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REFLEXÕES MEDIANAS SOBRE AS VANGUARDAS

Não tem nada que assuste mais hoje em dia do que teatro de vanguarda. Imagine então
quando você tem que assistir a um desses espetáculos. Fica pensando no título: o que ele
sugere? E quando o título é enorme, quase um parágrafo, fica parecendo muito
importante... você acha que deveria entender logo do que trata a peça. Pensa: será que
posso ler algo antes? Mas o quê? Quando é uma releitura de uma peça tradicional,
sempre podemos ler o original ou consultar o Google pra ler o resumo, mas e quando o
artista é, ainda por cima, o autor? “Será que vou entender?”; “O que vou dizer depois?”;
“Preciso de uma observação inteligente”; “Posso ir embora correndo e dizer que tive um
imprevisto...”
No meio desse momento de pânico, sobrevêm as perguntas que não querem calar. Muito
pelo contrário, são perguntas que querem ser gritadas para o artista. Mas não o fazemos
para não parecer que somos ignorantes.
Por que há artistas que se dedicam a fazer espetáculos herméticos; se a profissão já é tão
difícil, por que dificultar ainda mais? Qual é o problema em fazer uma peça de que todo
mundo goste? Um musical em que todos podem cantar junto com os artistas, uma
história que nos faz chorar porque nos lembra que brigamos com nossa mãe por um
motivo torpe, ou porque, graças à sua persistência, o personagem da peça nos lembra
que somos todos capazes de alcançar nossos sonhos... Qual o problema em encenar
melodramas comoventes ou comédias bem picantes se é isso que o público quer ver? O
público gosta de histórias bonitas, contadas por ‘gente bonita’. Por que ser chato e
escolher estar do lado contrário ao da maioria das pessoas? Por que escolher,
deliberadamente, o caminho mais difícil?
Então, numa roda de bate-papo entre pessoas que acham a mesma coisa, levantam-se
prováveis motivações para esse tipo de inclinação pelo fracasso.
1. Esse artista é um revoltado. Tem problemas sociais e prefere viver isolado do
mundo real.
2. Ele deve se achar mais inteligente do que a maioria das pessoas.
3. Na verdade, ele é um incompetente. Se fosse bom, faria sucesso. Isso que ele faz
não é teatro.
4. No íntimo tem medo do sucesso. Devia se tratar...
5. É mais fácil pensar ser um “incompreendido”, se achando um Van Gogh, do que
encarar a realidade de que ele deveria mudar de profissão.
Seria possível enumerar uma série interminável de justificativas para o fato de um
artista – às vezes nem tão jovem – mergulhar naquela masturbação que, aparentemente,
não leva a nenhum lugar.
Ou melhor, a nenhum lugar seguro, habitual, conhecido, previsível.
Mas uma pergunta sempre deixa de ser feita: o que aquele artista REALMENTE pensa
quando escolhe o caminho mais difícil? Talvez a resposta esteja no próprio trabalho.
Ninguém trabalha para não ser compreendido. Não acredito que haja um único artista
que busque o completo alheamento. Mas nem todo mundo vive no mesmo mundo.
Afinal – e isso não é nenhuma novidade – o mundo é aquilo que vemos a partir de uma
certa perspectiva, de um ponto de vista. Fico pensando naquela pintura de Monet
“Impressão, nascer do sol” que, de certa forma, ‘inventou’ o impressionismo. O pintor
queria muito revelar, na tela, aquilo que ele via, da maneira como ele percebia. O
resultado talvez tenha assustado um pouco aqueles que estavam acostumados a ver o
nascer do sol através da janela. Mas na tela do Monet, tinha mais do que o mero nascer
do sol... tinha a sensação do pintor, tinha uma relação entre ele e o movimento do sol,
representada no quadro. Não uma mera reprodução do nascer do sol.
Não tenho dúvida de que muita gente fez aquelas perguntas relacionadas lá atrás: por
que esse Monet não pinta o nascer de sol como todo mundo vê?
O problema é que o teatro de vanguarda está fora de moda. Mais que isso: falava-se da
avant garde quando se acreditava num futuro para a arte; uma arte que desse conta da
realidade. Essa palavra sequer tem um sentido forte hoje... ninguém é vanguarda mais.
Mas isso não significa que passamos todos a ver a mesma coisa de um mesmo ponto de
vista... ainda tem gente que não consegue ver do mesmo lugar que a maioria. E então, lá
vêm títulos paragráficos, desestruturação da narrativa e histórias não lineares – quando
existem histórias...
Pobre público comum que só quer se divertir indo ao teatro! E é justo: teatro é diversão!
Isso que chamamos aqui de teatro de vanguarda é feito por um tipo de artista que está
em um dos dois lugares: ou detesta o teatro produzido comumente ou ama a procura por
um teatro diferente do habitual. É um teatro produzido por um excesso de amor ou por
um ódio incondicional ao teatro.
Mas esse teatro que vamos chamar aqui de ‘vanguarda’ tem um público que ama
incondicionalmente o teatro. E ama tanto que está à procura dele. Está tentando
encontrar um teatro que se realize completamente. Um teatro que ainda não existe. E,
por isso, alimenta, dá sentido ao trabalho daquele artista que, na maioria das vezes, de
louco ou egocêntrico, não tem nada. Ele apenas procura olhar para o mundo a partir de
sua própria perspectiva. Nem sempre descreve seu mundo da maneira mais clara, mas
segue tentando.
Às vezes, ele consegue. Ao menos para algumas pessoas... sempre poucas.

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