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OLIVEIRA, Casé. Insetos comestíveis um recurso natural e renovável como


suplemento alimentar, São Paulo. 51 f. Trabalho de Conclusão de Curso – Centro
Universitário São Camilo, São Paulo, 2015.

A superpopulação do planeta estimada em mais de sete bilhões de pessoas e a


ação antrópica afetam as principais fontes de recursos naturais. Torna-se necessária
a busca por fontes menos nocivas para produção de alimentos. A
antropoentomofagia (uso de insetos para a alimentação humana) pode ser um
destes caminhos, já que a carne dos insetos é composta dos mesmos nutrientes
encontrados nos vertebrados tradicionalmente consumidos. Objetivou-se levantar
quais as espécies de insetos servem à alimentação humana, e quais os países já os
utilizam como recurso alimentar. Através de levantamento bibliográfico por meio das
bases de dados eletrônicos, entre elas Scielo, Google acadêmico e Medline,
descobriu-se que das milhares de espécies de insetos já catalogadas, mais de 1.900
são utilizadas como alimento por cerca de três mil grupos étnicos em mais de 120
países, complementando o cardápio de aproximadamente sete bilhões de pessoas.
O consumo se destaca na Ásia, África e América Latina (em especial no México). Os
grupos de insetos mais consumidos são os besouros (coleópteros) (31%), as
lagartas de mariposas e borboletas (lepidópteros) (18%), abelhas, vespas e formigas
(himenópteros) (14%), seguidos de gafanhotos, esperanças e grilos (ortóptera)
(13%), cigarras, cigarrinhas, cochonilhas e percevejos (hemípteros (10%), cupins
(isópteras) (3%), libélulas (odonatas) (3%), além de moscas (díptera) (2%) e outras
ordens (5%), o que demonstra a variedade de fonte alimentar disponível. Em termos
nutricionais, os insetos comestíveis são fontes de nutrientes e proteínas de alta
qualidade e em muitos casos contêm elevado teor vitamínico, como no caso da
formiga Atta cephalotes (Linnaeus, 1758), a tanajura, com valor proteico de 42,59%
contra 23% da carne de frango e 20% da carne de boi, além de serem considerados
saborosos pelos grupos consumidores. Conclui-se que a produção atual de
alimentos exige grande consumo de água, disponibilidade de área para
cultivo/criação, além de outros recursos naturais e emissão considerável de gases
de efeito estufa, tornando os insetos uma alternativa viável com taxa de conversão
energética superior a dos vertebrados, emissão inferior de gases de efeito estufa e
consumo de recursos naturais inferiores à produção de alimentos tradicionais,
oferecendo minerais, vitaminas e proteínas, sendo uma importante e saborosa fonte
alimentar, além de poder contribuir na suplementação da carência nutricional das
populações de muitos países, e contando com a diversidade de espécies nativas de
cada região para tal.

Palavras-chave: Antropoentomofagia. Entomofagia. Insetos comestíveis.


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OLIVEIRA, Casé. Edible insects a natural and renewable resource as food


supplement, São Paulo. 51 f. Completion Course Work – Centro Universitário São
Camilo, São Paulo, 2015.

The overpopulation of the planet estimated in more than seven billion people and the
anthropic action affect the main supplies for natural resources. It becomes necessary
the search for new and less damaging sources for food production and entomophagy
(the consumption of insects in the human diet) may be one of the ways, since insect
meat is compound of the same nutrients found on the traditionally consumed
vertebrates. The aim of this study was to analyze which species of insects fit the
human diet and which are the countries that already make use of them. Through
bibliographical survey on the digital databases, such as Scielo, Google Academic
and Medline, it was found out that among the innumerous species of insects already
catalogued, more than 1900 are used as food source by almost three thousand
ethnic groups. The consumption stands out in Asia, Africa and Latin America
(especially in Mexico). The more consumed insect groups are beetles (Coleoptera)
(31%); moth and butterfly larvae (Lepidoptera) (18%); bees, wasps and ants
(Hymenoptera) (14%); followed by grasshoppers and crickets (Orthoptera) (13%);
true bugs (Hemiptera) (10%); termites (Isoptera) (3%); dragonflies (Odonata) (3%);
including flies (Diptera) (2%) and other orders (5%) which demonstrate the variety of
food sources available. In nutritional terms they are source for high quality proteins
and nutrients and in most cases they contain elevated vitamin concentration as is the
case of the ant Atta cephalotes (Linnaeus, 1758), with a protein content of 42,59%
against 23% in chicken meat and 20% in bovine meat, in addition to be considered
tasty by their consumers. In this study, it is concluded that the current production of
food demands large water consumption, availability of large farming areas, among
other natural resources and generate a considerable emission of greenhouse effect
gases, making the insects a viable alternative with an energy conversion rate
superior to that of the vertebrates, less emission of greenhouse effect gases and less
consumption of natural resources when compared to the traditional food production,
offering minerals, vitamins and proteins, being an important and appetizing dietary
resource, with the possibility to supply for the nutritional deficiency of the population
in many countries, and counting with the diversity of native species from each region
for that.

Keywords: Antropoentomophagy. Entomophagy. Edible Insects.


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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Thomas Robert Malthus (1766-1834) ….…………………......……….........18


Figura 2: Diversidade dos insetos em relação aos demais grupos............................20
Figura 3: Número de espécies comestíveis, em % total............................................22
Figura 4: Comparativo da conversão energética entre grilos e bovinos....................22
Figura 5: Comparativo do consumo de água na produção de um quilo de proteína.23
Figura 6: Comparativo da quantidade de emissão de gases de efeito estufa...........24
Figura 7: Produtos comercializados pela empresa ento............................................25
Figura 8: Produto comercializado pelo site chapul.....................................................26
Figura 9: Comparativo da quantidade de proteínas entre as espécies......................27
Figura 10: Comparativo nutricional entre espinafre, carne bovina e peixe................27
Figura 11: Pagina inicial da empresa Bitty Flour........................................................28
Figura 12: Pupa do Bicho da seda enlatado..............................................................29
Figura 13: Tanajura é mascote do time de futebol local.............................................30
Figura 14: Pirulitos com insetos e escorpiões............................................................31
Figura 15: Orcílio Ferraz preparando uma receita à base de tanajura......................32
Figura 16: Receita de farofa de iça do Olivier Anquier...............................................33
Figura 17: Prato com larva do bicho do coco (Pachymerus nucleorum)....................33
Figura 18: Lanche de larva de tenébrios preparado pelo chef Mauricio Santi...........34
Figura 19: Propaganda do restaurante Dom do chef Alex Atala................................35
Figura 20: Insetos comestíveis permitidos em alimentos industrializados.................35
Figura 21: Alimentos e batom com corante carmim...................................................37
Figura 22: Numero de países consumidores de insetos por continente....................39
Figura 23: Africanos de Benin mostrando insetos capturados...................................40
Figura 24: Postal autraliano com o Witchetty Grub....................................................41
Figura 25: Posto de Chapulines em Oaxaca, México................................................43
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LISTA DE TABELAS OU QUADROS

Tabela 1: Composição de alimentos por 100 gramas de parte comestível...............14


Quadro 1: Ordens mais comumente consumidas no mundo.....................................21
Quadro 2: Produção de insetos para consumo humano nos países baixos..............42
Quadro 3: Ordens, nomes populares e nº de espécies consumidas mundialmente..45
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SUMÁRIO

Resumo
Abstract
Lista de Figuras
Lista de tabelas ou quadros
1INTRODUÇÃO......................................................................................11
2 OBJETIVOS.........................................................................................16
3 MATERIAL E METÓDOS.....................................................................17
4 DESENVOLVIMENTO.........................................................................18
4.1 Thomas Robert Malthus....................................................................18
4.2 Cenário Mundial................................................................................19
4.3 Insetos comestíveis..........................................................................20
4.4 Comparativo nutricional....................................................................27
4.5 Consumo de insetos no Brasil..........................................................29
4.6 Maiores Consumidores.....................................................................38
4.7 Principais grupos..............................................................................43
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................46
REFERÊNCIAS.......................................................................................47
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1 INTRODUÇÃO

A população do planeta Terra, estimada hoje acima dos sete bilhões de


habitantes, passa por um momento delicado e a manutenção da vida humana nunca
foi tão ameaçada. Este cenário populacional nos faz relembrar uma das famosas
teorias da história. No ano de 1798 o economista e demógrafo inglês Thomas Robert
Malthus acabou sendo o primeiro a relacionar o crescimento populacional com a
fome. Segundo sua teoria, os ganhos de curto prazo nos padrões de vida entrariam
em desequilíbrio à medida que o crescimento da população mundial superasse à
produção de alimentos (MALTHUS, 1798).
Malthus mencionou que não haveria como se evitar guerras, epidemias e
outras catástrofes decorrentes do excesso populacional, sem a implantação de uma
forte restrição de programas públicos de caridade e a abstinência sexual dos pobres.
Para ele, a pobreza era considerada como um destino ao qual o homem não pode
fugir.
Ao longo da história, alguns autores elaboraram teorias sobre os fenômenos
naturais e a interação dos seres vivos com eles, e assim foram elaboradas as mais
variadas hipóteses sobre extinções de espécies animais e vegetais, inclusive sobre
a raça humana, estas teorias remontam desde antiga china com relatos no iching
(base de todo oráculo e profecia chinesa) ainda na dinastia Shang (1500-1050 a.C),
seguida da bíblia cristã passando por Issac Newton, Malthus e Erhlich (BERKELEY,
2005).
Entre as publicações, uma em especial ganhou enorme destaque no mundo
científico, sendo comparada e criticada tanto quanto as previsões de Malthus em
sua época. Os autores Paul R. Ehrlich e Anne H. Ehrlich (1974) fazem em seu livro
“População Recursos Ambiente” uma menção a outro fato já evidenciado até pelos
mais leigos: de que estamos ficando muitos para um planeta com recursos limitados,
tornando-se um desafio alimentar tantas pessoas.
Apesar de toda controvérsia e pessimismo de ambos os autores e passados
217 anos após a previsão de Malthus, observa-se que o avanço da tecnologia pode
ter sido um item importante para que a curva de crescimento na produção de
alimentos seja superior a de crescimento da população de humanos.
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A curva da produção de alimentos pode crescer geometricamente e se manter


à frente da curva de crescimento da população, pois não depende exclusivamente
dos recursos naturais, mas também da tecnologia (SACHS, 2008 ).
Porém, é preciso rever tais estudos, pois as ações antrópicas têm
comprometido como nunca as principais fontes de recursos naturais responsáveis
por uma boa produção de alimentos, e nem com toda tecnologia disponível poderá
sustentar um contingente tão grande de populações ao redor do planeta em suas
necessidades alimentares devido ao uso irresponsável de recursos que são finitos.
Conforme dados da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e
Alimentação, a produção de alimentos está subindo de forma constante e
proporcionalmente superior ao crescimento populacional. No entanto, cerca de 925
milhões de pessoas passam fome no mundo e este número aumenta a cada ano;
estima-se que as perdas globais de alimentos e o desperdício cheguem a 1.3 bilhão
de toneladas por ano cerca de um terço da produção mundial de alimentos (FAO,
2014).
Observa-se em todo o planeta que a água, um recurso natural essencial para
a produção de alimentos, está comprometida; desmatamentos, crescimento
desordenado de cidades, poluição das fontes entre outros fatores já afetam o
volume disponível deste precioso recurso para o consumo humano, animal, para a
agricultura e para a produção de alimentos processados.
Entre 2014 e início de 2015, o Brasil passou por uma crise hídrica sem
precedentes, com regimes de chuva fora do padrão e das previsões dos
climatologistas. Algumas das principais cidades brasileiras, como São Paulo e Rio
de Janeiro, ficaram com os volumes de seus reservatórios em níveis críticos, o que
afetou não só o fornecimento de água para lares, indústrias e agricultura, mas
também à geração de energia, tão importante nos processos produtivos de
alimentos para consumo humano e animal e por falta de água e energia elétrica,
produtores de hortaliças, da indústria de suínos, ovinos e alimentos processados
deixaram de produzir enormes quantidades de alimentos e este cenário tende a
continuar (EMBRAPA, 2015).
Frente a esta problemática, torna-se necessária a busca de novas alternativas
de produção e cultivo de alimentos para contribuir e somar àquelas já existentes,
alternativas estas que devem ser menos danosas ao ecossistema e que necessitem
de menos água e energia elétrica para sua produção.
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A Entomofagia (ato de alimentar-se de insetos) está disseminada entre os


primatas não-humanos e é comum em algumas comunidades humanas, porém varia
muito em termos de padrões de uso, incluindo as composições de macronutrientes
de cada grupo de inseto e sua carga proteica, sendo que ainda são poucos os
estudos referentes aos grupos de insetos mais usados, sua disponibilidade,
quantidade e importância ecológica e nutricional (RAUBENHEIMER; ROTHMAN,
2013).
Os Insetos e outros invertebrados formam uma porção da dieta de primatas
viventes e extintos, e ao se comparar o perfil nutricional dessa dieta com outras,
observa-se que ela é complementar ao fornecer proteína para os que possuem
limitado acesso a fontes de proteína animal, pois também serve de fonte de
vitaminas e aminoácidos, mesmo quando consumidos em pequena quantidade
(RAUBENHEIMER; ROTHMAN, 2013).
Os estudos referentes à dieta dos primeiros primatas, que era baseada em
insetos, auxiliam na compreensão dos primeiros estágios evolutivos e ecológicos
desse grupo de animais, e relacionam a contribuição dos macronutrientes oferecidos
em uma dieta com base em insetos dos humanos pré-agricultores com as
sociedades contemporâneas que regularmente se alimentam de insetos.
Apesar de concluírem que a composição dos macronutrientes fornecidos em
uma dieta à base de invertebrados de fato não alcança a proporção do que é obtido
na carne dos vertebrados, porém esta fonte de proteína, mesmo que inferior em
termos de macronutrientes serve para aumentar e concentrar proteínas na dieta e
pode ter sido fundamental para a sobrevivência dos grupos do período Paleolítico.
(RAUBENHEIMER; ROTHMAN, 2013).
Na Índia, membros de tribos e etnias diferentes usam ao menos 81 espécies
de insetos locais de ordens como Coleoptera, Orthoptera, Hemiptera, Hymenoptera
e Odonata como alimento rotineiro dessas sociedades e os preparam assados, fritos
e cozidos sendo de fato parte de suas dietas e tradições (MEYER-ROCHOW, 2014).
Os insetos constituem um recurso alimentar natural renovável e são
consumidos como suplemento alimentar ou como constituinte principal da dieta de
diferentes povos em muitas regiões do mundo, a exemplo dos povos indígenas da
cidade de São Gabriel do Estado do Amazonas que utilizam os insetos como fonte
alternativa de proteínas, além de outras diferentes finalidades; certas comunidades
africanas utilizam de cinco a dez por cento da proteína ingerida a partir de carne de
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insetos, na cidade de Kinshasa na República popular do Congo, 70% da população


comem insetos (FAO, 2013).
A “carne” dos insetos é composta das mesmas substâncias encontradas na
carne dos animais vertebrados, como o boi, o porco, a galinha e o peixe, em
quantidades de proteínas, já em quantidades de ferro e cálcio alguns insetos até
superam as outras carnes, além de terrem menos quantidades de gordura (Tabela
1) (COSTA NETO, 2003).

Tabela 1: Composição de alimentos por 100 gramas de parte comestível.


Inseto Proteína Gordura Carboidrato Cálcio Ferro
(g) (g) (g) (mg) (mg)
Besouro gigante 19.8 8.3 2.1 43.5 13.6
Saúva 13.9 3.5 2.9 47.8 5.7
Bicho da seda 9.6 5.6 2.3 41.7 1.8
Escaravelho 17.20 4.3 2.0 30.9 7.7
Grilo 48.1 5.5 5.1 75.8 9.5
Esperança pequena 20.6 6.1 3.9 35.2 5.0
Boi (media) 19.1 19.5 3.0 14.4 3.4
Fonte: (O AUTOR, 2015), Adaptado de FAO e UNICAMP (TACO).

Alguns autores têm evidenciado que o cultivo de insetos comestíveis é


ecologicamente menos pernicioso que a criação de gado, que devasta florestas e
pastos nativos, os insetos podem ser criados em áreas menores e em sua produção
utiliza-se menos água e energia que as demais culturas (ABATE; HUIS; AMPOFO,
2000).
Como descrito por Wilson (1997), a partir do momento em que a ciência
descobre novas utilizações para a diversidade biológica, adquire conhecimento para
elaborar políticas de conservação e desenvolvimento, contribuindo para que as
futuras gerações tenham acesso a novas alternativas alimentares de forma
acessível e não tão agressiva quanto as tradicionais.
Portanto, insetos como alternativa alimentar suplementar ao consumo
humano oferecem uma fonte nutricional importante, dada a grande quantidade de
proteínas, gorduras, vitaminas e sais minerais neles contidos. Se aproveitados
sistemática e sustentavelmente, os insetos comestíveis podem ajudar na redução do
problema de deficiência proteica que existe em grande parte do mundo
9

(FASORANTI; AJIBOYE, 1993). Não se trata de introduzir um novo tipo de alimento,


mas sim de resgatar antigos hábitos alimentares, contribuindo para que a oferta de
alimentos continue crescendo acima do crescimento da população mundial, além de
alcançar uma parcela da população que não tem acesso a outras fontes de
alimentos.
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2 OBJETIVO GERAL

- Realizar o levantamento de dados relativos ao consumo de insetos, como


um recurso natural e renovável como suplemento alimentar em diversos países.

2.1 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

- Relacionar o uso de insetos na alimentação no Brasil.

- Listar os principais grupos envolvidos mundialmente.


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3 MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de revisão da literatura por meio das bases de dados eletrônicos,


entre elas Scielo, Google, Google acadêmico e Medline, tendo como descritores
elegíveis para o estudo “Insetos Comestíveis, Entomofagia, Antropoentomofagia,
Entomologia, Etnoentomologia, Suplementação alimentar, Malthus, Escassez de
Alimentos, Alternativas Alimentares, Ração Humana, Nutrição Humana e Fome”, no
período de 1854 a 2015.

Quanto ao critério de seleção, foram utilizados artigos no idioma Português,


Inglês e Espanhol por meio dos operadores booleanos “AND” e “OR”.

Foram identificados 54 artigos e sete livros e dezenas de vídeos, entretanto


para esta pesquisa foram utilizados 21 artigos e cinco livros.
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4 DESENVOLVIMENTO

4.1 Thomas Robert Malthus

Thomas Robert Malthus (1766-1834) (Figura 1) foi economista, demógrafo e


um dos primeiros a observar a superpopulação e degradação ambiental, sendo
creditada a ele uma das primeiras teorias a relacionar o crescimento populacional
com um dos grandes problemas da humanidade na época e atualidade: a fome.
Malthus criou a teoria de que o crescimento da população acontecia em
proporções geométricas, enquanto a produção e a oferta de alimentos ocorriam em
progressão aritmética. E este crescimento maior da população iria ultrapassar a
produção de alimentos levando a escassez deste, e comprometendo a oferta de
alimentos para uma grande parcela da humanidade. Segundo ele, as questões
demográficas e as produções decrescentes da agricultura, seriam um dos fatores
responsáveis pela miséria e empobrecimento dos povos (EHRLICH, 1974).

Figura 1: Thomas Robert Malthus (1766-1834).

Fonte: (WIKIMEDIA, 2015)

Apesar das suas propostas radicais, como o controle da natalidade, o


aumento no preço dos alimentos e a redução dos salários, para forçar as
populações dos países mais pobres a terem menos filhos sua teoria foi tão
importante que ganhou o nome de Malthusianismo (EHRLICH, 1974).
Malthus foi um visionário em seu tempo, pois naquela época ainda não se
pensava muito na preservação dos recursos naturais, e o meio ambiente natural se
encontrava bem mais preservado do que nos tempos atuais; porém com suas
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observações da natureza e populações ele já previa tempos difíceis para a


humanidade (EHRLICH, 1974).)
Passados 217 anos o cenário ambiental mundial é outro e o fantasma da
previsão de Malthus bate a porta de todos os países, dos mais ricos aos mais
pobres. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e
Alimentação, fatores como a desertificação, o desflorestamento e acesso aos
recursos hídricos estão interferindo na segurança alimentar, pois interferem
diretamente na redução de áreas agriculturáveis ao redor do planeta (FAO, 2014).
Em muitas regiões do planeta, o controle populacional é exercido das mais
diversas formas, seja por controle direto onde os governos estabelecem as regras,
por fatores ambientais ou ainda econômicos. O Japão, por exemplo, foi um dos
primeiros países a instituir uma política de controle de natalidade após a Segunda
Guerra Mundial, e outros países com grande densidade populacional também têm
seus modelos, tais como a China que tem uma severa política de controle de
natalidade. Em alguns casos, a economia e política têm grande influência neste
controle bem como o meio ambiente, independente de discussões sobre estes
controles. O fato é que se a raça humana continuar a utilizar os recursos naturais
com a mesma voracidade e sem qualquer controle, a previsão de Malthus pode
estar muito mais perto que imaginamos (EHRLICH, 1974).

4.2 Cenário Mundial

Embora o cenário ambiental mundial não seja nada promissor, segundo a


Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação FAO (2013) a
produção de alimentos ainda está ocorrendo acima do crescimento populacional.
Porém o que preocupa é que esta oferta de alimentos não acontece de forma igual,
e conforme dados de 2013, uma em cada oito pessoas da população mundial passa
fome.
Alguns fatores responsáveis por este quadro são difíceis de serem
combatidos, tais como a concentração populacional em grandes cidades, a
desigualdade social, o controle da oferta de alimentos por grandes corporações e os
modelos econômicos adotados.
De acordo com o guia de Segurança Alimentar e Aquecimento Global
adaptando-nos às mudanças em um mundo com fome, da Organização das Nações
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Unidas para a Agricultura e Alimentação FAO (2013) as ações antrópicas estão


afetando a produção de alimentos.
Segundo o guia, a relação existente entre mudança climática e segurança
alimentar pode ser observada nos seguintes elementos de configuração climática: a
condição dos solos, a cobertura vegetal e os recursos hídricos; tais elementos são
influenciados de maneira drástica tanto pela mudança climática em si quanto por
ações humanas em busca de abastecimento alimentar, causando os problemas da
desertificação, do desflorestamento e da escassez de recursos hídricos.
Estima-se que a população mundial ultrapasse os nove bilhões de humanos
até 2050, comprometendo a segurança alimentar e acentuando esta desigualdade
FAO (2013).
O desafio então é desenvolver novas formas de garantir não somente a
garantia desta segurança, mas também o acesso a estes alimentos, novas formas
de produção bem como novas descobertas sobre alimentos para consumo humano
menos nocivos ao meio ambiente, e sem dúvida os insetos estão entre um dos
caminhos.

4.3 Insetos Comestíveis

Os insetos são animais invertebrados e estão inseridos no filo Arthropoda,


subfilo Hexapoda, classe Insecta e representam o grupo de animais mais diverso do
planeta (Figura 2), contendo cerca de um milhão de espécies descritas e com
estimativas de que existam de 5 a 10 milhões de espécies (MARANHÃO, 1977).

Figura 2: Diversidade dos insetos em relação aos demais grupos.

Fonte: (GRIMALDI;ENGEL, 2005)


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Os insetos podem ser encontrados na maioria dos ambientes terrestres e


aquáticos por todo o planeta, contendo grande variedade de formas e
comportamentos, porém uma parcela pequena pode ser considerada comestível
pelo ser humano.
Das centenas de milhares de espécies de insetos já catalogadas, mais de
1.900 são utilizadas como alimento por cerca de três mil grupos étnicos em mais de
120 países. O maior grupo de insetos comestíveis é o dos coleópteros (443
espécies), seguido pelos himenópteros (307 espécies), ortópteros (235 espécies) e
lepidópteros (228 espécies), dez por cento dessas espécies são cosmopolitas e as
restantes estão restritas a determinadas zonas geográficas, das quais 12% são
espécies aquáticas e 78% são terrestres (RAMOS-ELORDUY, 1996), e em quase
todas as ordens de insetos algum já foi utilizado como alimento pelo ser humano
(DEFOLIART, 2002), no Quadro 1 destaque para algumas destas ordens.

Quadro 1: Ordens mais comumente consumidas no mundo.

Fonte: (DE FOLIART, 2013)

Conforme informações da Organização das Nações Unidas para a Agricultura


e Alimentação (FAO, 2013) das espécies mais consumidas, 31% são besouros, 18%
lagartas, 14% formigas/abelhas, 13% gafanhotos e 10% cigarras e percevejos,
(Figura 3).
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Figura 3: Número de espécies comestíveis, em % total no mundo.

Fonte: (FAO, 2013)

É consenso na comunidade acadêmica mundial que a cultura de insetos


comestíveis é menos danosa ao meio ambiente que outras culturas, e comparando-
a com culturas tradicionais tais como a bovina, suína e de aves, o ganho em
economia de recursos naturais é enorme, além de ser uma cultura renovável e
natural (COSTA NETO, 2003).

Enquanto para se produzir um quilo de carne bovina necessita-se de 10 quilos


de ração, com estes mesmo 10 quilos chega-se a produzir até nove quilos de carne
de insetos (Figura 4), utiliza-se menos água em sua criação abate e processamento,
a quantidade de resíduos de excreta produzida é inferior aos vertebrados e por
serem ectotérmicos (temperatura varia em função do ambiente), o ganho em
conversão energética (conversão de alimentos em massa corporal) no caso dos
insetos é muito superior aos dos bovinos e outras culturas tais como a suína e a de
aves (FAO, 2013).

Figura 4: Comparativo da conversão energética entre grilos e bovinos.

Fonte: (ENTO UK, 2015 )


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A criação de insetos comestíveis traz inúmeras vantagens ao meio ambiente,


desde a redução de áreas agriculturáveis cada vez mais escassas ao redor do
planeta, como a redução do consumo de água, já que os insetos necessitam bem
menos água para consumo, e muitos litros a menos no abate (COSTA NETO,2003).
Para se produzir um quilo de proteína bovina utiliza-se 8.350 litros de água,
para as aves 1.250 litros, enquanto que nos insetos apenas oito litros (Figura 5).
Além de outras vantagens, como menor emissão de gases de efeito estufa para a
atmosfera e maior rapidez na produção de alimentos, uma vez os bovinos
necessitam de dois a quatro anos para estarem prontos para o abate, enquanto que
a maioria dos insetos necessita de apenas algumas semanas (VAN HUIS et al.,
2013).

Figura 5: Consumo de água na produção de um quilo de proteína.

Fonte: (VAN HUIS, 2015)

Além das quantidades superiores no uso dos recursos naturais, na criação de


bovinos, aves e suínos, principais fontes alimentícias da maioria das populações,
são geradas enormes quantidades de gases de efeito estufa (Figura 6)
principalmente gás metano (CH4) tanto no processo de fermentação entérica,
processo digestivo dos herbívoros ruminantes (bovinos, ovinos, bubalinos e
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caprinos), quanto nas excretas e Óxido Nitroso (N2O) produzido principalmente pelas
excretas, muito superiores aos da criação de insetos comestíveis, suas excretas
deixam um alto volume de lodos com poluentes tóxicos, sabe-se que somente a
população de suínos e bovinos no mundo é de aproximadamente 2,5 bilhões de
cabeças e que produzem cerca de 80 milhões de toneladas de dejetos por ano, sem
qualquer tratamento (IPCC, 2006).
Com isto, acredita-se que uma alimentação baseada em insetos comestíveis
traria ganhos significativos ao meio ambiente.

Figura 6: Comparativo da quantidade de emissão de gases de efeito estufa.

Fonte: (FAO, 2015)

Percebe-se um crescimento desta tendência que é o consumo de insetos


comestíveis, e empresas processadoras de alimentos tais como Chapul®,
Nutrinsecta® e Bitty Flour® foram fundadas, diversos cozinheiros e chefs de cozinha
estão os utilizando nas mais diversas receitas, desde simples estabelecimentos até
na mais alta gastronomia (SCHICKLER, 2014).
Um exemplo da importância deste tipo de proteína é liberação por parte dos
órgãos reguladores da comercialização deste tipo de alimento, surgindo restaurantes
especializados que oferecem um variado cardápio (SCHICKLER, 2014).
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O restaurante experimental Ento®, criado pelos alunos do Royal College of


Art and Imperial College London em 2012, inovaram com um novo conceito
denominado “A arte de comer insetos” onde são processados e vendidos em
cubinhos em redes de supermercados pré-prontos para aquecer em casa ou no
trabalho (Figura 7).

Figura 7: Produtos comercializados pela empresa Ento®.

Fonte: ( ENTO, 2015 )

O prêmio Hult 2013 de empreendedorismo social, contemplou com U$$ 1


milhão os alunos Mohammed Ashour, ShobhitaSoor, Jesse Pearlstein, Zev
Thompson e Gabe Mott da Mc Gill University de Montreal Canadá para produzirem
uma farinha a partir de gafanhotos e transformar em pão enriquecido visando
melhorar a disponibilidade de alimentos para moradores de comunidades
necessitadas em todo o mundo (FAO, 2013).
Conforme estudos realizados por estes estudantes, proteínas e ferro são
nutrientes faltantes nas dietas de grande parte da população de países em
desenvolvimento, tais como o Brasil, e somente nos gafanhotos são encontradas
quantidades bem relevantes com maior teor de proteína por quilo de peso do que os
encontrados na carne bovina.
Conforme descrito por NORDIC FOOD LAB (2015) com sede em
Copenhague, seus laboratórios de pesquisa de novos alimentos já testaram insetos
comestíveis de quase todo o mundo em suas receitas procurando colocar suas
abordagens e seus especialistas em diálogo, usando métodos modernos e
tradicionais para combinar arte e ciência com resultados deliciosos, aprovando não
somente o sabor mas também as qualidades nutricionais deste tipo de alimento, em
uma destas receitas utilizaram formigas da madeira vermelha (Formica rufa
20

Linnaeus, 1761) e formigas carpinteiras de cheiro (Lasius fuliginosus Latreille, 1798)


com aipo e pimentão (NORDIC FOOD LAB, 2015).

Um projeto considerado modelo é o Bug’s For Life (insetos para a vida) criado
pelos ex-alunos da universidade de Edimburgo, Laura Riggi, Rudi Vespoor e os
colegas Mariana Veronesi e Craig Mac Farlane, que propõem uma alternativa à
pecuária tradicional que é a criação de insetos comestíveis de forma acessível,
disponível, sustentável, nutritiva e segura ambientalmente, com este projeto eles
pretendem encontrar soluções para o problema de segurança alimentar para
populações atuais e futuras (FAO, 2013).
Com financiamento conjunto do Imperial College London, da Real Sociedade
Entomológica de Londres e através de um site de financiamento coletivo, eles
começaram no ano de 2012 em Benin na África um amplo estudo sobre a cultura da
entomofagia naquelas populações, descobrindo todo o potencial desta cultura e
propondo aos moradores, as melhores formas de conseguir utilizar todo o potencial
de cultivo e de segurança na alimentação a partir dos insetos.
Para completar estas iniciativas, já existem sites especializados na venda de
insetos comestíveis que os distribuem para outros países, podendo ser citados como
referência os seguintes sites: thailandunique.com, bizarrefood.com e chapul.com
(Figura 8).

Figura 8: Produtos comercializados pela empresa Chapul®.

Fonte: (CHAPUL, 2015).


21

4.4 Comparativo nutricional

Desenvolver um trabalho de pesquisa que busque um alimento que em seus


processos produtivos seja menos danoso ao meio ambiente, envolve também a
necessidade de que ele suplemente ou substitua os alimentos tradicionais de forma
nutritiva satisfatória.
Os insetos comestíveis não só cumprem este papel mas também com grande
superioridade, como demostrado no quadro abaixo confeccionado pelo Zootecnista
Gilberto Schickler para a Biofábrica Nutrinsecta, maior produtor de insetos
comestíveis do Brasil (Figura 9), notando-se esta superioridade (SCHICKLER,
2014).

Figura 9: Comparativo da quantidade de proteínas entre as espécies.

Fonte: (SCHICKLER, 2014 )

Um dos maiores produtores de barras de energia produzidas com carne de


insetos, a empresa Chapul sediada no sudoeste dos Estados Unidos da América,
afirma que os insetos têm 15% a mais de ferro que no espinafre, duas vezes mais
proteínas que no bife bovino e tanta vitamina B 12 quanto no salmão (Figura 10)
(CHAPUL, 2015).

Figura 10: Comparativo nutricional entre espinafre, carne bovina e peixe.

Fonte: (CHAPUL, 2015 )


22

A empresa americana Bitty Flour® (Figura 11) não utiliza em suas receitas as
farinhas tradicionalmente usadas para fazer pães, bolachas e outros salgados, ao
invés disto utiliza uma farinha de grilo o que adiciona um sabor terroso, de noz
proporcionando uma inigualável experiência até aos paladares mais exigentes, além
disto, são ricos em proteínas e afirmam que em um quarto de xícara de farinha de
grilo contém cerca de sete gramas de proteína (BITTY FLOUR, 2015).
Além dos produtos já manufaturados e embalados, a empresa vende também
a farinha para os consumidores utilizarem em suas receitas caseiras, seus biscoitos
são apresentados em três sabores, laranja, gengibre e cardamomo (especiaria da
família do gengibre) com pedaços de chocolate (BITTY FLOUR, 2015).

Figura 11: Pagina eletrônica da empresa Bitty Flour®.

Fonte: (BITTY FLOUR, 2015).

Segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação


(FAO, 2013), diversos estudos bromatológicos comparativos foram realizados com
resultados em termos de nutrientes e principalmente de proteínas, superiores na
carne de insetos, sendo estes resultados amplamente aceitos pela comunidade
acadêmica mundial, apenas num comparativo simples percebe-se a importância dos
insetos como suplementação a dieta de comunidades carentes de fontes proteicas,
o grilo (Gryllus assimilis Fabricius, 1775), por exemplo, apresentou na composição,
23

proteína de 48,76 g/100 g, além de quantidades de cálcio 1.925, 71 mg/kg, zinco


160,41 mg/kg, ferro 74,93 mg/kg, cobre 25,14 mg/kg , magnésio 1.046,59 mg/kg e
manganês 31,85 mg/kg, em termos comparativos a carne bovina apresentou 20,36
g/100g de proteína a menos que a do grilo (SCHICKLER, 2014).
A lista de espécies comestíveis já ultrapassa mais de 1.900 espécies
envolvidas e conforme novos estudos vão surgindo nota-se a importância desta
fonte alimentar para as gerações futuras, surgindo como opção de suplementação
alimentar, fonte de calorias, proteínas, vitaminas e sais minerais, não somente para
aquelas populações cuja utilização já faz parte da cultura, como aquelas que sofrem
com a questão da desnutrição, além de servirem também para a Gastronomia na
medida em que apresenta ao consumidor um paladar exótico (LINASSI; BORGHETI,
2014).

4.5 Consumo de insetos no Brasil

A utilização de insetos para consumo humano no Brasil ainda é pequena.


Apesar das poucas iniciativas, nota-se um crescimento no consumo, principalmente
por diversas comunidades de imigrantes vindos de todas as partes do mundo,
podemos encontrar pupas do bicho-da-seda enlatados (Figura 12), sendo vendidos
em supermercados principalmente na região do Bom Retiro em São Paulo,
geralmente importados da Coréia do Sul.
O bicho-da-seda (Bombyx mori Linnaeus, 1758) é considerado um alimento
tradicional consumido desde a antiguidade. Na China tem sido a principal fonte de
proteína especialmente para as crianças das velhas famílias de agricultores que não
tiveram acesso fácil a outros alimentos tradicionais. Há um velho ditado chinês que
menciona a pupa como pertencente aos trabalhadores, enquanto a seda se faz para
os senhores. (RAMOS-ELORDUY, 1996).
Figura 12: Pupa do Bicho da seda enlatado.

Fonte: (DELA ROSA, 2015)


24

No Brasil, um tipo de inseto bastante apreciado em várias regiões do país é


conhecido popularmente como Tanajura (Atta sexdens rubropilosa Forel, 1908),
fazendo parte da cultura de algumas cidades com festivais anuais denominados
“Festivais da Tanajura” sendo o mais conhecido o do Estado do Ceará na cidade
Tianguá onde virou até mascote do time local de futebol de salão (Figura 13)
(COSTA NETO, 2003).

Figura 13: Tanajura é mascote do time de futebol local.

Fonte: (GLOBO ESPORTE,2014 )

A tanajura se faz presente inclusive na memória do nosso ex-presidente Luís


Inácio Lula da Silva, que em discurso durante a cerimônia de inauguração do
Campus Salgueiro do Instituto Federal do Sertão Pernambuco Salgueiro-PE em 17
de agosto de 2010 disse:

“Nego fala de fome, não fale, porque eu cansei de ver a lombriga maior
comer a menor, roncando dentro da minha barriga. Nego... Fui catador de
tanajura para comer. Não comprava aqueles pacotinhos fritos, não, ia catar
as bichinhas para comer, fritar e comer. Nem todo mundo teria coragem de
comer tanajura. Mas eu sou de um tempo em que a gente matava até
bizunga para comer. Eu falei bizunga, porque o pessoal mais novo não sabe
o que é bizunga, só os mais velhos. Até “beija-fulô”, porque não tinha o que
comer, você fazia... Só saía de manhã, com uma peteca, para caçar, até
borboleta você comia se fosse o caso. O que não faz a fome?” (Reprodução
do texto impresso na coluna de política do Diário de Pernambuco edição de
17 de agosto de 2010)
25

No Estado de São Paulo podemos verificar que o ato de se comer insetos é


tão antigo que um dos escritores brasileiros mais influentes de todos os tempos
Monteiro Lobato em suas cartas ao amigo escritor mineiro Godofredo Rangel,
menciona a Tanajura ou Içá.

“Não és capaz, nunca, de adivinhar o que estou comendo. Estou


comendo.... Tenho vergonha de dizer. Estou comendo um companheiro
daquilo que alimentava S. João no deserto: içá torrado! Sabe, Rangel, que o
içá torrado é o que no Olimpo grego tinha o nome de ambrosia? Está diante
de mim uma latinha de içás torrados que me mandam de Taubaté. Nós,
taubateanos, somos comedores de içás. Como é bom, Rangel! Prova mais
a existência do Bom Deus do que todos os argumentos do Porfírio Aguiar.
Só um ser Onipotente e Onisciente poderia criar semelhante petisco!”
(Reprodução do livro de Monteiro Lobato, A Barca de Gleyre, Trecho I. São
Paulo, 1903)

Monteiro Lobato considerava a tanajura como o caviar do Vale do Paraíba,


uma tradição cultural que foi herdada dos índios brasileiros, um inseto apreciado em
vários cantos do Brasil e alguns países da América Latina com exportações deste
alimento por empresários da região de Santander na Colômbia que chegam a
exportar cerca de 500 quilos por ano para a Inglaterra para serem usados pelo
confeiteiro britânico Tod Dalton em suas receitas contendo também grilos, tenébrios
e escorpiões que depois são exportadas em produtos manufaturados tais como
pirulitos (Figura 14) para outros países, inclusive o Brasil.

Figura 14: Pirulitos com insetos e escorpiões.

Fonte: (HOT LIX, 2015)

Também no vale do Paraíba, região entre leste do Estado de São Paulo e sul
do Estado do Rio de Janeiro onde se situa a cidade de Silveiras, encontra-se o
restaurante do Professor Orcílio Ferraz (Figura 15) que serve a Tanajura em seu
26

restaurante de diversas formas, e as vende congeladas para viagem, seu sabor


característico e único atrai turistas e mídias internacionais, como é o caso do famoso
jornal americano New York Times que em uma edição no ano de 2015, ressaltou
não somente as qualidades nutricionais como outros atributos exóticos tais como
atribuição de poderes afrodisíacos ao consumo da tanajura, apesar de não ter
comprovação científica.
Pelas outras propriedades nutricionais, a Tanajura acabou entrando para a
lista de insetos considerados nutracêuticos, podendo ser utilizados não como drogas
ou alimentos, mas por ter em sua substância de ocorrência natural evidente efeito
benéfico à saúde, sendo utilizada como ingrediente de alimentos específicos,
alimentos funcionais ou suplementos alimentares (COSTA NETO, 2003).

Figura 15: Professor Orcilo Ferraz preparando uma receita a base de tanajura.

Fonte: (NEW YORK TIMES, 2015 )

Outro renomado chef internacional o Francês naturalizado Brasileiro Olivier


Anquier já utilizou em suas receitas os insetos tendo uma receita (Figura 16) à base
de tanajura que conquista até os mais exigentes paladares, em suas viagens
gastronômicas pelo Brasil, Olivier descobriu o tempero regional e utiliza este inseto
como uma iguaria pelo destaque do seu sabor.
27

Figura 16: Receita de farofa de iça do Olivier Anquier.

Fonte: (ANQUIER, 2014 )

Uma tradição indígena que alguns piauenses, paraenses e pernambucanos


conservam é a extração do óleo das larvas do bicho-do-coco (Pachymerus
nucleorum Fabricius, 1792) também popularmente conhecido como gongo, coró e
morotó. Utilizado como ingrediente de vários pratos ou preparado de diversas
formas, somando como contribuição aos que utilizam certas espécies de insetos
comestíveis em suas receitas. Entre eles, pode-se citar desde a graduanda em
Ciências da natureza Anna Helena da Universidade Federal do Piauí, bem como a
nutricionista Neide Rigo nutricionista do Blog Come-se que utiliza o bicho-do-coco
(P. nucleorum), das mais diversas formas e usos, pois além do óleo utiliza-se a larva
do besouro em sua alimentação (Figura 17).

Figura 17: Prato com larva do bicho do coco (Pachymerus nucleorum).

Fonte: (COME-SE, 2015)


28

Além das espécies citadas, criadores Brasileiros estão se adaptando para


atender esta nova e crescente demanda, com iniciativas gastronômicas em eventos
de rua, seminários, restaurantes e food trucks.
Uma das mais tradicionais feiras gastronômicas de São Paulo o mercado
gastronômico do Bom Retiro, contou na edição de 2014 com a presença do chef
Mauricio Santi, especialista em cozinha Tailandesa trazendo em suas receitas, grilos
e larvas de tenébrios (Tenebrio molitor Linnaeus, 1758) (Figura 18) combinadas com
outros tipos de alimentos, atendendo e suplementando de forma adequada e
saborosa os mais exigentes paladares.

Figura 18: Lanche de larva de tenébrios preparada pelo chef Mauricio Santi.

Foto: O autor (2014)

O premiado chef de cozinha Alex Atala do restaurante Dom utiliza formigas


saúva (Figura 19) da região amazônica em seu cardápio ressaltando não suas
qualidades proteicas, mas seu sabor agradável e exótico conquistando críticos,
chefs e clientes de vários países, demonstrando que os insetos podem ser
apreciados não só pelas populações indígenas, mas por todos que apreciam uma
alimentação de qualidade.
Quanto aos preconceitos que possam existir, ele tem argumentos para os
derrubar, segundo Alex Atala, se o mundo tem fazendas dedicadas à produção de
insetos, que são vendidos para fazer rações para animais, também podem ser
oferecidos aos humanos, pois como já mencionado alguns têm dez vezes mais
29

proteína que as carnes tradicionalmente utilizadas em nossa alimentação (PRADO


COELHO, 2014)

Figura 19 : Propaganda do restaurante Dom do chef Alex Atala.

Fonte: (D.O.M, 2015)

Um indicativo de que certos insetos não são prejudiciais à saúde, é a


resolução 14/2014 da agência nacional de vigilância sanitária (ANVISA, 2014) que
estabelece um limite de qualidade permitindo certa quantidade de insetos
comestíveis em produtos industrializados respeitando a proibição de todos aqueles
considerados vetores de doenças (Figura 20).

Figura 20: Insetos comestíveis permitidos em alimentos industrializados.

Fonte: (ANVISA, 2014 )


30

Apesar de não ser destinado à suplementação alimentar para atender


deficiências proteicas, outro exemplo de utilização dos insetos comestíveis que deve
ser destacado é o uso mundial em larga escala (cerca de 300 toneladas por ano), de
Cochonilha carmim (Dactylopius coccus Costa, 1935) na forma dessecada que é
produzida anualmente para produção do corante natural carmim (HENRY,1996).
Fabricado a partir da síntese do ácido carmínico, que é produzido por um
inseto do gênero Dactylopius pertencente à família Dactylopiidae, da ordem
Hemiptera, que se cria em cactáceas, estão presentes em biscoitos, iogurte,
sorvetes, gelatina, leites aromatizados entre outros produtos alimentícios que
utilizam os corantes vermelho 3,4, carmim, chochineal, corante c.i, e colorizante
e.20, o besouro é originário do México sendo descoberto pelos Aztecas e se
espalhou pelo mundo principalmente depois da descoberta da ocorrência de câncer
por utilização de corantes artificiais (ARRUDA, 1983).
O ácido carmínico é o principal constituinte da cochonilha (responsável pelo
poder tintorial do corante), é uma substância sólida, vermelha, solúvel em água, cuja
estrutura consiste de uma unidade de glicose associada a uma antraquinona sendo
considerado um composto toxicologicamente seguro para ser utilizado em alimentos
(FRANCIS, 1996).
Sua principal função é colorir alimentos como sucos, sorvetes, balas,
biscoitos, refrigerantes, iogurtes e uma infinidade de itens (Figura 21) a fim de deixá-
los mais atraentes aos consumidores, cabe ressaltar que os corantes artificiais não
agregam valor nutritivo aos alimentos e pesquisas recentes os relacionam a alguns
tipos de câncer. Já os naturais a exemplo do obtido através de insetos, podem ter
valor nutricional e apresentam um amplo espectro de propriedades farmacológicas,
como antioxidante e antipirético, propriedades estas principalmente pela presença
da antraquinona, além de serem capazes se consumidos de forma moderada,
prevenir o risco de doenças cardiovasculares, câncer, diabetes, cataratas, entre
outras (HENRY, 1996).
Originário do México e com distribuição mundial, é produzido na África, Ásia,
Europa e nas Américas sendo os principais produtores encontrados no Peru,
México, Bolívia, Chile e Espanha (Ilhas Canárias), sendo que o Peru é o seu maior
produtor mundial.
É considerado um ingrediente tão seguro, que tem sua liberação para uso
alimentício em todos os países do planeta e vem sendo utilizado desde os
31

primórdios da humanidade inclusive com relatos bíblicos do uso da cochonilha nos


lábios pelas mulheres, por volta de 700 anos antes de Cristo (MARMION,1991).

Figura 21: Alimentos e batom com corante carmim.

Fonte: (FOODSAFETYBRAZIL;PORTAL2013, 2015 )

Algumas iniciativas começam a ganhar força, biofábricas ou grandes


criadores de insetos começam a se estabelecer no país e em maio de 2015 é
iniciado o processo de criação da primeira entidade representativa destes criadores
a ASBRACI, Associação Brasileira dos Criadores de Insetos, contando inicialmente
com 17 associados dentre eles nomes de renome e reputação internacional tais
como Eraldo Medeiros Costa Neto, Professor da Universidade Estadual de Feira de
Santana e Autor do Livro Antropoentomofagia, Insetos na alimentação humana;
Gilberto Schiclker zootecnista ícone na criação de insetos e cofundador da bio
fábrica Nutrinsecta; Rossano Linassi renomado chef internacional e professor de
gastronomia do Instituto Federal de Santa Catarina; João Luiz Pisa Agrônomo
formado pela FCA - Unesp Botucatu criador da mosca Soldado Negro (Illucens
hermetia Linnaeus 1758) para nutrição animal; Casé Oliveira Gestor ambiental e
graduando em Ciências Biológicas (autor deste trabalho) bem como Doutores,
Professores e outros criadores.
Autores como Eraldo Medeiros (2003) e Ramos Elorduy (1996) concluíram
que a dieta somente a base de insetos não é recomendada, pois como em outras
fontes alimentares não atendem as necessidades nutricionais diárias
(SCHINCKLER, 2015).
32

Para que esta necessidade seja atendida, é necessário combinar os


alimentos, e para cada região do planeta seus habitantes os combinam de diferentes
formas, hábitos alimentares, culturas e disponibilidade das fontes são fatores
determinantes para esta combinação.
Quanto aos insetos comestíveis, além das vantagens ao meio ambiente suas
características nutricionais variadas fazem com que seja uma excelente opção para
suplementar e completar os nutrientes ausentes em outros alimentos
(SCHINCKLER, 2015).

4.6 Maiores consumidores

Os insetos comestíveis são de grande importância para certas culturas, sendo


consumidos de modo habitual em 102 países de cinco continentes, os maiores
consumidores mundiais são os asiáticos, africanos e mexicanos, do total das 1745
espécies consumidas em todo o mundo, apesar dos maiores consumidores serem
das regiões mais pobres, eles os consomem não pelo fato de não terem acesso a
outros tipos de alimentos, mas porque são muito saborosos. Na América Latina são
encontrados em maior variedade, com 699 espécies, somente no México foram
reportados 241 gêneros de 13 ordens, com dominância dos coleópteros
representados com um número de 66 espécies (RAMOS-ELORDUY, 1996).
Esta variedade de insetos presente na alimentação destas populações
demonstra a riqueza deste tipo de fonte alimentar (RAMOS-ELORDUY, 1996).
A África, lidera em número de consumidores com 36 países, seguida da Ásia
com 29, Américas (23), Oceania (14), e Europa (11), (Figura 22) quanto aos tipos
mais consumidos e forma de utilização, sabe-se que a grande maioria dos povos
utiliza em sua dieta normal diária ou como iguaria somada as mais variadas receitas
(RAMOS-ELORDUY, 1996).
33

Figura 22: Numero de países consumidores de insetos por continente.

Fonte: (RAMOS-ELORDUY, 2015).

Sabe-se que inúmeras culturas ao redor do mundo comem insetos sendo que
80% destas populações estão concentradas nos trópicos (COSTA NETO, 2003).
Na África, se destacam as lagartas mopane no estágio larval da mariposa
imperador (Imbrasia belina Westwood, 1849), comuns em toda a parte sul da África,
onde a colheita representa milhões de dólares para as indústrias da região, são
tradicionalmente cozidas em água e sal, em seguida, secas ao sol podendo durar
vários meses sem refrigeração, tornando-as uma importante fonte de nutrição para
utilização futura, além de proteína é encontrada em sua composição ferro em maior
quantidade 31 mg por 100 gramas de peso seco, seguida de quantidades relevantes
de potássio, sódio, cálcio, fósforo, magnésio, zinco, manganês e cobre, na África do
Sul os gafanhotos (Figura 23 ) são adicionados de forma complementar em crises
proteicas ao mingau de milho, em Gana na África Ocidental, cupins são um prato
popular durante a estação das chuvas e são preparados em uma grande variedade
de formas, geralmente consistem em até 38% de proteína, sendo também ricos em
ferro, cálcio, ácidos graxos essenciais e aminoácidos, tais como o triptofano, já como
uma iguaria entre muitas tribos africanas, o gorgulho de palma (Rhychophorus
phoenicis Fabricius,1801) é encontrado nos troncos das palmeiras sendo uma
excelente fonte de vários nutrientes como potássio, zinco, ferro e fósforo, bem como
vários aminoácidos e ácidos graxos monoinsaturados e poliinsaturados saudáveis
(FAO, 2013).
34

Figura 23: Africanos de Benin mostrando insetos capturados.

Fonte: (BUGS FOR LIFE, 2014)

Em alguns países da Ásia, insetos podem ser encontrados, desde gafanhotos


e besouros gigantes fritos, como petiscos para acompanhar a cerveja em bares
locais da Tailândia, até percevejos (Hemipteras) que são consumidos em toda a
Ásia e apresentam uma rica fonte de nutrientes importantes, incluindo proteína,
ferro, potássio e fósforo, sendo torrados ou embebidos em água e seco ao sol
(COSTA NETO, 2003).
Na Oceania entre os povos aborígines da Austrália, o “Witchetty Grub” é um
termo usado para as larvas comestíveis de várias mariposas, especialmente à larva
da mariposa (Endoxyla leucomochla Turner, 1915), que se alimenta das raízes do
arbusto Acacia kempeana, encontrado na Austrália central, é um alimento básico,
quando comidos crus, as larvas tem gosto de amêndoas e quando cozidas
levemente em brasa, a pele torrada desenvolve uma ótima textura e sabor de
frango assado, além de estar repleto de ácido oleico, ômega-9 e gordura
monoinsaturada, suas larvas são colhidas do subsolo, onde eles se alimentam de
raízes de árvores australianas, tais como eucalipto e árvores de acácia negra, são
tão importantes para a cultura local que aparecem como atrativo turistico em postais
(Figura 24), outra iguaria muito apreciada é a formiga do mel (Camponutus inflatus
Lubbcok,1880 e Melophorus bagoti Lubbcok, 1883) (CONWAY, 1994).
35

Figura 24: Postal Autraliano com o Witchetty Grub.

Fonte: (EBAY, 2015)

Nos paises da Europa e Norte América, devido ao longo histórico de estigma


quanto ao tema, não é comum comer insetos, porém recentemente há uma
utilização dos insetos como ingredientes nas mais diversas receitas como estratégia
para a popularização a exemplo da farinha de grilo em biscoitos, na Bélgica são
encontrados em festivais gastronômicos canapés confeccionados com grilos e
gafanhotos com cobertura de queijo, na Holanda a Universidade de Wageningen,
liderou os estudos sobre a utilização de insetos para ração animal e humana sendo
o país pioneiro neste tipo de pesquisa na Europa (SCHICKLER, 2014).
Na cidade de Waningen os insetos, principalmente tenébrios e grilos já são
matéria prima para ser utilizada como ração animal, o novo produto recebeu total
apoio do setor público e privado, que visa diminuir a importação do farelo de soja,
usada na ração animal outro como destino que entraria de forma indireta na
alimentação humana, o país é um grande produtor de suínos e aves, e agora
também reconhecido pela produção de insetos, possui 18 empresas que juntas
fabricam uma tonelada de larvas por dia, com uma pequena parcela desta produção,
principalmente de larvas de besouros (Alphitobius Diaperinus Panzer, 1797),
(Tenebrio molitor Linnaeus, 1758) e grilos (Locusta migratoria Fairmaire & L.J.Reiche
36

1849) sendo destinada para consumo humano (Quadro 2) como iguaria tanto em
supermercados e restaurantes locais, como exportados para outros países da
Europa (BRINGSKEN, 2014).

Quadro 2: Produção de insetos para consumo humano nos países baixos.

Nome científico Estágio consumido Quantidades produzidas


Tenebrio molitor (Linnaeus, 1758) Larval 1.500 quilos/ano
Alphitobius diaperinus (Panzer, 1797) Larval 1.000 quilos/ano
Locusta migratoria Linnaeus, 1758 Adulto 45 quilos/ano

Fonte: ( VAN HUIS, 2013)

Na América Latina o México desponta como um dos maiores consumidores,


onde pode-se encontrar desde a larva de agave colocado propositalmente dentro da
bebida Mezcal, que na verdade é a melhor maneira de saber o estado da bebida, se
o verme estiver preservado é um indicador de que o nível de álcool é alto e o líquido
está apto para consumo, outra forma de utilização das larvas são fritas ou assadas
acrescidos de alho e pimentas, chapulines (gafanhotos) e escamoles (ovos de
formigas) como opções em carrinhos de taco nas ruas de quase todo o país, os
chapulines (Figura 25) são gafanhotos do gênero (Sphenarium purpurascens
Charpentier,1845) e são amplamente consumidos em todo o sul do México, muitas
vezes servidos assados aromatizados com alho, suco de limão e sal, guacamole e
tortilhas de milho ou trigo com pimenta em pó seca, como também dá a população
local uma fonte extra de nutrição e renda, com a venda dos gafanhotos. Já na
Venezuela a espécie de cupim (Syntermes aculeosus Holmgren, 1909) bastante
consumida é composta por 64% de proteína (COSTA NETO, 2013).
37

Figura 25: Posto de Chapulines em Oaxaca, México.

Fonte: (GB CONSULTORES DEL MEXICO, 2015)

O Brasil não aparece na lista da FAO como um grande consumidor, sabe-se


que os insetos consumidos no país, são provenientes de costumes indígenas ou
como iguarias tais como a tanajura, algumas espécies de formigas, o bicho do coco,
o bicho das palmeiras (Rhynchophorus palmarum Linnaeus,1792) e por iniciativas
de entomologistas, criadores, chefes de cozinha, ambientalistas e outros, sendo
oferecidos os tenébrios, grilos, gafanhotos e baratas cinérea para alimentação
humana, fomentando um novo tempo nos hábitos alimentares dos Brasileiros.

4.7 Principais grupos

Em estudos relacionados aos principais gupos de insetos comestíveis, nota-


se que o hábito de comer insetos remonta desde os primórdios da humanidade
confirmados através de fósseis, sendo o mais importante deles o Lucy (nome dado
pelo descobridor) um Australopithecus afarensis Donald Johanson,1974, que viveu
na África oriental há aproximadamente de 2,9 a 3,9 milhões de anos, concluindo-se
no estudo deste fóssil através do método de isótopos de carbono que a dieta
principal dos Australopithecus era composta de frutas e pequenos insetos (VAN
DER, 1978).
Em períodos mais recentes, cerca de 1200 anos antes de cristo, já com o uso
da escrita pelos povos árabes, obeservam-se registros do uso de insetos como
alimento. O chamando de maná consistia de alimento obtido da excreção da
38

cochonilha mannipara Trabutina onde indivíduos de fêmeas eliminavam um líquido


açucarado sobre determinadas folhas que secava e formava camadas adocicadas.
No Oriente Médio, a população recolhia esta excreção doce de cochonilhas
que se alimentavam de tamargueira (Tamarix mannifera Kotschy ex Bunge, 1852),
provavelmente o maná descrito no Antigo Testamento da Bíblia dos Cristãos
(HARTMAN, 1996).
O ato de alimentar-se de insetos, varia muito e é influenciada pela história,
cultura e sociedade, sendo que na maioria dos países em desenvolvimento, os
insetos são consumidos principalmente por herança de tradições indígenas e
populações de baixa renda, o que demonstra representarem uma fonte econômica
para obtenção de proteína animal (RAMOS-ELORDUY, 1996), com raras exceções
onde são consumidos como verdadeiras iguarias ou manjares a exemplo da pupas
formiga mexicana ("escamole") consumida como petiscos, um mix de insetos
consumido frito nas ruas da Tailândia e todos aqueles utilizados na alta gastronomia
atual (VAN HUIS, 2013).
Devido ao histórico da origem da entomofagia, nota-se que o maior número
de países consumidores está situado justamente onde se originaram as populações
mais antigas e depois se espalhando pelo mundo com a ocupação de outras partes
do planeta por parte do homem.
Porém em termos de biodiversidade outros países se destacam e como
mencionado anteriormente, na América Latina são encontrados em maior variedade,
com 699 espécies, somente no México foram reportados 241 gêneros de 13 ordens,
com dominância dos coleópteros representados com um número de 66 espécies.
(COSTA NETO, 2003).
Em ordem de dominância mundial, os coleópteros levam grande vantagem e
são os mais consumidos com 468 espécies (Quadro 3).
39

Quadro 3: Ordens, nomes populares e nº de espécies consumidas mundialmente.

Ordem Nome popular Número de espécies


Coleoptera Besouros 468
Hymenoptera Formigas, abelhas e vespas 351
Orthoptera Grilos, Gafanhotos e Baratas 267
Lepdoptera Mariposas e Borboletas 253
Hemíptera Percevejos 101
Homoptera Cigarras, cochonilhas 73
Isoptera Cupins 39
Diptera Moscas e mosquitos 33
Odonata Libélulas 20
Ephemeroptera Eferméridas 17
Trichoptera Tricópteros 5
Neuroptera Formigas leão 4
Thysanura Traças 1
Anoplura Piolhos 3

Fonte: (COSTA NETO, 2013)


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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os insetos comestíveis representam uma esperança para a segurança


alimentar não só garantindo as fontes de nutrientes necessários, como também
contribuindo para um uso mais racional dos recursos ambientais trazendo a certeza
de um futuro ambientalmente sadio.
Muito são os países que culturalmente já consomem insetos como um recurso
alimentar, e muitos começam a vê-los como um recurso renovável e natural,
provendo que se trata de um bom caminho para um futuro ambientalmente sadio e
equilibrado. Inclusive no Brasil, já se conta com a presença dos insetos na
alimentação humana.
Desta forma, o Brasil desponta como um excelente campo para a criação de
insetos comestíveis, devido ao seu clima e umidade com vantagens produtivas
maiores que outros países que precisam controlar a temperatura e umidade em
complexas estruturas encarecendo o processo produtivo.
Como para todo alimento destinado à alimentação humana, são necessários
amplos estudos e cuidados com a origem e tipo que se pretende comer, além de
compreender que uma dieta baseada apenas em insetos não supre nossas
necessidades nutricionais.
Por suas características menos nocivas ao meio ambiente e diversidade de
ocupação ambiental permitirão que sejam utilizados em todo o globo terrestre, não
apenas por costume cultural, mas como importante fonte nutricional.
41

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