Na filosofia, a lógica da ex-versão pretende mudar o modo como
apreendemos a realidade no mundo ocidental. Ela postula a prática fictícia de um “giro de 360° filosófico”, onde o intuito não seria produzir algo, mas sim repensar as coisas e recolocar os questionamentos já calcados em nossa cultura. Desta forma, a filosofia não teria uma utilidade prática ou concreta na vida, mas produziria uma mudança e uma reconstrução do modo de pensar. Como já foi visto, é correto afirmar que a cultura ocidental se baseia em polaridades valorativas, as quais supõem a existência de versões e de inversões. Nesta perspectiva, o mundo seria apreendido a partir de dualismos hierárquicos, os quais estariam subentendidos dentro das oposições de valores pré-estabelecidos pelos homens. Cabe ao estudo filosófico, portanto, repensar essas dualidades e desconstruir essas premissas, ampliando a compreensão da existência humana e do mundo. Posto isso, ressalta-se que a análise da história da arte será feita partindo do pressuposto filosófico da ex-versão. A abordagem será iniciada com as postulações dos filósofos clássicos Platão, Sócrates e Aristóteles. Sobre isso, é importante lembrar que Sócrates não deixou nada escrito e suas problematizações estão expostas apenas dentro dos diálogos de Platão. A grande ambição socrática foi o questionamento e a promoção de inquietações, sem suscitar respostas objetivas. Assim, nos diálogos platônicos com Sócrates não existem conclusões; ao contrário, ao final deles, sempre é mostrado que nós, seres humanos, não temos explicações lógicas para a maioria dos problemas filosóficos. Sobre a apreensão da arte dentro da teoria platônica, cabe relembrar que ele define esta esfera como sendo a “cópia da cópia”. Isto ocorre porque, segundo a Teoria das Formas - mais conhecida através do Mito da Caverna-, a arte seria uma mera imitação da realidade objetiva que vivemos e vemos. Esta, por sua vez, seria uma reprodução infiel da realidade metafísica e do verdadeiro mundo a qual não temos acesso na prática. Portanto, a imitação (mimesis) daquilo que existe na realidade concreta não passaria de uma engabelação prejudicial à justa compreensão do mundo. Na obra A República, Platão aborda, dentre outros temas, o papel da arte e dos artistas dentro da vida social. No livro, o filósofo descreve o funcionamento de uma sociedade utópica, de uma “cidade perfeita”. Nesta direção, ele aponta a ideia de que todos os indivíduos têm funções específicas no funcionamento perfeito da cidade. Haveria, portanto, um equilíbrio onde todas as necessidades seriam atendidas e todos os homens viveriam plenamente. Dentro deste cenário, Platão concebe o artista como um indivíduo inútil, pois este não teria uma função benéfica dentro da República. Sendo assim, aquele que vivesse da arte seria um copiador e um entusiasta de uma vida pautada na mentira. Neste aspecto, os artistas seriam desnecessários para o funcionamento correto da cidade e deveriam ser excluídos. Portanto, para manter o equilíbrio e a saúde da sociedade seria necessário expulsar a arte. Aprofundando este raciocínio, Platão postula que os artistas seriam indivíduos perigosos, pois se afastariam da verdade e provocariam um desequilíbrio dentro da vida social. Segundo o filósofo, a cópia pressupõe uma inferioridade e, por isso, os homens que reproduzissem esta ideia estariam restringindo a potência do mundo. Nesta perspectiva, Platão afirma que o artista construiria fantasmas de um mundo que já é fantasma de outro mundo. Por conseguinte, o filósofo teoriza sobre a necessidade da criação de um sentimento de apatia entre os homens. Para o funcionamento perfeito da cidade, deveria haver uma libertação das paixões humanas e uma exaltação extrema à racionalidade. Assim, a arte seria novamente um entrave, pois ela seria originada e influenciada pelos afetos – os quais seriam indesejados e perigosos, devendo ser extintos em prol da racionalidade humana. Para contrapor Platão, surge a noção de Aristóteles sobre o papel da arte. Há o compartilhamento da ideia de que a arte é mimesis, mas a tese aristotélica supõe que há nela também um caráter verdadeiro e moral. Nesta perspectiva analítica, não seria correto extinguir a arte, mas sim elogiá-la e incentivá-la dentro da vida social. Em seguida, Aristóteles enumera outros fatores para combater a noção platônica sobre a arte. Dentre elas, há a ideia de que qualquer imitação não deve ser vista como uma mera reprodução inferior, pois já antevê a existência de criatividade e, por isso, não pode ser ignorada. Além disso, Aristóteles afirma que faz parte da natureza humana imitar e criar, ou seja, não somos apenas formados pelo lado racional como pressupõe Platão. Por último, o filósofo fala do prazer da arte em paralelo ao prazer do conhecimento - este visto como a descoberta da verdade. Neste ponto, Aristóteles diz que ao ver uma obra de arte também há conhecimento e aprendizado, mesmo que não haja a verdade concebida pela teoria platônica, e isso também proporcionaria prazer à vida dos homens. Deste modo, nota-se que na leitura aristotélica, a arte seria necessária na sociedade, pois, a partir dela, seria possível viver sentimentos e emoções. Haveria, portanto, uma função edificante dessa esfera na vida dos homens. Assim, é correto dizer que o artista traria conhecimento e contribuiria também para o bom funcionamento da cidade. É importante lembrar que, na metafísica de Platão, a “luz” e a verdade seriam exteriores ao homem, isto é, não estaria ao alcance humano. A nós caberia apenas a racionalidade para apreender esta condição. Enquanto isso, para Aristóteles, a capacidade de representar suas emoções também seria algo benéfico, algo necessário aos homens além da esfera racional. Entretanto, é válido sublinhar que a perspectiva aristotélica não leva em conta a periculosidade deste fato, qual seja a de instabilizar e desequilibrar a apreensão da vida. Este descompromisso com a imprevisibilidade da arte é um dos pontos fracos da teoria de Aristóteles. Em suma, observamos que não há um consenso ou uma conclusão sobre o papel e o lugar da arte no funcionamento da cidade. Com efeito, talvez este não seja o melhor modo de trabalhar a questão artística, pois não nos é possível chegar a uma resolução concreta. O correto seria, portanto, recolocar esta questão a partir de sua base, repensando os pressupostos já estabelecidos. Fazendo isso, estaremos aplicando a lógica da ex-versão e reconstruindo as noções clássicas para criarmos uma nova maneira de apreender a história da arte.