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REFERÊNCIA: JAPIASSU, Hilton. Introdução à Epistemologia da Psicologia.

Rio de
Janeiro: Imago, 1975.
Capítulo IV
Behaviorismo em questão
“Gostaríamos de situar o questionamento do behaviorismo psicológico dentro da
perspectiva de uma possível recuperação da observação interna e de um estudo
metódico do imaginário. [...] O que nos parece importante, por enquanto, é mostrar que
há todo um domínio de investigação epistemológica, em psicologia, que o behaviorismo
não tem condições, devido às suas deficiências teóricas, de estudar a fundo: a
imaginação, o afeto, e tudo o que se liga, na vida mental, a essas funções do imaginário
e do afetivo” (JAPIASSU, 1975, p. 93)
“A doutrina comtiana considerou duas coisas: de um lado, o fato psicológico elementar
da sensação; do outro, as funções intelectuais e morais superiores. Mas nada disse sobre
a imaginação. Ignorou-a por completo. Quando a mencionou, foi para denunciar seu
papel perturbador no funcionamento correto do pensamento. Por sua vez, o
behaviorismo estrito nada diz de relevante sobre a imaginação. Por uma questão de
método e de coerência doutrinária, a psicologia behaviorista viu-se obrigada a
desconsiderar o papel do imaginário na vida dos indivíduos” (JAPIASSU, 1975, p. 94)
“Tentou ignorar o quanto pôde as ‘imagens’, procurando reduzir o pensamento única e
exclusivamente aos fenômenos sensório-motorizes observáveis exteriormente. Para a
psicologia behaviorista, a ‘imagem’ não passa de um dos últimos bastiões da teoria
introspeccionista da consciência. Aliás, os historiadores da psicologia sempre
reconheceram que a psicologia da imaginação jamais conseguiu direitos de cidadania:
ela sempre foi a ‘prima pobre’ da psicologia, em busca ‘desesperada’ de um estatuto
‘público’ de cientificidade. Isto, se deve, sem dúvida, ao fato de que, no nível do
conhecimento pré-científico, o dado da imagem e do jogo do imaginário é um dado
irrecusável” (JAPIASSU, 1975, p. 94)
“Assim, as considerações feitas a respeito da imaginação e das imagens permanecem
quase sempre no nível da reflexão filosófica, no nível da crítica literária ou da análise
estética. Um dos sinais dessa dificuldade parece residir num simples fato: os próprios
psicólogos ainda não conseguiram colocar-se de acordo sobre a natureza e sobre as
funções daquilo que pode ser chamado de ‘imagem’” (JAPIASSU, 1975, p. 94)
“Em 1936, Sartre, na perspectiva de uma primeira assimilação do método
fenomenológico de Husserl, entregou-se a uma crítica sistemática de toda a psicologia
da imaginação, de Descartes a Bergson. Alguns anos depois, em 1940, propunha seu
famoso estudo sobre O Imaginário, psicologia fenomenológica da imaginação, onde
retomava as ideias centrais de seu primeiro livro sobre A Imaginação. Nessas obras,
Sartre criticava também os psicólogos que só se punham de acordo quanto à
necessidade de partirem dos fatos” (JAPIASSU, 1975, p. 94-96)
“O que convém enfatizar é que, mais ou menos no momento em que o behaviorismo
pretende purificar absolutamente a psicologia científica de todo recurso à observação
interna dos fatos de consciência, bem como de toda contaminação filosófica, surgiram
dois fatos novos, de ordem epistemológica, exercendo profunda repercussão na história
da psicologia ulterior. O primeiro foi a iniciação filosófica de Husserl, procurando
instituir a fenomenologia (tomada de posse do fato da consciência pela própria
consciência) como uma disciplina autenticamente científica. O segundo foi a
instauração da psicanálise freudiana. As investigações de Husserl e a Interpretação de
Sonhos de Freud apareceram no ano de 1900. E as Ideias diretrizes para uma
fenomenologia, de Husserl, publicadas em 1913, são contemporâneas dos famosos
artigos de Watson” (JAPIASSU, 1975, p. 95)
A PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA
“É preciso que se diga, desde o início, que a fenomenologia de Husserl, enquanto tal,
não é uma psicologia. Aliás, nunca pretendeu ser uma psicologia, apesar de ter tomado
de empréstimo a psicólogos filósofos (Brentano) esta ou aquela ideia: por exemplo, a de
‘intencionalidade’ da consciência. Por outro lado, o que pretender ser a fenomenologia,
é apenas uma técnica, comportando uma doutrina, permitindo a apreensão segura da
atualidade consciente por si mesma, enquanto é uma atualidade consciente, em todo o
seu ser de atualidade consciente e em todas as suas dimensões, da intuição e da
percepção, da imaginação e do desenvolvimento da representação, do pensamento e de
todas as modalidades da vida afetiva e voluntária” (JAPIASSU, 1975, p. 96)
“Discípulo de Brentano, Husserl se propôs por objetivo repensar os fundamentos do
saber. Sua preocupação central consistia em redescobrir uma certeza que permitisse ao
pensamento superar o estado de crise em que se encontrava a cultura de seu tempo. Para
ele, esta crise se caracterizava pela perda da intencionalidade filosófica e pelo
transbordamento do método matemático pra fora dos limites que deveriam ser os seus.
Por isso, a fenomenologia surgiu, no início deste século, com a pretensão de ser um
recomeço radical na ordem do saber. Podemos dizer que ela apareceu numa época que,
do ponto de vista filosófico, pode ser caracterizada como vazia. O mundo universitário,
pelo menos na Alemanha, era dominado pelos epígonos de um kantismo que se havia
degenerado em pura metodologia da ciência positiva. A metafísica não ocupava
nenhum lugar de importância no sistema do saber universitário” (JAPIASSU, 1975, p.
96)
“Por sua tomada de posição contra a psicologia científica em vigor, a teoria
fenomenológica se inscreve na mesma linha de pensamento adotada por Bergson:
pretendia fazer uma crítica à pretensão de só se admitir como válida uma psicologia
positiva, objetiva e experimental. O que Husserl critica, nessa psicologia, é o fato de ela
fazer apelo, para se fundar, ao postulado realista do senso comum, que ele achava
bastante insatisfatório para um pensamento que deveria estar preocupado com o
essencial” (JAPIASSU, 1975, p. 96-97)
“Se é verdade que o sujeito empírico faz parte do mundo, também é verdade que o
mundo não passa de um objeto ‘intencional’ para o sujeito que o pensa. Assim, não se
pode tratar o homem como se ele fosse uma coisa entre as coisas. E a razão é simples:
porque o homem não é o produto de influências físicas, fisiológicas ou sociológicas que
o determinariam de fora. A própria psicologia, qualquer que seja seu método, deve ser
considerada, antes de tudo, como um projeto, isto é, como uma intenção de
compreender melhor o homem e seus comportamentos” (JAPIASSU, 1975, p. 97)
“O que Husserl quer mostrar, ressaltando os limites e deficiências da psicologia
positiva, pelo menos como ela se apresentava em sua época, é que o desenvolvimento
da psicologia objetiva e experimental não resolve o problema da exigência
antropológica de redução, a um denominador comum, desse duplo aspecto da
psicologia: de um lado, o da interioridade racional; do outro, o da objetividade. O
psicólogo não pode perder de vista a intuição das ‘essências’, mas estas são inseparáveis
dos fenômenos ou dos ‘fatos’. Assim, a originalidade desta posição está em ligar os
fenômenos às essências e, sobretudo, em postular uma interação fundamental entre o
sujeito (o ‘eu puro’) e o objeto (as ‘essências’) de conhecimento” (JAPIASSU, 1975, p.
97)
“É bem verdade que alguns psicólogos tentaram assimilar o projeto husserliano a uma
tentativa de se restaurar a introspecção. Todavia, esta interpretação pode ser ao mesmo
tempo justa e falsa. Ela é falsa na medida em que a fenomenologia tenta opor-se, tanto
ao intelectualismo idealista quanto ao empirismo naturalista. Ela visa a descrever o
psiquismo humano como não podendo deixar de ser, de imediato, uma ‘relação com o
mundo’. E repudia, pelo menos em suas intenções explícitas, toda universalidade
abstrata. As démarches da filosofia especulativa devem ser substituídas pelo ‘retorno às
coisas mesmas'. No entanto, podemos duvidar que a análise intencional possa vir a
substituir, sem equívoco, a metafísica especulativa. Contudo, Husserl não pretende de
forma alguma restaurar a introspecção no sentido de um conhecimento puramente
interior. O que ele pretende estabelecer é que a psicologia científica, para ser
verdadeiramente fundada, não pode deixar de ser intencional e intersubjetiva”
(JAPIASSU, 1975, p. 97-98)
CITAÇÃO INDIRETA: O objetivo da fenomenologia não é o de se descolar da
experiência do sujeito, mas de revelar ou desvelar o sentido desta.
“Ao insistir sobre o problema do sentido, Husserl se opõe, não somente ao naturalismo
psicológico, que tende a encerrar o comportamento humano num feixe de causas e de
efeitos exprimíveis em terceira pessoa, mas também ao idealismo, na medida em que
este reduz o homem a um conjunto conceitual organizado. Ao colocar-se no ponto de
intersecção dessas duas tendências, a fenomenologia dá origem, pelo menos em parte,
ao ‘existencialismo’ moderno” (JAPIASSU, 1975, p. 98)
“Evidentemente, a existência (no sentido de ‘homem-ser-no-mundo’) não é um conceito
husserliano. Mas não se pode negar que ele foi ‘deduzido’ do conceito de Lebenswelt ou
de ‘mundo vivido’: a presença ao mundo antes da reflexão, ou seja, o nível do vivido
imediato na origem de toda consciência” (JAPIASSU, 1975, p. 98)
“Todas as ciências pressupõem este ‘mundo da vida’ como seu solo originário, muito
embora dele se afastem, em seguida, para construir o mundo ‘depurado’ do
conhecimento científico. Ora, esta vinculação ao mundo, que está na origem de todas as
condutas humanas e dos sentidos que elas manifestam, não pode ser expressa em termos
tomados de empréstimo às ciências da natureza, pois também estes derivam de uma
ligação com o mundo; tampouco pode ser expressa pelos termos utilizados pelo
idealismo para exprimir a construção do objeto pelo sujeito” (JAPIASSU, 1975, p. 98-
99)
“Assim, a tarefa da fenomenologia consiste numa investigação ‘científica’, não dos
fatos, mas das formas da consciência dos objetos, sendo esses objetos definidos por um
ato de consciência” (JAPIASSU, 1975, p. 99)
“A influência da fenomenologia sobre o desenvolvimento da Gestalttheorie ou
psicologia ‘da forma’, sobretudo como a elaboraram Koffka e Kölher, não pode ser
contestada. Com efeito, muito preocupada em responder às exigências, que caracterizam
a psicologia como ciência, a psicologia da forma marca uma original reação a toda
psicologia associacionista: estudo da vida psíquica sob o aspecto de uma combinação de
elementos pretensamente simples (sensações e imagens) que a constituiria. Ora, à
fragmentação da vida psíquica, deve opor-se a consideração de formas, de estruturas e
de conjuntos, admitidos como realidades primitivas. A percepção é a de uma figura
sobre o fundo. Trata-se de descrever perceptivas globais, a fim de reduzir a leis seus
aparecimentos e suas transformações. Ademais, trata-se de mostrar como a organização
interna que condiciona tais estruturas perceptivas modifica os elementos que a
compõem. Enfim, trata-se de mostrar como basta modificar um único desses elementos
para que toda a estrutura global se altere” (JAPIASSU, 1975, p. 99)
“A psicologia ‘da forma’, por outro lado, suscitou a tentativa sartriana de constituir uma
psicologia fenomenológica do imaginário, bem como a tentativa de Merleau-Ponty de
elaborar uma Fenomenologia da percepção, tentativas bem mais filosóficas (‘ontologia
fenomenológica’) do que propriamente psicológicas. E como a fenomenologia utiliza
uma técnica do conhecimento da atualidade da vida mental por si mesma (enquanto
consciência, e levando em conta as ‘reduções’ exigidas para entrar na atitude específica
da fenomenologia), torna-se patente que ela admite algo da atitude introspectiva, da
auto-observação do sujeito dotado de vida mental. Sartre, por exemplo, que critica o
método clássico da introspecção, nem por isso deixa de fazer apelo à experiência íntima.
Ele se propõe, inclusive, descrever a imagem em sua plena concretude, tal como ela
aparece à reflexão. O que ele pretende é adquirir uma visão autêntica da estrutura
intencional da imagem” (JAPIASSU, 1975, p. 99-100)
“Assim, na atitude da fenomenologia, bem como em tudo o que dela deriva, no nível da
psicologia, há uma transgressão, por princípio, de praticamente todos os interditos da
psicologia do comportamento em sentido estrito. O mesmo pode ser dito da
psicopatologia e da psicanálise de Freud” (JAPIASSU, 1975, p. 100)

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