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“Introdução à filosofia da arte”

Charles Feitosa

Resumo da 2ª aula

Na filosofia, a lógica da ex-versão pretende mudar o modo como


apreendemos a realidade no mundo ocidental. Ela postula a prática fictícia de
um “giro de 360° filosófico”, onde o intuito não seria produzir algo, mas sim
repensar as coisas e recolocar os questionamentos já calcados em nossa
cultura. Desta forma, a filosofia não teria uma utilidade prática ou concreta na
vida, mas produziria uma mudança e uma reconstrução do modo de pensar.
Como já foi visto, é correto afirmar que a cultura ocidental se baseia em
polaridades valorativas, as quais supõem a existência de versões e de
inversões. Nesta perspectiva, o mundo seria apreendido a partir de dualismos
hierárquicos, os quais estariam subentendidos dentro das oposições de valores
pré-estabelecidos pelos homens. Cabe ao estudo filosófico, portanto, repensar
essas dualidades e desconstruir essas premissas, ampliando a compreensão da
existência humana e do mundo.
Posto isso, ressalta-se que a análise da história da arte será feita
partindo do pressuposto filosófico da ex-versão. A abordagem será iniciada
com as postulações dos filósofos clássicos Platão, Sócrates e Aristóteles. Sobre
isso, é importante lembrar que Sócrates não deixou nada escrito e suas
problematizações estão expostas apenas dentro dos diálogos de Platão.
A grande ambição socrática foi o questionamento e a promoção de
inquietações, sem suscitar respostas objetivas. Assim, nos diálogos platônicos
com Sócrates não existem conclusões; ao contrário, ao final deles, sempre é
mostrado que nós, seres humanos, não temos explicações lógicas para a
maioria dos problemas filosóficos.
Sobre a apreensão da arte dentro da teoria platônica, cabe relembrar
que ele define esta esfera como sendo a “cópia da cópia”. Isto ocorre porque,
segundo a Teoria das Formas - mais conhecida através do Mito da Caverna-, a
arte seria uma mera imitação da realidade objetiva que vivemos e vemos. Esta,
por sua vez, seria uma reprodução infiel da realidade metafísica e do
verdadeiro mundo a qual não temos acesso na prática. Portanto, a imitação
(mimesis) daquilo que existe na realidade concreta não passaria de uma
engabelação prejudicial à justa compreensão do mundo.
Na obra A República, Platão aborda, dentre outros temas, o papel da arte
e dos artistas dentro da vida social. No livro, o filósofo descreve o
funcionamento de uma sociedade utópica, de uma “cidade perfeita”. Nesta
direção, ele aponta a ideia de que todos os indivíduos têm funções específicas
no funcionamento perfeito da cidade. Haveria, portanto, um equilíbrio onde
todas as necessidades seriam atendidas e todos os homens viveriam
plenamente.
Dentro deste cenário, Platão concebe o artista como um indivíduo inútil,
pois este não teria uma função benéfica dentro da República. Sendo assim,
aquele que vivesse da arte seria um copiador e um entusiasta de uma vida
pautada na mentira. Neste aspecto, os artistas seriam desnecessários para o
funcionamento correto da cidade e deveriam ser excluídos. Portanto, para
manter o equilíbrio e a saúde da sociedade seria necessário expulsar a arte.
Aprofundando este raciocínio, Platão postula que os artistas seriam
indivíduos perigosos, pois se afastariam da verdade e provocariam um
desequilíbrio dentro da vida social. Segundo o filósofo, a cópia pressupõe uma
inferioridade e, por isso, os homens que reproduzissem esta ideia estariam
restringindo a potência do mundo. Nesta perspectiva, Platão afirma que o
artista construiria fantasmas de um mundo que já é fantasma de outro mundo.
Por conseguinte, o filósofo teoriza sobre a necessidade da criação de um
sentimento de apatia entre os homens. Para o funcionamento perfeito da
cidade, deveria haver uma libertação das paixões humanas e uma exaltação
extrema à racionalidade. Assim, a arte seria novamente um entrave, pois ela
seria originada e influenciada pelos afetos – os quais seriam indesejados e
perigosos, devendo ser extintos em prol da racionalidade humana.
Para contrapor Platão, surge a noção de Aristóteles sobre o papel da
arte. Há o compartilhamento da ideia de que a arte é mimesis, mas a tese
aristotélica supõe que há nela também um caráter verdadeiro e moral. Nesta
perspectiva analítica, não seria correto extinguir a arte, mas sim elogiá-la e
incentivá-la dentro da vida social.
Em seguida, Aristóteles enumera outros fatores para combater a noção
platônica sobre a arte. Dentre elas, há a ideia de que qualquer imitação não
deve ser vista como uma mera reprodução inferior, pois já antevê a existência
de criatividade e, por isso, não pode ser ignorada. Além disso, Aristóteles
afirma que faz parte da natureza humana imitar e criar, ou seja, não somos
apenas formados pelo lado racional como pressupõe Platão. Por último, o
filósofo fala do prazer da arte em paralelo ao prazer do conhecimento - este
visto como a descoberta da verdade. Neste ponto, Aristóteles diz que ao ver
uma obra de arte também há conhecimento e aprendizado, mesmo que não
haja a verdade concebida pela teoria platônica, e isso também proporcionaria
prazer à vida dos homens.
Deste modo, nota-se que na leitura aristotélica, a arte seria necessária
na sociedade, pois, a partir dela, seria possível viver sentimentos e emoções.
Haveria, portanto, uma função edificante dessa esfera na vida dos homens.
Assim, é correto dizer que o artista traria conhecimento e contribuiria também
para o bom funcionamento da cidade.
É importante lembrar que, na metafísica de Platão, a “luz” e a verdade
seriam exteriores ao homem, isto é, não estaria ao alcance humano. A nós
caberia apenas a racionalidade para apreender esta condição. Enquanto isso,
para Aristóteles, a capacidade de representar suas emoções também seria algo
benéfico, algo necessário aos homens além da esfera racional.
Entretanto, é válido sublinhar que a perspectiva aristotélica não leva em
conta a periculosidade deste fato, qual seja a de instabilizar e desequilibrar a
apreensão da vida. Este descompromisso com a imprevisibilidade da arte é um
dos pontos fracos da teoria de Aristóteles.
Em suma, observamos que não há um consenso ou uma conclusão sobre
o papel e o lugar da arte no funcionamento da cidade. Com efeito, talvez este
não seja o melhor modo de trabalhar a questão artística, pois não nos é
possível chegar a uma resolução concreta. O correto seria, portanto, recolocar
esta questão a partir de sua base, repensando os pressupostos já
estabelecidos. Fazendo isso, estaremos aplicando a lógica da ex-versão e
reconstruindo as noções clássicas para criarmos uma nova maneira de
apreender a história da arte.

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