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REFERÊNCIA: CHERTOK, Léon. STENGERS, Isabelle.

O Coração e a Razão: a
hipnose de Lavoisier a Lacan. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1990.
Capítulo I
De Lavoisier a Freud
“Aqui só nos interessa a confrontação entre os homens de ciência e a crise mesmeriana,
a maneira como os primeiros excluíram a segunda do campo da razão e como,
correlativamente, definiram esse campo (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 26)
“Desde o começo, duas orientações, ou, em outras palavras, duas ideias da razão se
opuseram: a do ‘naturalista’ e a do ‘experimentador’. Para o primeiro, era justamente
por se poder ‘ver muita coisa’ no tratamento público que convinha deter-se nele, que
convinha aprender a observar, a captar as nuanças, a notar o que pudesse escapar ao
olhar não educado. Para o segundo, a multiplicidade dos efeitos constituía um
obstáculo: para delimitar o fenômeno, ‘discernir suas causas’, para buscar as provas da
existência, primeiramente, e depois as da eventual utilidade do ‘fluido’, era preciso ter
liberdade para intervir, observar ativamente, manipular os diferentes parâmetros da
situação. Em suma, era preciso, em termos modernos, substituir a cena pública,
frequentada pelos ‘distintos doentes’, por uma cena experimental em que o homem de
ciência é quem determina as perguntas a serem formuladas, as experiências a serem
tentadas, os testes e contra-testes a que submeter os objetos de sua pesquisa. Daí o
segundo obstáculo sublinhado pelos membros da comissão: como não se aborreceriam
os doentes de Deslon ao ser tomados como objetos? Como poderiam os próprios
membros da comissão aceitar submeter pessoas de seu próprio mundo ao único tipo de
tratamento suscetível de produzir um objeto de ciência?” (CHERTOK & STENGERS,
1990, p. 28)
“A ‘razão’, tal como reivindicada pela Comissão confrontada com o fenômeno
mesmeriano, tinha por atribuição primordial, portanto, a caça aos parasitas, a
purificação do cenário, excessivamente cumulado de elementos incontroláveis,
oferecido pela cuba de Deslon. Os comissários não sabiam a quais princípios poderia
responder o ‘fluido’ hipotético invocado por Mesmer e Deslon para explicar as crises.
Não tentaram descobri-los, mas procuraram pôr à prova a relação entre o fluido
hipotético e seus efeitos observáveis” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 30)
CITAÇÃO INDIRETA: Segundo os autores, essa orientação seria similar a de
Lavoisier que, na mesma época, havia iniciado a “revolução” da química. Em 1783,
antes do rei nomeá-lo comissário da investigação sobre o magnetismo animal, ele
publica a obra Reflexões sobre o Flogístico, que abre solicitando os leitores para que se
“despojem” de qualquer preconceito e vejam, nos fatos, somente aquilo que eles
apresentam e não o que se supõe deles. Cinco anos depois, no Tratado Elementar de
Química, Lavoiser mantivera a orientação, de modo que fosse possível fazer tábula rasa
de todas as interpretações prévias e se deixar guiar pelos fatos.
“Naturalmente, convinha ainda que a lição dos fatos pudesse ser decifrada sem
ambiguidade. Por isso é que ‘despojar’, no vocabulário de Lavoisier, designa sempre
uma operação de dupla face, visando ao que observa e ao que é observado. Um cientista
só é cientista quando consegue subjugar ‘a imaginação, que tende continuamente a nos
levar para além da verdade, e a autoconfiança, que toca tão de perto no amor próprio’.
Um fato só é um fato, quando, por sua vez, é também despojado das ‘ilusões que a ele
podem se misturar’, quando é purificado de maneira a estabelecer demonstravelmente
uma relação unívoca entre os termos postos em cena” (CHERTOK & STENGERS,
1990, p. 30)
“Nenhum químico antes dele, pretendia demonstrar Lavoisier, controlara
suficientemente suas experiências, nenhum se havia certificado de não deixar escapar
nada e de não penetrar em nada subrepticiamente. O fato não era tudo o que se podia
observar, nem tampouco tudo o que se podia reproduzir. O fato era relativo a um espaço
fechado, purificado de qualquer elemento parasitário; então, de maneira imediata,
ateórica, ele podia ditar sua própria leitura, sob a condição de que nenhum preconceito
viesse obscurecer a mente do leitor” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 31)
“Já aludimos à ‘razão’, à orientação racional que define o que Kant chamava de
revolução copernicana. Em que medida o método de Lavoisier decorreu dessa
definição? À primeira vista, as duas orientações poderiam afigurar-se contraditórias.
[...]”
CITAÇÃO DIRETA: Para Lavoisier, era necessário permitir que a natureza desse a
descrição adequada para o químico, que por sua vez deveria suprimir ou simplificar o
raciocínio próprio, que pode desvirtuar o cientista. Nesse caso, é necessário submeter
este raciocínio à prova da experiências e conservando os fatos, isto é, as verdades dadas
pela natureza.
“No caso de Kant, o cientista deveria apresentar-se como mestre, como juiz, e não como
aluno submisso: ele é que ditava à natureza os princípios e regras em termos dos quais
ela deveria responder a suas indagações” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 31)
“Mais do que em contradição, todavia, convém falarmos numa tensão entre dois
componentes de uma mesma orientação teórico-experimental. [...] Quer se trate do
método de Lavoisier ou da revolução copernicana de Kant, o mesmo contraste se
constrói entre aquele que procura aprender como ver, como aprender, e aquele que
afirma possuir meios passíveis de garantir, a priori, que o que ele vir permitirá uma
identificação racional do fenômeno” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 31)
“Como interpretar essa diferença? Kant tentou dar inteligibilidade a uma ciência que já
existia, uma vez que a concebeu com base no modelo da mecânica racional fundada por
Galileu. Ora, na época de Kant, já ia longe o tempo em que Galileu fora confrontado por
adversários que haviam rejeitado sua tentativa de purificação, que haviam contestado,
por exemplo, que o fenômeno da queda dos corpos pudesse ser concebido
independentemente da presença do ar, pudesse ser compreendido a partir da queda ideal,
no vazio, na ausência de qualquer atrito. No final do século XVIII, as controvérsias
suscitadas pela mecânica estavam resolvidas, e as argumentações dos críticos já não
podiam ser ouvidas senão como negando uma evidência. As questões a serem
formuladas a um corpo em movimento, os princípios a que sua queda obedecia, a
divisão entre os ‘fatos objetivos’ e o ilusório, por conseguinte, podiam afigurar-se como
a própria expressão de uma razão ‘neutra’, como a explicitação do que deveria impor-se
a qualquer homem de bom senso. Foi sobre esses fundamentos que Kant codificou as
categorias do entendimento. Ao contrário, para Lavoisier, nada se conquistava dessa
maneira. Lavoisier partiu para fundar uma ciência desarraigando-a das evidências
acumuladas por seu passado” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 32)
“É muito frequente as discussões epistemológicas silenciarem sobre um problema. Na
verdade, elas costumam tomar por modelos episódios em que a encenação experimental
produtora de fatos é genericamente reconhecida como legítima. Assim, o preço dessa
encenação, aquilo que ela faz com que se perca, as questões que impede de serem
formuladas, fica oculto. [...] As discussões epistemológicas abordam, portanto,
exemplos históricos, no sentido de que aqueles que se interessaram pelo que a
encenação experimental destruiu já não existem, não têm mais, hoje em dia,
descendentes cujo protesto possa ser ouvido como atual. Terá sido isso o que aconteceu
com os argumentos através dos quais Deslon, em suas observações, denunciou o ‘erro’
cometido pelos comissários ao conceberem uma encenação que eliminava aquilo que
deveria permitir estudar? Como veremos, nada é menos seguro, e por isso é que a
pesquisa dos membros da comissão nos é contemporânea” (CHERTOK & STENGERS,
1990, p. 34)
“Segundo ele [Deslon], o magnetismo não produzia efeitos momentâneos e sensíveis
senão num pequeno número de enfermos, e nestes, as impressões variavam continua e
infinitamente; por outro lado, muitos doentes, escreveu ele, curavam-se sem ter
experimentado a menor sensação; alguns entravam em crise espontaneamente, sem ter
sido tocados e sem se haverem sentado junto à cuba, enquanto outros, tratados, tocados
e sentados diante da cuba, ali passavam horas, e por vezes dias, sem nada experimentar.
Sendo o fenômeno eminentemente variável, dependente da sensibilidade dos indivíduos,
o raciocínio dos comissários – se não havia experimentado nenhuma sensação, o
magnetismo não existia – não era, para Deslon, pertinente” (CHERTOK &
STENGERS, 1990, p. 35)
“Que vem a ser um fato? Segundo o método de Lavoisier, os únicos fatos são aqueles
obtidos em condições experimentais perfeitamente controladas. Assim, tal como a
química até o advento dele, o magnetismo animal também não se podia prevalecer do
mesmo fato. Para Jussie, ao contrário, o fato era positivo, no sentido de que suscitava e
impunha um problema. Não podia ser aceito tal e qual, mas devia ser examinado nas
condições em que se produzia. Opuseram-se, portanto, duas políticas do fato, dois usos
da razão. Para uns, o fato era aquilo que resistia à purificação, ao isolamento, à
preparação experimental. Para outros, o fato era o que requeria elucidação, uma
elucidação crítica, certamente, mas sem que a crítica correspondesse, no caso, a critérios
gerais apriorísticos (se o fluido existia, tinha que agir de maneira semelhante em todos
os corpos vivos); ela era indissociável de uma aprendizagem que permitisse distinguir,
precisar, explicitar, em suma, elaborar a linguagem conveniente ao fato” (CHERTOK &
STENGERS, 1990, p. 36)
“Em vez de tentar isolar e purificar os efeitos do fluido hipotético responsável pela
crise, portanto, foram os efeitos de um responsável rival, a imaginação, que a Comissão
finalmente fez questão de evidenciar em situações em que as duas ordens de
responsabilidade estariam competindo. A vitória regular da imaginação lhes permitiu
negar qualquer poder, e portanto qualquer existência, à hipotética causalidade rival”
(CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 37)
“É claro que a conclusão não decorria assim tão simplesmente das ‘provas’
experimentais, e os comissários não o ignoravam. Eles próprios forneceram a seus
adversários um argumento que sabiam poder refutar. E se diversas causas pudessem
excitar o mesmo tipo de impressão? Tal hipótese, retrucaram os membros da comissão,
chocava-se com os princípios da física, o primeiro dos quais era não admitir novas
causas sem necessidade absoluta, isto é, sem identificar efeitos que não pertencessem a
nenhuma causa conhecida. Ora, como lhes foi possível sustentar, a imaginação parecia
uma causa não apenas necessária, mas suficiente” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p.
37-38)
“A causa estava entendida. Os membros da comissão, para explicar a violência das
crises no tratamento público, limitaram-se a acrescentar à imaginação duas outras
causas, o toque e a imitação” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 38)
“Os comissários descreveram as crises mesmerianas como um típico fenômeno de
massas, assim anunciando, um século antes de Freud, Le Bom ou Bernheim, a relação
entre estado hipnótico e estado coletivo. Descreveram como a reunião prolongada em
torno da cuba transformava um agregado de indivíduos numa ‘multidão’ cujas cordas
estavam estendidas no mesmo grau e em uníssono, uma multidão de tal maneira instável
que a primeira manifestação desencadeava um mecanismo de reação em cadeia, através
de imitações recíprocas, levando à verdadeira mudança de fase constituída pela crise
coletiva” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 38)
“Este [Deslon] narrou as experiências feitas em Passy, cujo relato foi omitido pelos
comissários. Explicou – o que lhe permitiu compreender que uma de suas pacientes
pudesse ter tido uma crise sem que a magnetizassem – que ‘o trabalho excitado pelo
Agente, uma vez iniciado num dado sujeito, termina quando convém à Natureza, ora
mais cedo, ora mais tarde’. Em outras palavras, os corpos interrogados pelos
comissários não podiam ser, à maneira dos corpos químicos, abstraídos de seu passado;
não se podia exigir deles reações que fossem unicamente uma função da ação
momentânea a que eram submetidos. Como conjugar a noção de ‘causa’, no sentido da
física, com a de memória, é um problema em que ainda hoje esbarram as ciências do ser
vivo que se pretendem experimentais” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 39)
“Embora as ideias de equilíbrio, acumulação e descarga tenham continuado, até os
nossos dias, a frequentar os modelos e descrições fenomenológicos da experiência
subjetiva, e embora em nada tenhamos resolvido a questão da multiplicidade das causas,
as hipóteses de Jussieu impressionam por seu caráter desusado, ao passo que o método
experimenta da Comissão, por sua vez, não perdeu nada de sua atualidade. A inevitável
defasagem de leitura entre os dois textos constitui um obstáculo, por uma dupla razão”
(CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 44)
“Essa defasagem pode levar, quase que automaticamente, a privilegiar a orientação
experimental. Que importam seus limites intrínsecos, o fato de dela não permitir
compreender o ‘poder da imaginação’ sobre os corpos? Esse poder – na medida em que,
ainda hoje, não podemos afirmar compreendê-lo -, ‘sabemos’ que a Comissão não
dispunha de meios para esclarecê-lo. Pelo menos, ela preparou irreversivelmente o
terreno, fez o saber progredir, ao negar a existência de um fluido universal que
permitisse explicar tudo e curar tudo. Mas podemos ser igualmente levados a nos perder
nos dédalos da história das ideias. A questão seria, portanto, tentar restaurar o equilíbrio
entre a posição de Jussieu e a dos membros da comissão, servindo-nos do contexto,
utilizando a onipresença da noção de fluido nesse século XVIII que acabou por
‘desculpar’ Jussieu, para demonstrar que sua postura, na época, era tão racional quanto
a de seus adversários. Em ambos os casos, de fato, colocaremos em cena, antes de mais
nada, a superioridade que supostamente nos é conferida pela distância de dois séculos
que nos separa da controvérsia, para empregarmos entre nós e ela relações de
semelhança (não acreditamos no fluido mesmeriano, e portanto os comissários estavam
com a razão) ou de compreensão (no lugar de Jussieu, também poderíamos ter invocado
o ‘calor aimal’)” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 44)
CORPO, POBRES, MEDICINA PELO TOQUE P. 45
“Haverá a situação, no fundo, mudado tanto em dois séculos? Não continuaremos hoje
aprisionados entre tratamentos misteriosos e espetaculares, que a medicina rejeita, e
práticas médicas fundamentadas numa experimentação que só leva em conta o efeito
‘placebo’ na categoria de efeito parasitário, a ser eliminado na avaliação racional do
efeito dos medicamentos? Que há de espantoso, então, em que a ‘medicina do toque’ e
tantas outras ‘medicinas naturais’ continuem a se perpetuar na obscuridade, a afirmar
pretensões tão fascinantes quanto desprovidas de controle? A medicina oficinal continua
sem poder, ainda hoje, definir o que Jussieu chamava, voluntariamente, de um
procedimento de investigação metódica que tomasse por objeto positivo o que parecia
escapar às relações racionais de causa e efeito, tal como concebidas por nós. A
controvérsia entre Deslon, Jussieu e os demais comissários, portanto, pertence menos à
história ‘das ideias’ do que à história, sempre atual, do que definimos como ‘práticas
racionais’. Ela diz respeito ao preço que concordamos ou não em pagar para manter
uma diferença clara entre essas práticas e aquelas que podemos suspeitar procederem do
poder do ‘coração’, e não do da ‘razão’, descenderem da linhagem dos taumaturgos, dos
mágicos e de outros milagreiros, e não da dos cientistas” (CHERTOK & STENGERS,
1990, p. 45)
“As brutais consequências institucionais dos relatórios de ambas as Comissões dão o
que pensar. Esses relatórios negaram, em nome da ciência, em nome da razão, a
explicação fornecida para um fenômeno que, em si, não correspondia às normas da
racionalidade experimental, e essa negação equivaleu a uma condenação. Pois bem, se
nos voltarmos para a história da hipnose, da qual o mesmerismo é parte integrante,
veremos que essas negações são moeda corrente” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p.
46)
“A história que vai do magnetismo mineral à hipnose [...] também levou, por sua vez, à
eliminação do fluido – ou de qualquer outra forma de ‘causa’ a que o magnetizado
ficasse unilateralmente submetido -, para colocar o problema da ‘imaginação’, da
maneira como um sujeito é passível de afetar outro, ou até de afetar a si mesmo”
(CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 47)
“Daremos agora um salto de cem anos, para descrever os primeiros passos de uma
segunda história, em muitos aspectos simetricamente inversa à primeira, já que a
conclusão da Comissão – ‘não passa de imaginação’ – veria nela sua significação
invertida, e teria um papel não mais de rejeição categórica, mas de fundação”
(CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 47)
“A história começa na Salpêtrière, lugar supremo da experiência hipnótica com Charcot.
Estamos na época do positivismo triunfante, e a hipnose só pôde retornar à cena
cientifica depois de despojada de sua singularidade rebelde, aprisionada na rede de uma
interpretação asseguradora da possibilidade de fatos unívocos. Para Charcot e seus
alunos, do fenômeno só devem ser preservadas suas dimensões somáticas. Apenas elas
garantem a ausência de simulação e permitem separara a hipnose propriamente dita dos
fatores ‘parasitários’ que são a imaginação do paciente e o poder de sugestão do
experimentador. Ao contrário, a Escola rival, a de Bernheim, em Nancy, conservou a
sugestão como fator explicativo, sugestão esta que Bernheim definiu como ‘uma ideia
concebida pelo operador, captada pelo hipnotizado e aceita por seu cérebro’”
(CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 47-48)
“Para Charcot, o interesse pela hipnose era inseparável do método anátomo-clinico, da
identificação das alterações anatômicas passíveis de explicar as doenças nervosas
orgânicas. Era uma perspectiva mais experimental do que terapêutica” (CHERTOK &
STENGERS, 1990, p. 48)
“Contudo, transposta para o contexto científico, a relação afetiva transformou-se em
‘sugestão’, relação unilateral entre o experimentador e seu paciente. A sugestão,
definida em termos psicofisiológicos (ideia concebida pelo experimentador e aceita pelo
cérebro do hipnotizado), nada tinha de explicativo, mas conferiu à hipnose o ar de um
fenômeno redutível às ‘leis da biologia e da psicologia’” (CHERTOK & STENGERS,
P. 49)
“Essa era a situação quando, em outubro de 1885, Freud chegou a Paris para trabalhar
no laboratório de Charcot e assistir a suas aulas. Que motivos poderiam tê-lo impelido a
essa viagem? Qual fora, até ali, a formação desse jovem médico vienense? Ele havia
trabalhado por seis anos no laboratório de fisiologia de um professor seu, Brucke.
Depois de deixa-lo, com vistas a se estabelecer como neuropatologista, mas desejoso de
adquirir previamente uma prática clínica, havia ingressado, em 1883, no serviço de
psiquiatria de Meynert. Ali trabalhara no laboratório de histologia do sistema nervoso, e
depois no serviço de neurologia, onde se cuidava das doenças nervosas por meios
físicos (massagens, eletroterapia, hidroterapia etc.). Freud permaneceria nesse
laboratório até 1885” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 49)
“Essa formação nada tinha de original. Estava de acordo com uma concepção
organicista da neuropatologia. Entretanto, a atenção do jovem Freud fora despertada
para uma outra dimensão dos distúrbios mentais. Referimo-nos, é claro, à história de
Anna O. e de seu terapeuta, o Dr. Joseph Breuer, amigo de Freud. Anna O., após a
morte de seu pai, havia manifestado sintomas histéricos, como paralisia dos membros,
contraturas, distúrbios visuais e de linguagem etc. Apresentava, além disso, uma dupla
personalidade, coincidindo a passagem de uma à outra, com um estado de auto-hipnose
durante o qual ela revelava numerosos pormenores de sua vida. E foi assim, que um dia,
ela contou como se originara um de seus sintomas. Feito isso, depois de ela voltar a si, o
sintoma desapareceu. Em seguida, outros sintomas tiveram fim da mesma maneira.
Vendo isso, e embora se opusesse em princípio ao emprego da hipnose, Breuer
começou a hipnotizar sua paciente, Anna O., no curso das sessões de terapia. Assim,
antes de qualquer interpretação teórica, estava inaugurando o método catártico. Para
Freud, essa referência seria, subsequentemente, de caráter particularmente precioso.
Freud veria nela a prova de que a ação terapêutica da hipnose devia ser distinguida da
da sugestão” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 49-50)
“Freud trabalhou no laboratório de anatomia cerebral, ao mesmo tempo que assistia às
famosas aulas de Charcot. Logo ficou vivamente impressionado com elas. [...] Todavia,
nem por isso ele deixou de lhe anunciar, no início de dezembro, sua intenção de ir
embora de Paris. Mas não pôs em prática essa intenção, ficando em Paris até o término
de sua bolsa” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 50-51)
“A Salpêtrière foi, sem dúvida, o lugar por excelência em que convergiram e se
rearticularam a formação de Freud, jovem especialista da fisiologia do sistema nervoso,
dedicado a cuidar de doentes crônicos reputados como incuráveis, e sua experiência da
histeria e da hipnose. Na verdade, foi com Charcot que ele aprendeu a distinguir os
distúrbios orgânicos, ligados a uma afecção nervosa orgânica, dos distúrbios histéricos”
(CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 51)
“Charcot, explicou Freud, tinha-lhe ensinado a fazer a distinção entre essas suas duas
formas de paralisia, tendo-o convencido de que a paralisia histérica não podia ser
explicada por uma causa orgânica. Pois então não era essa paralisia, a rigor, passível de
dissociar sintomas inseparáveis no caso de distúrbios orgânicos, por dependerem das
mesmas funções nervosas? E não era ela igualmente passível de produzir sintomas
globais que não faziam sentido do ponto de vista funcional?” (CHERTOK &
STENGERS, 1990, p. 51)
“As paralisias histéricas existiam, portanto, malgrado a teoria, malgrado a dificuldade
de relacionar esses distúrbios com uma causa orgânica. Eram ‘objetivas’, o duplo
sentido de não serem ‘somente’ uma simulação e de, correlativamente, quem as
estudava ter escolhido para si um objeto respeitável, e não ter sido entravado em seu
estudo pelo ‘medo cego de ser ludibriado pelos pobres enfermos’” (CHERTOK &
STENGERS, 1990, p. 51)
“A autoridade de Charcot não havia libertado apenas as histéricas do desprezo, mas
também, e talvez acima de tudo, aqueles que se ocupavam delas. Essa autoridade deu a
Freud a liberdade intelectual que em vão pleiteara Jussieu, confrontado com a ironia da
maior parte de seus colegas. Além disso, libertou-o de um outro temor, aquele que
fizera Breuer fugir ao descobrir a relação que se criara entre ele e sua paciente”
(CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 52)
“Charcot não apenas fez da histeria uma doença nervosa entre outras, como também
seus estudos clínicos permitiram descobrir, para surpresa geral, que essa enfermidade
não era privilégio das mulheres. Ao romper a relação – apesar de estabelecida desde a
antiguidade e inscrita na etimologia – entre o útero e a histeria, Charcot dessexualizou a
doença e permitiu ao clínico encarar-se como um médico como qualquer outro, e não
como presa potencial de uma sexualidade incontrolável” (CHERTOK & STENGERS,
1990, p. 52)
“Só em 1894-1895 é que iria formular sua hipótese sobre a etiologia sexual das
neuroses. Não que, anteriormente, não tivesse tido algumas suspeitas disso: ele mesmo
recordou, mais tarde, ter ouvido seus dois professores, Charcot e Breuer, fazerem em
particular afirmações que permitiam supor a natureza sexual da histeria; Chrobak, um
ginecologista vienense, dissera-lhe a mesma coisa. Mas essas afirmações, e sem dúvida
outras do mesmo gênero, ele havia escotomizado” (CHERTOK & STENGERS, 1990,
p. 53)
“Em 1894, Freud celebrou Charcot por ter feito da histeria e da hipnose fenômenos
‘objetivos’, que era racional e respeitável estudar. Em outras palavras, Charcot deu a
Freud aquilo de que o relatório dos comissários havia privado os magnetizadores: os
meios de ultrapassar a dupla condenação proferida um século antes, a do relatório
público e a do relatório secreto. Deu-lhe também o germe da hipótese etiológica que lhe
permitiu, a partir de 1889, definir o método catártico sob hipnose, involuntariamente
inaugurado por Breuer, como um instrumento terapêutico que convinha à histeria”
(CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 53)
“Charcot recorrera à hipnose para demonstrar que as paralisias histéricas não eram
determinadas por uma lesão orgânica” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 53-54)
“Que a histeria fosse uma ‘lesão dinâmica funcional’ e que a hipnose permitisse criar
artificialmente sintomas histéricos, e depois fazê-los desaparecer, era algo que, na
perspectiva inicialmente neuro-anatômica de Charcot, persistia como um problema. Um
problema cujo caráter ‘objetivo’ ele havia demonstrado, no sentido de que era
impossível eliminá-lo mediante o recurso a categorias psicológicas usuais. [...] Mas esse
problema deixava Charcot, antes de mais nada, perplexo. Que vinha a ser uma lesão
‘dinâmica’, sina matéria, senão a confissão de que as categorias que aplicávamos ao
cérebro só lhe convinham parcialmente, e de que devíamos abandonar, no caso da
histeria, o ideal do estabelecimento de uma correspondência simples entre lesão
anatômica e sintoma?” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 54)
“Quanto a Freud, ele iria tomar como ponto de partida o abandono da correspondência
explicativa entre sintoma e anatomia” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 55)
“Aquilo que, do ponto de vista do ideal de explicação anatômica privilegiado por
Charcot, apesar de tudo, constituía um obstáculo, transformou-se numa pista, numa
primeira abordagem positiva da histeria. Charcot colocou Freud frente ao mesmo tipo
de problema com que se tinham tido que confrontar os membros da comissão no tocante
à crise mesmeriana: ‘efeitos’ inegáveis que não podiam ser relacionados com nenhuma
causa racionalmente legítima. Não havia nenhuma lesão, tal como não existia um fluido
magnético. A grandeza de Freud consiste em ele ter aceito essa definição do problema,
em não ter recuado diante da ruptura da causalidade anatômica que ela implicava, e em
tampouco ter utilizado, à maneira dos comissários, as ‘causas psicológicas’ como
pretexto para esvaziar o fenômeno de seu interesse. Se era preciso invocar ‘causas
psicológicas’ para explicar a paralisia histérica, a noção de ‘causa psicológica’ tinha que
ser redefinida. O estudo da histeria deveria não apenas romper com a causalidade
anatômica, mas inventar uma nova ordem de causalidade psíquica” (CHERTOK &
STENGERS, 1990, p. 55)
“A histeria desconhece relações entre funções fisiológicas que não traduzam as
representações linguísticas habituais. As razões do sintoma, portanto, não devem ser
buscadas no cérebro, mas numa experiência que implique nossas representações, que
implique, não a perna ou o braço no sentido orgânico, mas a concepção que temos
desses órgãos” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 56)
“Assim, estava estendida ao conjunto dos sintomas histéricos a interpretação que
Charcot fornecera a propósito das paralisias traumáticas. Tal como, nesse caso, Charcot
demonstrara que não era o choque físico, e sim o medo, que estava na origem dos
distúrbios, a ‘lesão’ devia ser interpretada, em todos os casos, como o resultado de uma
associação subconsciente do órgão afetado com a lembrança de um acontecimento, de
um trauma” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 56)
“A noção de ‘carga afetiva’, introduzida por Freud para explicitar a maneira como uma
associação passada afetava a concepção inconsciente que o histérico tinha de um órgão,
tinha tão pouco alcance explicativo quanto a ‘lesão dinâmica e funcional’. Entretanto,
situou o sintoma histérico na perspectiva de uma ação possível. [...] Introduziu-se um
novo tipo de relação entre causa e efeito, que remetia, antes e acima de tudo, aos meios
de que se dispunha para agir sobre a causa. [...] Na verdade, foi muito mais a
possibilidade de curar sintomas histéricos através de ‘um processo especial de terapia
hipnótica’ que permitiu interpretar esses sintomas em termos de carga afetiva e deduzir
dessa interpretação o papel do processo. A definição de Freud foi operacional”
(CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 56)
“Freud não adotou o método hipnótico já em seu retorno a Viena, e não conseguiu fazer
com que seus colegas aceitassem as conclusões de Charcot a propósito da histeria. Por
outro lado, quando, em 1887, tornou-se ‘praticante’ da hipnose, não foi do método
catártico que ele se valeu inicialmente, mas da sugestão hipnótica, à maneira de
Bernheim” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 57)
“Acaso podemos supor que, de volta a Viena, Freud ficou mais interessado no poder
que a hipnose parecia conferir ao médico do que na nova ordem de causalidade
invocada em seguida? Seja como for, ao fazer posteriormente a crítica da sugestão
hipnótica, Freud retomou a esse propósito o contraste formulado por Leonardo da Vinci
entre a pintura e a escultura: enquanto está última, como a análise, trabalha ‘per via di
levare’, ‘retirando da pedra bruta tudo aquilo que encobre a superfície da estátua que ela
contém’, a pintura procede ‘per via di porre’, pela aplicação de uma substância. Da
mesma forma, a sugestão era aplicada aos sintomas ‘sem se preocupar com a origem, a
força e a significação dos sintomas mórbidos’” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p.
57)
“Tal observação não constitui uma crítica em si. Antes, põe em evidência a
originalidade da orientação freudiana: o cuidado com aquilo que uma técnica implica e
pressupõe. Se o hipnotizador utilizai a sugestão como um processo atuante ‘per via di
porre’, era porque, efetivamente, não estava preocupado com a origem e a significação
do sintoma, porque utilizava a hipnose como puro meio d ação, cego para as razões de
sua eficácia, e não como um instrumento de investigação. Os fatores ignorados por ele
talvez determinassem os efeitos da sugestão, mas o terapeuta ficava, pelo próprio
emprego que fazia de sua técnica, impossibilitado de abordar esse problema. Freud não
era um ‘naturalista’, como Jussieu. Descreveu a sugestão como um técnico, no sentido
de que a utilização de um instrumento compromete aquele que o utiliza, situa-o em
relação àquilo sobre que ele age. A sugestão, portanto, não levantava problemas como
tal, e cabia-nos menos compreender seus efeitos do que aprender em que medida esses
efeitos faziam dela um instrumento terapêutico eficaz” (CHERTOK & STENGERS,
1990, p. 58)
“Foi também como técnico que Freud criticou, nesse mesmo artigo, a sugestão. A
onipotência que ela parecia conferir ao hipnotizador era meramente ilusória”
(CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 58)
“É notável, de fato, que o contraste estabelecido por Freud para caracterizar a sugestão e
seus limites não visasse em absoluto à hipnose como tal, mas apenas à sugestão, quer
ela procedesse, aliás, em estado de vigília ou de hipnose. Ora, nos textos que citamos,
publicados em 1894, já foi uma técnica ‘per via di levare’ que Freud descreveu a
propósito do método catártico. A hipnose já não era um instrumento que permitisse
imprimir uma representação no cérebro do paciente, mas um instrumento que associava
indissoluvelmente a investigação e a terapia: era na medida em que o paciente, graças à
hipnose, conseguia lembrar-se do trauma passado e revivê-lo afetivamente que a carga
afetiva que determinava o sintoma podia ser eliminada. E esse instrumento, além disso,
não era aplicado a um sujeito passivo, submetido a uma autoridade arbitrária: era
realmente preciso erguer o véu do esquecimento e fazer surgir, como o escultor faz
surgir da pedra bruta a estátua que ela contém, a experiência traumática tal como
vivenciada” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 58-59)
“Por que Freud abandonou a técnica hipnótica? Para responder a essa pergunta, cabe
distinguir as razões pelas quais Freud abandonou a sugestão hipnótica direta das razões
pelas quais Freud abandonou a hipnose propriamente dita, ou seja, evitar a confusão
entre hipnose e sugestão, que ele mesmo, como vimos, estimulou. Essa é uma questão
importante, já que, em 1893, foi a eficácia do processo hipnótico, e não da sugestão, que
funcionou como prova da nova ordem de causalidade psíquica que Freud se empenhou
em instituir” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 59)
“De todas as pacientes tratadas por Freud, é possível que Anna von Lieben tenha sido a
que maior papel desempenhou na história da psicanálise. [...] Anna von Lieben pode ter
sido o personagem central de um incidente, sem dúvida situado em 1891 ou 1892, que
Freud associou com a ‘descoberta’ da natureza sexual da histeria. Uma de suas
pacientes, ao despertar do estado de hipnose, passou-lhe os braços em volta do pescoço.
Se é fato que Anna von Lieben foi realmente a mulher que saltou no pescoço de Freud,
então ela está na origem da descoberta de uma das noções fundamentais da psicanálise,
a de transferência. [...] Desde o momento em que Freud excluiu a hipótese de que a
conduta de sua paciente pudesse explicar-se por seu ‘encanto pessoal irresistível’, ele
considerou que os sentimentos que ela lhe manifestava dirigiam-se, na realidade, a
algum outro, a um ‘terceiro’ entre ela e ele” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 60)
“Três temas se entrelaçam indissociavelmente nessa recordação. Primeiro, a
(re)descoberta abrupta daquilo que tanto havia impressionado os membros da comissão,
e que motivara seu relatório secreto. O laço estabelecido entre hipnotizador e
hipnotizado nada tinha de neutro, e podia ser perigosamente próximo de uma relação
amorosa. Segundo, a hipótese explicativa de Freud: esse amor não era dirigido a ele,
mas a outra pessoa. [...] E por fim, a conclusão: para ‘colocar fora de circuito’ ou, pelo
menos, ‘isolar’ o elemento misterioso da hipnose, cuja verdadeira natureza Freud
acabara de apreender, era-lhe necessário abandonar a hipnose. Abandoná-la no que
concernia a essa paciente, pelo menos, já que Freud, na verdade, apenas restringiu seu
emprego, passando a só recorrer a ela, a partir de 1896, para ‘algumas experiências
particulares’” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 60-61)
“Mas a recusa de Freud a considerar ‘verdadeiro’ o vínculo afetivo estabelecido pela
hipnose se duplicaria na contestação, ainda muito mais radical, de uma outra verdade:
aquela que a hipnose supostamente fazia surgir. Desta feita, já não era a hipnose como
instrumento da sugestão, mas como instrumento de investigação e rememoração, que
devia ser reinterpretada: era a ‘via di levare’, que parecia ser aberta não apenas pela
hipnose, mas também pelos outros métodos posteriormente utilizados por Freud
(Druckmethode [método da pressão], e depois a associação livre), que tinha de ser
reinterpretada. De fato, foi em 1897 que Freud abandonou sua ‘teoria da sedução’: seus
pacientes não tinham, decidiu ele, sofrido na infância os traumas sexuais de que se
lembravam ao longo da análise. Tratava-se, na verdade, de fantasias, de projeções sobre
um adulto, que permitiam à criança defender-se da ameaça suscitada por suas próprias
pulsões. Correlativamente, como sabemos, foi toda a interpretação da patologia que veio
a se transformar: se esta já não tinha origem num trauma, num acontecimento real, então
já não remetia a uma história ‘patológica’ singularizada por tais acontecimentos, mas
aos traços intrínsecos de toda história humana. À ‘reminiscência’ de que sofriam
unicamente os histéricos veio suceder-se, a partir de então, um fenômeno a que
ninguém podia escapar: o ‘retorno do recalcado’, sob a forma de sintomas, bem como
de sonhos e atos falhos, e do conjunto do material a ser suscitado pela técnica da
associação livre, desde então colocada no centro da análise. A verdade a ser buscada já
não era de ordem factual, mas antropológica: a análise se transformaria num lugar de
investigação sobre a história do bebê humano” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p.
61)
“Por conseguinte, o conjunto dos elementos que haviam norteado Freud até então
mudou de sentido. Com a noção de verdade, foi também a de cura que teve de ser
modificada. A hipnose, privilegiada por permitir fazer voltar à memória e reviver o
acontecimento traumático, foi duplamente condenada. Primeiro por ser perigosa, já que
suscitava uma transferência afetiva descontrolada para a pessoa doa analista. E segundo,
porque a própria significação da cena terapêutica e da rememoração se havia
modificado: uma lembrança, por mais antiga e por mais carregada de afeto que fosse,
podia ser uma ‘mentira’. A análise já não podia ter como finalidade reavivar a
lembrança de um acontecimento real, a fim de esvaziá-la de sua carga afetiva, mas levar
a uma conscientização dos conflitos psíquicos que explicavam, sobretudo, a
possibilidade dessas lembranças. A lembrança era apenas o caminho para uma verdade
cuja produção a hipnose não podia efetuar, uma verdade que somente a análise dos
conflitos psíquicos que investissem a cena analítica, tal como investiam toda a vida do
paciente, poderia fazer advir” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 61-62)
“Quando, em 1914, Freud se recordou da técnica hipnótica, não foi o contraste entre
sugestão e análise que ele pôs em destaque, mas o contraste entre a tranquila
simplicidade da situação terapêutica, tal como ele a concebera na época da hipnose, e a
complexidade repleta de riscos que descobrira depois: durante o tratamento, produziam-
se não apenas lembranças, mas repetições; esse tratamento não consistia, pois, em fazer
ressurgir uma verdade passada, mas em enfrentar um problema que ressurgia na cena
analítica como algo de real e atual” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 62)
“Enquanto a sugestão direta se opunha à análise como técnica, a hipnose, por sua vez,
opunha-se à análise da resistência do paciente e, mais precisamente, da que surgia no
decorrer do tratamento: a ‘transferência’ habitual, comum à maioria das relações
humanas e a todas as terapias, onde assumia a forma de uma ‘expectativa confiante’,
transmudava-se num sentimento violento, positivo ou negativo” (CHERTOK &
STENGERS, 1990, p. 63)
“O próprio amor, em nome do qual uma paciente podia subitamente renunciar a seus
sintomas, ou até declarar-se curada, devia ser reconhecido, já que criava um entrave à
continuação do tratamento, como uma manifestação da resistência” (CHERTOK &
STENGERS, 1990, p. 63)
“Quando o analista não dispõe dos meios de ‘despojar’ o paciente de suas armas, amor
ou ódio, o conflito triunfa sobre a cena analítica e condena à impotência o analista a
quem conseguiu transformar em ator” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 64)
“Mas o tema da ‘resistência’ não é apenas negativo. Com ele começa a história da
psicanálise propriamente dita” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 64)
“Com efeito, do ponto de vista da questão que nos ocupa, a ‘do coração e da razão’, a
questão não é o conteúdo da teoria freudiana, seu caráter racional ou até científico, mas
a definição dos meios racionais passíveis de autorizar essa teoria. O abandono da
hipnose, que Freud faz coincidir com o nascimento da análise, constitui, desse ponto de
vista, um episódio decisivo, pois traduz a descoberta da oposição entre ‘coração’ e
‘razão’, que para ele singularizariam a situação analítica” (CHERTOK & STENGERS,
1990, p. 64)
“O ‘coração’, o amor explosivo ou a hostilidade súbita, entravava o curso racional da
terapia, opunha-se à elucidação das causas do sintoma. Essa ‘complexidade’ da situação
terapêutica era um obstáculo para Freud, que desejava utilizar a hipnose como um puro
instrumento de rememoração. Mas essa ‘resistência’ ver-se-ia convertida numa nova
possibilidade operatória. Assim como a histeria, como vimos, fora definida do ponto de
vista da ação que era possível exercer sobre ela – na medida em que os sintomas
histéricos podiam ser eliminados pela rememoração, pelo ressurgimento do trauma in
statu nascendi -, também a relação hostil ou amorosa seria compreendida, do ponto de
vista da análise, precisamente como algo que criava um obstáculo à análise, à
rememoração e à cura. Portanto, seria racionalmente compreendida como resistência, e
sua interpretação como manifestação do complexo patogênico na origem da doença se
converteria num pivô essencial da análise” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 64)
“A ‘nova’ situação era certamente complexa, perigosa – Freud não o escondeu de seus
alunos nas ‘Observações sobre o Amor Transferencial’ -, mas, por direito, o coração
podia e devia, no curso de uma análise, ser compreendido do ponto de vista da razão. O
analista devia saber que aquilo que o embaraçava estava ali justamente para embaraçá-
lo” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 65)
“A química ‘antes’ de Lavoisier não era, como tantas vezes se disse, um campo recém-
saído das brumas da alquimia. Já fazia muito tempo que os ‘químicos’ existiam e se
formulavam o problema do caráter científico, a fazer reconhecer ou advir, de sua
ciência” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 65)
“Ouçamos, para melhor compreender o problema dos químicos ‘antes’ de Lavoisier,
uma testemunha, Gabriel Venel, autor do verbete sobre ‘Química’ (1753) da
Enciclopédia de Diderot e d’Alembert. Esse verbete era ‘engajado’: tratava-se, para
Venel, de defender a especificidade da prática dos químicos e, em particular, de
defende-la daqueles que, sendo cartesianos ou newtonianos, queriam reduzi-la aos
princípios explicativos, às relações de causa e efeito reconhecidas pela mecânica”
(CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 65)
“A postura de Venel, que aliás se referiu ao naturalista Buffon, não deixa de ter analogia
com a de Jussieu. Também Jussieu sublinhava que era suficiente identificar alguns
efeitos indiscutíveis para fazer do magnetismo, certamente, não um princípio
explicativo, mas um objeto de interrogação que levantava o problema de sua ‘causa’.
Ele rogou que seus colegas ‘aprendessem a ver’ a natureza tal como ela é. Aprender a
ver, e não procurar reduzir a relações causais reconhecidas, mas inadequadas (e os
químicos de hoje sabem que elas o eram no que concerne à química, já que lhes foi
preciso esperar pela mecânica quântica para disporem de uma teoria, senão da reação
química, pelo menos da ‘ligação’ química)” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 66)
“Aprender a ver: eis aí um tema recorrente em Venel. Ele não esperava, para que sua
ciência fosse reconhecida, por um ‘milagre’ semelhante à fundação newtoniana da
mecânica celeste, pela descoberta de um princípio simples que explicasse e ordenasse
tudo, de um só golpe. A química era e continuaria a ser uma arte da aprendizagem”
(CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 66-67)
“Coisas demais por observar, circunstâncias demais a interferir e criar obstáculos à
reprodutibilidade de um processo: eis o que, tanto para Venel como para Diderot, fazia
da química uma ciência irredutível ao modelo da mecânica. O juízo não podia provir de
princípios formulados a priori, mas era parte integrante da arte dos sentidos: ‘farejar,
adivinhar, pressentir’. Como Jussieu frente à multiplicidade dos fenômenos magnéticos
em volta da cuba de Deslon, Venel pleiteou tempo. Somente uma vida de trabalho, de
observação e de experiência poderia criar um químico, fazer dele coração (ou corpo) e
razão, um ser à altura daquilo com que lidava” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p.
68)
“Coisas demais por observar. Era preciso isolar, delimitar, purificar, simplificar: foi essa
a reação dos comissários à cuba de Deslon. Foi essa a linha de conduta de Lavoisier ao
constituir a si mesmo como fundador da química” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p.
68)
“Lavoisier não fundou a química com base numa explicação das reações químicas.
Talvez a ‘afinidade química’ viesse um dia a ser compreendida, escreveu ele, com
ênfases que fazem lembrar as de Freud ao evocar o possível encontro da psicanálise
com a biologia. Mas a química não tinha que esperar pela criação desse vínculo com a
física. Devia criar seus próprios fatos, unívocos e reprodutíveis” (CHERTOK &
STENGERS, 1990, p. 68)
“Enquanto Venel descrevia a química como uma arte da experiência, que implicava
tanto o corpo quanto o conhecimento – pois somente a educação dos sentidos podia
tornar o químico capaz de lidar com o que era imposto pela multiplicidade e pela
variabilidade da atividade química, de integrar índices múltiplos, de compreender sem
dispor de regras gerais -, Lavoisier iria definir uma técnica experimental. O químico
deixou de se definir por sua atenção e sua experiência, mas, como já dissemos, passou a
se definir por sua ação: constituir o cenário experimental e fechá-lo de tal maneira que
ele ficasse integralmente submetido a seu controle” (CHERTOK & STENGERS, 1990,
p. 68)
“Que nenhuma teoria, tampouco, e nenhum arrebatamento da imaginação criassem
obstáculo à leitura neutra dos dados pelos quais levamos a natureza a nos ditar sua
verdade” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 69)
“As respostas que a Natureza ‘ditava’ ao químico de Lavoisier eram, é claro, relativas à
montagem experimental” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 69) – “A formulação de
uma pergunta é sua solução” (Marx – A questão judaica).
“A história da química no século XIX é indissociável da de seus instrumentos. [...] No
século XIX, houve uma acumulação de protocolos padronizados, autorizando qualquer
químico, mesmo iniciante, a realizar análises e sínteses, caso estivesse de posse dos
reagentes e dos instrumentos adequados” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 70)
“Esta última condição esclarece, em ampla medida, a transformação da química, de
ciência da experiência em ciência da experimentação. O químico de Venel lidava com
matérias primárias, enquanto o químico do século XIX lidava com reagentes ‘puros’,
produzidos em laboratórios acadêmicos ou industriais” (CHERTOK & STENGERS,
1990, p. 70)
“A química do século XIX foi, de fato, herdeira de Lavoisier, no sentido de que ele
tinha querido criar uma ruptura, anular o passado de sua ciência, e de que o duplo
desenvolvimento da química e das indústrias químicas, indissoluvelmente associado,
realizou essa ruptura, rompeu efetivamente as amarras com a antiga química artesanal e
com os materiais que ela trabalhava” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 70)
“A diferença entre ciência e não-ciência, para Freud, não passava, portanto, por uma
teoria que explicasse a ação da ‘confiança expectante’ que estava na base de qualquer
terapia. Passava pelas possibilidades de controle: subjugar a sugestão, a ‘confiança
expectante’, poder dosá-la, ‘dispor dela’, em suma, manipulá-la como Pasteur
manipulava a ação de seus germes ou como o químico manipulava a reação, aquecendo-
a ou esfriando-a” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 72)
“A despeito do poder da analogia entre os objetivos do analista e os do químico, a
simplicidade do laboratório químico pertencia ao passado, na medida em que estava
ligada à utilização da técnica hipnótica. A química, como técnica científica, pudera criar
os atores fidedignos de que precisava, capazes, por suas reações reprodutíveis, de
confirmar os diagnósticos formulados quanto à sua identidade e quanto às regras de suas
associações e dissociações. Já os sintomas histéricos, ao contrário, haviam resistido à
técnica hipnótica. Os pacientes de Freud, submetidos à hipnose, nem por isso se haviam
tornado, como ele reconheceu, testemunhas fidedignas que permitissem comprovar,
através de sua cura, a solidez da fundamentação do discurso explicativo de seu mal. A
hipnose não era uma técnica confiável” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 74)
“Ou a analogia caía por terra: a cena analítica não podia ser purificada à maneira do
recinto fechado químico, e o terapeuta não podia, portanto, construir ‘fatos’
tecnicamente informados, fatos que pudessem afirmar serem ‘ditados’ por aquilo com
que estava lidando, já que aquilo com que estava lidando escapava ao controle, e já que
ele mesmo estava implicado, de maneira incontrolável, na situação que analisava”
(CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 74)
“Ou então, a analogia com a técnica científica podia ser recriada num outro nível: ‘Em
psicanálise, regras técnicas estritas vêm substituir uma qualidade inapreensível que
exige um dom especial: o ‘tato médico’. Freud assim caracterizou a diferença crucial
entre uma técnica moderna e os antigos ofícios, a possibilidade de codificar uma
atividade, de precisar suas regras de tal maneira que qualquer um, a priori, pudesse
apreendê-las e servir-se delas” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 75)
“A genialidade de Freud consistiu, certamente, em ter feito da resistência e da
transferência, obstáculos à ‘antiga’ técnica que copiava as técnicas de laboratório, os
motores da nova técnica que, em sua aplicação, transformaria os pacientes em sujeitos
purificados, confiáveis, condição de qualquer técnica científica. O paciente repetia com
seu analista aquilo de que este lhe pedia que se recordasse” (CHERTOK &
STENGERS, 1990, p. 75)
“A cena analítica estava transformada em laboratório, no sentido de que ali se devia
produzir a substituição da neurose comum, incontrolável, pela neurose transferencial,
analisável. Os ‘sintomas mórbidos’, matéria-prima da antiga técnica, tinham que ser
transformados, ter-lhes conferida uma significação transferencial. Tal como o químico
do século XIX ‘criava seu objeto’, em vez de tomá-lo no mundo natural, não mais
estudando as matérias-primas não purificadas que o artesão transformava, o analista
‘[instaurava] um estado que tem todos os aspectos de uma doença artificial’. E essa
doença, na medida em que tinha por arena única o ‘campo circunscrito’ da cena
analítica, tornava-se acessível a suas intervenções. O analista não esbarrava na repetição
como um obstáculo, mas podia analisá-la, porque os próprios recursos mobilizados pelo
paciente para criar obstáculos à análise tinham sido redefinidos, circunscritos na ‘arena’
transferencial” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 76)
“A produção e a análise da transferência reunia num mesmo processo aquilo que o
químico, por sua vez, separava, uma vez que ele encontrava no comércio ou em outros
laboratórios os reagentes purificados e padronizados de que precisava. Elas levavam
adiante o processo de purificação, de eliminação do que criava obstáculos à análise, e a
própria análise. A transferência, portanto, permitiu a Freud substituir a doença comum,
que certamente implicava o analista, porém nas mesmas condições de qualquer outro
personagem da vida real do paciente, por uma doença de laboratório, colocada a
serviço do conhecimento” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 76)
“Em 1912, Freud admitiu ‘de bom grado que os resultados da psicanálise se
fundamentam na sugestão’, no sentido em que Ferenczi e ele mesmo haviam definido a
sugestão, como ‘a influência exercida sobre um sujeito por meio dos fenômenos
transferenciais de que ele é capaz’. Em 1917, em suas Conferências Introdutórias sobre
Psicanálise, ele se estendeu sobre a diferença entre a sugestão comum e a sugestão
‘analítica’, posta a serviço do conhecimento, isto é, dosável e calculável em seus
efeitos” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 77)
“O processo de purificação, a transformação da compulsão à repetição numa ‘razão para
recordar’, convém esclarecê-lo, não era coisa fácil. As resistências não se dissipavam a
partir do momento em que eram reconhecidas” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p.
78)
“Sem dúvida, o trabalho sobre a transferência era uma técnica perigosa, tão perigosa
quanto a relação que se estabelecida entre o hipnotizador e seu paciente. A colaboração
com o paciente era precária e reiteradamente posta em perigo pelas resistências. Mas
esse perigo, a partir daí, tornara-se respeitável, posto que era indispensável ao triunfo do
conhecimento” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 78)
“Na verdade, para que a cena analítica se fechasse progressivamente, se purificasse de
suas ligações com a vida real e viesse a girar unicamente em torno das resistências à
análise, e portanto, unicamente em torno da pessoa do analista, para que a compulsão à
repetição se convertesse num motivo para recordar, era preciso que o analista não
pudesse aparecer como um personagem da vida real. Daí a regra, fundamental para a
análise, da abstinência [...] Só assim o analista poderia demonstrar a seu paciente o
caráter ilusório e fantasístico do papel que ele o fazia desempenhar, poderia fazê-lo
conscientizar-se das ‘emoções recalcadas e inconscientes que existem nele’, de tal sorte
que as lembranças fossem despertadas e surgissem como que espontaneamente, numa
simplicidade não encontrada, mas incessantemente reproduzida da antiga técnica”
(CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 79)
“É suficiente a análise da transferência?, perguntou-se Freud em 1918. Não deveria ela,
em alguns casos, ser auxiliada pela ‘atividade’ do psicanalista? Esse recurso era
necessário, explicou Freud, porque nem sempre se podia deixar a cargo do paciente a
tarefa de pôr termo a suas resistências, contentar-se com o impulso dado pela
transferência” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 83)
“A partir dessas indicações gerais, Freud desenvolveu seu pensamento. No curso do
tratamento, lembrou, os sintomas desapareceriam pouco a pouco. Mas esses sintomas
serviam ao paciente de satisfações substitutas à frustração causadora de sua
enfermidade. Por isso, ele ficava tentado a encontrar para si outras satisfações da mesma
ordem, dessa vez sem um caráter doloroso: toda sorte de prazeres e interesses. Com
isso, entretanto, ele perdia a força pulsional que o impelia para a cura” (CHERTOK &
STENGERS, 1990, p. 83)
“Intimado a renunciar às satisfações buscadas em suas atividades externas, o paciente
buscaria uma compensação no próprio tratamento, na transferência para a pessoa do
médico. Este deveria acautelar-se, pois ‘o analista que dá a seu paciente, talvez por um
excesso de bom coração, tudo o que um ser humano pode esperar de outro, comete um
erro econômico semelhante àquele de que nos tornamos culpados em nossas clínicas
não-psicanalíticas... Todos esses mimos devem ser evitados’” (CHERTOK &
STENGERS, 1990, p. 83-84)
“Como vemos, a ‘atividade’ aqui preconizada por Freud consistia em impedir o doente
de se entregar a atividades prejudiciais à sua verdadeira cura e, vez por outra, em ajudá-
lo a tomar uma decisão favorável a esse fim, da qual ele talvez fosse incapaz. As
intervenções do analista seriam ainda mais indicadas na medida em que ele lidasse com
pessoas de caráter fraco. ‘Com a maioria dos pacientes’, acrescentou Freud, ‘vemo-nos
também obrigados a nos colocar, ocasionalmente, na posição de educadores e
conselheiros’. Mas em nenhum caso deveria o analista procurar incutir nos pacientes
ideias a que ele próprio se apegasse” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 84)
“Entretanto, Freud indicou que o analista era obrigado a exercer ‘mais uma atividade, de
gênero totalmente diferente’, com algumas categorias de doentes. Para começar, havia
os fóbicos gravemente afetados, que era preciso levar a se colocarem na situação
temida, isto é, a saírem sozinhos. Da mesma forma, convinha tirar de sua passividade os
neuróticos obsessivos, que tendiam a prolongar indefinidamente o tratamento. Com
eles, marcar-se-ia um prazo para o término da análise, coisa que o próprio Freud havia
experimentado com o Homem dos Lobos, a quem tinha participado, depois de tratá-lo já
fazia três anos, que o tratamento não poderia exceder quatro anos (lembremos que, em
1904, na exposição de seu método, Freud fixara a duração do tratamento num prazo de
seis meses a três anos)” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 84)
“A substituição da neurose comum por uma neurose transferencial, que deveria colocar
a doença a serviço do conhecimento, isto é, torná-la integralmente acessível à
intervenção do analista, não era onipotente. Ingressamos aqui num novo capítulo: a
técnica levantou, a partir daí, o problema que supostamente e indissociavelmente
resolvia – o de sua aplicação” (CHERTOK & STENGERS, 1990, p. 85-86)
LINHAS DE PROGRESSO NA TERAPIA PSICANALÍTICA, FREUD, 1918
ABSTINÊNCIA E NEUTRALIDADE: O mal-estar na cultura; Acerca de uma visão de
mundo (Novas Conferências)
O transporte de categorias de uma ciência para a outra: biologia e economia; biologia e
psicologia.
Marxismo e psicanálise: Wilhelm Reich

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