M arques, considerado pela im prensa da época “ in ­
signe nos jogos m alabares e equilíbrios”.
Os jo rn ais assinalaram o fato, salientando a circu n s­
tância de M anuel M arques te r sido o prim eiro p o rtuguês
que, no B rasil, dançou na corda b a m b a ...

O reconhecimento do segundo impe­


rador do Brasil.

D. P ed ro contava apenas a idade de nove m eses quando


foi reconhecido herdeiro presuntivo da coroa do B rasil.
O ato foi revestido da m aior solenidade e a cidade apresen­
tava o aspecto dos dias festivos. Logo pela m anhã cedo os
canhões das fortalezas salvaram, como salvaram também na
ocasião da saida do co rtejo da q u in ta da Boa V ista. O fu ­
tu ro im perador do B rasil vinha em um rico coche acom pa­
nhado de sua aia d. M ariana C arlota de V erne M agalhães.
E m um o u tro vinha d. P ed ro I, seguindo-se as carruagens,
que conduziam m in istro s de E stado, que era m : o visconde
de S. Leopoldo, que ocupava a pasta do Im p ério ; o m ar­
quês de Inham bupe, a dos E stran g e iro s; o m arquês de Ca­
ravelas, a da J u stiç a ; o m arquês de B aependí, a da F azenda;
o m arquês de Lages, a da G uerra e o marquês de Paranaguá,
a da M arinha. Uma vez chegado o cortejo ao campo de
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 121

S an t’A na onde funcionava o Senado, os batalhões alí posta­


dos tocaram o hino da In d ep en d ên cia e o povo prorrom peu
em vivas à sua m ajestade o sr. d. P edro I, à im p eratriz e ao
fu tu ro im perador. À p o rta do Senado diversos rep resen tan ­
tes da nação foram receber o im perador, abrindo-se, em se­
guida, a sessão, às 10 horas, para o reconhecim ento, confor­
me m andava a C onstituição. E ra presidente do Senado o
visconde de Santo A m aro, que, declarando o fim especial
daquela reunião de rep resen tan tes da Câmara e do Senado,
dava como reconhecido herdeiro presuntivo da coroa do
B rasil o sr. d. P ed ro de A lcântara João C arlos Leopoldo
Salvador B ibiano F rancisco X avier de P au la Leocádio M i­
guel G abriel R afael Gonzaga, filh o legítim o e prim eiro
varão ex isten te do senhor d. P ed ro P rim eiro, Im perador
C onstitucional e D efensor P erp étu o do B rasil e da senhora
d. M aria L eopoldina Jo se fa C arolina, im peratriz, sua m u­
lher, arquiduquesa d ’A ustria, nascido aos dois dias do mês
de D ezem bro de 1825 e batizado aos nove do dito mês e ano,
na im perial capela do Rio de Jan eiro , pelo exmo. e revmo.
d. Jo sé C aetano da Silva C oitinho, bispo diocesano capelão
m or de sua m ajestade im perial.
T erm inada a cerim ônia, lavrou-se uma ata, que atual­
m ente se encontra no A rquivo Público, e foi escrita pelo
S enador João A ntônio R odrigues de Carvalho que exercia
o cargo de prim eiro secretário e lida pelo barão de Valença,
que exercia o cargo de segundo secretário.
T rin ta e nove senadores e setenta e oito deputados
com pareceram a essa sessão. M uitos deles faziam p arte dos
cham ados p atrio tas da independência.
L á estavam Jo sé Clem ente P ereira, Joaquim Gonçalves
Ledo, Luís P ereira da Nóbrega, Jan u ário da Cunha B ar­
bosa e outros.
Os três ilu stres A ndradas, que tanto tinham contribuído
para a libertação da pátria, estavam por essa época d ester­
rados. T inham seguido na Lucônia com os demais presos
políticos e suas fam ílias. Levaram cêrca de trê s meses para
chegar a Lisboa onde o com andante da Lucônia esperava
que algum a em barcação de gu erra p ortuguesa viesse captu­
rar o seu navio. Os desterrados desconfiaram de algum a
122 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

p erfíd ia do com andante que procurou en tra r no T ejo, mas


não o pôde fazer pela oposição do im ediato que levou o
navio pelo cam inho do norte. F altaram m ais tard e os m an­
tim en to s; foi preciso dar fun d o no p orto de V igo, onde
horas depois en tro u a corveta Lealdade, que levava ban­
d eira portuguesa. Um con flito era então inevitável, m as em
boa hora in terv eio o m in istro da In g la te rra em M adrid e os
d esterrados tiveram então ordem de desem barcar em plena
liberdade, seguindo depois para B ordéus, levando passa­
p o rtes espanhóis.
Como é sabido, os A ndradas cu rtiram as ag ru ras da de­
portação longo tem po. F o i um custo para Jo sé B onifácio
faze r as pazes com P edro I.
J á de volta ao B rasil, o im perador m andou chamá-lo
à qu in ta da Boa V ista, ao que Jo sé B onifácio respondeu ao
em issário do reca d o :
— D iga ao im perador que os A ndradas só brigam
um a vez.
A final, d. P edro deu a Jo sé B onifácio a m aior prova de
estim a e consideração, pedindo-lhe com insistência lhe
fôsse o tu to r dos filhos, que deixava ao desam paro no
B rasil.

Uma companhia com o íim de arrasar


o morro do Castelo — (1838).

Um século antes da iniciativa, que se tornou realidade,


enfim , de se arrasar o m orro do Castelo, p ara que o R io de
Jan eiro , com outros grandes m elhoram entos urbanísticos,
m erecesse o pom poso títu lo de Cidade Maravilhosa, já hou­
vera quem pensasse nessa providência.
Os cidadãos brasileiros Conrado Jacó de N iem eyer e
P ed ro de A lcân tara B elegarde dirigiram , em 1838, uma re ­
presentação à Câmara dos D eputados im petrando “ a facul­
dade de organizar nesta côrte hum a com panhia com o fim
de arrazar o m orro denom inado do C astelo desta cidade” .
ÍJa sessão de 20 de Ju lh o , a Câmara dos D eputados, sob
HISTÓRTA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 123

a presidência do sr. A raujo V iana, tom ando conhecim ento


da dita representação, rem eteu-a à Comissão de Comércio,
A g ricu ltu ra, In d ú s tria e A rtes.

O chefe de Polícia desfaz boatos aterradores.

Ficando a cidade dom inada por boatos aterradores de


que estavam sendo recolhidos à M isericórdia inúm eros ca­
dáveres de pessoas assassinadas, o d r. Eusébio de Q ueirós
C outinho M atoso Câmara, então chefe de P olícia, apres­
sou-se em d irig ir ao m in istro da J u stiç a o seg u in te ofício,
im ediatam ente tra n sc rito nos jo rn ais do Rio de Jan eiro :

“ O h o rro r que n atu ralm en te in sp iro u a m u­


tilação do cadaver que, no dia 17, appareceu no
V alongo, reunido á circum stancia de apparece-
rem alg u n s corpos de pessoas afogadas por se
haver virado hum a canôa que vinha de M aricá,
deu lo g ar a espalharem -se noticias aterradoras,
chegando o despejo ao ponto de se dizer que na
S anta Casa da M isericordia se havião recolhido,
n estes ultim os dias, m u ito s cadaveres de pessoas
assassinadas; e, como cum pre d e stru ir taes fal­
sidades quanto antes, tenho a honra de commu-
nicar a V. E x. que, segundo as p artes que tenho
recebido, não consta que houvesse hum a só m or­
te com m ettida destes ultim os oito dias, alem da
que dem onstra o cadaver que appareceu no V a­
longo. Sobre esse facto continuão-se a fazer d i­
ligencias tan to pela policia como pelo ju iz de
paz do d istricto , o cidadão Gabriel P in to de A l­
m eida, cujos serviços e actividade são bem co­
nhecidos, e he de esperar que a verdade appareça
como tem acontecido em outros objectos de m ais
d iffic il descoberta. No mais, a cidade não offe-
rece essa frequência de crim es horrorosos que
em outras partes se nota, e que se deveria talvez
nbf " '
. " r' “' " 1*

124 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

esperar, atendendo-se á pouca gente que ha


para rondal-a.
Deos guarde a V. E x. — Rio, 22 de A gosto
de 1838. — Ulmo. e Exm o. Sr. B ernardo P ereira
de V asconcellos, m inistro e secretario dos N e­
gócios da Ju stiça . — Euzebio de Queiroz Couti-
nho Mattoso Camara.”

Ocorrências policiais em 1839 — Ten­


tativa de homicídio — Enforcamento —
Estupro.

O ano de 1839 não foi dos mais farto s em ocorrências


policiais.
E m 24 de Ju nho registou-se uma ten tativ a de hom i­
cídio.
Joaquim de Souza N azaré com prara um escravo de
nome A ntônio, que havia chegado da Baía, onde uma vez
fôra preso por ter alí tom ado p arte num a revolta.
A ntônio era um H ércules de fôrça e de tam anho.
Um dia pediu ao seu senhor que o vendesse, fôsse para
onde fôsse, pois não queria mais ficar a seu serviço.
N azaré negou-se a satisfazer-lhe o desejo e, desde aí,
ficaram os dois “ de p onta”.
Um dia, A ntônio resolve liq u id ar êsse negócio, e,
aproveitando um mom ento em que Joaquim de Souza Na­
zaré repousava em sua cama, cravou-lhe no peito a ponta
de um compasso.
Dado o alarme, conseguiu A ntônio evadir-se; mas,
sendo preso em seguida, com pareceu à presença do ju iz
de paz da G lória, confessando o crime.
Subm etido a julgam ento, foi condenado à m orte.
Tam bém nesse mês a população carioca assistia à exe­
cução do escravo M arcelino, que no dia 17 de Ju n h o do
mesmo ano, assassinara d. Feliciana P ero lin a Gomes, moça
de 24 anos de idade, esposa do negociante A ntônio Gomes
C arneiro, estabelecido na ru a do H ospício, n.° 87.
mmm mm %K■$* - * 1ifigR

HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 125

O crim inoso, depois de haver com etido o crim e, evadiu-


se, mas foi pilhado dias depois, tendo a P o lícia dado
800$000 ao seu apreensor.
Subm etido a julgam ento, foi acusado pelo dr. F erre ira
B atista, então prom otor público, e defendido pelo dr. João
M anuel P ereira da Silva.
Não obstante a b rilh an te defesa, foi condenado à m orte
e executado.
A inda nêsse mês, a 16, o Diário do Rio de Janeiro,
trouxe uma notícia, que encheu de indignação aos seus le i­
tores.
E ra o caso que, indo a viuva d. C arlota Joaquina Gal-
vão, m oradora na rua das V iolas, visitar uma fam ília de suas
relações, na rua do Cem itério, em com panhia de uma filh a
de 9 anos de idade, encontrou um cavalheiro, m uito bem
vestido, que, fazendo festas à menina, pediu licença a d.
C arlota para levar a pequena ali pertinho, afim de com prar-
lhe um b ilh ete de loteria.
A viuva, que nada suspeitava, vendo as boas m aneiras
do cavalheiro, accedeu ao pedido.
O m onstro levou a m enina à pedreira do Livram ento
e aí, depois de estuprá-la e de contam iná-la de m oléstias
venéreas, lavou as roupas ensanguentadas da criança e la r­
gou-a a chorar no corredor da casa em que se achava a
viuva d. Carlota.
E sta com unicou o fato à P olícia, mas parece que o de­
generado ocupava alta posição social, de sorte q u e . .. tu d o
ficou como dantes.

Reabertura do Teatro de São Pedro de


Alcântara — (1838) — O ediiício — Os
cenários — A representação.

O teatro que surgiu no Rio de Jan eiro , em 1813, como


prim eiro teatro brasileiro digno dêsse nome — o Real Tea­
tro de São João — quando já se denom inava Teatro de São
Pedro de Alcântara, foi solenem ente reaberto em 1839, para
126 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

uma das comemorações mais festivas, de qu an tas se fizeram


para assinalar a criação da nacionalidade b rasileira.
R egistando o acontecim ento, que m arcou época, relata
o Jornal do Comércio de 10 de S etem bro: “ O faustoso dia
em que a voz do fu n d ad o r do im pério, tro an d o no Ip ira n g a
— independência ou m orte — fez sair da sujeição colonial
o m agnífico im pério de Santa Cruz, e criou a nacionalidade
brasileira, foi festejado, como era de esperar, na capital do
Im pério. P ara dar m aior solenidade a êsse dia, nele teve
lu g ar a ab ertu ra do Teatro S. Pedro de Alcântara.
T endo de dar conta dêsse ato, comecemos pelo e d ifí­
cio. Ao en trar na sala, dois objetos atraíram logo e cativa­
ram a atenção do espectador: o teto e o pano de boca. O
teto , composição do insigne arq u iteto sr. O liv ier é de tão
adm irável trabalho, que basta para firm ar a reputação de
um a rtis ta ; o pano de boca produz m uito belo e feito ; é com ­
posição do sr. P o rto A legre. P o r cima dêle, no teto, p in to u
êste bem conhecido artista o gênio das belas a rte s rasgando
as espessas nuvens da ignorância e da ro tin a, e dando ao
gôsto o lugar que elas usurpavam . À direita, vê-se a m ag n í­
fica entrada da b arra do Rio de Ja n e iro ; à esquerda a ig n o ­
rância e a ro tin a fogem espavoridas. E ssa alegoria, otim a­
m ente figurada, não só m erece elogios por sua execução,
como, igualm ente, sim boliza perfeitam ente a nova direção
que à lite ra tu ra dram ática brasileira, e com ela as artes e
letras, deve dar o novo Teatro de S. Pedro. E speram os e
fazem os votos aos céus para que o pensam ento do p in to r
não seja ilu d id o ...
Não há, porém , bela sem senão; a obra de homens, p o r
m ais bem acabada que seja, leva sem pre o cunho da im per­
feição, e o Teatro de S. Pedro não pode ficar sem defeitos.
Em bora adotem os m áxim a horaciana:
Ubi plura n ite n t.. . non ego paucis.
O ffendar m aculis. ..
não podem os deixar de reconhecer que o todo do te atro
não se apresenta com a desejável harm onia. São p erfeito s e
acabados o teto, o pano de boca, os ornatos da ante-cena,
m as sua mesma perfeição faz pelo contraste sobressair o
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 127

II
mal acabado trabalho dos cam arotes, especialm ente da p ri­
m eira ordem . É neles de péssim o efeito o leque de ouro
sobreposto em fundo encarnado, sem que os seus contornos
sejam indicados, sem que relevos os façam sobressair. Pode,
porém, ser facilm ente em endado êsse defeito, a nosso ver
de bastante gravidade, e então, igualm ente, dever-se-iam
m odificar as cintas encarnadas das outras o rd en s; o am a­
relo, que foi escolhido, p oderá ser de agradável vista de dia,
mas de n o ite e ao longe confunde-se com branco sujo. F e ­
lizm ente essa tin ta não poderá d u rar m uito tem po; as ca­
sacas dos espectadores que d t leve se encostarem , terão a
habilidade de a ir lim p a n d o ; porque esqueceram -se de dei­
tar-lhe algum pouco de cola que a fixasse.
F e ita assim a p arte da censura e do elogio, agradeça­
mos os desvelos da direção do Teatro de S. Pedro de A l­
cântara pelas despesas d ian te das quais não recuou, e o in ­
sano trabalho dos in sig n es artistas P o rto A legre, O livier,
Carvalho M alivert e outros, que não se pouparam para dar
a esta cidade e aos am igos dos recreios cênicos, um teatro
digno da nossa'civilização e do estado das artes en tre nós.
Falem os agora do espetáculo do dia 7.
A presença de s. m. i. e de sua augusta fam ília, a do
prín cip e de Carignano, que acom panhara o m onarca brasi­
leiro, haviam atraido o mais luzido e num eroso concurso.
O teatro ostentava suas mais brilh an tes galas e animava-se
com a reunião de belezas que lhe povoavam os cam aro tes;
tudo m anifestava jú b ilo ; sentim os que o lu stre, que,
tão b rilh an te havia estado nos dias de ensaio, tan to desm e­
recesse nessa ocasião; os pavios carbonizaram -se com m uita
facilidade, talvez pela água-rás que lhe d eitassem ; e a l­
guns, deixando escapàr m oribundos e vacilantes raios, fo­
ram-se, pouco a pouco, apagando.
Os cenários, todos devidos ao pincel do sr. P o rto A le­
gre, são todos dignos de elogio, especialm ente o clau stro ou
cem itério, visto ao lu ar. A penas desejaríam os nessa p arte
que fôsse êle mais bem ilum inado. Ig u al elogio nos m erecem
os vestuários dos atores, todos ricos, a caráter, da m ais es­
crupulosa exatidão, e devidos ao au to r da peça o sr. M a­
galhães.

,
128 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

Incontestavelm ente pertencem à sra. M aria da G lória


as honras da representação. A en trad a da jovem a triz na
carreira teatral, sendo esta a prim eira vez que em público
se apresenta, agoura-lhe b rilh an te fu tu ro . Senhora do ta ­
blado, é seu gesto expressivo, cheio de graça e n a tu ra l;
anim a-se sua fisionom ia e de harm onia com os sentim entos
que sua boca exprim e, pinta-os ao vivo e m o stra que lhe
saem êles do coração; seu sorriso é dos m ais finos, d elica­
dos e nobres. A sra. M aria da G lória fez-nos conceber as
m ais lisongeiras esperanças apesar mesmo do seu quinto
ato, em que ficou m u ito abaixo de si mesma.
Não term inarem os sem dar-lhe dois conselhos. P a re ­
ceu-nos que ela afetava im itar a sra. E steia. S eria isso êrro
gravíssim o. N ão tra te a nova a triz de copiar a ninguém ,
nem mesmo a sra. L ud o v in a; crie um tip o seu, estude a na­
tu reza e a arte, e achará no pró p rio talen to os predicados ne­
cessários para chegar um dia a ser boa atriz.
O segundo conselho (e não é êste o m enos im p o rtan te)
é que se não em briague com os elogios exagerados de que
a rodeiam os inim igos do seu fu tu ro ; lem bre-se que já
houve quem com isso se p e rd e s s e !...
Dos m ais atores nada direm os : quiséram os som ente que
não confundissem a energia com a descom passada g ritaria.
A sra. Lucci deverá com pletam ente a lte ra r o seu acio­
nad o ; e m ais ainda lhe recom endam os que p erca esse je iti-
nho que dá à boca quando firm a uma nota m ais alta, je ito
que m uito desfeia sua linda fisionom ia.
Não farem os aqui a análise da nova tragédia, que o sr.
M agalhães compôs para essa noite. Sentim os ver baldadas
as esperanças que, baseadas no conhecido talen to do poeta,
havíam os concebido. Olgiato é m uito in ferio r às produções
do jovem vate brasileiro. Não desanim e êle, porém ; lem bre-
se que
E n commençant, Racine eut une chute;
Souvent, helas! voilà comme on debute;
Mais le génie
S ’éiève et s’agrandit;
Phèdre, Athalie,
Voila comme on fin it.
Praia de Botafogo em 1841
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 12»

A com panhia de baile é m uito fraca; o público do Rio


de Jan eiro tem d ireito de nesta p arte ser mais ex ig en te;
êle ainda se recorda saudoso dos M artin, L abottière, Cheza,
A dèle, H éloise, e tantos outros que longo fôra enum erar.
A inda que fraca a com panhia, ainda que fraco o enredo da
patom im a que foi representada, term inou ela agradavel­
m ente o espetáculo’ .

A maioridade de d. Pedro II — Pro­


jetos legislativos — (1830-1840).

O p rim eiro gesto ten d en te a proclam ar a m aioridade do


im perador P ed ro I I p a rtiu do deputado L uís F rancisco de
P au la C avalcanti de A lbuquerque, rep resen tan te da provín­
cia de Pernam buco. F oi o p ro jeto apresentado na Câmara
a 6 de Ju n h o de 1835 e assim d eterm inava: “ O im perador e
o p rín cip e im perial são m aiores na idade de 14 anos.” P e ­
dro I I tin h a, a êsse tem po, 10 anos incom pletos, sendo o
Im p ério governado pelos regentes Lim a e Silva, João B ráu-
lio M oniz e J o sé da C osta Carvalho. O p ro jeto não foi ju l­
gado objeto de deliberação.
D ois anos depois, a 20 de M aio de 1837, o deputado
Jo sé Jo aq u im V ieira Souto, m ajor do E x érc ito e rep resen ­
ta n te da p ro v ín cia do R io de Jan eiro , renovou a tentativa
com p ro p ó sito s m ais prontos. Q ueria que o im perador
fôsse dispensado de sua m enoridade para ser inaugurado
im perador do B rasil e entrasse desde já no exercício dos
poderes políticos, que lhe são outorgados pela C o n stitu i­
ção”. T eve o p ro jeto o mesmo destino do an terio r: na
sessão do mesm o dia em que foi apresentado, a Câmara de­
cidiu não ser êle objeto de deliberação.
Caída a proposição, im ediatam ente o rep resen tan te ma­
ranhense E stêv ão R afael de Carvalho apresentou uma pro­
posta singularíssim a, assim red ig id a:
“ A A ssem bléia G eral legislativa resolve:
A rt. 1 — S. M. o Im p erad o r irá desde já, v iajar para
10
130 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

fora do Im pério, d u ran te cinco anos, seguindo a d erro ta se­


g u in te: '
A rt. 2 — Saindo do R io de Jan eiro ira em direção a
H am burgo; daí atravessará por te rra o H anover, a confe­
deração germ ânica e a S u iça; nesta últim a v isitará com es­
pecialidade o estabelecim ento do senhor Felem berg. Dai
descerá pelo Reno até a H olanda, donde passará p o r te rra
à Bélgica, à F rança, E sp an h a e P o rtu g al. D êste pais em­
barcar-se-á p ara a In g laterra, daí passará aos E stad o s U ni­
dos do N o rte da A m érica. Se a saúde de S. M. consentir,
ele atravessará êste últim o país p o r te rra até ganhar o P a ­
cífico, onde em barcando-se v isitará o que houver de m ais
notável em todo este lito ral até o V alparaiso. D esem bar­
cando aqui, atravessará p o r te rra para B uenos A ires e dai
dirigir-se-á para o Rio de Janeiro. Se a saúde de S. M. Im ­
perial não p erm itir aquela longa jo rn ad a p o r terra, em bar­
car-se-á para o Rio de Jan eiro e daqui, embarcando para o
Pacífico, concluirá o resto da viagem, como fica descrita.
De volta ao R io de Jan eiro visitará, então, as províncias do
seu Im pério. , ,
A rt. 3 —• S. M. o Im perador v ia jara incognito e a N a­
ção subm inistrará tudo o que fo r necessário para o bom
êxito de sua viagem.
A rt. 4 —. S. M. o Im perador navegará em navios de
guerra nacionais, m andando-se pôr de antemão, os que forem
necessários nos portos, onde êle houver de embarcar.
A rt. 5 __ S. M. o Im perador levará em sua com panhia
dois hom ens capazes de dirigi-lo, quer nacionais, quer es­
tran g eiro s: esta escolha sendo feita pelo govêm o, assim
também, d u ran te a sua viagem, êle poderá associar a si os
sábios estrangeiros que nos diferentes paises êle achar, não
excedendo a um por cada país.
A rt. 6 — Cada um dos dois d iretores que acom panha­
rem S. M. Im perial te rá um conto de réis de m ensalidade
e os ou tro s que depois se agregarem , segundo o artigo 5,
vencerão unicam ente 400$000.”
A Câm ara deu ao p ro jeto o mesmo destino que tivera
o outro pouco antes lid o ; não o ju lg o u objeto de delibe­
ração.
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 181

Taboletas nas portas das residências


das autoridades.

T endo chegado ao conhecim ento do chefe de P olícia


B ernardo P e re ira de V asconcelos, que o expediente de sma
repartição aum entava dia a dia, exageradam ente, pelo fato
de todos os casos policiais, desde os mais graves aos m ais
simples, serem subm etidos à sua apreciação, por isso que as
autorid ad es encarregadas de policiam ento raram ente eram
encontradas, quando se fazia m ister a sua intervenção, re­
solveu aquele m ag istrad o so licitar ao regente providências
que solucionassem o problem a.
A lém de um a escala de serviço p ara “ diligências d iu r­
nas e n o tu rn as”, o govêrno ordenou que as autoridades po­
liciais tivessem nas p o rtas de suas residências taboletas in ­
dicativas d e seus cargos, com as arm as im periais pintadas
e a legenda — Justiça de paz. Q uando em serviço, os dele­
gados dos ju iz e s de paz usariam um a faixa com duas listas,
uma verde e o u tra am arela. F oram estas as prim eiras p ro ­
vidências adotadas, segundo consta dos seguintes atos
publicados em 1839.
“C irc u la r — T ran sm ito a VV. SS. por cópia o ofício
do dou to r ju iz de d ireito chefe de Policia, de 9 do m ês p.p.,
dirigid o à secretaria de estado dos N egócios da Ju stiça, e
aviso da m esm a rep artição em resposta do dito ofício, de 14
do mesmo mês, p ara que VV. SS. em observância ao que
êle dispõe, h aja de pôr nas portas de suas residências as
taboletas de que tra ta o mesmo av iso ; e espero do p atrio tis­
mo dè V V . SS. que não hesitarão um só m om ento no seu
cum prim ento, dando com isto m ais uma prova não equí­
voca de que são dignos de ocupar o honroso em prêgo que
exercem.
Rio de Jan eiro , 26 de M arço de 1839. — José Rodrigues
do Am orim , ju iz de paz do 2.° d istrito de S anta A na.”
“ C Ó P IA — lim o. e exmo. snr. O decreto de 14 de
jun h o de 1831 estabeleceu que os delegados dos ju izes de
paz teriam na sua porta, assim como êles, uma taboleta com
as arm as im periais pintadas, e por baixo a legenda — Ju s-
——------,--- I—j—

132 MELLO BARRETO FILHO 6 HERMETO LIMA

tiça de paz — assim como determ inou que usassem de uma


faixa com duas listas, uma verde e o u tra am arela. Pelo
código, foram êles su b stitu íd o s pelos inspetores de q u arte i­
rão, que não se ju lg aram autorizados a usar dos m esm os
distintivos, até que o decreto de 8 de M aio de 1833 ex p res­
sam ente lhos prescreveu. E n tão com eçaram a u sar das fai­
xas, mas nada de taboletas nas portas. E n tretan to , nada é
hoje m ais necessário do que isso, porque sem pre que é ne­
cessário a intervenção de algum inspetor, é m uito difícil,
principalm ente de noite, descobrir suas residências. P a re ­
cia-me, pois, conveniente, que o govêrno, ou explicando o
citado decreto, ou mesmo por o u tro novo, lhes im pusesse a
obrigação de terem nas portas as mesmas taboletas que an ti­
gam ente os delegados tinham .
D eus guarde a V. E xcia. Rio, 9 de F evereiro de 1839.
Ilm o. e exmo. sr. B ernardo P e re ira de Vasconcelos,
m inistro e secretário de E stad o dos N egócios da Ju stiça.
— Eusêbio de Queirós Coutinho Matoso da Câmara — E stá
conforme. Joaquim Moreira Maia.
A V IS O — O regente, em nome do im perador, orde­
na, em resposta ao seu ofício de 9 do corrente, que Vm.
com unique aos juizes de paz, que êles e seus inspetores de
quarteirão devem ter nas p o rtas de suas casas as taboletas
de que Vm. tra ta no mesmo ofício. D eus guarde a Vm.
Paço, em 14 de Fevereiro de 1839. — Bernardo Pereira de
Vasconcelos. Sr. dr. J u iz de d ireito chefe de P olícia.”

Instalação da Sociedade Promotora da


Maioridade do Imperador d. Pedro II.

E m 1840, a idéia de ser declarado m aior o im perador


renasceu com grande entusiasm o. Chegado do Ceará um ano
antes, o senador Jo se M artiniano de A lencar abraçou a
idéia e tornou-se um dos seus mais fervorosos adeptos. P ara
levar a term o o propósito, o senador A lencar esboçou o
plano de uma sociedade — Sociedade P rom otora da M aiori­
dade do Im p erad o r D. P ed ro I I — red ig iu os estatutos e
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 133

subm eteu tudo à apreciação de deputados e senadores, que


com ungavam dos mesm os ideais.
A 15 de A bril de 1840 instalou-se a sociedade na casa
de A lencar, à ru a do Conde, depois V isconde do R io
Branco, n.° 55, quasi fro n te ira à rua do Núncio, estando
m ais presentes os senadores C osta F erreira, H olanda Ca-
calcanti e P aula C avalcanti e os deputados A ntônio Carlos,
M artim F rancisco e P eix o to de A lencar. O fim social era
a decretação da m aioridade do im perador, por via do corpo
legislativo.
N inguém seria recebido no clube sem prim eiro dar sua
palavra de honra de votar pela m aioridade do im perador,
e, não sendo m em bro do corpo legislativo, de procurar,
quanto em si coubesse, ad q u irir votos para o mesmo fim .
P ouco depois, alistaram -se no clube os deputados Teó-
filo O toni, Jo sé A n tô n io M arinho, P in to Coelho, A caiaba
de M ontezum a e L im po de A breu.
A n tô n io C arlos recebeu de seus consócios uma delicada
incum bência: a de p ro cu rar conhecer a vontade do im pe­
rador. R elacionado no palacio, A n tô n io Carlos trato u de se
desob rig ar do m andato. Foi, então, que teve admissão no
clube um elem ento valiosíssim o, o deputado Jo sé F eliciano
P in to Coelho, p aren te e am igo do m arquês de Itanhaem ,
tu to r do m onarca. P o r êsse cam inho, fácil foi saber que d.
P ed ro I I acedia aos desejos dos m aioristas.
A últim a reunião do clube ocorreu a 12 de M aio de
1840 e fo i im portantíssim a. D eliberou-se aí, definitivam en­
te, a apresentação do p ro jeto de declaração da m aioridade
do im perador.
O senador A lencar red ig iu o p ro je to ; restava resolver
sôbre quem faria a apresentação na Câm ara A lta. H olanda
C avalcanti, então, decisivam ente, declarou que tom aria a
iniciativ a. E, de fato, no dia seguinte, subscrito mais p o r
A lencar, P au la C avalcanti, F e rre ira de Melo, Costa F e r­
re ira e M anuel Inácio de M elo e Souza, que não era sócio
do Clube, o p ro jeto fo i lido no Senado.
Sete dias depois, feria-se a discussão. O m arquês de
P aranag u á, presid en te do Senado, passou o exercício ao seu
su b stitu to , o conde de V alença, e foi ocupar lugar nas ar-
134 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

quibancadas, para defender o p rojeto, que foi rejeitad o


pela diferença de dois votos. R euniu 18 co n tra e 16 a favor.
Na Câmara caira tam bém , por 42 votos, contra 37, a in si­
nuação contida nestas palavras, in clu id as na resposta à Faia
do trono: “ E vendo com p razer aproxim ar-se a m aioridade
de V. M. I ”.
No mesmo dia do m alogro da tentativa, o Clube Maio-
rista reuniu-se em sessão, na casa do senador F e rre ira de
Melo. D eliberou-se aí co n tin u ar a propaganda até à v itó ria
final.
A 17 de Ju lh o com pareceu o jovem m onarca a uma
festividade religiosa, na C apela Im perial. A serviço do
clube ali se encontrava um en tusiasta da idéia, conhecido
pelo B rasileiro R esoluto, nome com que firm ava várias
publicações, na im prensa.
Q uando d. P edro saiu, o B rasileiro R esoluto g rito u
entusiasm ado: “ V iva a m aioridade de sua m ajestade o im­
p erad o r!”, repetido por centenas de bocas. E , à p o rta do
tem plo, quando se retiravam os fiéis, foi largam ente d istri-
buida esta quadra:

Queremos Pedro Segundo


embora não tenha idade;
a nação dispensa a lei
e viva a maioridade!

O Clube M aiorista não deixava passar o ensejo. N o dia


seguinte, a 18, A ntônio C arlos aludia, na Câmara, à neces­
sidade de se fazer a m aioridade, e a 21 apresentou o p ro jeto
declarando o im perador m aior desde aquela ocasião.
V endo que a idéia ganhava vulto, o govêrno resolveu
em baraçá-la. Confiou a pasta do Im pério a um hom em enér­
gico, B ernardo P ereira de V asconcelos, e resolveu o adia­
m ento das Câm aras para o dia 20 de Novembro.
F in d a a le itu ra do decreto do adiam ento, A ntônio
C arlos levantou-se e b rad o u :
— Quem fo r brasileiro siga comigo para o S en ad o !
G rande m assa p o p u lar acom panhou os deputados m aio­
ri stas no seu tra je to da ru a da Assem bléia à do A real.
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 135

Sessão permanente no paço do Se~


nado — O imperador aceita o governo:
" Convoque para amanhã”.

Foi notável aquela sessão perm anente no paço do Se­


nado. Do que então alí se passou, conta-nos o conselheiro
A lencar A rarip e:
“ R eunidos os deputados e senadores no paço do Sena­
do, com eçaram a d elib erar em comum, declararam -se em
sessão p erm anente e resolvem m andar uma deputação ao
im perador p ara expor-lhe os p erig o s da causa pública e
pedir-lhe que assum isse as rédeas do govêrno.
A deputação com punha-se de cinco senadores e três
deputados, que eram os s e g u in te s : A n tônio Carlos, conde de
Lage, N icoláu V erg u eiro , Jo sé M artiniano de A lencar,
M artim F ran cisco , A caiaba de M ontezum a, P aula Caval­
canti e H o lan d a C avalcanti.
E s ta deputação, apenas nom eada, p arte p ara o paço da
Boa V ista, enquanto a m ultidão, que rodeava o edifício do
Senado, sô freg a e alvoroçada, era apaziguada por vários se­
nadores e deputados, que, das jan elas do mesmo edifício,
frequ en tem en te se dirig iam ao povo, ora explicando os fa­
tos, ora anim ando-o contra rum ores de projetadas violên­
cias p o r p arte do govêrno, ora recom endando firm eza e
prud ên cia para esperarem todos pelo êxito dos aconteci­
m entos.
E n tre ta n to , a deputação volta com a n o tícia de que o
im perador aceita o govêrno, ten d o ordenado ao regente
que revogasse o d ecreto de adiam ento da Assem bléia Geral
e a convocasse p ara o dia seguinte.
O re la to r da deputação, A ntônio Carlos, expôs o desem­
penho da m issão e leu a representação d irig id a ao monarca.
A deputação, depois de ap resen tar a representação, vol­
tou a um a sala de espera, ficando sua m ajestade deliberando
sôbre a m atéria.
N esse in terim , chegaram o reg en te e o m inistro da Ma­
rinha, R odrigues T o rres, que foram levados à presença de
d. P edro.
1.36 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

Cinco m inutos depois, a deputação foi cham ada o u tra


vez à presença de sua m ajestade, e estando aí o regente,
disse êste que havia h o je dado p arte ao im perador de que
havia adiado as câm aras som ente com o fim de p rep arar
tôda a solenidade para sua m ajestade ser aclam ado no dia 2
de Dezem bro, aniversário do mesmo senhor, mas que, h a­
vendo alguns senhores deputados prom ovido reunião na
casa do Senado e havendo algum a agitação do povo, êle
veio saber se sua m ajestade queria ser aclamado no dia 2
ou já.
Sua m ajestade respondeu que queria já — (o célebre
e discutidíssim o — “Quero já”) — e que, em tal caso, con­
vocaria a A ssem bléia domingo, para ser aclam ado; mas,
instando os membros da deputação para que tal se desse no
dia im ediato, em consequência do estado de agitação em
que estava o povo, sua m ajestade disse ao reg en te: — “ Con­
voque para am anhã”.
Conhecido o êxito da m issão surdiram desconfianças
de que não seria cum prida, por parte do regente, a prom essa
da convocação do parlam ento, e, neste sentido, p rorrom pe­
ram veem entes increpações contra o m inistro do Im pério,
B ernardo de Vasconcelos, apontado como capaz de tra ir o
monarca e derram ar o sangue brasileiro para im pedir o ato
da m aioridade.
Lem brou, então, o senador José M artiniano de A lencar
o envio de uma deputação ao reg en te para ex ig ir o cum ­
prim ento da ordem de convocação da Assem bléia G eral para
o dia seguinte (23 de Ju lh o ).
— Sr. presidente, disse êle, eu proponho que se m ande
uma deputação ao sr. regente, afim de ex ig ir dêle o cum­
prim ento da ordem de sua m ajestade im perial, para convo­
car a A ssem bléia G eral para amanhã.
O sr. R ibeiro de A ndrade deu êste ap arte:
— Isto aprovo eu, porque não posso d u v id ar do que
disse sua m ajestade im p erial; mas do regente tem os m uita
razão de duvidar.
A deputação foi nomeada e seguiu o seu destino, indo
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 137

entender-se com o regente P ed ro de A raujo, em sua resi­


dência, na ru a dos A rcos, onde êste, a princípio, quis res­
ponder com o ato da resignação do seu cargo. C onsidera­
ções políticas o demoveram dêsse propósito e o decreto con­
vocatório do parlam ento para o dia seguinte foi lavrado e
entregue à deputação, a qual o tro u x e ao Senado.”

D. Pedro II é declarado maior — A


memorável sessão do dia 23 de Julho.

Às 10 Yz da m anhã, no Senado, realizou-se memorável


sessão. F e ita a chamada, o m arquês de P aranaguá, presi­
dente, d eclaro u :
^ “ E u, como órgão da representação nacional em A ssem ­
bléia G eral, declaro desde já m aior s. m. im perial o sr.
d. P edro I I e no pleno exercício de seus direitos co n stitu ­
cionais. V iva a m aioridade de s. m. o sr. d. P ed ro I I, im­
perador co n stitu cio n al e defensor perpétuo do B rasil. Viva
o sr. d. P ed ro I I . ”
E m seguida foi nom eada a comissão com posta dos srs.
A ntônio C arlos, Lim po de A breu e A lves B ranco para d i­
rig ir a proclam ação ao país, e, logo após, designada a de-
legação co n stitu íd a de 14 senadores e 28 deputados para ir
ao paço saber do im perador o dia e hora em que p restaria
o juram en to constitucional.
D. P ed ro I I declarou que estaria no Senado às 3 horas
da ta rd e do mesmo dia para cum prir a form alidade.
M eia ho ra depois prestou o com prom isso: “ Ju ro man­
te r a religião católica, apostólica, romana, a integridade e
indivisibilid ad e do Im pério e observar e fazer observar a
constituição p o lítica da nação brasileira e mais leis do Im ­
pério e prover ao bem geral do B rasil quanto em mim
couber.”
138 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

Bernardo de Vasconcelos publica um


manifesto — O ministério que iniciou o
govêrno de d. Pedro II.

E m m anifesto publicado a 28 de Ju lh o , B ernardo de


V asconcelos, “ o m in istro das nove horas”, explicou os acon­
tecim entos. Êle fôra chamado ao govêrno como homem ca­
paz de se opor aos m aioristas. V encido, foi o prim eiro m em ­
bro do gabinete que se exonerou. Os outros se conservaram
no poder até à constituição d efin itiv a do prim eiro m in isté­
rio da m aioridade, no dia seguinte.
São do m anifesto de B ernardo de V asconcelos estas
palavras: “ Não me é dado saber qual será a m inha sorte
por êste acontecim ento. O sr. A ntônio C arlos R ibeiro de
A ndrada M achado e Silva (hoje m in istro do Im pério)
arrojou-se a ameaçar-me em p articu lar, e aos m eus outros
colegas em geral, na augusta presença do im perador, no m o­
m ento mesmo em que sua m ajestade acabava de aceitar a
d ifícil e espinhosa ta re fa de d irig ir os negócios públicos.
Q ue lição! Q ue sentim entos se pretendem in sp ira r ao cora­
ção do inocente m onarca! Q ue prova de acatam ento e res­
peito à sua sagrada pessoa! À espera dos efeito s da cólera
e vingança do sr. m inistro do Im pério, tenho até agora de­
m orado esta m inha breve exposição; mas, já que tardam
tanto, fôrça é p ro cu rar por êste meio ju stificar-m e p erante
os brasileiros verdadeiram ente am igos da m onarquia cons­
titu cio n al.”
, O m inistério, que iniciou o govêrno de d. P ed ro I I es­
tava assim co n stitu íd o : Im pério, A ntônio Carlos R ibeiro
de A ndrada M achado e S ilva; Ju stiça, A ntônio P aulino
L im po de A b reu ; E stran g eiro s, A ureliano de Souza e O li­
veira C o u tinho; Fazenda, M artim F rancisco de A n d rad a;
M arinha, A ntônio F rancisco P au la H olanda C avalcanti de
A lbuquerque; G uerra, F rancisco de P au la C avalcanti d e A l­
buquerque.
P ed ro I I contava, então, 14 anos, 7 m eses e 21 dias de
idade. P erm aneceu no tro n o de 1840 a 1889.
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 139

D. P e d r o II — (1840-1889).

F ilho de d. P ed ro I e de sua virtuosíssim a esposa


d. Leopoldina, arquiduquesa da Á ustria, d. P ed ro I I nasceu
nesta cidade do Rio de Jan eiro , na quinta da Boa V ista, em
São C ristóvão, no dia 2. de Dezembro de 1825 e faleceu em
P a ris em 1891, no dia 5 de Dezembro.
P a ra com em orar o prim eiro centenário do nascim ento
do em inente brasileiro, o A rquivo N acional publicou em
1925 in teressan tes docum entos relativos à infância e adoles­
cência de d. P edro I I .

Perfil do grande imperador.

Q uem m ais inspirado pela Ju stiça, para traçar, em rá p i­


das linhas, como as que exigem a natureza desta obra, o
p e rfil de d. P ed ro I I , do que o in sig n e m estre de saudo-
síssim a m em ória, conde de A fonso Celso?
“ M ais do que a de qualquer o utro homem, escreve o
abalisado histo riad o r, está sem pre devassada, constantem en­
te em foco, a vida dos m onarcas.
E m consequência da situação levantada e excepcional
que lhes cabe, aliciam, do berço ao túm ulo, todos os olha­
res, concentram sôbre si im placáveis atenções. São-lhes os
m ais triv ia is incid en tes observados, esmiuçados, longa­
m ente exam inados, através o vidro de aum ento das paixões
e dos interêsses.
T u d o quanto se lhes refere, suscita perscrutadora
curiosidade. Não têm vida privada os reis, ou im peradores.
Comem, dormem, amam em habitações transparentes,
sob a im p ertin en te, a inexorável inspeção da turba. E, dada
a irrev erên cia contem porânea, a que nada escapa, os juizos
sôbre êles pendem an tes para a severidade e a zombaria
do que para a sim patia e a benevolência.
P o is bem ! E m nenhum in stan te do dem orado percurso
de d. P ed ro I I na terra, poderá a crítica, de bôa fé, compro-
140 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA-

var um passo, — um só, — que o desdoure, um único ato


que lhe conspurque a m em ória, tornando-a passível de m e­
nosprezo pela posteridade .
De parte as inadvertências in eren tes à condição hu­
mana, quais as leviandades do jovem, quais os desvios do
homem, quais as fraquezas do ancião?
N a d a .. . S erenidade im perturbável, lin h a reta constan­
te, invariável observância do d e v e r: — pureza, dignidade,
elevação p e rm a n e n te .. . M orreu cheio de dias, na frase bí­
b lica; e nenhum m inuto de tan to s e tão diversos dias foi
maculado, desbaratado, desnobrecido.
O ex trao rd in ário é que êsse homem, assim su p erio r­
m ente cum pridor das suas obrigações, íntegro, p atrio ta,
bom, cavalheiro, magnânimo, reto, puro, fôra educado sem
sua mãe, ficára desprotegido de um paren te mais velho,
ou de um amigo de sua fam ília, que o am parasse e g u ia sse;
perm anecera, em plena infância, aos 5 anos de idade, en tre­
gue aos azares da revolução que lhe bqnira o p ai; e, des­
ta rte, sozinho, abandonado a si próprio, criou-se, form ou-
se, numa atm osfera de côrte, m ais propícia ao cultivo e
expansão dos m áus in stin to s do que dos bondosos.
Somente um ser de eleição, dotado de peregrina enfi-
b ratu ra m oral podia resistir, não deturpar-se, e a tin g ir as
excelsitudes a que êle ascendeu.
Sofreu m uito. P erd eu filhos queridos; perdeu a dedi­
cada esposa, quando, debilitado, enferm o, no destêrro, m ais
se lhe fazia m ister a presença da velha com panheira. S ofreu
ingratidões, injustiças, decepções trem endas. A chou-se, de
repente, despojado da corôa, expulso da P átria, como um
réprobo, privado de tudo quanto amava, de tudo aquilo a
que se h ab itu ara e com que contava m o rrer!
No fim da vida, padeceu até necessidades, expirando
em incômodo aposento de hotel s u b a lte rn o ...
E nunca uma recrim inação, uma queixa, uma explosão,
um a palavra, um gesto m enos m ajestoso, e que de leve lhe
desconcertasse a austeridade olím pica da com postura!
O h! foi, sem dúvida, um grande homem, um su p er­
hom em : dêsses de que Shakespeare d izia: “ Cada polegada
de sua estatu ra daria para um hom em !”
5S

HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 141

P o r meio século, assegurou o progresso do B rasil. Cin- , 1


coenta anos de p o lítica não o corrom peram nem azedaram ;
o largo exercício do suprem o poder não o levou à in iq u i­
dade, ou excesso de qualquer espécie.
H onra, não só ao B rasil, porém ao gênero humano. Tf!
A an tig u id ad e lhe houvera erigido altares, filiando-o
à estirp e dos semi-deuses.
A sua recordação nos conforta, o seu exemplo nos es­
■■f
clarece, a sua sombra nos protege e anima. A preciosidade
m áxim a de nossas tradições é o seu nome. D estaca-se a sua
fin u ra na planície de nossa história, como im ponente pín­
caro, circundado de nova luz.
N a im ensidade do Novo M undo, nenhum vu lto ainda u l­
trapassou o nível in sig n e onde p aira o dele.
A hum anidade in te ira escassas glórias deparará que so­
brelevem a por êle alcançada, g lória incru en ta e lím pida,
feita de doçura e clem ência, toda voltada para o bem.”
Si
Vi
Modificações nos serviços da Polícia
— O cargo de chefe de Polícia é desmem­
brado do de juiz de direito — Criados os
lugares de delegados, sub-delegados e de­
legados auxiliares — Chefe de Polícia Eu-
sébio de Queirós Coutinho Matoso Câ­
mara — (1841-1844).

E m 1841, em v irtu d e do art. 8.° da lei de 3 de Dezem­


bro, o lu g ar de chefe de P olícia foi desmembrado do de
ju iz de d ireito . F oram criados lugares de delegados e sub­
delegados, de dois delegados auxiliares do chefe de Polícia,
tendo cada um dois escreventes e um escrivão e divididas
as circunscrições da cidade em secções, com um in sp eto r
cada uma. Foi nom eado chefe de Polícia, em 28 de Jan eiro
do ano seguinte, Eusébio de Q ueirós C outinho M atoso
Câmara, que aí esteve até 31 de dezembro de 1844, sendo
cinco vezes in terin am en te substituído. A prim eira, por Ma­
nuel de Jesú s V aldetaro, que foi de 3 a 30 de M arço de 1842;
142 MELLO BARRETO FILHO e HERMBTO LIMA

a segunda, por João L o p es da Silva Couto, que foi, dessa


data até 9 de M aio; a terceira, p o r Joao A n tonio de M i­
randa, que esteve de 6 de Setem bro a 6 de O utubro de 1842;
a quarta, por José M atoso de A ndrade Câmara, que esteve
de 31 de Dezem bro de 1842 a 24 de O utubro de 1843; e a
quinta, de novo, por M anuel de Jesú s V aldetaro, que esteve
de 26 de M arço a 27 de M aio de 1844, entregando a chefia
efetiva a Francisco R am iro de A ssis Coelho, nomeado a 24
de M aio e indo até 31 de Dezem bro de 1844, interrom pendo,
nesse período, trê s vezes a sua adm inistração. N a prim eira
fo i nomeado para o su b stitu ir, em 5 de Ju lh o de 1844, M a­
nuel de Jesú s V aldetaro, que perm aneceu no cargo apenas
quatro d ias; em seguida, A ntônio Simoens da Silva, que,
nomeado a 9 de Ju lh o , saiu a 20, e, depois, N icoláu da Silva
Lisboa, que, empossado a 31 de Dezem bro de 1844, deixou
as suas funções a 31 de M aio de 1845.
A S ecretaria de P o lícia estava, então, na ru a da G uarda
Velha.
Os funcionários eram os seg u in tes:
C hefe de P olícia — dr. Eusébio de Q ueirós Coutinho
M atoso Câmara — ru a L arg a de São Joaquim , esquina da
de S. Lourenço.
O ficial-m aior — Joaquim Jo sé M oreira M aia rua
do Conde, 38. ,
O ficiais — V aleriano Jo sé P in to — rua dos In v alid o s,
C onstantino Lobo de A lm eida — ru a das Flores.
O ficial-adido — Francisco X avier B arreiros — rua da
Q uitanda.
A m anuenses — A n tônio Gomes de B rito — ru a do P a r­
to 134; M anuel F e rre ira de A ndrade — ru a Nova do L iv ra­
m ento; A gostinho do N ascim ento P e tra — ru a da Concei­
ção, 100; F rancisco de P aula C orrêa Manso Saião — rua
do Cano, 8; João V ieira X avier de Castro — travessa de
S. Joaquim , 38; F rancisco de P au la M artins e Silva rua
da A lfândega, 215-A.
P o rte iro e P ag ad o r — Sérvulo de Alm eida Sampaio
rua das Flores, 32.
C ontínuo — F rancisco R ufino d’A fonseca — rua Sao
José, 63.
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 143

C orreio — F elip e Jo sé M outinho — rua da P ed reira


da G lória.
A lcaide — C laudino da Silva Coelho.
O ficiais do E x p ed ien te — V icente F erreira da Paixão,
L ourenço P e re ira dos Santos, L u ís P in to Valença, M iguel
Pacheco de B ulhões e João Carvalho dos Santos.
Como chefe de Polícia, o dr. Eusébio de Q ueirós Couti-
nho M atoso Câm ara, que se celebrizou pela sua operosidade
e pelo seu resp eito à lei, foi um dos m ais notáveis. Deve-se
à sua ação p ersisten te, ju n to a B ernardo de Vasconcelos,
a lei de 1841, que firm ou definitivam ente o cargo e tran s­
feriu para os delegados e subdelegados as atribuições c ri­
m inais dos ju izes de paz, que em baraçavam a boa m archa
do sèrviço policial.
J á dissem os que a lei de 3 de Dezembro de 1841, alte ­
rando diversas disposições do Código do Processo, criou no
m unicípio da C ô rte um chefe de Polícia, com delegados e
subdelegados nos d istrito s, todos nomeados pelo im perador.
E ram êsses chefes escolhidos en tre os desem bargadores e
juízes de d ireito , podendo a escolha dos subdelegados re ­
cair em qualquer cidadão de com provada honorabilidade. O
decreto n.° 120, de 31 de Jan eiro de 1842, porém, reg u la­
m entando a lei de 3 de D ezem bro de 1841, estabeleceu que
nenhum ju iz de d ireito , sem te r pelo menos 3 anos de ex er­
cício, seria nom eado chefe de P olícia.
A m esm a lei de 3 de Dezem bro declarava que para o
expediente da P o líc ia seriam nomeados 2 ou mais am a­
nuenses.

Preparativos para a solenidade da coroa­


ção de sua majestade imperial — Os que
serviram de oficiais-mores e os que condu­
ziram as insígnias — Instruções policiais.

D u ran te vários dias as autoridades tiveram sua aten ­


ção exclusivam ente voltada para os preparativos concer­
nentes ao ato solene da sagração e coroação de sua m ajes­
tade im perial.
144 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

P ara servirem de oficiais-m ores em o u tro s encargos,


foram nomeadas as seguintes pessoas: m arquês de P aran a­
guá, co n d estáv el; conde de Lages, alfe res-m o r; m arquês de
Itanhaem , cam areiro-m or; m arquês de São João M arcos,
reposteiro-m or; Jo sé M aria C orrêa de Sá, trin ch an te -m o r;
José A lexandre C arneiro Leão, copeiro-m or; visconde de
São Leopoldo, trin ch an te à sereníssim a p rincesa im perial a
sra. d. Ja n u á ria ; F rancisco C ordeiro da Silva T o rres, tr in ­
chante à sereníssim a princesa d. F ran cisca; Jo sé M aria V e­
lho da Silva, capitão de g u ard a; P aulo B arbosa da Silva,
m estre-sala ou de cerim ônias; Jo sé M anuel C arlos de G us­
mão, Jo sé M oreira L írio, Jerônim o M artin s de A lm eida,
e M anuel H igino de F ig u eired o , ajudantes do m estre-sala;
Joaquim José P ereira de F aro (filh o ), p o rteiro da im perial
câmara.
P ara conduzirem as insígnias, foram d istin g u id as as
pessoas seg u in tes: João Jo sé de A lm eida e P in to , o m anto
do fundador do Im p ério ; m arquês de B arbacena, a espada
im perial do Ip ira n g a ; C ândido Jo sé de A raujo V iana, a
constituição do im p ério ; Esm oler-m or bispo de C ristópo-
lis, as oferendas; A ureliano de Souza e O liveira C outinho,
o globo im p erial; conde de V alença, o anel e luvas cândidas;
m arquês de B aependi, o m anto do im perador; visconde de
São Leopoldo, o cetro ; P au lin o Jo sé Soares de Souza, a
mão da J u stiç a ; Jo sé C lem ente P ereira, a espada do im pe­
ra d o r; M iguel Calmon du P in e Alm eida, a corôa.
O chefe de P o lícia E usébio de Q ueirós C outinho M a­
toso Câmara, fez publicar instruções m inuciosas para obser­
var no dia da en tra d a e no da coroação de sua m ajestade
im perial.

A Sociedáde Filarmônica iesteja a


coroação de d. Pedro II.

Um dos núm eros de m aior êxito, en tre os m u ito s p ro ­


m ovidos para festejar o ato da coroação de d. P ed ro I I , foi
o g rande concêrto da Sociedade Filarm ônica, do qual par-
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 145

ticip aram senhoras da m ais alta distinção social e notabi­


lidades m usicais da época.
O concêrto principiou pela execução do hino com posto
e destinado a sua m ajestade pelo professor Francisco M a­
nuel da Silva, seguindo-se a execução das seguintes com­
posiçõ es: introdução da ópera Cenerentola, de Rossini, pe­
las senhoras M aria H enriqueta Graça, H enriqueta C arolina
dos Santos, M aria C arolina N unes e pelo senhor A ntônio
Severino da C osta; o q uarteto da ópera Mosé in Egitto, de
R ossini, pelas senhoras T eresa Joaquina Nunes, M ariana
H en riq u eta e pelos,senhores Jo sé R ufino R odrigues de V as­
concelos e Salvador F ábregas; a cavatina da Pia de Tolo-
mei, de D onizetti, pela senhora P au lin a P o rto A legre; o
dueto da ópera Belisário, de D onizetti, pela senhora Del-
fin a R osa da Silva V asconcelos e pelo senhor D ionísio V ei­
g a ; o rondó da ópera Cenerentola, de R ossini, pela senhora
H en riq u eta G raça; a introdução da ópera Aureliano in Pal­
mira, de R ossini, pelas senhoras A m élia M aria Firm o e P a u ­
lin a P o rto A legre.

Por ocasião dos festejos da coroação


verifica-se grande desastre.

No dia 22 de Ju lh o de 1841, por ocasião das festas p ro ­


m ovidas p o r m otivo da coroação de d. P ed ro I I, ocorreu
pavorosa explosão no palacete do campo da H onra (h o je
praça da R epública), lugar escolhido para se prepararem
as diversas peças do b rilh an te fogo de artifício , que de­
veria concorrer para solenizar aquele magno aconteci­
m ento. Cêrca das nove e meia da manhã, ouviu-se fo rtíssi­
mo estam pido, seguido de toque de rebate que levou a todos
os cantos da cidade a triste notícia da explosão que red u zira
a cinzas o palacete e que tão violenta fôra que ficaram des­
pedaçados quase todos os vidros do palácio do Senado è das
casas situadas no campo e ruas adjacentes. D esde logo, ve­
rifico u -se haver falecido sob os escombros o jovem F ra n ­
cisco de A ssis Peregrino, que era o principal encarregado
11
146 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

daqueles festejo s e cujo enterram en to foi feito à custa de


sua m ajestade, na ig reja de S anto A ntônio.
No dia 24, o Jornal do Comércio n o ticiava: “ O núm ero
de vítim as ainda não é conhecido, pois en tre os feridos m u i­
to s há que pouca esperança dão de escapar, e não se sabe
ainda o que foi feito de dois trabalhadores que desaparece­
ram . De toda" essa catástrofe, porém , nada tem sido m ais
sensível do que a m orte do m ísero P ereg rin o , que, tendo já
saltado fora do edifício, foi subm ergido p o r uma parede
que desabou. S. M. I. e suas au gustas irm ãs sentiram p ro ­
fundam ente tão doloroso su cesso ; uma g u ard a de arqueiros
fo i im ediatam ente m andada ao campo e m ultiplicados p o r­
ta d o re s foram enviados para obterem inform ações, especial­
m ente do desgraçado P ereg rin o . O pai do sr. P ereg rin o ,
m ais feliz do que seu filho, pôde livrar-se saltando pela
varanda, e só teve duas feridas, uma na cabeça e o u tra no
braço. H avia den tro do palacete, além do fogo, m ais 50 li­
bras de clorato de potassa e 20, quer de n itra to de estron-
ciana, quer de n itra to de b arita. E ste s elem entos foram os
que m ais concorreram para que fôsse tão terrív el a ex­
plosão.”
E ra chefe de P o lícia o dr. E uzébio de Q ueirós C outi-
nho M atoso Câmara, que, inform ando-se das origens ca­
suais do desastre, oficiou ao m in istro da Ju stiça , P au lin o
Jo sé Soares de Souza, dando-lhe conta d e tôdas as p ro v i­
dências relativas ao lam entável acidente.

Construção do H ospital Pedro II na Praia


Vermelha — Iniciativa do ex-intendente de
Polícia José Clemente Pereira — (1841).

A té m eados do século X IX não ex istia no B rasil, nem


mesm o em qualquer outro país do continente sul-am ericano
estabelcim ento destinado ao tratam ento especializado dos
alienados, m áu grado as in sisten tes reclam ações de em i­
n en tes rep resen tan tes da classe m édica, en tre outros os dou-
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 147

to res D e Sim oni, Sigaud e Jo sé M artins da C ruz Jobim , os


quais, desde 1830, em m em órias, artig o s e relatórios, decla­
ravam que a situação ex isten te não podia continuar, isto é,
que os ind iv íd u o s loucos nao deviam ser considerados “ bes-
tas feras , trancafiadas, como eram, nas jazidas das cadeias
públicas, ou nos porões das santas casas, recebendo através
das grades a água e o alim ento.
A fin al, em 1841, precisam ente há um século, correndo
na praça do R io de Ja n e iro uma subscrição cujo produto
seria d estinado a p resen te ar o im perador, no dia de sua co­
roação, podendo sua m ajestade aplicá-lo como bem lhe
aprouvesse, em obra de benem erência, ocorreu ao ex-inten­
dente geral de P o lícia (de 1827 a 1828) José Clem ente P e ­
reira, então, pro v ed o r da S anta Casa, su g e rir ao m inistro
A rau jo V iana, depois m arquês de Sapucaí, a criação de um
h ospital d estinado ao tratam en to dos alienados, para o qual
já havia feito uma coleta de 2:560$000. P ara isso lembrava
o aproveitam ento da chácara denom inada V igário Geral, na
praia V erm elha, no mesmo lu g ar em que ainda se encontra
o edifício em dem olição do velho H ospício.
A ten d en d o à h u m an itária sugestão de Jo sé Clemente,
d. P ed ro assinou, a 18 de ju lh o daquele ano, o decreto n.° 82,
assim red ig id o :
— “ D esejando assin alar o fausto dia da m inha sagra­
ção com a criação de um estabelecim ento de pública bene­
ficência, hei p o r bem fu n d ar um hospital destinado priva­
tivam en te p ara o tratam en to de alienados, com a denom ina­
ção de — H ospício de P e d to II , o qual ficará anexo ao hos­
p ital da S anta Casa da M isericórdia desta Côrte, debaixo
da m inha im perial proteção, aplicando desde já para p rin ­
cípio da sua fundação o produto das subscrições prom o­
vidas p o r uma comissão da praça do comércio, e pelo prove­
dor da so b red ita S anta Casa, além das q uantias com que eu
houver p o r bem co n tribuir, Cândido Jo sé de A rau jo Viana,
do meu conselho, m in istro e secretário de E stado dos N e­
gócios do Im pério, o tenha assim entendido e faça executar
com os despachos necessários. Palácio do Rio de Jan eiro ,
18 de ju lh o de 1841, 20.° da Independência e do Im pério.
143 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

Com a rubrica de S. M. o Im perador, Cândido José de


Araújo Viana, m in istro .”
A construção do H ospício arrastou-se p o r quase 10
anos. P lanejára-se uma obra de vulto, orçada em mais de
1.500 contos. O terren o escolhido foi a chácara do V igário
Geral, na P raia V erm elha, perten cen te à S anta Casa. H avia
um prédio p articu lar ao lado, que devia ser dem olido, e m ais
um terren o p articu lar aos fundos, que precisava ser adqui­
rido. T udo isso se providenciou logo de início, graças à ge­
nerosidade de alguns benfeitores. O barão de P ira i co n tri­
bu iu espontaneam ente, com 12:000$000 e o com endador
Tom é R ibeiro de F a ria ofereceu, de seu bolso, 26:600$000
para tais despesas de aquisição de imóveis. V ieram , em se­
guida, m uitos ou tro s donativos, como o do barão do B onfim ,
o do com endador Souza Breves, o do barão de S an ta Luzia,
etc. Tam bém algum as loterias foram autorizadas pelo go­
verno, em benefício da construção do H ospício.
A planta foi traçad a pelo arq u iteto G uilhobel, sendo
o pórtico m odificado ligeiram ente p o r Jo sé M aria Jacin to
Rebelo.
Foi em pregado na construção quase que exclusivam en­
te m aterial im portado. As telhas e os artístico s azulejos,
que até hoje causam adm iração aos apreciadores de belezas
antigas, foram m andados vir do P o rto . A té as p ed ras das es­
cadarias, das colunatas e dos portais, já vieram lavradas de
Lisboa. Cada cinco ou seis m eses chegava da E uropa, um
berg an tim ou uma frag ata abarrotada de m ateriais para a
construção do H ospício P ed ro I I , cujas obras foram con­
cluídas em 1855 e custaram 1.313:451$641.
Ao inaugurar-se o H ospício, a 5 de dezem bro de 1852,
houve grandes festejo s na Côrte. Sua m ajestade com pare­
ceu pessoalm ente à m issa solene m andada rezar na capela
do estabelecim ento e dignou-se aceitar uma m esa de doces
que, após o ofício, lhe foi oferecida pela adm inistração.
H ouve discursos entusiásticos. O sacerdote que celebrava
o ofício, comovido, teve um desmaio e só pôde p ro sseg u ir
alguns m inutos depois.
No altar-m or da capela foi colacada a im agem de São
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 149

P ed ro de A lcântara, trabalho de m árm ore de C arrara, en­


com endada ao escultor P e tric h e que custou a im portância
de 5 :000$000.
A adm inistraçao do H ospício m andou fazer a estátua
de d. P ed ro I I para colocá-la no salão nobre. O trabalho é
de beleza incom parável, representando o, jovem m o ­
narca, de pé, em tam anho n atural, revestido do m anto e em ­
punhan d o o cetro im perial, no dia da coroação. É de autoria
de P e tric h , que o fez também de m árm ore de Carrara, co­
brando pelo mesmo apenas 10:711$948.
Ao lado das escadarias p rincipais, no saguão do edi­
fício, acham -se as estátu as de P in ei e E squirol, os dois no­
táveis cien tistas franceses, de largo renom e na psiquiatria
m undial.
O p rim eiro m édico do h o sp ital foi o professor de me­
dicina legal, Jo sé M artin s da C ruz Jobim , que percebia o
vencim ento de 120$000 m ensais e cuja nomeação obedeceu
“ à necessidade de haver um p rofessor que pelo menos duas
vezes por sem ana visitasse os enferm os.”
D. P ed ro nunca esqueceu o zêlo com que Jo sé Cle­
m ente P e re ira tom ou a seu cargo a construção do H ospício.
E anos após, tendo falecido êsse insigne provedor, d eter­
m inou d. P edro, em decreto im perial, que fôsse erigida a
sua estátu a e colocada no mesmo salão nobre da P raia V er­
m elha, bem d efro n te à sua; e, mais tarde, agraciou sua
viuva com o títu lo de viscondessa da Piedade.
A capacidade do estabelecim ento, no seu início, era de
350 leitos. L ogo ao inaugurar-se, foram para alí tra n s fe ri­
dos 140 doentes, 67 vindos da enferm aria provisória da praia
V erm elha e 73 da S anta Casa da M isericórdia. M uita gente
critic o u a largueza daquelas obras, mas sem nenhum a ra ­
zão, como m ais tarde se pôde verificar porquanto a capaci­
dade do H ospício ainda estava longe de aten d er às n eces­
sidades que no fu tu ro se apresentaram . O bras adicionais
tiveram de ser feitas com o co rrer dos anos, aum entando
a capacidade do H ospício para 800 doentes. N em assim foi
o suficien te, pois, ainda em 1940, alí se abrigavam para mais

150 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

de 2 000 enferm os, que superlotavam todas as secções e


ainda atulhavam os corredores e os desvãos das escadas.
Êsse estado de congestionam ento, im possibilitando a
higiene e o m elhor tratam en to m édico, levou, agora, o go­
verno a ad o tar m edidas não só para o desafogam ento do
H ospício, mas ainda para a sua tran sferên cia, den tro em
breve, para um edifício m oderno e dotado do m aior co n fo r­
to, onde a m edicina possa exercer eficientem ente a sua no­
bre missão.
No mesmo dia em que teve início o funcionam ento do
hospício, entraram em v igor os seus estatutos. E n tre os a r­
tig o s e in struções que estabeleciam as d iretrize s funcionais
do novo estabelecim ento, havia um determ in an te os preços
que deveriam ser cobrados. A tabela, p o sta em confronto
com os preços de hoje, é curiosa, pois estabelece para as
diárias as seguintes quantias de acordo com a classe dos
in tern ad o s: doentes de prim eira classe — quarto separado,
com tratam en to especial — 2$000; doentes de segunda
classe — quarto para dois alienados, com tratam en to espe­
cial — 1$600; doentes de terceira classe — enferm arias ge­
rais — por pessoa livre — 1$000; escravos — $800.
Q uer como d iretores, quer como sim ples médicos, pas­
saram pelo H ospício alguns vultos de relêvo, já falecidos,
tais como G aspar V iana, Sá F erreira, L úcio de O liveira,
R odrigues Caldas, Ju lia n o M oreira, Jo sé C hardinal, Álvaro
Ramos, F ern an d es F igueira, M iguel P ereira e m uitos ou­
tros. D en tre os vivos, pertenceram ao seu corpo clínico os
professores A frân io Peixoto, Leitão da Cunha, Rocha Vaz,
B runo Lobo, A velino P in to e M ário P in h eiro de A ndrade.
Tam bém trabalhou no H ospício, durante m uitos anos, e com
excepcional dedicação, o dr. Estêvão P ires F errão, na qua­
lidade de m édico assistente do Serviço de O ftalm ologia, a
cargo do dr. H enrique V aldem ar de B rito e Cunha, que
desde 1915, exerce ali a chefia do serviço neuro-oculística
e de O ftalm ologia geral, fundado pelo pro fesso r C hardinal.
A resp eito do H ospício, há uma série de ocorrências,
que, se um dia forem colecionadas, darão in teressan te
volum e de curiosas rem iniscências. D en tre os episódios pi-
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 151

torescos que por aí correm com viso de verdade, conta-se


que, certa vez, o im perador, indo v isitar o H ospício, obser­
vou que um dos internados, de atitu d e m uito serena, acom ­
panhava respeitosam ente a com itiva, como que desejoso de
aproxim ar-se de sua m ajestade. Resolveu d. P edro entabo-
lar conversa com êle. E ouviu, então, a reclamação do pobre
homem, que dizia estar ali internado por vingança de pes­
soas de sua fam ília. E ra um indivíduo honesto, trabalhador,
que nunca fizera mal a ninguém e que tinha p erfeita com­
preensão das coisas. De tal m aneira falara, com tan ta luci-
dez e equilíbrio, que d. P ed ro ju lg o u tratar-se mesmo de
um ind iv íd u o norm al. E , quando já ia cham ar pelo seu se­
cretário , para que tom asse nota da reclamação do asilado,
este, de súbito, pulou para cima de uma cadeira e agitando
os braços como num bater de asas, disse ao im perador:
— Q uer ver como eu sei cantar de galo?
E ab riu os pulm ões:
— C ó-có-ró-có!
O p rim eiro centenário do H ospício N acional de Psico-
p atas teve festiv a com emoração no dia 18 de ju lh o de 1 9 4 1 .
N a capela do hosp ital foi celebrada, pela m anhã, missa so­
lene, funcionando como celebrante o padre, dr. Lúcio
G am barra. A o ato religioso com pareceram os drs. A dauto
B otelho, d ire to r do Serviço N acional de Doenças M entais,
p rom oto r das com em orações; Jefferso n Lemos, d ireto r in ­
te rin o do H o sp ício ; G u alter L utz, catedrático da F acu l­
dade N acional de M edicina, que representou o d ire to r;
p ro fesso r F ró es da F onseca; P edro Pernam buco Filho, re­
p resen ta n te da A cadem ia Nacional de M edicina; U lisses
Pernam buco, da A ssistência aos Psicopatas de R ecife; p ro ­
fesso r K affer, da U niversidade de Buenos A ires; A ntônio
X avier de O liveira, p siq u iatra e chefe de serviço do H os­
p íc io ; H e ito r C arrilho, H enrique Roxo e outras figuras de
relevo em nosso m undo médico, além de grande núm ero de
funcion ário s do hospital.
O h istó rico do velho estabelecim ento foi feito pelo pa­
dre L ú cio G am barra, que enalteceu a obra de caridade que
alí se realiza.
152 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

O primeiro susto do imperador — Um


louco armado de pistola e faca comparece
à audiência de s. m. imperial.

No dia 13 de Novembro de 1841, à hora em que s. m.


im perial dava a sua costum ada audiência, algum as pessoas
viram no páteo do paço im perial um indivíduo mal enca­
rado ocultando algum a coisa, que traz ia debaixo da ja­
queta.
P reso im ediatam ente e revistado, v erificaram que tra ­
zia uma pistola carregada e afiadíssim a faca de ponta.
P ed ro I I , como era natu ral, teve o seu susto, e v e rifi­
cou, pela prim eira vez, que não é lá das m elhores coisas,
trazer-se corôa na cabeça.
Ficou, porém , perfeitam ente provado que o indivíduo
armado não passava de um pobre louco.

Num acesso de loucura, atirou a


filhinha pela janela.

O m arceneiro Luís, m orador na rua da A lfândega, era


conhecidíssim o em tôda a cidade e geralm ente estim ado,
não só por suas m aneiras m uito educadas, mas, também,
pela habilidade na profissão a que se dedicara.
Foi, assim, grande surpresa, quando se soube, na m anhã
de 18 de Jan eiro de 1842, após fortíssim a tem pestade, se­
guida de inundação em várias ruas, que o m arceneiro, em
acesso de loucura, havia atirado pela jan ela sua filh a de 3 ou
4 anos de idade, ingerindo, logo após, um frasco de água-
ard en te em que conservava uma pequena cobra.
Q uando dezenas de populares afluíram à rua da A l­
fândega, não podendo acred itar fôsse L uís capaz de tão
deshum ano gesto, já a P o lícia tin h a tom ado as necessárias
providências, conseguindo, a m uito custo, subjugar o in fe ­
liz, que ainda preten d ia novos desatinos, e recolhendo a uma
farm ácia próxim a, para os prim eiros curativos, o corpo da
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 153

criancinha, que, apesar de m uito machucada, m ilagrosa­


m ente não m orreu.

A p r e c u rs o ra d o a b o lic io n ism o , da R e ­
p ú b lic a e d a e m a n c ip a ç ã o da m u lh e r no
B r a s il — (1 8 4 2 ).

P a tríc ia ilu stre, nascida no Rio G rande do N orte, de­


pois de pequena estada no Rio G rande do Sul, realizou, p re­
cisam ente h á um século, em 1842, no Rio de Janeiro, confe­
rências públidas em que pregava idéias consideradas então
“ avançadas” , como a abolição da escravatura, a im plantação
do regim e rep u b lican o e a em ancipação da m ulher no B rasil.
R eferin d o -se a essas conferências assim se expressa O liveira
L im a: “ C onsta, contudo, dos seus falhos apontam entos bio­
gráficos que, em 1842, ela realizou no Rio de Jan eiro con­
ferências abo licio n istas e republicanas, nas quais pregava a
em ancipação dos escravos, a liberdade de cultos e a fe­
deração das províncias, o que a coloca, pelo desassombro
das suas teorias, acim a da m aioria dos seus contem porâneos
na sua p átria, su p erio r mesmo a um Tavares Bastos, que só
m ais de v in te anos depois veio surpreender com as suas ou­
sadias da sua descentralização, da sua franquia fluvial e da
sua to lerân cia relig io sa.”
T ra ta -se de N ísia F lo resta B rasileira A ugusta, educa­
dora e escrito ra, que, no Rio de Janeiro, m anteve e dirigiu
m ais de um estabelecim ento de ensino. R eferindo-se a um
de seus colégios, assim diz V ieira Fazenda nas Antiqua­
lhas: “ No préd io de dois andares, n.° 23, lado im par, es­
q uina com a ru a do Cotovelo, funcionou por m uito tem po(
im p o rtan te colégio de m eninas. E ra dele d ireto ra d. N ísia
F lo resta B rasileira A ugusta, nascida em 12 de O utubro
de 1810 e falecid a na cidade de Ruão, em 20 de Maio de.
1885. L ite ra ta de valor, poetisa, infatigável polem ista e e ru ­
dita pub licista, no B rasil e em P o rtu g al exerceu com g ran ­
de p ro ficiên cia o m agistério. Colaborou essa ilu stre com pa­
trio ta no Jornal do Comércio, no Mercantil e no Diário do
MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

Rio, bem como em várias rev istas do tem po. C onhecia d i­


versas línguas e escrevia o fran cês com graça e facilidade.
D entre os seus num erosos trabalhos vem a ponto cita r o
Direitos das mulheres e injustiça dos homens. Foi ela quem
mais de cincoenta anos advogou os direito s do sexo fraco
e su sten to u com b rilh o o problem a da em ancipação das se­
nhoras.”
As idéias apregoadas por N isia F lo resta em seus p an ­
fleto s e discursos não podiam ag rad ar ao governo nem ao
clero. E procuram , os dois, privá-la de suas atividades,
havidas certam en te p o r nocivas e prejudiciais.
E isto foi conseguido sem violências e sem escândalo.
V ítim a de desastroso acidente, adoecera gravem ente a
filh a de Nisia. Seu m édico dr. Joaquim C ândido Soares de
M eireles conseguiu pô-la fora de perigo, mas ad v ertiu que
o clim a do Rio de Jan eiro era p reju d icial à cu ra da m enina
e aconselhou viagem à E u ro p a — o que foi feito.
D izem que o dr. M eireles dera aquele conselho por ha­
ver percebido as intenções do govêrno e do clero em afastar
do B rasil a denodada paladina da abolição, da R epública e
da em ancipação fe m in in a ...
A enferm a não m ais v o ltaria ao B rasil. L á no e stra n ­
geiro casou e m orreu. N isia poucas vezes to rn o u à sua terra.
V iveu sem pre em paises europeus, viajando constantem ente
e escrevendo m uitos livros, alguns em francês e em italiano.
C ontudo não esqueceria a p átria. Os seus escritos, mesmo
em línguas estrangeiras, estão cheios de recordações da sua
te rra e da sua gente.
N isia F lo resta era m ulher in telig en tíssim a e sabe-se
que p rivou na in tim idade de v u lto s como L am artine, D ii-
vernoy, M anzoni, Dumas (p ai), L itré, G eorge Sand, La-
boulaye, V ito r H ugo, S aint-H ilaire, A lexandre H erculano.
T orn o u -se notável não só pelas relações que m anteve com
os corifeus da un id ad e italian a — M azzini, Cavour e G ari­
baldi — como pela correspondência sentim ental e ep isto lar
com A u gusto Comte.
O nome de N isia F loresta estava in justam ente esque­
cido. F o i o abalisado professor R oberto Seidl quem, em
1933, publicando bem docum entada biografia da em in en te
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 155

brasileira, cham ou a atenção da nossa geração para a vida e


obra da ilu stre educadora e socióloga.

T e n ta tiv a d e r e v o lta — U m a p r o c la ­
m a ç ã o in c e n d iá ria — O g o v ê r n o s u s p e n d e
a s g a r a n tia s c o n s titu c io n a is .

Na m adrugada de 17 de Ju n h o de 1842 apareceu im­


pressa nas esquinas das ruas do Rio de Jan eiro uma procla­
mação in cendiária, concitando à rev o lta e procurando irri­
ta r as rivalidades de nascim ento.
Como os h o rizo n tes ain d a fossem som brios em S. Paulo
e M inas, onde os liberais se achavam em franca rebelião, o
govêrno, no dia 18, suspendeu as g aran tias constitucionais.
F oram cham ados ao serviço ativo todos os guardas na­
cionais da reserva, os licenciados e os em pregados públicos
dispensados do serviço.
No dia 19 foram presos, sem culpa formada, 15 in d i­
víduos, en tre os quais alguns políticos, que foram depois
postos fo ra do Im pério, seguindo no dia 3 para a E uropa,
no vapor Paraguassú. F oram êles os deputados Lim po de
A breu, G eraldo L eite B astos, drs. J. C. Soares de M eireles,
Jo sé F rancisco Guimarães, F ran ça e L eite e F rancisco de
Sales T o rre s Homem.

O a s s a s s ín io d o c o r o n e l F e lip e N é r i
d e C a rva lh o .

D izia-se em tôda a cidade do R io de Janeiro, em 5 de


Ju lh o de 1843, mais ou m enos o seg u in te:
— M ataram ontem o coronel F elip e N éri.
— E , certam ente, há gente graúda m etida nêsse ne­
gócio.
— E por quê?
— Ora, porque o coronel tin h a m uitos inim igos. . .
158 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

E a conversa continuava nêsse diapasão, com entando


cada um a seu m odo; e os m ais ousados, já citavam nomes
dos m andantes do crim e.
No dia seguinte, 6 de Ju lh o , o Jornal do Comércio tra ­
zia a n otícia de que, quando se recolhia o coronel F elip e
N éri de C arvalho, depois de te r saído do teatro, à sua chá­
cara, em B otafogo, fôra esfaqueado no dia an terio r, ao
apear-se da sege, m orrendo m om entos depois.
Logo após o crim e, apareceu na chácara do coronel um
seu escravo de nome Camilo, dizendo que, estando na
P raín h a e aí sabendo da notícia do assassínio de seu senhor,
de lá viera a correr, afim de saber os porm enores.
Ora, como não podia haver tem po de Cam ilo saber do
fato, estando tão longe, despertou por isso as suspeitas da
Polícia, sendo im ediatam ente prêso.
A pertado por um in terro g ató rio feito pelo próprio
chefe de P olícia, o escravo acabou confessando tudo.
Quando se espalhou a n o tícia de que Cam ilo havia dado
com a lín g u a nos dentes, todo o Rio de Jan eiro ansiava por
saber o nome do m andante do crime.
— F oi o conselheiro ta l; foi a m ulher do dr. ta l; foi o
pró p rio dr. tal. E inventavam nomes e contavam histórias.
A final, o in terro g ató rio veio a público.
Camilo tinha- assassinado o coronel F elipe N éri, por
insinuações dum seu escravo chamado V icente, a quem o
coronel tin h a dado uma bofetada.
V icente tinha-lhe prom etido m undos e fundos, tinha-
lhe mesmo, êle próprio, entregue a faca para m atar o
coronel.
A opinião pública, porém, dizia que o escravo não es­
tava falando verdade.
A sseverava que o m andante era um figurão da época,
cujo nome ou-a P o lícia estava ocultando, ou o escravo não
queria declarar.
Subm etido novam ente a interro g ató rio , o escravo Ca­
m ilo declarou, não mais que o V icente o tin h a insuflado a
com eter o crim e; mas êle é que o tin h a p raticado de motu
proprio, sem a intervenção de ninguém . M atara o seu se­
nhor, “ porque êste era um homem m uito m áu; porque man-
— ..... v*,-...., ....

HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 157

dava su rrar os escravos pelas m ínim as fa lta s; porque os


sobrecarregava de trab alh o s”, etc., etc.
A final, foi levado à barra do tribunal do jú ri.
À sessão acudiu grande massa popular, porque se espa­
lhou a notícia de que era aí que Camilo ia denunciar o m an­
dante do assassínio, cujo nome já todos apontavam : — era
o de um fig u rão do tempo.
Camilo foi defendido pelo dr. A ndré P ereira Lima, que
fez um discurso arrebatador.
O ilu stre advogado procurou provar que talvez Camilo
não dissese a v erd ad e; que havia um m andante do crime, —
pessoa poderosa, — que a todo o tran se estava procurando
exim ir-se do delito.
M ostrou os constantes erros ju d iciário s, em v irtu d e dos
quais vários in d iv íd u o s têm pagado com a vida crim es que
não com eteram ; fez ver a desgraçada condição do réu —
in fe liz escravo, cuja situação era de causar pena. E, esten­
dendo-se em considerações, pediu fôsse aplicada a Camilo
a pena m ínim a do Código.
T erm in ad a a sessão e recolhidos os ju rad o s à sala se­
creta, o ju iz com voz firm e, leu o seg u in te:
“ O escravo C am ilo é condenado à m orte por 9 votos
co n tra 3”.
E, conform e era uso naquele tem po, subscreveu a sen­
tença e quebrou a pena com que havia assinado a conde­
nação.
A assistência do tribunal, porém , não ficou satisfeita.
A versão de que Camilo era apenas um instrum ento es­
palhou-se ainda mais.
No dia 5 de A gosto de 1843, (D ocum ento no A rquivo
da P o lícia) o m in istro da Ju stiç a H onório H erm eto C ar­
neiro Leão, oficiou ao chefe de P olícia da seguinte ma­
n e ira :
. . . “ faça a Cam ilo um novo in terro g ató rio e se dêle
colher algum a coisa, dê im ediatam ente conta, para se man­
dar sobrestar a execução quando pareça conveniente.”
158 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

O chefe de P o lícia cham ou Camilo à sua presença e


declarou que, se confessasse, seria perdoado.
Mesmo assim, Camilo não denunciou ninguém .
Q uatro dias depois, isto é, a 9 de A gosto, o escravo en­
trava p ara o O rató rio e no dia 12 era enforcado no Campo
de S an t’Ana.
A sua execução foi a que produziu m aior ruído de
qu an tas se fizeram naquele tem po, e por isso a m ultidão foi
num erosa ao local da forca.
D uas co rren tes se form aram em to rn o do supliciado.
Uma, era contra êle. D izia que Camilo, era um celerado
da peo r espécie; que devia pagar na forca o crim e que havia
p raticado, assassinando de emboscada um chefe de fam ília,
um hom em de bem.
O u tra era a favor dêle. A sseverava que tin h a sido m an­
dado ; que era incapaz de te r agido por si p r ó p r io ; que p re ­
feria m o rrer a denunciar o nome de quem o tin h a m andado
assassinar o coronel F elipe N éri.
E os dois p artid o s continuaram ardentes por m uito tem ­
po, sem nunca, afinal, ficar definido, se Cam ilo era um
assassino vulgar, ou se era um homem tão nobre, que p re ­
fe riu ser enforcado, a denunciar o nome do fig u rão que lhe
tin h a prom etido m undos e fundos para assassinar o coronel
F elip e N éri de Carvalho.

Novos chefes de Polícia — Nicoláu da


Silva Lisboa — Luís Fortunato de Brito
Abreu Souza e Menezes — Manuel de Je-
sús Valdetaro — Antônio Simoens da Sil­
va — Francisco Ramiro de Assis Coe­
lho (1844-1848).

E stam os em 1844.
A S ecretaria da P o lícia funciona na ru a M atacava-
los, 64, passando, em 1845, para a rua do Lavradio, 39, e, no
ano seguinte, para a rua da C onstituição, 8.
Jh - t

HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 159

A N icoláu da Silva Lisboa, segue-se na chefia de Po­


lícia, o dr. L u is F o rtu n a to de B rito A breu Souza e M ene­
zes, que, nom eado a 31 de M aio de 1845, deixa-a a 26 de J a ­
neiro de 1847 e a en treg a a M anuel de Jesú s Valdetaro, que
aí fica até 1 de Maio, entregando-a a A ntônio Simoens da.
Silva, nom eado in terin am en te a 14 dêsse mês, e que, nêsse
caráter, vai até 20 de Setem bro, sendo a 18 nomeado efetivo
F rancisco R am iro de A ssis Coelho, que ocupa o cargo até
6 de Ju n h o de 1848.

O m in is tr o da J u s tiç a A n tô n io P a u lin o
L im p o d e A b r e u o fic ia a o c h e fe d e P o líc ia
s o lu c io n a n d o um ca so d e d e p o r ta ç ã o .

E m 13 de O u tu b ro de 1845, o m in istro da J u stiç a A n­


tônio P au lin o Lim po de A breu, oficia ao chefe de Polícia,
dando solução ao caso de A ntônio N icolau T olentino, ofi­
cial-m aior do T esouro. Êsse funcionário casado e tinha
um a am ante de nom e M aria H en riette Steincke, com quem
vivera cêrca de 4 anos, no fim dos quais a m andou embora,
presenteando-a com um conto de réis. M aria, porém , não
se conform ou com o abandono; foi a casa de T olentino, na
rua D ireita, n.° 10, e ali prom oveu grande escândalo.
D ias depois, encontrando-se com seu apaixonado na
ru a do O u vidor, re p e tiu a cena.
T o len tin o foi queixar-se à Polícia, pedindo a deporta­
ção de M aria.
O m in istro L im po de A breu declarou:
— “ A deportação, no caso de que se trata, seria uma
m edida in ju stific áv el e iníqua, porque recairia m ais sôbre
erros e fraquezas do que sôbre delitos. A queles erros e fra ­
quezas são m ais im putáveis a A ntônio N icoláu T o len tin o ,
do que a M aria H en riette, que é uma m ulher desgraçada e
desvalida.”
160 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

O e s ta d is ta b r a sile iro que m a io r n ú ­


m e ro d e v e z e s so b ra ç o u p a s ta s m in is te ­
r ia is na M o n a rq u ia — A b a e té .

A propósito da intervenção do m in istro da J u stiç a A n ­


tônio P au lin o L im po de A breu, im pedindo, com sabedoria
e energia, uma violência policial, qual a deportação de M a­
ria H en riette, relatad a no capítulo an terio r, é in teressan te
saber-se que foi êsse em inente estad ista b rasileiro o que
m aior núm ero de p astas m in isteriais sobraçou d u ran te a
M onarquia.
A prim eira vez que Lim po de A breu (visconde de
A baeté) desem penhou as altas funções de m in istro foi no
prim eiro gabinete da R egência F eijó , d irig in d o a pasta da
Ju stiça, e, interinam ente, a do Im pério. V olveu àquela no
segundo gabinete da mesma R egência, to rn an d o a d irig ir
interinam ente, de 7 de Ju n h o a 29 de Setem bro de 1836, i
do Im pério.
P roclam ada a M aioridade, foi m ais uma vez m in istro
da Ju stiça , de 24 de Ju lh o de 1840 a 22 de M arço de 1841.
E m 1845, no gabinete A lm eida T o rres (V isconde de
M acaé) g eriu a pasta de E stran g eiro s, ad m in istran d o tam ­
bém a da Ju stiça, por seis meses e dias.
No gabinete de 8 de M arço d e 1848, A lm eida T o rre s
confiou-lhe, o utra vez, a pasta de E stran g eiro s, g erin d o
êle, por mais de dois meses, interinam ente, a da Fazenda.
D epois, no m in istério de 6 de Setem bro de 1853 (P a ­
raná-C axias) foi m in istro efetivo de E stran g eiro s, e in te ­
rino da Fazenda.
F inalm ente, no gabinete de 12 de D ezem bro de 1858,
por êle p ró p rio organizado, foi, além de presid en te do C on­
selho, m in istro da M arinha.
Som ando: oito vezes, m inistro efetivo e quatro, in te ­
rino. T o tal — 12 vezes.
A n tô n io P aulin o Lim po de A breu, nascido em Lisboa
em 22 de Setem bro de 1798, faleceu na cidade do Rio de J a ­
neiro a 14 de Setem bro de 1883.
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 161

F ilho do tenente-coronel de engenheiros M anuel do


E sp írito S anto Lim po, quando êste m orreu em Lisboa, aos
29 de O utubro de 1889, sua mãe, d. M aria da M aternidade
de A breu e O liveira tra n sfe riu residência para o Rio de
Janeiro .
L icenciado em leis pela U niversidade de Coimbra em
1820, no ano seguinte foi despachado ju iz de fora da vila
de São Jo ão dei Rei, e quando, em 1823, ocupava o cargo
de ouvidor da com arca de P aracatú , ali se casou com d. Ana
L uiza C arneiro de M endonça, de quem houve vários filhos
e uma filha, esta d. M ariana C arneiro de M endonça Limpo
de A breu, que se ligou pelos laços m atrim oniais com o e n ­
genheiro (conselheiro e visconde) A ntônio Paulo de Melo
B arreto.

O casamento de d. Pedro II.

T in h a o im perador P ed ro I I dezoito anos de idade in ­


com pletos e dois de reinado, em 1842, quando, no m in isté­
rio, nasceu a idéia de casar o m onarca brasileiro com uma
princesa européia. P ed ro I I m anifestou o desejo de te r por
esposa um a rep resen tan te da coroa austríaca, a que p erten ­
cera sua au g u sta p rogenitora.
R ecebeu a incum bência de p a rtir para o ex terio r e con­
tra ta r o casam ento, o oficial m aior da secretaria de E s tra n ­
geiros, B ento da Silva Lisboa.
O p rín cip e de M eternich respondeu que a côrte aus­
tríaca não podia anuir, pois ainda se lembrava dos máus
tra to s que d. P edro I, pai do pretendente, in flig ira à sua
consorte d. L eopoldina; m as aconselhou o em issário a que
entabolasse negociações com a corte de N ápoles, prom e­
tendo os seus bons ofícios para o êxito do em preendim ento.
A firm ou-lhe m ais que d. T eresa C ristin a de B ourbon, filha
de Francisco I, de N ápoles, parenta da Casa d’A u stria e de
várias outras fam ílias rein an tes da E uropa, ag rad aria com
certeza ao soberano do B rasil. Bem encam inhadas as nego­
ciações, em N ápoles, o im perador fez p a rtir a 5 de Março
162 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

de 1843 trê s navios de g u erra para tran sp o rtarem ao Rio


de Ja n e iro a fu tu ra im p eratriz. A Jo sé A lexandra C arneiro
de Leão, gentilhom em da casa im perial e depois visconde
de São Salvador de Campos, foram dados poderes de em­
baixador, para co n tra tar as núpcias e de acom panhar ao
B rasil d. T eresa C ristina. Do que se passou em N ápoles bem
relata a Gazeta das Duas Sicilias , em 27 de M aio:
“ P a ra o ajustado consórcio de sua m ajestade o im pe­
rador do B rasil, d. P ed ro II, com sua alteza real a princesa
d. T eresa C ristina, augusta irm ã de sua m ajestade el-rei
soberano, veio a esta côrte, na esquadra im perial, ora anco­
rad a em nosso porto, s. ex. o sr. com endador Jo sé A lexan­
dre C arneiro de Leão, na qualidade de em baixador de sua
m ajestade im perial.
No dia m arcado p ara o solene pedido da mão de sua
alteza real, teve lu g ar a augusta cerim ônia que passam os a
descrever.
Às 10 horas da m anhã, o in tro d u to r dos em baixadores e
um cam arista de semana, em g rande uniform e, sai ram do
real palácio em coche puchado a seis cavalos, com batedores
em grande gala, no palácio Scalleta, com um aju d an te de
campo em outro igual coche puxado tam bém a seis.
J á para o mesmo palácio da embaixada, os m in istro s de
Estado, o corpo diplom ático, os oficiais-m ores da côrte e
personagens da real cam ara tinham m andado os seus coches
de gala para fazerem cortejo a s. ex. o em baixador. A pós
o cerim onial do costum e na casa da embaixada, saiu o cor­
tejo para o palácio, onde, sendo introduzido o em baixador,
com as form alidades do costume, dirig iu a sua m ajestade,
que se achava em pé no trono, o seguinte d iscu rso :
Senhor O im perador do B rasil me envia em embai­
xada ex trao rd in aria ju n to a vossa m ajestade para ped ir, em
seu nome, a mão de sua alteza real a princesa T eresa C ris­
tin a M aria, ilu stre irm a de vossa m ajestade. As em inentes
qualidades desta princesa e a ilustração da sua fam ília, c o n ­
correm para desenvolver o ardente desejo do meu augusto
amo de e stre ita r por esta aliança os laços que o unem já à
vossa m ajestade e à fam ília real.
H ISTÓ R IA DA P O L ÍC IA DO R IO D E JA N E IR O 163

A nação b rasileira aplaude a escolha do seu so b eran o ;


os seus votos acom panham no trono a princesa que o B rasil,
por ufania, v erá sentada ao lado de seu im perador.
Senhor ao depositar nas mãos de vossa m ajestade as
m inhas credenciais, desem penho uma m uito honrosa missão,
que me d eix ara nobres recordações, pois que me perm ite
entrev er a felicidade e a g lória de um a dinastia e de um
povo. P ossa eu cu m p rir esta m issão de modo a adquirir aos
olhos de vossa m ajestade um títu lo à sua real benevo­
lên cia!”
Sua m ajestad e respondeu nos seg u in tes term os:
“ Senhor em baixador — A honrosa missão de que fostes
encarregado pelo vosso augusto soberano, de pedir-m e, em
seu nome, a mão da m inha amável irm ã Teresa, não podia
ser m ais g ra ta ao m eu coração.
\ C oncedo-lha com o m aior contentam ento e estou certo
que a m inha d iletíssim a real irm ã p restará com igual satis­
fação o seu consentim ento a êste bem augurado nó que
servirá para e stre ita r os an tigos laços de parentesco e de
am izade en tre as duas fam ílias. T enho a esperança que a
m inha cara irm ã p o d erá fazer a felicidade de seu augusto
esposo, e que p ro cu rará m erecer o seu am or e a estim a da
nação b rasileira. Vi, pois, com o m aior prazer, senhor em­
baixador, que fo stes escolhido para rep resen tar o im pera­
dor nesta fau sta ocasião.”
Conduzido, depois, o em baixador aos aposentos das
rainhas consorte e mãe, dirig iu -lh es os discursos do estilo,
aos quais responderam suas m ajestades com a m aior bene­
volência.
O em baixador p ediu depois a sua m ajestade a rainha
mãe, que lhe perm itisse ap resen tar à real princesa o re­
tra to do im perador seu noivo, ao que an u iu sua m ajestade
com o m ais vivo p razer; e, m andando v ir à sua presença a
real princesa, d irig iu -lh e o em baixador o seguinte d iscu rso :
Senhora — O im perador do B rasil incum biu-m e de
apresentar, em seu nome, a vossa alteza real a o ferta que
lhe faz parte de seu coração e de p a rtilh a r o seu trono.
Tocado de vossas virtudes, aprecia em vossa alteza real
os dons de um feliz nascim ento e os fru to s de adm irável
I
164 M ELLO BA R R E T O F IL H O e H ERM ETO LIM A

educação, su sten tad a pelos mais ternos exem plos. O seu


amor e os seus cuidados assegurarão a felicidade de vossa
alteza real, a que sua m ajestade deverá uma nova g arantia
da afeição dos seus súditos, da qual são penhor as graças
e a am abilidade que distinguem a vossa alteza real.
T odos os m eus votos, senhora, chamam uma resposta
afirm ativ a de vossa boca. Possa eu ufanar-m e tô d a a m inha
vida da p arte que me couber neste feliz sucesso, devida a
esta resp o sta e à confiança do im perador, m eu augusto
amo.”
Ao term in ar o seu discurso, s. ex. recebeu das mãos do
secretário da em baixada o dito retra to , e ap resen to u a sua
alteza real, a qual, antes de aceitá-lo fez uma p rofunda re­
verência a sua m ajestade, no ato de pedir perm issão, e
tendo-a obtido, recebeu das mãos do em baixador a efígie do
augusto noivo, que, pela dama de honor, lhe foi posta ao
peito.
Sua alteza real respondeu ao em baixador nos seguintes
te rm o s:
“ Senhor em baixador — Se em todos os m om entos da
m inha vida recebi provas da bondade da rain h a m inha au­
gusta mãe e del-rei m eu irmão, reconheço nessa ocasião, a
sua te rn a solicitude, por terem aceitado o pedido feito por
vós, senhor em baixador, de unir-m e ao vosso augusto amo,
o im perador do B rasil. Com prazer, confirm o o seu consen­
tim ento, e em penhar-m e-ei por m erecer a h onra que me fez
sua m ajestade, correspondendo à boa opinião que tem de
mim, tornando-m e digna do amor dos seus súditos.
Rogo-vos, senhor em baixador, que sejais in té rp re te dos
m eus sentim entos e que acrediteis no meu reconhecim ento.”
A 30 de M aio realizaram -se os esponsais. De como
tran sco rreu a cerim ônia nos dá n o tícia o mesmo jo rn al:
“ O dia 30 de Maio, que volta sem pre bem agourado e
fausto para os napolitanos, foi ontem dobradam ente festivo,
porque à festa de S. Fernando, nome de S. M. E l-R ei nosso
senhor, se uniu felizm ente a dos esponsais de sua augusta
irm ã, a sra. d. T eresa C ristin a M aria com S. M. o im pe­
rad o r do B rasil. A a rtilh aria do C astelo d espertou os ha-
■*!??**

H ISTÓ R IA DA PO L ÍC IA DO RIO DE JA N E IR O 165

b itan tes desta cidade com o grato anúncio desta festivida­


de, e esta salva foi repetida ao meio dia e à noite.
Às 10 horas da manhã, S. A. R. d. Teresa C ristin a Ma­
ria e S. A. R. o conde de Siracusa, como procurador de S.
M. o im p erad o r do B rasil em presença de S. S. M. M. o
rei, a rain h a e a rainha mãe, assinaram o ato civil do casa­
m ento, red ig id o pelo síndico de Nápoles, duque de Bagnole,
que teve a honra de apresentá-lo às S. S. A. A. R. R.
C oncluído assim o contrato civil do casamento, proce­
deu-se à celebração dos sagrados esponsais na real capela
P alatin a, em cujo presbitério estavam levantados, à direita,
um trono para S. S. M. M. e, à esquerda, uma trib u n a para
o resto da real família.
Suas excelências os m inistros da Ju stiça e E stran g ei­
ros colocaram -se à d ireita do celebrante, e o em baixador do
B rasil, à d ire ita do trono, como testem unhas do casamento.
D epois da adoração ao Santíssimo Sacram ento, o monse­
n h o r capelão-m or d irigiu as seguintes perguntas ao P rín ­
cipe R e a l:
— P rín c ip e Real das Duas Sicilias, d. Leopoldo de
B ourbon, conde de Siracusa, como procurador de S. M. o
im p erad o r do B rasil, d. P edro II, de Bragança, quereis to ­
m ar por sua legítim a m ulher a princesa real das D uas S i­
cilias, d. T ere sa C ristin a M aria de Bourbon, aqui presente,
segundo o rito da Santa M adre Igreja?
Sua A lteza Real respondeu: — Quero.
Do mesmo modo perguntou o celebrante à real esposa:
— “ P rin cesa real das Duas Sicilias d. Teresa C ristin a
M aria de B ourbon, quereis tom ar por vosso legítim o esposo
S. M. o Im p erad o r do B rasil, d. Pedro II, de Bragança,
por si mesm o ausente, mas presente na pessoa do seu pro­
cu rad o r o p rín cip e real d. Leopoldo, Conde de Siracusa,
segundo o rito da Santa M adre Ig reja ?”
A esta p erg u n ta S. A. R. voltando-se prim eiro para a
trib u n a, baixou a cabeça a S. M. o rei e a sua au g u sta mãe
para im plorar o seu consentim ento; e tendo-o recebido,
resp o n d eu : — Quero.
** ‘ *** * • ’ ** ***+'■***£** • > “ •* - i v •-*»' ■.fmrtt.K-; ;>• - f i e » ■ W T » .I|. - «IWWP-. »f»v" - . - » r ..- « t » n - , • .

186 M ELLO B A R R E T O F IL H O e H ERM ETO LIM A

Seguiram -se as orações do costume, e a benção do anel.


V oltando S. S. M. M.. R eais à tribuna, entoou-se o
Te-Deum laudamus cantado p elas prim eiras vozes d a ca­
pital, com acom panham ento de escolhida orquestra. Todos
os castelos da cidade e todos os navios de gu erra fundeados
mo porto, salvaram nessa ocasião.
T erm inado o Te-Deum, passou a fam ília real ao palá­
cio, onde S. M. a im p eratriz recebeu as felicitações de sua
augusta fam ília, do corpo diplom ático, dos grandes da
côrte, etc.
À noite, a fam ília real e S. M. a im p eratriz do B rasil
honraram o real teatro de S. Carlos com sua au g u sta p re­
sença. Os espectadores, que enchiam êste vastíssim o teatro,
receberam S. S. M. M., com vivas atroadores.”
A 31, a im p eratriz em barcou na frag ata Constituição,
que, seguida de q u atro navios de guerra, enviados pelo rei
das D uas Sicilias, levantou ferro s a 1 de Ju lh o .
À s 5 e 35 da tard e de 3 de Setem bro en tro u n a Guana­
bara a frag ata Constituição, trazendo a im peratriz.
A penas a náu d efro n to u a fo rtaleza de S. João, salva­
ram todos os fortes, sendo respondida a saudação por todos
os vasos da esquadra, m enos a frag ata que trazia a seu bordo
a soberana. O im perador logo que a Constituição fundeou
ju n to à V illegaignon, dirigiu-se a bordo, acom panhado de
todos os m in istro s de E stado. A ntes de en trar no p o rto a
fragata, d. T eresa C ristin a foi cum prim entada pelo gen-
tilhom em Sequeira, que foi m andado para êsse fim , no vapor
de gu erra Thetis.
A im p eratriz só desem barcou no dia 4, no cáis do Va-
longo, onde, no to pe da escada que descia para o m ar, t i ­
nham erguido e ornado com luxo um pavilhão. E speravam -
na ali o im perador, m inistros, todo o m undo oficial e re p re ­
sen tan tes do povo. Seguiram todos p ara a C apela Im perial,
onde os noivos recebèram a benção nupcial com tô d a a sole­
nid ad e religiosa, retiran d o -se depois para o palácio de São
C ristóvão. T rê s dias foram considerados feriados, e, à n o i­
te, a cidade perm aneceu ilum inada.
HISTÓRIA DA P O L ÍC IA DO R IO D E JA N E IR O 167

O Hm trágico da cantora Eugênia Mègc.

No ano seguinte, isto é, em 1847, no dia 20 de Ju n h o ,


correu, célere, a notícia, pela cidade, de que havia sido
assassinada, a cantora lírica E ugênia Mège.
C onfirm ando a ocorrência o Jornal do Comércio, de­
clarava, no dia seguinte, que ela havia sido assassinada pelo
m arido E m ílio Mège, que lhe d isparara dois tiro s de p is­
to la na ocasião em que, diante de um espelho, colocava o
chapéu para sair. Uma das balas fez-lhe saltar os m io lo s;
a o u tra entrou-lhe pelas costas e atravessou-lhe o pulmão.
A m o rte fô ra instantânea, e o m arido, antes que alguém
acudisse, retiro u -se do local do crime.
O fato encheu de adm iração a população da cidade, pois
a vítim a era cantora da Com panhia L írica Francesa, que
então funcionava no T ea tro de S. F rancisco, na travessa
do T eatro , h o je ru a do T eatro , e o au to r era ensaiador de
piano, trabalhando, também, na m esm a companhia. Tinham
ambos chegado ao Rio a 18 de Setem bro de 1846, fazendo
p arte de um a com panhia francesa de ópera, que se instalara
no T e a tro de S. Jan u ário , estreando a 26 de Setembro e
indo trab alh ar, em seguida, no T eatro de S. Francisco de
P aula, de que era em presário o grande ator João Caetano.
E m ílio M ège tin h a 27 anos e a esposa 3 ou 4 anos m e­
nos. Conheceram -se num a cidade da França, e êle próprio
ensinou-lhe as prim eiras letras e a m úsica, arte pela qual
ela tom ou b astante gosto. Casaram-se e vieram para o B ra­
sil, fazendo p arte da com panhia a que já nos referim os. Mas
E u g ê n ia M ège, que era uma lourinha de rara form osura,
com os seus olhos azues fascinava a quem dela se ap ro x i­
masse. G raciosa, vaidosa, leviana, fácil lhe foi aceitar os
galanteios de um m édico de nome A ntônio Jo sé P eixoto,
p ro p rie tá rio de uma casa de saude na ru a do Sabão, hoje
G eneral Câmara, nas proxim idades da ig reja do Bom
Jesú s.
No dia 19 de Ju n h o de 1847, E m ílio Mège, que já des­
confiava de que a m ulher o estava traindo, ao en tra r em
casa, encontrou-a vestida, dizendo-lhe que ia dar um passeio
168 M ELLQ BA RRETO F IL H O e H ERM ETO LIM A

ao Jard im B otânico. Ora, tendo-se-lhe deparado nas p ro x i­


m idades de sua casa o dr. P eixoto, óbvio que era com o
m édico que ela ia dar o passeio; e, então, disse-lhe en erg i­
cam ente :
— Não s a irá s !
— Sáio.
— Não sairás!
E a leviana retru co u :
— Não faço caso de suas ameaças.
Foi quando o m arido ultrajado, perdendo a cabeça, pra­
ticou o crime.
V endo-a caída, m orta, E m ílio M ège, vai a um arm ário
e re tira de lá um pequeno frasco e in g ere todo o veneno
que nêle se continha. E m seguida sái, tom a a direção do
campo de S an t’A na esperando o efeito do tóxico. E como a
ação do veneno tardasse em se m anifestar, o a rtista resolve,
então, entregar-se à Polícia.
João Caetano, foi uma das testem unhas arroladas no
processo, e assim depôs:

“ ■■■no domingo, 20 do corrente, passando pela


p o rta do botequim de mme. G uinauda p ara o
te atro de S. Francisco, alí encontrou e cum pri­
m entou a finada mme. M ège; que, poucos in s­
tan tes depois, disseram -lhe que mme. M ège ti­
nha sido assassinada por seu m arido, e indo à
casa da dita assassinada já alí não encontrou o
ré u ; que, pouco depois, chegando o dr. P eixoto
ao lu g ar onde êle estava, que era no d ito bote­
quim , e querendo subir à casa do réu, dizendo-
lh e algum as palavras de que êle testem unha não
se recorda, pelo estado de perturbação em que
se achava, êle testem unha se opôs, dizendo que
êle se retirasse porque não achava m uito conve­
n ien te a sua presença naquele lu g ar e que se isso
disse foi por geralm ente se dizer que o dr. P e i­
xo to tin h a relações com a finada mme. Mège,
boato este que já antes da m orte era geralm ente
espalhado; que êle testem unha trato u imedia-
H ISTÓ R IA DA POLÍCIA DO RIO DE JA N EIR O 169

tam ente de dar parte às autoridades do que h a­


via ocorrido e que indo à polícia, por lhe cons­
tar que ali se achava o réu, este, em convulsões,
no m aior desespêro e banhado em lágrimas, con­
fessou-lhe que há pouco havia m orto sua m u­
lher, chegando mesmo a pôr um joelho em terra
e beijar-lh e a mão, dizendo que sua m ulher o
havia traíd o e que se chegou àquele excesso foi
por ser hom em honrado, e que não lhe tivesse
ódio, que o desculpasse e que nunca fòsse seu
in im ig o ; que sabia que o réu tratava muito bem
a m ulher e que igualm ente sabia que antes do
assassinato o réu vivia m uito aflito, a que èle
testem u n h a atrib u ía aos boatos que corriam en­
tre o dr. P eix o to e mme. M ège.”

No dia 27 de A gosto de 1847 o acusado compareceu ao


trib u n a l do J ú ri, defendido pelo dr. Sebastião da Mota, que,
após b rilh an te discurso, conseguiu a absolvição de seu cons­
titu in te , por unanim idade.
E m ílio M ège, que tin h a em todo o processo captado a
sim p atia pública, ao sair do tribunal foi carregado em
triu n fo pelas ruas.
V ejam os, agora, o que diz o dr. Pires de Almeida sôbre
mme. M ège, na sua revista Brasil Teatro:
“ O dr. P eixoto, causador desta morte, torturado a um
tem po pela paixão e pelo remorso, subornou um coveiro,
que, cúm plice na violação da catacumba, arranca as tábuas
do caixão, enquanto êle, com suas próprias mãos, suspende
a ossada, separa os ossos dos retalhos de carne e, tomando-os
aos punhados, lança-os num saco de sêda, que tran sp o rta
sob am p lo -cap o te para o seu consultório à rua do Sabão.
A li chegando, m ergulha-os em cal virgem e potassa e dá
com eço ao trabalho de lavagem e clarificação dos ossos.
S u rp reen d id o nêsse afã pelo seu colega e amigo, dr. F e r­
re ira de A breu, depois barão de Teresópolis, é por êle in-
concien tem en te ajudado, não só nêsse rude serviço, mas,
ainda, no da m ontagem do esqueleto. Feito isto, suspende-o
em alongada v itrin a que coloca a descoberto e bem de-
J70 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

fro n te de sua mesa de consultas, para que pudesse tê-lo sem ­


pre presen te à sua v ista.”
O dr. P ire s de A lm eida diz isso, que acabamos de rela­
tar, m as o dr. M elo M orais (pai) no seu Brasil H istórico
conta sobre o caso, o seguinte, que trasladam os na íntegra,
bem como as palavras de V ieira Fazenda, que tam bém tra ta
do assu n to :
“ Mme. Mège, assassinada por seu m arido, foi sepultada
a 20 de Ju n h o de 1847 — E x iste a no ta: “ P o r.d esp ach o da
Câm ara E clesiástica de 3 do corrente ano e do — cum pra-
se, posto nêle pelo padre-m estre guardião frei A ntônio do
C oração de M aria e A lm eida, d e 26 do mesmo foi (sic)
tran sp o rtad o daqui para a F ran ça os resto s m ortais de
mme. M ège e para em todo o tem po constar, fiz o presente.
— C onvento de Santo A ntônio, 26 de A bril de 1848. (A ssi­
nado) — F rei M anuel de Santa D elfino, sacristão efetivo.”
C ontinua Melo M orais: “ Com docum entos falsos, um
m edico causador da m o rte dessa in feliz senhora ilu d iu as
auto rid ad es e levou para sua casa os ossos e os lig o u a r tif i­
cialm ente e os conservou consigo. P o r um a polêm ica assáz
vergonhosa en tre dois m édicos de educação, é que se soube
que os restos m ortais de mme. M ège paravam no poder do
causador de sua desgraça.”
L°g o , não houve profanação ou suborno do coveiro.
T udo se fez com consentim ento da autoridade com petente,
aliás “ ilu d id a” pelo dr. Peixoto.
T em pos depois, brigam as com adres e descobrem -se
as verdades.” P eix o to e F e rre ira de A breu atacam -se pelos
jornais. E o ultim o tra z a im prensa o fato escandaloso.
Segundo ainda o dr. P ire s de Almeida, P eix o to levou
os ossos para P aris, afim de en treg ar à mãe da in feliz os
despojos da assassinada.
A velha tin h a falecido: O sed u to r então com prou uma
sep u ltu ra no P ere Lachaise e deu por finda s u a , triste
missão.
Ig n o ro o fim do desditoso Mège. F oi subm etido a novo
jú ri e novam ente absolvido? R egressou à p átria? Faleceu
aqui? Nescio
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 171

C a p i t ã o Nabuco.

Chamavam-no Capitão Nabuco. Filho de m agistrado


distintíssim o, Nabuco, no prin cip io da vida, conviveu corn
as pessoas m ais ilu stres da Côrte. Depois, farto dos salões,
m eteu-se na vida boêmia, sendo aí respeitado por todos, pela
sua fôrça prodigiosa.
P a rtia uma m esa com um sô co ; suspendia um bilhar
e levava-o nos ares; arrancava uma sacada de ferro de
qualquer jan ela e a sacudia na rua.
C erta ocasião chegou à C ôrte um famoso jogador de páu
cham ado Santana. O uviu falar na fôrça de Nabuco e quis
com êle m edir-se, visto até ali não ter encontrado quem o
batesse.
S antana en tro u no Café Troion, que era na rua D i­
reita, à ho ra em que sabia que lá estava o Nabuco.
A vistando-o, S antana arrasto u uma cadeira, aproxi­
m ou-se do capitão e d isse-lhe:
— C reio que falo com o capitão N a b u co .. .
— Sou tim seu criado.
— A p o sto que m e não conhece. ..
— N ão aposto, porque isso me é indiferente.
— P o is saiba que eu sou o Santana.
— E que tenho eu que você seja ou não o Santana?
— T e m ; que escolha as armas para bater-se comigo.
— O ra, lixe-se; p ara lhe dar pancada, não preciso nem
escolher arm as nem sair do lugar onde estou.
— Perdão,' trata-se de m edirm os forças e o cavalheiro
não pode recusar,
— P o is vá l á . ..
— A qui mesmo?
— Ora, onde há de ser?
— A ssim , em fre n te um do outro, braço a braço.
— P ois, olhe, eu para você, nem mudo de p o sição . .
Vamos l á . . .
E o braco m onstro do capitão Nabuco caiu sôbre a pe-
dra da mesa.
Santana segurou o braço imóvel de Nabuco, em pregou
172 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

para o d erru b ar tô d a a fô rça que possuia, como indicava o


suor que lhe co rria pela fro n te ; e o capitão, im perturbável,
quando bem lhe pareceu, disse:
— É agora.
E arrio u o braço de Santana.
— B o te agora os dois braços se q u iser; debruce-se so­
bre a mesa.
S antana obedeceu e Nabuco arriou mais uma vez o braço
do valentão.
— Não prestas para nada.
— E n tretan to , conheci um homem.
E ficaram am igos daí em diante.
Nabuco arrancava do chão um “ frad e de pedra”, arre­
bentava com um soco uma p o rta chapeada de fe rro ; fazia
p arar um carro, agarrando-o pelo eixo da ro d a; dobrava
uma m oeda de, cobre, colocando-a entre dois dedos.
G rande adm irador de João Caetano, o capitão Nabuco
era sem pre o prim eiro a en tra r no teatro, nas noites em que
o célebre trágico representava.
Nabuco era adm irado e respeitado pela massa p o p u lar;
en tretan to , nas rodas de seus amigos, não cessava de d izer:
— Sou um in fe liz ; se eu der um sôco em um homem,
tenho a certeza de que o mato.
Nabuco nunca foi incom odado pela P olícia, pois, ape­
sar das suas constantes dem onstrações de valentia, resp ei­
tava as au toridades e jam ais p raticou qualquer ato que a te n ­
tasse co n tra a ordem pública.

Ameaçado de morte pelo próprio filho.

E m N ovem bro de 1847, o chefe de P o lícia recebe uma


angustiosa carta do capitão Francisco Lopes do N asci­
m ento, m orador na ru a de S anta Teresa, n.° 6, dizendo que
havia um mês que se achava im possibilitado de sair de casa
para evitar ser assassinado pelo próprio filho.
N essa carta, em que p edia providências, o desventurado
pai sentiurse na co n tingência de rela tar uma longa série de
..................... ..

HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 173

falcatru as com etidas pelo degenerado rapaz, que era real­


m ente elem ento perigosíssim o para a sociedade, verifican ­
do a P olícia ser êle o chefe de um bando de indivíduos tu r ­
bulentos que traziam constantem ente em sobressalto os mo­
radores dos subúrbios da Lapa do D esterro e praias adja­
centes.
Não obstante, era o filho do capitão Nascimento ainda
m uito jovem , pois contava apenas 19 anos, e habilíssimo ti­
pógrafo.

O primeiro regulamento policial referente


a veículos — Fê-lo publicar o chefe de Polí­
cia Antônio Simoens da Silva — (1848).

Logo que a cidade começou a ser edificada no morro


do Castelo, em 1567, não havia necessidade de carros para
tra n s p o rte de passageiros. Só m uitos anos depois é que os
je su íta s construíram um guindaste, que os levava até o alto,
onde tinham o seu colégio.
D epois que a várzea de N. S. do Ó, que é hoje onde
está à ru a l.° de M arço, começou a ser aterrada, é que as
necessidades criaram o carro de bois, que tanto servia para
carreg ar m ateriais, como para transportar passageiros que
vinham dos sítios próxim os ou que iam de um a outro lado
da cidade.

In d ep en d en te do carro de bois, havia também a rede e


a liteira, que por vezes eram vistas atravessando as ruas da
cidade, com passageiros vindos do interior.
Não erram os em afirm ar que nenhum dos governadores
da cidade teve outra espécie de veículos, para seu uso ordi­
nário. Tam bém não era isso m uito necessário, pois em 1770
a cidade não passava m uito além da rua da Vala, hoje U ru ­
guaiana.
A s séges e outras espécies de carros apareceram com
os vice-reis. Dizem as crônicas que o conde de Resende,
SL0

174 MELLO BARRETO FILHO e HERJVIETO LIMA

vice-rei de 1790 a 1801, só andava de sege com as cortinas


abaixadas. E ra assim que ia ao C atete, ja n tar, num a chá­
cara, p ropriedade de um seu am igo rico, chamado A ngo-
lista. E ra assim tam bém que ia a M ataporcos, assistir ao
jogo da bola, que alí havia.
Com a chegada de d. João V I, em 1808, é que os carros
com eçaram a aparecer, em m aior núm ero. Êle p ró p rio tin h a
dois ou trê s para várias solenidades. Q uando desem barcou,
prepararam -lhe uma berlinda, que é m uito possível tivesse
vindo com êle de Lisboa. Ao saltar dirigiu-se, a pé, à ig reja
do R osário, voltando na berlin d a até ao paço, an tig a re s i­
dência dos governadores, preparado para o hospedar. M u­
dando-se p ara São Cristóvão, aum entou o núm ero de car­
ruagens p ara seu serviço. D. P ed ro e d. M iguel, quando
vinham à cidade, preferiam o cavalo.
P o r essa época estavam em m oda as cadeirinhas, usadas
quase sem pre pelas senhoras, quando iam à m issa ou a sim ­
ples passeio. C onform e o grau de nobreza a que elas p reten ­
d am , as cadeirinhas variavam de ornam entação.
E m 1821, quando d. João vin h a de São Cristóvão, de­
pois de te r declarado que aceitava a constituição p o rtu ­
guesa, o povo desatrelou os cavalos e puxou-lhe a car­
ruagem .
D epois desta data eram já num erosas as seges no Rio
de Jan eiro . Não se alugavam, porém . E ram propriedade das
pessoas abastadas e os serviços de cocheiro eram desem pe­
nhados por escravos.
Pouco an tes de 1839 é que apareceram os carros de alu ­
guel, pois nêsse ano existiam já três cocheiras de séges na
cidade.

A 7 de Jan eiro de 1846, realizou-se, por fim , a a sp ira ­


ção do povo carioca, com a inauguração das gôndolas.
A s gôndolas eram uma espécie de ônibus e pertenciam
à firm a Carvalho H. Cotrim .
Não sendo, porém, as ruas da cidade calçadas, nem as
gôndolas assentes sôbre trilh o s, é fácil de com preender a
to rtu ra de uma viagem em tais v e íc u lo s .. . T iveram todavia
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 175

êxito e enorm e fre g u e s ia ... P artiam do largo do M oura,


que é h o je o lugar onde se acha o M ercado; seguiam pelo
largo do Paço, rua D ireita, rua do O uvidor, largos de São
F rancisco e do Rossio, campo de Sant’Ana, e term inavam
no R ossio Pequeno.
C ustava a passagem 120 réis, tôsse para onde fôsse.
Cada carro conduzia dez pessoas.
No ano em que apareceram as gôndolas, a 12 de O u tu ­
bro, apareceram também os tílburis, que estacionavam na
ru a D ireita, nas proxim idades do H otel Globo. Foram os
prim eiro s carros de praça da cidade.
A 27 de Novem bro de 1848 o chefe de P olícia A ntônio
Sim oens da Silva fez publicar o regulam ento para o trânsito
de tílb u ris. F o i êsse o prim eiro regulam ento policial que
apareceu, referen te a veículos.
A tabela d s preços, que foi a prim eira organizada no
R io de Jan eiro , estabelecia:
“ Os tílb u ris só devem perm anecer na rua D ireita e no
largo do Rossio, ficando os p ro p rietário s desses veículos
na obrigação de lim parem êsses pontos, das sujeiras que os
cavalos fizerem . Q uanto aos preços, serão os seguintes:
Dos pontos de p artid a à rua da Princesa, chafariz de
C atum bí, Rossio Pequeno, P raia da Saudade, 1$000 por
h o ra e 1$500, se estiver chovendo.
Dos pontos de p artid a até fora da cidade, réis 3$00Q.
Dos pontos de partid a até o Caminho Novo de B ota­
fogo, ig re ja do Carmo do Largo do Machado, igreja de Ma-
taporcos, C urral Novo, P raia Formosa, 2$000 a prim eira
hora, e 1$000 pelas que se seguirem ”.

A s c e n d e ao ca rg o d e m in is tr o d a Jus­
tiç a o p r im e ir o ch efe d e P o líc ia d o R io de
J a n e iro . — E m 1849 a p o p u la ç ã o carioca
era d e 266.466 h a b ita n te s.

Em 1849, vamos encontrar o dr. Eusébio de Q ueirós


C outinho M atoso Câmara não mais na C hefatura da Polícia,
mas como titu la r da pasta da Justiça.
176 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

Nêsse ano m anda êle que se proceda ao q u arto recensea­


m ento da população da cidade do R io de Jan eiro . Não foi
serviço p erfeito , m as com os recu rso s de que então dis­
punha o govêrno, pôde-se v erificar que a cidade contava
já 266.466 habitantes, isto é, m ais cento e tan to s m il do
que possuia quando se fizera o recenseam ento an terio r.

Insígnias para os delegados e sub­


delegados.

A 19 de F evereiro de 1849 é criada uma in síg n ia para


os delegados e sub-delegados. C onsistia em um a faixa, com
uma lista verde en tre duas am arelás, que usavam a tiracolo,
quando em serviço. Tam bém à p o rta da residência dessas
autoridades havia uma taboleta com as arm as do Im pério e
com a indicação do cargo respectivo.

O ex-chefe de Polícia Eusébio de


Queirós, então ministro da Justiça, proíbe
o tráfico dos negros africanos — (1850).

Os p rim eiros escravos ex isten tes no B rasil foram os


índios. O s donatários das capitanias h ered itárias, form a­
das pelo rei d. João I I I , tinham a concessão de castigar os
índios que quisessem para os seus serviços e os de seus na­
vios e de m andar vender anualm ente em L isboa certo n ú ­
m ero dêles.
E m 1549, o padre N óbrega dizia q u e um a das faltas mais
sensíveis que se notavam na colônia da Baía era a de mu-t
lheres, e escrevia para Lisboa pedindo que as m andassem
para alí, “ ainda que errad as”. Na expedição de A ntônio de
O liveira (1551) foi êsse pedido satisfeito . Julga-se, por isso,
que foi nessa expedição que vieram para o B rasil os p r i­
m eiros escravos africanos.
Em 1568, Salvador Corrêa de Sá queixava-se à M etrô-
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO R IO DE JA N E IR O 177

pole de que no Rio de Jan eiro não havia g en te para o tr a ­


balho, e, no en tan to , m uita coisa havia p ara fazer-se. A s
construções estavam por acabar; as lagoas, que infecciona-
vam a cidade, precisavam de ser a te rra d a s ; a água, cuja nas­
cente ficava d ista n te do m orro do Castelo, por vezes não
havia quem a fôsse buscar.
Nas g u errilh as com os índios, os que ficavam p risio ­
neiros eram em pregados nêsses serviços. Nem sempre, po­
rém , com êles se podia contar. A lém de rebeldes, raro era
o que não fu g ia depois de alguns dias de cativeiro.
N estas condições, su rg iram os aventureiros, lem brando
a necessidade de ir à Á frica com prar os n atu ra is dali, e
trazê-lo s como escravos, especialm ente p ara o trabalho da
lavoura, em que m ais se fazia se n tir falta de gente.
D u arte V az, aparentado do governador R uiz Vaz
P in to , arm a navios, vai à Á frica, onde os rég u lo s tinham o
po d er de d isp o r dos seus súditos, e aí troca-os por b u g i­
gangas.
A té 1629, só D u arte Vaz goza do d ireito do tráfico.
D essa data em diante, m ultiplicaram -se os trafican tes e
tam bém os com pradores de escravos. E não havia m elhor
negócio. Cada negro, posto no p ôrto do R io de Jan eiro ,
saía a 20 m il réis, m ais ou menos, e o trafican te vendia-o
a 100 e a 200 m il réis. A s prim eiras fo rtu n as do Rio de J a ­
neiro foram feitas assim.
P arece que som ente em 1568, logo depois da reclam ação
do governador, foi que se regularizou o tráfico dos negros,
pois, segundo o cro n ista Damião de Góis, o prim eiro “ assen­
to ” p ara a em igração neg ra foi assinado por Salvador
C orrêa de Sá, naquele ano, datando tam bém de 1568 o
“ assen to ” firm ado por João G utierrez V alério para a in ­
trod u ção de escravos africanos na cidade do Rio de J a ­
neiro.
D u ro u o rep u g n an te com ércio até o ano de 1850, data
em que o ex-chefe de P olícia, então m in istro da Ju stiç a ,
E usébio de Q ueirós C outinho M atoso Câmara proibiu o tr á ­
fico dos negros.
178 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

Espécies de negros que vinham da África.

B asta ver-se a nom enclatura das tríb u s a que os m ise­


ráveis negros pertenciam , para se descobrir a sua d iv e rsi­
dade. São elas: felupos, m inas, cabindas, angolas, gegis,
m onjolos, benguelas, cassanges, libolos, gingas, m andingas,
haussás, jololos, iorubás, egbas, felanins, achantis, fulas,
iebus, crum anos, tim inis, efans, congos, cangalas, bambas,
bantus, nagôs e outras.
Cada uma dessas tríb u s tin h a o seu caráter, a sua m oral,
a sua índole, o seu aspecto físico. Assim , os das trib u s iebu,
cassange e haussá eram feios, ao passo que os das trib u s
mina, fula, achanti e felanim , eram bonitos. O s loandas, os
papeis ou pepeis e os balondas eram retin to s e lu z id io s ; os
gegis, os felás e os daom eianos eram aze ito n a d o s; os m inas,
os achatins, os felanins e os agoins eram bronzeados. Os doa-
meianos, os haussás, os crum anos, os ach an tis e os galas
eram ag ig an tad o s; os m onjolos e os angolas eram franzinos.
Os jololos e os sererês eram dotados de grande beleza
plástica.
Os gegis e os angolas eram indolentes, ao co n trário dos
tim inis, m inas e daom eianos, que eram laboriosos. O s m inas,
iorubas, égbas, crum anos e felan in s eram dóceis; os h au s­
sás, efans e galas, altivos, rebeldes e ferozes. Os iorubás,
égbas e haussás eràm honestos, ao passo que os gegis e os
angolas corrom píveis.
E m 1821, num to ta l de 112.695 habitantes, o R io con­
tava 55.000 escravos; em 1849, a população era de 266.466
habitantes e 110.602 eram escravos.
P o r lei de 4 de Setem bro de 1850, foi proibido o tr á ­
fico, e m andados apreender todos os navios nacionais ou es­
tran g eiro s éncontrados no p ô rto do B rasil tendo escravos
a bordo, sendo considerada p irataria a im portação de escra­
vos no te rritó rio do Im pério.
M esmo assim, continuava o tráfico a fazer-se clandes­
tinam ente. Em A b ril de 1851 um navio deu à costa na praia
de T ram andaí, no R io G rande do Sul, fazendo desem bar­
car cerca de 200 africanos.
'

HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 179

E m Dezem bro dêsse mesmo ano, outro navio aportou


na p raia de B racuí, descarregou escravos e foi depois in ­
cendiado para não ser descoberto.
E m A bril de 1852, um b rigue de nome Camargo tro u x e
de M oçambique e Q uelim ane p erto de 500 africanos con­
signados aos fazendeiros do Rio e S. Paulo, M anuel de
A gu iar V alim , L uciano de A lm eida, A ntônio Jo sé N ogueira ■M
e P ed ro Ram os N ogueira. M ais ou menos por êsse tem po
os jo rn ais noticiaram a barbaridade praticada num dêsses
navios, onde, tendo-se espalhado entre os negros uma ep i­
dem ia que os to rn av a cegos em algum as horas, o capitão da
em barcação m andou atirá-los ao m ar, por serem m ercadorias
im prestáveis.
11
"*
A cidade invadida pela varíola e pela
febre amarela — (1850).

M ilhares foram as vítim as das duas epidem ias que fla ­


gelaram a população do B rasil no ano funesto de 1850: a
varíola, notavelm ente intensa e com gravidade, e a febre
am arela, traz id a à Baía, em D ezem bro de 1849, por um vapor
am ericano, procedente de Nova York.
P ire s de A lm eida considerou essa epidem ia a segunda
que nos visitou, porque na sua H istória das Epidem ias, o
ilu strad o m édico regista, como febre am arela, a grave m o­
léstia de 1694, de que fazem m enção quase tôdas as an tig as
crônicas. Tam bém, existem n o tícias acerca da febre am a­
rela no Rio de Jan eiro , anteriorm ente à epidem ia de 1850,
conform e se vê do relató rio que o dr. M anuel V aladão P i­ i 8M i
*

m entel ap resen to u ao govêrno, em 25 de Novem bro de 1850,


sobre o tratam en to do terrív el mal, na enferm aria do H o s­ 111
pício do L ivram ento. Nêsse çelatório, o dr. V aladão faz
notáveis considerações relativas ao saneam ento do R io de
Jan eiro , e tra ta de o u tras questões ainda de im p o rtân cia ca­
pital nos nossos dias, tais como o dessecam ento dos p ân ta­
nos q u e existiam nas vizinhanças da cidade, a elevação das
casas térreas e a construção de um cáis que guarnecesse todo

■ " ",.....S i ■■
380 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

o lito ral da cidade, a qual deveria receber fa rta arb o ri­


zação.
“ Fez se n tir a necessidade de um plano reg u la r para as
construções urbanas, obedecendo a preceitos de a rq u itetu ra
e de hig ien e e condena a perm anência dos m orros situados
no centro e a sotavento da cidade, “ os quais en tretin h am
a um idade das casas que lhes ficavam fro n teiras, como
obstavam a ventilação reg u la r — tão vantajosa p ara tem pe­
ra r a in ten sid ad e do calor e d isp ersar os m iasm as suspensos
na atm osfera.”
M arin h eiro s chegados da Baía, e que pernoitavam num
publicáu da ru a da M isericórdia, foram as prim eiras vítim as
da feb re am arela no R io de Jan eiro . Ê sse term o — publi­
cáu — já foi convenientem ente elucidado p o r autoridade
com petente: “ é corrupção da palavra public-houses: as
casas de pousar ou albergues, e que existiam , em g rande n ú ­
m ero, nos an tig o s b airros da M isericórdia e Saúde” .
R em ovidos os doentes p ara as enferm arias da Santa
Casa, alí foram en treg u es aos cuidados do respectivo clí­
nico — o dr. R oberto C ristiano B erto ld o Avê Lallem ant,
notável m édico alemão, natu ralizad o b rasileiro, au to r das
Observações acêrca da epidemia de 18S0 e que fez p arte da
J u n ta de H ig ien e P ú b lica do R io de Jan eiro , em v irtu d e
de nomeação lavrada em N ovem bro de 1852.
O dr. M anuel V aladão P im entel, B arão de P etrópolis,
nasceu aos 4 de M arço de 1802, em M acacú, da an tig a p ro ­
víncia, h o je E stad o do R io de Jan eiro , e faleceu nesta ca­
p ital a 30 de Novem bro de 1882. E ra form ado pela antiga
escola m édica, p o sterio rm en te F aculdade de M edicina da
C ôrte, da qual foi d ireto r.

A Secretaria da Polícia passa para a


rua do Conde — Assume o cargo de chefe
de Polícia o dr. Francisco Diogo Pereira
de Vasconcelos — (1850).

A S ecretaria da P o lícia passa em 1850 para a ru a do


Conde, n.° 2.
II
//

HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 181

Nêsse ano, a õ de Novembro, tom a conta da ch efia o dr.


F rancisco D iogo P e re ira V asconcelos, que, nom eado nessa
data, deixou o cargo a 24 de A bril de 1853, interro m p en d o
duas vezes a sua adm inistração. Na prim eira, foi nomeado,
para o su b stitu ir, interinam ente, a 25 de A bril de 1851, João
L opes d|ã S ilva C outo, que deixou o cargo a 16 de Setem ­
b ro ; a segunda, o mesmo Silva Couto, que esteve de 4 de
M arço, a 3 de Setem bro de 1852.

Uma negrinha gigante.

E ra m u ito po p u lar no Rio de Ja n e iro em 1851, e mo­


rava ju sta m en te num préd io fro n teiro à S ecretaria da P o­
lícia, uma n e g rin h a g ig ante, que m edia dois m etros e dez
cen tím etro s de altu ra. Todos a adm iravam quando saía à
rua. Se se lem brasse de ganhar a vida exibindo-se pelo m un­
do fora, certam en te te ria feito fo rtu n a colossal, porque o
seu desenvolvim ento físico, descomunal, era mesmo de
pasm ar.
Sua m ania era m archar à fren te de batalhões policiais,
em dias de festa nacional.
E ssa n eg rin h a m onstro m orreu no dia 4 de Jan eiro de
1851, e aqui deixam os o fato consignado, porque não havia
quem não a conhecesse e estim asse no R io d e Jan eiro . Seu
en têrro teve g rande acom panham ento.

Segundo incêndio do Teatro de São


Pedro de Alcântara — (1851).

A lugado pelo ato r Jo ão Caetano, na m adrugada de 9


de A gosto de 1851 o T eatro de São P ed ro de A lcân tara
incendiou-se pela segunda vez, ficando reduzido a cinzas.
P a ra au x ilia r a P olícia, que trab alh o u corajosam ente
para salvar, como salvou, os livros do escritó rio , um a secre­
tá ria com algum dinheiro e os m óveis que guarneciam o ca-
182 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

m arote do im perador, o com andante da corveta francesa


Brilhante fez desem barcar um co n tin g en te de cem m a ri­
nheiros que conduziam uma bomba e eram com andados por
quatro oficiais.
C onta M oreira de A zevedo que “ d u ran te o incêndio o
dono de uma cocheira ju n to ao teatro apressou-se em safar
seus tren s, e, receando que o tem po não lhe chegasse, soltou
os anim ais, que dispararam pelas ruas adjacentes atro p e­
lando o povo” .

O impressionante suicídio do tenente-


coronel João Bloem.

No dia 22 de A bril de 1851 deu-se um fato que encheu


a todos de consternação.
O tenente-coronel de engenheiros João Bloem não era
feliz na fam ília. E stan d o esse dia a ja n ta r em casa do ge­
neral Seára e vendo a fam ília do am igo tôda ali reu n id a na
m ais com pleta felicidade do lar, baixou a cabeça e chorou,
d iz en d o :
— P o r que não sou assim também?
A esposa do general procurou consolá-lo. D epois de
aparentem ente calmo, o tenente-coronel retirou-se para uma
sala, a p rete x to de qu erer descansar, e aí desfechou um tiro
na cabeça.

A primeira corrida de cavalos efetuada


no Rio de Janeiro.

No dia 13 de Ju n h o de 1851 foi dado ao povo carioca


o prazer de assistir, no Hipódromo Fluminense, em São
F rancisco X avier, prom ovida pelo Jóquei Clube Fluminense
e graças à in iciativ a do m ajor G uilherm e Suckow, à p ri­
m eira co rrid a de cavalos efetuada no R io de Jan eiro .
Êsse acontecim ento, embora festivo, não deixou de dar
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO

algum trabalho à Polícia, pois, quando corria o últim o


páreo, se deu um conflito en tre trê s p ro p rietário s d e a n i­
m ais, havendo um tiro alcançado o braço de um po licial que
in terv iera para apaziguar os ânimos.
Mesmo ferido, o soldado conseguiu prender quem o a l­
vejara, que o u tro não era senão o conhecido desordeiro Mo-
lequinho, da fam osa q u ad rilh a chefiada por Pedro Espanhol
e com quem a P o lícia tin h a velhas contas a ajustar.

Tragédia no Andaraí.

Os jo rn ais do dia 22 de Ju lh o noticiaram um fato in ­


teressantíssim o, senão v erd ad eira tragédia.
O senhor Z eferin o F erraz, p ro p rie tá rio de im portante
fáb rica de papel, no A ndaraí, logo depois do jan tar, faleceu
quase rep en tin am en te sem ânsias, nem sofrim entos de espé­
cie algum a. O fato não causaria ta n ta estranheza, se uma
h o ra depois, não caísse tam bém m orta, a esposa daquele ca­
valheiro, A lex an d rin a F erraz, e, em seguida, um escravo, e
depois m ais outro. A lguém que chegou ao fundo do q uintal,
viu que tô d a a criação da casa, e, m ais adiante, trê s bois
estavam tam bém m ortos.
F eito s pela P olícia os respectivos exames cadavéricos
do negociante, de sua esposa, dos escravos, igualm ente exa­
m inadas as vísceras dos anim ais, não se encontrou vestígio
nenhum de envenenam ento.
E nunca se conseguiu explicar essas m ortes m iste­
riosas.
A s velhinhas do tem po aventuravam uma h ip ó t e s e :__
A rte s do d iab o !. ..

Quem primeiro escalou o Pão de Açúcar.

No dia 31 de O utubro uma caravana d e am ericanos do


norte, en tre os quais havia duas senhoras e um m enino,
anuncia que vai subir ao Pão de A çúcar.
184 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

E, de fato, o fazem, sendo assim os p rim eiros a re a li­


zar tal subida.
À noite atearam fogo nas m atas da m ontanha, e o Rio
de Janeiro, parecia a ssistir a um a erupção vulcânica.
P ela m anhã, hastearam , lá no alto, as bandeiras brasi­
leira e am ericana e desceram , sem o m enor acidente
P o sterio rm en te essa av en tu ra foi im itada várias vezes,
p rin cip alm en te p o r estrangeiros.
M oreira de A zevedo conta que, no dia 23 de A b ril de
1863, o Pão de A çúcar foi escalado por dois o ficiais da m a­
rin h a inglesa, que hastearam uma b andeira no cume do pe­
nhasco, e que, transviados na descida, só alcançaram a base
da m ontanha às 9 ^ da m anhã do dia seguinte.
O mesmo escrito r ju s tific a o nome dado a êsse alto
penedo "p e la sem elhança com as fôrm as de b arro onde se
coalha o caldo de cana, já p u rificad o e feito em m elado, para
se reduzir a açúcar."

A epidemia de 1852 — Nêsse ano, ape­


nas um crime provocou sensação pública.

E m 1852 irrom pe nova epidem ia de febre am arela, fe­


lizm ente m enos intensa do que a prim eira, pois apenas oca­
sionou 1.850 óbitos.
Nêsse ano, até os m alfeito res se atem orizaram ante a
ação n efasta dos estegom ias. A penas um crim e provocou
sensação pública.
Às 11 horas da noite de 7 de O utubro a p atru lh a que
rondava a ru a do R esende, próxim o à dos Inválidos, ouviu
gem idos dolorosos que partiam de uma casa ali situada. B a­
teu à p o rta e apareceu uma m ocinha aflita, nervosa, g ri­
tando :
Não m e prenda. . Quem m atou foi meu irmão, que
ali está.
A p atru lh a apitou, im ediatam ente; apareceram outras,
e a casa foi cercada por todos os lados.
Um dos soldados g rito u pelo assassino, pedindo que se
entregasse.
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 185

Êste, im ediatam ente apareceu. E ra o m enor B elisário


L uiz da Costa P rates, de 18 anos, que havia apunhalado F re ­
derico Vega.
P reso e interro g ad o por que havia assassinado F re d e ­
rico, declarou que o fizera porque o mesmo o queria m atar
com um punhal.
P arece que a h istó ria era essa mesma, porquanto o me­
nor era de m u ito bons costum es.
Subm etido a julgam ento, foi absolvido.

Tomás Cachaço.

O Tomás Cachaço era um p o rtu g u ês baixo, m eio calvo,


barbado, grande v en tre e não m enor toutiço.
A ndava sem pre lá p ara as bandas da P rain h a, Saúde e
ru a de S. P edro.
Ao vê-lo os m oleques seguiam -lhe os passos a g ritar,
rua a fo ra:
Tom ás C achaço! T om ás Cachaço!
F ulo de raiva, o pobre homem se punha a queix ar de
que na cidade não havia polícia para p ren d er a garotada
que o ridicularizava.
O Tom ás vivia de ensinar a ladainha e o u tras orações
aos escravos do V alongo. Como não sabiam ler, T om ás
obrigava-os a decorar o Padre-Nosso, a Salve-Rainha e a
Ave-María.
A páginas tantas, roncava o bolo. E era assim que T o ­
más Cachaço, à força de bordoada, m inistrava lições aos
pobres negros.
Sem pre a tom ar rapé e a falar mal do B rasil, to rn o u -se
tip o popular da cidade.
Não foram poucas as vezes que a P o lícia teve que in ­
te rv ir p ara liv rar o pro fesso r de rezas da fú ria da garotada.
Faleceu em 1852.
J 86 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

O telégrafo terrestre no Brasil — A inicia


tiva de um ex-cheie de Polícia — (1852).

Em 1852 o telég rafo entrava no B rasil sob os auspícios


do ex-chefe de Polícia, conselheiro Eusébio de Q ueirós,
então m in istro da Ju stiç a ,
Q uerendo evitar que os contrabandistas de escravos
burlassem a lei do tráfico — o que com frequência faziam,
pela falta de com unicação que não p erm itia ao governo
executar ao longo do nosso litoral vigilância capaz de re­
p rim ir de vez as investidas dos corsários — entendeu
o m in istro que o telég rafo elétrico, que então começava
a ser in tro d u zid o nas capitais européias, poderia servir
de grande auxílio aos seus desejos, e, assim, entendeu-se
com o dr. P au la Cândido, professor de F ísica da E scola de
M edicina, p ara se estabelecer no B rasil um serviço te le ­
gráfico elétrico. Ficou, então, assentado que p ara as p ri­
m eiras experiências se colocaria uma linha en tre o quartel
da Polícia, na ru a dos B arbonos (hoje E v aristo da V eiga)
e o m orro do Castelo, agora arrazado.
O aparelho foi obtido por em préstim o do dr. Capa-
nema, pelo general Polidoro, então com andante do Corpo
de P erm an en tes; mas a experiência fracassou. R estitu in d o
o aparelho ao dr. Capanema, que ela lente de F ísica da E s ­
cola P olitécnica, disse-lhe o general P o lid o ro :
— T om e lá as suas m áquinas, que não p r e s ta m ...
O dr. Capanem a, recebendo os aparelhos, fê-los fu n cio ­
n ar à vista do general, explicando-lhe o m odo de se ler o
alfabeto teleg ráfico e a m aneira de se pôr em m ovim ento o
m anipulador. D en tro de alguns m inutos fazia-se a corres­
pondência. D ian te de ta is fatos, os aparelhos voltaram de
novo ao q u artel da ru a dos Barbonos, onde foram feitas,
satisfato riam en te, novas experiências.
E usébio de Q ueirós m andou chamar o dr. Capanema,
reco m en d an d o -lh e:
— O d o u to r está encarregado de fazer uma linha te le ­
gráfica.
Capanem a objetou que não lhe era possível executar
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 187

sem elhante trabalho no Rio de Jan eiro , onde os recursos de


m aterial escasseavam. O m in istro retrucou-lhe, co n fia n te:
— E sto u resolvido a conceder-lhe tudo quanto fô r p re ­
ciso para que to rn e realid ad e o estabelecim ento do te lé ­
grafo no Rio. P ara isso, desde já o nomeio encarregado da
execução dêsse im p o rtan te trabalho. A m anhã sai um navio
para a E uropa. M ande-m e nota do que necessita para fazer
as encom endas.
Seis meses depois, chegava o m aterial. Com o concurso
dos presos da Casa de C orreção, iniciou-se a construção da
lin h a subterrânea, que p artia dos terren o s da q u in ta da
B oa V ista e term inava no campo de S ant’Ana, no edifício
do Q u artel G eneral. N êsse árduo trabalho, m uito auxiliaram
o dr. Capanema, Jo sé Jo aq u im de O liveira, E rn esto Gomes
M oreira M aia e B ento Jo sé R ibeiro Sobragí, en tre alunos
da E scola P olitécnica.
O serviço foi in augurado a 11 de M aio de 1852, pondo
em contacto o Q u artel G eneral com o palácio da q u in ta da
B oa V ista.
E stev e o dr. G uilherm e Schuch, depois barão de Ca­
panem a, na direção dos telégrafos, de 1852 a 1889, deixando
já o lito ra l do B rasil provido de linhas teleg ráficas em tôda
a sua extensão.
A 27 de M arço de 1855, sendo m in istro da J u stiç a Na-
buco de A raujo, foi publicada a lei que dava instruções p ro ­
visórias para a organização do serviço e criava um a re p a rti­
ção para êsse fim , com um direto r, um ajudante, um escri­
tu rá rio e um po rteiro , passando a mesma a fu n cio n ar na
praça da Aclam ação, n.° 39.
A s prim eiras linhas teleg ráficas construídas foram as
de Rio a P etró p o lis e as de Rio ao farol de Cabo F rio —
aquela inaugurada em 1857 e esta em 1864. D u ran te os p r i­
m eiros oito meses, a linha de P etró p o lis tinha fran q u ia g ra ­
tu ita , passando, depois, a ser cobrada a taxa de 80 réis por
v in te palavras.
B elos tem pos!. . .
188 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

Novo chefe de Polícia — Dr. Alexan­


dre Joaquim de Siqueira — (1853).

No dia 22 de A bril de 1853 é nom eado chefe de P o lícia


in terin o o dr. A lex an d re Joaquim de Siqueira, que foi efe­
tivado a 23 de Setem bro e exonerado a 5 de M arço de 1854.
A Políicia do dr. Siqueira, en tre 10 e 21 de M aio de
1853, não descansou dia e noite, solicitada que era, a cada
m om ento, para p restar socorros à população, em v irtu d e do
trem endo tem poral que desabou sobre a cidade, ocasionando
trê s desm oronam entos na freg u esia do S acram ento; 26, na
de São Jo sé ; 18, na de S anta R ita ; 16, na do E n g en h o V e­
lh o ; 68, na da Glória.

Um professor público condenado a ga­


lés perpétuas — Erro judiciário?

E m M arço de 1853, os jo rn ais anunciaram que no lu g ar


denom inado Gruta âos Çuilômbolas, em Santa T eresa, ha­
via aparecido um cadáver em com pleto estado de p u trefa­
ção. N ão tin h a pernas, parecendo que haviam sido devora­
das p o r anim ais. A d ian te do cadáver, foram encontrados
vários objetos, como um copo, um frasco, um lenço e um
chapéu, d en tro do qual havia um papel onde se lia o nome
de R icardo Jo sé da Silva.
F eito o exame cadavérico externo, nada se encontrou
que se pudesse a trib u ir a um crime, mas, estudadas as vís­
ceras pelos drs. A ntônio Jo sé P e re ira das Neves e F ra n ­
cisco de Souza Lem os, verificou-se nelas a existência de
apreciável q u an tid ad e de arsênico.
L endo nos jo rn ais a notícia do aparecim ento dêsse ca­
dáver, A n tô n io F erre ira M arques, fe ito r de Jo ão Joaquim
M arques de C astro, foi depôr à P olícia, dizendo que, na se­
g u n d a ou terça-feira, 7 ou 8 de M arço, passando pela es­
tra d a do Encanam ento, ao pé da caixa grande, encontrara
um p reto olhando aten tam en te para o mato. P erg u n tan d o -
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 389

lhe o que alí fazia, o p reto respondera que estava vendo um


bêbedo vom itando m uito. Levado por curiosidade, en tro u no
m atagal e viu um m ocinho, branco, sem barba, m agro, dei­
tado em um a grota, servindo-lhe de travesseiro um rodaque
preto, de alpaca ou de m erinó. O moço vom itava com ân­
sias; e, enquanto isto se dava, um homem alto, gordo, de
barba cerrada, cabelo cu rto e ren te, m ais ou m enos de 40
anos de idade, estava ao seu lado dando-lhe a beber um
líquido, d iz e n d o :
— B ebe m ais um pouco de aguardente, para ver se ficas
m elhor.
O moço continuava sem pre a lançar, deixando-o então
assim o depoente, que foi tra ta r de seus afazeres.
D om ingo, à noite, ouvindo dizer que na Gruta dos Qui-
lômbolas tin h a aparecido um cadáver, ligara o fato ao an te­
rio r, e, indo até à grota, reconhecera o cadáver do m ocinho.
E stav am assim as coisas, enquanto a mãe do m enor R i­
cardo Jo sé da Silva, de 14 anos, sacristão da ig reja da Can­
delária, o procurava por tôda a p arte e indagava de seu
desaparecim ento, visto como, por duas vezes, o m enino já
havia te n tad o co n tra a p ró p ria existência, declarando m es­
mo que um dia fu g iria de casa p ara nunca m ais a ela voltar.
E n tre os conhecidos que frequentavam a casa da mãe
de R icardo, estava o p rofessor público M iguel José da
Cunha. In d o à casa dessa senhora, encontrou-a um dia
aflita, dizendo-lhe que R icardo havia desaparecido e p e­
dindo-lhe a ajudasse a procurá-lo.
O pro fesso r foi a vários pontos, como ao q u artel do
campo de S an t’Ana, ao do largo do M oura, a bordo de uma
corveta que saía para a Baía, e nada de en co n trar o menino,
com quem tinha, aliás, relações de am izade e a quem tra ­
tava de sobrinho.
E is que surge nos jo rn ais a n o tícia do aparecim ento do
cadáver a que acima já referim os.
O professor apressa-se a ir à P olícia, para se in teirar
do fato e lá encontra o feito r A ntônio F erre ira M arques,
que afirm ou ter sido êle, professor, o homem a quem havia
encontrado ju n to do menino.
E stava, pois, perdido o professor.
190 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

D etido, e dada uma busca em sua casa, na ru a do C as­


telo, n.° 26, encontraram arsênico, d en tro de um a gaveta,
e um copo igual ao que se achava p erto do cadáver de R i­
cardo.
A opinião pública não teve m ais dú v id as: — fôra o
professor o au to r da m orte do m enino, mesmo porque ficou
apurado que êle se dava à p rática de vícios abom ináveis.
A 31 de O utubro com pareceu o réu ao trib u n al do J ú ri.
P re s id iu à sessão o dr. C astro M enezes, sendo o con­
selho de sentença con stitu íd o das seg u in tes pessoas: dr.
C ristóvão Jo sé dos Santos, M anuel M artin s M arques, A n ­
tônio F e rre ira Alves, L u ís Caetano P e re ira de M elo, João
Carlos de Souza Jaques, A ugusto Jo sé de Carvalho, B ento
F rancisco P ereira, Jo sé A ntônio da Fonseca Lessa, João
F eliciano da Silva M onteiro, Jo sé P ed ro da Silva P in to e
A ntônio Jo sé Alves Ramos.
P rocedeu-se a longo in terro g ató rio , em que o réu decla­
rou que mo dia em que o feito r afirtmava tê-dd {encqntrado
ju n to a R icardo, estava em N iterói, onde tin h a ido a n e­
gócios, o que foi autenticado por uma testem u n h a que
afirm ou havê-lo, de fato, visto naquela cidade no dia re fe ­
rido — surge o feito r A ntônio F erre ira M arques e ju ra que
não estava enganado, que dizia com segurança, sem fe rir a
sua conciência, que o professor alí p resente, fôra o mesmo
homem que êle havia v isto na Gruta dos Quilômbolas, d an ­
do a beber um líquido ao m enor R icardo.
T erm inados o in terro g ató rio e a le itu ra do processo,
levanta-se o dr. D ias da Mota, advogado do acusado, e faz
um discurso, provando a inocência de seu co n stitu in te, d is­
curso, que, segundo os jornais do tem po, foi a peça oratória
mais eloquente que retum bou na trib u n a ju d iciária.
A sessão durou 26 horas, e, não obstante os esforços do
g rande advogado, foi o réu condenado a galés perpétuas,
sendo que, p o r um voto, tê-lo-ia sido à m orte.
A opinião pública estava satisfeita. Os ju rista s porém,
p e rg u n ta v am :
— Q uem sabe se essa condenação não é m ais um êrro
ju d iciário ?
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RiO DE JANEIRO 191

Cum pre acrescentar que o jovem envenenado era irm ão


do poeta L au rin d o Rabelo.

O crime do escravo Simão.

Em 10 de O utubro de 1853 F rancisco da C osta Tibau,


m orador na ru a Nova do Conde, n.° 107, dá um soco em seu
escravo Simão.
Ê ste deixa passar alg u n s horas, prepara um facão e in ­
veste contra o seu senhor, arm a em punho. D a-lhe sete gol­
pes na cabeça e so o larga, quando o ve caído e m orto.
O negro foi condenado à m orte em 14 de Novembro.
N a véspera da execução, fez uma corda com as suas
roupas e enforcourse num a das grades da prisão.

Muda-se outra vez a Secretaria da Polícia


— Os chefes de Polícia de 1854 a 1855.

E m 1854 a S ecretaria de P olícia m uda-se para a ru a de


S. P edro, n.° 163, sendo, nêsse ano, a 6 de M arço, nomeado
chefe de P olícia, in terin o , Jo sé M atoso de A ndrade Câ­
mara, que vai até 30 de Ju n h o , sendo su b stitu íd o por Teó-
filo R ibeiro de R ezende, nomeado k 1 de Ju n h o de 1854,
interinam ente, e depois su b stitu íd o por Jerô n im o M arti-
niano F ig u e ira de Melo, que vai até 5 de M aio de 1855.

Os Caminhos de Ferro no Brasil — A pri­


meira lei (1835) — A primeira Estrada d e
Ferro (1854) — Estrada de Perro Pedro II
— (1855).

F oi em 1855 que o govêrno do B rasil votou uma lei da­


tada de 30 de O utubro e assinada por A n tô n io P au lin o
192 MELLO BABBETO FILHO e HERMETO LIMA

L im po de A breu, m in istro do Im pério, auto rizan d o o go­


verno a conceder a uma ou m ais com panhias — que fize s­
sem uma estrad a de ferro da capital do Im pério para as de
M inas G erais, R io G rande do Sul e B aía — o p riv ilég io ex­
clusivo por espaço de 40 anos e outros favores para o uso de
carros para tran sp o rte de m ercadorias e passageiros.
E m 1840 obtinha o dr. Tom ás C ochrane concessão para
um a E strad a de F erro desde o m unicípio da C ôrte até S.
P au lo e M inas.
E m 1852, por lei de 26 de Ju n h o , ficava o govêrno au­
torizad o a conceder a um a ou m ais com panhias a co n stru ­
ção de um a estrada de ferro que, p artin d o da C ôrte, fôsse
te rm in ar nos pontos das províncias de S. P au lo e M inas.
A 12 de ju n h o do mesm o ano, assinado p o r G onçalves
M artin s, m in istro do Im pério, aparece um d ecreto conce­
dendo a Irin e u E van g elista de Souza o “ privilégio exclusivo
p o r 10 anos para a navegação por vapor en tre esta cidade
e o ponto da praia do m unicípio da E stre la em que com e­
çar o cam inho de ferro, que se propõe co n stru ir no mesmo
m unicípio, até à R aiz da Serra.”
D ois anos depois, isto é, a 30 de A bril de 1854, inau-
gurava-se a p rim eira estrad a de ferro do B rasil e que tam ­
bém, era a p rim eira na A m érica do Sul.
T ão im p o rtan te ato não podia deixar de ser revestido
de g rande solenidade. A lém de s. m. o im perador e tô d a a
sua fam ília, com pareceu o m arquês do Paraná, p resid en te
do Conselho.
Às 11 horas começou a cerim ônia. A locom otiva foi
benta pelo cônego Chaves, seguindo-se o discurso de Irin eu ,
que assim term inou, dirigindo-se ao im perador: “ D ignai-
vos, Im p erial Senhor, de acolher os ardentes votos que faz
a d ireto ria da Com panhia que leva a efeito no B rasil a p r i­
m eira E s tra d a de F erro pela glória do reinado de V ossa
M ajestade, pela v en tu ra da A ugusta Fam ília Im p erial e
p ela pro sp erid ad e da grande nação cujos destinos se acham
confiados a alta sabedoria e paternal solicitude de V ossa
M ajestade.”
A êste discurso, respondeu s. m .: “ A d ireto ria da E s ­
tra d a de F e rro de Mauá pode estar certa de que não é m enor
,I
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 193

° meu jú b ilo ao tom ar p arte no começo de uma em prêsa que


tanto há de anim ar o com ércio, as artes e a in d ú stria do im ­
pério.”
T erm inado o discurso de s. m., a locom otiva deu o sinal J
de p a rtid a ; todos em barcaram e, den tro de 23 m inutos, che­
gava ao Fragoso, ponto term inal. Aí o m arquês do P araná
conduziu Irin e u à presença do im perador, que nêsse dia
lhe concedeu o títu lo de B arão de Mauá.
Em 1855, tiveram início os trabalhos da construção da
segunda E strad a de F e rro do B rasil, a P ed ro I I, então p er­
tencente a um acom panhia sob a direção dos drs. C ristiano
B enedito O toni, R oberto Jo rg e H addock Lobo, Jerônim o
José T eix eira Ju n io r, desem bargador A lexandre Joaquim
de Siqueira e João B a tista da Fonseca.
A 29 de ju lh o , aniversário da princesa Isabel, procedeu- *
se à cerim ônia da prim eira pedra da estação, que foi colo-
cada pelo im perador, tendo antes lançado a bênção sôbre
o local o bispo, conde de Irajá.
A 29 de m arço de 1858, inaugurava-se o tráfego até
Queim ados, 44 quilôm etros. Às 9 horas dêsse dia chegava o
bispo capelão-m or, acom panhado do seu cabido, e dentro
em pouco a estação se achava rep leta de convidados. Sua
m ajestade chegou às 10 horas, sendo recebido à p o rta pelos
membros da d ireto ria da Companhia. Procedeu-se à bênção
da locom otiva “ B aronesa”, pelo bispo d. M anuel do M onte,
e tom ou a palavra o dr. B enedito O toni, a cujo discurso
s. m. respondeu:
“ Srs. direto res — disse — a nação reconhece vossos
perseverantes esforços a bem de uma em prêsa de tan ta im ­
portância para êste vasto im pério; possuído do m aior jú ­
bilo pelo acontecim ento esperançoso que hoje todos ap lau ­
dimos, rogo a D eus me conceda uma longa vida, para ver
os brasileiros sem pre am igos, sem pre felizes e cam inhando
com a velocidade cada vez mais crescente da civilização
para o b rilh an te fu tu ro que a P rovidência nos destin a.”
Às 10 horas e m eia largou o prim eiro trem . U m quarto
de hora depois devia te r p artido o segundo; mas um incon­
veniente fê-lo seguir um quarto depois do m eio dia.
Para p erp etu ar a data de tão g rande acontecim ento foi
14
194 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

gravada e cunhada na Casa da M oeda uma m edalha da qual


se fu n d iram duas de ouro destinados aos im p e ra n te s ; 6 de
prata, aos m inistros, e 25 de cobre, aos d ireto res e o u tras
pessoas gradas.
O tráfeg o foi inaugurado com o seg u in te m a te ria l: 10
locom otivas, sendo qu atro para passageiros; 9 carro s para
passageiros de l.a classe; 16 para de 2.a, 16 para de 3.a e 100
vagões p ara tran sp o rte de m ercadorias.
Como a In g la te rra guarda a p rim eira locom otiva de
Stephenson, a E stra d a de F erro P ed ro I I g u ard a tam bém
ainda hoje, a “ B aronesa”.
D êsse ano em diante, com eçaram os cam inhos de ferro
a desenvolver-se no B rasil, tom ando m aior in crem ento após
o período da proclam ação da República.
A p a rtir da sua inauguração até o presente, a C en tral
já teve os seguintes d ireto res: C ristiano B enedito O toni,
B ento Jo sé R ibeiro Sobragí, M ariano P ro có p io F e rre ira
Lage, barão de A ngra, F rancisco P e re ira Passos, H erculano
Veloso P ereira Pena, M iguel Noel N ascentes B u rn ier, Jo sé
E ubank da Câmara, E ugênio A driano P e re ira da C unha e
Melo, Jo ão C rockatt de Sá P e re ira de C astro, ten en te-
coronel A ntônio Geraldo de Souza A guiar, coronel V es-
paziano de A lbuquerque e Silva, m arechal Jerônim o d e M o­
rais Jard im , A ndré Gustavo P aulo de F ro n tin , A lfred o E u ­
gênio de A lm eida M aia, Gustavo A dolfo da Silveira, Ga­
briel O sório de A lm eida, M iguel R ibeiro A rro jad o Lisboa,
M arciano de A g u iar M oreira, B arbosa Gonçalves, C aetano
Lopes Ju n io r, Joaquim de A ssis R ibeiro, João de C arvalho
A raujo, Rom ero F ernando Zander, Luís C arlos jda Fonseca,
A ristó teles de Lim a Câmara, A rlin d o R ibeiro da Luz, L u ­
ciano V eras, João de M endonça Lima, A lb erto F lo res,
V aldem ar Luz e m ajor Napoleão de A lencastro G uim arães.

O primeiro desastre na Estrada de


Ferro Pedro II.
A in d a não contava um ano de sua inauguração a E s­
trada de F erro P ed ro I I , quando ali ocorreu o p rim eiro de-
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO

sastre de consequências graves. F o i no dia 20 de F ev ereiro


de 1859. O in sp eto r g eral do tráfeg o , capitão H orácio da
Gama M oret p erco rria a linha, entre as estações d e M axam-
bomba e Q ueim ados, num a locom otiva, em com panhia do
in g lês Isac H ow ard, co n tra tan te d a construção de alojam en­
tos para os ferroviários, quando, em certo ponto do p er­
curso, a m aquina salto u violehtam ente dos trilh o s e
tom bou.
E m consequência do acidente faleceram os dois citados
viajan tes e ficaram g ravem nte ferid o s o m aquinista, o fo-
g u ista e os trab alh ad o res da via perm anente A ntônio de
F re ita s e B asílio Jo sé Gomes.

O Carnaval em que houve o último entrudo.

A té o ano de 1852 os folguedos carnavalescos no Rio


de Ja n e iro constavam do entrudo, origem não só de m olés­
tia s graves, mas tam bém de co n flito s de tôda ordem, e que
exigiam , a cada passo, a intervenção da Polícia.
E ra em vão que a im prensa pedia aos poderes públicos
que se acabasse com tal selvajaria.
Chegou, afinal, o C arnaval de 1853, e, com espanto de
todos, os jo rn ais publicavam o seg u in te:
“ F ica proibido o jo g o do en tru d o ; qualquer pessoa que
jo g a r in c o rre rá na pena de quatro a doze m il ré is; e não
tendo com que satisfazer, so frerá de dois a oito dias de
prisão. Sendo escravo, so frera oito dias de cadeia, caso seu
senhor não o m andar castig ar no calabouço com cem açoi­
tes, devendo uns e o u tro s in frato res serem conduzidos pe­
las rondas policiais à p resen ça do ju iz para ju lg a r à vista
das p arte s ou testem unhas que presenciaram a infração.
A s laran jas de en tru d o que forem encontradas pelas
ruas ou estradas serão in u tilizad as pelos encarregados das
rondas fiscais. Aos fiscais com seus guardas tam bém fica
pertencendo a execução desta pena. E p ara constar faço
público o cum prim ento da citada portaria.
' . ..'T'", ...'jSpi-í

196 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

Rio de Jan eiro , 4 de F evereiro de 1853 — A ndré M en­


des da Costa, fiscal da freg u esia da C andelária” .
M au grado essa proibição o povo, às escondidas, jogava
os lim ões de cheiro, quando não eram baldes de água suja.
O p ro p rietário do H otel Inglês, que m orava na rua de
São José, teve que reag ir a pauladas contra um caixeiro de
um estabelecim ento da ru a do O uvidor, por te r atirad o so­
b re êle uma porção de água já servida.
E n tre ta n to , não se deixou de obedecer em p arte ao
edital, pois foi m uito restrito , nesse ano, o jôgo do entru d o .
E n tre as casas desse tempo, que vendiam m áscaras e
vestes carnavalescas, a m ais notável era a casa do E ugênio,
que ficava na rua dos L atoeiros n.° 87, hoje G onçalves Dias,
esquina da ru a do R osário.
O E ugênio anunciava que na sua cása tin h a tôdas as
espécies de vestim entas carnavalescas: dom inós de setim ,
tra je s de D ebardeurs, de Chicards, de palhaço e m áscaras
de aram e, setim , cera e papelão”.
D izia também que havia escolhido, para se estabelecer,
aquele local, a pedido de várias pessoas, por te r saída oculta
e m uitas não gostarem de ser vistas.
Q uanto a bailes carnavalescos, poucos foram os dêsse
ano. A ssinalam os jo rnais do tempo, o do Teatro Provisório
e do Paraíso, no H otel do Nicola.
O p rip rietário dêsse hotel declarava que o custo de
cada ceia era de 1$600, por pessoa, e que a m esm a se com­
p u n h a de trê s pratos, a escolher, um a g arrafa de B ordéus
ou de Lisboa e pão à vontade.
P arece que os foliões era ali que iam dar expansões
aos seus prazeres.
No ano de 1854 o entrudo estava em franca decadência,
graças à energia do chefe de P o lícia A lexandre Joaquim
de Siqueira, podendo dizer-se que foi nessa d ata que êle
desapareceu para sempre.
H ouve bailes no Provisório e espetáculo no S. Pedro,
que levou a peça A Dama de S. Tropez, sendo o papel de
M aurício desem penhado por João Caetano.
O espetáculo foi com pletado pela com édia Um passo a
dois e outro a quatro e pela farça Os dois tambores.
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 197

O E ugênio continuava a vender as suas m áscaras e ves­


tim entas na rua dos L atoeiros. N êsse ano êle fez o seu an ú n ­
cio em versos:
“Rapazes, alerta, alerta.
Folgazões, bons pagodeiros.
Correi à casa do Eugênio
Na esquina dos Latoeiros.

Lá vereis, com galhardia,


R icos pierrôs, debardores,
Polichinelos, druidas,
Guerreiros e mais pastores.

D om inós e vivandeiras,
Turcos e americanos,
H otentotes e mais chineses
Com seus cachimbos e abanos.

M uitas outras vestim entas


Seria longo narrar;
Máscaras, penachos e fitas
Não se póde ali contar.

A respeito de aluguel
O careca é barateiro
É machacaz generoso
Gosta m uito de dinheiro”.

N essa época a cidade não era ainda ilum inada a gás,


m elhoram ento êsse inaugurado em M arço dêsse ano, sendo
as ruas de S. P ed ro , Sabão, Rosário, O uvidor e D ireita as
prim eiras contem pladas.
O C arnaval de então, era, quase todo feito no largo da
C on stituição (hoje praça T irad en te s) onde o povo se reu n ia
p ara os folguedos.
Foi, pois, o carnaval do ano de 1854 o últim o em que
houve en tru d o na cidade.
O carnaval do ano seguinte iniciou o período dos prés­
titos.
198 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

Filósofo do cáis

No ano de 1854 ninguém m ais p o p u lar do que Jo ão M a­


tias S chindler, alcunhado, no R io de Ja n e iro , o F ilósofo do
cáis, chegado a esta cidade em 1824, com os alem ães co n tra­
tad o s para o serviço m ilita r no B rasil.
E scragnole D oria, sem pre lum inoso e eru d ito , inform a
que êle “ p a rtiu com a tro p a estran g eira p ara o R io G rande
do Sul onde, desgostoso com in trig a s de com panheiros de
arm as, afastou-se das fileiras.”
E daí, descrevendo a sua vida, p o sterio rm en te, no Rio
de Jan eiro , acrescenta:
“ E n tran h o u -se no m ato, perdeu-se, alí su rp reen d id o em
m iseráveis condições físicas por índios. C onduziram
m S chindler à sua taba, mas qual não foi a su rp re sa do p ri­
sioneiro, achando a trib u governada p o r um francês de
P erp ig n an , De P reux, havia m u ito s anos e n tre selvagens.
D e índia recebera o estranho chefe filh a p o r êle cham ada
A lice e pelos índios E titip á . D ois anos depois m o rria De
P reu x , su b stitu íd o por S chindler.
Enam orada, querendo conquistar afetos, propinou-lhe
E titip á filtro amoroso. S entindo-lhe efeito s após longo
sono, S ch in d ler fu g iu desvairado, vagueou nos m atos até
chegar a cafezal de propriedade de alem ão cham ado F re ­
derico, com panheiro do fu g itiv o no R io G rande do Sul.
D á-lhe no tícia o com patriota de cartas p ara S chindler
chegadas ao R io Grande. Vão buscá-las ao correio da cidade
p ró x im a ; S chindler recebe duas m issivas, reconhece-as, são
de E rm elinda, a an tig a apaixonada.
F red erico conduz o am igo a um hotel onde, tal a como­
ção recebida, S chindler ficou sem fala p o r um qu arto de
hora, no m aior abalo. D uas as cartas. L id a a p rim eira com
su rp resa e jú b ilo , passou S chindler à segunda, deixando-a
cair, após g rito horrível, saltando a janela, desaparecendo.
A p rim eira m issiva anunciava a viuvez de E rm elin d a, a se­
g u n d a a m o rte da mesma, co n stitu íd o S ch in d ler herd eiro
universal de grandes cabedais.
F red erico esperou S chindler, retiran d o -se p ara a sua
íjffl f

H ISTÓ R IA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 199

fazenda, baldadas as esperanças de encontrá-lo. A nos depois


surg ia S ch in d ler no R io de Jan eiro , esm olando p o r certas
e determ inadas casas, dizendo-se contudo p ossuidor de fa ­
bulosos tesouros.
A lienado manso, pedia com ida às qu itan d eiras do largo
do M oura, sem lhes pagar, mesmo tendo dinheiro. Só o acei­
tava de cobre, pretendendo-se rico. Q uando o dinheiro em
cobre era m uito, trocava-o por papel-m oeda, em brulhado
no lenço que lhe tran sp o rta v a algum as cam isas para m udar.
C erta vez aju n to u cento e q u aren ta m il réis, subtraídos
provavelm ente quando S ch in d ler dorm ia sôbre lagedos de
igrejas.
O fereciam diversas pessoas a S ch in d ler refeição e p o u ­
sada. Recusava, em bora m uitos insistissem m ais p o r estim a
que com paixão. P re fe ria vagar dia e noite, sobretudo pelo
cáis do larg o do Paço.
Nos ú ltim o s anos de existência, por intervenção p o li­
cial, an u iu S ch in d ler a com er e dorm ir em casas de pessoas
que o apreciavam .
N a lu a crescente dobrava o desvario de S chindler. E s­
crevia incessantem ente nos seus cadernos. C alculava ju ro s
de capitais na A lem anha, anotava correspondência com pes­
soas dos paises por êle visitados, rep ro d u zia diálogos tra ­
vados en tre êle, quitandeiros, m oleques, guardas e pedes­
tres, até um diálogo com um m édico desejoso de m agne­
tizá-lo”.
T erm in a o au to r do opúsculo sôbre S ch in d ler in fo r­
m ando te r êste adoecido de tifo em A bril de 18S5, falecendo
na Santa Casa da M isericórdia após oito dias de dolorosos
sofrim entos, “ deixando a seus benfazejos fregueses a p ro ­
fu n d a m água de o não terem podido acom panhar ao últim o
jazigo. N inguém conhece onde foi sepultado, m as sabe-se
que a profecia da velha adivinha plenam ente se cum priu.”
D úvidas acirram pesquisadores, dois dêles A lex an d re
H ass e R estier Gonçalves, nomes caros e estudiosos. S er­
vindo o prim eiro, obteve o segundo, auxiliado pelo prove­
dor da S an ta Casa, dr. M iguel de Carvalho, do liv ro 11,
folha 142, de reg isto de óbitos do cem itério de São F ra n ­
cisco X avier, o registo n.° 5.511, de 26 de M aio de 1855:
200 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

“ João Jacó M atias S chindler, de 58 anos de idade, so l­


teiro, de nação Bávara, faleceu no H ospital da S anta Casa,
de febre tifó id e, foi sepultado na V ala dos L ivres, q u a­
dra n.° 4.”
Dos anexos ao reg isto , evidencia-se ter S chindler, em
30 de A b ril de 1855, entrado para o hospital onde faleceu.
R em etido p ara o cem itério a 26 de Maio, no mesmo dia teve
sepultura.
P obre barão de S c h in d le r! Na vala comum, nem sete
palm os de te rra exclusivam ente seus!”

Praia Grande.

Contem porâneo do F ilósofo do Cáis era o P ra ia


G rande.
A lto, m agro, sem pre de cartola e pensativo, a cam inhar,
desde m uito cedo, pela borda do cáis do largo do P aço
(h o je praça 15 de N ovem bro), o pobre dem ente não dizia
o u tra coisa que não fôsse — Sou c h e fe ... Sou c h e fe .. . ou
Que belos!.. . Que belo s!.. . A m olecada tom ou conta do
in feliz. Êle exasperava-se, tinha acessos, reagia, até que v i­
n h a a P o lícia em seu auxílio. A s quitandeiras, que se abo­
letavam nas im ediações do cáis, condoídas, davam -lhe a li­
m ento.
Um dia foi encontrado m orto nas proxim idades do arco
do Teles. A s quitandeiras, desta vez, acenderam duas velas
ju n to ao seu carpo in an im ad o .. Veio a P o lícia e levou o
c ad á v er. . .
Chamavam-lhe P raia Grande. N inguém sabe porque.

Falecimento do ex-intendente geral


da Polícia José Clemente Pereira.

Q uase ao fin d ar do dia 10 de M arço de 1854, um acon­


tecim ento en lu to u a cidade, causando profunda e geral cons­
ternação.
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 201

O barao do Rio B ranco regista-o nas E f e m é r id e s B r a ­


s ile ir a s :
F alece subitam ente o conselheiro Jo sé Clem ente P e ­
reira, nascido em P o rtu g a l a 17 de F evereiro de 1787. A b ra­
çando sinceram ente a causa do B rasil, foi um dos que mais
trab alh aram pela independência de nossa p átria como p re­
sid en te do Senado da Camara do Rio de Janeiro
No gabinete de 20 de Novembro de 1827 sub stitu iu a
P e d ro de A raujo Lim a (depois m arquês de O linda) na
p asta do Im p ério e a 5 de A gosto de 1829, ocupou, in terin a­
m ente, a pasta da G uerra, tendo sido processado por motivo
do exercício de tal cargo, em que lhe foram apontados g ra ­
ves abusos de poder, mas em 1832 foi subm etido a ju lg a ­
m ento p eran te o Senado e absolvido unanim em ente. E m
1842 tom ou assento na Câm ara do Im pério, como represen­
ta n te da p rovíncia do P ará, tendo sido eleito também por
A lagoas e pelo Rio de Jan eiro . Como deputado, chegou
i^ u a lm e n te a ser eleito por três províncias (R io de J a ­
neiro, S. P au lo e M inas) e foi um dos autores dos projetos
de que resu ltaram o C ódigo Com ercial do Im pério do B ra­
sil. A lém dos serviços políticos, outros ainda assinalados
p re sto u êle como provedor da Santa Casa de M isericórdia,
pois foi d u ran te a sua adm inistração e mercê de sua in i­
ciativa, que se fu ndou o H ospício P ed ro II, onde existe a
sua estátu a em m árm ore, feita por P etrich . Jo sé Clem ente
P ere ira , a exem plo dos A ndradas, não teve nenhum títu lo
*•' n o b iliárq u ico ; mas a sua viuva, recebeu o de condessa da
P ied ad e, p o r ato de 13 de M arço de 1851.
O conselheiro Jo sé Clem ente P ereira foi, como já se
viu, o su b stitu to do conselheiro T eix eira de A ragão na I n ­
ten d ên cia da Polícia, de Novembro de 1827 a 15 de Ju n h o
de 1828, quando se deu a queda do M inistério, como conse,-
quên cia da revolta dos m ilitares.
A cidade do Rio de Jan eiro deve a Jo sé Clem ente se r­
viços de relevância: o encanam ento das águas da L agoínha
e das P a in e ira s; a construção dos chafarizes de São C ris­
tóvão, do Cosme V elho e das L aran jeiras; m elhoram entos
dos b airro s do C atete, da G lória e de M aracanã; sanea­
m ento de lagoas; calçam ento e ilum inação de vias públicas;

Ba

: ...... ■'" '


202 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

fundação de dois hospitais, um deles o H ospício de A lie-


inados, solenem ente inaugurado a 3 de D ezem bro de
1852; etc.
O corpo dêsse em inente vulto, não só da H istó ria da
P o lícia do R io de Jan eiro , mas da H istó ria do B rasil, tão
rep en tin a e inesperadam ente desaparecido do cenário da
vida, foi sep u ltad o no quadro n.° 9 do cem itério de São
F rancisco X avier, tendo a Irm andade da S anta Casa de M i­
sericó rd ia m andado levantar-lhe sôbre a sep u ltu ra um a r ­
tístic o m ausoléu encim ado pela fig u ra sim bólica da P ie ­
dade.

Duas grandes novidades empolgam a


população do Rio de Janeiro — Inaugura-
se a iluminação a gás e aparece a primeira
máquina de costura.

D uas grandes novidades em polgaram a população do


Rio de Jan eiro no ano de 1854.
E m M arço, a 26, inaugura-se a ilum inação a gás, na
cidade.
A s prim eiras ruas ilum inadas foram as de São P edro,
do Sabão, R osário, O uvidor e D ireita e o largo do Paço.
T ôdas se achavam apinhadas de povo, a adm irar a nova ilu ­
minação, que consideraram fe éric a ...
T rê s dias após, a M unicipalidade resolve pro ib ir o trâ n ­
sito de veículos pela rua do O uvidor, das 6 da tard e às 11
da noite.
A 1 de Setem bro de 1854 o sr. Bessem onte, negociante
na ru a do R osário, anuncia ao povo que começará, dêsse dia
em diante, a exibir uma engenhosa m áquina, que costura
m aravilhosam ente. -
O povo adm ira a m áquina que cose e sái realm ente m a­
ravilhado da casa do sr. Bessem onte.
E ra a prim eira m áquina de costura que aparecia no
B rasil.
I
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 203

Preso um sacerdote por celebrar meia


dúzia de missas por dia.

No dia 12 de Dezem bro é recolhido à cadeia do A ljube


um sacerdote.
P o r que foi preso o padre?
P orque, co n trariam en te aos preceitos de sua religião,
celebrava p ara a u fe rir lucros, três, quatro, cinco e, se fôsse
possível, m eia dúzia de m issas por dia.
Subm etido a ju lg am en to , foi condenado a três anos de
prisão.

O ano da cólera — (1855) — O impera­


dor visita, pessoalmente, os coléricos —
A operosidade da Polícia.

O u tro ano té tric o para o Rio de Jan eiro foi o de 1855.


E m J u lh o dêsse ano a cidade foi invadida pela terrív el ep i­
dem ia da cólerà, que, em Setem bro, assum iu proporções
alarm antes, devastadoras.
A s au to rid ad es san itárias im provisaram enferm arias em
vários recantos urbanos, requisitando, para isso, edifícios
p articu la res e públicos, inclusive o do paço m unicipal, m e­
diante enten d im en to com o presid en te da Ilu stríssim a Câ­
m ara e onde os edis cariocas acordaram estabelecer, à sua
custa, enferm arias p ara os in d ig en tes e praças do E xército ,
que foram , em g ran d e núm ero, atacadas pelo mal asiático.
Com abnegação digna de registo, incum biram -se do serviço
médico, nessas enferm arias, os vereadores H addock Lobo,
A ntônio Jo sé G onçalves F ontes (p o sterio rm en te barão do
Rio D oce) e F ran cisco Lopes da Cunha, au x iliad o s eficaz­
m ente pelos acadêm icos de m edicina Jo sé Joaquim de Gou-
vêa, Joaquim A n tô n io de O liveira B raga Jú n io r, Jo sé D ias
P in to de F ig u eired o , F rancisco de P au la L ázaro G onçal­
ves e L u iz de Q u eiro z M atoso M aia e pelo capitão padre
B ernardo Jo sé Camelo.
204 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

As providências no sentido de m in o rar os sofrim en to s


das classes d esp ro teg id as não se lim itavam às do govêrno.
N egociantes, capitalistas, m édicos, sacerdotes, fu n cio n ário s
públicos e pessoas do povo, quer in d iv idualm ente, quer or­
ganizando com issões, procuravam a u x iliar a obra de assis­
tência aos enferm os, seguindo à risca as recom endações das
au to rid ad es san itárias no ataque à propagação do m al. A
Santa Casa de M isericó rd ia presto u relevantíssim os serv i­
ços, p ro n tifican d o -se a custear tôdas as enferm arias p ú b li­
cas de in d ig en tes. D. M anuel do M onte R o d rig u es de
A rau jo (C onde de Ira já ), bispo do Rio de Jan eiro , no dia
25 de Setem bro de 1855, em pessoa, esm olou pelas ruas do
centro com ercial da cidade e recom endou preces públicas
em tôdas ás ig rejas e capelas, im plorando a m isericó rd ia
divina.
No dia 27 de Setem bro, quando a epidem ia parecia a tin ­
g ir ao auge, d. P ed ro I I resolveu ir, pessoalm ente, inspe­
cionar os serviços de socorros à população. A p ropósito
dêsse gesto do inolvidável im perador do B rasil, o jo rn al
carioca Correio M ercantil publicou a seg u in te n o tícia:
“ Sua m ajestade o im perador, acom panhado do exmo.
sr. m in istro do Im pério, o exmo. sr. m arquês de P araná,
provedor da S anta Casa da M isericórdia, dos seus sem aná­
rios e do com endador M anuel C orrêa de A guiar, m ordom o
da mesma S anta Casa, v isitou ontem todas as enferm arias
fundadas nesta C ôrte, para acudir tôdas as pessoas acom e­
tid as da epidem ia rein an te. Sua m ajestade o im perador foi
prim eiro à enferm aria de B ragança e daí à do recolhim en­
to da Santa Casa da M isericórdia, depois à do prédio na­
cional ck^ largo da L ap a; em seguida à da Lagôa e dali
à da praia V erm elha. D êste ponto regressou à C ôrte e v i­
sito u as enferm arias colocadas no paço da Ilu stríssim a Câ­
m ara M u n icip al; a do L ivram ento, na S aúde; a da rua Nova
do C onde; a da B abilônia e a do M urundú, na po n ta do
C ajú ; cada enferm aria foi perco rrid a por sua m ajestade
duas e trê s vezes. Não foi uma visita de m ero aparato. Sua
in ajestad e dem orou-se no meio dos doentes, fez as mais
m inuciosas indagações e conversou com quase todos, um por
um. A nim ou-os com sua presença e com suas palavras, e
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 205

d istrib u iu algum as esmolas. D izem -nos pessoas que estive­


ram p resen tes que foi um ato verdadeiram ente edificativo
êsse que exerceu o augusto m onarca. Sua m ajestade reco-
lheu-se ao seu palácio quase às cinco horas da tarde, tendo
dêle saido às nove e meia da m anhã.”
F o i notável a operosidade da P olícia do Rio de Janeiro
d u ran te todo o período em que a cidade foi assolada pela
epidem ia da cólera. E m relató rio s e outros docum entos da
época, sobressai, m u itas vezes, o nome do delegado da P o ­
lícia da C ôrte, dr. H erm enegildo da Costa Xavier de Mo­
rais, que foi de inexcedível dedicação nos socorros às fre ­
guesias de fo ra da cidade.

E x t e r m í n i o d e u m ã f a m ília e m M a ca é
— M o t a C o q u e ir o .

F o i ainda nêsse ano que se deu em M acaé o exterm ínio


de um a fam ília in teira, sendo apontado como m andante do
tenebroso crim e M anuel da M ota Coqueiro.
F o lh ean d o os papéis existen tes no A rquivo da Secre­
ta ria de P o lícia datados de Jan eiro de 1854, deparam-se-nos
trê s ofícios relativ o s a M anuel da M ota Coqueiro.
N o p rim eiro ordenava o chefe de P olícia ao coman­
dan te da fo rtaleza de S anta Cruz que entregasse o senten­
ciado M ota C oqueiro ao alcaide João C orrêa dos S antos; o
segundo era d irig id o ao adm inistrador da Casa de Cor­
reção, afim de ser alí conservado M ota Coqueiro, “ devendo
ser exercida sobre o d ito prêso a mais severa e escrupulosa
vigilância, conform e determ inou o govêrno im perial” ; e o
terceiro , de 1 de M arço, assim ex p resso .
“ Ilm o. sr. com andante de P erm anentes — Comunico
a v. ex. que n esta data tenho expedido as convenientes or­
dens ao ad m in istrad o r da Casa de Correção para ser en tre­
gue o sentenciado M anuel da M ota Coqueiro, ao com an­
dante da fôrça, que, em conform idade das ordens do go­
vêrno im perial tem v. ex. dali m andar para o receber e em­
barcar para M acaé. A p ro v eito a ocasião para recom endar
206 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

a v. ex. a m aior cautela e vig ilân cia no dito sentenciado,


aten ta a gravidade de seu crim e. D eus g u ard e a v. ex. —
/ . M. Figueira de Melo, chefe de P olícia.”
N arrem os os fatos.
E m 1855, era um dos m ais im p o rtan tes fazen d eiro s em
M acaé e Cam pos o abastado cap italista M anuel da M ota
Coqueiro.
E n tre o u tras p ropriedades que possuia, tin h a êle uma
no lu g ar cham ado “ Conceição de M acabú”, m u n icíp io de
M acaé.
E m te rra s desta fazenda residia, com sua fam ília um
hom em trabalhador e de nacionalidade portuguesa, cham ado
F rancisco B enedito.
E ra com padre, am igo e p ro teg id o de M ota Coqueiro,
que, para o auxiliar na vida, lhe dera o cargo de fe ito r de
sua fazenda e lhe cedera, sem pagam ento, as te rra s que cu l­
tivava.
P o r m otivo que nunca se soube, B enedito, encontrando
na estrada o seu p ro teto r, deu-lhe uma sova de chicote, dois
dias antes de ser dispensado do serviço de fe ito r da fa-
fcenda.
F oi isto pela manhã. Na no ite dêsse dia, B enedito, sua
m ulher e oito filhos apareceram barbaram ente assassinados,
n a choupana em que residiam , e a mesma em comêço de in ­
cêndio, ex tin to pela chuva que caía.
Levados pelo clarão, acudiram os v izinhos e deram
com os cadáveres da fam ília B enedito, todos m utilados.
N inguém escapou: até um m enino de 10 anos que fu g ira
com a irm ãzinha às costas, fô ra m orto e espetado com um
sovelão.
E spalhou-se a n o tícia te rrív el p o r to d a a parte.
Como fossem encontrados vagando pela estrad a dois
escravos de M ota Coqueiro, cham ados F au stin o e F lo res,
foram êles logo presos, bem como outro, de nom e D o ­
m ingos.
D epois do crim e, M ota Coqueiro desaparecera de M a­
caé e, como lh e constasse que a P o lícia lh e andava ao en ­
calço e o povo o apontava como m andante do crim e, fu g ira,
insinuado p o r conselho de um parente.
TW--

HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 207

As autoridades, levadas pela voz pública, procuraram


p ren d er C oqueiro e ofereciam 5 contos a quem o entregasse
aos policiais.
T raíd o pelo seu pró p rio guia, foi preso na Serra da
A gulha.
C hegado M ota C oqueiro algemado à povoação próxima,
foi preciso co n ter o povo para não o matar.
E ra delegado de p o lícia do m unicípio o dr. A polinário
Jo sé Pacheco, a quem depois foram presentes as roupas dos
assassinados.
Ia a au to rid ad e retiran d o de den tro de um baú as peças
apreen d id as, e à proporção que o fazia, contemplavam todos
os fu ro s pro d u zid o s pelas facadas, os talhos feitos pelos
chicotes. M as o que m ais im pressionou aos assistentes fo­
ram as cam isinhas dos dois m eninos, deixando ver nos
peito s os fu ro s p roduzidos pela ponta do sovelão. E todos
então p ro n u n ciaram frases como estas: — Que covarde
a s s a s s in o ! ... Q ue coração de f e r a ! . .. M atemos M ota Co­
queiro, como êste m atou as crianças. O lho por olho, dente
por d e n te ! . . . .. . .
A opinião pública estava indignada. Não havia indi­
cações ou provas co n tra pessoa algum a, mas era preciso que
se en co n trasse um C risto, para ser sacrificado.
F o ram recolhidos, pois, à cadeia F austino, F lores e D o­
m ingos, que na noite do crim e estavam em Campos, trab a­
lhando em um a padaria e M anuel da M ota Coqueiro.
C o rreu o processo precipitadam ente, sem in terro g ato ­
rio de testem unhas, porque não as havia. Quando M ota Co­
queiro, escoltado, en tro u na sala do jú ri, o povo gritava:
—-M a ta ! m ata! ,
A b erta a sessão pelo respetivo juiz, dr. Jo se de A -
m eida C outo, foi dada a palavra ao prom otor d r G uarani.
E m seguida, falou, em defesa dos reus, o dr. L uiz Jose
P e re ira da Fonseca, que não conseguiu sequer demover o
público do ódio co n tra M ota Coqueiro.
P o r fim foram os réus condenados à forca F oi um de­
lírio p o r p a rte dos assisten tes ao ouvir o veredictum.
O s réu s apelaram .
O novo jú ri confirm ou a sentença.
208 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

Os réus in terp u seram para o Suprem o T rib u n al de J u s ­


tiça o recurso de rev ista do processo e o recurso de graça.
E por últim o, se estes falhassem , ainda havia o p oder M o­
derador.
E stavam as coisas aí, quando o então p resid en te da
província do Rio de Jan eiro , dr. Jo sé R icardo de Sá R ego
expede uma p o rtaria ordenando a execução im ediata de
M ota Coqueiro e seus cúm plices. Ileg alid ad es sobre ileg a­
lidades. O presid en te da província não tin h a com petência
para m andar en forcar, e especialm ente quando o processo
ainda estava em andam ento. M ota C oqueiro poderia te r fu ­
gido do país, para o que lhe fô ra prep arad o um vapor, que
o aguardava em S. João da B arra. M as não quis aceitar
êste alv itre, dizendo-se inocente.
A conselhos do advogado poderia te r confessado o c ri­
me — alegando te r apenas m andado dar a sova em F ra n ­
cisco B enedito e não te r m andado m atar ninguém — o que
lhe te ria m inorado a pena, visto o m andante não ser resp o n ­
sável pelos excessos praticados pelo m andado. Não o q uis
fazer, pois isso seria acusar os negros que, como êle, ta m ­
bém nada sabiam do crim e e sem pre disseram : “ M ota Co­
queiro nem m andou m atar nem era hom em capaz disso” .
E n fim , contra os im putados réus não havia nem prova
testem unhal, nem docum ental, nem de confissão.
Só havia o clam or público, que su sten tav a ser M ota
C oqueiro o m andante do m onstruoso crim e: prim eiro, p o r­
que tin h a apanhado a sova de F rancisco B en ed ito ; seg u n ­
do porque fugira.
Os recursos in terp o sto s foram abafados e o governo
avocou os autos do arquivo do escrivão de Macaé, p ara onde
nunca m ais voltaram .
No dia 23 de A gosto de 1855, três dias antes da ex e­
cução, M ota C oqueiro confessou-se ao padre F reitas.
Ê ste sacerdote, algum as horas depois,, disse a seus
am ig o s:
— P o r que, Ig re ja do Senhor, não quebras êsse m iste­
rioso sigilo do confessionário? Ao m enos para salvar a v id a
de um inocente e co n ju ra r êsse m edonho êrro ju d ic iá rio ? !
A s palavras do padre, que era tid o na localidade como

I
s --- —

Dr. Isidro B org e* M o n te ir o , chefe de Polícia da Côrte em '(857


HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 209

homem ju sto e in co rru p tív el, pesaram sobre o esp írito da


m ultidão, que daí em d ian te já achava que o processo tin h a
corrido com precipitação. E spalhou-se então a notícia de
que a espôsa de M ota Coqueiro é que havia m andado assas­
sin ar a fam ília de F ran cisco B enedito, como desfôrço da
sova que êste lhe tin h a aplicado ao marido.
Sim ples boatos. P u ra s invencionices.
A té à hora suprem a, M ota Coqueiro dizia:
— M orro inocente!
T udo leva a crer que M ota Coqueiro e seus indigitados
cúm plices en traram n êste negócio como P ila to s no Credo.
M as o que parece fo ra de dúvida é que M ota Coqueiro sabia
quem tin h a sido o m an d an te do crim e e jam ais o quis dizer.
P rova isto a frase do p ad re F reitas, que não cessava de
re p e tir que M ota C oqueiro “ não fô ra o m andante do c ri­
m e; estava in o cen te” .
P orque, dizia o sacerdote, — lam entando não poder re ­
velar o segrêdo do co nfessionário — porque não declarar
a c o n fis s ã o ? ... A o m enos para salvar um inocente e con­
jurar êsse m edonho êrro judiciá rio !. . .
O ra, as palavras do padre F reitas, que grifam os, deixam
perceber que M ota C oqueiro lhe confessara quem tin h a sido
o m andante, m as êle é que não o fôra como se in fere da
f r a s e : ao m enos para salvar um inocente.
M ota C oqueiro e seus com panheiros foram enforcados
em um a lím p id a m anhã de 6 de M arço de 1855, diante de
com pacta m u ltid ão na cidade de Macaé e na praça que de­
pois tom ou o seu nome.
Na m ad ru g ad a daquele dia, ten to u suicidar-se, ferindo-
se com um pedaço de vidro, restos de um frasco de água de
colônia que achou no cárcere.
E x ecu tad o M ota Coqueiro e mais os 3 escravos Faus-
tino, F lo res e D om ingos, a opinião publica, até então inexo­
rável, m udou de rum o e começou a propalar a inocência dos
4 infelizes.
C hegaram os ecos dessas frases aos ouvidos do im pera­
dor, que, irritad o , in terp elo u o m inistro da J u s tiç a Jo sé
Tom az Nabuco de A raú jo sôbre o caso de se te r m andado
15
210 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

fazer a execução quando o processo estava em andam ento


e quando ain d a se podia reco rrer ao P o d e r M oderador.
O m in istro por sua vez in terp elo u o p resid en te da p ro ­
víncia, m as o processo já tin h a desaparecido do cartório.
A lg u n s anos depois, apareceu em Itab ap o an a um preto
cham ado H erculano, que na hora extrem a da vida confessou
ao filh o te r sido o au to r da carn ificin a.
D esgraçadam ente H ercu lan o não teve tem po de p o r­
m enorizar os fatos, de so rte que, até h o je, tu d o se conserva
no m ais p ro fu n d o m istério .
É voz geral que o últim o in feliz enforcado no B rasil
fo i M ota Coqueiro. N ão é exato. D epois dêle, dois escravos,
assassinos, foram executados em Campos.

O primeiro préstito carnavalesco — Prin­


cipais pioneiros da grande folia carioca.

A P o lícia conseguira acabar com pletam ente com o en­


tru d o no C arnaval de 1854.
N o ano seguinte, resolveu um gru p o d e foliões incen­
tivados por diversos jo rn alistas, fe ste ja r o acontecim ento
com carnaval d ifere n te do que até então se fazia n a cidade.
F undou-se p ara isso, o Congresso das Sum idades Carnava­
lescas, que apresentou ao público um p réstito suntuoso e
que teve g ran d e êxito.
A o p ar das Sumidades, grande núm ero de m áscaras des­
filo u em 1855 pelas ruas da cidade, a pé, a cavalo e de car­
ruagens. A s janelas das casas se achavam rep le tas de senho­
ras, que atirav am flores, umas às outras, dando ao Carnaval
dêsse ano n o ta in teiram en te nova.
No P asseio P úblico num erosa m u ltidão enchia as áreas
e o terraço.
H ouve bailes deslum brantes no Teatro de S. Pedro, no
Teatro de S. Januário e no Paraiso.
A s Sum idades Carnavalescas, ao passar pelas ruas, d is­
trib u íam em profusão o seg u in te:
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 211

“DECRETO

I — A bolição to tal dos usos carranças do d e fu n to en­


tru d o , pela confiscação das fôrm as de lim ões e serin g as
anacrônicas que ainda restam no canto de algum arm ário
carunchoso.
I I — R egeneração solene pelos confeitos, pelas flores,
pelos carros triu n fa is, pelo concurso dos trajes com pletos
e heterogêneos de tô d as as jerarq u ias e todas as épocas.
I I I — T estem u n h o de gratid ão , de reconhecim ento
eterno, ao sexo g en til, às filh as mimosas, às D éias flum i­
nenses que p rep araram às Sum idades uma recepção triu n fal
e que as anim aram com o aplauso dos seus sorrisos divinos,
p ro testan d o com o seu entusiasm o contra as usanças do
velho en tru d o . A elas, g e n tis am ores, consórcios felizes, ale­
g rias de anjos, sonhos de ouro, realidades inefáveis.
IV — V o to s de graças, de parabéns aos briosos e deli­
cados cavalheiros que obsequiaram o Congresso das Sum i­
dades. A êles felicid ad es, paz e saude.
V — A cachaçação p erp étu a aós ja rd in eiro s que embas-
cados deixaram m u rch ar as rosas, os cravos e jasm ins, sem
retrib u íre m as honras que se lhes deu. Aos usurários, às
ta rta ru g a s, proscrição. Aos carranças, aposentam ento.
V I — P rêm io s de honra, louros cívicos a quem no ano
fu tu ro co n co rrer p ara o engrandecim ento dos m ascarados,
para o crescen te luzim ento dos foliões do carnaval, p ara o
desenvolvim ento do Congresso. D ado em m agno conclave
aos 20 de F ev ereiro de 1855.”
A b ria o p ré stito das Sumidades uma banda de m úsica
u n ifo rm izad a de Cossacos da U crânia. V inha, em seguida,
o carro que tra z ia o estan d a rte do clube, em punhado por um
D. Q uixote. D epois um g ru p o de cavalheiros, vindo à fre n te
N icolau I. N um erosos carros alegóricos seguiam -se, cada
qual m ais lindo, provocando aplausos da m ultidão. O im­
p erad o r e sua fam ilia assistiram ao desfilar, do largo do
P aço e p o r vezes batiam palmas quando passava um carro
m ais deslum brante.
Teve, pois, g ran d e êxito o carnaval de 1855, que se pode
dizer, foi o p rim eiro no gênero, feito no R io de Jan eiro .
212 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

Prom overam -no diversos jo rn a lista s especialm ente os


do Correio M ercantil. E ram eles C ésar M uzzi, P in h e iro
Guimarães, M anuel de A lm eida, Jo sé de A lencar, A u g u sto
de Castro, Ram os de A zevedo, para só citarm os os p r in ­
cipais.
A fastados dêsse grupo, mas concorrendo tam bém para
o b rilhantism o do C arnaval de 1855, viam -se Jo aq u im de
M elo, F rancisco A u g u sto de Sá, os irm ãos F aros, Palha-
res, C ristiano Stockm ayer, H orácio U r pia e outros.
N êste ano foi que se fundou, no Rio de Jan eiro , o
ainda hoje ex isten te Clube Tenentes do Diabo, cujos asso­
ciados são conhecidos por Baetas.
N o ano de 1856, as honras do carnaval couberam ainda
ao Congresso das Sum idades Carnavalescas.
A lém dêsses, m ais dois p ré stito s sairam à ru a : União
Veneziana e um outro, que saiu da rua D. M anuel.
A respeito do carnaval dêsse ano escreveu o Jornal do
Comércio:
“ O ntem , pelas 4 horas da m anhã, term in o u o nosso car­
naval, que, desde sábado últim o, enchia a cidade de risos e
folguedos.
H á 11 anos, pouco m ais ou m enos, foram os bailes m as­
carados in tro d u zid o s no R io de Ja n e iro por uma can to ra do
Teatro Italiano, que, não podendo fazer fo rtu n a na cena
lírica, teve a boa idéia de dar um baile no Teatro de S. Ja­
nuário. Ê ste novo divertim ento foi pouco a pouco in fil­
trando-se nos nossos costum es e em breves anos ta n ta fam a
m ereceu da população, que aquilo mesmo que n u n ca a P o ­
lícia pudera conseguir, a m áscara conseguiu, proscrevendo
o entrudo. H o je em dia, ninguém m ais se lem bra de m olhar
e em polvilhar os am igos e os vizinhos no dia de C arn av a l;
em vez de lim ões de cheiro, atiram -se flo res e confeitos. D e
ano em ano o novo Caranaval vai ostentando, cada vez mais,
variedade, cada vez mais, b rilh an tism o e lu x o ”.
HISTÓRIA DA POLICIA DO RIO DE JANEIRO 213

A primeira ascenção aeronáutica no


Rio de Janeiro — (1855).

F oi no dia 11 de N ovem bro de 1855 — há 87 a n o s __que


o povo do Rio de Ja n e iro assistiu pela prim eira vez a uma
ascensão aeronáutica.
A audaciosa façanha foi realizada por E d u ard o H ell,
elevando-se o balão, p o r algum tem po, sôbre os terren o s s i­
tuados no ponto onde é h o je o cais do P o rto , indo cair no
mar, nas p ro x im id ad es da p o n ta do Gambá, na zona deno­
m inada Saco do A lferes, en tre a Gamboa e o atual canal do
M angue, no sítio onde passa h o je a ru a da A m érica.
O aero n au ta nada sofreu, sendo p rontam ente spcorrido
por um escaler trip u la d o p o r m arin h eiro s do navio H ér­
cules, que se achava ancorado no porto.
E m 1864, p o r ocasião do casam ento da princesa Isabel,
rep etiu -se o sensacional espetáculo, mas, desta vez, o balão
foi p ilo tad o por W ells, que atravessou o espaço d u ran te 30
m inutos, p artin d o da praça da Aclam ação (hoje praça da
R ep ú b lica) e indo cair, ileso, no m orro da V iuva, em B o ­
tafogo.

Terceiro incêndio do Teatro de S. Pe­


dro de Alcântara — (1856).

Q uando foi do segundo incêndio do T eatro de São


P ed ro de A lcân tara, já dizia o povo ser aquilo Castigo,
p o r terem co n stru íd o uma casa de diversões públicas com
as pedras da Sé. P o is cinco anos depois, a crença p o p u lar
tornou-se inabalável com o terceiro incêndio daquele teatro .
Q ue fata lid a d e! A in d a desta vez era João C aetano quem
ali trabalhava!
F oi na m ad ru g ad a de 27 de Jan eiro de 1856.
Na n o ite de 26 tin h a havido um festival em b enefício
da atriz Isabel N unes, com a representação da peça D. M a­
ria de Alencastro, de M endes Leal.
214 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

Q uando a cidade despertou com o b adalar dos sinos da


igreja da Lem padosa e as auto rid ad es p oliciais en traram a
providenciar, o te a tro já era to talm en te p resa das cham as
e, ao cabo de poucas horas, só restavam de pé as q u atro
grossas paredes do edifício.
Jo ão C aetano so freu novam ente grandes p reju izo s e
tran sferiu -se p ara o Provisório, obtendo do govêrno a u to ­
rização para trab a lh ar aos dom ingos nêsse teatro .

Outros chefes de Polícia — Dr. Jero­


nimo Martiniano Figueira de M elo — Dr.
Joaquim Bandeira de Gouvêa — Dr. João
Lins Vieira Cansanção de Sinimbú — Dr.
José Caetano de Andrade Pinto — Dr.
Antônio Tomás de Godói — Dr. Izidro
Borges Monteiro — (1855-1860).

D e 1855 a 1860 seis foram os chefes de P olícia.


A o dr. Jerô n im o M artin ian o F ig u e ira de Melo, que
deixa a ch efia da P o líc ia a 5 de M aio de 1855, sucede o dr.
Joaquim B an d eira de Gouvêa, que nessa data é nomeado
interino, en treg an d o , em 30 de Setem bro d êste ano, a chefia
ao d r. João L in s V ieira Cansanção de Sinim bú, que vai até
3 de M aio de 1856, quando é nomeado, in terin o , o dr. Jo sé
C aetano de A n d rad e P in to , que se dem ora até 31 de Ju lh o
de 1856, sendo nom eado o dr. A n tô n io T om ás de Godói,
que d eix a o carg o a 8 d e A bril de 1857, passando-o ao dr.
Iz id ro B o rg es M onteiro, que nêle perm anece até 3 de F e ­
vereiro de 1860.

Reorganização da Secretaria da Polícia


— Decreto n.° 1746, de 16 de Abril de 1856.

E m 1856 reorganizou-se a S ecretaria de P o lícia em v ir­


tu d e do d ecreto n.° 1746, de 16 de A b ril dêsse ano, come-
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 215

çando a fu n cio n ar a 27 de Jan eiro de 1857. A n tes dessa reo r­


ganização, o serviço era feito, sem ordem , não havia escri­
turação reg u lar, fato s im p o rtan tes ocorriam , dos quais não
ficava nenhum v estíg io escriturado, e o chefe de P olícia,
baldo de esclarecim entos oficiais, não podia d ar um passo,
no sentido de faze r algum a diligência.
O arquivo andava em confusão Im perdoável, por falta
de quem o o rg an izasse convenientem ente.
Q u an to à casa em que funcionava a S ecretaria, o C hefe
de P o lícia dizia que não tin h a as acom odações necessárias.
A lém de estarem as secções tô d as oprim idas, não havia
lugar para o arquivo. A secção m édica funcionava na mesma
sala em que trab alh av am as secções in tern as, sem haver onde
se pudessem fazer os exam es m édicos. Não havia uma sala
de espera p ara as pessoas d ecen tes; e, se os trê s novos dele­
gados tivessem de fu n cio n ar ao mesmo tem po, não haveria
lugar para todos êles.
O serviço da S ecretaria de P o lícia era d istrib u íd o por
4 secções: l .a, de E x p e d ie n te ; 2.a de E s ta tís tic a ; 3.a J u d i­
c iária; 4.a de C ontabilidade.
E ra com posta dç um secretário, com 3:000$ por ano,
de 5 oficiais, sendo 2 externos, com 2:400$; de 5 e sc ritu rá ­
rios, com 1 :200$; de 7 am anuenses, sendo 2 externos, com
800$; de um te so u reiro , com 600$; de um p orteiro, com
1:000$; de 2 contínuos, com 600$; de 2 m édicos, com
1:600$; de 1 escrivão, com 600$; e de 1 escrevente,
com 400$.
E ram os seg u in tes os seus fu n cio n ário s:
S ecretário, F ran cisco Jo sé de Lim a.
Da l.a secção — O ficial, D om ingos Soares F e rre ira
P en a; e sc ritu rá rio s : A ntônio L u iz Coim bra de G ouvêa e
José B asílio de Gouvêa, am anuenses: B elarm ino de A rru d a
Câmara Ju n io r, Jo ão da Costa L eite e M anuel P ed re ira de
C erqueira.
Da 2.a secção — O ficial, L in d o rf E rn esto F e rre ira
F ran ça; e s c ritu rá rio s: M anuel N orberto J o rg e Gonçalves,
Raim undo M artin ian o A lves de S ouza; am anuenses: A n­
tônio M atoso de A ndrade Câmara, C ândido Jo sé de S i­
queira Campeio.
216 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

Da 3.a secção — Escrivão, A ntônio Jo aq u im X avier de


M elo; escrevente, F ran cisco A lves da F onte.
Da 4,a secção — O ficiai, A n tônio M aria D ias; e sc ritu ­
rário, L u iz F elip e do A m aral e Souza; am anuense, D om in­
gos de A zeredo C outin h o D uque E stra d a e P ed ro M artins
R ibeiro.
Os m édicos eram os drs. A ntônio Jo sé P e re ira das N e­
ves e Jo sé F ran cisco de Souza Lemos. 03F
A inda sôbre o arquivo e sôbre a necessidade de se criar
um lu g a r de arquivista, o secretário da P olícia, F rancisco
Jo sé de Lim a d izia:
“ Os papéis an tig o s da S ecretaria de P olícia, em conse­
quência das rep etid as m udanças de uns para o u tro s prédios
e do nenhum cuidado com que foram tran sp o rtad o s, acham-
se em estado de confusão tal, am ontoados uns sôbre outros
e atirad o s a granel no sótão d a casa atual, que é absoluta­
m ente indispensável esforço ex trao rd in ário e tem po consi­
derável para se conseguir, ao menos, sua classificação cro­
nológica.”

Fonte de alegria e centro de distúrbios


O teatro Alcázar — A estréia Aimée.

O famoso te a tro — que era mais café-concêrto — de­


nom inado Alcázar, ao mesmo tempo que era prodigiosa
fonte de alegria, era centro de constantes distúrbios, e, por
isso, m uito deu que fazer à Polícia.
T ratan d o dessa casa de diversões, diz L afaiete Silva,
na História do Teatro Brasileiro:
“ E m 1857, em ru a central da cidade, a da Vala, começou
a fu n cio n ar o Alcázar, d irig id o por um a rtis ta francês, o
A rnaud.
A b riu com program a variadíssim o, a 17 de Fevereiro.
O público não acolheu com o esperado entusiasm o o em­
p reendim ento e, m u ito em bora o em presário se esforçasse
para a tra ir a concorrência, esta escasseava. A rnaud suspen­
deu as récitas do Alcázar e, na im possibilidade de, com os

p. M ■
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 217

escassos recursos que a cidade lhe facultava, p ro ced er aqui


à reform a do quadro de a rtistas e do rep ertó rio , em barcou
7 para a E uropa, afim de buscar novos elem entos em P aris.
Bem in sp irad o andou o pertinaz em presário, pois no
seu regresso conheceu o te a tro da rua da V ala o seu período
de ouro. Os novos a rtista s contratados pelo A rnaud aqui
chegaram pelo Bearn, a 16 de Ju n h o de 1864, figurando
H en tre êles a m ais notável estrela que pisou o palco do A l-
cázar — a A im ée.”
F o i essa a p rim eira fase do Alcázar. A segunda, que, na
opinião de Jo aq u im M anuel de M acedo, trouxe a dissolu­
ção dos costum es no R io de Jan eiro , começou a 16 de J u ­
nho de 1864.
A resp eito da notável estrela Aimée, escreveu M achado
de A ssis, quando crítico te a tra l do Diário do R io: — “ É
um dem oninho louro, um a fig u ra esbelta, graciosa, meio
angélica, uns olhos vivos, um n ariz como o de Safo, uma
boca am orosam ente fresca, que parece te r sido form ada por
duas canções de O vídio, enfim a graça parisiense, toute
pure."
Êsse diabinho arru in o u m uito gente, desgraçou m uitos
lares e era a causa, talvez a principal, dos co n flito s que
ocorriam no Alcazar, cujo policiam ento era reforçado todas
as noites. F oi p o r causa da Aim ée que a 30 de O utubro de
1868, o n eg o cian te p o rtu g u ês A ntônio M aia T eix eira de
M elo, à p o rta daquele teatro , desfechou um tiro sôbre o
‘i soldado de p o lícia Jo sé B orges R ibeiro, conhecido p o r Aba­
lada, m atando-o.
E ra ta n to o despudor no Alcazar, que certa vez, estando
a a rtis ta Suzana C astera assistindo a um espetáculo, um dos

1 fam osos p ertu rb a d o res da ordem, o conhecido Ju c a Reis,


d ela se aproxim ou e, à vista de todos, suspendeu-lhe as
v estes e aplicou-lhe estrepitosas palmadas. Dias depois, Su­
zana, arm ada de um rebenque, castigou a valer o seu
agressor.
E m uma das páginas do livro recentem ente editado pela
Casa dos A rtista s — Onde o mundo se d iv e r te ..., livro
êsse que causou, na classe teatral, grande celeum a levan-
»' ......--------------------------------------- ---------- --------------------- - ..

218 MELLO BARRETO FILHO e KERMETO LIMA

tad a pela atitu d e de dois com ediantes b rasileiro s, estão re ­


gistadas as seg u in tes achegas h istó ricas:
“ O cham ado “ gênero aleg re”, de sabor genuinam ente
francês, foi in tro d u zid o , d e fin itiv a e v itoriosam ente, no
B rasil, com a inauguração, a 17 de F ev ereiro de 1859, do
Alcaçsr Lyrique, à ru a da V ala (h o je U ru g u aian a), n ú ­
m eros 47, 49 e 51, onde trab alh aram tru p es vindas d ire ta ­
m ente de P aris.
Os espetáculos do Alcaçar in flu iram p ro fu n d am en te na
transform ação dos h ábitos pacatos da cidade, in s titu in d o o
que até então era desconhecido dos cariocas — a v id a no­
tu rn a.
D en tre as atrizes do Alcaçar, tornou-se fam osa, em 1864,
a “ estrela” Aim ée, não só p ela sua b rilh an te atuação no
palco, mas, p rincipalm ente, p elas d iab ru ras que praticav a
fo ra dos bastidores, dizendo-se que, como “ dem oninho
lo u ro ”, conseguira tran sfo rm ar em v erd ad eiro in fern o m u i­
to s lares que, até então, haviam vivido na m ais p e rfe ita paz
do Senhor . ..
O Alcaçar tornou-se, em 1864-1865, o po n to de reunião
o b rig ató ria da “ jeunesse dorée” da época, frequentando-o
assiduam ente fig u ras que, m ais tarde, tiveram g rande p ro ­
jeção na vida nacional: conde de P o rto A leg re (h eró i do
P arag u ai), barão de C otegipe, F rancisco O taviano, Size-
nando N abuco, G aspar da S ilv eira M artins, m arquês de P a ­
ranaguá, Gusmão Lobo, barão do R io B ranco (conhecido,
então, p o r Ju c a P aran h o s) e m u ito s outros.
Q uando a endiabrada fran cesin h a do Alcaçar L yrique
deixou o R io de Jan eiro , em A gosto de 1868, a Semana
Ilustrada dedicou-lhe uma página rep resen tan d o a v id a da
cidade norm alizad a: — m u lh eres ajoelhadas, agradecidas
aos céu s; p ad res que voltavam tran q u ilam en te a reza r as
suas m issas; roceiros que regressavam às suas lav o u ras;
em pregados públicos que iam, de novo, assinar o “ p o n to ”
nas re p a rtiç õ e s; casais que se reconciliavam ; estu d an tes
que prosseguiam nos estu d o s; soldados que se lem bravam
dos seus q u a rté is . . . ”
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 219

Ativam -se as obras da Penitenciária —


Regulamento da Casa de Detenção.

P o r A viso de 11 de M arço de 1856, o governo m andou


co n tin u ar com atividade as obras do 2.° raio da P e n itê n ­
cia, cujos alicerces estavam feito s p ara a Casa de D eten ­
ção. P o r D ecreto de 2 de Ju lh o dêsse ano o governo deu
regulam en to p ara a Casa de D etenção, provisoriam ente es­
tabelecida na C asa de C orreção, servindo para êsse fim a
p a rte do l.° raio desocupado, m ansardas e pavim ento térreo,
enquanto não fôsse co n stru id o o ed ifício destinado à mesma
Casa de D etenção.

Organização do Corpo de Bombeiros


— (1856) — Esboço histórico.

Com a denom inação de C orpo P ro v isó rio de Bom bei­


ros da C ôrte, fo i organizado, em 2 de ju lh o de 1856, o atual
C orpo de B om beiros do D is trito F ederal, com o aproveita­
m ento das secções já e x isten tes nos A rsenais de Guerra, da
M arinha, R ep artição de O bras P úblicas e da Casa de Cor­
reção. S eu p rim eiro com andante foi o m ajor do Corpo de
en g en h eiro s Jo ã o B atista de C astro M orais A ntas.
P o ssu ia o C arpo, naquela época, 15 bombas m anuais, 73
m an g u eiras de couro, 23 m angotes, 190 baldes de couro, 13
escadas diversas, 2 sacos de salvação e 240 palmos de man­
g u eiras em depósito.
O s in cên d io s eram então assinalados por três tiros de
a rtilh a ria de grosso calibre, disparados do m orro do Cas­
telo, com in terv alo de 5 m in u to s e pelo toque do sino g ran ­
de da ig re ja de S. F rancisco de P aula e ao da m atriz da
freg u esia onde ocorria o incêndio. D urante o sin istro p er­
m anecia içada um a b andeira verm elha no m astro do m orro
do C astelo, sendo essa flâm ula su b stitu id a à no ite por uma
la n te rn a da m esm a côr. O badalar dos sinos obedecia a uma
convenção especial. Um certo núm ero de badaladas do sino
220 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

da ig reja de São F rancisco co rresp o n d ia à freg u esia onde


se m anifestava e incêndio. E ram 9, na ordem seg u in te :
l.a ) S acram ento; 2.a ) S. J o sé ; 3.a ) C an d elária; 4.a) S anta
R ita ; 5.a) S an tan a; õ.a) E n g en h o V elh o ; 7.a) Santo A n tô ­
n io ; 8.a) G lória e 9.a) Lagoa.
A prim eira pessoa que tran sm itisse o aviso de fogo,
com as necessárias indicações, à polícia ou a um pôsto de
bom beiros, era prem iada com uma g ratificação co rresp o n ­
d ente à im p o rtân cia do aviso. Os p ro p rietário s ou co n d u to ­
res de veículos eram obrigados a en treg ar os seus anim ais
e a p re sta r os serviços que lhes fossem ex ig id o s; os m estres
de obras, a fo rn ecer as ferram en tas que possuisem e a au ­
to rid ad e policial tin h a o d ireito de req u isitar archotes,
velas, etc., nas respectivas casas do ramo, se isso se to rn asse
p reciso nos serviços de extinção. T ô d as essas requisições
eram pagas à vista, pelos preços norm ais, na R ep artição de
P o lícia, bem como o alu g u el dos veículos e dos anim ais
p o rv en tu ra utilizados.
E m 1860 sofreu o Corpo de B om beiros a p rim eira m o­
dificação, passando a co n stitu ir-se de 5 secções, das quais
3 au x iliares e as restan tes perm anentes e em l.° de ju lh o
de 1862, foi in stalada a p rim eira ligação elétrica, de tra n s ­
m issões, e n tre a 3.a Secção do C orpo, no campo de São C ris­
tóvão e a l.a, na S ecretaria de P olícia, à rua do R egente.
E m 11 de m arço de 1861, passou a C orporação para a ju r is ­
dição do M in istério da A g ricu ltu ra, Comércio e O bras P ú ­
blicas.
A prim eira bomba a vapor, p ara incêndios à beira-m ar
e nas embarcações, foi recebida em 1865; nessa época não
existiam ainda no R io de Ja n e iro as canalizações d’água
com reg isto de incêndio para a ligação da bomba. Cinco anos
depois, passou a ser adotado o uso de toques m ilitares de
c o rn eta em lu g ar do apito trad icio n al e a corporação rece­
beu um a sig n ificativ a m elhoria, com a adoção da tração
anim al nas viatu ras de incêndio. E m 1875 já possuía o Corpo
de B om beiros 2 bombas a vapor, 16 bombas m anuais, sendo
6 grandes, que exigiam o esforço de 16 a 20 hom ens e 10
pequenas, m ovidas por 6.
E m 1876, quando foi nom eado d ire to r geral o tenente-
HISTÓRIA DA FOLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 221

coronel de engenheiros, dr. Jacó de N iem eier, ex istiam já


6 postos de bom beiros, nesta C a p ita i; o prim eiro, no quartel
central, instalado no campo da Aclam ação, hoje P raça da
R epúb lica; o segundo, no C atete; o terceiro , no campo de
São C ristó v ã o ; o quarto, no L argo da Carioca, en tre as ruas
S. José e S anto A n tô n io ; o quinto, na rua da P rain h a, e o
sexto, na R ua Nova do L ivram ento. Cada pôsto continha
uma g uarnição de 8 bom beiros, s e n d o ,o efetivo do Corpo de
120 praças. E m 1877, êsse efetivo teve de ser reduzido, por
m edida econôm ica, em consequência do que foram suprim i­
dos os postos do C atete, L ivram ento e S. C ristóvão.
E m 1878 in stalo u -se o prim eiro circu ito de avisadores
de incêndio, que veio b en eficiar a área com ercial da cida­
de, com seus 12 aparelhos. Êsse g ran d e m elhoram ento, de
im p o rtân cia v ital para uma cidade populosa, deveu-se ao
m in istro da A g ric u ltu ra dr. T om ás Jo sé Coelho de A lm ei­
da, e nesse m esm o ano fo i iniciado o assentam ento do se­
gundo circ u ito , que foi inau gu rad o em 28 de F evereiro de
1880, sendo o terceiro , com 24 caixas avisadoras, inaugu­
rado no ano seg u in te na zona sul da cidade, B otafogo e
L ara n jeira s.
E m 1880, o governo in stitu iu as graduações m ilitares
para os o ficiais do C orpo de Bom beiros. Nessa época, o seu
efetiv o estava co n stitu íd o do seg u in te p esso al:
T en en te-C o ro n el d ireto r geral .............. 1
M ajo r a j u d a n t e ......................................... 1
C apitães com andantes de secções . . . 2
T en e n tes in stru to re s ............................... 2
M édico ....................................................... 1
Enc. das o ficin as e c o c h e ir a s .............. 1
C hefe a ju d an te ......................................... 1
C hefe de secção ...................................... 2
C hefe de t u r m a ........................................ 10
C hefe de bomba ...................................... 10
B om beiros ................................................. 105
C arroceiros ............................................... 10
C ocheiros ................................................. 15

T o ta l ................................................... 161
222 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

Seu m aterial de extinção, naquele ano, constava de 57


viaturas das quais 47 a tração anim al e 10 m anuais.
Tam bém em 1880, foi o efetivo elevado a 300 hom ens
e o govêrno autorizado a em pregá-la, no caso de guerra,
como corpo de sapadores ou pontoneiros.
No mesmo ano foram suprim idos os sinais de incêndio
pelo m orro do C astelo, em v irtu d e da instalação dos avisa-
dores elétricos que preen ch ia já as necessidades da C apital.
E m 1887 o C orpo de B om beiros so freu nova tra n s fo r­
mação, organizando-se nos m oldes das forças do E x érc ito .
N esse ano foi criada a atual C aixa de B eneficência, que se
instalo u em 25 de jan eiro do ano seguinte.
Em 1892 voltou o Corpo à ju risd ição do M in istério da
Ju stiça, a que perten cia desde a sua fundação em 1856, e em
1894 foi de novo aum entado o efetivo da corporação para
626 homens, existindo nessa época 74 v iatu ras.
E m 1895 fico u in teiram en te paralisado o serviço de avi-
sadores autom áticos de incêndio, à fa lta de recursos para a
sua conservação, e o coronel Souza A g u iar, ju stifican d o ao
govêrno a necessidade da ab ertu ra de créd ito s para êsse se r­
viço, reg isto u no seu relató rio as seguintes palavras:
“ A não ser produzido por explosão, todo incêndio pode
ser ex tin to em seu início com pouco trabalho e in sig n ifi­
cante prejuízo. S ua propagação se faz em rápida p ro g res­
são pela dem ora no uso dos m eios de dom iná-lo, tornando-se
d u ran te êsse período, cada ponto atingido, novo foco para
o desenvolvim ento.
D aí se in fere a im portância dos m eios rápidos para p e­
d ir socorro.
D epois da água, a organização do serviço de avisadores
de incêndio é o m ais im p o rtan te para o C orpo de B om bei­
ros. Os p reju ízo s nas cidades que o têm bem organizado são
m ínim os em relação àquelas que não o possuem ”.
A ssim é que em 1899 já funcionavam norm alm ente o
l.°, e o 2.° circuitos, êste com 10 e aquele com 13 avisadores,
sistem a Siemens, m odificados pelo p ró p rio com andante que
os tran sfo rm o u em circuitos fechados. E m 1900 tin h a o
Corpo 8 circu ito s de avisadores e um a red e telefô n ica li­
gando tôdas as estações e postos à E stação C entral, ao re-
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 223

servatório do P ed reg u lh o , à Polícia, etc. A rede g eral tin h a


um desenvolvim ento su p erio r a 100 quilôm etros de fio de
cobre silicioso, de 1,5 m /m de secção, em 698 postes de ferro
Siem ens de 6 a 15 m etro s de altura. Os defeitos nos avisa-
dores eram logo acusados na estação, pela cam painha e im e­
diatam ente tom adas as providências p ara repará-lo, q u al­
quer que fôsse a h o ra do dia ou da noite.
A reco n stru ção do q u artel teve início em 1898, pelo
lado dos fundos, na R ua do Senado, ficando in teiram ente
concluídos em 1903 os alojam entos das l . a, 2.a , 3.a e 4.a
com panhias e o u tras dependências im portantes. E m 1912 o
serviço de tração anim al fo i su b stitu id o por viatu ras au to ­
m óveis, ad q u irid as na In g la te rra e de 1930 a esta parte, o
C orpo de B om beiros vem passando p o r sucessivas m elho­
rias, não som ente no que se refere ao seu m aterial de ex­
tinção, m as tam bém no que diz respeito ao conforto e bem-
estar do seu pessoal. O atu al com andante vem dando cabal
cum prim ento aos planos preestabelecidos da descen traliza­
ção dos serviços, ten d o já construído os postos projetados
para as zonas assináladas, faltan d o ainda os de S anta Teresa,
G lória, P raça M auá, Gmbôa, Rio C om prido e Pilares.
A tu alm en te, o estado com pleto da corporação conta
com um q u ad ro de 89 oficiais, inclusive o com andante e
1.067 praças, en tre sarg en to s, cabos e soldados.
Seu m a teria l de incêndio consta de 29 auto-bombas,
uma bom ba au x iliar, 17 autom óveis para condução de pes­
soal, 5 auto-escadas-m ecânicas, 6 cam inhões, 7 auto-trans-
portes, 17 au tos-m aterial, 1 auto-m aterial de rescaldo, 7
au to -ráp id o s p ara m anobras hidráulicas, 2 auto-hidro-quí-
micos, 6 auto-am bulâncias, 4 auto-ônibus, 1 auto-ilum inação,
2 autos-socôrro, 5 tric ic le s m otorizados, 1 auto-bom ba-pipa,
1 auto-bom ba-m ixta (ág u a e espuma pneum ática), 4 bombas
a vapor, 2 cam inhões, 1 carro de aprendizagem , uma am­
bulância, 3 pipas, estes últim os de tração animal, havendo
ainda 2 chassis “ In tern a cio n al”, novos, para serem ad ap ta­
dos ao serviço. E x istem ainda bombas cen trífu g as p o rtá­
teis, bombas p o rtá te is combinadas, bombas cisternas, em
q u an tid ad e reg u lar, g ran d e número de ex tin to res p o rtáteis
224 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

de tipos diversos, que fazem parte de todo o equipam ento


das viaturas e as em barcações.
Todas as viaturas de incêndio estão equipadas de apa­
relhos de salvam ento, escadas diversas, e abastecidas de
com bustível, para qualquer em ergência, sendo recolhidas
im ediatam ente às oficinas aquelas que p o rv en tu ra ap resen ­
tarem defeitos no funcionam ento.
O Corpo de B om beiros do Rio de Jan eiro pode ser ali­
nhado, sem favor, en tre as m elhores corporações de bom­
beiros do m undo, com um pessoal adestrado e disposto para
todas as circunstâncias.

A Polícia e o serviço de extinção de incên­


dios — O primeiro regulamento data de 1856.

D ata de 2 de Ju lh o de 1856 o prim eiro regulam ento


relativo ao serviço de extinção de incêndios, então exe­
cutado por operários dos arsenais de G uerra e de M arinha,
das O bras P úblicas e da Casa de Correção.
Assim determ inava êsse regulam ento na secção I I I e
nas disposições gerais (secção V I), respetivam ente:

A rt. 19 — A intervenção das auto rid ad es


policiais nos casos de incêndio, terá por fim :
§ l.° — M anter o sossêgo público e d ar ga­
ran tias à propriedade.
§ 2.° — F azer arrecadar e pôr em boa guarda
os objetos salvados do incêndio.
§ 3.° — T ra n sp o rta r os feridos.
§ 4.° — P erm itir, de acordo com o d ireto r,
aos vizinhos a m udança de seus trastes, no caso
de co rrer perigo a conservação dêles nas casas
contíguas às incendiadas.
§ 5.° — M andar fechar as tavernas e tôdas
as casas de bebidas espirituosas próxim as do lu ­
gar do incêndio.
§ 6.° — F azer executar os §§ 16, 17, 18, 19
Regata realizada no Rio de Janeiro, no dia 27 de Maio de 1855, na enseada de Botafogo

Abertura da Assembléia Geral, no Império do Brasil, segundo uma gravura de 1857


HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 225

e 20 do tit. 10 das posturas da ilma. Câmara M u­


nicipal, as quais vão anexas a êste regulam ento.
§ 7.° — A u x iliar o trabalho dos bombeiros,
fornecendo-lhes operários, água, tran sp o rte, in s­
trum entos e quaisquer meios que requisitarem
para extinção do incêndio.
§ 8.° — O rdenar, de acordo com o diretor
geral dos bom beiros, ou quem suas vezes fizer,
a dem olição de todo ou p arte do edifício incen­
diado, ou de qualquer outro que corra perigo
de o ser.
§ 9.° — T om ar conhecim ento dos m otivos
do incêndio, afim de proceder na form a das leis
contra os que de m á fé o tiv erem causado.
A rt. 20 — A fôrça pública que se apresen­
tar no lu g ar do incêndio ficará sob as ordens da
autoridade policial, para em pregá-la de m aneira
que m ais conveniente fô r ao serviço, de acordo
com o d ire to r quando a providência policial pu­
der in flu ir sôbre a extinção do incêndio.
A rt. 41 — A autoridade policial presente ao
incêndio te rá por prim eiro encargo, m andar se­
parar as pessoas estranhas afim de que não se­
jam os bom beiros interrom pidos no trabalho da
extinção do fogo.
A rt. 42 — As pessoas em cujas casas se m a­
n ifestar o incêndio, são obrigadas a franquear
as p o rtas às autoridades policiais e à fôrça pú­
blica, e no caso de recusa serão as ditas portas
arrom badas, por ordem da autoridade policial,
do que se lav rará auto especial. Assim se p ra­
tica quando fô r necessário en tra r nas casas con­
tíguas às incendiadas e os m oradores daquelas
se recusarem .
A rt. 43 — Os donos ou condutores dos
veículos de condução são obrigados, em caso de
incêndio, a p restar não só os ditos veículos,
como os anim ais.
A rt. 44 — Se faltarem os u tensílios neces-
226 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

sários p erten cen tes aos arsenais para dem olir os


edifícios, são os m estres de obras obrigados a
fornecê-los.
A rt. 45 — Se o incêndio ocorrer à noite, as
casas onde se venderem archotes, velas e q u ais­
q u er m isteres necessários p ara o serviço dos in ­
cêndios, fornecê-los-ão à requisição da a u to ri­
dade policial.
A rt. 46 — Os aguadeiros apresentar-se-ão
im ediatam ente com as suas pipas cheias d’água,
no lu g ar do incêndio.
A rt. 47 — N a rep artição da P o lícia pagar-
se-ão, pelos preços correntes, à v ista dos cartões
passados p ela au to rid ad e policial, os objetos que
se tiverem com prado para a extinção do in cên ­
d io ; e os aluguéis dos veículos e anim ais que
para aquele fim, tran sp o rte dos feridos, condu­
ção de bombas e m ais p ro n ta transm issão das o r­
dens, tiv erem sido em pregados.
A rt. 48 — E x tin to o incêndio, se lavrará em
seguida um term o de tu d o q uanto houver ocor­
rido, desde o prin cíp io até o fim dêle, d eclaran ­
do-se a hora em que começou a atear-se; em
que lu g a r do e d ifíc io ; se p o r d efeito de co n stru ­
ção; se por descuido, acidente ou im prudência
de algum a pessoa da casa; que socorros foram
prestad o s; que autoridades e patentes m ilitares
estiveram presentes.
A rt. 49 — No mesmo têrm o se fará m enção
de quaisquer ameaças de incêndio, verbais ou es­
critas, que possam te r havido, com indicação dos
au to res e dos m otivos; assim como de todas as
o u tras circunstâncias que tendam a estabelecer a
crim inalidade dos indiciados. Ê ste têrm o será
escrito pelo escrivão da P olícia, assinado pelo
chefe de P olícia e d ireto r dos bombeiros.
A rt. 50 — As pesquisas que se tornarem n e­
cessárias, em v irtu d e do artig o antecedente, po-
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 227

derão fazer-se po sterio rm en te nos dias subse­


quentes do incêndio.
A rt. 51 — O d ireto r geral dos bombeiros, ou
quem suas vezes fize r na extinção do incêndio,
apresen tará, p o r interm édio do chefe de P o lí­
cia, ao govêrno im perial, as relações das pessoas
que, por sua bravura, p erícia e dedicação, mais se
tiverem d istin g u id o no serviço do incêndio.
A rt. 52 — A os in frato res das disposições do
p resen te regulam ento, será im posta a pena de
desobediência ou aquela que no caso couber.

O chefe de Polícia propõe novo sinal


de incêndio.

Q uando havia algum incêndio, a qualquer hora que


fôsse, o sinal de alarm a, como já dissemos, era dado por
tiro s de peça de a rtilh a ria de grosso calibre disparados do
m orro do C astelo, e, também, pelo toque do sino grande
da ig re ja de São F rancisco de P au la e pelo do da m atriz
da freg u esia onde se m anifestasse o sinistro.
P a ra ev itar as consequências dem asiadam ente alarm an­
tes dos tiro s de peça, nem sem pre bem com preendidos, re ­
solveu o chefe de P o líc ia su g erir outro sinal, que foi aceito,
como se vê do seg u in te aviso, enviado em O utubro de 1857
ao C orpo de G uardas M unicipais Perm anentes, in stitu ição
essa que teve existência real de 22 de O utubro de 1831 a 16
de J a n e iro de 1858, quando passou a ter a denom inação de
C orpo P o lic ial da C ô rte:

“ T endo o chefe de P olícia proposto, como


um novo sinal de incêndio, em substituição ao
do tiro de peça no m orro do Castelo, que o aviso
de incêndio fôsse feito da S ecretaria daquela r e ­
partição, por meio do telégrafo elétrico ao C as­
telo e ao q uartel do Corpo que vmcê. comanda,
p artin d o deste im ediatam ente qu atro soldados a
MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

cavalo para p articip ar o ocorrido às estações de


bombas, que são os arsenais de M arinha e G uer­
ra, Casa de C orreção e O bras P ú b lic a s ; e haven­
do n esta data ordenado ao referid o chefe de
P o líc ia que d’ora em diante assim se obser­
vasse : cum pre que vmcê. dê as necessárias p ro ­
vidências, afim de que em tais casos, não so fra
a m enor dem ora a p artid a dos qu atro soldados
para os pontos indicados. D eus g uarde a vmcê.
__Francisco Diogo Pereira de Vasconcelos

Remuneração dos oficiais e praças do


Corpo Policial da Côrte em 1858.

O Corpo P olicial da C ôrte, com o efetivo de 918 ho­


mens, distrib u id o s por um estado-m aior, seis com panhias
de in fan taria e duas de cavalaria, tin h a, em 1858, a seguinte
rem u n eração :
Com andante geral, soldo m ensal de 170$000 e g ra tifi­
cação de 80$000; m ajor, 120&000 e 30$000; cirurgião-m or,
90$000 e 40$000; cirurgião-ajudante, 70$000 e 40$000; ca­
pitães, 80$000 e 20$000; tenentes e alferes 70$000 e 60$000,
sem g ratificação ; capelão, 60$000, tam bém sem g ratificação ;
sarg en to -aju d an te e quartel-m estre, diariam ente, 1$400;
l.° sargento, 1$200; segundo sargento, 1$100; fu rriel, 1$000;
cabo de esquadra, $900; soldado, ferrador, clarim ou cor­
neta, $800. A etapa para os oficiais superiores era de
1$400, para os demais oficiais, 1$000 e para as praças de p ré
fô ra arb itrad a em $700. Ao ajudante, ao secretário e ao
qu artel-m estre mandava o regulam ento abonar gratificação
m ensal de 10$000.

C a rn a v a l d e 1857 — O suntuoso prés­


tito d a União Veneziana.

Com entando o grande êxito do Carnaval de 1857, os jo r ­


nais congratularam -se com a população pela com pleta ex-
HISTÓRIA DÁ POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 229

tinção do entrudo e lembravam os nomes dos dois chefes de


P olícia que tan to se tinham esforçado para isso: L u iz F o r­
tu n ato de B rito e A lex an d re Joaquim de Siqueira, êste
chefe de P o lícia em 1853 e aquele em 1847.
O C arnaval teve início a 21 de Fevereiro. No dia 15 a
União Veneziana pedia aos sócios fôssem à travessa do
Paço, 12, d eclarar as fantasias com que se apresentariam
no p réstito , e se iam a carro ou a cavalo.
U m arm arinho da praça da C onstituição, 14, anunciava,
em versos, a venda de m áscaras e dominós.

Perto está a fo lia . ..


P erto está o Carnaval. ..
A vante, rapaziada!
Não me deixem ficar mal.

Se quereis ser bem servido,


Procurem-me sem dem ora. ..
A festa já se aproxima;
Não deixeis p’ra última hora.

No dom ingo gordo, as ruas se encheram de povo para


a ssistir ao d esfilar dos p réstito s das sociedades Sumidades
Carnavalescas, que saiam pela te rc eira vez, e União Venezia­
na, que se apresentava pela segunda.
A m bas foram recebidas com delírio e apresentaram
sun tu o so s carros, cabendo a palma da vitó ria às Sumidades,
que d istrib u íram em avulsos os seguintes versos:

Cansado de ter juizo


Por um ano todo inteiro.
Desde a quaresma passada
A té vinte e um de Fevereiro,

Dêmo-nos hoje à folia,


Que nos dá maior prazer .. .
Tenha juizo quem fôr tolo .
A doudice é que é viver.
I I

: s s r a n iiiiH H in i

230 MELLO BARRETO FILHO € HERMETO LIMA

Quem julgar que o matrimônio


É vida de mais massante,
Converta-se ou desconverta-se:
Vá fazer-se protestante. ..

Agora, sim, que nós temos


O divórcio comesinho
Com tal gente e tal conciência,
Que mais falta, havendo vinho?

E viva a rua do Cano,


Cano arcano, cano imenso,
Que hás de levar m uito tempo
Sem se endireitar, eu penso.

Virão as m il companhias,
A h ! que grandes maganões.
Pelos caminhos que tomam
Vão pôr a lua em ações!

H oje a norma é de estradas,


Se êles pensam tanto nessa
É porque querem caminho
Por onde fujam depressa.

Porque, enfim , o povo bruto


É às vezes tão ingrato
Que entra a cismar que isso tudo
Pode ficar mais barato.

A gravidade invocante
O Concílio Tridentino,
Faz dum casado, um solteiro
Isto , sim, que é grande tino.

Como se vê p o r essa am ostra, os poetas carnavalescos


do tem po não tinham nem verve nem hum orism o.
N ão obstante, os jo rn ais diziam que essas quadras ha­
viam sido apreciadíssim as.
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 231

A União Veneziana apresentou o seguinte p réstito :


Uma banda de música, a cavalo, em trajes de venezianos
da ra in h a de C hipre — Um guerreiro veneziano com o es­
ta n d a rte da sociedade — Um escocês, a cavalo, incum bido
da fiscalização do p réstito — Dois cavaleiros: C orsário
V erm elho e L o rd B oquigle — Dois cavaleiros: V ito r de
Cham bot e M aurice, na peça “ Je dine chez ma mère — Dois
cav aleiro s: M r. de F o u lq u ires e L o rd B ouchingan — Dois
c a v a le iro s: B alochard de P a ris e C hevalier de St. E sp rit —
D ois cavaleiros: P rín cip e Z ignano e A ram is — Dois ca­
v aleiro s: M r. de W in te r e M ordaunt.
l.° ca rro : Incroyable, F ranc-viveur e oficial da guarda
de L u ís X V ; — 2. carro : D. F ernando, ju iz civil de L uís
X I I I e 1 escocesa — 3.° c a rro : In d íg en a do Q u artier la tin ;
C onte de St. G erm ain e Satan, su r te rre — 4.° c a rro : Conde
de L a fère, M ouro e P lum eau A siatique — 5.° carro: O liver,
L a fo n ta in e e pagem de L uiz X IV — 6.° c a rro : espanhol,
b rig a n t italien , P ie rro t cochinochinoe — 7.° carro: M r. R o­
ger, M r. G ro ffro y e B ignon — 8.° carro : Nescardo, espa­
nhol m in istro de L u iz XV.
O p ré s tito obedeceu ao seguinte itin erário : Largo do
M oura, ru a de D. M anuel, largo do Paço, ruas D ireita, das
V iolas, da Q uitanda, do O uvidor, largo de S. Francisco, rua
do T e a tro , largo do Rossio, rua dos Ciganos, Campo da
A clam ação, ruas de S. P edro, dos O urives, da Assembleia,
da C arioca, largo do Rossio, ruas do Conde, do Lavradio,
dos A rcos, das M angueiras, largo da Lapa, ruas do Passeio,
das M arrecas, dos Barbonos, da A juda, dos O urives, do
O u vidor, largo de S. Francisco de P aula até ao T eatro de
S. P ed ro , onde entraram para as danças. D entre essas ruas
algum as já não existem , outras são conhecidas por novas
denom inações.
H ouve bailes carnavalescos no Teatro Lírico, no F lu ­
m inense, no Teatro de S. Pedro e no Paraíso, que fu n cio ­
nava no H otel do Nicole, m ediante 2$000 a entrada.
M áu grado a proibição term inante do entrudo, na rua
de S. L eopoldo houve um princípio de charivari, porque os
m oradores en tre si despejaram vários b arris dágua, haven-
232 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

do necessidade da intervenção da P o lícia para acaltríar os


ânimos.

O Velho dos 500.

O Velho dos 500 faleceu na Casa de D etenção, a 14 de


F ev ereiro de 1861.
Q uem era êle?
Um refinadíssim o tratan te.
Chamava-se F rancisco A ntônio Gomes. Bem apessoa­
do, sem pre de sobrecasaca e cartola, lem brando respeitável
m agistrado, en trav a em uma casa com ercial, com prava um
objeto e dava em pagam ento uma nota de 500$000. O nego­
ciante, que quase nunca tin h a trôco, vendo aquele senhor
de ares respeitáveis, entregava-lhe o objeto sob prom essa
de receber a im portância dali a m om entos. O velho, porem,
não aparecia mais.
E tantas fez, que ficou conhecido na cidade pelo Velho
dos 500.
E is a sua últim a façanha, p raticad a no ano de 1860 e
que extraím os, na ín teg ra, do Jornal do Comércio de e n tã o :
“O velho dos 500” — C usta a crer que a p olícia não
conseguisse ainda co rrig ir e castig ar o hom em dos SOO.
A uxiliado com os cabelos brancos e o p o rte de^ um homem
honesto, consegue sem pre v in g a r a in d ú stria ilíc ita a que
se votou de alma e coração.
Poucas casas e nenhum a ru a tem escapado ao velho que
procura trôco para uma nota de 500$GOO.
H á dias foi êle v isitar o colégio do sr. Roosm alen para
m eter lá dois filh o s a educar, segundo dizia o tra ta n te . E x a ­
m inando todo o colégio, dignou-se achá-lo ótim o a to d o s os
resp eito s e quis logo pagar as prim eiras despesas que os fi­
lhos tinham d e fazer. P ro cu ro u no bolso a célebre n o ta e,
dizendo-lhe o d ireto r do colégio, que pagaria depois, o ve­
lho an u iu e p ed iu 20$000 para pagar uma pequena conta
que fizera nas proxim idades do colégio.
F oi servido e o velhaco saiu para não m ais v oltar.”
W*

HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 233

A repartição central da Polícia passa


a ter nova sede em 1857 — Quando se ins­
talou na rua do Lavradio.

Do p réd io onde funcionava a repartição central da P o ­


lícia, na ru a V isconde do R io B ranco, em 1857, passou ela
para a ru a G eneral Câm ara, esquina da rua do N úncio, onde
esteve estabelecida a P re fe itu ra M unicipal. M ais tarde a
P o lícia m udou-se dessa casa p ara o edifício d a rua do Se­
nado, esquina da do L avradio, onde se achava quando ocor­
reu o assassínio de A p ü lcro de Castro, bem debaixo das suas
sacadas.
A í esteve pouco tem po, m udando-se a repartição para
os p réd io s da m esm a rua, ns. 78 e 80, de propriedade do
com endador Jo sé A n tô n io V ieira da V eiga, que os alugou
ao govêrno pelo prazo de 9 anos, m ediante o aluguel anual
de 7 :400$000, com eçando o respectivo contrato a vigorar
ma data de sua assinatura, isto é, a 23 de Jan eiro de 1884,
e term in an d o em 1893. D aí por diante, já havendo uma lei
que p ro ib ia os co n trato s por tem po m aior de um ano, com
as rep artiçõ es públicas, continuou a Polícia a ocupar as
mesm as casas, m ediante co n trato s anuais e pelo aluguel da
1 8 :000$000.
A lgum as dezenas de contos de réis foram gastos em
m elhoram entos nesses préd io s d u ran te o longo tem po em
que fo ram sede da P olícia, sendo que as prin cip ais refo r­
mas n eles in tro d u zid as foram executadas d u ran te a adm i­
nistração do chefe de P o lícia dr. E néias Galvão,

O povo incendeia um circo armado no


campo de Sant’Ana.

A 1 d e N ovem bro de 1857 um conflito sério preocupou


a atenção da P olícia.
E m um circo do qual eram em presários E stêvão Lem-
beck, F rancisco Geolás e P ed ro B arboglio, armado no cam-
234 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

po de S ant’Ana, prom eteram êsses senhqres m o strar ao p ú ­


blico uma au tên tica co rrid a de touros. A presentaram , p o ­
rém, em vez disso, uns bois m agros, que, por m ais cutiladas
que lhes dessem, não saíam do lugar.
Os espectadores, vendo que estavam sendo ludibriados,
pelos em presários, pro testaram em altos brados, ameaçan-
do-os de reação física. D epois de grande vozeria, tocaram
fogo no circo, m áu grado a P olícia que lá estava e que não
pôde conter a ira popular.

A cidade do Rio de Janeiro e a vida


carioca em 1860.

E stam os em 1860.
V ejam os como era a cidade do R io de Jan eiro e como
era a vida carioca nessa época.
C onta a capital do B rasil em 1860 o total de 197.762
habitantes, dos quais 154.764 residem na cidade e 42.998
nos arredores.
Com cêrca de 120 “ cortiços” espalhados pela cidade, e
onde habitam 4.003 pessoas, das quais 1547 n acionais; sem
água necessária para abastecer a população, sem esgotos,
sem serviço de lim peza p erfeitam en te organizado, pois
todo o lixo das casas é atirad o nas praças públicas, como a
da C onstituição, a da Aclam ação, a de S. F rancisco de
P au la e largo do Paço, o estado san itário é péssim o, ag ra­
vando-se consideravelm ente em 1850, quando a febre am a­
rela apareceu pela prim eira vez. N este ano de 1860, falece­
ram 12.206 pessoas das quais 2.947 eram escravas.
E n tre ta n to alguns m elhoram entos a cidade já ap re­
sentava.
A E strad a de F erro M auá à S erra da E s tré ia ; a D. P e ­
dro II , com as seg u in tes estações: C ôrte, S. C ristóvão, E n ­
genho Novo, C ascadura, Sapopemba, M axambomba e B e­
lém ; o fecham ento da cadeia do A ljube, essa B astilh a ca­
rioca, que duro u um século; a proibição do entrudo, (do
qual, nem mesmo s. m. im perial escapava) para dar lu g ar
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 235

ao Carnaval, que tom ou novo aspecto com a aparição


em 1855, do Congresso das Sumidades Carnavalescas; a ilu ­
m inação a gás, em bora parca — pois em toda a cidade h á
apenas 4.855 lam pões — e o calçam ento de algum as r u a s ;
a inauguração, em 1852, do correio urbano; a proibição dos
enterram en to s nas igrejas, em 1852; a inauguração do m e r­
cado da p raia do p eix e; o rom pim ento de um pedaço do
m orro do Senado, p ara com unicar a rua do mesmo nome
com a de M atacavalos (1841); as viagens a vapor entre o
B rasil e a E uropa, sendo o T evio t o prim eiro a fazê-la; o
tra je to p ara N iteró i p o r meio de barcas; o Colégio de P e ­
dro I I , a E scola de M edicina — são outros m elhoram entos
que se nos deparam ao en tra r no h istórico da vida carioca
em 1860, época em que já se não diz Senado da Câmara
nem Intendência de Polícia m as sim Câmara Municipal e
C hef atura de Polícia.
A v id a p ro p riam en te social em quase nada difere da de
30 anos atrás. C ontinuam as festas de ig rejas a dom inar o
esp írito das fam ílias, baldas de passeios e de diversões. As
festas do D ivino, as da Semana Santa, a da Glória, a da P e ­
nha, as de A no Bom, de Reis, de S. João e do N atal, com
o presepe do B arros, na ru a dos Ciganos, para só citar as
p rin cip ais, são as que m ais em polgam a atenção do povo.
Q u an to às de S. João, as fam ílias se reúnem e delibe­
ram fe ste ja r o dia do santo.
O p rim eiro ato consiste em encom endar diversas p lan­
tas arom áticas, que, na véspera do dia 24, deixam ao relento,
afim de receber o orvalho da noite.
No dia de S. João, as moças adicionam essas plantas
orvalhadas ao banho do dia.
É p ara trazer felicidade.
D elibera-se que a ceia será em tal casa.
E aí, à noite, form am -se as danças ou tiram -se as sortes
pelo “ L ivro de S. Jo ã o ”. Joga-se o dado e o núm ero dos
pontos indica a quadrinha para saber se se casará êsse ano,
E a q u ad rin h a d iz:
236 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

“Casarás, sim, êste ano,


Meiga e formosa menina,
Mas com aquele quitandeiro
Que tem casa, ali, na esquina

O u então:

“Não casarás êste ano


Com quem tu tens afeição,
Mas casarás com um velhinho
Pelo outro S. João”.

E as risadas ecoam, consoante a le itu ra da q u ad rin h a


a quem a sorte se refere.
D epois vão todos p u lar fogueira.
Cada moço tom a o braço de um a eleita e pula a fo g u eira
trê s vezes, pedindo o que quer lhe aconteça de m elhor
no ano.
E a cada instan te é servido aos convidados da festa o
cará, a cangica e o m ilho verde.
L á pelas tantas, vem o chá, acom panhado do bolo de
S. João.
E os folguedos in terro m p id o s continuam em segui­
d a . . . É o pulo das fogueiras, a queim a das pistolas, as dan­
ças alegres. Q uando dão acordo de si, vem-se abrindo as
p o rta s da alvorada.
Os rapazes procuram os chapéus, as moças os chalés,
e as despedidas se fazem num vozerio encantador.
A Semana Santa é o u tra festa que em polga tô d a a ci­
dade.
Ao chegar o Domingo de Ramos, os hábitos da cidade
se m odificam quase por com pleto. Logo pela m anhã, as se­
nhoras donas de casa vão ao seu orató rio cobrir as im agens
dos seus santos com gorgorão roxo. M ais tarde, à h o ra da
m issa, os m oleques e as mucamas da casa vão à ig re ja buscar
as palmas, que são as folhas de palm eira benta que nesse dia
distribuem .
Na q u arta-feira de T revas, tôda a cidade ouve o b ater
das m atracas das igrejas, anunciando assim o começo da
rrr.'r-

HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 237

agonia de Jesú s. À noite, realiza-se o sermão de lágrim as,


quase sem pre pregado pelo m elhor pároco da cidade. À
quarta-feira de Trevas, segue-se a q u in ta-feira de E n d o en ­
ças, dia em que ninguém m ais come carne e cuja m aior c e ri­
m ônia é a do “ Lava-pés” , onde d. P ed ro II vai em pessoa
lavar os pés dos 12 pobres que se apresentam na C atedral.
E ssa cerim ônia é apenas um sim ulacro. S. M. apenas m olha
lig eiram en te os pés dos pobres, enxugando-os em seguida
com uma toalha, m ostrando, assim., que, perante Deus, os
hom ens todos devem ser iguais.
Na sex ta-feira, ninguém sái de casa senão vestido de
preto. Os te atro s não funcionam . O com ércio perm anece
fechado. D epois de assistirem todos às cerim ônias sacras,
acom panham a procissão • do Senhor M orto, que é tudo
quanto de m ais to can te se pode im aginar. A m ais im ponente
é a que sái da C atedral. A com panham -na quase tôdas as ir ­
m andades. Da procissão fazem p arte três hom ens com in ­
d u m en tária fem inina, rep resen tan d o as três M arias. O povo
dá-lhes o nom e de Beús, por causa da exclamação, d ifícil
de trad u z ir, que êles fazem d u ran te o trajeto . Da procissão
faz tam bém p arte o C enturião, que é um sujeito de barbas
enorm es, v estid o a caráter. D epois, vem o andor do Senhor
M orto, carregado sem pre por pessoas de relêvo na socie­
dade. E m seg u id a vem a V erônica, que, a cada passo, sobe
em um estrad o e m ostra a sangrenta face de Jesús, im pressa
na to alh a e canta, em voz tocante, as palavras do r itu a l:
"O h vos omnes qui transites per viam, attendite et videte
si est dolor sic dolor meus.”
L ogo depois vem a banda de m úsica m ilitar, que toca
m archas fúnebres.
F ech a a procissão o pálio, cobrindo o senhor bispo que
leva a C ustódia. O im perador conduz uma das varas e os
cam aristas e d ig n atário s do paço levam as restantes.
Chega, finalm ente, o sábado de A leluia. O Boulevard
Caxceller é com especialidade o ponto onde os Ju d a s apa­
recem espetados nas árvores, que ali se vêem. Mal os sinos
das ig rejas anunciam o rom per das aleluias, surge como por
encanto uma chusm a de moleques, todos de cacetes em pu­
nho, esbordoando os Ju d as. Não deixam dos bonecos nem

4
238 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

os fragm entos, pois o prazer é queim á-los todos ali mesmo.


Na praça do M ercado, os negociantes têm por hábito p reg ar
Ju d a s nas p o rtas dos estabelecim entos com erciais dos cole­
gas. A lguns não gostam do gracejo. V ão in su lta r aqueles
que lhes parecem te r sido os au to res da p ilh éria e daí sérios
co n flito s nos quais por vezes é preciso a in terferên cia da
P olícia. In d ep en d en te da fig u ra do traid o r, são d istrib u íd o s
ou vendidos jornalecos contendo o “ T estam ento do J u d a s ”,
que não é nada m ais que um am ontoado de pilh érias d irig i­
das a pessoas conhecidas. Se alguns, porém , se riem das
b rincadeiras, outros não gostam delas, e acontece o mesmo
que com os negociantes, da praça do M ercado. Os “ h e rd e i­
ros” fazem in terp elaçõ es; e, quando as explicações não são
razoáveis, o que quase sem pre acontece, surgem em cena
bengaladas, tornando os contendores inim igos para tô d a a
vida.
A cabada a m issa de sábado de A leluia, tôdas as fam í­
lias fazem questão de com prar o seu ram inho de arru d a e
obter o seu frasquinho de água benta, que lhes fornece o
sacrista da ig reja próxim a. É para afu g en tar os dem ônios.
É também no sábado de A lelu ia que se efetu a a “ F o lia
do D ivino”, espécie de préstito , que se realiza com o fim
de an g ariar esmolas para as festas do D ivino E sp írito Santo.
P ara angariar donativos para a festividade, organiza-
se “ a fo lia”. É com posta de um bando de m eninos vestidos
“ à p asto ra”. Um dêles leva a b andeira do D ivino. Vai como
os outros do grupo, vestido de calção de côr verm elha, ja ­
queta ou casaca de chitão, sapatos côr de rosa e de en trad a
baixa, debruados de fitas, e chapéu de abas largas enfeitado
de tira s de pano e de flores de papel de côres.
Leva cada um dêles um in stru m en to “ pasto ral” com
que tocam, form ando um quadrante, no meio do qual, de
corôa e cetro, vai o “ im perador”, que é o p rin cip al perso­
nagem do grupo. Faz tal papel um m eninote de 10 anos, ves­
tid o de casaca verm elha, calção e chapéu armado. O u tro
rapazote, trajan d o a m esm a fantasia, em punha uma C ustó­
dia que dá a b eijar aos tran seu n tes, que depois deixam na
sacola algum as moedas.
Na fre n te ou p o r d etrás do grupo, toca a m úsica dos
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 239

barbeiros, enquanto os “ irm ãos”, de opa, em punhando saco­


las de v eludo roxo, pedem esmolas aos que passam.
Q uando se ouve a m úsica da “ folia do D ivino”, todos
correm às ja n e la s p ara vê-la. É justanaente o que o bando
quer, pois é ra ra a jan ela da qual não au fira bons lucros.
V ai o g ru p o aos pulos pelas ruas, dançando e cantando
q u ad rin h as, feitas, geralm ente, pelo mais poeta da irm an­
dade.
D iz um a:

O h! D ivino E spírito Santo,


Nosso lindo protetor,
D izei àquela donzela
Que nos olhe com amor.

E o u tro d iz :

O D ivino pede esmola


M as não é por precisão,
É som ente p'ra saber
Quem lhe dá seu coração.

E lá vai o bando, ruas em fora, até que chega à cadeia


do A lju b e, na ru a da P raín h a e distrib u e esmolas pelos p re­
sos que lá se acham .
A co ro a e cetro do “ im perador” são às vezes de não
pequeno valor. D ados à irm andade por algum a senhora rica,
devota do D ivino, são alguns de ouro massiço.
O “ im p erad o r” , em certas ocasiões, senta-se em seu
tro n o , às vezes perm anente, como o da Lapa, que está assen­
te no beco do m esm o nome.
A cabado o sábado da A leluia, recolhe-se a “ folia ao
“ Im p é rio ” e alí conta os lucros destinados à festa.
A m ais div ertid a, é a que se realiza no Campo de
S a n t’A na, que se enche de barracas de sortes e de teatro s
de feira. D epois da novena, efetua-se o leilão de prendas, e,
à m eia n o ite, queim a-se o fogo de vistas, que atrái ao campo
com pacta m ultid ão .
O povo se espalha pela praça e, sentado no gramado,
240 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

form a grupos em tôrno das esteiras estendidas, sobre as


quais fum egam suculentas ceias.
De vez em quando estala no ar um foguete de lágrim as.
Lá pelas tan tas rebenta um m orteiro, anunciando o “ fogo”.
E lá vem êle ern seguida. Cada um tem o seu nome. É
a “ roda”, a “ lu a”, a “ m elancia”, até que vem o p rin cip al:
— uma grande estrela que gira, tendo ao cen tro o emblema
do “ D ivino”.
No dom ingo da R essurreição não é m enor a frequência
à m issa nas ig rejas, onde é celebrada com o m aior esplen­
d o r: S. Francisco de P aula, Carmo, Bom Jesú s, C andelária,
S. P edro, S. F rancisco da P enitência, B oa M orte, Capela
Im p erial e S. Bento.
E no dia seguinte, com eça o êxodo das fam ílias, que
vieram do in te rio r assistir na Côrte às festas da Sem ana
Santa. E nada m ais in teressan te do que ver nesse dia, pais,
filhos, mucamas, crias de várias idades e escravos, condu­
zindo os balaios e as m alas que haviam trazid o da roça.
E , quando os m oleques não fazem o serviço a contento,
as suas senhoras lhes dizem :
— Olha, que agora tu apanhas. J á acabou a Semana
S a n ta ! . . .
A s festas que vão do N atal a R eis tam bém fazem a
alegria do povo carioca,
Quem passasse pela ru a dos Ciganos, aí pelo ano de
1850, veria, logo no p rin cíp io da rua, uma vasta loja de
cinco portas, ocupada por um a m arcenaria.
E , se alguém mais curioso m etesse a cabeça por uma
dessas portas, veria, também, um velho baixo e gordo, um
tanto verm elho, de cabelo cortado à escovinha e de barba
in teiram en te raspada. E ra o dono da m arcenaria. Chamava-
se F rancisco Jo sé de B arro s: português de nascim ento e
brasileiro de coração.
U m dia, caíra-lhe doente uma filha. V endo aquela vida,
ao desabrochar, ir-se pouco a pouco consum indo, o B arros,
que só tin h a aquela afeição no mundo, lançou as vistas para
o céu e de m ãos postas rogou a D eus piedade para o seu
en te querido. Como o acontecim ento que estam os relatando
se dava em vésperas de N atal, à hora em que nas outras
Edifício da Câmara Municipal do Rio de Janeiro (no campo da Aclamação, atuai
praça da República), onde foi Instalada a enfermaria para os coléricos

O bairro do Catete, em 1860


H ISTÓ RIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 241

casas tu d o se m ovim entava para que nada faltasse aos con­


vidados, e em que as folhagens para o presepe já se acha­
vam encom endadas — o B arros prom eteu que, se a m enina
ficasse curada, fa ria em casa um presepe, com eçando no ano
seguinte.
D eus ouviu as súplicas do pai angustiado e a m enina
pouco a pouco foi m elhorando, até que o dr. V aladão lhe
deu alta, aconselhando ao B arros que a levasse a tom ar ares
na T iju ca.
O bservada a prescrição m édica, a filh a do m arceneiro
da rua dos C iganos voltava da T iju ca, dois m eses depois, in ­
te iram e n te curada. A n tes de chegar a casa, na cidade, o
B arro s levou-a à ig re ja do C onvento de Santo A ntônio e
agrad eceram os dois o favor celestial que tinham recebido.
P assaram -se m eses. A proxim ando-se o N atal, o B arros
cerro u as p o rtas de sua m arcenaria na rua dos Ciganos e
tra to u de aí fazer o m ais belo presepe, que se podia orga­
n izar com os recu rso s da época. No dia 22, o cônego Q u in ­
tilian o J o sé do A m aral benzia a im agem do M enino Jesu s
e a 23 a lo ja do B arro s se abria para m o strar ao público
o p ro d u to de sua a rte e de sua devoção.
E spalhou-se a novidade pela cidade tô d a e as p rin ci­
pais fam ílias cariocas, que então m oravam na ru a do Conde,
do L avradio, dos Inválidos, do R esende e de M atacavalos,
correram a adorar o D eus M enino, no presepe do m estre
B arros.
N o ano seguinte, o presepe se to rn o u m ais pomposo e
m ais adorado. Sua m ajestade o im perador e sua fam ília lá
estiv eram ; e o B arros, cheio de emoção, correu a b eijar as
mãos im periais, não sabendo onde se te r de pé, de contente,
p o r ta n ta honra.
Os anos se sucederam e o presepe do B arros passou à
celebridade, até que se não com preendia que na no ite de
N atal, no Rio de Jan eiro , alguém deixasse de o v isita r de­
pois de assistir à m issa do galo. E era de ver-se, nessa
noite, a rua dos C iganos tôda cheia de ban d eirin h as de
ponta a ponta, encher-se de gente, num vai-vem constante,
para v isita r o presepe do m arceneiro.
242 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

Mas não é só aí que na noite de N atal a a leg ria popular


se m anifesta. F am ílias de alta posição social tam bém às
vezes arm am em casa pequenos presepes. E, a p rete x to de
serem êles visitad o s pelos am igos, form a-se um baile, acom ­
panhado de su cu len ta ceia ou de um chá, onde os bolos e os
doces, feito s pela dona da casa, são em tal profusão e de
qualidades tão variadas, que é d ifícil a escolha.
À hora da missa do galo, term in a a fe sta ; e a fam ília,
tô d a reunida, segue rum o das ig rejas do Carmo, S. F ra n ­
cisco de P aula, C andelária, Sacram ento ou da C apela Im ­
perial, onde o bispo oficia.
Pelo cam inho, bandos de p astorinhas se encontram
cantando alegrem ente. V ão ou vêm de visitas a casa de
pessoas conhecidas ou in flu en tes na política. A lguns ban­
dos dançam no páteo da casa, outros são recebidos na sala
de visitas. U m envelope, com dinheiro, é então entregue,
dando vivas e desejando felicidades a todos.
Nas vésperas do N atal a fam ília carioca se m ovim enta.
A s m ucam as p reparam e enfeitam os presentes. E os patos
assados e os leitões tostad o s — nadando em um m ar de ape­
titoso m ôlho — são v isto s em taboleiros cobertos de custosa
toalha de linho, à cabeça dos negros escravos, que os vão
levar a casa dos am igos de seus senhores.
E a tro ca de p resen tes se faz em todas as classes. É
pelo N atal que os escravos ganham as roupas que os hão-de
cobrir o ano todo.
Nas casas com erciais não é m enor a trabalheira. Os em­
pregados, especialm ente dos arm azéns e das padarias, pas­
sam as v ésperas do N atal em brulhando, em pacotando pre­
sentes.
No dia de Ano Bom, é uma dobadoura, em casa. C ru ­
zam-se as m ucam as um as com as o u tras pelos longos co rre­
dores, executando as ordens ou transm itindo-as às escravas,
que se acham na cozinha.
A dona da casa, rodeada das filhas, sentada no canapé
da sala de ja n ta r, d irig e todo o serviço.
E , enquanto as m oças trabalham na m áquina de costura
ou provam os vestidos, aquela bate os ovos para o bolo do
A no Bom.
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 243

De repente, um m oleque in terro m p e aquele serviço,


m ostrando à senhora uma longa assadeira de barro, onde
um bacorinho ou um perú, nadando em m olhos, segue para
a padaria m ais próxim a, para ser assado.
E a senhora recom enda ao m oleque avisar ao dono da
padaria não deixe queim ar o perú, sob pena de lá não com­
p rar m ais e acabar com a freguesia.
E m um a longa m esa da sala de jan tar, à proporção que
sáem da cozinha, estendem -se os doces sêcos, os bolos, os
pudins, os pães de ló, todos cobertos com papéis rendados
ou guardanapos de linho fino.
E d. Sinhá, a filh a m ais velha, determ ina que tal bolo
será para o dr. F u lan o , que lhe havia curado o pai de uma
enferm idade g rav e; o u tro para a sua com adre; outro para
a senhora do p ro fesso r de p ia n o ; ainda o u tro p a r a . . . e
nunca m ais se acaba a nom enclatura dos que têm de ser
presenteados no dia d e A no Bom.
A cada passo, um bater de palm as se ouve no corred o r
da e n tra d a do velho s o la r; é um m oleque que vem, da p arte
de seu senhor, tra z e r uma lem brança para a senhora dona
ou p ara um a de suas filhas.
À tard e, en tra o chefe da fam ília com os em brulhos de
presentes. Cada pessoa da casa ganha o seu, inclusive as
boas escravas, que são sem pre contem pladas na distribuição.
Logo no começo da noite, p rincipiam as m ucam as a
pen tear as moças p ara o b a ile ! Senta-se a jovem em um a
cadeira de braços e a m u latin h a inicia o trabalho do d ifícil
penteado. P rim eiro , solta a g ran d e cabeleira, previam ente
em papelada, para fazer os “ cachinhos*; depois, passa o
óleo de O riza, isto acom panhado de m il ir-e-vir de p e n te ;
em seg u id a friza, faz os bandos, poe os en ch im en to s, da
daqui e dali — tu d o sob as reclam ações da senhorita, que
acha sem pre um lado do cabelo m ais elevado que outro, esta
parte m ais cheia que aquela. E a mucama, satisfazendo à
moça, desfaz o que tem feito para arra n ja r de novo o pen­
teado, de so rte que tu d o fique a contento de sua dona.
A operação do penteado dura m ais de hora porque,
além dêle, há as flo res para colocar na cabeça, os o rn a to s ;
244 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

isto, aquilo e aquilo o u tro ; ao que, reunido tudo, chamam


— o toucado.
O penteado se faz an tes do ja n tar para que, depois
dêle, só se tra te do vestu ário .
E, quando êste começa, não é m enor a trab alh eira. Vem
a prim eira anágua, a segunda, a terceira, cada qual a m ais
engom ada e farfalh an te. E depois de tôdas elas, o corpinho,
o colete, atacado o m ais possível.
A êsse p ro p ó sito um poeta escreveu:

— A i! Maria vem depressa,


desaperta êste colete.
Vem depressa, que eu receio
estourar como um foguete.
— Iáiázinha está tão linda,
mas, enfim , dá tantos a is. . .
— A h ! espera, estou bonita,
pois então aperta mais.

E o colete, que tam bém se cham a espartilho, é aper­


tado de tal ordem , de form a que fique cin tu rin h a como a das
tanajuras.
M as que im porta i s s o ? ... A m oda im põe e está tu d o
dito.
Uma vez feita a to ilette das saias de baixo, vem, por
fim , o vestido.
São, às vezes, duas m ucam as a compô-lo.
Uma, com a boca cheia de alfinetes, tira a cada passo
um dêles e começa o preg a daqui, desprega e prega de novo.
O u tra ap resen ta idéias, dizendo que a fita deve ser neste
ou naquele p o n to ; que a rosa fica m elhor aqui do que ali.
D epois de reu n id o o conselho, de serem consultadas as ou­
tra s irm ãs e a m am ãezinha, resolve-se que a rosa seja posta
em tal lugar.
L á pelas 9 e pouco vem o moleque g rita n d o :
— O carro já está na p o rta!
E , então, o resto de todo aquele ap arato se faz com a
m aior presteza. A s pulseiras, os brincos, os anéis são colo-
/

Of ■õ

■o 41

QO.
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 245

cados “à Ia diable”, mesmo porque a voz do “ velho” já re ­


clam a :
— M eninas, vamos, andem ; olhem, que o carro já
está aí.
D epois de trê s ou q u atro dessas reclam ações e de uma
adm oestação m ais severa, em que o “ velho” diz “ que não
irá m ais à festa se a dem ora co n tin u ar” , descem todos a
escada e tom am o carro, que roda para a casa do desem bar­
gador, onde se realiza o baile.
E m cam inho, uma das m oças pede ao pai que volte a
casa, que ela se esqueceu do leque de sândalo.
O “ velho” fecha a cara e, de tão amuado, nada responde.
A velha in terced e pela filha, m as o velho, im placável, m an­
da seg u ir o carro e, p o r fim , diz:
— Não é p o ssív e l; ain d a tem os que passar pelo presepe
do B arros.
E a fam ília, que m ora na rua do R esende, faz rodar o
carro pela ru a dos In v álid o s até à dos Ciganos, onde está
arm ado o presepe.
U m a vez visto lig eiram en te o presepe do B arros, o carro
segue pela praça da C onstituição, tom a a ru a do P iolho,
até à ru a da A ju d a, p erto da do P arto , residência da fa­
m ília do desem bargador X . . onde se vai realizar a festa.
A í está a m ais seleta sociedade. Dança-se a gavota, a
m azurca, o m inueto, a polca e, à m eia noite em ponto, o
piano toca o hino da In d ep en d ên cia e os cum prim entos e os
abraços se trocam sob a m aior alegria.
D epois segue-se a la u ta ceia, interrom pida, de quando
em quando, p o r um discurso de saudação ao dono ou á dona
da festa.
A o rom per da m adrugada, vão-se as fam ílias retiran d o ,
e cada uma que se despede é obrigada a levar, por in sistê n ­
cias da dona da casa, um lenço cheio de doces, p ara os m e­
ninos que ficaram a dorm ir e não puderam assistir aos fo l­
guedos.
D ias passados, quantas recordações, quantas saudades
do b a ile !.. .
Q uinze dias depois ainda se fala nele.
Os que não têm relações ou não recebem convites para
246 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

os bailes, passeiam alegrem ente pelas ruas, esperando a


meia n o ite : — en trad a do A no Novo.
E n q u an to estas cenas se desenrolam na véspera do Ano
Bom, o com ércio trab alh a até tard e da no ite no preparo dos
presentes aos seus fregueses.
E são as caixas de passas, o cestinho de figos, as latas
de biscoutos, os caixões de vinho fino, etc., e t c .. . .
São assim os dias de A no Bom, dias em que todos os
parentes se reúnem em confraternização encantadora e ale­
g ria ind efin id a.
No dia de R eis p ercorrem as ruas da cidade bandos de
indivíduos vestidos de calção e jaq u eta de seda, chapéu
de palha, com m u itas fitas a lhes cair pelas costas, tocando
pandeiro, viola ou violão, e vão “ tira r os reis” .
Cam inham , destarte, em direção a casa de pessoas en­
dinheiradas, previam ente avisadas para receber os bandos.
A í chegados, anim am m ais as tocatas, dansam , comem
bem, e, p o r fim, recebem “ os re is”, que assim se chamam
as dádivas oferecidas pelo dono da casa.
São variadas as quadras cantadas pelos tiradoies de
reis, das quais são bem conhecidas as seg u in tes:
Acordai, nobres pastores.
Contemplai alegremente
A presença dos três reis
Que vieram do Oriente.
Senhora dona da casa,
Acordai e ouvireis
Que da parte do Oriente
São chegados os três reis.
De seus reinos separados.
Longas terras têm corrido,
Para virem adorar
O M enino Deus nascido.
Ouro fino lhe ofertarão
Como a Deus universal;
Incenso, como divino,
Mirra, como imortal.
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 247

D epois de terem recebido os “ reis” do respectivo dono


da casa, retiram -se cantando:

Deus vos pague a bela esmola


Que destes com alegria;
O reino do céu vos veja
A o pé da Virgem Maria.

Nem sem pre, porém , são êles recebidos nas casas para
onde têm m andado o aviso. N esse caso, deparando-se-lhes
fechadas as p o rtas da casa, cantam :

E sta casa fede a breu.


A q u i mora algum judeu;
Se não é o dono dela
É algum parente seu.

■ÜÜ
D aí, poucos se recu sarem a receber os bandos de fo­
liões.

'
L á pelas tantas, os bandos, excitados pelos vapores do
álcool, que bebem nas diversas casas onde dançam, provo­
cam, algum as vezes, co nflitos, nos quais a capoeiragem entra
em cena com o seu arsenal de navalhas e facas.

-
N ão m enos in teressan te é a festa da Penha, de caráter
in teiram en te p o p u lar e português. .
N ão se sabe ao certo o ano em que foi fundada a igreja
de N ossa S en h o ra da Penha, levantada no cume de uma
m ontanha, p ara se chegar à qual tem -se que g alg ar cerca
de 365 d eg ráu s; m as sabe-se que o seu fu n d ad o r foi um
cap itão cham ado B altazar de A breu Cardoso, homem abas­
tado e g rande p ro p rie tá rio das terras onde se acha a igreja.
D e sua ab ertu ra para cá, tem a ig reja passado por m il
e um a transform ações, até que foi levantado um tem plo,
graças aos esforços do reverendíssim o padre M iguel de
. . . . . . . . .

A rau jo .
Como quase tôdas as igrejas, a da P en h a tem sua
lenda. .
>•a',??*»! wç; «,J(p|WWW3l .j*> smwmjtx,. M
f” "■■" ‘ *

248 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

Conta-se, que, passando por aquele lugar, um caçador,


foi surpreendido por uma cobra gigantesca, que am eaçava
atirar-se sôbre êle.
T ran zid o de te rro r, o caçador cái de jo elhos e g rita :
— V alha-m e N ossa Senhora da P enha!
Não tin h a term inado esta frase, quando um lagarto
salta sôbre a cobra, que, espantada, corre, seg u in d o nova
direção e deixando em paz o caçador.
Tom ando isto por m ilagre, o homem fez o voto de le­
vantar um a ig reja no lu g ar do acontecim ento.
C um priu a prom essa, e, tem pos depois, estava pro n ta
a erm ida.
E spalhando-se pelas proxim idades do lu g a r a n otícia
do m ilagre, o povo viu na santa o objetivo de sua devoção
e escolheu um dia do ano p ara a festejar com tô d a a pompa.
Pouco a pouco, a festa foi tom ando caráter in te ira ­
m ente popular, e como, por essa época, predom inava entre
nós o elem ento p ortuguês, recebendo a feição lusitana.
A ssim é que, nesse dia, costum am os p o rtu g u eses levar
promessas e orar à santa. Vão em grupos, em carroças ou
andorinhas, ou ainda em velhas caleças, que parece só sáem
naqueles dias. Os carros vão enfeitados com flo res de papel,
e os rom eiros, com grandes chapéus, cheios de fitas, carre­
gam colossal chifre, que contém vinho verde, e im enso colar
<
de roscas de cores. A rm ados de viola, vão cantando e g ri­
tando, de quando em quando:
— V iva a P e n h a ! ...
Chegando ao arraial, depois de fazerem a sua visita à
igreja, os grupos se dividem , e sôbre os arvoredos estendem
o seu farn el e iniciam as com ezainas e as danças, nas quais
por vezes, é preciso a intervenção policial.
Se as toilettes dos rom eiros são interessantes, quando
vão para o arraial, não o são m enos quando voltam , acres­
cidas pelas m u itas m edalhas da santa, que trazem pregadas
ao peito e pelos reg isto s enfeitados de fitas de tôdas as
côres, q u e am arram nos chapéus.
A fora essas festas religiosas, a vida carioca decorre
m onótona. Os teatro s então existen tes — Lírico Flum inen­
se, ex-Provisório, no campo da A clam ação; Ginásio Dra-
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 249

mático, ex-S. Francisco, na rua do T eatro e de S. Pedro de


Alcântara vivem quase sem pre fechados, pobres de peças,
de ato res e de espectadores.
O Teatro de S. Pedro, que, depois que o deixam os em
1830, pegou fogo três vezes, tendo em 1831 passado a cha­
m ar-se Teatro C onstitucional Fluminense, e em 1839 vol­
tado ao an tig o nome, te ria fechado, talvez, se não fôsse a
ativid ad e do inolvidável João Caetano, que a êle dedicou
grand e p arte de sua vida e aí obteve as m aiores provas de
consagração à sua arte. T rabalham com êle: F lo rin d o J o a ­
quim da Silva, L u ís C arlos Amoêdo, M artinho C orrêa V as­
ques, P e d ro Joaquim do A m aral, E ste ia Sezefreda, Ludo-
vina Costa, E lisa M ontani e outras.
N o Ginásio Dramático, d irig id o p o r F u rtad o Coelho,
b rilh am os ta len to s de Joaquim A ugusto, Jac in to H eler,
E u g ê n ia Câm ara e outros.
À s 8 horas fecha o com ércio e com êle os 8 cafés exis­
te n te s na cid ad e: o Café dos A rtistas, na rua do Rosário,
127; o Café do Comércio, na rua da A lfândega, 4; o do
Leão de Ouro, na rua da C andelária, 6; o das Colunas, na
p raça da C onstituição, 20; o dos D ois irmãos, na ru a da
C andelária, 7; o Duque do Pôrto, na ru a da Vala, 88; o da
Europa, na rua da A ssem bléia, 84; e o p rin cip al deles, o do
Eraguinha, na p raça da C onstituição, e que é, por assim d i­
zer, um prolongam ento da tip o g rafia de P au la B rito .
F ran cisco de P au la B rito abriu a sua casa em 1837, com
o títu lo : Loja de chá do m elhor que há. No in te rio r da casa
havia uma tip o g ra fia com fundos p ara a rua da Lam padosa.
Com o co rrer dos tem pos, a casa se foi m odificando,
até que P au la B rito se to rn o u editor e red ato r de jornais.
Casem iro de A breu foi p o r alguns m eses seu em pregado.
T ornou-se, então, a casa de P au la B rito o núcleo da in te ­
lectu alid ad e do tem po. M agalhães, P o rto A legre, G onçal­
ves D ias, M acedo, E uzébio de Q ueiroz, P aranhos, S aldanha
M arinho, M aciel M onteiro, Jo sé de A lencar e tan to s outros,
eram aí v isto s tô d as as tardes, em p alestras p olíticas ou li­
terárias.
Q uanto ao Café do Braguinha, nele se reúnem tam bém
"V

250 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

os literato s do tem po, que fazem a pedido do B raga, os


anúncios da casa, sem pre precedidos do títu lo :

A FA M A D O C A F É COM L E IT E

V ejam os um dêsses anúncios, que saiu publicado no A l­


m anaque Laem m ert, para 1858:

“ P raça da C onstituição — Sem m istu ra ou


usura — Fam a do café com leite, de Jo sé de
Souza e Silva B raga.

Cantando, espalharei por tôda a parte


Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
Camões.

M eus senhores e senhoras, velhos e velhas,


moços e moças, com d entes e sem dentes, carecas
e com cabelo, gordos e gordas, m agros e m agras
e tudo quanto a an tig a m usa canta:

Escutai-me e ouvireis
Que da parte do Oriente
São chegados us três Reis.

São senhores, chegados os trê s R eis; cada


um com sua co rn eta tocando o m arche-m arche,
como quem vin h a à fren te dos zuavos p ara to ­
m arem a to rre de M alakoff.
M as não era isso, era o u tra coisa m ais triste ,
tão tris te que fazia chorar um d efu n to m orto.
O som da corneta dos três R eis dizia em tom
fúnebre e h o rrip ila n te :
H ab itan tes da terra, está term in ad a a vossa
m issão. D ia de Santo A ntônio acaba-se o m u n ­
do. E o m undo m o rreu como o m acaco quando
cái nágua. T u d o se subm ergiu; só fico u o B raga
com a sua fam a do café com leite, m as sem fre-
H IST Ó R IA DA P O L ÍC IA DO RIO DE JA N E IR O 251

guesia porque tudo tin h a ficado acachapado de­


baixo do com eta!! Q ue desgraça!!!
Os três Reis também desapareceram to can ­
do uma m archa fúnebre nas cornetas que tinham
vindo anunciar a destruição do m undo. A cabou-
se o m u n d o ; porém vem outro, que é este que
estam os vendo tão diferente do m undo antigo.
O o u tro m undo era bom, porque o rico rep artia
a sua fo rtu n a com os pobres, mas êste é um m u n ­
do te rrív el, um mundo em tudo d iferen te do que
se foi pela água abaixo: — neste, os ricos tiram
dos pobres o pouco que êles têm , e cada um não
tir a a cam isa do seu sem elhante, porque tem
m edo da polícia e da Santa Casa de Correção.
Ê ste novo m undo está cheio de invejosos,
de im postores, de caloteiros, de aduladores, de
d esordeiros, in trig an tes, de tra ta n te s e de moe-
d eiro s falsos. Porém deixá-los que o B rasil quer
é o café, a m anteiga, o açúcar e todos os gêneros
bem baratinhos, para os vender aos fregueses,
afim de ficar rico depressa para ver se acha um
b aro n ato ou pelo menos uma comenda. E será
possível com café e orchata em massa ganhar
d in h eiro para um baronato ou uma com enda?
O ra, que ad m iração !. .. . Pode-se ficar rico
até vendendo caldinho de cana ou b ilh etes à
p o rta do teatro. Além disso, os baronatos e as
com endadorias agora andam baratinhos.
V am os tra ta r da “ Fam a”, que é o que in te ­
ressa.
A “ F am a”, meus senhores e senhoras, cada
vez está m ais afamada. O café nesta casa tem
chegado a um tal apuro, que d entro em pouco
se rv irá para curar todas as m oléstias, m enos as
incuráveis, que estão a cargo daqueles que po­
dem passar passaporte para o u tro m undo.
A m anteiga, às vezes, não está em harm onia
com o café, mas a culpa é dos senhores ingleses,
que m andam a m elhor para as ín d ias para unta-
252 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

rem os narizes aos selvagens sipaios, com quem


estão a braços.
O chá é ótim o, porém em tem po de chuva
degenera, p orque a água da C arioca fica b ar­
ren ta em consequência de estar p a rte do enca­
nam ento d esco b erto ; — isto também não é culpa
nossa. O açúcar é doce “ como açú car” e se não
fô ra assim , quem pagava as favas era o B raga,
porque o freg u ês em vez de pôr seis colheres
em um a chícara de café, poria 12, e lá se ia
uma lib ra do tal açúcar ou 240 réis, que é quanto
os senhores con feiteiro s querem . E n f i m ...

Tudo nesta casa é bom


M uito gostoso e barato
Basta para satisfazer
Do café o belo olfato.”

E o anúncio não term inava ainda a í . . .


O P asseio P ú blico, que anos atrás era o refú g io das
fam ílias e ponto de reunião delas, está fechado em 1860.
Como se achasse já danificado e não tivesse sofrido reparo
algum , desde que se abrira, em 1783, em v irtu d e de um con­
tra to assinado com F rancisco Jo sé Fialho, fechou os p o r­
tões, para en tra r em obras.
E , como não ha distrações, passa-se todo o tem po no
meio da fam ília. A í discutem -se todos os assuntos, resol­
vem-se os g ran d es acontecim entos e até se form ulam ne­
gócios, p ara a realização dos quais raro é o m arido que não
consulta a esposa.
— N isto de negócios, elas vêem m ais do que nós, __
dizem os hom ens e n tre si.
A s ruas do R io são quase tôdas parecidas. E streitas,
sujas, m al calçadas, com casas tao baixas que por pouco
uma pessoa não chega ao telhado. D iversa é a do V alongo.
In ú m ero s arm azéns alí se acham, onde são vendidos-' os
pobres negros, escravos.
Na h o ra das transações, lá se deparam os com pradores,
geralm en te fazen d eiro s do in terio r, fazendo negócios.
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 253

Sentados em bancos de páu, vêm-se filas de negros,


quase nús, para serem vendidos. Na fren te do arm azém , o
correto r, — quase sem pre um cigano. Q uando aparece o
com prador, o cigano exalta as qualidades da m ercadoria,
dizendo ser da m elhor espécie. Vem o negro e o com prador
exam ina-o. Fá-lo dançar para ver se é á g i l; sacode-lhe os
braços p ara poder calcular-lhe a idade, etc.
Nas paredes do arm azém , os instru m en to s de suplício
para os negros, que ousarem rebelar-se: — o bacalháu, a
palm atória, o tronco, o cêpo, os an jinhos e os machos.
Os fu n cio n ário s públicos en tram para as suas rep ar­
tiçõ es às 9 horas e sáem às 3. R ecolhem -se às casas de suas
fam ílias, de onde sáem, ou para v isitar am igos e parentes,
ou para um a novena na ig re ja mais próxim a.
O pagam ento de um a v isita é obrigatório. H á mesmo
estrem ecim entos de am izade ou corte de relações, se êste
p rece ito não fo r observado.
V ejam os a vida de um funcionário público. O sr. Ve-
nâncio do E sp írito Santo, chefe de fam ília e escritu rário
dos C orreios, m ora com a esposa e 2 filhos m aiores, em uma
casa té rre a da ru a N ova do Conde. T em a casa 4 quartos
am plos, sala de visita, sala de ja n tar, cozinha, g rande qu in ­
ta l com 2 qu arto s nos fundos, poço e horta. P ag a êle
10$000 p o r mês, e paga caro, porqúe as há m elhores por
8$0G0.
G anha o V enâncio 60$000 em sua repartição, onde já
co n ta 12 anos de serviço. T em um escravo e um a escrava,
que lhe vieram do p atrim ônio da esposa. A quele está ap ren ­
dendo a a rte de sap ateiro e ganha 4 v inténs por d ia; aquela
é lavadeira e cozinheira da casa.
Logo às prim eiras horas da m anhã, já a casa está em
m ovim ento.
A escrava já tem to rrad o e m oído o café, que, uma vez
feito , é trazid o aos senhores, que ainda estão deitados. D e­
pois d. C onstança — assim se cham a a m u lh er do sr. V e­
nâncio — vai á cozinha dar as ordens para o almoço do m a­
rido, que tem de sair cedo.
J á vestido, o sr. V enâncio senta-se à m esa às 8 horas
e alm oça o seu bife com batatas.
254 M ELLO B A R RETO F IL H O e H ERM ETO LIMA

E m seguida, despede-se dos seus e vai a pé até os


C orreios, tom ando a direção do campo de S an t’A na, ru a do
Conde, largo de S. F rancisco de P aula, ru a do O u v id o r até
à ru a D ireita.
D eixem os V enâncio e voltem os a sua casa.
10 horas. D ona C onstança, rodeada das filhas, costura
as roupas para escravos, que se vendem no beco dos A delos,
au ferin d o daí algum as patacas.
A escrava co n tin u a na fain a : lim peza da casa, dos m ó­
veis, das louças, dos candieiros.
Às 3 horas sái o V enâncio da rep artição ; tom a o mesmo
cam inho e chega à rua N ova do Conde, ao p in g ar as 4.
Ja n ta , cavaqueia um pouco, até que, ao rom per da noite,
dois de seus vizinhos aparecem p ara jo g a r o dom inó. Às 8
horas é servido o chá com to rrad as. Ao toque do A ragão,
já a casa está fechada e os donos recolhidos à cama.
É esta, com pequenas variantes, a vida fam iliar no Rio
de Ja n e iro em 1860.
O s m eios de tra n sp o rte s ã o : os ônibus, que partem para
B otafogo, Real G randeza, L aran jeiras, E n g en h o V elho, Rio
C om prido, S. C ristóvão e A n d a ra í; as gôndolas, que vão para
as L aran jeiras, B otafogo e Ja rd im B otân ico ; as diligências,
que vão para Catum bí e Saco do A lfe re s; as barcas, para
B otafogo, que partem do cáis dos M ineiros; os “ cabs”, os
tílb u ris e os carros de 4 rodas.
A cidade começa a estender-se pela rua M atacavalos e
ru a Nova do Conde, até o C hafariz do L agarto. Daí, ra­
reiam as casas, até Catum bí, que tem m uito poucas. Na rua
do E n g en h o V elho, no R io Com prido, im ensos te rre n o s bal­
dios e nem sequer cercados, se estendem pelos cam inhos
fora, onde uma ou o u tra chácara se depara. O mesmo as­
pecto oferecem S. C ristóvão e A ndaraí, Catete, L a ra n je i­
ras e B otafogo, em cu ja p raia se contam não m u itas casas,
m orando num a delas a m arquesa de S. João M arcos. A ru a
de S. C lem ente quase não tem m oradores em tô d a a sua
extensão. N essa ru a m ora o barão de M uritiba.
E m M atacavalos residem o visconde de A baeté e o vis­
conde do U ru g u a i; na praça da C onstituição, Jo sé de A len-
H IS T ó R ; \ DA P O L ÍC IA DO RIO DE JA N E IR O 255

car e B ernardo de Souza F ran co ; na rua do C atete, o barão


de Q uaraim e o conselheiro Nabuco.
E m tôda a cidade h á 82 farm ácias, 138 padarias e 16
livrarias.
O uso do rapé vai caindo de m oda para dar lu g ar ao
do fumo. E x istem na cidade 139 casas, que vendem ou fab ri­
cam cigarros e charutos.
N a ru a do O uvidor só há casas de com ércio francesas.
A s m o d istas são aí m u itas. Não há nenhum café, nenhum
barbeiro, mas há duas C o n fe ita ria s : a Águia e a do Carcaler,
de H . Gomes. H o téis, 5: o do Coqueiro, o Damiani, o da
Europa, o Provençaux e o Ravot, onde tam bém há uma sala
de banhos.
A p esar das pro v id ên cias policiais no in tu ito de re p ri­
m ir o hábito de d ep o sitar na ru a e nos adros das ig re ja s
cadáveres de recem -nascidos, continua, en tre tan to , essa
prática, co n trá ria a todos os p receito s de civilização e h i­
giene.
In ú m ero s cortiços ou estalagens se acham dissem inados
pela c id a d e : são an tro s de viciados e deso rd eiro s de tô d a a
espécie. A P o lícia é quase sem pre im potente p ara os conter,
quando, em um dado m om ento, form am co nflitos m edonhos.
O p rin cip al dêsses cortiços é o denom inado Cabeça de
porco, situado na ru a P rin cesa dos C ajueiros.
O u tro elem ento p ertu rb a d o r da ordem é o capoeira.
O capoeira é, de longa data, o te rro r da população ca­
rioca. Colocado em fre n te ao contendor, investe, salta, p i­
noteia, sim ula, deita-se, levanta-se e, em um só in stan te,
serve-se dos pés, da cabeça, das mãos, da faca, da navalha,
e não raro é que um apenas leve de vencida 10 ou 12 hom ens.
Form am êles g ru p o s de 20, que denom inam “ m altas” e
que, à fren te dos batalhões, nas festas públicas, arm am um
charivari m edonho, esfaqueando, m atando quan to s encon­
tram no cam inho. Cada “ m alta” tem a sua denom inação: a
da freg u esia de S an t’A na, é cham ada “ C adeira da S enhora” ;
a de S anta R ita, “ T rê s Cachos” ; a de S. F ran cisco de P au la,
“ F ran ciscan o s” ; a da G lória, “ F lô r da G ente” ; a do largo
da Lapa, “ E sp ad a” ; a da C idade Nova, “ G uaitnú” ; a da
praia de S an ta L u zia “ M onsturo” .
I I I
I I

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256 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

O capoeira tem um m odo especial de tra ja r e de cam i­


nhar. A nda balouçando o corpo, como que a b erran te, paletó
desabotoado, chapéu de fe ltro de abas largas. São g eral­
m ente negros e m ulatos. Cada m ovim ento tem o seu nome
esp ecial: “ passo a dois” , “ tom bo de la d eira”, a “ ra s te ira ”,
o “ caçador” , o “ tro n co ”, a “ raiz”, o “ fedegoso”.
Os com bates e os assaltos são dados em plena rua. Às
vezes, em meio de uma procissão, ouve-se o g rito de “F e­
cha! Fecha”!
São os capoeiras, que surgem de navalha e faca em
punho, ferindo, m atando.
Os ordenados dos em pregados variam en tre 10 a 200
m il réis, que é quanto ganha o chefe de um a rep artição , bem
aquinhoado.
T rin ta m il réis, custa o aluguel de um sobrado g rande e
em boa rua.
Q uanto aos preços do tem po, podem os dar alg u n s:
A çú car: arroba, 5$700; arroz, alqueire, 6$400; bacalhau,
arroba, 4$900; carn e fresca, libra, 190 r é is ; carne seca, arro ­
ba, 4$160; café, arroba, 7$400; farinha, alqueire, 2$960; fei­
jão, alqueire, 7$920; m ate, arroba, 5$760; sal, alqueire,
1$500; toucinho, arroba, 11$530; (a lib ra tem 2 q u ilo s; a
arroba 14 quilos e 688 g ram a s; o alqueire 36 litro s e 364 g ra­
m as) ; um a galinha, 1$000; 1 frango, 400 ré is; 1 dúzia de
ovos, 240 ré is; 1 tern o de paletó, (casem ira in g lesa), 36$000;
1 par de botinas (su p e rio r), 6 a 8$000; 1 chapéu fino, de le­
bre, 4$000; 1 g rav ta de seda, 1$500; um a v isita m édica, 3
a 5 m il réis, que é quanto cobra o p o n tífice da m edicina do
tem p o : o dr. T o rre s Homem.
Q uanto a m odas, a saia balão é que é o rig o r.
Os homens, m uito poucos os que ainda usam casacas;
a m aioria tra ja paletó ou sobrecasaca, trazendo-a os ele­
g an tes com golas e punhos de veludo. A gravata co ntinua
a ser dobrada ao pescoço ou em form a de laço ou de m anta.
C oletes de veludo, ou de seda, m uito abertos, para d eix ar
v er os rendados da cam isa; calça clara, ainda com as puxa-
deiras, que se vão abolindo; chapéu alto, de castor ou dé
pêlo.
No m undo p o lítico brilham nessa época os nom es de
mm
Laurindo Rabelo, com a farda Madame Linch
de mtdico militar

Conselheiro Olegárlo Herculano de Aquino e Castro — chefe de Polfcla em 1865


HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 257

Jo sé M aria da Silva P aranhos, Sousa F ranco, Sales T o rre s


Homem, visconde de A baeté, Â ngelo M uniz da Silva F e r ­
raz, João L u sto sa da Cunha P aranaguá, João L in s V ieira
Cansanção de Sinim bú, além de outros.
No m undo lite rá rio : Gonçalves Dias, P o rto A legre,
D om ingos de M agalhães, Jo sé M artiniano de A lencar, Ca-
sim iro de A breu, Á lvares de Azevedo, L au rin d o Rabelo,
M anuel de M acedo e outros.
No jo rn alism o fu lg em os nom es de Ju stin ia n o Jo sé da
Rocha, A u g u sto de C astro, M achado de A ssis, F rancisco
O taviano, F lávio F arneze, Q u in tin o Bocaiuva, Cesar M uzzi,
B ru n o Seabra, H en riq u e F leuiss.
Os p rin cip ais jo rn a is da época s ã o : Jornal do Comér­
cio, Correio M ercantil, Diário do Rio de Janeiro, Correio
da Tarde e Semana Ilustrada.
R esta-nos tra ta r da festa da G lória, sem o que estas no­
tas ficariam incom pletas.
H á cerca de quase três séculos, A n tônio Cam inha,
piedoso erem ita, em cum prim ento de voto que havia feito
à V irg em S antíssim a, co nstruiu, êle próprio, uma hum ilde
capela no alto de um a colina, assente p erto da então cha­
m ada p raia dos Pescadores. T erm in ad a a construção da ca-
pelinha, fico u ela sob a invocação de Nossa S enhora da
G lória, e em pouco tem po foi tão grande o núm ero de m i­
lag res que a san ta fazia, que o povo acudia à colina, afim de
im plorar a N ossa Senhora da G lória a sua m isericórdia.
E ra dono d a colina o dr. C laudino G urgel do A m aral,
que depois tom ou o rd en s e passou a ser fre i C laudino do
A m aral.
F rei C laudino doou, então, o te rre n o à V irg em da G ló­
ria, com a condição de ali se levantar um tem plo à m ilag ro sa
Santa. E m 1714 a capelinha foi reco n stru íd a. Pouco a pouco
ia recebendo m elhoram entos, à proporção que aum entavam
as esmolas dos fiéis devotos. Uma irm andade tom ou conta,
então, da capela.
A nos depois, passou ela ao dom ínio dos C apuchinhos
italianos, voltando em seguida a ser ad m in istrad a p o r ir­
m andade.
A festa de N ossa SenhPra da G lória é a m ais p o p u lar do
18
m i n i _ i i ... . i j i i i|iw |H |l.i 'Ii i i 'i | i n w h hi

258 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

R io de Jan eiro . P o r ocasião da m issa da festa, faz o p a n e ­


gírico da V irgem frei F ran cisco de M onte A lverne. Cego
e já m uito avançado em anos, descia um dia o g ran d e orador,
em um coche real, a lad eira que conduzia à capela. A festa
estava em todo o seu esplendor. Os sinos repicavam , esto u ­
ravam os foguetões. O s cavalos do coche espantaram -se
com o estam pido das bombas e levaram o carro de encontro
a uma parede. M onte A lverne so freu com isso grande abalo,
apressando êsse fato os seus ú ltim o s dias.
D . P e d ro I e sua esposa ouviam na C apela da G lória
a m issa com reg u larid ad e e até acom panhavam a procissão
nos dias de m aior festividade, carregando o pálio.
Lê-se no livro de F erd in an d D enis e M . C. Jam in,
Brésil, Colombie et Guyannes, que nenhum a sem ana se
passava sem que d. P ed ro I fôsse ajoelhar-se ante o alta r
de N ossa S enhora da G lória.
No dia 2 de Ja n e iro de 1826, pelas 8 horas, foi êle em
pessoa ap resen tar à S anta o seu filh o P edro, que m ais ta rd e
devia ser o im perador do B rasil.
No dia 4 de Jan eiro dêsse ano o Diário Flum inense
n o ticio u o fato pelo m odo seg u in te:

“ O s h ab itan tes d esta C apital têm com pra­


zer visto a constante devoção de SS. M M. I I .
p ara com a N ossa Senhora da G lória e se seus
corações se têm sensibilizado, se com êle se têm
aprazido, como não ficariam p en etrad o s no dia
2 do corrente, em que SS. MM. II., acom panha­
dos de suas augustas filhas, se d irig iam à ig re ja
de N ossa Senhora para apresentarem S. A. o
prín cip e im perial e im plorar-lhe a graça de o
tom ar sob sua direção. N ada m ais nobre e m ais
m ajestoso do que êste ato. Às 7 horas d a m anhã
se form ou em alas na ladeira de N ossa Senhora
da G lória um dos batalhões de estran g e iro s e
outro se estacionou à p o rta da ig reja, p ara fazer
a guarda de honra.
Logo depois p rincipiaram a chegar os con­
selheiros de E stado, m in istro s de E stado, gran-
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 259

des do Im p ério ( titu la re s e g rande núm ero de


pessoas das classes m ais d istin tas, que, apesar
da m u ita chuva, ali se d irig iram para te r a ho n ra
de assistir a êste ato, verdadeiram ente religioso.
Às nove horas, quatro girân d o las lançadas
ao a r anunciaram a aproxim ação de SS. M M. II.,
e então a C ôrte, descendo p ara receber SS. MM.
I I . e A A . II., foi seguida da irm andade de N ossa
Senhora, que, debaixo de um riquíssim o pálio,
recebeu tão au g u sto s personagens.
S. M. o im perador, recebendo do coche, em
seus braços, com carinho p atern al, o seu augusto
filh o e depois de haver feito oração a N ossa Se­
nhora, o d epositou sobre o altar, onde então o
capelão-m or dos im periais exércitos, que cele­
brou a missa, lh e lançou as bênçãos; fin d a esta
cerim ônia, p rin cip io u uma m issa cantada, acom ­
panhada de bela m úsica, de um m ui bom serm ão
e, findo tudo, se d irig iram SS. MM. II., ao con­
sistório, onde estava servido um suntuoso al­
moço, fin d o o qual, regressaram SS. MM. II., e
A A . II., ao paço da Boa V ista.
A m esa da irm andade de Nossa Senhora da
G lória tem a lisongear-se de ser a p rim eira a
quem coube a h o n ra de receber no seio de sua
ig reja o herd eiro do trono brasileiro e é digna
de louvores pelos esforços que fez p ara receber
condignam ente tão augustas pessoas; aum entan­
do-se o b rilho desta função pelos sentim entos de
gratid ão e dem onstrações de am or, que à p o rfia
m anifestaram os m oradores das ruas p o r onde
passaram SS. M M. II., fazendo, v o lu n tariam en ­
te, não só lim par, arear e a lc a tifa r com flo res e
folhas o pavim ento das ruas, m as fazendo g u a r­
necer suas casas com ricos cortinados. N ós con­
tem plam os os sem blantes de SS. MM. II., e neles
víamos pintados o prazer que lhe fazia a satis­
fação que sua au g u sta presença causava a seus
povos”.
260 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

A festa de N ossa S enhora da G lória a tra i ao o u teiro


quase tô d a a população carioca. Q uando em casa de uma
fam ília alguém adoece, é uso pro m eter a N ossa Senhora da
G lória tan tas libras de cera, se a pessoa ficar boa. Q ualquer
favor que de alguém se obtenha, qualquer desejo realizado,
é a N ossa S enhora da G lória que se agradece e se paga.
P o r isso, é de ver-se a q u an tid ad e de rom eiros que
sobem à colina, afim de cu m p rir a prom essa fe ita a N ossa
Senhora da G lória. Senhoras levam, sobraçando-os, paco­
te s de velas de cera e, como se isso não bastasse, algum as
dessas m atronas vão acom panhadas de escravos que, por sua
vez, carregam à cabeça taboleiros cheios de velas, atadas
com fita s de cores. O utros, cavalheiros notáveis n a socie­
dade, sobem o outeiro, descalços. É um a prom essa.
A qui, vê-se a su b ir um negro que leva u m porquinho
com pés atados com f it a s ; ali, um outro, conduz um enorm e
bolo, coberto com papéis ren d ad o s; e tu d o isso é p ara o
leilão que, à noite, se faz em um coreto arm ado alí mesm o,
no adro da igreja.
E é in teressan te ver-se o leiloeiro, quase sem pre um
m embro da p ró p ria irm andade:
— Q uanto vale este p rato de suspiros?
— D ois m il réis.
- r - D o is ... d o is ... d o is ... N inguém dá m ais? D ou-lhe
u m a ... dou-lhe d u a s .. . dou-lhe t r ê s . .. N a mão do freguês.
E, dizendo estas palavras, bate com o m artelo no pa­
rap eito do coreto, en treg an d o o prato de su sp iro s ao com­
prador.
■ Os suspiros são devorados alí mesmo pelo com prador
e seus am igos.
E , enquanto o leilão se faz, debaixo do m aior co n ten ­
tam ento, a m úsica toca, os sinos repicam e os foguetes de
lág rim as arrebentam no ar.
Q uantas relações se fazem alí mesmo, no adro da ig reja,
e que depois acabam em casam entos!?
Q uem sabe l á ! .. .
O que é certo é que êles não são poucos, pois é voz
corrente, que os casam entos que alí têm a sua origem , são
tid o s como m uito felizes. P o r isso, rapazes e m oças pro-
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HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 261

curam alí e n tre te r relações, que acabam g eralm ente no


“ conjugo vobis”.
A festa começa pela missa, rezada com todo o cerim o­
nial, às 10 horas, e vai por aí fora, até à m eia noite, em que se
queim a o fogo de vistas. D u ran te todo o dia a ig reja não se
fecha, para poder ser visitada. O altar, onde está a santa,
acha-se coberto de flores, levadas pelas m ãos piedosas dos
fiéis. Nos velhos solares das ru as próxim as à G lória, é m uito
raro o que nessa no ite não abre os seus salões para um baile.
A fam ília im perial e tôda a sua côrte com parecem à festa,
O povo dança ao ar livre, ao som da m úsica m ilitar. O largo
da G lória é pequeno para co n ter a m ultidão que se acoto­
vela.
De espaço a espaço, as doceiras, quase tôdas escravas,
assentadas em banquinhos e em fre n te a um taboleiro, com
um a la n tern a à fren te, vendem os mais variados doces. Como
não se in tro d u ziu a venda de o u tra bebida, o povo bebe re ­
frescos, feito s de laran ja ou de limão.
Q uinze dias antes da festa, os alfaiates não têm m ãos
a m edir. Quem não tiv e r uma roupa nova, entende que não
deve ir à festa da G lória. A s lojas de fazendas começam
tam bém num a dobadoura, para aten d er às freguesas. E ssas
com pras são feitas à noite, hora em que as senhoras vão ao
com ércio. Isso porque só a essa hora é que os m arid o s as
podem levar, pois não se com preende que uma senhora saia
sozinha à rua.
F e ita s as com pras, a m ucam a leva os em brulhos e, no
dia seguinte, começa em casa a faina de fazer os vestidos
para a festa da G lória.
E, assim, tem os d ito tu d o quanto nos ocorre sôbre a ci­
dade do R io de Jan eiro e sôbre a vida carioca em 1860.

Sociedades carnavalescas — (1859-1860).

O C arnaval de 1859 foi um fracasso.


D esde sábado o tem po começou a en farru scar-se, en­
chendo de desgostos os foliões.
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262 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

A s sociedades carnavalescas Sumidades e União V e ­


neziana tinham anunciado os m ais ricos p réstito s. O povo,
sedento de prazer, p erco rria as ruas, ap laudindo os poucos
m áscaras avulsos que apareciam . A s janelas das ru as da Q u i­
tanda e do O uvidor estavam em bandeiradas e abrilh an tad as
pelo belo sexo.
A í pelas trê s horas, cobriu-se o céu de n uvens negras e,
em seguida, desabou fortíssim o tem poral, que p erd u ro u até
n o ite fechada. A s sociedades, por isso, não puderam sair
e pouca concorrência tiveram os bailes anunciados pelo
Paraíso, assim como os preparados nos te atro s Lírico, F lu ­
minense, Ginásio Dramático e Alcazar,
Na terça-feira as sociedades tom aram ân im o : anuncia­
ram que fariam um passeio. O tempo, en tretan to , foi in cle­
m ente. T ão depressa os prim eiros carros se puseram em
movimento, a chuva voltou a cair em bátegas, não p erm i­
tindo absolutam ente se exibissem os p ré stito s à cu rio si­
dade pública.
Assim , o Carnaval de 1859 consistiu apenas na saída de
alguns m áscaras avulsos, que ousaram p alm ilh ar as ruas
em papadas de lama.
No ano seguinte, porém, o C arnaval co rreu anim adís­
simo. A presentaram -se a União Veneziana e as Sumidades,
exibindo, realm ente, brilh an tes alegorias.
A prim eira obedeceu o seguinte itin e rá rio : saiu do
Clube Fluminense, seguindo pela rua do Conde, campo de
S ant’Ana, rua do Sabão, largo de São D om ingos, onde v i­
sitou a Sociedade Palestra Fluminense, tom ando depois as
ruas de São P edro e da Q uitanda, aí hom enageando a So­
ciedade Progresso Carnavalesca, seguindo pelas ruas da
Assem bléia, D ireita, das Violas, da Q uitanda, de São P e ­
dro, O uvidor e largo do Rossio, voltando ao Clube F lu m i­
nense, p ara m ais ta rd e v isitar a Sociedade Petalógica, ru ­
mando, finalm ente, p ara o T eatro L írico.
O u tra nota interessantíssim a do C arnaval d e 1860 foi o
espetacular aparecim ento da grande banda de m úsica da
Sociedade Euterpe Comercial, com os sócios v estid o s de
zuavos.
N esse ano houve bailes carnavalescos nos te a tro s de
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 263

São Pedro, Lírico, Flum inense e no Salão do Caçador, sen­


do o m ais anim ado o do Pavilhão Flum inense (an tig o Pa­
raíso), cuja en trad a era p ela ru a dos In v álid o s n.° 2-A, apre­
sentando todo o ed ifício da sua sede fa rta ilum inação de
gás e deslum brante em bandeiram ento, que ia até à ru a do
Conde.
T an to nas ruas como no in te rio r dos clubes e das socie­
dades, a ordem foi p erfeita, não se dando nenhum in cid en te
de m onta que exigisse a intervenção da P olícia. A não ser
o de oito prisões por em briaguez, nenhum o u tro registo
policial se encontra a tin en te aos folguedos carnavalescos
de 1860.

O Trovador.

E ra não só um tip o popular, m as m u ito apreciado, em


1860, o Trovador.
C rio u lin h o in telig en te, um dia se m eteu a aprendiz do
cabeleireiro F red erico R eis, então um dos m ais afam ados,
estabelecido na praça da C onstituição ju n to à lo ja de P aula
B rito .
E m pouco tem po, o A gostinho — assim se cham ava o
crio u lin h o — tornou-se m ais hábil do que o p ró p rio m estre,
ta n to que as dam as que se penteavam com F red erico , tôdas
as vezes que queriam p rep arar a cabeleira, em casa, reco­
m endavam , num a franca dem bnstração de p referên c ia:
— M ande o A gostinho.
A fama do crio u lin h o tom ou vulto, e, assim, passou êle
a pentear as atrizes m ais célebres que aqui chegavam.
C erta feita, indo ao te atro p restar serviços p ro fissio n ais
a uma cantora cham ada C harton, en co n tro u um dos ten o res
da com panhia cantando um a ária do Trovador.
A gostinho ficou em bevecido. T a n to p restava atenção
à cabeleira da a triz como à m úsica de V erdi.
E , mal o te n o r acabou o ensaio, o creo u lin h o ab riu a
boca e cantou a m esm a ária, com ta n to p erfeição e com
ta n to sentim ento, que os artistas e dem ais pessoas que se
264 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO IJMA

achavam no teatro ficaram verdadeiram ente assom brados.


Foi uma revelação sensacional.
O fato se espalhou rapidam ente pela cidade e outra
coisa não se com entava nas rodas teatrais. A gostinho to r­
nou-se ainda m ais sim pático aos olhos de suas g en tis fre ­
guesas, ficou célebre e passou a ser, desde então, o Tro­
vador.
As fam ílias m ais distin tas e fidalgas, quando abriam
os seus salões e queriam dar às suas festas um cunho de
originalidade, chamavam o A gostinho para cantar a tão
apreciada ária do grande com positor italiano.
C orreram os anos. A gostinho, desde que passou a ser
o Trovador, com eçou a frequentar as rodas boêmias. R a­
pidam ente envelheceu. P erd eu a freguesia. P erd eu a voz.
P erd eu a notoriedade. Faleceu na indigência, num a en fer­
m aria da Santa Casa da M isericórdia.
$
M atou-o a celebridade.

A in d a o u tr o s c h e fe s d e P o líc ia — D r.
P o lic a r p o L o p e s L e ã o — D r. E s p e r id iã o
E ló i d e B a rro s P im e n te l — D r. A g o s tin h o
L u ís d a G am a — (1 8 6 0 -1 8 6 3 ).

Deixamos a S ecretaria de P olícia em 1854, funcionando


no prédio núm ero 163 da rua S. P e d ro ; em 1855, passou
para a rua do L avradio n.° 53-A, e em 1857 para a ru a do
Conde, esquina da rua do Regente.
Vamos encontrá-la em 1860, em mãos do desem bargador
Izid ro B orges M onteiro, que perm aneceu no cargo até 3 de
F evereiro de 1860, passando-o ao dr. P o licarp o L opes Leão,
que o exerce até 28 de M arço de 1860, quando o en treg a ao
dr. E speridião E ló i de B arros Pim entel. Ê ste fica na Che-
fatu ra até 19 de M arço de 1861, quando é su b stitu íd o pelo
dr. A gostinho L u ís da Gama, que perm anece no elevado
pôsto até 7 de M aio de 1863.
HISTÓRIA. DA P O L ÍC IA DO R IO DE JA N E IR O 265

Trecho de um relatório — Os servios da


Polícia em 1861 ainda deixavam muito a desejar.

A p resen tan d o o seu relatório, dizia o chefe de P olícia,


dr. A go stin h o L uís da Gama, em 1861:
“ Q u isera ap resen tar um trabalho com pleto e aproveitar
o ensejo p ara lem brar ao sr. m in istro a adoção de m edidas
te n d en tes a m elh o rar êste im p o rtan te ramo de serviço
público, de m odo a ser executado com m uita facilidade e
v an tag em ; pouco tem po, porém, de exercício rne inibe d e
satisfazer tal desejo, reconhecendo, d e acordo com os d ita ­
m es da p rudência, a necessidade de estudar com atenção
os fato s e ag u ard ar os resu ltad o s da experiência para
fazê-lo com seg u ran ça e u tilid a d e ”.
P o r êsse m odo de se m an ifestar, vê-se que os serviços
da P olícia, em 1861, ainda deixavam m uito a desejar. Os
crim es continuavam em crescendo. N êsse ano houve sete
hom icídios, qu atro roubos e 119 fu rto s, para só falar dos
p rin cip ais. T ratan d o dos m otivos dêsses crim es, o chefe de
P o líc ia diz que repousam na falta da educação religiosa do
povo; na in d o lên cia e ociosidade dos libertos e de estran ­
g eiro s v in d o s a títu lo de colonos; na legislação crim inal,
que s u je ita ao conhecim ento do jú ri crim es de pequena
gravidade, dando assim ocasião à indigência e, conseguin­
tem ente, à im p u n id ad e; e, finalm ente, na falta de recursos
que a P o líc ia tem para rep rim ir os crimes, pois apenas dis­
põe de 300 praças para o policiam ento da cidade.

O rapto de d. Carolina Teresa de Carvalho.

E n tre os crim es co n tra a segurança individual p ratica­


dos no ano de 1861, m erece menção o rapto de d. C arolina
T ere sa de Carvalho, filh a do abastado negociante L uiz A n ­
tônio A lves de Carvalho, pelo português B ráulio T eles da
S ilveira e Melo.
Às 11 e m eia horas da noite de 27 de A bril, d. C arolina
266 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

de Carvalho, de volta do T eatro do Ginásio, em um carro,


na com panhia do pai, irm ão e irm ãs, ao chegar à p o rta de
sua residência, à praia do Flam engo, aí apresentaram -se
inopinadam ente m uitas pessoas, à fren te das quais se achava
B ráulio T eles da S ilveira e Melo, que com o rosto coberto
e apontando duas pistolas ao peito de L u ís A n tô n io A lves
de Carvalho, exigiu que todos se retirassem , ficando so­
m ente d. Carolina.
T ais e tão fo rtes foram as ameaças em pregadas, assim
como tão intenso o te rro r de que todos ficaram possuídos,
que d. C arolina se viu obrigada a acom panhar B ráulio até
à praia, de onde foi levada ao escaler, de antem ão preparado,
e violentam ente conduzida para N iterói, ficando, p o r não
poder m ais cam inhar a pé, na casa de M anuel José Cardoso,
que, à vista dos queixum es daquela jovem, que relu tav a em
aceder aos desejos do rap to r, e, seguram ente, receando as
pesquisas da Polícia, deliberou conduzí-la, na noite de 28,
a casa de seu pai. P reso o rap to r, foi subm etido a jú ri,
sendo condenado à pena máxima.

O chefe de Polícia reclama aumento de


pessoal — Nomeados dois adidos com a
gratificação mensal de 80$000.

E xíguo era o núm ero de fu n cio n ário s da S ecretaria de


P o lícia em 1862. Não chegavam p ara o serviço; e, p o r isso,
o chefe de P olícia reclam ava dos poderes com petentes au ­
m ento de pessoal, cujo trabalho crescia constantem ente.
P ara fazer êsse serviço, o chefe nom eou dois colaboradores,
a títu lo de adidos, com a g ratificação mensal de 80$000.
O arquivo, conquanto ainda m uito desprovido de ele­
m entos, ia, en tretanto, m elhorando, graças a P au lo F e r­
nandes V iana, nomeado para o organizar.
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 267

Bráulio Teles foge da Casa de Correção.

E m 1862 o chefe de P o lícia com unica ao govêrno a


fuga, da Casa de C orreção, onde se achava, do sentenciado
ra p to r B ráu lio T eles da S ilveira e Melo. Servia êle de p ro ­
fesso r n a com panhia de m enores artesãos, ali criada, quan­
do, a 30 de Ju lh o , subornando o guarda A ntônio Jacin to do
A m aral, fu g iu da prisão, não sendo m ais encontrado.

A Polícia descobre uma fábrica de no­


tas falsas na fazenda de Periperí.

P o r essa época, o chefe de P o líc ia recebeu denúncia


de q u e alg u n s in d iv íd u o s tratav am de m ontar, na fazenda
de P e rip e rí, na freg u esia do B ananal, term o de Itaguaí,
um a fáb rica de notas falsas, estando já com pradas as respec­
tiv as m áquinas e abertas as com petentes chapas. E ra ver­
dad eira a d en ú n cia: as auto rid ad es encontraram a fábrica
em fran co funcionam ento, sendo presos os espanhóis P ed ro
M a rtin e z e M anuel G arcia Noboa e os brasileiros A ntônio
D ias da Silva, conhecido p o r “ Pazão”, M anuel A ntônio de
A rau jo , a rre n d a tá rio da fazenda, A ntônio da Silva Rangel,
M anuel A n tô n io P e re ira Ju n io r, Jo sé Álvares, F rancisco
A n tô n io d e M endonça, M anuel P in to F erreira V iana e J e ­
ronim o P ire s da Silva.

O grupo de Maria Guerreault cai nas


malhas da Polícia.

No dia 15 de Jan eiro de 1862, M aria G uerreault, com­


prando um bilh ete de passagem nos carros da C om panhia
da E stra d a de F e rro D. P ed ro II , deu em pagam ento cinco
m oedas de p rata do valor de 1$000 cada uma. Reconhecendo
o em pregado serem falsas, deteve M aria G uerreault, reco-
263 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

lhendo-a à C hefatura da Polícia. D esconfiando as au to ri­


dades de que ela trazia o u tras m oedas, foi levada a uma
sala onde m udou de roupa, e depois de se te r dali retirado,
foi encontrada debaixo de uma das tábuas soltas do soalho,
uma caixa de folhas de F lan d res que continha m ais cem
daquelas moedas. F eitas diligências, ficou apurado que fa­
ziam p arte do grupo que passava essas m oedas S erafim
P e rrí e J ú lio D urang e uma irm ã de M aria G uerreault.

Questão Christie.

No prim eiro dia do ano de 1862 as ruas do Rio de J a ­


neiro se achavam agitadas. Não em v irtu d e das festas con­
sagradas ao dia do Ano Bom, m as por o u tra causa, que
vamos relatar.
T endo naufragado no dia 11 de Ju n h o de 1861, nas cos­
tas do A lbardão, o navio inglês Prince o f W ales, saído de
Glasgow para M ontevidéu, foi tôda a carga do navio a ti­
rada às praias pelo m ar bravio, tendo g ran d e p arte dela
sido roubada por m alfeitores, que se acoitaram depois na
R epública A rgentina. Como o n aufrágio se tin h a dado em
nossas águas, apressou-se o govêm o brasileiro a av erig u ar
em que condições foram as m ercadorias roubadas, ficando
bem apurado, por essa ocasião, que os cadáveres arrojados
às praias tinham sido das pessoas vítim as do n au frág io e
não de algum crime.
Não obstante tôdas essas providências, o m in istro in ­
glês aqui acreditado, m r. W illiam D ouglas C h ristie, ap re­
sentou ao nosso govêrno uma reclamação, pedindo uma in ­
denização pelos prejuízos resu ltan tes do roubo da carga do
navio, visto atrib u ir êsse roubo à desídia das nossas au to ­
ridades policiais; e como, dizia, não tin h a confiança nessas
autoridades, exigia que ju n to a elas fôsse adm itido um
agente inglês de sua confiança para prosseguim ento do in ­
quérito.
Trocavam -se notas en tre as duas chancelarias nesse sen ­
tido, quando, a 17 de Ju lh o de 1862, por volta das 7 horas
T I P 0 8 DE CARRUAGE NS DA ÉPOCA

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HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 239

da noite, trê s o ficiais da frag ata inglesa Fort, que eram o


capitão Jo rg e C lem enger, o ten en te E lio t P rin g le e o
guarda-m arinha G eoffrey H ornby, vestidos à paisana, fo ­
ram presos por terem agredido, arm ados de bengala, a sen­
tin ela em serviço à p o rta do destacam ento na T iju ca, de
nom e M anuel L u ís T eixeira.
P reso s êsses hom ens e recolhidos ao xadrez por ordem
do alfe res com andante do destacam ento, B raz C upertino do
A m aral, no dia seg u in te declararam a sua qualidade, sendo
então rem ovidos p ara o q u artel da P o lícia e, um dia depois,
en treg u es ao vice-alm irante W arren , com andante da esqua­
dra inglesa, que os requisitara.
Como rep resália ao “ desacato” de que o m inistro C h ris­
tie dizia terem sido vítim as os o ficiais de seu pais, pedia ao
nosso govêrno, que o chefe de P olícia, dr. A gostinho L uís
da Gama, bem como o oficial que recebeu os oficiais in g le­
ses na C ôrte, fôssem publicam ente censurados; o alferes
com andante do destacam ento fôsse d em itid o ; a sentinela
fôsse castigada e que o govêrno desse uma satisfação pelo
u ltra je feito a o ficiais da m arinha britânica.
N ão deu o nosso govêrno ouvidos a tão desm edida ex i­
gência.
P arecia que as coisas term inaram aí, quando, a 30 de
D ezem bro, o m in istro C h ristie afix o u na p o rta do consulado
inglês, um boletim , declarando que tendo sido p eren to ­
riam en te rejeitad as as reclam ações que p o r ordem do seu
govêrno fizera ao B rasil para indenização das m ercadorias
roubadas no n au frág io do navio Prince o f W ales, bem como
as satisfações pelo m odo por que foram tratados na T i­
ju ca os oficiais da Fort, obedecendo às instruções de seu
govêrno, dava ordens ao vice-alm irante W arren para a p re ­
sar as em barcações brasileiras que entendesse, como g aran ­
tia do que o seu govêrno exigia, até que o B rasil desse uma
satisfação peren tó ria.
T erm inava assim o boletim afixado à p o rta do consu­
lado inglês.
A pressou-se o alm iran te W arren a dar cum prim ento às
ordens recebidas, e sem m ais cerim ônias, a 31 de D ezem bro
de 1861, foi tom ando conta das em barcações m ercantes que
-- - *■- ssaesse «jassK: _■ .„

270 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

se achavam em nosso pôrto. E , assim, apossou-se das se­


g u in tes: vapor Paraíba, patacho Chaves I, sum acas Áurea e
Senhora do Carmo e palhabote 31 de Outubro.
C orreu célere a notícia pela cidade, a 1 de Jan eiro de
1862, dia de A no Bom.
O povo ficou indignado, até que a bomba explodiu no
dia de Reis.
Im ensa m u ltid ão se d irig iu ao edifício da Câm ara M u­
nicipal, procurando form ar batalhões de v o lu n tário s:
m eetings foram organizados no largo de S. F ran cisco ; m i­
lita re s reform ados de te rra e mar, apresentaram -se aos seus
chefes p ara o que fôsse p reciso ; a A ssociação C om ercial
in iciou uma subscrição para a com pra de um couraçado; o
governo conservou-se em sessão perm anente e à tard e s. m.
o im perador, quando se d irig ia ào paço da cidade, foi acla­
mado e, vendo a im paciência da m ultidão, que ali se ap in h a­
va, discursou, dizendo que êle “ era antes de tu d o b rasileiro
e como tal, m ais do que ninguém , em penhado em m an ter
ilesas a dignidade e a honra da N ação; e assim, como êle
confiava no entusiasm o de seu povo, confiasse o povo nele
e no seu govêrno, que ia p ro ced er como as circunstâncias
requeriam , mas de m odo que não fôsse av iltado o nome b ra ­
sileiro de que todos nos ufanávam os.”
D ebaixo de uma chuva de aplausos s. m. subiu ao paçc
onde se achavam os seus m in is tro s : duque de Caxias, vis
conde de N iterói, visconde do R io B ranco e visconde de
Inhaúm a.
E nquanto o povo esperava ansioso pelo resultado do
que ia decidir o govêrno, oraram o desem bargador A le ­
xandre Jo sé de S iqueira e o dr. Jo ão C arlos de Sousa F e r­
reira.
A final, veio a solução desejada. O B rasil pagaria sob
protesto a carga roubada e su jeitaria ao arb itram en to do
rei dos belgas o caso dos oficiais. O nosso m in istro em L o n ­
dres, dr. Francisco Inácio de C arvalho M oreira, rep resen ­
tou contra as arb itraried ad es de C hristie, m as não foi a te n ­
dido. N estas condições, pediu os seus passaportes e, desde
aí, ficaram interrom pidas as nossas relações com a G rã-
B retanha. i
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 271

E m Ju n h o do ano seguinte, o rei dos belgas L eo p o l­


do I, resolveu a questão em nosso favor, declarando que no
caso dos o ficiais não havia o animus injuriandi.
P erd em o s nessa questão 3.200 libras, que foi quanto nos
custou a indenização da carga roubada ao navio Prince of
W ales, com a qual nada tínham os que ver.
D ois anos estiveram in terro m p id as as nossas relações
com a G rã-B retan h a, afinal reatadas por interm édio do rei
de P o rtu g a l, d. L u ís, a 23 de Setem bro de 1865.
E stávam os, então, em plena g u erra com o Paraguai,
quando o sr. E d u ard o T h o rn to n , m in istro da In g laterra, foi
recebido em U ruguaiana, por s. m. em um a tenda de cam­
panha, especialm ente arm ada para êsse fim .
Q uando se reg istaram na cidade do R io de Jan eiro os
acontecim entos acim a n arrados, era chefe de Polícia da
C orte o dr. A g o stin h o L u ís da Gama.

Mais um Chefe de Polícia — Dr. José


Caetano de Andrade Pinto — (1863-1866).

A o dr. A g o stin h o L uiz da Gama, que esteve na chefia


da polícia de 19 de M arço de 1861 a 7 de Maio de 1863,
sucede o dr. Jo sé C aetano de A ndrade P in to , que perm a­
neceu até 18 de F ev ereiro de 1866.

O ministro da Justiça critica a lei


de 3 de Dezembro e preconiza uma
polícia circunscrita a seus justos e na­
turais limites.

C onsiderando ainda precária a nossa organização p o li­


cial nessa época e lam entando as suas lacunas, dizia o m i­
n istro da Ju stiç a , Zacarias de Góes e V asconcelos:
“ Ê ste ramo da adm inistração pública, incum bido de
T r im w n r ^ ^ •ii"T~ir‘-iirr~""a

272 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA 4

m anter a ordem e segurança dos cidadãos, não teve, como


sabeis, até 1841, uma organização reg u lar.
° r •
Sendo o pensam ento dom inante da política, que p re­
ponderava no referid o ano, fo rtific a r o p rin cíp io da au to ­
ridade, sob êsse ponto de v ista foi pro m u lg ad a a lei de 3
de Dezembro.
A P o lícia foi organizada de ta l form a que com preendia
no âm bito de suas atribuições o p o d er de ju lg ar. C onfun­
diram -se o ad m inistrativo e o ju d iciário .
Não adm ira, pois, que o resu ltad o não correspondesse
à expectativa dos próprios au to res do sistem a, e que n in ­
guém dentro em poucos anos se m ostrasse sa tisfeito com
sem elhante in stituição.
O arbítrio, o abuso do poder, seja resu ltad o do sistem a,
seja de pessoal pouco habilitado, em lu g a r de rodearem a
autoridade do necessário p restíg io , criaram contra ela p re­
conceitos que m uito convém ex tirp ar.
O espírito público re a g iu ; não sev descrim inou o bem
do mal feito pela Polícia, e a sociedade foi quem perdeu.
Com a p roposta da refo rm a ju d iciária, que pende na
Câmara dos srs. D eputados, ficarão rem ediados os inconve­
nientes apontados.
A P olícia circunscrever-se-á a seus ju sto s e n atu rais
lim ites.
Separada da Ju stiça , serv irá m elh o r à tran q u ilid ad e
pública e à segurança dos indivíduos, do que quando acum u­
lava funções repugnantes à sua índole, m erecendo m uito
mais consideração e respeito desde que o cidadão deixe de
ver no agente policial um ju iz interessado em m an ter a p ró ­
pria perseguição.
Passando a reform a, dever-se-á o rg an izar o pessoal da
P olícia de um modo conveniente à realização de um novo
sistem a e, por isso não em itirei ju izo acerca das n ecessida­
des atuais da P olícia e do aum ento do pessoal.
A credito que, lim itadas as atrib u içõ es da P olícia, dei­
xarão de subsistir em grande p a rte as razões que p ara êsse
aum ento se alegam .”
HISTÓRIA DA POLICIA DO BIO DE JANEIRO 273

O pessoal da Secretaria da Polícia em 1863.

A S ecretaria de P olícia, de conform idade com os de­


cretos ns. 1.746, de 16 de A bril de 1856, e 2.369, de 5 de
M arço de 1858, tem, em 1863, os seguintes fu n cio n ário s:
1 secretário, que é o dr. F ran cisco Jo sé de L im a; 3 oficiais
in te rn o s: dr. Joaquim H ip ó lito E w erto n de A lm eida, Be-
larm ino de A rru d a C âm ara Ju n io r e P aulo F ernandes V ia­
n a ; 2 e x tern o s: G ustavo R ei e L u iz A lves da Silva P o rto ;
5 e scritu rário s: C ândido Jo sé de Siqueira Campeio, João
E v an g e lista N o g u eira N eves, bacharel D om iciano F o rtes de
B u stam an te Sá e Jo sé G regório Nabuco de A ra u jo ; 7 ama­
nuen ses: F ran cisco Jo sé de Lim a Ju n io r, A n tô n io José de
Souza e A lm eida F ilh o , J a c in to Jo sé M artin s Pam plona,
M anuel D u tra da Silva, Jo ão M achado V ieira do Amaral,
Isid o ro Jo sé P e re ira B astos e Jo sé A lex an d re P asso s; 1
te so u re iro : Jo ão L u iz da C osta J u n io r ; 2 m édicos: dr. A n­
tônio jo s é P e re ira das N eves e dr. F rancisco Jo sé de Souza
L em os; 1 p o rte iro : Jo ão A ntônio D om ingues; e 2 co n tí­
n u o s: F ran cisco de O liv eira G uim arães e A ugusto Cesar
Cosmeli.

No ano de 1864 — Um assalto —


Uma falência ruidosa — Um crime
de violência carnal.
Chegam os ao ano de 1864.
No dia 11 de Maio um grupo de 6 indivíduos, sendo 5
norte-am ericanos e um crioulo brasileiro, assaltou, às Ave-
M arias, a casa do com endador Jerô n im o José de M esquita,
no E ngenho V elho. T endo havido denúncia dêsse assalto,
a P olícia m andou uma fôrça efetu ar a prisão dos assaltan­
tes. H avendo, porém , da p arte deles fo rte resistência, disso
resu lto u a m o rte de um policial e a do chefe da quadrilha,
o norte-am ericano Jo h n H arding.
A despeito de tôdas as pesquisas e providências tom a­
das pela P o lícia para chegar ao conhecim ento do fim dêsse
19
274 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

assalto, nunca se pôde o b ter m ais do que a desconfiança de


te r sido um ard il de Cassiano de A ndrade, que o denunciou
g P olícia p ara dela e do com endador M esquita obter um a
gratificação.
E m Setem bro houve um incidente no qual teve a P o ­
lícia que in te rv ir. Q uerem o-nos re fe rir à falên cia da casa
bancária de A ntônio Jo sé A lves Souto & Cia., a 10 de Se­
tem bro daquele ano. E ssa casa, que gozava de créd ito ili­
m itado e que era o barôm etro do câmbio e das operações
de descontos, alargando-se em suas transações, declarou,
nessa data, suspender seus pagam entos, causando n a praça
verdadeiro pânico.
P o r causa dessa falência, no dia 13 o B anco do B rasil
so fre uma corrida, e, como todos queriam ser atendidos ao
mesmo tem po, am ontoados ju n to ao guichet onde se faziam
as retirad as dos dinheiros, foi p reciso in te rv ir a P olícia
no sentido de se m anter a ordem, o que só se conseguiu o r­
ganizando-se um a cauda que ia do banco ao fim da rua.
Em Dezembro, tendo a P olícia denúncia de que o co­
m endador A ntônio Jo sé de M oura vio len tara um a m enor,
sendo cúm plice T ristão O rneia de Souza, tio da d ita m e­
nor, m andou-os prender e processar. R ecolhido ao quartel
do Corpo P olicial, o com endador evadiu-se na n o ite de 24
de Fevereiro de 1865, sendo preso o capitão Jo aq u im A n­
tô n io F ern an d es de A ssunção, que naquele dia estava de
serviço no Estado-M aior.

O poeta Lagartixa.

No ano de 1864, no dia 28 de Setem bro, desaparecia,


levado pela m orte, o m ais tem ido p an fletário da rim a, um
dos grandes versejadores daquela época, não só como altís­
simo bardo líric o e sentim ental, mas, sobretudo, como in ­
com parável cultivador da sátira e do gênero burlesco, que
o tornou dem asiadam ente grande en tre os m aiores — o
poeta L agartixa.
L aurindo Jo sé da Silva Rabelo, nasceu em 3 de Ju lh o
HMHHH

HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 275

de 1826, no R io de Jan eiro , sendo filho do capitão R icardo


Jo sé da Silva Rabelo e de d. L u isa M aria da Conceição R a­
belo. M estre em todos os gêneros da poesia, cu ltivou de
preferên cia a sátira, n u n ca fazendo coleção de seus versos,
deixando-os dispersos, como um im perativo do seu feitio
boêmio.
Com g ran d e sacrifício, passando as m aiores v ic issitu ­
des, a ponto de não p oder sair à ru a por fa lta de calçados,
form ou-se em M edicina, na Baía, depois de te r frequentado
a E scola M ilita r e o Sem inário, de onde foi expulso pelos
arrebatam entos de sua m usa irrev eren te, que a todos feria
de modo chocareiro.
U m dos seus m ais v erru m an tes epigram as, alvejou, cer­
ta vez, o p ró p rio chefe de P olícia, pelo que passou m aus
q uarto s de h o ra no casarão da ru a do Conde, esquina da ru a
do R egente, que era onde, em 1857, funcionava a S ecretaria
da P olícia.
L au rin d o Rabelo não ignorava ser tratad o pela antono­
m ásia de poeta lagartixa, m as os seus ín tim o s sabiam que
isso sobrem aneira o irritava.
C erta vez, num a reunião fam iliar, chegando-se a um
grupo, que palestrava anim adam ente, e do qual fazia p arte
o inspirado m estiço, sem avaliar o alcance da gaffe, uma
senh o rita p erg u n to u -lh e face a fa c e :
— O senhor é que é o poeta lagartixa?
O desapontam ento foi geral. Mas, o interp elad o não
perdeu a serenidade de e s p írito :
— P o eta e um seu c r ia d o ... Chamo-me L au rin d o Jo sé
da Silva Rabelo. E o seu nome qual é?
A moça, to d a risonha, inform a-lhe:
— F lo ren tin a.
— O h ! senhorita, observa o bardo, antegozando o golpe
de perversidade, tenho visto m u itas flores em jarras, m as
flor em tina, é a prim eira que encontro.
O poeta L ag a rtix a m orreu nesta cidade, como m édico
m ilitar, após uma existência de glórias e de grandes s o fri­
m entos.
276 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

O casamento da princesa Isabel — Ao


Corpo Policial coube prestar homenagem
aos nubentes quando chegaram ao paço.

Foi no dia 15 de O utubro de 1864 que se realizou o


consórcio da filh a m ais velha do im perador, a princesa
Isabel, com o conde d’E u.
T oda a cidade apresentava aspecto festivo.
O ato revestiu-se de excepcional m ag nificência. O p rés­
tito saiu da q u in ta da B oa V ista, pouco depois das 9 horas
da m anhã, sendo os noivos m uito aclam ados pela m ultidão
d u ran te todo o trajeto . Os nubentes, porém , antes da ceri­
m ônia nupcial, deveriam receber as hom enagens das forças
em parada.
Essas hom enagens foram prestadas, em fre n te ao paço,
pelo Corpo Policial, que nesse dia estreou o seu novo u n i­
form e de gala.
T udo correu em p e rfe ita ordem até à h o ra do em bar­
que do jovem casal para P etrópolis, o que foi feito à tarde,
na galera im perial.
Um fato único exigiu as atenções da P olícia. F oi a
aventura acidentada do aeronauta W ells, que, quando o co r­
te jo passava pelo campo da Aclam ação, se m etera no seu
balão, elevando-se a altu ra considerável, indo, porém, de­
pois de 30 m inutos de evoluções, cair desastradam ente no
m orro da V iuva, onde foi convenientem ente socorrido p e­
las autoridades policiais.

Algumas ocorrências policiais em 1865.

Estam os em 1865.
Em 18 de A bril apresentou-se à rep artição da P olícia
o indivíduo de nome H ig in o G eraldo da Rosa, declarando
haver no dia 16 com etido quatro assassínios em G uaratiba,
pelo que ficou preso, enquanto a P o lícia pro ced ia às ave­
riguações. D estas, resu lto u o conhecim ento de que Fausta,
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 277

m ulher de H igino, e seus dois filhos m enores, estavam


agregados a casa de A ntônio Joaquim de Campos, irm ão
daquele, quando, na n o ite de 16, apareceu H igino, arm ado
de um a foice e com elá m atou a m ulher e os filhos. Aos
g rito s de socorro, acudiu A ntônio Joaquim de Campos,
sendo tam bém v ítim a da fú ria do agressor.
A 12 de Ju n h o o utro assassínio. D esta vez no curato
de S anta Cruz, na pessoa do octogenário Joaquim P ire s dos
Santos. F o i au to r dêsse crim e Jo sé das E strelas, que, de­
pois de haver m orto o pobre homem, lhe ateou fogo à casa.
Ao cabo de alg u n s dias, isto é, a 25, eis a P o lícia nova­
m ente em m ovim ento. Ladrões, entrando no edifício do
M useu N acional, no Campo de S an t’A na, de lá haviam ro u ­
bado q u atro diam antes e algum as moedas de ouro e prata.

Casas de diversões licenciadas pela


Polícia em 1865.

E m 1865 funcionavam no R io de Jan eiro , devidam ente


licenciadas pela P o lícia e cum prindo à risca os dispositivos
regulam entares, que eram aplicados com rigor, as seg u in ­
tes casas de diversões:
Ginásio Dramático, na rua do T e a tro ; Alcázar, na ru a
da V ala (hoje U ruguaiana) ; Teatro de São Pedro de A lcân­
tara, no largo do R ossio; Teatro de São Januário, na praia
de d. M anuel, próxim o à atual C aixa E conôm ica; Recreio
do Comércio, na ru a da A ju d a; Circo Olímpico, ná G uarda
Velha, onde, m ais tarde, foi o Teatro Lírico.

Termina o ano com um cheie de Polí­


cia interino — Conselheiro Olegário Her­
culano de Aquino e Castro — (1865).

O ano de 1865 term inou com a nomeação in terin a do


conselheiro O legário H erculano de A quino e C astro para
o cargo de chefe de Polícia.

'
I

278 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

Mal havia entrado no exercício de suas funções, eis o


novo titu la r em sérias dificuldades para p u n ir o crim inoso,
que, por duas vezes, nos dias 23 e 25 de D ezem bro, d isp a­
rara tiro s de revólver co n tra o dr. In ácio Jo sé Garcia, sub­
delegado e ad m in istrad o r da F azenda Im p erial de S anta
Cruz.

A Polícia Militar na guerra do Para-


guai — (1866).

F o i na m anhã de 10 de Ju lh o de 1866 que os 501 solda­


dos da in fan taria policial, com andados pelo coronel M a­
nuel Jo sé M achado da Costa, levando como cirurgião o dr.
B raz M artin s dos G uim arães B ilac, d esfilaram pelas ruas
desta cidade, sob as calorosas aclamações de um a população
em delírio, conduzindo, desfraldada aos qu atro ventos, a
b andeira que o com ércio do R io de Jan eiro lhe o fertara,
em m archa ovante, na desafronta dos b rio s nacionais.
A com panhando o valoroso batalhão, via-se o B ruto,
aquele velho cão rafeiro, que, certo dia, acossado pela fome,
in v estira q uartel dentro, tornando-se, alí, com panheiro
fiel, ao qual os soldados deram agasalho e dispensaram p ara
sem pre p articu lar estim a. Êsse velho cão, baleado em pleno
campo de lu ta, term inada esta, regressou com o batalhão,
sendo, algum tem po depois, m orto por um fiscal da Câm ara
M unicipal, que lhe deu a com er um naco de carne envene­
nada. O seu cadáver acha-se atu alm en te em balsamado na
sala de arm as da B rig ad a P olicial.
D urante a ausência do Corpo M ilitar da P olícia da C or­
te, valorosam ente em penhado na g u erra do P araguai, os
seus encargos foram desem penhados pela G uarda N acional.

Mal das vinhas.

Chamava-se F rancisco Gomes de F reitas, mas era g e ­


ralm ente conhecido por Mal das vinhas um dos tip o s po-
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 279

pulares mais orig in ais que tem aparecido no R io de Ja*


neiro.
P o rtu g u ês de origem , logo que aqui chegou, estabele-
ceu-se com um belch io r na ru a da Carioca, n.° 118, cu ja p o r­
ta sem pre estava fechada. U m dístico — “ B ate-se n a p o r­
ta ” — anunciava ao freg u ês o que devia fazer para com prar
o que desejava. A s m ercadorias do belchior eram anunciadas
pelas colunas do Jornal do Comércio sob o títu lo : “ M editem
e lucrarão” ; e, p ara a u x iliar o seu negócio, tin h a ele a irmã,
a quem chamava — “ M inha h ercu lan a irm ã Teresa, um
anjo de inocência e de candura.”
Os seus anúncios, q u e êle denom inava publicados, p ro ­
vocavam a m ais fran ca h ilarid ad e, pela sua fe itu ra grotesca
e com plicada.
Damos, na ín teg ra, um d e le s :

“ Saccarrolhas a 600 ré is ; queijos 2$000; fe r­


rad u ras do P o rto , a 2$200 (Usam -se m uito nos
b a ile s ); m an teletes de seda, a 12$000; esp arti­
lhos de aço, a 4$000, são flexíveis e p o r isso
como fica d ito (não tin h a dito nada) podem
e devem mesm o usar-se, por conservando a rec-
tidão do corpo cham ada, sem pressão, m ais p er­
fe ita a circulação se opera, que reparem , é a
alm a da v id a em todos os seus apparelhos, que
cessando ella, im m ediatam ente p rin cip ia a fe r­
m entação e após a dissolução, seguindo-se então
no cadinho universal em m ilhões de m inissim as
p articu las a evaporação e precipitação, rolando-
nos assim p ara a m assa geral de onde sahim os.”
t
.i
P o r vezes os tip ó g rafo s truncavam -lhe ou erravam os
seus publicados. De uma fe ita que isto se deu, veio F ra n ­
cisco Gomes de F reitas, pelo Jornal com a seg u in te ré ­
plica :

“ D igo que por m ed itativ a analogia, sim, que


onde digo que raciocinei rem edio, não digo que
são rem edios os m eus racio cín io s; mas sim, digo
280 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

que esse rem edio faz d iffe re n te s provas e que


a criança de p eito , digo que sim, que a criança
que mama leite, com o dito rem edio, come o que
provei, etc.”

Em descobrir rem édios, o Mal das vinhas era de uma


fertilid ad e única.
E m 1854 descobriu que a caparrosa verde (su lfato de
ferro) curava todos os achaques das v in h as; e como raro
era o dia em que pelo Jornal do Comércio F re ita s não viesse
anunciando a sua descoberta sob o títu lo — O Mal das V i­
nhas — o povo deu-lhe esse apelido, que nunca m ais perdeu
até à m orte.
E veio êle explicando:

“ P o r causa dos benefícios por mim derram a­


dos nas parreiras e m ais v egetais vejo que me
chamam “ Mal das v in h as”, o que bastan te me
adm ira pois eu não só não sou o mal das vi­
nhas como até vou co n tra elle, sendo, por todos
sabido que eu ha m u ito o com bato.”

P ara propagar o seu rem édio escreveu 1.275 cartas a to ­


dos os párocos de P o rtu g al. D epois do tal rem édio deu para
inventar m il coisas. E para a p ro p ag an d a dessas invenções
gastava no Jornal do Comércio rios de dinheiro.
Inventou uma receita para n in g u ém m o rrer e à m esm a
deu o nome de — “ E sforços co n tra a m o rte”. D escobriu
ainda que os girassóis destruíam os m iasm as e p ediu que se
plantassem essas heliantéias p o r tô d a a parte.
P ara evitar o calor, aconselhava que se fizesse um teto
de folha de F landres que o cobrisse tôda a cidade do R io de
Janeiro.
Lem brou tam bém a necessidade de todo navio u n ta r o
casco de goma arábica para colar a palha que o deveria co­
brir, palha que devia ser m erg u lh ad a num a solução de água
e pedra-um e. S eria para evitar incêndios, dizia.
M ais tarde, ideou uma peça que m atava trin ta homens
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 281

com um só tiro, e dizia haver feito experiências em casa,


m atando trin ta frangos.
A rran jo u uma lín g u a universal.
A fin al, F reitas apareceu um dia com o seg u in te publi­
cado, despedindo-se dos seus freg u eses:

“Portugueses e todo o povo universal


ouvi-me:
A rredado de uma propaganda sem pre por
m im su sten tad a em p rol universal, nada m enos
de dez anos sem pre em progresso subindo, ou
por outra, su rg in d o neste tem po a cada passo,
a ordem e os p ro d íg io s de D eus dim anados.
A pós a s . .. in g ratid õ es que jam ais nunca a por-
tuguez algum f a lt o u ... R esolvi da arena reti-
rar-m e. N ão ta n to por isto porém, annexado ao
m ais que fe riu m eu coração e alma.”

O M al das vinhas era dotado de coração generoso. À


n o itin h a era sem pre visto na rua da Carioca, com uma lata
contendo sobras de com ida que dava aos cães fam intos que
por ali encontrava.
F aleceu pobre, tendo gasto tu d o quanto conseguira ga­
n h ar com os seus fam osos publicados no Jo rn al do Com ér­
cio, que acabou fazendo-lhe o entêrro.

Residências ilustres em 1866.

E v id en tem en te não havia em 1866 a preocupação snob


de bairros elegantes para os mais ilu stres e poderosos da
época.
E ra, geralm ente, no cen tro da cidade que residiam as
fam ílias dos governantes e p o líticos em evidência, alguns
m ilitares de alta patente, e até m in istro s de E stado.
De uma relação que tem os sob as vistas, destacam os as
seguintes residências:
282 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

Do presidente do C onselho e Im p ério P ed ro de A rau jo


L im a (M arquês de O lin d a), na ru a do L avradio.
Do m in istro de E stran g e iro s conselheiro Jo sé A n tô ­
nio Saraiva, em M atacavalos (hoje ru a do R iachuelo).
Do m in istro da G uerra  ngelo M uniz da S ilva F errás,
na ru a de São P edro, próxim o da ru a da Im p era triz (atu a l­
m en te C am erino).
Do m in istro da F azenda José P ed ro D ias de C arvalho,
no C atete.
Do m in istro da J u stiç a Jo sé T om ás Nabuco de A raujo,
na ru a Bela da P rin cesa (h o je rua S ilveira M artin s).
Do m in istro da M arinha alm irante Joaquim Jo sé In ácio
(visconde de Inhaúm a), na ru a da Saúde.

Quem instigou a guerra do Paraguai


— Madame Linch.

Chamava-se E lisa A lice L inch a p rin cip al causadora da


g u erra do Paraguai.
E ra francesa e p erten cia a uma fam ília m u ito m odesta.
Casou-se, prim eiro, n a In g la te rra ; divorciou-se e casou-se,
depois, com Q uatrefages, o grande n a tu ra lista que ta n ta
fam a deixou. Separando-se de Q uatrefages, ligou-se a So­
lano Lopes, que se achava, então, em P aris, onde a v iu pela
prim eira vez, na ocasião em que ambos esperavam um trem
na g are de S ain t Lazare.
M ulher fascinante, encantadora e form osíssim a, fala n ­
do com facilidade diversas línguas, possuindo g raça pouco
comum, Lopes logo se apaixonou p o r ela, trazen d o -a p ara
A ssunção.
M asterm ann, que a v iu e que com ela conversou alg u ­
mas vezes, assim lhe pinta, rapidam ente, o re tra to : — “ E ra
um a m ulher alta, roliça e bastan te eleg an te; e, conquanto já
tivesse tido alguns filhos, não tenho dúvida em afirm ar que
os paraguaios ficaram pasm ados pelos seus encantos, logo
que chegou a A ssunção.”
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 288

U m a vez aí, o d itad o r m andou edificar-lhe um palácio,


onde, em sua honra, eram dadas festas suntuosas.
A m bicioa ao extrem o, tin h a dois ideais: — casar-se
com L o p es e to rn ar-se im peratriz. D izia ser Lopes o p ri­
m eiro g en eral da A m érica, e por vezes o com parava a
N apoleão B o naparte. D u ran te cerca de dezesseis anos do­
m inou o d ita d o r e jo g o u com êle como bem entendeu.
P a ra satisfaz er-lh e os sonhos de im peratriz, Lopes lhe
havia p ro m etid o co n q u istar p a rte do B rasil e da A rg en ­
tina, to rn ar-se im p erad o r do te rritó rio conquistado e dá-lo
a essa nova P om padour.
P o r o u tro lado, E lisa não cessava de escrever, elevando
L opes a um a a ltu ra que êle não m erecia e vaticinava-lhe
o d estino de fazer do P arag u ai a prim eira potência ame­
ricana. M as, p ara realizar êsse pro jeto , era necessário em­
p reen d e r um a g ran d e g u erra com o B rasil e com a A rgen­
tina.
N ão fo i d ific il en co n trar um p retexto. A ambição de
E lis a L in c h não tin h a lim ites. Lopes, inteiram ente subju­
gado p o r ela, governava debaixo de suas ord en s; fazia-se
o que ela q u eria ; sua vontade dominava a sociedade para­
guaia.
D iz M anuel Galvez, o ilu stre escritor onde foram co­
lh id as estas notas, que o amor, a vingança, o ódio, as am bi­
ções g ig an tescas fo ram as verdadeiras causas da guerra do
P a ra g u a i; causas que, tô d as elas, se podem red u zir a uma
s ó : — F ran cisco Solano Lopes. P ara isso, inventou agravos
e convenceu a seu povo que o B rasil e a R epública A rg en ­
tin a p reten d iam apoderar-se do Paraguai.
A o declarar-se a guerra, E lisa L inch acom panhou o seu
m arido em quase to d o s os combates e era ela quem en tu ­
siasm ava as tro p as com a sua palavra ardente. Foi, por
vezes, ferid a levem ente.
N ão h á dúvida que essa m ulher foi a fig u ra p rin cip al
que in stig o u o d itad o r Solano Lopes a d eclarar a gu erra
co n tra o B rasil e a R epública A rgentina. E, mesmo no pe­
ríodo da cam panha, sua in flu ên cia era tão preponderante
que, p o r seu conselho, depois da derrota de C urupaiti, L o ­
pes rev iu e aceitou um plano de Thom pson, antes repelido,
284 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

para fo rtificar C u ru p aití, de sorte que a ela se deve, em


parte, a vitó ria do general Diaz.
Foi ela, também, quem aconselhou fôsse dizim ado o
batalhão 10, cujos soldados, que jam ais assistiram a um com ­
bate, haviam fugido, e explicou que fô ra essa covardia que
m otivara a d erro ta de C uruzú.
Ao term in ar a luta, a dom inadora de L opes foi presa,
em uma carruagem , quando ten tav a fu g ir.
E lisa A lice L in ch faleceu em P aris, aí por 1887, e diz-
se que em extrem a pobreza.
A gu erra do P aragu ai custou a vida de cem m il b ra si­
leiros e arrebatou aos cofres nacionais, aproxim adam ente,
a quantia de seiscentos mil contos de réis.

Nova sociedade carnavalesca: Clube


dos Democráticos.

E m 1866, a cidade passou a te r m ais uma sociedade car­


navalesca: — o Clube dos Democráticos, solenem ente in s­
talado no ano im ediato, a 19 de Jan eiro , e ainda h o je exis­
tente, na rua do R iachuelo.
Na fundação do Clube dos Democráticos foi aplicada
vultosa quantia que um grupo de rapazes do com ércio ca­
rioca recebera como prêm io de um bilh ete de lo teria com­
prado de parceria.
Os adeptos da nova agrem iação m uito concorreram para
o grande entusiasm o que houve no carnaval de 1867 e fica­
ram conhecidos por Carapicús, e a sede de suas atividades,
ainda agora, é denom inada Castelo.

Novo chefe de Polícia — Dr. Dario


Rafael Calado — (1866).

Cessada a in terin id ad e do conselheiro A quino e Cas­


tro , foi nomeado, a 3 de M arço de 1866, para o cargo de
chefe de P olícia o dr. D ario R afael Calado.
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 285

N ascido em M ontevidéu, ainda P ro v ín cia C isplatina,


o dr. Dario Calado era filho do g en eral João C risóstom o
Calado, que inestim áveis serviços p resto u ao B rasil em
várias épocas, especialm ente na Baía, por ocasião da sed i­
ção conhecida por “ Sabinada”.
Form ando-se em D ireito, na A cadem ia de São Paulo,
o dr. D ario Calado dedicou-se à M ag istratu ra, tendo sido
prom otor público na E strela, ju iz de d ireito e chefe de
P olícia em M inas e, depois, no Rio G rande do Sul.

Criação da Guarda Urbana.

Poucos dias antes de o d r. D ario R afael Calado ser


nom eado chefe de P olícia, fô ra aprovado, por decreto de
17 de F ev ereiro de 1866, o regulam ento para o serviço da
G uarda U rbana, criada pelo decreto n.° 3.598, de 27 de J a ­
neiro do mesm o ano.

í
Conflitos entre soldados do Exér­
cito e da Polícia.

A 21 de Ju n h o , o chefe de P olícia, depois de longa con­


ferência tid a na véspera com o titu la r da pasta da Ju stiça,
resolveu em pregar tôda a ativ id ad e no sentido de fazer
cessar os co n flito s que de há m uito rebentavam na cidade,
prin cip alm en te à noite, en tre soldados do E x ército e da
P olícia, sendo que, às vezes, havia incid en tes m uito graves,
como um que se reg istro u no dia 20 de Ju n h o e do qual
resu lto u a m o rte de dois homens.
Tão acertadas foram as providências adotadas pelo dr.
Calado, que im ediatam ente desapareceu a inju stificáv el r i­
validade en tre as praças das ditas in stituições, e os lam en­
táveis co nflitos não m ais se deram.

i
286 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

O primeiro duelo verificado no Bra­


sil — Jornalistas Ferreira de Araujo e
João José dos Reis.

F oram os jo rn alistas F erreira de A rau jo e Jo ão Jo sé


dos R eis as prim eiras pessoas que se b ateram em duelo no
B rasil, em A gosto de 1866. Dêsse com bate sin g u la r foi ce­
n ário a cidade do Rio de Janeiro, não podendo ser evitado
pela P olícia, que dêle teve conhecim ento com antecedência,
porque os an tag o n istas até à últim a hora conseguiram o cu l­
ta r o local onde se realizaria o encontro.
C arlos de L aet, com entando os fatos da semana, em um
dos seus tão apreciados folhetins, escreveu, sem cita r os
nom es dos com batentes:
“ B rigaram , em combate singular, dois hom ens de im ­
prensa. O fato m u ito comum em certos paises, não tin h a
precedentes nesta m in h a te rra em cuja lite ra tu ra , aqui de
mom ento, só me ocorre a luta épica de Jag o an h aro e T ib i-
riçá, na Confederação dos Tamóios. D es’arte, por inusitado,
o negócio pro d u ziu grande im pressão no ânim o público.
L iquidou-se em boa hora a pendência sem d erram a­
m ento de sangue, com o que, tem-se escrito, houve g eral
contentam ento, trad u zid o em visitas, cum prim entos, m an i­
festações jubilosas, etc., etc. A sseguro, porém , eu, que tô d a
essa benévola disposição da m aior p a rte dos m irõ es não
passa de poética invenção. A inda ag o ra a m aio r decepção
do respeitável público é que não ten h a havido duas m ortes
pelo menos. D igo — ao menos, porque su jeito s há que me
p erguntaram se, m ortos os com batentes, não p ro sseg u iriam
na lu ta os srs, padrinhos . .. — M as isso não seria um duelo,
porém um a cabidela — objetei-lhes in d ig n a d o ... E êles, os
malvados, continuaram a sorrir, aspirando de n arin as d ila ­
tadas o cheiro do sangue a u s e n te ! . . .
Nem se me p erg u n to u quem são estes p erv erso s. .. São
tôda a gente, aquela entidade feroz por cu riosidade, que nos
circos m anda re p e tir os lances m ais arriscados da acrobacia,
e nas praças de touros exige que às aspas do bicho se arre-
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 287

messe o in feliz já cuspido três vezes! A in d a bem que fica­


ram roubados no cadáver de suas aspirações!”
O cro n ista borda longa série de considerações em
tôrno do episódio e term in a pela condenação do duelo, que,
diz, “ não oferece nenhum a solução razoável aos co n flito s
para que o aconselham .”
E term in a com estas palavras:
“ Como meio de exterm ínio, é altam ente crim inoso;
como im itação francesa não fu n d ad a em costum es e idéias
nacionais, é tão absurdo pelo m enos como o “ cham pagne”
de ananaz; e como processo m eram ente baseado no azar,
enten d o que não escapa às censuras com ta n ta razão fo rm u ­
ladas co n tra as lo terias e as dem ais form as da jogatina.
È v e r d a d e ... Só nos faltava isto — a lo teria do hom i­
cídio!
E m to d o caso, m eus sinceros parabéns aos estim áveis
cavalheiros que, desta feita, tiraram ao mesmo tem po a
so rte g ran d e.”

Fatos policiais registados durante a


administração do dr. Dario Rafael Calado.

D u ran te a adm inistração do dr. D ario R afael Calado,


a P o lícia reg isto u os seguintes fatos, en tre outros de m e­
nor im p o rtân cia:
A 23 de Ju lh o de 1866, um grande co n flito no largo de
S. D om ingos, dele resultando vários ferim en to s e a m o rte
do sú d ito am ericano R oberto Lee.
A 17 de A gosto, o envenenam ento da esposa do dr. B e r­
nard in o Jo sé de Figueiredo, resid en te na praia de B o ta­
fogo, n.° 110, crim e praticado por uma escrava, que, in te rro ­
gada pela P olícia, confessou haver m in istrad o à senhora
tá rta ro em ético na comida, assim o fazendo, declarou, p ara
se v in g ar da vítim a, que a m altratava continuadam ente.
A 6 de Novembro, um crim e de grande rep ercu ssão : um
ciru rg ião do Corpo M ilitar da P o lícia assassina a esposa
por suspeitas de infidelidade conjugal.
288 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

A 19 do mesmo mês, um italiano, de nom e L uís Sodi,


mata um guarda urbano, no m om ento em que êste o prende.

O acontecimento mais sensacional da


época — Misterioso desaparecimento do
dr. Dario Rafael Calado.

Na época em que se deu o acontecim ento que vam os


relatar, achava-se o dr. D ario Rafael Calado um pouco
adoentado, e, como sua fam ília receasse qualquer acidente,
conhecedora que era do diagnóstico médico, fazia-o sem pre
acom panhar de um escravo de in teira confiança, chamado
M alaquias.
M orava o dr. Calado na ru a de São Jo rg e e tin h a por
hábito, logo após o jan tar, d ar um pequeno passeio, a pé,
pelas cercanias de sua residência, chegando, às vezes, até ao
Passeio Público.
Num a dessas tardes, em fin s de 1866, depois da refeição
costum eira, saiu de casa. A com panhava-o, à distância, o
criado M alaquias.
Chegado à praça T irad en tes, sentou-se calm am ente num
dos bancos dali, abriu um jo rn al e pôs-se a lê-lo. Num
dado m om ento, m eteu a mão no bolso e v erifico u que lhe
faltava a boceta de rap é:
— M alaquias, esqueci-me da caixa de rapé. Vai buscá-
la, ordenou o dr. D ario Calado.
F oi a correr o M alaquias,
Q uando voltou, não eram decorridos dez m inutos. O
dr. Calado, porém, já não estava no lu g ar onde o havia d ei­
xado. R elanceou a vista. V oltou-se para a direita. N ada!
V oltou-se para a esquerda. Tam bém nada! Com a caixa de
rapé na mão, perm aneceu ju n to ao banco alguns in stantes.
D epois percorreu o largo em várias direções. Sem pre s u ­
pondo que o seu amo estivesse ali por perto, M alaquias
andou de p o rta em porta, p erg u n tan d o pfor êle.
C orreu até ao Passeio Público.
N inguem sabia dar inform ações j ninguém o vira.
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 289

E a noite vinha chegando.


M alaquias, já im paciente, resolve regressar a casa. R e­
lata o fato. H á um espanto geral. A fam ília do dr. D ario
Calado tom a v árias providências. A lvoroça-se a P olícia. Os
am igos e os paren tes passam a n o ite in teira em vigília.
O m istério é com pleto.
A pesar de conhecidíssim o, ninguém vira o dr. Calado.
Foram im profícuas tôdas as diligências.
N unca m ais se soube do chefe de P o lícia da Côrte.
Como era n atural, su rg iram diversas versões. P rim eiro ,
diziam que o dr. Calado tin h a sido assassinado por ordem
da M açonaria, para que não se efetivasse a prisão de um
maçon, que estava sendo perseguido injustam ente. D epois
afirm avam que aquele m isterioso desaparecim ento era con­
sequência de questão p o lític a em que se envolvera havia
tem pos o ch efe de Polícia. F inalm ente, opinavam m uitos
pelo suicídio do dr. Calado, isto é, que êle se lançara num
g rand e boeiro ex isten te na ru a da C onstituição.
Como essa últim a hip ó tese podia ser verdadeira, um
am igo do dr. Calado freto u um navio e trê s dias seguidos
andou a in v estig ar pelas costas do Rio de Janeiro, à p ro ­
cu ra do c a d a v e r...
N ada foi encontrado.
R elacionado, supõe-se, ao desaparecim ento daquele
chefe de P o líc ia da Côrte, há um outro episódio que fica
reg istad o n estas páginas com as devidas reservas, por isso
que não foi possível v erificar-lh e a auten ticid ad e por via
de docum entação incontestável.
Êsse episódio é o seg u in te:
Cerca de 20 anos depois, em 1886, apareceu em N iteró i,
em casa de um dos membros da fam ília do desaparecido, um
m onge franciscano, pedindo com m uito in terêsse o deixas­
sem falar ao dr. Calado, sobrinho do dr. D ario. Não se ach an ­
do em casa a essa hora o dr. Calado, o m onge deixou um
recado, dizendo que voltaria no dia seguinte à mesma hora
e que não lhe faltassem , pois estava a em barcar para a sua
ordem, a cham ado urgente, e tin h a que se ap resen tar sem
demora.
O frade, no dia seguinte, voltou à mesma hora, mas,
20
290 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

desgraçadam ente, o dr. Calado tin h a ido acu d ir a um cha­


mado médico u rg en te.
Não pôde o frade esperar, e n u n ca m ais se conseguiu
saber que gênero de negócio o podia ter levado a N iteró i,
procurando um membro da fam ília do dr. D ario R afael
Calado.
T eria sido o franciscano o p ró p rio assassino do dr. C a­
lado?
T eria êle ouvido em confissão o assassino, que lhe pe­
dira fôsse com unicar o caso à fam ília?
Seria, enfim , o franciscano o p ró p rio dr. Calado?
N inguém sabe.
P erpetua-se o m istério.

Oito chefes de Polícia durante um de­


cênio — (1867-1877).

D urante o decênio que vai de 1867 a 1877, foram os se­


g u in tes os cidadãos que desem penharam no R io de Jan eiro
as funções de chefe de P o líc ia : dr. T eo d o ro M achado F re i­
re P e re ira da Silva, dr. L uís C arlos de P aiv a T eix eira,
dr. Joaquim F rancisco de F aria, d r. F red erico A u g u sto
X avier de B rito , dr. João S ertório, dr. Jo ão F ran cisco de
F a ria Leimos, dr. L ud g ero G onçalves da Silva, dr. C aetano
Jo sé de A ndrade P in to , dr. M iguel Calmon d u P in e A l - 4
meida.
O prim eiro foi nomeado a 21 de Fevereiro de 1867, p e r­
m anecendo no cargo pouco m ais de sete meses.
Os eventos principais, que m ais diretam ente exigiram
a atenção da P olícia nesses dez anos, irão, cronologicam en­
te, referidos linhas abaixo.

Por causa de um casamento contraria­


do, a cidade fica em pé de guerra.

No dia 4 de Ju n h o de 1867, a P o lícia teve conhecim ento


de que os irm ãos C ustódio, C ândido e H en riq u e Jo sé da
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 291

C osta F ig u eired o m antinham em cárcere privado, num


q u arto do estabelecim ento com ercial de seu pai, na rua
da A lfândega, n.° 83, sua irm ã d. A m élia A delaide da C osta
F ig u eired o , e sua filh a E ulália, m en o r de 7 anos, em v ir­
tu d e de esta senhora q u erer casar-se com um indivíduo, que
não era da sim p atia dos referid o s F igueiredos.
Im ed iatam en te o l.° delegado tom ou providências,
m andando so ltar d. A m élia e processar seus algozes, que,
em v irtu d e da lei, e m ed ian te fiança, perm aneceram soltos.
A im prensa, porém , ad u lteran d o os fatos, afirm ava que
a P o lícia não havia p ren d id o os irm ãos F ig u eired o s e que
êles não m antinham só d. A m élia e sua filh a em cárcere p ri­
vado, m as a faziam passar por to rtu ra s de fom e e sêde.
In d ig n ad o o povo com as palavras dos jo rn ais, resolveu
tira r um a d esforra, atacando a casa da ru a da A lfândega.
E assim fez. P essoas de d iferen tes classes agruparam -
se em fre n te àquela casa, e, em altas vozes, exigiram a p ri­
são im ediata dos irm ãos de d. Amélia.
O grupo, que era m ais ou m enos de 20 pessoas, dentro
de m eia ho ra já a tin g ia a 500.
N inguém m ais podia passar pela ru a da A lfândega, que
se achava tô d a convulsionada.
P a ra poder m an ter a ordem e exp licar ao povo que os
in d ig ita d o s crim inosos já haviam sido presos, m as que, em
v irtu d e de.lei, podiam ser afiançados, saiu de sua secretaria
o chefe de P olícia. C hegando em fre n te à d ita casa, saltou
de seu “ coupé”, en tro u no prédio e, p ara g aran tir a vida
d e um dos F ig u eired o s, pois os outros já se haviam eva­
dido, m eteu-o na sua carru ag em e m andou tocar para a Se­
c retaria da P olícia, que era então na ru a da Relação, es­
quina da rua V isconde do R io Branco.
O povo, am otinado, achou que aquilo era uma grande
honra que a P o lícia estava dispensando ao crim inoso, e
pro rro m p eu em assuadas, acom panhando o “ coupé”, debai ­
xo de vaias, g rito s e algum as pedradas.
Chegado o chefe de P o líc ia à Secretaria, continuou o
povo em fren te do edifício, aos g rito s de “ M orra a P o lí­
cia!” . . . “ A baixo o ch efe!”
E a onda de povo cada vez era m aior. A gora, eram
292 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

cerca de dois m il os am otinados. E ra preciso d isp ersar


aquela gente, de qualquer modo. F o i incum bida disso m eia
dúzia de soldados, a pé e a cavalo.
A fú ria popular crescia e a desordem tom ava g ran d e
vulto. J á não se tratav a então dos irm ãos F ig u eired o s. E ra
com a P o lícia que o povo queria a ju sta r contas.
E n trin ch eiran d o -se no perím etro do g rad il da praça da
C onstituição, hoje praça T irad en tes, form ou barricadas, in ­
vadiu o q u artel do l.° Corpo de A rtilh aria, que era então n a
ru a do E sp írito Santo, tiro u de lá quase todo o arm am ento,
e ei-lo em g u erra ab erta com a P olícia.
A um entava sem pre o núm ero de com batentes; o con­
flito tom ava proporções assu stad o ras; fam ílias já se a r r u ­
mavam p ara se re tira r da cidade; um padeiro da praça da
C onstituição, cham ado Lima, auxiliado p o r uma m u lh er
conhecida por Chica Polca, fo rn ecia ao povo achas de le ­
nha para, das barricadas, serem atirad as sobre os soldados.
R euniu-se o M inistério para tom ar providências. F o i
decidido q u e se m andasse desem barcar um a fôrça de 200
im periais m arinheiros, devidam ente arm ados, p ara se b ater
com os am otinados.
O com andante do 6.° B atalhão da G uarda N acional,
Lázaro G onçalves recebeu ordens para form ar o seu pes­
soal e dispersar o povo a bala.
O oficial desobedeceu a essa ordem.
A final, saltaram os m arinheiros, sob o comando do ca­
pitão -ten en te M enezes, e se postaram nas ruas da C onsti­
tuição, do Conde, 7 de Setem bro e da Carioca. Rom peu a
prim eira descarga, à s 9 horas da n o ite ; depois a segunda.
Não cedia o povo.
F oi resolvido dispersar os tu rb u len to s a baioneta ca­
lada.
A cabada a lu ta e presos 30 indivíduos, lá estavam es­
tendidos no solo dezenas de feridos e um m o rto : o n eg o ­
ciante M anuel P in to de Azevedo, sócio da A lfaia taria
Q uanock & Cia., na ru a do O uvidor.
E eis aqui como de um sim ples casam ento contrariado,
sái um conflito, que deixa em pânico, d u ran te 48 horas,
um a cidade inteira.
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 293

Voluntária da morte.

A 9 de O u tu b ro de 1867 é nom eado chefe de P o lícia o


dr. L u ís C arlos de P aiv a T eix eira.
N esse dia reg ista-se um suicídio, que tem a sua h is ­
tória. N arrêm o-la:
A ssim que se organizaram , n a então província do
P iau í, os p rim eiro s batalhões de v o lu n tário s que tinham
de m archar para o P arag u ai, apareceu na secretaria do ba­
talhão, onde se fazia o alistam ento, um caboclinho, filho da
cidade de Jorom enha, lu g ar daquela província.
— E n tão , queres seg u ir para a g u erra? in terro g o u -lh e
o com andante.
— N hôr, sim .
- , E não te n s m edo de m o rrer?
— P ’ra d efendê Jorom enha, n h ô r não.
— E sabes p eg ar em arm as; d ar tiro s?
— N hôr, sim .
— P o is tom a lá esta esp in g ard a e m ata aquele passa­
rinho.
E o com andante en treg o u a arm a ao rapazote.
O caboclinho pegou da arma, fez a p o n taria e, z á s ... o
passarinho caiu m orto.
— F o i acaso, diz o com andante aos o ficiais que esta­
vam ao seu lado. Não é possível que êste criançola a tire
tão bem.
O pequeno riu-se e respondeu:
— O ra, nhôr, capitão, eu sou capaz de a tira r com o cha­
péu daquele soldado no ch ão . . .
E sem m ais preâm bulos ia dar o tiro .
— T u m atas o homem, m enino.
E , antes que o com andante term inasse a frase, a bala
p a rtiu e o capacete do soldado foi pelos ares.
N ão foi preciso m ais ex p eriên cias nem form alidades.
O caboclinho foi im ediatam ente alistado e fico u sendo, além
de respeitado, o soldado querido do batalhão.
D ias depois, o batalhão tin h a de seg u ir do P iau í p ara
a C ôrte e daí para o P araguai.
204 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

A legre, garboso, o caboclinho já se considerava um he­


rói, m etido na farda pesada de soldado raso.
E i-lo agora a bordo. O caboclinho continuava a ser o
m enino querido dos camaradas, cujo p razer era vê-4o a tira r
sôbre as gaivotas que esvoaçavam em tô rn o do navio.
— O lhem lá ; agora é na asa.
E o tiro , partin d o , quebrava a asa da gaivota.
— A gora, é na perna.
E a bala quebrava realm ente a pern a do pássaro, que
caía sôbre as vagas, estrebuchando.
— Q uem te ensinou a atirar, m enino?
— Sei, não. F o i Deus.
M as o diabo as arma, lá diz o rifão.
U m soldado observou que o pequeno tin h a as orelhas
fu rad as e d e s c o n fio u ... Levando ao extrem o a sua descon­
fiança, apalpou o busto do caboclinho e v erifico u que êle
tin h a seios.
O caboclinho não era mesmo h o m em ; era m ulher.
D ado o alarm e pela soldadesca, chegou o caso ao conhe­
cim ento do com andante, que m andou im ediatam ente que o
“ rapaz” se separasse dos seus cam aradas.
Chegado o vapor ao R ecife, espalhou-se a n o tícia de que
do P ia u í v iera um a m ulher, que, p a ra serv ir a p átria, queria
passar p o r homem. Os jornais publicaram o f a to ; os p atrio ­
tas m ais ardentes fizeram desem barcar a pequena sertaneja,
ainda v estida de homem, e carregaram -na em triu n fo . A ga­
ro ta declara então o seu verdadeiro nom e: é Jo v ita A lves
F eitosa.
E Jo v ita tornou-se a m ulher do dia, a heroína da p átria.
N a Baía, os estudantes fazem desem barcar Jo v ita e car­
regam -na em triu n fo pelas ruas da cidade.
C hegando ela à Corte, aum enta o entusiasm o, que vai ao
delírio. O povo se acotovela p ara assistir à passagem, pela
ru a do O uvidor, do batalhão do qual Jo v ita era soldado; e
ao vê-la de arm a ao ombro, as senhoras atiram -lhe flo res das
janelas, dando-lhe vivas estrepitosos.
O estado-m aior resolve que as leis não perm item isso
e o rd en a que se dê baixa a Jo v ita e que a façam reg ressar
ao P iau í.
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 295

R ecolhido o batalhão ao quartel, nas vésperas de seg u ir


para o P arag u ai, o com andante consulta ao estado-m aior se
pode levar Jo v ita p ara a guerra, fard ad a de homem.
Não era possível.
Jo v ita despiu a farda, com lágrim as nos olhos. Q uando
lhe deram ordem de em barque, ela recusou, dizendo que
fica ria p o r aqui mesmo.
P assaram -se alg u n s m eses; m orou em diversas ruas,
d en tre as quais a dos A rcos. A cabado o soldo, que recebera,
atiro u -se ao lamaçal do vício e da libertinagem . M orrendo
de am ores por um in g lês cham ado G uilherm e N oot, foi
viver com êle em um a casa da p raia do R ussell. O ingles,
porém , fez-se um dia de vela p ara a In g la te rra , deixando
Jo v ita ao abandono.
Daí, fo i de queda em queda, de desilusão em desilusão,1
até que n a m anhã de 9 de O u tu b ro de 1867, se degolou em
um q u arto da casa n.° 43 da p raia do R ussell.
A lg u ém teve pena dela e escreveu um livro in titu lad o
A voluntária da morte. Com o pro d u to dêsse livro com pra-
ram -lhe o túm ulo.

Movimento policial em 1868.

A adm inistração do chefe de P o lícia P aiva T eix eira,


como a do seu antecessor, não foi de longa duração. In iciad a
em O u tu b ro de 1867, finda-se em Ju lh o de 1868, seguindo-
se-lhe a do dr. Joaquim F rancisco de F aria, que durou m e­
nos de um mês, e a do dr. F red erico A ugusto X avier de
B rito , com eçada a 1 de A gosto.
A ssim alcançam os o ano de 1868.
N esse ano a P o lícia andou às voltas com vários assas­
sínios, e n tre outros o ocorrido a 6 de Jan eiro , na pessoa de
M aria L u isa do N ascim ento, m oradora na ru a do H ospício,
n.° 175 e cujo au to r foi um negro de nome Izidoro, seu ex-
am ante; outro, a 14 de Fevereiro, na pessoa de um italian o
resid en te na rua D. M anuel e cu jo cadáver fô ra en co n ­
trad o na praia de S anta Luzia, ju n to do H o sp ital da Mi-
296 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

sericó rd ia; o u tro praticado a 2 de M arço, tendo sido vítim a


a portuguesa A na V itó ria de M atos e au to r o espanhol D o­
m ingos de F aria Lopes.

Falecimento do primeiro chefe de P o­


lícia da cidade do Rio de Janeiro.

A 7 de M aio espalha-se pela cidade um a n o tícia cons-


te rn a d o ra : havia falecido o conselheiro Eusébio de Q ueirós
C outinho M atoso Câmara, que, em ordem cronológica, foi
o prim eiro chefe de P o lícia do R io de Jan eiro .
Eusébio de Q ueirós nasceu a 27 de D ezem bro d e 1812,
em São P au lo de Loanda. V eio para o B rasil no ano de
1815, m atriculando-se no curso ju ríd ico de O linda, onde
deixou tradição brilhantíssim a.
F o i chefe de P o lícia e, depois, m in istro da Ju stiça, em
1852. O rador e parlam entar, como os m elhores, foi o p rin ­
cipal cooperador da proibição do tráfico dos escravos.
A cidade, m uito justam ente, perpetuou-lhe a m em ória,
dando-lhe o nome a duas de suas ru a s: a do M atoso e a de
Senador Eusébio.

A degolada da rua do Hospício.

Ao raiar do dia 10 de Ju n h o de 1868, outro assassínio


veio lançar o te rro r à cidade e levantar em tôda a população
o sentim ento de indignação profundai
N a m adrugada dêsse dia, um policial rondante, ao p as­
sar pela casa n.° 238 da ru a do H ospício, viu aberta a jan ela
e, p enetrando p o r ela, encontrou m orta, estendida em sua
casa, a in feliz decaída E rm elin d a Rosa de Jesús.
O cadáver, h orrivelm ente m utilado, deixava ver, cla­
ram ente, a perversidade com que fôra o crim e com etido.
O assassino tin h a escolhido, p ara m atar a desgraçada
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 297

E rm elinda, o in stru m en to m ais decisivo, porém o m ais


h o rro ro so : a m achadinha.
O corpo da vítim a achava-se todo golpeado p o r êsse
in stru m en to , e a cabeça, p ara onde, de preferência, o au to r
do crim e tin h a d irig id o os p rin cip ais golpes, in te ira ­
m ente p artid a, deixando ver a m assa encefálica, que saía
da caixa craniana e se espalhava pelo lençol da cama e até
pelo chão.
Na sala, onde se en co n trav a o cadáver — a mais com­
p le ta desordem : cadeiras de pernas para o ar, roupas espa­
lhadas pelo chão, o b jeto s de vidro, em cacos. Os m óveis
arrom bados, as gavetas abertas, denotavam que o utro não
tin h a sido o m óvel do crim e, senão o roubo.
A bertas as d ilig ên cias policiais e in terp elad a a v iz i­
nhança, uma m u lh er d eclarou que, estando à janela, sem
ser vista, observou, a h o ras que não sabia dizer, e n tra r em
casa da assassinada um moço branco, regularm ente vestido,
de m odo d istin to , parecendo ser estudante.
A p u ro u depois a P o líc ia que êsse moço era um estu ­
dante da E sco la C en tral, cham ado G ustavo A ugusto C ar­
doso P in to , n a tu ra l do P ará, de 20 e poucos anos de idade.
V indo p ara aqui estu d ar, foi levado pelas m ás com panhias
aos desregram entos, de so rte que, em breve, abandonava a
escola e se p ren d ia aos prazeres da vida boêm ia carioca.
Seus pais, que não eram ricos, souberam de tal proce­
dim ento e resolveram , p ara que o moço se corrigisse, sus-
pender-lhe a m esada, até que tom asse o utro rum o n a vida.
M as G ustavo A u g u sto Cardoso P in to , já afeito às p â n ­
degas, aos b otequins e às noitadas, não se emendou.
C erta noite, pôs-se, com o u tro s amigos, à p o rta de um
teatro, observando a g en te que de lá se retirav a ao term in ar
o espetáculo. E ra um a distração dos moços daquele tem po.
E n tre as m ulheres que saíam do teatro , viu um a r a ­
pariga que traz ia nas orelhas e nos dedos jóias, cujas pedras
cintilavam à luz dos candieiros. U m lindo colar de p érolas
ornava-lhe o pescoço.
P o ssu ir aquelas jóias, vendê-las por m aior preço p o ssí­
vel, seria para êle a suprem a felicidade. E logo um desejo
298 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

in fern a l acudiu-lhe ao p en sam en to : acom panhar aquela m u­


lher, ver onde m orava e ro ubar-lhe aqueles b rilh an tes.
E rm elin d a Rosa de Jesú s, pois não era o u tra a m u lh er
que havia saído do espetáculo, foi, sem ser p ressen tid a,
acom panhada pelo moço até à ru a do H ospício, n.° 238.
A í chegado, o estudante tom ou n o ta da casa e foi, rum o
da sua, que era na ru a do R iachuelo.
Não dorm iu essa noite, plan ejan d o o m elhor m eio de
m atar E rm elin d a e apoderar-se dos brilhantes.^
F eito o seu program a, levou-o a efeito no dia seguinte.
Conhecia um m enor de 14 anos, G odofredo de A breu
Lim a, q u e o poderia auxiliar na em prêsa. F ic a ria êsse m e­
n o r à esp reita, em fren te da casa de E rm elin d a, com a in ­
cum bência de avisar em tem po o assassino, logo que alguém
pressentisse que êle estava p ratican d o o crim e.
X udo arranjado, isto é, in d u striad o convenientem ente
o m enino, sôbre o que devia fazer em caso de perigo,
su b traiu uma m achadinha da casa de um a fam ília a que per-
r ten cia um a moça requestada por êle, ocultou-a no seu so­
bretudo e p artiu com o m enino p ara a rua do H ospício. E ra
aproxim adam ente uma h o ra da m anha. E rm elin d a estava a
janela. P erg u n to u se ela podia falar-lhe. E rm elinda, que de
nada suspeitava, d isse que entrasse. G ustavo entrou. O me­
nino ficou em fren te. Uma vez no in te rio r da casa, E rm e­
lin d a fechou a p o rta e sentou-se na cama. G ustavo, mais
rápido que um raio, tiro u do sobretudo a m achadinha e
arrum ou com ela na cabeça de E rm elin d a, que caiu ime­
diatam ente m orta, sem te r tem po de dar um g rito . A pós o
prim eiro golpe, o moço, já fo ra de si, deu o u tro s e outros,
inundando a sala de sangue. D epois, arran co u das orelhas
da m orta, os b rin co s irrad ian tes, e dos dedos ôs anéis que
brilhavam . O colar de pérolas, encontrou-o em uma gaveta.
Colocou tu d o no bolso do sobretudo e saiu, p ulando pela
janela. O m enino ainda lá estava, sem saber que tin h a aco­
bertado um crim e.
No dia seguinte, m unido daquelas jóias, foi a um a casa
de penhores. M ostrou o colar, prim eiro. O dono da casa
exam inou as pérolas, sorriu e, logo à p rim eira vista, conhe­
ceu que eram falsas.
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 299

__N ão vale n a d a ; não lhe darem os nem cinco m il réis.


G ustavo m ostrou os anéis e os brincos. O negociante
fez o m esm o m inucioso exam e e exclam ou:
__ T am bém nada vale tudo isso. A s pedras são falsas
e o m etal nem ouro é.
O rapaz ficou lívido, e, ao ouvir aquelas palavras, só
tin h a um d esejo : estran g u lar-se ali mesmo, se possível
fôsse. C am inhando a esmo, aterrorizado, vendo em sua
fre n te a cena do assassínio, chegou ao largo de S. F ra n ­
cisco de P au la, onde esbarrou com um am igo, que lhe d is s e :
__ A n d a d a í; vam os ver a degolada da ru a do H o s­
pício.
E ra p reciso ir, p ara que não despertasse alguma sus­
p eita. E foi.
C hegados às proxim idades do local do crim e, salta uma
m u lh er e diz ao delegado, apontando para G ustavo:
__F o i aquele o m oço que vi sair ontem de casa de E r-
m elinda.
A ssim fo i preso o in feliz estudante.
R espondendo a processo, foi condenado a m orte, m as
a pena fo i-lh e com utada, sendo tran sferid o para o presidio
de F ern an d o de N oronha.

Crimes contra a propriedade.

Dos crim es co n tra a propriedade, em 1868, entre alguns


outro s, salientou-se uma ten tativ a de assalto e uma chan-

tag C onstou à P olícia que se organizara uma quadrilha de


salteadores, com posta de ex-praças do E x ercito e d irig i a
pelo alferes reform ado A gostinho Jose de A ndrade, sendo
a casa da pen h o res do francês de nome M o t.e,. n a r n a do
H ospício, n.° 224, a p rim eira que foi assaltada. Tom adas a
providências, foi preso o alferes A ndrade, no m om ento em
que preparava as coisas para o roubo. -----a i
A 26 d e M arço, um espertalhão, in titu lan d o -se gene
e doutor, cham ado C arlos E d u ard o L ins Stew art, falsifica
300 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

um a carta de créd ito e recebe da casa W r ig h t & Cia.


4:500$000, conseguindo a P o lícia ap reen d er o roubo e
cap tu rar o ladrão.

O rapto da viuva da rua dos Barbonos.

No dia 30 de Ju lh o , pelas 8 horas da noite, a viuva d.


C ândida de P aiv a e O liveira, ao sair da casa n.° 22 da ru a dos
B arbonos, em direção à de n.° 24, onde residia, foi in o p in a­
dam ente segurada por um grupo de indivíduos m ascarados,
que violentam ente a m eteram num carro, conduzindo-a
p ara uma casa da ru a B erquó, onde passou a no ite, tr a n ­
sida de mêdo. P ela m anhã, v iu em sua fre n te o bacharel
R aim undo M artiniano A lves de Souza, que, levando-a para
um a sala, lhe disse havê-la rap tad o p ara com ela se casar.
L á estava o altar. Daí a m om entos, en tro u um padre, que ia
celebrar a cerim ônia. De repente, porém , en tra a P olícia,
prende o bacharel e as testem unhas do casam ento.
E spalhada a n otícia pela cidade, surgiram os com en­
tários. D iziam uns que o rap to não se tin h a d ado; que a
viuva havia seguido espontaneam ente o bacharel e que todo
aquele escândalo tin h a sido arran jo dos filh o s da viuva,
que se opunham ao casam ento. D iziam o u tro s q u e houvera
o rapto e que o bacharel qu eriá casar-se com a viuva, para
com a sua fo rtu n a se lo cupletar. Como quer que fôsse, o
caso do rapto de d. C ândida se p rende ao crim e do dr. Jo sé
M ariano da Silva, que asassinou num a casa da ru a dos B a r­
bonos a p ró p ria esposa, com um golpe de b istu ri, a 6 de
N ovem bro de 1866.
O bacharel m orava p o r ali p erto . E ra voz geral que,
quando entrava na casa do dr. Jo sé M ariano, sem pre que
êste se ausentava, não era para nam orar-lhe a esposa, m as
p ara se en co n trar com a viuva, com quem aquela tin h a re la ­
ções de am izade. In trig a s de criados levaram o d r. Jo sé M a­
rian o a com eter um ato de desespêro, suspeitando d a fid e ­
lid ad e da esposa.
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 301

Um acontecimento digno de nota — A


primeira linha de “ Tramways” no Rio de
Janeiro — (1868).

A 9 de O u tu b ro de 1868 registou-se no Rio de Janeiro


um aco n tecim en to digno de nota. As ruas se encheram de
g en te e a P o líc ia com pareceu nos lugares m ais m ovim enta­
dos, p ara m a n ter a ordem , caso fôsse preciso.
N essa d ata é inau g u rad o o serviço de tramways pela
em prêsa am ericana Botanical Garden Rail Road Company,
que obteve a concessão da lin h a do Ja rd im B otânico. Aos
tram ways o povo cham ou bondes, palavra inglesa, que signi­
fica “ o b rigação”, “ títu lo negociável” . Sendo os tramways
in au g u rad o s logo depois que o visconde de Itaboraí, então
m in istro da Fazenda, fizera uma emissão de títu lo s, isto e,
de bonds ou apólices, suscitou-se uma grande polêm ica pela
im p ren sa sôbre o ato do m in istro . P o r outro lado, a^ com­
p an h ia dos tramways, para facilidade de trocos, pos em
circulação b ilh etes de passagem ; o povo ligou os dois fatos,
cham ou ig u alm en te “ bonds” a êsses bilhetes, deP°*s * £
n h a dos tram ways e, por fim , aos proprios carros A lm ha
in a u g u ra d a p a rtia da rua Gonçalves Dias, esquina da m a
do O u vidor, e term inava no largo do M achado. Custav
200 ré is a passagem . „ . Dor
T ra ta n d o da viação a traçao anim al c° n^ eC1^ P
bondes, é de ju s tiç a reg istar o nome do sr. C' (^ T Com-
in iciad o r d ê ste serviço no B rasil e fundado

Pan E r a G reenough geren te da Bleker Street « o ^ e C a r C o ..


em N ova Y ork, onde em pregava toda a s u a fei t o
dedicado trab a lh ad o r e tôdas as suas energias P
conhecedor do serviço desse meio de tra n sp ° rtedi da
P o r m otivo de divergências com outros diretores aa
com panhia, d eix o u aquele cargo e ^
p reg ar os s e u s es£° rÇ0S lhe garantisse o fu tu ro ,
porcionasse m eios de subsisten § ão ao trab alho
como um a recom pensa igual a su V
e aos seus m érito s profissionais.
302 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

T en to u G reenough estabelecer uma lin h a de bondes em


Nova York, te n ta tiv a que não chegou a levar p o r d iante.
Ignorando, porém , todas as coisas que se relacionassem
com a A m érica do Sul, procurou os ed ito res de m apas
Colton, de Nova Y ork, os irm ãos C olton, que lhe ap resen ­
taram diversos m apas do B rasil e desta capital e lhe in d i­
caram pessoa que m elhor lhe poderia fo rn ecer seguras in ­
form ações relativ as ao assunto.
É assim que, dirigindo-se ao rev. J . C. F letch er, au to r
da obra Brazil and the Brazilians, p erfeito conhecedor desta
p arte da A m érica, conseguiu d êle tôdas as inform ações de
que n ecessitara e por elas fico u sabendo da extensão da
nossa cidade, da sua to p o g rafia e dos seus anacrônicos
m eios de tran sp o rte.
T ô d as essas inform ações aguçaram o tem peram ento em­
p reen d ed o r de G reenough, que desde logo pensou no esta­
belecim ento de um serviço de “ h orsecars”, no R io de J a ­
neiro. Começou assim, a corresponder-se com pessoas que
aqui residiam , no in tu ito de to rn a r realidade o fru to de
suas sérias cogitações.
M as, como p a rtir para o B rasil? Como obter os meios
precisos, se os recursos lhe eram parcos e estritam en te
necessários para m antê-lo por algum tem po, unicam ente?
Lem brou-se G reenough de que tin h a, na cidade de A l­
bany um an tig o am igo cham ado E ra stu s C orning, grande
político e não m enos notável capitalista.
R ecorreu ao am igo e fê-lo cien te das suas pretensões.
T al era a confiança que nêle depositava M rs. C orning, que
G reenough conseguiu a q u an tia necessária p ara p a rtir para
o Rio de Jan eiro , a tra ta r de pôr em execução a idéia da
instalação de um serviço de tran sp o rte de passageiros e
m ercadorias por um sistem a com pletam ente novo no B rasil.
E m 1864 estava nesta capital um cubano de nom e A u­
rélio A rango, tratan d o de firm ar um co n trato de navegação
en tre os E stad o s U nidos e o B rasil, quando foi procurado
por um sr. G uinty, então geren te da Société A nonym e du
Gaz, que lhe com unicou a existência de uma concessão feita
ao saudoso barão de Mauá, de uma lin h a de carros sôbre
trilhos, de tração anim al, desde a cidade até B otafogo.

. - --- ■- M n n n n n ra ra i '
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 303

A rango co n trato u a tran sferên cia desta concessão pelo


preço de 80 contos à v ista e 50 contos logo que os trilh o s
chegassem à rua de S. Clem ente. _ _
F e ita a tran sferên cia, A rango, por um a bonificação de
dez m il dólares, a tra n sfe riu à com panhia organizada em
Nova Y ork por G reenough, com panhia que passou a de­
nom inar-se Botanical Garden Rail Road Company.
F o i ainda coadjuvado pelos seus am igos C orning e
S paulding, que G reenough conseguiu in sta la r a com panhia,
com um capital de um m ilhão de dólares, representado por
10.000 ações, do qual se realizaram 250.000 dolares.
M u ito s foram os em baraços que G reenough teve de des­
fazer p ara levar a efeito o estabelecim ento das linhas e o
serviço do trá fe g o ; v ário s foram os im pecilhos que se m u l­
tiplicaram , p ro cu ran d o desviá-lo no seu in te n to ; inúm eras
foram as d ificu ld ad e s p ara vencer. Mas, tenaz e p ersisten te
por índole, por tem peram ento tão peculiar nos yankees ,
G reenough, longe d e se d eix ar dom inar por qualquer desa­
nim o, m ais se encorajava, m ais duplicava os seus esforços
e a su a tenacidade.
D u ra n te dois longos anos assim levou em lu tas cons­
ta n te s e im p ertin en tes. , ■
A s h o ras que lhe sobravam, das que em pregava em des­
fazer os tropeços, que encontrava para as suas pretensões
passava-as à p o rta do Passeio P úblico, tom ando em pequena
c arteira n o ta do núm ero de pessoas que, de gondola, de ti -
b u ri, de carro e a pé, se dirigiam para os lados de B otafogo.
F azia assim , a e statística de que precisava para poder cal­
cu lar qual o m ovim ento de passageiros que poderiam te r os
seus “ horsecars” . „ , .
N essa ocasião ex istia uma em presa de gondolas para
B otafogo, de que eram p ro p rietário s o então m ajor D elgado
de C arvalho e C otrim . _ .
A quele, convidado por G reenough para levar a efeito
a organização da com panhia, declarou que nao aceitava o
convite porque não acred itav a no bom resu ltad o financeiro.
G reenough teve, pois, de lu ta r ainda com aqueles con­
curren tes, com prando afinal, todo o m aterial p erten cen te
à em presa de gôndolas.
304 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

Inaugurada a linha até ao largo do M achado, ainda na


p ró p ria ocasião em que tinham de p a rtir os bondes da ru a
Gonçalves Dias, recebeu G reenough, na presença de seus
convidados e do p ró p rio im perador d. P ed ro I I , um a in ti­
mação do fiscal da M unicipalidade, proibindo o tráfe g o .
D. P ed ro não se conteve d ian te de m ais êste em baraço
que procurava obstar a tão ú til m elhoram ento. V oltando-
se p ara o ativo em preendedor, disse-lhe, um ta n to ag as­
ta d o :
— Receba, receba a intim ação, mas faça seg u ir os
carros.
A ssim se in au gurou a p rim eira lin h a de bondes na ci­
dade do R io de Jan eiro .

Titulares da Polícia em 1869 — Dr. João


Sertório — Dr. Francisco de Faria Lemos.

E is-nos em 1869.
A 19 de A bril o dr. X avier de B rito é su b stitu íd o na
C hef a tu ra de P o líc ia pelo dr. Jo ão S ertório, nomeado in ­
terin am en te, e que, a 30 do mesmo mês, passa o cargo ao dr.
Jo ão F ran cisco de F aria Lem os, que o assume como chefe
de P o líc ia efetivo.
Logo em seguida à sua in vestidura, verificou o dr. F a ­
ria Lem os que não lh e era possível realizar os serviços po­
liciais que tin h a em vista, em v irtu d e da exiguidade de
praças para fazer o policiam ento da cidade.
F o i assim que, dirigindo-se ao govêrno, fez suas as pa­
lavras pouco antes proferidas oficialm ente pelo m in istro
J o sé de A len car:
“ N a C ôrte existe um corpo m ilita r de P olícia reo rg a­
nizado em 1858 p o r decreto n.° 2.081, de 16 de Jan eiro .
D esfalcado pelos co ntingentes que em diversas ocasiões fo r­
neceu para o E x érc ito , em núm ero de 828 praças, acha-se
atu alm en te reduzido a 214, sendo 129 de in fan taria e 85 de
cavalaria.
Solano Lopo»
(Tela do pintor paraguaio Delgado Rodas)

Ferreira de Araujo

Dr. Teodoro Machado —- chefe de Poifeia


em 1867
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 305

Dois crimes de morte durante o Carnaval.

A 7 de F ev ereiro , num baile realizado no T e a tro de


São P ed ro de A lcântara, foi ferid o pelo p o rtu g u ês A n tônio
T eix eira da Silva Soares, ferim en to do qual veio a falecer,
o francês Casenave N ebont, hom em m u ito estim ado n a co­
lônia e p resid en te do Clube Ginastico Francês e que nos
carnavais do tem po, d iv e rtia a população, fazendo pelas ruas
verdadeiros p ro d íg io s de acrobacia.
Com a sua m orte, m o rreu tam bém o clube, do qual Ca­
senave era o p rin c ip a l elem ento.
N esse mesmo dia foi tam bém ferid o de m orte o espa­
nhol M anuel B ouzio, por seu com p atrio ta João A ntônio da
V eiga.

Noivado trágico.

N a casa n.° 113 da ru a do R osário, resid ia desde 1868,


o negociante Jo sé Cuiás, em com panhia d e sua esposa, Joana
C uiás e de suas filh as M aria, C arolina e Genoveva.
D en tre os freq u en tad o res da casa, notava-se um moço
italian o cham ado H eito r M onetta. A s v isitas de H eito r, que
a p rin cíp io eram espaçadas, tornaram -se am iudadas, algum
tem po depois.
T o d o s os de casa com preenderam então, que nao era
só o p razer d a p alestra e da convivência social, que levava
H e ito r a freq u en tar a casa da ru a do R osário. H avia, n a tu ­
ralm ente, outro interêsse, de ordem m ais séria e m ais ele­
vada, o qual foi den tro em pouco revelado.
H e ito r amava uma das m o cin h as: — Genoveva.
E sta, que, a princípio, não se m ostrava m uito in teres­
sada pelo seu novo apaixonado, acabou por dedicar-lhe ver­
dadeira e sincera afeição.
D aí em diante, isto é, quando já havia en tre os d ois per­
feito entendim ento, as visitas se to rn aram m ais am iudadas.
J á era uma no ite sim e o u tra não.
21
306 MELLO BAHRETO FILHO e HERMETO LIMA

Depois, veio o tem po de noivado.


H eito r passou então a ir tôdas as no ites, até q u e o casa­
m ento se realizasse.
Um dia o rapaz estava em sua casa, quando, sem m ais
nem m enos, lhe en tra pela p o rta um a criad a da fam ília
Cuiás, levando-lhe um a carta com a n o ta de ser en treg u e
pessoalm ente.
H e ito r abriu a carta e, reconhecendo a le tra do velho,
leu que o casam ento já se não podia realizar.
H eito r, sem se lem brar que havia m u itas G enovevas no
m undo e que, se aquela lh e faltasse, m ilh ares lh e aparece­
riam , fico u como um possesso, arm ou-se e m archou p ara a
ru a do H ospício.
Não bateu, nem se fez anunciar. F oi entrando, dando
com tô d a a fam ília Cuiás, reu n id a na sala de ja n tar.
Sem dizer palavra, apontou o revólver p ara Genoveva,
e d eu o prim eiro tiro . A moça caiu logo m orta. E m se­
g uida detonou ao acaso tô d a s as cápsulas da arm a. F eito
isto, fu g iu para os subúrbios da cidade.
A tragédia, porém , não fico u só aí.
Jo sé Cuiás, hom em velho e doente, já não estava em
condições de receber emoções fo rtes. T ô d a aquela cena dos
tiro s e m ais ainda o falecim ento da filha, lh e alteraram o já
enfraquecido estado de saúde, e no d ia 9, isto é, trê s dias
depois dos acontecim entos, que ocorreram a 5 de Ju n h o ,
veio a falecer de congestão cerebral.
H e ito r M onetta foi preso alguns dias depois.
Subm etido a processo, foi condenado a galés e reco lh i­
do à Casa de D etenção, onde, segundo inform ações do res­
pectivo d iretor, sem pre teve com portam ento m odelar.

Curiosa denúncia do padre Aligret.

No dia 22 de A b ril as auto rid ad es policiais foram p ro ­


curadas pelo p ad re A lig ret.
Q ueixava-se o reverendo de haver em prestado 3:965$
a H en ry Souret, seu p atrício , m orador na ru a de São José,

L:w
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 307

n.° 81, por lhe haver ponderado H en ry p rete n d er m o n tar


uma fábrica de esporas, p ara a qual necessitava da q u an tia
de 4 contos de réis.
A s au to rid ad es fizeram sen tir ao reverendo que não
viam naquela inform ação m otivo para in te rv ir no caso. Se
êle em p restara o dinheiro, fizera-o n atu ralm en te d e espon­
tân ea v o n tad e e porque o am igo lhe m erecia confiança.
— M as é que, balbuciou afinal o P ad re A lig ret, indo
h o je v isitar a fáb rica de esporas, su rp reen d i S ouret no tr a ­
balho de fu n d ir m oedas m uito sem elhantes a libras e ste r­
lin as . . .

Bacanga — Duas boas amostras de velhacaria.

E m 1869 um tip o po p u lar cham ava a atenção da P o lícia


pelas velh acarias que vin h a há m u ito praticando.
Cham avam -lhe Bacanga.
E ra filh o do M aranhão; usava barba raspada e cabelos
à escovinha. E r a de estatu ra baixa e andava sem pre em boas
rodas.
F azendo ponto nas confeitarias da ru a do O uvidor,
m uito am ável e risonho, recitava versos de L au rin d o R a­
belo, dizendo que eram seus. E n trav a nas festas e ja n tares
sem ser convidado e era o prim eiro a b rin d ar o dono da casa,
sem pre com o mesmo discurso, que tra z ia de cor. Q uando
m o rria algum ricaço, que êle m al conhecia, chorava como
ijma criança sôbre o caixão m ortuário, dizendo que o d e­
fu n to tin h a sido seu p ro teto r. E fazia tu d o isso para no dia
seg u in te p ed ir dinheiro à viuva, ao filho ou a um p aren te
do m orto. P recisando, certa vez, de um terno, foi a um a
a lfa iataria da ru a do O uvidor e ajustou-o por cem m il réis.
No dia em que o alfaiate ia entregar-lhe a roupa, encom en­
dou também, na co n feitaria fro n teira, 300 pastéis. N o m o­
m ento de pag ar d isse ao alfaiate:
— Com esta não contava; deixei o dinheiro em casa.
M as não há dúvida: o co nfeiteiro ali d efronte, está m e d e ­
vendo 300 m il réis, que ficou de dar.
MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

E, cam inhando para a fre n te d a loja, g rito u p ara o dono


da co n feitaria:
— O lh e ! dos 300, dê 100 aqui para o s e n h o r. . .
— Não h á dúvida, disse o co n feiteiro , que supunha tr a ­
tar-se dos pastéis.
E B acanga levou o tern o .
D aí a m om entos, e n tra o caixeiro da con feitaria, le­
vando os 100 pastéis ao alfaiate.
__Q ue é isto? in terro g a êste.
— Ora, essa! P o is aquele senhor, h á pouco, não g rito u
daqui, que dos 300, entregasse 100 ao sen h o r? E stã o aí
os cem.
E só então os dois negociantes com preenderam que t i ­
nham sido escandalosam ente logrados.
O u tra velhacaria nao m enos in teressan te •
T endo um cidadão p erdido um a carteira, nas p ro x im i­
dades do convento do C astelo, foi ela achada pelo sacristão,
que a en treg o u ao su p erio r da ordem , que, por sua vez,
afix o u na p o rta da ig re ja um cartaz, dizendo que a carteira
seria en treg u e a quem dela desse sinais certos.
B acanga leu o cartaz e correu ao Jornal do Comércio
fazendo anunciar que a c arteira estava em sua casa, à ru a
dos B arbonos. N o dia seg u in te lá apareceu o dono.
__Dê os sinais da carteira, disse-lhe B acanga.
O dono da carteira deu-os m inuciosam ente.
__A h ! então não é a sua, porque a c arteira que eu achei
fo i esta: e m ostrou üm a surrada.
D e posse dos sin ais certos do objeto, B acanga co rreu
ao convento, procurou o superior, disse como era a carteira,
e o reverendo não teve d uvida em entrega-la.
E ram assim as rato n ices do B acanga, que a P olícia,
n u n ca lo g ro u apanhar em condiçoes de lh e arran jar p ro ­
cesso.
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 300

A Casa de Correção em 1869 — Trechos


do relatório apresentado pelo seu diretor.

D esde A b ril de 1856 que os presos da in fecta cadeia do


A ljube tinham sido tra n sfe rid o s para um raio da Casa de
Correção, que com eçara a fu n cio n ar a 1 de A gosto, sob o
regim e peniten ciário de A uburn.
A p ropósito dêsse estabelecim ento, ouçamos, na rep ro ­
dução de alg u n s trech o s, o que diz o seu d ire to r dr. L uís
V iana de A lm eida V ale, em relató rio enviado ao m inistro
da J u stiç a :
“ De 49 condenados que sairam da P en iten ciária, duran­
te o ano que findou, só q u atro tiveram a fo rtu n a de receber
um a educação reg u lar.
Um deles, condenado p o r crim e de b an carro ta frau d u ­
lenta, teve a constância de, por todo o tem po de quatro anos
e meio de sentença, recu sar a visita de sua m ulher, sem dú­
vida p ara que ela não o visse com os h áb ito s de p en iten ­
ciado; de não v e r sua pequena filha, senão d ias antes de
ser posto em liberdade, e nessa ocasião, quando lhe fiz en­
treg a do p ro d u to do pecúlio, olhando para o dinheiro, sua
fisionom ia m odificou-se d e um m odo que me seria quase
im possivel d escrev er; p arecia te r d e p eg ar em um ferro em
b ra s a ; recusou-o e pediu-m e que fizesse esmola dele.
O utro, era um velho condenado p o r crim e de hom icí­
dio a seis anos de prisão com trabalho, pelo ju ri de B arra
M ansa, onde resid ia e tin h a fam ília. Calmo, desculpava a
m á apreciação que os seus juizes fizeram da causa que o
levou a com eter o crim e de m orte, que êle dizia, fizera em
p ró p ria defesa; um a só vez não desm entiu sua resignação
e coragem.
O terceiro, inglês, e cuja m ulta foi paga pelo digno
m in istro de sua nação, o sr. G eorge B uckley M athew , m uito
antes de te rm in ar sua pena, com unicou-m e a obrigação que
dizia estar de pagar a m u lta de seu co-réu, que era inocente,
acrescentando, se n tir profundam ente, não poder fazer m ais
em pro l dêle. Pagou-a, efetivam ente, com o p roduto do
"«i

310 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

pecúlio. Ambos cum priram oito anos d e prisão com tra ­


balho.
O quarto, condenado p o r crim e de estelionato, viu-se
m uito cedo sem freio s; d o tad o de um a vivacidade e m anei­
ras insinuantes, já se d istin g u e como av en tu reiro . N ão creio
que fiq u e re g e n e ra d o ; ao co n trário , é de supor que volte a
cu m p rir sentença por igual crim e, ou de falsidade.
A observação parece p rovar que aquele que rein cid e
uma vez, facilm ente continua a rein c id ir, e se é d e caráter
fleugm ático, certam ente continuará, porque a ação do siste ­
ma é p o r assim dizer nula sôbre êle. De o rd in ario , com o um
que aqui existe e tem sido estudado p o r mim, ap resen ta os
traços da face e o contorno do corpo sem elhantes aos da m u ­
lher. O de que trato , com a idade de 45 anos, é rein c id en te
pela q u in ta vez. N ada o incom oda, trab a lh a em um a m á­
quina de costura, na o ficin a de alfaiates, sereno como um a
m u lh er fá-lo em casa, come e dorm e p erfeitam en te, goza
da m elhor saude, nunca vi seu rosto anuviar-se. E s tá tão
habituado aos hábitos m onótonos d a prisão, que m e parece
ser-lhe-ia in d iferen te, conservar-se ou sa ir dela.
Com eçou a cu m p rir a prim eira sen ten ça aos 18 anos,
tem passado d e então para cá igual núm ero de anos nas
p risõ es; já cum priu uma sentença de oito anos, com tr a ­
balho.
E m ais adiante inform a o d ire to r da P e n ite n c iá ria :
“ Ora, se a todos nós acontece te r uma ou o u tra ocasião
de im paciência, m uitas vezes até explicável por um estado
anorm al m uito comum nos paises quentes, por que havia
eu fazer so frer a um in feliz que desobedeceu a uma ordem
e que com eteu essa falta sem dúvida porque a prisão celu­
lar, j á prolongada o tin h a predisposto, quando vejo, que os
p ro teg id o s da fortuna, em plena liberdade, no gôzo de todos
os seus desejos, as praticam também?
C om preendendo assim, lim itei-m e a adm oestá-lo, a
aconselhá-lo que convinha conservar a reputação de hom em
obediente e re sig n a d o ; prom eteu-m e e tem continuado com
p erseverança no cum prim ento de seus deveres. Q uão b á r­
baro, quão estúpido mesmo, o em prego do regulam ento
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 311

O que fazer a um hom em condenado por quebra, que


fu g iu do R io de Jan eiro , e em país estran g eiro v iv ia da
in d ú s tria de tapeceiro ao abrigo das necessidades, e que, de
rep en te, vê o cólera arreb atar-lh e a m u lh er e um a filh a e
que dom inado pelo amor paterno, v o lta ao Rio de Ja n e iro ,
onde sabia que a sua cap tu ra era certa, com o fim de salvar
as duas filhas, que lhe restavam e que seriam presas da m i­
séria em consequência do desam paro, que ficariam , pelo
fato de sua p risão !
F azer-lh e concessões, depois de conhecer e re fle tir so­
bre ta n ta s desgraças, porque p ressen ti e temi o p ropósito
firm e de suicidar-se.
N ão me en g an ei: êle m ais ta rd e confessou-o a pessoas
in su sp eitas.
Como tr a ta r um homem que in contestavelm ente teve
o u tro ra um c a rá te r violentissim o, e é h o je de uma pasm osa
docilidade, pois que no decurso de quase seis anos, tem dado
as m ais co n clu d en tes provas de paciência e de resignação?
Como tr a ta r um outro, em quem a ação do sistem a
celular, tem im presso os sim páticos traço s de m ártir, e car­
reg a su a cru z com a m ais evangélica paciência, que já viu
m o rre r trê s irm ãos no cárcere, em que se acha e que por
sua n u n ca desm entida constância, na d u ra p rática dos de­
veres de preso, não sei o que lhe acho de sobrenatural, de
sublim e mesmo, a ponto de p re n d e r a m inha atenção, o bri­
gar-m e a ser com êle não só benévolo, porém a s e n tir al­
gum a coisa m ais, que talvez pudesse cham ar veneração à
desgraça? T ratá-lo com am izade, com fam iliarid ad e m es­
mo, p o rq u e sin to v erdadeiro prazer, quando ouço algum a
palavra, quando p o r qualquer m ovim ento êle p aten teia a
g ratid ão de sua alma.”

Os gabinetes de 1870.

D u ran te o ano de 1870 houve dois gabinetes. N o dia


29 de S etem bro findou o 23.°, que se in iciara a 16 de Ju lh o
de 1868, com a seguintje o rg an ização :
312 MELLO BARRETO FILHO e HERMETO LIMA

P resid ên cia do C onselho e Fazenda visconde de Ita -


b o ra i; , _
Im pério — P aulino Jo sé S oares de Souza;
J u stiç a — Jo sé M artiniano de A lencar, su b stitu íd o a
10 de Jan eiro de 1870 p o r Jo aq u im O távio Nebias, q u e por
sua vez foi substituído, em 9 de Ju lh o , pelo barão de M u-
ritib a ; , .
E stran g eiro s — Jo sé M aria da S ilva P aranhos, que foi
su b stitu íd o in terin am en te pelo barão de C otegipe, de 10
de F ev ereiro de 1869 a 30 de A gosto de 1870;
M arinha — barão de C o teg ip e;
G uerra — barão de M u ritib a;
A g ricu ltu ra, Comércio e O bras P úblicas — Joaquim
A ntão F ernandes Leão.
O gabinete im ediato — o 24.° — d urou do dia 29 de
Setem bro de 1870 a 7 de M arço do an o seg u in te e era assim
co n stitu id o :
P resid ên cia do Conselho e E stran g e iro s — visconde de
S. V icente;
Im pério — João A lfred o C orreia de O liveira;
J u stiç a — barão das T rê s B arras;
F azenda — F rancisco de Sales T o rre s H o m em ;
M arinha — L u ís A n tônio P e re ira F ran co ;
G uerra — general João F red erico Caldwell, in te rin a ­
m ente, até 9 de Novembro, e, posteriorm ente, R aim undo
F e rre ira de A raujo L im a;
A g ricu ltu ra, Comércio e O bras P úblicas — Jerônim o
Jo sé T eix eira Ju n io r, que foi substituído in terinam ente
por João A lfredo Coreia de O liveira.
Relação das gravuras que ilustram êste volume
(Legend»»)

Pedro I, em Portugal, um ano após haver abdicado o trono de im­


perador do Brasil — 1832. (Desenho de Menret).
Regente Araujo Lima e seus ministros:
Araujo Lima — Bernardo de Vasconcelos — Maciel Monteiro
Rego Barros — Rodrigues Torres — Miguel Calmon. Ministros de hs-
tado no período regencial.
D. Pedro II e suas irmãs no quarto de estudo do palácio de S.
Cristóvão.
Regente José da Costa Carvalho.
Regente Lima e Silva.
Regente João Bráulio Muniz.
Largo do paço em 1835.
Cipriano J. Barata de Almeida.
Eusébio de Queirós Coutinho Matoso Câmara.
José Clemente Pereira.
Lino Coutinho.
Carlos Darwin.
Honório Hermeto.
Luis Napoleão Bonaparte em 1834. _ . „
D. Mariana Carlota Verne de Magalhães, aia de d. Pedro II.
Marquês de Itanhaem, tutor de d. Pedro II e suas irmãs.
Igreja da Glória em 1836.
O sinistro da barca Terceira. (Gravura de A. Agostini).
Praça da Constituição em 1845, vendo-se ainda a casa onde morou
José Bonifácio antes do exilio: é a da esquina, do lado esquerdo.
O imperador Pedro II ao colo de uma mucama. (Quadro de
Debret).
Pedro II no dia de sua coroação — 1841.
Pedro de Araujo Lima — marquês de Olinda último regente do
Império. . .
Antônio Carlos de Andrada — chefe do partido maionsta.
Praia de Botafogo em 1841.
Antônio Paulino Limpo de Abreu — visconde de Abaeté.
314 HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO

Espécies de negros que vinham da Africa: Rebola — Benguela


Achanti - Quiloa - Cabinda — Mina - Monjolo - Angola - Ioruba.
Castigos infligidos aos escravos nas fazendas.
o ator João Caetano dos Santos, uma das testemunhas no ruidoso

Pr0CA imperatriz Teresa Cristina, na época de sua chegada ao Brasil


— 1844.
José do Patrocinio.
O imperador e a imperatriz, noivos.
Leque comemorativo da coroação de d. Pedro II 1840.
O imperador d. Pedro II recebendo uma bisnagada, ao passar n
rua, (Desenho de A. Agostini).
O entrudo.
Cena da vida familiar.
Cena da época (1850): abastecimento de água.
Os primitivos combustores de gas da cidade.
Praia Grande.
A primeira máquina de costura.
Não há de casar.
Filósofo do cais.
Meios de transporte durante o período colonial e nos séculos XVIII
e XIX: a canoa, a tropa de burros e o carro de bois; a serpentina, a
cadeirinha e a sege; a carruagem, o bonde de burro, o trem de ferro
e a navegação a vapor.
Dr. João Lins Vieira Cansanção de Sinimbú, chefe de Policia da
Côrte em 1855.
Dr. Isidro Borges Monteiro, chefe de Polícia da Côrte em 1857.
S. F. B. Morse, o inventor do telégrafo elétrico.
Furtado Coelho.
Regata realizada no Rio de Janeiro, no dia 27 de Maio de 1855,
na enseada de Botafogo.
Abertura da Assembléia Geral, no Império do Brasil, segundo uma
gravura de 1857.
Teatro Provisório. (Aquarela de J. Reis Carvalho).
Os “ cabungos” ou “ tigres” .
Edifício da Câmara Municipal do Rio de Janeiro (no campo da
Aclamação, atual praça da República), onde foi instalada a enferma­
ria para os coléricos.
O bairro do Catete, em 1860.
D. Pedro II, d. Teresa Cristina e as princesas d. Isabel e d. Leo-
poldina, em 1858. (Desenho de Henrique Fleiuss).
Visita do imperador do Brasil d. Pedro II, a uma enfermaria de
coléricos, no Rio de Janeiro, em Setembro de 1855.
A moda em 1860.
Tipos de carruagens da época: A caleça O vis-à-vis — O tílburi.
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 315

Paula Brito.
O velho dos 500.
O Trovador.
Dr. Espiridião Elói de Barros Pimentel, chefe de Policia em 1860.
Conselheiro Eueébio de Queirós Coutinho Matoso Câmara, chefe
de Policia em 1842.
Incêndio na Prainha, em 1863. (Gravura da “ Semana Ilustrada” ).
A Glória em 1860.
Igreja de Sant’Ana, no campo do mesmo nome, em dia de festa.
(Aquarela de J. Reis Carvalho).
A Glória, vista do terraço do Passeio Público, em 1861.
Dr. Policarpo Lopes Leão, chefe de Polícia em 1860.
Dr. Carvalho Moreira, ministro do Brasil em Londres, por ocasião
da famosa questão Christie.
Partida da fragata “ Santa Maria” , levando a bordo o imperador
Pedro II, para ir assumir o comando geral do exército brasileiro em
operações contra o Paraguai, a 10 de Julho de 1866.
Quinta imperial da Boa Vista em S. Cristóvão — 1867.
A princesa Isabel e o conde d’Eu, na época do seu consórcio, em
1864.
D . Pedro II.
D. Teresa Cristina
Madame Linche
Laurindo Rabelo, com a farda de médico militar.
Conselheiro Olegário Herculano de Aquino e Castro, chefe de Po­
licia em 1865.
Dr. Dario Rafael Calado, chefe de Polícia em 1866.
Tenente-general Crisóstomo Calado, pai do chefe de Policia de­
saparecido misteriosamente.
Dr. Teodoro Machado, chefe de Polícia em 1867.
Ferreira de Araujo.
Solano Lopes. (Tela do pintor paraguaio Delgado Rodas).
C. B. Greenough — o primeiro introdutor do “horse-car” (bon­
de) no Brasil.
O primeiro bonde do Rio de Janeiro.
Forte lida.
Jovita Alvee Feitosa.
Capoeira.
Bruzundanga.
Juca Rosa. (Desenho de Henrique Fleiuas).
I N D I C E

Páginas

3
Dedicatória ............................................................ ..................................
4
Dos autores . . . ...................................................................................
Prefácio de Felisberto Batista Teixeira ........................................ 9

O Rio de Janeiro durante o período regencial Aspecto geral


— Instabilidade social — Frias e Vasconcelos lê o decreto
da abdicação — Panorama político — Relatório do Minis­
tério da Justiça — A imprensa usa linguagem violentissi­
ma — Alguns empreendimentos de vulto Figuras de
alto relêvo no cenário da vida nacional — (1831-1840).... 17

A Policia sob a Regência — Dissolve-se o Corpo de Polícia —


Criação da Guarda Nacional — Outras providências do
23
novo govêrno ..................................................................................
Intendentes gerais da Polícia que serviram durante a Regência 24

Sedição militar — Revolta-se o 26.° Batalhão de Infantaria


Uma página de Moreira de Azevedo........................................ 24

Diogo Antônio Feijó — Defensor da unidade da pátria — Pre-


cursor do govêrno f o r t e .............................................................. 34

Nova sedição em 28 de Setembro — Grave conflito no Teatro


Constitucional F lu m in en se.......................................................... 37

Os jornais que existiam no Rio de Janeiro, quando começou o


periodo regencial — (1831) — Não respeitavam o nasci­
mento, « posição, a jerarquia, a modéstia nem a virtude.. 43

A liberdade de imprensa ultrapassa os seus limites — O alfe­


res Lima e Silva elimina um redator do “ Brasil Aflito”
O panfletário Clemente de Oliveira ........................................ 44

Um ex-deputado baiano subleva o Corpo de Artilharia da Ma­


rinha . . ........................................................................................... 46

Os crimes de Mucunã — Durante 28 anos deu trabalho à Policia 47

Abolido o uso dos bigodes no Exército ........................................ 48


318 ÍNDICE
Págiius

0 primeiro jninistro processado no Brasil ................................... 49


Quando Darwin esteve no Rio de Janeiro — A Policia prestou
vajioso auxílio ao famoso naturalista inglês......................... 40
Duas revoltas em menos de 15 dias: a das fortalezas, em 3 de
Abril; a de Bulow, em 17 do mesmo m ês............................... ãl
Prisão do aventureiro barão de B u lo w ........................................... 55
Momento de excepcional gravidade na vida do país — (1832)
— Famoso relatório de Diogo Antônio Feijó — “ Um abis­
mo horroroso está a um só passo diante de nós” ................ 58
Em 1832 foi extinto o cargo de intendente geral de Policia e
criado o de chefe de Polícia..................................................... 72
Atribuições do chefe de Polícia ...................................................... 73
O ministro da Justiça declara oficialmente que em 1833 não
existia polícia no Im p ério .......................................................... 78
Quando o imperador d. Pedro II contava oito anos e nove me­
ses, tentaram raptá-lo — Dois importantes documentos
oficiais relativos ao grave acontecim ento.............................. 76
O crime da viuva ................................................................................... 79
O ano de 1833 termina com grande agitação — Os tutores de
d. Pedro II — A questão da Sociedade Militar — Prisão
de José B o n ifá c io .......................................................................... 81
O parecer que removeu José Bonifácio do cargo de tutor de
s. m. o imperador — Eleição do marquês de Itanhaém ,... 92
A Policia consegue prender o famoso Pedro Espanhol — Prin­
cipais façanhas do temível salteador .................................... 94
Decretada a demolição da fo r c a ........................................................ 98
A primeira casa comercial que vendeu máscaras para o Car­
naval ........................................................... ..................................... 98
A morte de d. Pedro I — Notável página de Pedro Calm on.... 99
Inaugura-se a Casa de Correção — O primeiro correcional
matriculado ..................................................................................... 104
Julgamento de José B o n ifá cio.......................................................... 105
As primeiras barcas de Niterói — Os sinistros de 1844 — 1895
— 1915 .............................................................................................. 108
Um inocente condenado à forca ...................................................... 109
A Policia, em 1837, continua sendo alvo de criticas................... 109
ÍNDICE 319

Páginas

A bandeira da Misericórdia ................................................................ 109

Dois gatunos estrangeiros assaltam a relojoaria Meiral............ 110

Foi na casa de um intendente geral da Policia que apareceram


os sorvetes, pela primeira vez, no Rio de Janeiro............. 110

Napoleão III no porto do Rio de Janeiro — 0 regente Feijó


faz recomendações à Policia .................................................... 111

“ Usem impreterivelmente de bigodes, com exceção dos reve­


rendos capelães” ............................................................................ llü
A chegada do primeiro elefante que veio ao Rrasil................... 113
%
O ex-intendente geral de Polícia Aureliano Goutinho foi o
precursor do serviço de ônibus no Rio de Janeiro — (1837) 113
O assalto à ilha da Caqueirada ....................................................... 115
Falecimento de José Bonifácio ........................................................ 118
Doze bandidos atacam uma embarcação que vinha de Niterói. 118 '
O primeiro português que dançou na corda bamba................... 120
O reconhecimento do segundo imperador do Brasil................. 120
Uma companhia com o fim de arrasar o morro do Castelo
— (1838) .......................................................................................... 122
O chefe de Polícia desfaz boatos aterradores.............................. 123
Ocorrências policiais em 1839 — Tentativa de homicídio —
Enforcamento — E stu p ro ............................................................ 124 *
Reabertura do Teatro de São Pedro de Alcântara — (1838) —
O edifício — Os cenários — A representação..................... 125
A maioridade de d. Pedro II — Projetos legislativos — (1830-
1 8 4 0 ).................................................................................................. 129
Taboletas nas portas das residências das autoridades............... 131
Instalação da Sociedade Promotora da Maioridade do Impera­
dor d. Pedro II .......................................................................... 182
Sessão permanente no paço do Senado — O imperador aceita
o govêrno: — “Convoque para amanhã” .............................. 135
D. Pedro II é declarado maior — A memorável sessão do dia
23 de julho ..................................................................................... 137
Bernardo de Vasconcelos publica um manifesto — O minÍ6té^
rio que iniciou o govêrno de d. Pedro II............................... 138
D. Pedro II — (1840-1889) 139
320 ÍNDICE
Páginas

Perfil do grande imperador .............................................................. 13®


Modificações nos serviços da Policia — O cargo de chefe de
Policia é desmembrado do de juiz* de direito Criados os
lugares de delegados, sub-delegados e delegados auxilia­
res — Chefe de Polícia Eusébio de Queirós Coutinho Ma­
toso Câmara — (1841-1844) ...................................................... 141
Preparativos para a solenidade da coroação de sua majestade
imperial — Os que serviram de oficiais-mores e os que
conduziram as insignias — Instruções policiais................. 148
A Sociedade Filarmônica festeja a coroação de d. Pedro II........ 144
Por ocasião doe festejos da coroação verifica-se grande de­
sastre .................................................................................... ............ 145
Construção do Hospital Pedro II, na praia Vermelha Ini­
ciativa do ex-intendente de Policia José Clemente Pe­
reira — (1841) .............................................................................. 44®
O primeiro susto do imperador — Um louco armado de pis­
tola e faca, comparece à audiência de s. m. im p eria l.... 152
Num acesso de loucura atirou a filhinha pela janela................. 152
A precursora do abolicionismo, da República e da emancipa­
ção da mulher no Brasil — (1842) ........................................ 15Í
Tentativa de revolta — Uma proclamação incendiária — O
govêrao suspende as garantias constitucionais...................... 155
O assassínio do coronel Felipe Néri de Carvalho..................... 155
Novos chefes de Polícia — Nicoláu da Silva Lisboa — Luís
Fortunato de Brito Abreu Sousa e Menezes — Manuel de
Jesús Valdetaro — Antônio Simoens da Silva — Francis­
co Ramiro de Assis Coelho — (1844-1848)........................... 158
O ministro da Justiça Antônio Paulino Limpo de Abreu oficia
ao chefe de Polícia solucionando um caso de deportação.. 159
O estadista brasileiro que maior número de vezes sobraçou
pastas ministeriais na Monarquia— Abaeté............................. 160
O casamento de d. Pedro II...................................... ................... 161
O fim trágico da cantora Eugênia Mège...................................... 167
Capitão Nabuco ..................................................................................... 171
Ameaçado de mortepelo próprio filh o............................................ 172
O primeiro regulamento policial referente a veículos — Fê-lo
publicar o chefe de Polícia Antônio Simoens da Silva —
(1848) ................................................................................................. 173
ÍNDICE 321

Páginas

Ascende ao cargo de ministro da Justiça o primeiro^ chefe de


Polícia do Rio de Janeiro — Em 1849 a população carioca
era de 266.466 habitantes ..........................................................
Insígnias para os delegados e snb-delegados................................. 176
O ex-chefe de Policia Eusébio de Queirós, então ministro da
Justiça, proíbe o tráfico dos negros africanos — (1850).. 176
Espécies de negros que vinham da Africa.................................... 178
A cidade invadida pela variola e pela febre amarela — (1850). 179
A Secretaria da Polícia passa para a rua do Conde — Assume
o cargo de chefe de Polícia o dr. Francisco Diogo Pe­
reira de Vasconcelos — (1850) .............................................. 186
Uma negrinha gigante ......................................................................... 181
Segundo incêndio do Teatro de São Pedro de Alcântara
(1851) ................................................................................................ 181
O impressionante suicídio do tenente-coronel João B loem .. ■. 182
A primeira corrida de cavalos efetuada no Rio de Jan eiro.... 182
Trágédia no Andaraí ............................................................................ I88
Quem primeiro escalou o Pão de Açúcar...................................... 183
A epidemia de 1852 — Nêsse ano, apenas um crime provocou
sensação pública ....................................................................... •• ■ l 84
Tomás Cachaço ...................................................................................... I8®
O telégrafo terrestre no Brasil — A iniciativa de um ex-chefe
de Policia — (1852) .............. l8fi
Novo chefe de Polícia — Dr. Alexandre Joaquim de Siqueira
— (1853) . . .................................................................................. I88
Um professor público condenado a galés perpétuas — Erro
judiciário? ........................................................................................ I®8
O crime do escravo Simão ............................................................... 131
Muda-se outra vez a Secretaria da Policia — Os chefes de Po­
licia de 1854 a 1855 ................................................................... 1»1
Os caminhos de ferro no Brasil — A primeira lei (1835) A
primeira estrada de ferro (1854) — Estrada de Ferro Pe­
dro II — (1855) .............................. 191
O primeiro desastre na Estrada de Ferro Pedro II..................... 194
O Carnaval em que houve o último entrudo................................ 195
12
322 ÍNDICE

Páginas
198
Filósofo do cais .....................................................................................
205
Praia Grande .........................................................................................
Falecimento do ex-intendente geral de Policia José Clemente
Pereira ...............................................................................................
Duas grandes novidades empolgam a população do Rio de Ja­
neiro — Inaugura-se a iluminação a gás e aparece a pri­
meira máquina de costura ........................................................
Preso um sacerdote por celebrar mieia dúzia de missas por dia 203
O ano da cólera - (1855) - O imperador visita, pessoal-
mente, os coléricos — A operosidade da Policia..................
Exterminio de uma família em Macaé — Mota Coqueiro................. 20o
O primeiro préstito carnavalesco — Principais pioneiros da ^
grande folia carioca . .>.................................................................
A primeira ascenção aeronáutica no Rio de Janeiro — (1855). 213
Terceiro incêndio do Teatro de São Pedro de Alcântara —
(1856) . . ................................. .......................................................
Outros chefes de Policia — Dr. Jerônimo Martiniano Pigueira
de Melo — Dr. Joaquim Bandeira de G ouvêa— Dr. Joao
Lins Vieira Cansanção de Sinimbú — Dr. José Caetano de
Andrade Pinto — Dr. Antônio Tomás de Godói — Dr.
Isidro Borges Monteiro — (1855-1860) ..................................
Reorganização da Secretaria da Policia — Decreto n.° 1.746,
de 16 de Abril de 1856....................................................... 211
Fonte de alegria e centro de distúrbios — O teatro Alcázar
— A estrela Aimée .......................................................................... 216
Ativam-se as obras da Penitenciária — Regulamento da Casa
de Detenção .......................................................................................... 219
Organização do Corpo de Bombeiros — (1856) — Esboço his­
tórico ...................................................................................................... 219
A Policia e o serviço de extinção de incêndios — O primeiro
regulamento data de1856 .. .............................................................. 224
O chefe de Policia propõenovo sinal de in c ê n d io .......................... 227
Remuneração dos oficiais e praças do Corpo Policial da Côrte
em 1858 . . . .................................................................................... 228
Carnaval de 1857 — O suntuoso préstito da União Veneziana.. 228

O Velho dos 500 .................................................................................... 232


ÍNDICE 323

Páginas
A repartição central da Polícia passa a ter nova sede em. 1857
— Quando se instalou na rua do Lavradio............................. 233

O povo incendeia um circo armado no campo de Sant’A n a .... 233

A cidade do Rio de Janeiro e a vida carioca em 1860................. 234

Sociedades carnavalescas — (1859-1860) ....................................... 261

O Trovador . . . . ............................................................................ 263

Ainda outros chefes de Polícia — Dr. Policarpo Lopes Leão


Dr. Espiridião Elói de Barros Pimentel — Dr. Agostinho
Luís da Gama — (1860-1863) ................................................... 264

Trecho de um relatório — Os serviços da Polícia em 1861 ain­


da deixavam muito a desejar .................................................. 265

0 ‘ rapto de d. Carolina Teresa de Carvalho.................................. 265

O chefe de Polícia reclama aumento de pessoal — Nomeados


dois adidos com a gratificação mensal de 80$000............... 266

Bráulio Teles foge da Gasa de Correção........................................ 267

A Policia descobre uma fábrica de moedas falsas em Periperí. 267

O grupo de Maria Guerreault cai nas malhas da Policia......... 267

268
Questão Christie ...................................................................................
Mais um chefe de Polícia — Dr. José Caetano de Andrade
Pinto — (1863-1866) ................................................................... 271

O ministro da Justiça critica a lei de 3 de Dezembro e preco­


niza uma policia circunscrita a seus justos e naturais
271
l i m i t e s ...............................................................................................
O pessoal da Secretaria da Polícia em 1863................................ 273

No ano de 1864 — Um assalto — Uma falência ruidosa — Um


crime de violência carnal ........................................................... 273

O poeta Lagartixa ................................................................................ 274

O casamento da princesa Isabel — Ao Corpo Policial coube


prestar homenagem aos nubentes quando chegaram ao
paço ................................................................................................... 276

Algumas ocorrências policiais em 1865 ................. ...................... 276

Casas de diversões licenciadas pela Polícia em 1865................... 277

Termina o abo com um chefe de Polícia interino — Conse­


lheiro Olegário Herculano de Aquino e Castro — (1865).. 277

A Polícia Militar na guerra do Paraguai — (1866)..................... 278

Mal das vinhas ...................................................................................... 278


324 ÍNDICE

Páginas
281
Residências ilustres em 1866 ...........................................................
Quem instigou a guerra do Paraguai — Madame Lmch............. 282
Nova sociedade carnavalesca: Clube dos Democráticos............. 284
Novo chefe de Policia — Dr. Dario Rafael Calado — (1866).. 284
285
Criação da Guarda Urbana ...............................................................
Conflitos entre soldados do Exército e da Policia..................... 285
O primeiro duelo verificado no Brasil — Jornalistas Ferreira
de Araujo e João José dos R eis................................................
Fatos policiais registados durante a administração do dr. Da-
rio Rafael Calado ........................................................... . ^
O acontecimento mais sensacional da época — Misterioso de-
saparecimento do dr. Dario Rafael Calado...........................
Oito chefes de Policia durante um decênio — (1867-1877)---- 200
Por causa de um casamento contrariado, a cidade fica em pé
j ........................... 291)
de guerra ......................................................................... .
293
Voluntária da morte ...........................................................................
Movimento policial em 1868 ............. ............................................. 29^
Falecimento do primeiro chefe de Policia da cidade do Rio
de Janeiro . . . ........................................................................... 296
A degolada da rua do Hospicio........................................ ............... 296
Crimes contra a propriedade .......................................................... 299
O rapto da viuva da rua dos Barbonos........................................ 399
Um acontecimento digno de nota — A primeira linha de
tramways no Rio de Janeiro — (1868).................................. 301
Titulares da Policia em 1869 — Dr. João Sertório — Dr. João
Francisco de Faria Lemos ......................................................... 304
Dois crimes de morte durante o Carnaval.................................... 305
Noivado trágico ..................................................................................... 305
Curiosa denúncia do padreAligret................................................... 306
Bacanga — Duas boas amostras de velhacaria............................ 307
A Casa de Correção em 1869 — Trechos do relatório apresen­
tado pelo seu diretor ................................................................. 309
Os gabinetes de 1870 ........................................................................ 3D
Relação das gravuras que ilustram este volume......................... 313
Capítulos do volume dè 1870 a 1889 ................................................ 32o
O próxim o volum e da H IS T Ó R IA DA P O ­
L ÍC IA D O R IO D E J A N E IR O (d e 1870 a
1889), que será publicado nos prim eiros m eses
do ano de 1943, co n terá os seg u in tes c a p ítu lo s :

A no festiv o p ara o país — (1870) — A fala do trono


na a b e rtu ra da A ssem bléia G eral, em 6 de M aio — Dados
estatístico s da crim in alid ad e.
O aparecim ento do jo rn al A República.
A lei do v en tre livre,
B ru zu n d an g a — o p apa-jantares,
A. S ecretaria da P o líc ia m uda-se p ara a ru a General
C âm ara — R esenha dos fato s p o liciais em 1871.
O fato policial de m aio r sensação no ano de 1871.
O C arnaval de 1871 — N a época da g u erra franco-prus-
siana.
A cidade e os costum es do tem po através do relatório
do chefe de P olícia.
O dr. L u d g ero G onçalves d a Silva assum e o cargo de
chefe de P o líc ia — (1872) — O s hom icídios m ais notáveis
do an o — A taq u e ao jo rn al A República.
P rín cip e N atureza.
Inauguração da está tu a do p a tria rc a da Independência
— (1872) — E xpressões do im perador — A carta dê d. Ga-
briela de A ndrada.
D e 1873 a 1874, ao lado de acontecim entos corriquei­
ros, salientam -se episódios h istó rico s — U m m édico conde­
nado a galés perpétuas.
F o rte lida.
P rocesso contra o bispo de Pernam buco — D. V ital
M aria Gonçalves de O liveira — “ G esta tu a non la u d a n tu r”.
326 HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO

Ju ca Rosa — o célebre feitice iro da ru a do N úncio.


O crime do m agistrado.
Foi a P o lícia do R io de Ja n e iro que obteve a co n fis­
são do desem bargador P o n tes V isgueiro.
Na sessão de 16 de M aio de 1874 foi lid a a sentença
co n denatória: prisão p erp étu a com trabalho.
O barão de A racatí v isita o velho m ag istrad o na Casa
de Correção — “ M il vidas tivesse M ariquinhas da C oncei­
ção, mil vidas eu lhe tira ria ”.
Ò B rasil é ligado à E u ro p a pelo cabo subm arino —
(1874).
O rum uroso caso do bispo do P a rá — D. A ntônio de
M acedo Costa.
T rês crim es sensacionais no ano de 1875.
D eixa a P o líc ia o dr. L ud g ero G onçalves da Silva —
A S ecretaria da P olícia é tra n sfe rid a para a ru a do L a­
vradio .
C am panha contra o m eretrício — A titu d e enérgica do
dr. M iguel Calmon du P in e A lm eida.
P adre Kelê.
Os hom icídios m ais com entados no ano de 1876.
O m ais sensacional caso de p olícia ocorrido no ano —
Q uestão C apistrano.
D ecresce o núm ero de hom icídios em 1877.
O telefone no B rasil — D ata de 1877 a in auguração do
serviço telefônico no R io de Jan eiro .
A gatunagem em ação — A ssaltad a a ig re ja de N. S.
da G lória do O uteiro.
Um senador e um general vítim as dos ladrões.
O chefe de P olícia dr. M iguel Calmon é su b stitu íd o
pelo dr. T ito A ugusto P ereira de M atos — (1878).
A associação dos capoeiras p articu larm en te visada nas
páginas de um relatório.
Rol dos crim es apurados p ela P o lícia durante a gestão
do dr. T ito de M atos.
O jogo cam peia na cidade — A s frau d es contra os in ­
cautos.
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 327

A in d a em 1878, o chefe de P o líc ia considera a sua r e ­


p artição pessim am ente instalada.
Relação dos fu ncionários da S ecretaria da P o lícia em
1878.
A cidade sob o ponto de v ista policial, em 1879.
A luz elétrica no B rasil — A s prim eiras experiências
— (1879).
U m desfalque de 151 contos de réis e um roubo de
joias no valor de 30 contos de réis.
O últim o toque do A ragão foi ouvido às 10 horas da
noite de 19 de Setem bro de 1878.
R uidosos p ro testo s de e stu d an tes na praça pública —
In terv en ção da P o lícia — O govêrno m anda fechar a E s ­
cola P o litécn ica.
A ssum e o cargo de chefe de P o líc ia o dr. E d u ard o P in ­
daíba dè M atos — (1879).
B olenga.
U m ano que com eça sob m áus auspícios — (1880) — O
im posto do vintém — P o p u larid ad e de Lopes T rovão — A
P o lícia não' é su ficien te p ara co n ter a ira popular.
F alece o duque de C axias — (1880).
Não h á de casar.
Com o novo m inistério, novo chefe de P o lícia — D r.
Serafim M uniz B arreto — (1880).
As “ seren atas” do P olicarpo.
F alece o visconde do R io B ranco — (1880) — N o tas
bio g ráficas de Jo sé M aria da S ilva P aranhos.
P ouco dem orou a adm inistração policial do dr. S era­
fim M uniz B arreto — Seu su b stitu to foi o desem bargador
O vídio F ern an d es T rig o L o u reiro — (1881).
Uma q u ad rilh a perigosa.
Pica-pau.
O roubo do Senado do Im pério.
D eportação de jorn alistas.
R eaparece o trib u n o Lopes T rovão — E m pastelam ento
do Corsário.
O u tro s m in istro s, outros chefes de P o lícia — D r. A u-
328 HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO

reliano de Sousa e O liv eira C o u tin h o — D r. B elarm ino P e ­


reg rin o da Gama e M elo — (1882).
A ssaltado o palácio im perial — O aum ento do preço
do gás provoca reação pública.
O p o eta Bastos.
O crim e de Cam pinas.
R elação oficial dos hom icídios praticad o s em 1883.
A ssassínio do p an fle tá rio A p u lcro de C astro — R ela­
tó rio do m in istro da J u s tiç a — R eferên cias de E u clid es da
Cunha.
C astro Urso.
In ju stam en te acusado, dem ite-se o dr. Gama e M elo —
V o lta a ocupar o cargo de ch efe de P o lícia o dr. T ito A u ­
g u sto P ereira de M atos (1883).
E x tin g u e-se o corpo de polícia secreta.
O dr. T ito de M atos in siste em m elhorar as condições
da S ecretaria da P olícia.
U m julgam ento fam oso — Levado à b a rra do trib u n al
o jo rn a lista F e rre ira de A rau jo .
O caso C astro M alta — E xonera-se o chefe de P o lícia
T ito de M atos — Seu su b stitu to , dr. Jo sé A n tô n io Gomes
— (1884).
F oi um ano tra n q u ilo o de 1885 — A penas nove hom i­
cídios.
Com a constituição do 34.° gab in ete é nom eado chefe
de P o lícia o dr. Jo ão Coelho B astos — (1885).
A P o lícia sofre p erd a lam entável.
Os prin cip ais crim es de m o rte d u ran te o ano d e 1886.
B arão de V ila R ica — B ilo n tra dá trab alh o à P o lícia
e inspiração a A rtu r A zevedo.
S ecretário da P o líc ia d u ran te 30 anos — D r. F rancisco
Jo sé de Lim a — A atuação do coronel Cam peio — 44 anos
de serv iço s policiais.
A contecim entos reg istad o s pela P o lícia em 1887.
Como R am alho O rtig ão descreve o Rio de Taneiro de
1887.
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 329

A boêm ia de o u tro s tem pos — C o n feitaria Pascoal —


Sua fase de m aior b rilh o — (1887-1913).
A casa que pela p rim eira vez vendeu chope ao público.
Da prisão do cap itão -ten en te L eite Lobo à dem issão do
dr. Jo ão C oelho B astos — Q u ed a do gabinete — A ssum e o
cargo de chefe de P o líc ia o desem bargador E sp ín o la —
(1888).
C onferências de Silva J a rd im — T ro p elias da “ G uar­
da N egra”.
P relú d io s do 13 de M aio — P aladinos da propaganda
abolicionista — O sonho é convertido em realid ad e — Is a ­
bel, a R edentora.
P rín cip e Obá.
Ura caso policial m o d ifica a alta p o lítica do país —
Isab el e C otegipe — O. g ab in ete de 10 de M arço d e 1888.
Na véspera da a ssin atu ra da lei áurea.
A lei que declarou e x tin ta a escravidão no B rasil.
G uarda N egra.
O E x ército e a L ei Áurea.
O piniões colhidas no m om ento da publicação da lei de
13 d e Maio.
E pisódios p ara a h istó ria da abolição.
Ó Cunha, tira o chapéu!
A chegada do bendegó.
V ésperas de graves acontecim entos — O espantalho
da febre am arela — O povo clam a contra a fa lta de água.
Cai o. m in istério Jo ão A lfre d o — O 36.° gabinete —
(1889).
P rogram a do g ab in ete O uro P reto .
A últim a fala do tro n o .
D entro do p arlam ento — O deputado C esário A lvim
faz profissão de fé rep u b lican a — O deputado Jo ã o M anuel
g rita : — “ V iva a R ep ú b lica!”.
D ias de g ran d e am arg u ra — O conde d’E u p a rte em
v isita às províncias do n o rte — Silva Ja rd im segue-lhe as
pegadas — E stu d a n te s e em pregados do com ércio h o stili­
zam a M onarquia.
330 HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO

A ten tad o co n tra o im perador — R eq u in tad a estu p id ez


— P risão do crim inoso — M agnanim idade d e d, P edro.
Ju lg am en to de A d rian o do V ale — Dez ju rad o s nega­
ram o fato — O réu foi absolvido.
A questão m ilitar.
A rtig o s publicados no “ D iário O ficia l” a pro p ó sito da
cham ada questão m ilitar.
O baile da ilh a Fiscal.
B atalh a decisiva — O começo ou a inutilização da R e­
pública — Os três últim os m eses do regim e m onárquico.
A coragem de O uro P re to — In te re ssa n te revelação
h istórica.
Proclam ação da R epública.
G rave in cid en te com o barão de L adário.
Jo sé da C osta A zevedo — “ G ota de sangue da R ep ú ­
blica” .
No paço da cidade — O uro P re to pede dem issão cole­
tiva do m inistério.
A g u ard a do paço d u ran te o d ia 15 de Novembro.
Na Câm ara M unicipal — A p rim eira b andeira rep u b li­
cana que se hasteou no B rasil no dia da queda d a M onar­
quia.
A specto das ruas — Q ue é que há?
N o com ércio e nas rep artiçõ es públicas.
F o rças de m ar.
O d e sfila r das tropas.
O ú ltim o chefe de P o líc ia da M onarquia — (1889) —
C onselheiro Jo sé B asson de M iranda O sório.
O jo rn al que publicou, em p rim eira mão, a n o tícia da
proclam ação da R epública — Foi o rep ó rte r Sousa V alen­
te o a u to r do “ fu ro ” sensacional.
O papel proem inente do m ajo r Solon R ibeiro no golpe
de 15 de N ovem bro— U m a carta d e Q u in tin o Bocaiuva.
A s p rim eiras nom eações p ara os cargos de delegados
de P olícia.
P risão do visconde de O u ro P reto .
HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO 331

No A rsenal de G uerra.
No M inistério da M arinha.
U m boato referen te aos filhos do conde d’E u.
O Govêrno P ro v isó rio m anda to rn ar incom unicável a
pessoa de d. P ed ro II.
O barão de Capanem a é intim ado a en tre g ar a re p a rti­
ção dos T elégrafos.
G uarda N acional.
R epresentação ao ex-im perador p ara que se ausente do
B rasil dentro do prazo de 24 horas.
R esposta de d. P ed ro de A lcântara.
A g u ard a do paço d u ran te a noite de 15 de Novembro.
O em barque d a fam ília im perial.
A viagem do Alagoas — Im pressões de bordo — A
chegada a Lisboa.
P alavras de despedida da p rin cesa Isabel.
O últim o gesto da im peratriz.
D. P edro I I recusa o subsídio ex trao rd in ário de cinco
m il contos.
N o exílio — T rê s sonetos do im perador destronado.
; O p rim eiro decreto do G ovêrno P ro v isó rio — R ep ú ­
blica F ederativa.
R epartições e serviços públicos da M onarquia, quando
foi proclam ada a R epública.
O valor da m oeda b rasileira na véspera da proclam a­
ção da R epública.
E x celen te poeta, péssim o profeta.
Jo rn a is e revistas que a R epública encontrou em cir­
culação no R io de Jan eiro .
O s últim os p resid en tes de província.
O s últim os senadores do Im pério.
P resid en tes do Senado sob o Im pério — De 1826 a 1889.
O últim o concurso n a M onarquia, do In te rn a to
P ed ro II.
332 HISTÓRIA DA POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO

D e 1812 a 1889 foram concedidos quase m il títu lo s no­


biliárq u ico s — O ú ltim o titu la r b rasileiro .
C onselheiros de E sta d o quando foi in stitu íd o o regim e
republicano.
R ep artiçõ es e serviços p o liciais quando fo i proclam a­
da a R epública.
O reconhecim ento d a nova fo rm a de govêrno pelas re­
públicas da A m érica e pelos estados da E u ro p a .
H in o da proclam ação da R ep ú b lica — Com posição
m usical de Leopoldo M iguez — P o esia de Jo sé Joaquim
de Campos da C osta M edeiros e A lbuquerque.
T E R M I N O U - S E
a im pressão dêste livro
no d ia 20 de A gosto de
m il novecentos e q u aren ta
e dois, nas o ficin as g rá fi­
cas de A N O IT E - R IO ,
ALGUMAS OPINIÕES SOBRE
A

História da Poiíaia do Rio


do Janeiro
{VOLUME DE 1565 A 1831)
"Os consagrados criado­
res de "Mea Culpa" e "Íris",
em estilo acurado, mas sem
pretensões, entremearam as
trezentas e cinquenta pági­
nas de sua HISTÓRIA DA
POLÍCIA DO RIO DE JA­
NEIRO, com os mais interes­
santes acontecimentos da
época".
Olyntho Santos
"Autor de várias obras li­
terárias, jurídicas e didáti­
cas, Mello Barreto Filho é
também, ha muitos anos, al­
to funcionário da Polícia Ci­
vil do Distrito Federai, ten­
do exercido, por vezes, a di­
reção da Censura Teatral e
das Casas de Diversões Pú­
blicas desta capita! pelo que
se justifica o conhecimento
profundo que revela em as­
suntos t ã o especializados,
como sejam os de aue trata
o seu novo livro".
Rou! Bnice (Grenniry)
"No bela livro HISTÓRIA
DA POLÍCIA DO RIO DE
JANEIRO, que Mello Barre­
to Filho e Hermeto Lima
acabam de publicer em bem
cuidada edição de "A Noite",
o que mais acho de louvor ê
a vincrcsa ambientaçãO da
cidade".
Gestão Pènelvà

iiiiiiiiiM iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiininT nni

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