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Resenha:

Do Autor: Kant, Immanuel - Do livro: Crítica da Razão Pura (1781) – Do texto:


Prefácio à Segunda Edição (1787) e Do Autor: Kant, Immanuel – e Do livro:
Prolegómenos a toda metafísica futura: que queira apresentar-se como ciência
(1783) – Do texto: Introdução – Da tradução: Arthur Mourão - Edições 70
(Lisboa).

Compondo-se esta de dois textos de dois livros advindos do mesmo autor,


Immanuel Kant (1724-1804) 1, o prefácio à segunda edição de Critica da razão
pura, é de difícil leitura para pesquisadores iniciantes, com longos períodos,
poucas vírgulas e muitos parênteses, talvez pela dificuldade de sua tradução
original, ou mesmo a intensidade emocional de mostrar algo tão importante (e
realmente foi) para as ciências até então concebidas. A sua compreensão
necessita pesquisas e leituras paralelas, para seu entendimento quanto ao
posicionamento do autor, com referência a sua localização cronológica em
nossa história, e o seu posicionamento e Critica, a partir da evolução das
ciências com as principais correntes de grandes pensadores e os primórdios da
filosofia. Com relação à introdução da obra Prolegômenos a toda a metafísica
futura, embora seu tradutor advirta ter seguido o tom e sabor dos originais,
conservando a “difícil tessitura” Kantiana, julgo mais fácil sua compreensão, até
mesmo porque o objetivo de Kant nesta obra era atingir não aos principiantes,
mas os futuros docentes do qual me incluo neste hall.

No prefácio à segunda edição, de Crítica da Razão Pura, o autor ao iniciar sua


primeira sentença, já nos provoca: “Se a elaboração dos conhecimentos
pertencentes ao domínio da razão segue ou não o caminho seguro de uma
ciência, é julgável logo a partir do resultado”, mostrando em seguida que desde
tempos remotos, a Lógica de Aristóteles não se deu qualquer passo para trás
ou adiante, mostrando-se “ao que tudo indica” completa e acabada citando: “O

1
Magalhães, Gildo, Introdução á Metodologia da pesquisa (2005, p 67) no cap. A classificação
do conhecimento pela “critica da razão”, descreve um breve histórico bibliográfico de Immanuel
Kant.
1
limite da lógica, porém acha-se determinado bem precisamente por ser uma
ciência que expõe detalhadamente e prova rigorosamente nada mais que as
regras formais de todo o pensamento” e mostra seu sucesso pela sua
limitação, onde nela mesma, se encontra a abstração de todos os objetos do
conhecimento bem como das suas diferenças; nela está seu entendimento e
sua forma. Já para a Razão é naturalmente mais difícil iniciar o caminho seguro
da ciência e assim como na própria lógica, aqui também se faz necessário, a
procura do mesmo.

“Na medida em que deve haver razão nas ciências, algo tem que ser conhecido
nelas a priori” 2, referindo-se de dois modos ao seu objeto, sendo o primeiro o
conhecimento teórico e o segundo o conhecimento prático da razão, onde com
a parte pura de ambos, a razão determina o seu objeto de modo
completamente a priori, exposta sozinha, sem mesclar com outras fontes.
Como exemplo o autor mostra a Matemática como conhecimento teórico da
razão inteiramente puro ao determinar seus objetos a priori. Já a Física,
mostra-se pelo menos em parte puro, pois toma ainda como medida outras
fontes de conhecimento que não as da razão.
Kant mostra os caminhos da matemática alcançados pela história da razão
humana desde os tempos mais remotos, mostrando uma revolução
inesquecível na maneira de pensar. Quanto à ciência da natureza, esta se
mostra mais lenta no caminho das ciências e cita, sem se preocupar com a
cronologia histórica do método experimental, a evolução dos princípios do
empirismo de Francis Bacon, as experiências das esferas de Galileu, a pressão
atmosférica de Torricelli ou os metais transformados em cal e vise-versa de
Georg Stahl, como uma revelação aos pesquisadores da natureza, dando

2
Segundo Serra, Geraldo (2006, p12), “Loke e Hume entendiam que não existe nada em
nossa mente que não tenha passado pelos nossos sentidos. Mas Kant acreditava que existiam
em nossa mente certos conhecimentos que ele chamava a priori, ou seja, independentes da
experiência, e que por trás dos fenômenos que podem ser conhecidos, existe uma realidade: “a
coisa em si” (ding in sich), à qual não se tem acesso. Por estes exemplos, verifica-se que a
cognoscibilidade do mundo não é algo indiscutível e perfeitamente assentado”.

2
conta que a razão só compreende o que ela mesma produz, segundo seus
projetos e leis constantes obrigando a natureza a responder a suas perguntas,
sem se deixar conduzir por ela. E assim a ciência da natureza foi pela primeira
vez posta no caminho seguro, diferente da Metafísica, que através de simples
conceitos (não como a Matemática, aplicando os mesmos à intuição) se eleva
completamente acima da experiência, embora mais antiga do que todas as
demais. ”Pois a razão emperra continuamente na Metafísica, mesmo quando
quer dar-se conta a priori (como se arroga) daquelas leis confirmadas pela
experiência mais comum. [...] Seu procedimento constitui até hoje, sem dúvida
alguma, um mero tatear e, o que é pior, entre meros conceitos”.
Kant cita a necessidade de uma nova determinação, da relação entre sujeito e
objeto de conhecimento: “Até agora se supôs que todo nosso conhecimento
tinha que se regular pelos objetos”; mas como “todas as tentativas de mediante
conceitos, estabelecer algo a priori sobre os mesmos [...] fracassaram sob esta
pressuposição”, a saída só pode ser a inversão dessa relação, ou seja, admitir
que “os objetos têm que se regular pelo nosso conhecimento”. É neste ponto
que Kant faz uso do “pensamento Copérnico” que, ao perceber que pouco
adiantava na explicação dos movimentos celestes, admitindo que todo o
exército de astros, girava em torno do expectador, tentou ver se não seria mais
bem-sucedido se deixasse o expectador mover-se e, em contrapartida, os
astros em repouso. Na Metafísica tentando algo similar, “não vejo como se
poderia saber algo a priori“, se a intuição tivesse que se regular pela natureza
dos objetos.
O objetivo desta crítica da razão pura especulativa, onde o autor estende-se
neste prefácio, consiste na tentativa de transformar o procedimento tradicional
da Metafísica e promover através disso, uma completa revolução na mesma,
segundo os exemplos dos geômetras e investigadores da natureza, “pois
nenhum principio pode ser tomado com segurança numa relação sem ter sido
ao mesmo tempo investigado na sua relação universal com todo o uso puro da
razão”. O autor não pode, portanto, sequer admitir Deus, liberdade e
imortalidade com vistas ao uso prático necessário da sua razão, sem ao
mesmo tempo tirar da razão especulativa, esta pretensão às visões
transcendentes, tendo assim, que suprimir o saber para obter lugar à fé, e o
3
dogmatismo da Metafísica com o preconceito de não progredir nela sem a
Crítica da razão pura. Esta mudança não atinge o interesse humano geral, mas
sim, “as arrogantes pretensões das escolas que gostariam de se considerar
aqui (como com direito em muitos outros pontos) os únicos conhecedores e
guardiães de tais verdades, das quais comunicam ao público apenas o uso,
porém conservando a chave delas apenas para si [...] Só mediante esta crítica
podem ser cortados pela raiz o materialismo, o fatalismo, o ateísmo, a
incredulidade dos livres-pensadores, o fanatismo e a superstição que podem
tornar-se prejudiciais em geral, e por fim também, o idealismo e o ceticismo,
que são mais perigosos para as escolas e dificilmente passam ao público”.
A Crítica, afirma Kant, não se opõe ao procedimento dogmático da razão no
seu conhecimento puro como ciência, mas ao dogmatismo com seu
procedimento dogmático da razão pura, sem uma crítica precedente da sua
própria capacidade. “A Critica é antes uma instituição provisória necessária
para promover uma Metafísica fundamental como ciência que precisa ser
desenvolvida de modo necessariamente dogmático e sistemático segundo a
mais rigorosa exigência”, determinando conceitos claros, princípios conforme
leis, rigor nas demonstrações, evitando saltos temerários em suas conclusões.
Na introdução de Prolegômenos a toda metafísica futura, Kant chama a
atenção aos letrados que fazem da sua filosofia apenas a história da filosofia, e
que os presentes prolegômenos não são escritos para eles, pois “parece
ridículo que, enquanto todas as outras ciências progridem continuamente, ela
(metafísica) ande constantemente às voltas no mesmo lugar, sem avançar um
passo, ela que quer ser a própria sabedoria e cujos oráculos, todos os homens
consultam”, além disso, o autor mostra que “os seus adeptos se dispersaram
muito e não se vê que aqueles que se sentem suficientemente fortes para
brilhar noutras ciências queiram arriscar nesta sua fama”. Kant atreve-se a
dizer que o leitor destes prolegômenos, “capaz de pensamento pessoal”, se
convencerá que semelhante ciência não poderá mais existir, da forma como ela
se apresenta, e se assim ela é, não temos nenhuma metafísica, e que como
sua busca nunca desaparecerá porque o interesse na razão universal está
ligado a ela intimamente, sua reforma ou seu novo nascimento inevitavelmente
se produzirá, apesar de muitas resistências.
4
Citando David Hume, o autor mostra seu ataque, intimando a razão, no
importante conceito da Metafísica da conexão de causa e efeito, onde esta
pensa que uma coisa pode ser de tal modo constituída que uma vez posta, se
segue necessariamente que outra também deve ser posta.

Deve-se confessar que a inferência não é intuitiva e nem


demonstrativa. Qual é a sua natureza então? Dizer que é
experimental é uma petição de princípio, já que todas as inferências
a partir da experiência supõem, como fundamento, que o futuro se
assemelhará ao passado, e que poderes semelhantes estarão em
conjunção com qualidades sensíveis semelhantes. Se há alguma
suspeita de que o curso da natureza possa mudar, e de que o
passado não possa estabelecer regras para o futuro, todas as
experiências serão inúteis e não poderão dar origem a nenhuma
inferência ou conclusão. Portanto, é impossível que argumentos
procedentes da experiência possam provar esta semelhança entre o
passado e o futuro já que estes argumentos estão baseados na
suposição desta semelhança. (Hume apud Swinburne, 1974, p. 19).

Kant descreve: “Ele provou de modo irrefutável que é absolutamente


impossível à razão pensar a priori e a partir de conceitos, tal relação, porque
esta encerra uma necessidade; mas, não é possível conceber como é que,
porque algo existe também outra coisa deve existir necessariamente, e como é
que a priori, se pode introduzir o conceito de tal conexão”. E mesmo assim, o
“destino sempre desfavorável à Metafísica”, Hume fez-se incompreendido
através de um “dom do céu” de senso comum, onde a questão não era se o
conceito de causa era exato, prático, indispensável relativamente a todo o
conhecimento da natureza, mas se ele era concebido pela razão a priori, e não
se limitando aos objetos da natureza. O autor confessando que a advertência
de Hume o fez acordar em seu “sono dogmático”, ele passou à dedução destes
conceitos, seguro que eles não derivavam da experiência, mas do
entendimento puro, e assim poderia caminhar para determinar finalmente o
âmbito global da razão pura de modo completo e segundo princípios, conforme
necessidade da Metafísica.
Kant mostra que por muito tempo existiu-se o hábito de repor velhos
conhecimentos usados por muitos, com ajustes e associações primitivas em
títulos novos, mas que estes prolegômenos de sua obra, levariam o leitor

5
perceber, que existe uma ciência inteiramente nova e que embora Hume não
tenha persistido nesta possibilidade, aportando-se no seu ceticismo, ao autor
interessa conduzir-nos a caminhos mais distantes e cita: “Aqui está, pois, tal
plano depois de acabada a obra que pôde ser estabelecido segundo o método
analítico já que a própria obra teve absolutamente que ser redigida segundo o
procedimento de exposição sintética, afim de a ciência apresentar todas as
suas articulações como a estrutura de uma faculdade cognoscitiva, muito
3
peculiar, na sua ligação natural” e incita-nos mostrando que se o dito nestes
prolegômenos perante toda metafísica futura, ainda continua obscuro, que se
estude metafísica, e aos que já estão estudando, que satisfaçam as condições
aqui impostas ou criem uma nova.
Ao finalizar as leituras dos textos de Kant e baseado nas pesquisas que tive
que realizar para minimamente inicia-me ao seu entendimento, refleti:
Comovi-me literalmente emocionado ao ler as últimas palavras de Sócrates 4,
com seu compromisso com a verdade, à beira de sua morte. Senti-me inseguro
com o destino, agora já histórico da humanidade, com as ideias de Platão e as
substâncias de Aristóteles, mas também sou grato, pelo desenrolar da
evolução e contribuição lógica deste último. Orgulhei-me das incríveis

3
Segundo Magalhães (2005, p 68) na nomenclatura Kantiana, o conhecimento se expressa na
forma de “juízos” que podem ser classificados como Analíticos (que se podem analisar ou
separar em partes) são os que derivam de fatos observados, tendo que ser a posteriori, e para
Kant não trazem nada de novo ao conhecimento (redundantes) e Sintéticos (aqueles que
resultam de uma síntese ou junção de partes) são os que trazem novos conhecimentos e
podem ser a posteriori (empíricos e únicos que representam os conhecimentos da ciência) ou a
priori (não empíricos e constituem os únicos conhecimentos “puros” e que exprimem a
“essência” das ideias).
4
[…] “Vós também, senhores juízes, deveis bem esperar da morte e considerar particularmente
esta verdade: não há, para o homem bom, nenhum mal, quer na vida, quer na morte, e os
deuses não descuidam de seu destino. O meu não é efeito do acaso; vejo claramente que era
melhor para mim, morrer agora e ficar livre de fadigas. Por isso é que a advertência nada me
impediu. Não me insurjo absolutamente contra os que votaram contra mim ou me acusaram.
Verdade é que não me acusaram e condenaram com esse modo de pensar, mas na suposição
de que me causavam dano: nisso merecem censura. Contudo, só tenho um pedido que lhes
faço: quando meus filhos crescerem, castigai-os, atormentai-os com os mesmíssimos
tormentos que eu vos infligi, se achardes que eles estejam cuidando mais da riqueza ou de
outra coisa que da virtude; se estiverem supondo ter um valor que não tenham, repreendei-os,
como vos fiz eu, por não cuidarem do que devem e por suporem méritos, sem ter nenhum. Se
vós o fizerdes, eu terei recebido de vós justiça; eu, e meus filhos também. Bem, é chegada a
hora de partirmos, eu para a morte, vós para a vida. Quem segue melhor caminho, se eu, se
vós, é segredo para todos, menos para a divindade”, PLATÃO. Apologia de Sócrates, 1999, p.
73.
6
experiências de Galileu e ao mesmo tempo me decepcionei pela sua
abstinência. Agradeço as contribuições do racionalismo de Descartes e o
empirismo de Bacon na trajetória evolutiva da ciência. Agradeço também a
Hume, com o despertar de suas escritas a Kant, este último que nos pede
continuação “a priori” com responsabilidade e coerência. A minha trajetória está
apenas começando, prometo continuar me despedindo da ignorância, e
fidelidade à verdade e à ciência.

São Paulo, junho de 2015.


Resenha: Jeferson Bunder
AUH 5700 – Metodologia Cientifica Aplicada a Arquitetura e Urbanismo
Pós-graduação – USP

Referências Bibliográficas:

MAGALHÃES, Gildo, Introdução à Metodologia de Pesquisa: caminhos da


ciência e tecnologia, São Paulo, Ed Ática, 2005.

SERRA, Geraldo G, Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: guia prático para o


trabalho de pesquisadores em pós-graduação, São Paulo, Ed. Mandarim, 2006.

SILVEIRA, Fernando Lang, A teoria do conhecimento de Kant: o idealismo


transcendental, in: Cad. Cat. Ens. Fís., v. 19, número especial: p. 28-51, março
2002, Porto Alegre - Instituto de Física, UFRGS, 2002.

SWINBURNE, Richard (org.), La justificación del razonamiento inductivo,


Madrid, Alianza, 1974.

PLATÃO, Apologia de Sócrates, São Paulo, Nova Cultural, 1999.

_______, A defesa de Sócrates, Tradução de Jaime Burna, São Paulo, Abril


Cultural, Coleção os Pensadores, 1980.

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