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A Nova Aliança

INTRODUÇAO: METAMORFOSE DA CIÊNCIA

“Trata-se de adivinhar o comportamento duma realidade distinta de nós, insubmissa tanto a


nossas crenças e ambições quanto à nossas esperanças. Não se obriga a dizer tudo o que se quer à
natureza, e é porque a ciência não é um monólogo, porque ao ‘objeto’ interrogado não faltam meios
para desmentir a hipótese mais plausível ou mais sedutora, em resumo, porque o jogo é arriscado, que
é fonte de emoções raras e intensas”. p. 3

“A ciência moderna começou por negar as visões antigas e a legitimidade das questões postas pelo
homem a propósito da sua relação com a natureza. Ela iniciou o diálogo experimental, mas a partir
duma série de pressupostos e de afirmações dogmáticas que votavam os resultados dessa interrogação
(e sobretudo a ‘concepção do mundo‘ que os acompanhava) a se apresentarem como inaceitáveis
para os outros universos culturais, incluindo o que os produziu. A ciência moderna constituiu-se
como produto de uma cultura, contra certas concepções dominantes desta cultura (o aristotelismo em
particular, mas também a magia e a alquimia). Poder-se-ia mesmo dizer que ela constituiu contra a
natureza, pois que lhe negava a complexidade e o devir em nome dum mundo eterno e cognoscível
regido por um pequeno número de leis simples e imutáveis”. p. 4

“Esta ideia duma ‘natureza autômato’, cujo comportamento teria por chave leis acessíveis ao homem
através dos meios finitos da mecânica racional, era certamente uma aposta audaciosa. Ela suscitou
um entusiasmo e uma rejeição igualmente apaixonados. Estabeleceu também, fato doravante
incontornável, que leis matemáticas podem efetivamente ser descobertas. A ciência newtoniana
descobriu completamente uma lei universal, à qual obedecem aos corpos celestes e o mundo
sublunar. É a mesma que faz cair as pedras para o solo e os planetas girar ao redor do Sol. Este
primeiro sucesso nunca foi desmentido. Grande números de fenômenos obedecem a leis simples e
matematizáveis. Mas, desde então, a ciência parecia mostrar que a natureza não é senão um autômato
submisso. Uma hipótese fascinante e temerária torna-se a ‘triste’ verdade. Daí por diante, cada
progresso da ciência iria reforçar a angústia e o sentimento de alienação daqueles mesmos que lhe

PRIGOGINE, Ilya. STENGERS, Isabelle. A nova aliança: a metamorfose da ciência, 1ª ed.


Brasília: Editora Unb, 1984.
dão sua confiança e tentam alicerçar nela uma concepção coerente da natureza. A ciência parecia
concluir pela estupidez da natureza”. p. 5

“As ciências da natureza descrevem, de ora em diante, um universo fragmentado, rico de


diversidades qualitativas e de surpresas potenciais. Descobrimos que o diálogo racional com a
natureza não constitui mais o sobrevoo desencantado de um mundo lunar, mas a exploração sempre
local e efetiva, duma natureza complexa e múltipla”. p. 5

“Não estamos mais no tempo em que os fenômenos imutáveis prendiam a atenção. Não são
mais as situações estáveis e as permanências que nos interessam antes de tudo, mas as evoluções, as
crises e as instabilidades. Já não queremos estudar apenas o que permanece, mas também o que se
transforma, as perturbações geológicas e climáticas, a evolução das espécies, a gênese e as mutações
das normas que interferem nos comportamentos sociais. (...)” p. 5

“A concepção do mundo produzida pela ciência clássica parece obrigar a escolher entre aceitação das
conclusões alienantes que parecem impostas pela ciência e a rejeição do procedimento científico. A
ciência clássica caracteriza-se, pois, por uma inserção cultural instável: ela suscita o entusiasmo, a
afirmação heroica das duras implicações da racionalidade e a rejeição, até mesmo das reações
irracionalistas”. p. 6

“A função da ciência é a de ultrapassar as aparências complexas e reduzir (pelo menos de direito) a


diversidade dos processos naturais a um conjunto de efeitos dessas leis. Esta concepção dos objetos
científicos é acompanhada por uma discriminação entre o que, na natureza, se supõe corresponder a
uma ‘realidade objetiva’, e o que é considerado ilusório, ligado à nossa própria subjetividade. p. 7

“(...) essas leis descrevem o mundo em termos de trajetórias deterministas e reversíveis. Por isso, não
são somente a liberdade ou a possibilidade de inovação que se encontram negadas, mas também a

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ideia de que certos processos, como a combustão duma vela ou o envelhecimento dum animal, sejam
intrinsecamente irreversíveis”. p. 7

“Descobrimos que a irreversibilidade desempenha um papel construtivo na natureza, já que permite


processo de organização espontânea. A ciência dos processos irreversíveis reabilitou no seu da física
a concepção de uma natureza criadora de estruturas ativas e proliferantes. Por outro lado, a partir de
agora sabemos que, mesmo em dinâmica clássica, no que respeita aos movimentos planetários, o
mítico demônio onisciente, que se dizia ser capaz de calcular o futuro e o passado a partir de uma
descrição instantânea, morreu. Encontramo-nos num mundo irredutivelmente aleatório, num mundo
em que a reversibilidade e o determinismo figuram como casos particulares, em que a
irreversibilidade e a indeterminação microscópicas são regra’. p. 8

“Queremos assim depreender o significado de três séculos de evolução científica segundo uma
perspectiva particular, e lembrar como a ciência, parte de uma cultura ocidental dita clássica, através
de um complexo processo histórico, se abriu pouco a pouco até poder integrar diferentes
interrogações”. p. 8

“(...) não queremos pôr em evidencia a aquisição definitiva da ciência, seus resultados estáveis e bem
estabelecidos. Não pretendemos fazer visitar o edifício imponente duma ciência cristalizada e
triunfante. Queremos realçar a criatividade da atividade científica, as perspectivas e os problemas
novos que ela faz surgir. p. 9

“Não há, na hora atual, um modo canônico de aproximação para o problema da ciência; conhecemos
somente o preço inaceitável que pagaram alguns dos que tentaram ‘purificar’ o assunto e esquecer
que a descrição da atividade científica não pode, sem violência, ser separada do mundo a que
pertence”. p. 9

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“(...) seguiremos o desenvolvimento da ciência do calor, a partir do desafio que lançava a
formulação, por Fourier, duma lei matemática para a propagação do calor. A sequência da história
iria demonstrar que o desafio era mais grave do que o fora a formulação duma lei matemática
simplesmente estranha à ciência newtoniana dos movimentos; tratava-se, com efeito, da primeira
descrição matemática daquilo que a dinâmica não podia admitir: o processo irreversível”. p. 10

CAP. III – AS DUAS CULTURAS

1. O DISCURSO DO VIVENTE

“[D’Alembert] um ponto vivo... não, estou enganado. Primeiro, nada; depois um ponto vivo... A esse
ponto vivo junta-se um outro, e ainda um outro; e dessas junções sucessivas resulta um ser uno, pois
eu sou realmente uno, disso não posso duvidar. (Dizendo isto, ele se tateava por todo lado). Mas
como terá acontecido esta unidade... olha, filósofo: eu bem vejo um agregado, um tecido de pequenos
seres sensíveis; mas um animal... um todo... tendo consciência da sua unidade! Não o vejo, não, não o
vejo”. [DIDEROT] p. 63

“Vedes este ovo? É com isto que derrubam todas as escolas de teologia e todos os templos da terra. O
que é esse ovo? Uma massa insensível, antes que o germe aí seja introduzido... como passará esta
massa a uma outra organização, à sensibilidade, à vida? Pelo calor. Quem produzirá calor? O
movimento? Quais serão os efeitos sucessivos desse movimento? Em lugar de me responderdes,
sentai-vos e sigamo-los com a vista de momento a momento. Em primeiro lugar, é um ponto que
oscila, um filamento que se estende e colore; carne que se forma, um bico, pontos de asas, olhos,
patas que surgem; uma matéria amarelada que se desenrola e produz os intestinos; é um animal...
anda, voa, irrita-se, foge, aproxima-se, queixa-se, sofre, ama, deseja, goza; tem toda a vossa afeição;
todos os vossos atos, ele os executa. Pretendereis, como Descartes, que é uma pura máquina
imitativa? Mas as crianças rir-se-ão de vós, e os filósofos vos replicarão que, se aquilo é uma
máquina, vós a sois também. Se reconhecerdes que entre o animal e vós há apenas diferenças de
organização, mostrarei senso e razão, estareis de boa fé; mas, contra vós, se concluirá que, com uma
matéria inerte, disposta de certa maneira, impregnada de uma outra matéria inerte, calor e
movimento, se obtém sensibilidade, vida, memória, consciência, paixões, pensamentos... escutai e
terei piedade de vós próprios; sentireis que, por não admitirdes uma suposição simples que tudo

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explica, a sensibilidade, produto geral da matéria, ou produto da organização, renunciais ao senso
comum e vos precipitais num abismo de mistérios, contradições e absurdos” [DIDEROT] p. 63

“Contra o templo da mecânica racional, contra todos os que anunciam que a natureza material não é
senão massa inerte e movimento, Diderot chama assim àquilo que foi, sem dúvida, uma das mais
antigas fontes de inspiração da física, o espetáculo do desenvolvimento progressivo, da diferenciação
e da organização aparentemente espontâneas do embrião. Forma-se a carne, o bico, os olhos, os
intestinos; sim, há de fato organização progressiva de um espaço propriamente biológico,
aparecimento a partir de um meio homogêneo, de uma massa que parece insensível, de formas
diferenciadas, precisamente no momento e no lugar oportunos, num processo coordenado e
harmonioso”. p. 64

“O sistema newtoniano constitui um sistema de mundo. A totalidade dos corpos do Universo está em
interação e nada privilegia os movimentos restritos a um subespaço em relação às trajetórias sem
limites espaciais. O sistema newtoniano não dá sentido algum à diferenciação do espaço, à
constituição de limites naturais, à aparição de um funcionamento organizado, em resumo, a nenhum
dos processos que o desenvolvimento de um ser vivo implica”. p. 64

“Diderot sustenta que a matéria é sensível, e até mesmo a pedra tem surdas sensações, no sentido de
que as moléculas que a compõem procuram ativamente certas combinações, evitam outras e são
regidas por seus desejos e aversões. A sensibilidade do organismo inteiro não é senão a soma das
sensibilidades de suas partes, tal como o enxame de abelhas, de comportamento globalmente
coerente, é criada pela interação local, pouco a pouco, entre as abelhas; não existe mais alma humana
do que alma da colmeia”. p. 65

“É preciso eu a natureza material seja descrita de tal modo que possa explicar, sem absurdos, a
existência fundamentalmente natural do homem. Não sendo assim – e é o que acontece com a

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mecânica racional -, a descrição científica de uma natureza autômata terá por correlato o autômato
dotado de alma, nisso estranho à natureza”. p. 65

“Afirma Stahl que as leis universais se aplicam ao ser vivo apenas no sentido em que são elas que o
destinam à morte, à decomposição; as matérias de que o ser vivo é constituído são de tal maneira
frágeis, decompõem-se tão facilmente que, se fosse apenas pelas leis comuns da matéria, não
resistiria um só instante à corrupção e à dissolução. Se, apesar disso, o ser vivo subsiste, é preciso
que haja nele um ‘princípio de conservação’ que constitua e mantenha o equilíbrio social harmonioso
da textura e estrutura do seu corpo – seja qual for a duração da sua vida em relação à de uma pedra
ou de qualquer outro corpo inanimado. A admirável duração de vida do corpo vivo, dada extrema
corruptibilidade da matéria que o compõe, manifesta a ação de um ‘princípio natural, permanente e
imanente’, duma causa particular estranha às leis da matéria inanimada, e que luta sem cessar contra
a corrupção sempre atuante, a qual, por sua vez, resulta dessas leis”. p. 66

“O homem de ciência não seria capaz de se dirigir à natureza senão como a um conjunto de objetos
particulares, manipuláveis e mensuráveis: tomaria assim posse de uma natureza que submete e
controla, mas desconhece. O verdadeiro conhecimento encontra-se assim, por essência, fora do
alcance da ciência”. p. 67

2. RADIFICAÇÃO CRÍTICA

“(...) é necessário distinguir as simples sensações que recebemos e o modo de conhecimento objetivo,
o modo de conhecer do entendimento; o conhecimento objetivo não é passivo, mas constitui seus
objetos. Quando tomamos um fenômeno por objeto de experiencia supomos-lhes a priori, antes de
qualquer experiência efetiva, um comportamento legal, a obediência a um conjunto de princípios”. p.
68

“As condições de possibilidades da experiência de um objeto são também as condições de


possibilidades da sua existência”. p. 68

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Brasília: Editora Unb, 1984.
CAP. IV. A ENERGIA E A ERA INDUSTRIAL

3. DAS MÁQUINAS TÉRMICAS À FLECHA DO TEMPO DO TEMPO

“Assim, a ciência da energia ia começar a descrever a própria natureza como um conjunto de


dispositivos de conversão, regidos por balanços reversíveis, enquanto aos olhos de todos ela se
tornara reservatório de máquinas, ameaçada de esgotamento a prazo. Tal é a situação nova onde se
enraíza, supomos, a ulterior transformação da física. O conceito de irreversibilidade traduz, em todo
caso, essa obsessão da física da conservação: o mundo queima como uma fornalha, sem recuperação
concebível; é preciso, portanto, que a energia, embora conservando-se, se dissipe. (...)”

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Brasília: Editora Unb,1984, p. 91

“A estrutura desta fórmula [F = E – TS] traduz o fato de o equilíbrio resultar aqui de uma
competição entre os fatores energéticos e entrópicos. É a temperatura que determina os pesos
relativos dos dois fatores: na baixa temperatura, a energia domina; formam-se então estruturas
ordenadas (entropia fraca) e baixa energia, como os cristais: no seio de tais estruturas, cada átomo,
cada molécula, interagem com seus vizinhos, e as energias cinéticas são bastante pequenas para que
essas forças de interação mantenham as partículas praticamente imóveis. Ao contrário, na alta
temperatura, é a entropia que é dominante e, com ela, a desordem molecular. Chegamos assim ao
estado líquido, e depois ao estado gasoso. (...)”

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Brasília: Editora Unb,1984, p. 101

“As estruturas de equilíbrio resultam da compensação estatística da atividade da multidão de


constituintes elementares. Elas são, portanto, desprovidas de atividade macroscópica, inertes a nível
global. Num sentido, elas são igualmente imortais; uma vez formadas, podem ser isoladas e manter-
se indefinidamente, sem ter mais necessidade de qualquer intercâmbio com o meio. Ora, quer
examinemos uma célula ou uma cidade, a mesma constatação se impõe: não somente esses sistemas
são abertos, como vivem de sua abertura, alimentam-se do fluxo de matéria e de energia que lhes
vem do mundo exterior. Está excluído que uma cidade, ou uma célula viva, evolua para uma
compensação mútua, um equilíbrio, entre os fluxos que entram e saem. Se assim o decidirmos,
podemos isolar um cristal; mas a cidade e a célula, separadas do seu meio, morrem rapidamente, pois

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são partes integrantes do mundo que as nutre, constituem uma espécie de encarnação, local e
singular, dos fluxos que elas não cessam de transformar. (...)”

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Brasília: Editora Unb,1984, p. 101 e 102.

“No mundo que conhecemos, o equilíbrio é um estado raro e precário, a evolução para o
equilíbrio, por seu turno, implica um mundo suficientemente afastado do sol para que o isolamento
dum sistema parcial seja concebível (não há “redoma” que resista à temperatura do sol), mas onde o
não-equilíbrio seja a regra: um mundo ‘tépido’”.

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Brasília: Editora Unb,1984, p. 102.

“A termodinâmica de equilíbrio constitui, na verdade, a primeira resposta dada pela física ao


problema da complexidade da natureza. Esta resposta formula-se como dissipação da energia,
esquecimento das condições iniciais, evolução para desordem. (...)” p. 103

CAP. V. OS TRÊS ESTÁGIOS DA TERMODINÂMICA

2. A TERMODINÂMICA LINEAR

“A generalidade das relações de reciprocidade constitui o primeiro resultado pertencente à


termodinâmica dos fenômenos irreversíveis que permite pensar em que esse domínio não era uma no
man’s land [terra de ninguém] mal definida, mas um tema de estudo de uma fecundidade potencial
idêntica à da termodinâmica de equilíbrio. A termodinâmica de equilíbrio foi obra do século XIX; a
termodinâmica de não-equilíbrio, do século XX; e as relações de Onsager foram o ponto crucial na
transferência de interesse do equilíbrio para o não-equilíbrio. (...)” p. 110

“A termodinâmica linear descreve, pois, comportamentos estáveis, previsíveis, dos sistemas


que tendem para a taxa mínima da atividade compatível com os fluxos que a alimentam. O fato de a
termodinâmica linear, tal como a termodinâmica de equilíbrio, permitir definir um potencial implica,
por outro lado, que, como a evolução para o equilíbrio, a evolução para o estado estacionário
significa o esquecimento das condições iniciais particulares. Qualquer que seja sua situação inicial, o
sistema atinge finalmente um estado determinado pelas suas condições aos limites; a sua reação a
uma mudança dessas condições é também previsível. (...)” p.111

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“A ausência de função potencial impõe à termodinâmica um novo problema, o da estabilidade
dos estados para os quais um sistema é suscetível de evoluir. Com efeito, quando o estado atrativo é
definido por um extremo determinado de um potencial, sua estabilidade fica assegurada. É verdade
que toda a flutuação afasta o sistema do extremo, que de fato corresponde sempre ao mínimo de
produção de entropia e causa, por isso, um aumento dessa produção, mas o segundo princípio impõe
um regresso ao estado atrativo. Este último está assim “garantido” contra a desordem da atividade
elementar e contra os desvios em relação às leis médias que esta desordem não cessa de engendrar.
Desde que um potencial pode ser definido, descrevemos, portanto, um “mundo estável” no seio do
qual os sistemas seguem uma evolução que os leva a imobilizar-se definitivamente num resultado
estático imposto pelo extremo correspondente da função potencial. (...)” p. 112

“A instabilidade dita “de Bénard” constitui um outro exemplo surpreendente em que a


instabilidade do estado estacionário determina um fenômeno de auto-organização espontânea. A
instabilidade é criada por um gradiente vertical de temperatura imposto a uma camada líquida
horizontal: a sua superfície inferior é levada por aquecimento a uma temperatura determinada, mais
elevada que a da sua superfície limite superior. A assimetria dessas condições aos limites determina
um fluxo permanente de calor de baixo para cima. A partir de um valor limiar do gradiente imposto,
o estado de repouso do fluido, o estado estacionário onde o calor é transportado por difusão, sem
efeito de convecção, torna-se instável. Um fenômeno de convecção, de movimento coerente das
moléculas do líquido, instaura-se, o qual acelera o transporte de calor e, para um mesmo valor da
coerção (do gradiente), faz aumentar, portanto, a produção de entropia do sistema. (...)” p. 113

“Assim, longe do equilíbrio, a noção de probabilidade que está no centro do princípio de


ordem de Boltzmann perde sua validade e, simultaneamente, a tendência para o nivelamento e
esquecimento das diferenças não volta a aparecer senão como um caso particular, não é mais
atribuível a não ser a uma classe limitada de sistemas. Em particular, no seio de um sistema que
evolui globalmente para o equilíbrio – e nós podemos dizer, por exemplo, que é o caso do sistema
planetário no seu conjunto -, os fluxos irreversíveis podem criar, de maneira previsível e reprodutível,
a possibilidade de processos locais de auto-organização. (...)” p. 114

“As células de Bénard constituem um primeiro tipo de estrutura dissipativa, cujo nome traduz
a associação entre a ideia de ordem e a de desperdício, tendo sido escolhido de propósito para
exprimir o fato fundamental novo: a dissipação de energia e de matéria – geralmente associada às

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ideias de perda de rendimento e de evolução para a desordem – torna-se, longe do equilíbrio, fonte de
ordem; a dissipação está na origem do que se pode muito bem chamar de novos estados da matéria.
(...)” p. 114

“As estruturas dissipativas constituem, com efeito, uma forma de organização


supermolecular: enquanto os parâmetros que descrevem a estrutura cristalina são dedutíveis a partir
das propriedades das moléculas que a constituem e, em particular, do alcance de suas forças de
repulsão e atração, as células de Bénard, como o conjunto das estruturas dissipativa, refletem
intrinsecamente a situação global de não-equilíbrio que lhes deu origem; assim, os parâmetros que as
descrevem são de ordem macroscópica, não da ordem de 10-8 cm como distância entre as moléculas
de um cristal, mas da ordem do cm. (...)” p. 114

“Em equilíbrio e perto dele, as leis termodinâmicas eram gerais; os estados de equilíbrio e os
estados estacionários próximos do equilíbrio apenas dependiam da relação entre as diferentes
velocidades de reação. Pelo contrário, o comportamento do sistema longe do equilíbrio torna-se
específico, depende de maneira crítica dos mecanismos das transformações químicas. Já não existe
lei universalmente válida donde poderia ser deduzido, para cada valor das condições aos limites, o
comportamento geral do sistema; cada sistema constitui um problema singular, cada conjunto de
reações químicas deve ser explorado e pode determinar um comportamento qualitativamente distinto.
(...)” p.115

4. O ENCONTRO COM A BIOLOGIA MOLECULAR

“De forma mais precisa, por um lado a termodinâmica descobria a possibilidade de estruturas
complexas e organizadas longe do equilíbrio e concluía pela singularidade desses novos estados da
matéria, pela necessidade absoluta de conhecer o pormenor dos mecanismos químicos de um sistema
para descobrir os novos comportamentos suscetíveis de se manifestarem longe do equilíbrio. (...)”
p.116

5. PARA ALÉM DO LIMIAR DE INSTABILIDADE QUÍMICA

“O comportamento periódico adotado pelo sistema é estável; a partir do limiar crítico, não
somente o sistema deixa espontaneamente, por ampliação de uma flutuação, o estado estacionário,
mas a evolução do sistema a partir de qualquer situação inicial lhe faz recuperar o ciclo; por

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conseguinte, nenhuma flutuação pode permitir ao sistema escapar ao que constitui um verdadeiro
relógio químico. (...)” p. 120

“Com efeito, enquanto em equilíbrio e próximo ao equilíbrio, o sistema mantém-se


espacialmente homogêneo, a difusão dos reagentes através do sistema conduz, longe do equilíbrio, à
possibilidade de novos tipos de instabilidade, à possibilidade de uma ampliação de flutuações
destruidoras da simetria espacial inicial. A oscilação temporal deixa, portanto, de ser a única estrutura
dissipativa acessível ao sistema. Por um lado, a oscilação periódica, que passa a depender
simultaneamente do espaço e do tempo, pode tomar a forma de vagas de concentrações de X e de Y
que atravessam periodicamente o sistema (figura 6). Por outro, nomeadamente quando os valores das
constantes de difusão de X e de Y são bastante diferentes um do outro, o sistema pode adotar um
comportamento que não é mais periódico, mas estacionário, com aparecimento de uma estrutura
espacial estável. (...)” p. 121

“A reação descoberta por Belousov (1958) e estudada em seguida por Zhabotinsky é, sem
contestação, a mais célebre. Trata-se da oxidação de um ácido orgânico, como por exemplo o ácido
malônico, por um bromato de potássio, em presença de um catalizador apropriado, o cério, o
manganês ou a ferroína. No mesmo sistema, condições experimentais diferentes podem produzir um
relógio químico, uma diferenciação espacial estável, ou a formação de frentes de onda de atividade
química deslocando-se através do meio reativo em distâncias macroscópicas. (...)” p. 121

6. HISTÓRIA E BIFURCAÇÕES

“Longe do equilíbrio, a homogeneidade do tempo é, com efeito, duplamente destruída: pela


estrutura espaço-temporal ativa, que confere ao sistema o comportamento de uma totalidade
organizada, caracterizada por dimensões e um ritmo intrínsecos, mas também pela história que o
aparecimento de tais estruturas implica. (...)” p. 122

“Chama-se bifurcação ao ponto crítico a partir do qual um novo estado se torna possível. Os
pontos de instabilidade à volta dos quais uma perturbação infinitesimal é suficiente para determinar o
regime de funcionamento macroscópico de um sistema são pontos de bifurcação. (...) p. 123

“A definição de um estado, para lá do limiar de instabilidade, não é mais intemporal. Para


justificá-lo, já não basta evocar a composição química e as condições aos limites. De fato, que o
sistema esteja neste estado singular não se pode deduzir disso, pois outros estados lhe eram

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igualmente acessíveis. A única explicação é, portanto, histórica ou genética: é preciso descrever o
caminho que constitui o passado do sistema, enumerar as bifurcações atravessadas e a sucessão das
flutuações que decidiram da história real entre todas as histórias possíveis. (...)” p. 124

7. DE EUCLIDES A ARISTÓTELES

“Um dos aspectos mais interessantes das estruturas dissipativas é certamente a coerência do
sistema no seu conjunto. Para lá da primeira bifurcação, o sistema parece comportar-se como um
todo, como se fosse a sede de forças de longo alcance; a população das moléculas, cujas interações
não ultrapassam a amplitude de uns 10-8 cm, estrutura-se como se cada molécula estivesse
“informada” do estado do conjunto do sistema. (...)” p. 124

“É necessário um pensamento da organização complexa que distinga e articule os níveis de


descrição, que estude a relação do todo com o comportamento das partes. Aos reducionistas, para
quem a única “causa” da organização só pode ser parte, Aristóteles com a causa formal, Hegel com o
trabalho do espírito, Bergson com o ato simples, jorrante, criador de organização, opõem uma
preeminência do todo. (...) p. 125

“A cada nível, uma totalidade emerge, a qual supõem as partes, mas as integra num
comportamento de conjunto regido por uma lógica que lhe é estranha e que elas não podem explicar.
Chegamos aqui a uma concepção mais “equilibrada” dos papéis respectivos das partes e dos
parâmetros macroscópicos que definem o sistema como um todo. E essa concepção não é válida
unicamente para as estruturas físico-químicas, onde se encontram ligados de maneira inseparável os
aspectos moleculares e, em particular, os mecanismos catalíticos e os aspectos supermoleculares.
(...)” p. 127

“Longe do equilíbrio, um regime de funcionamento pode assemelhar-se a uma organização,


porque resulta da ampliação de um desvio microscópico que, no “momento oportuno”, privilegiou
uma via reacional em detrimento de outras vias igualmente possíveis. Os comportamentos individuais
podem, portanto, em certas circunstâncias, desempenhar um papel decisivo. (...)” p. 127

CAP. VI. A ORDEM POR FLUTUAÇÃO

1. A LEI DOS GRANDES NÚMEROS

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“O princípio de ordem de Boltzmann permite por certo descrever, em química, em biologia ou
nas ciências das sociedades, as evoluções onde se aplainam as diferenças ou se limitam as
desigualdades. Ele é importante perante situações em que algumas “decisões” elementares, intervindo
numa situação instável, podem levar um sistema numeroso a se estruturar e diferenciar. (...)” p. 130

2. FLUTUAÇÕES E CINÉTICA QUÍMICA

“Nas proximidades dos pontos de bifurcação, onde o sistema tem “escolha” entre dois
regimes de funcionamento e não está, por assim dizer, nem em um nem em outro, o desvio em
relação à lei geral é total: as flutuações podem atingir a mesma ordem de grandeza que os valores
macroscópicos médios. A própria ideia de uma descrição macroscópica, isto é, de uma distinção entre
flutuações e leis médias, desmorona-se. Podem aparecer correlações entre acontecimentos
normalmente independentes. (...)” p. 131

“A flutuação não pode invadir de uma só vez o sistema inteiro. Ela deve estabelecer-se
primeiro numa região. E, conforme essa região inicial for ou não menor que uma dimensão crítica,
assim a flutuação regressa ou pode, ao contrário, invadir todo o sistema; essa dimensão crítica
depende, designadamente, no caso das estruturas dissipativas químicas, das constantes cinéticas e dos
coeficientes de difusão. (...)” p. 131

“O cálculo mostra que, quanto mais complexo é um sistema, maiores são as possibilidades de,
em qualquer caso, certas flutuações serem perigosas. Houve quem perguntasse como é possível que
conjuntos da complexidade das organizações ecológicas ou humanas possam manter-se e como
escapam eles ao caos permanente. É provável que nos sistemas muito complexos, em que as espécies
ou os indivíduos interagem de maneira muito diversificada, a difusão, a comunicação entre todos os
pontos do sistema seja igualmente muito rápida nesse caso, o limiar de nucleação muito elevado das
flutuações perigosas assegura uma certa estabilidade ao sistema. Assim, a rapidez da comunicação é
que determinaria a complexidade máxima que a organização de um sistema pode atingir sem se
tornar demasiado instável. (...)” p. 132

“É muito frequente a ideia de que foi de grupos restritos, excluídos e às vezes até perseguidos
pelo resto da sociedade, que vieram certas inovações que abalaram essa mesma sociedade: poder
inovador de grupos minoritários caracterizados por uma situação marginal em relação aos circuitos
dominantes. Por outro lado, há quem assinale que a rapidez da circulação das informações que

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caracteriza nossa época, a possibilidade de tudo difundir imediatamente para todo mundo, contribui
para manter todo acontecimento na insignificância do anedótico, a submeter toda ideia às leis do
espetáculo e da moda. (...)” p. 133

3. ESTABILIDADE DAS EQUAÇÕES CINÉTICAS

“Flutuações de origem externa, tal como as de origem interna, podem engendrar novas
estruturas; em determinadas circunstâncias precisas, o ruído, a perturbação aleatória das condições
aos limites, pode por conseguinte tornar-se fonte de ordem. Essa sensibilidade dos estados de não-
equilíbrio, não apenas às flutuações engendradas por sua atividade interna, mas também às dos fluxos
que os constituem, do meio no qual estão mergulhados, confirma essa ideia de que a estrutura
dissipativa constitui de fato a tradução singular dos fluxos que a nutrem. Nesse sentido, não há
nenhum milagre em descobrir uma “organização adaptativa” da atividade do sistema em função de
condições aos limites flutuantes, pois isso não é senão outro aspecto desta participação do meio do
qual vive. (...)” p. 134

“Assim, no que concerne às estruturas dissipativas, com as noções de crise e de instabilidade


que as acompanham, pode-se avançar que as ressonâncias que despertaram na própria física não são
independentes do interesse que essas noções suscitam na cultura contemporânea. Além disso, sem a
exploração pela bioquímica das vias metabólicas com suas não-linearidades múltiplas, a condição de
não-linearidade imposta pela termodinâmica para a instabilidade do estado estacionário de referência
ter-se-ia revelado demasiado constrangedora: as não-linearidades eram praticamente desconhecidas
na época, no mundo inorgânico. (...)” p. 138

“A presença de interações não-lineares numa população determina a possibilidade de modos


de evolução particulares (efeitos bola de neve, propagações epidêmicas, diferenciação por
amplificação de pequenas diferenças), e isso, seja qual for a população. Ela impõe certas questões:
que acontecimentos, que inovações ficarão sem consequências, quais os outros que são suscetíveis de
afetar o regime global, de determinar irreversivelmente a escolha de uma evolução; quais as zonas de
escolha, as zonas de estabilidade? E, na medida em que o tamanho, por exemplo, ou a densidade do
sistema pode desempenhar o papel de parâmetro de bifurcação, como é que um crescimento
puramente quantitativo pode abrir a possibilidade de escolhas qualitativamente novas? (...)” p. 140

4. ACASO E NECESSIDADE

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“A ordem por flutuação conduz ao estudo do jogo entre acaso e necessidade, entre inovação
provocadora e resposta do sistema, leva a distinguir entre os estados do sistema onde toda a iniciativa
individual é votada à insignificância e as zonas de bifurcação onde um indivíduo, uma ideia ou um
comportamento novo podem perturbar o estado médio também não interessa que indivíduo, ideia ou
comportamento, mas os que são “perigosos”, os que podem utilizar em seu proveito as relações não
lineares que asseguravam a estabilidade do antigo estado médio: são nos modelos simples as mesmas
não-linearidades que fazem nascer, e que podem, eventualmente, noutras condições, determinar a
destruição dessa ordem, a aparição para além de uma outra bifurcação, de um outro regime de
funcionamento. (...)” p. 141

“O conceito de ordem por flutuação não supõe, portanto, a distinção (tradicional em certas
escolas sociológicas) entre funcional e disfuncional; o que num dado momento é desvio
insignificante em relação a um comportamento normal pode, noutras circunstâncias, ser fonte de crise
e de renovação. Se os modelos da ordem por flutuação nos podem ensinar alguma coisa, é realmente
que toda a norma resulta de uma escolha, contém um elemento de acaso, mas não de arbitrário. (...)”
p. 141

“O ser vivo funciona longe do equilíbrio, num domínio onde as consequências do crescimento
da entropia não podem mais ser interpretadas segundo o princípio de ordem de Boltzmann; funciona
num domínio onde os processos produtores de entropia, os processos que dissipam energia,
desempenham um papel construtivo, são fonte de ordem. Nesse domínio, a ideia de lei universal cede
o lugar à de exploração de estabilidade e instabilidades singulares, a oposição entre o acaso das
configurações iniciais particulares e a generalidade previsível da evolução que elas determinam dá
lugar à coexistência de zonas de bifurcação e de zonas de estabilidade, à dialética das flutuações
incontroláveis e das leis médias deterministas. (...)” p. 143

“No fim do século XIX, a irreversibilidade era associada aos fenômenos de fricção, de
viscosidade, de aquecimento; estava na origem das perdas e do esbanjamento de energia contra os
quais os engenheiros lutavam; podia ser sustentada a ficção de que não se tratava de um fenômeno
secundário, ligado à imperícia das nossas manipulações, à rudeza das nossas máquinas, e de que,
fundamentalmente, a natureza era reversível como pretendia a dinâmica. Mas essa ficção torna-se
doravante insustentável: os processos irreversíveis desempenham um papel construtivo; os processos

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da natureza complexa e ativa, nossa própria vida, só são possíveis por serem mantidos longe do
equilíbrio pelos fluxos incessantes que os nutrem. (...)” p. 144

CAP. VII. O CHOQUE DAS DOUTRINAS

1. A ABERTURA DE BOLTZMANN

“Certamente que as leis da termodinâmica se mantém universais próximas ao equilíbrio: todos


os sistemas termodinâmicos conhecem a mesma evolução monótona para o equilíbrio ou para um
estado estacionário próximo do equilíbrio, mas, para além do limiar de estabilidade, a ideia de
universalidade da lei dá lugar à exploração de comportamentos qualitativamente diversos e que
dependem não somente dos detalhes das transformações dissipativas, mas também do passado do
sistema. E justamente porque a definição do estado onde se encontram já não pode ser meramente
instantânea mas deve evocar as bifurcações sucessivas atravessadas, não é mais possível afirmar que
em cada instante “tudo é dado” (...)” p. 150

“O determinismo dinâmico dá lugar à dialética complexa entre acaso e necessidade, à


distinção entre as regiões de instabilidade e as regiões entre duas bifurcações, onde as leis médias,
deterministas, dominam. A ordem por flutuação opõe ao universo estático da dinâmica um mundo
aberto, cuja atividade produz a novidade, cuja evolução é inovação, criação e destruição, nascimento
e morte. (...)” p. 150

4. A INTERPRETAÇÃO JUBJITIVISTA DA IRREVERSIBILIDADE

“No instante inicial, podemos ter muitas informações sobre um sistema e localizá-lo com
muita precisão numa região restrita do espaço das fases, mas à medida que o tempo passa, os pontos
compatíveis com as condições iniciais poderão dar origem a trajetórias que se afastem cada vez mais
do ponto de partida. A informação ligada à preparação inicial perde assim, irreversivelmente, sua
pertinência até o último estádio onde não se conhece do sistema mais do que as grandezas que a
evolução dinâmica deixa. (...)” p. 159

“A termodinâmica é, por certo, a ciência dos sistemas complexos, mas segundo esta
interpretação, a única especificidade dos sistemas complexos é que o conhecimento que temos deles é
sempre aproximativo e que a incerteza, determinada por essa aproximação, vai crescendo com o
tempo. Em vez de poder reconhecer no devir irreversível das coisas o análogo do devir que o
constitui a si mesmo, o observador tem de admitir que a natureza, estranha a esse devir, limita-se a

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remeter-lhe a imagem do crescimento da sua própria ignorância; a natureza é muda, e o devir natural,
longe de falar ao homem do seu enraizamento no mundo, é apenas o eco dos empreendimentos
humanos e de seus limites. (...) p. 159

“O segundo princípio podia somente determinar a diferença entre as evoluções previsíveis e


reprodutíveis para o mais provável, e todas as outras, improváveis, mas compatíveis com as leis da
física. Era esse papel de “princípio regulador”, que nada explica mas define classes de possibilidade,
que criava a tentação de identificar a descrição termodinâmica com um conjunto de receitas de
manipulação e de previsão, e de negligenciar completamente os processos irreversíveis que explicam
o comportamento do sistema. Em contrapartida, quando o problema da estabilidade se põe, quando já
é excluída apenas uma flutuação, em vez de retroceder, amplifica-se, a atividade irreversível torna-se
construtiva, o sistema adquire uma autonomia definida pelos diferentes modos que a sua atividade é
suscetível de adotar para o mesmo conjunto de condições aos limites. E é a descrição dessa atividade,
e não a manipulação e a exploração do sistema, que doravante constitui o problema da
termodinâmica. (...)” p. 161

“Com efeito, é interessante notar que, de certo modo, a nossa situação não deixa de ter
analogia com aquela donde provém o materialismo dialético. A evolução contemporânea da física, a
descoberta do papel construtivo da entropia, impôs no interior das ciências da natureza uma questão
há muito colocada por aqueles para quem compreender a natureza era compreendê-la capaz de
produzir os homens e as suas sociedades. Descrevemos uma natureza que se pode qualificar de
“histórica”, capaz de desenvolvimento e inovação, mas a ideia de uma história da natureza foi
afirmada há muito tempo por Marx e, de maneira mais detalhada, por Engels, como parte integrante
da posição materialista. (...)” p. 161

“A termodinâmica, no momento em que descobriu o domínio dos processos auto-organizados,


descobriu também que não podia mais deduzir universalmente as reações de um sistema a uma
modificação de suas condições aos limites, mas devia explorar a estabilidade das estruturas
singulares engendradas pelos processos irreversíveis em certas circunstâncias. (...)” p. 162

CAP. VIII. A RENOVAÇÃO DA CIÊNCIA CONTEMPORÂNEA

1. PARA ALÉM DA SIMPLICIDADE DO MICROSCÓPIO

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“A ciência clássica tinha sublinhado a permanência, vemos agora mudança e evolução, vemos
partículas elementares que se transformam umas nas outras, que entram em colusão, se decompõem e
nascem; já não vemos mais nos céus as trajetórias periódicas que enchiam de admiração o coração de
Kant pelo mesmo motivo que a lei moral que nele morava; vemos objetos estranhos, quasares,
pulsares, explodem as galáxias e se despedaçam, as estrelas – dizem-nos – afundam-se em black
holes que devoram irreversivelmente tudo o que podem apanhar; e o Universo inteiro parece guardar,
com a radiação de corpo negro, a recordação da sua origem e do acontecimento que principiou sua
história atual. (...)” p. 164

“A descoberta de uma possibilidade física não é produto de uma resignação ao bom senso, é a
descoberta de uma estrutura intrínseca do real que se ignorava até aí e que condena à impossibilidade
um projeto teórico. Na verdade, essa descoberta tem como consequência excluir a possibilidade de
uma operação que podia até aí imaginar-se realizável em princípio; máquina térmica nenhuma poderá
explorar o calor do meio se não estiver simultaneamente em contato com uma fonte fria; mas isso é
também a abertura de um ponto de vista novo sobre o mundo, a base de uma nova possibilidade de
ciência. (...)” p. 165

4. RELAÇÕES DE INCERTEZA E DE COMPLEMENTARIDADE

“O físico não descobre uma verdade determinada, que o sistema silenciaria; ele deve escolher
uma linguagem, isto é, o conjunto dos conceitos macroscópicos, em cujos termos será solicitado ao
sistema que responda. É precisamente esta ideia de escolha que Bohr exprimia com o princípio de
complementaridade. Nenhuma linguagem, ou seja, nenhuma preparação do sistema que permita
representa-lo por uma função própria de um ou de outro operador, pode esgotar a realidade do
sistema; as diferentes linguagens possíveis, os diferentes pontos de vistas tomados sobre o sistema,
são complementares; todos tratam da mesma realidade, mas não podem ser reduzidos a uma
descrição única. Esse caráter irredutível dos pontos de vista de uma mesma realidade é muito
rigorosamente a impossibilidade de descobrir um ponto de vista genérico, um ponto de vista a partir
do qual a totalidade do real seria simultaneamente visível. (...)” p. 175

CAP. IX. NO SENTIDO DA SÍNTESE DO SIMPLES E DO COMPLEXO

1. NO LIMITE DOS CONCEITOS CLÁSSICOS

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“Toda coisa contém, em todas as suas partes, até as mais ínfimas, uma multiplicidade infinita
de germes qualitativamente diferentes, intimamente misturados. Aqui também toda região do espaço
das fases guarda uma riqueza de possibilidades qualitativamente diferentes, fica suscetível de
engendrar movimentos qualitativamente diferentes. (...)” p. 183

“A trajetória é um conceito “global” que se refere, em princípio, a um tempo arbitrariamente


longo. Uma trajetória pode parecer periódica durante um milhão de ano, e depois deixar de o ser.
Pode-se, portanto, chegar à conclusão segundo a qual, para determinar o tipo de trajetória de um
sistema de estabilidade fraca, seria preciso um grau de precisão infinito, por um raciocínio ad
absurdum: se pudéssemos observar um sistema dinâmico durante um tempo infinito, saberíamos em
que tipo de trajetória se encontra, e não teríamos necessidade de nenhum elemento estatístico para
prever sua evolução. Mas observar durante um tempo limitado e “prever” uma evolução são
evidentemente incompatíveis. A associação das duas atividades é, em si mesma, uma redução ao
absurdo da ideia de previsão determinista. (...)” p. 183

[Transformada do Padeiro] “O ponto essencial é que toda região, independentemente da sua


dimensão, contém em consequência trajetórias de tipos diferentes, umas se separando das outras cada
vez que a região é fragmentada. Assim, a evolução de um ponto é determinista, mas a descrição da
evolução de toda a região, tão pequena quanto se queira, tem um caráter estatístico; apenas pode-se
falar da probabilidade de um sistema, cuja condição inicial corresponde a uma região, seguir este ou
aquele tipo de trajetória. (...)” p. 187

“Chegou agora o momento de fazer à linguagem dos operadores para explicitar as


propriedades novas dos sistemas dinâmicos de fraca estabilidade. Com efeito, vimos que operadores
podem ser introduzidos desde que, em termos de trajetórias, a descrição dinâmica completa seja
abandonada por uma descrição que só pode ser estatística. (...)” p. 190

“O exemplo do padeiro permite compreender um ponto importante: a coexistência de


elementos deterministas (a trajetória) e de elementos estatísticos irredutíveis (evolução de regiões no
espaço das fases). É essa coexistência que nos permite definir o novo operador tempo agindo sobre
funções de distribuição. (...)” p. 195

5. UMA NOVA SÍNTESE

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“Os instrumentos que acabamos de introduzir permite-nos proceder agora a uma síntese dos
diferentes pontos de vista. Vimos que a entropia corresponde a um atraente. O estado de máxima
entropia “atrai” todo sistema isolado que se encontre num outro estado, de entropia menor. A
termodinâmica dos fenômenos irreversíveis precisou, em termos de grandezas macroscópicas, a
natureza dessa atração, - é o conteúdo do termo de produção de entropia que se exprime como uma
função dos fluxos (por exemplo, fluxo de calor) e de forças (por exemplo, gradientes de
temperaturas). A questão que se punha era a de saber se podemos ir mais além, dar ao atraente uma
interpretação em termos de grandezas microscópicas. (...)” p. 198

“Dissemos que os grandes temas da física clássica se juntam em volta da convicção de que o
microscópio é simples. Esta convicção foi rebatida por duas vezes. Uma primeira, pela descoberta de
que a simplicidade dinâmica pertence, de fato, ao mundo macroscópico, que ela não é atribuível ao
fenômeno quântico senão através dos nossos instrumentos. Uma segunda vez, pela descoberta de que,
em mecânica clássica, raros são os casos em que a evolução dinâmica é simples bastante para admitir
a ideia de trajetória. O operador microscópico de entropia pode ser construído onde, neste último
sentido, o microscópico deixa de ser simples. (...)” p. 199

“A física clássica estava dominada por um ideal, o de um conhecimento máximo, completo,


que reduziria o devir a uma repetição tautológica do mesmo. Era, como vimos, o mito fundador dessa
ciência. Hoje, a física das trajetórias não aparece mais senão como ilhota cercada pelas ondas da
instabilidade e da coerência quântica. (...)” p. 201

CONCLUSÃO: O RENCANTAMENTO DO MUNDO

1. O FIM DA ONISCIÊNCIA

“As máquinas simples da dinâmica, como os Deuses de Aristóteles, não se ocupam senão com
eles mesmos. Nada têm a aprender; mais ainda, tem tudo a perder, de um contato qualquer com o
mundo exterior. Simulam um ideal que o sistema dinâmico realizará. Descrevemos esse sistema e
mostramos em que sentido ele constitui a rigor um sistema do mundo, sem ceder lugar algum a uma
realidade que lhe seria exterior. A cada instante, cada um dos seus pontos sabe tudo o que deverá um
dia saber, ou seja, a distribuição espacial das massas e suas velocidades. O sistema está presente em
si, sempre e por toda a parte: cada estado contém a verdade de todos os outros, e todos podem se
entre predizer, quaisquer que sejam suas posições respectivas no eixo monódromo do tempo. Pode

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dizer-se que, nesse sentido, uma evolução dinâmica é tautológica. Cego e surdo a todo e qualquer
mundo exterior, o sistema funciona sozinho, e todos os seus estados se equivalem para ele. (...)” p.
204

“As leis universais da dinâmica das trajetórias são conservativas, reversíveis e deterministas.
Implicam que o objeto da dinâmica seja cognoscível de parte a parte: a definição de um qualquer
estado do sistema e o conhecimento da lei que rege a evolução permite deduzir, com certeza e a
precisão de um raciocínio lógico, a totalidade de seu passado e de seu futuro. (...)” p.205

“A termodinâmica dos processos irreversíveis descobriu que fluxos que atravessam certos
sistemas físico-químicos e os afastam do equilíbrio podem nutrir fenômeno de auto-organização
espontânea, rupturas de simetria, evoluções no sentido de uma complexidade e diversidade
crescentes. No ponto onde se detêm as leis gerais da termodinâmica pode-se revelar o papel
construtivo da irreversibilidade; é o domínio onde as coisas nascem e morrem ou se transformam
numa história singular tecida pelo acaso das flutuações e a necessidade das leis. (...)” p. 207

“Os caminhos da natureza não podem ser previstos com segurança; a parte de acidente é neles
irredutível e bem mais decisiva do que o próprio Aristóteles julgava: a natureza bifurcante é aquela
em que pequenas diferenças, flutuações insignificantes, podem, se se produzirem em circunstâncias
oportunas, invadir todo o sistema, engendrar um regime de funcionamento novo. (...)” p.207

“Esta instabilidade intrínseca da natureza nós a encontramos num outro nível, o do


microscópico. Neste, procuramos compreender que estatuto dar à irreversibilidade, ao elemento
aleatório, à flutuação estatística, a todas essas noções que a ciência macroscópica acabava de reunir
num complexo novo. Isto porque, num mundo homogêneo descrito pelas leis usuais da dinâmica, ou
por qualquer outro sistema de leis do mesmo tipo, essas noções não teriam sido senão aproximações,
e ilusões as perspectivas que nós introduzimos. (...)” p. 208

“Tanto ao nível macroscópico como ao nível microscópico, as ciências da natureza


libertaram-se, portanto, de uma concepção estreita da realidade objetiva que crer dever negar em seus
princípios a novidade e a diversidade, em nome de uma lei universal imutável. Libertaram-se de um
fascínio que nos representava a racionalidade como coisa fechada, o conhecimento como estando em
vias de acabamento. Doravante, elas estão abertas à imprevisibilidade, da qual não fazem mais o sinal
de um conhecimento imperfeito, de um controle insuficiente. Abriram-se, por isso, ao diálogo com

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uma natureza que não pode ser dominada mediante um golpe de vista teórico, mas somente
explorada, com um mundo aberto ao qual pertencemos e em cuja construção colaboramos. (...)” p.
209

“Hoje, a física não nega mais o tempo. Reconhece o tempo irreversível das evoluções para o
equilíbrio, o tempo ritmado das estruturas cuja pulsão se alimenta no mundo que as atravessa, o
tempo bifurcantes das evoluções por instabilidade e amplificação de flutuações. (...)” p. 211

“Cada ser complexo é constituído por uma pluralidade de tempos, ramificados uns nos outros
segundo articulações sutis e múltiplas. A história, seja a de um ser vivo ou de uma sociedade, não
poderá nunca ser reduzida a simplicidade monótona de um tempo único, quer esse tempo cunhe uma
invariância, quer trace os caminhos de um progresso ou de uma degradação. A oposição entre Carnot
e Darwin deu lugar a uma complementaridade que nos falta compreender em cada uma das suas
produções singulares. (...) p. 211

“A própria natureza dos argumentos teóricos pelos quais explicitamos a nova posição das
descrições físicas manifesta o duplo papel de ator e de espectador que passa a nos ser destinado.
Assim, mesmo em teoria dinâmica dos sistemas de fraca estabilidade, ou em mecânica quântica,
continuamos a fazer referência às noções de ponto no espaço, das fases e de trajetórias, que nos
definem a nós mesmos como espectadores, mas para precisar imediatamente em que se trata nos dois
casos de idealizações inadequadas. Chegamos aqui a certos temas associados ao “idealismo”, mas é
muito notável que as exigências mais determinantes na adoção da nova posição conceitual que
acabamos de descrever sejam as normalmente associadas ao “materialismo”: compreender a natureza
de tal maneira que não haja absurdo em afirmar que ela nos produziu. (...)” p. 213

“Assim a ciência se afirma hoje como ciência humana, ciência feitas por homens e para
homens. No seio de uma população rica e diversa em práticas cognitivas, nossa ciência ocupa a
posição singular de escuta poética da natureza – no sentido etimológico em que o poeta é um
fabricante –, exploração ativa, manipuladora e calculadora, mas doravante capaz de respeitar a
natureza que ela faz falar. É provável que esta singularidade continue a excitar a hostilidade daqueles
para os quais todo cálculo e toda manipulação são suspeitos, mas não deviam muito legitimamente
suscitar certos juízos sumários da ciência clássica. (...)” p. 215

4. UM TURBILHÃO NA NATUREZA TURBULENTA

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“Uma outra interrogação filosófica que podemos reler é a do materialismo dialético e da sua
busca de leis universais, às quais responderia o devir dialético da natureza. Como para os
materialistas, que queriam conceber uma natureza capaz de história, as leis da mecânica foram para
nós um obstáculo; mas não as declaramos falsas em nome de um outro tipo de leis universais. Bem
pelo contrário: conservamos-lhes o seu caráter fundamental; elas constituem a referência técnica e
conceitual que nos é necessária para descrever e definir o domínio onde elas já não são suficientes
para determinar o movimento. (...)” p. 217

“A natureza começa onde as trajetórias deixam de ser determinadas, onde se quebram os


foedera fati que regem o mundo em ordem e monótonos das evoluções deterministas. Lá começa
também uma nova ciência, que descreve o nascimento, a proliferação e a morte dos seres naturais. “A
física da queda, da repetição, do encadeamento rigoroso é substituída pela ciência criativa do acaso e
das circunstâncias”. Os foedera fati são substituídos pelos foedera naturae, dos quais Serres observa
que tanto designam “leis” da natureza, ligações químicas, singulares e históricas entre as coisas,
como uma “aliança”, um contrato com a natureza. (...)” p. 218

“A sabedoria helênica atinge aqui um dos seus pontos mais altos. Onde o homem é no mundo,
do mundo, na matéria, da matéria. Não é um estranho, mas um amigo, um familiar, um comensal e
um igual. Mantém com as coisas um contrato venéreo. Muitas outras sabedorias e ciências são
fundadas, ao invés, sobre a ruptura do contrato. O homem é um estranho ao mundo, à aurora, ao céu,
às coisas. Odeia-as, luta contra elas. O meio que o circunda é um inimigo perigoso a combater, a
manter em sujeição... Epicuro e Lucrécio vivem um universo reconciliado. Onde a ciência das coisas
e a do homem convêm na identidade. Eu sou tumulto, um turbilhão na natureza turbulenta. (...)”
Apud. SERRES, M. p. 218

5. UMA CIÊNCIA ABERTA

“Thomas Kuhn recentemente fez rejuvenescer certos elementos essenciais da concepção


positivista da evolução das ciências: evolução no sentido de uma especialização e compartimentação
crescentes das disciplinas científicas, identificação do comportamento científico “normal” com o
trabalhador “sério”, “silencioso”, que não se demora em questões “gerais” sobre o significado global
das suas pesquisas, e se limita aos problemas especializados da sua disciplina, autonomia essencial
do desenvolvimento científico em relação aos problemas culturais, econômicos e sociais. (...)” p. 220

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“Como toda história social, a história das ciências é um processo complexo no qual coexistem
acontecimentos determinados por interações locais, e projetos informados por concepções globais
sobre a tarefa da ciência e a ambição do conhecimento. É também uma história dramática de
ambições frustradas, de ideias que malogram, de realizações desviadas do significado que deveriam
revestir. (...)” p. 221

7. AS METAMORFOSES DA NATUREZA

“No momento em que descobrimos a natureza no sentido da physis, podemos igualmente


começar a compreender a complexidade das questões com as quais se confrontam as ciências da
sociedade. No momento em que aprendemos o “respeito” que a teoria física nos impõe para com a
natureza devemos aprender igualmente a respeitar as outras abordagens intelectuais, quer sejam as
tradicionais, dos marinheiros e camponeses, quer as criadas pelas outras ciências. Devemos aprender,
não mais julgar a população dos saberes, das práticas, das culturas produzidas pelas sociedades
humanas, mas a cruzá-los, a estabelecer entre eles comunicações inéditas que nos coloquem em
condições de fazer face às exigências sem precedentes da nossa época. (...)” p. 225

“Quer a natureza seja um relógio ou um motor, ou ainda o caminho de um progresso que


conduza até nós, ela constitui uma realidade estável de que é possível assegurar-se. O que dizer do
nosso mundo que alimentou a metamorfose contemporânea da ciência? É um mundo que podemos
compreender como natural no próprio momento em que compreendemos que fazemos parte dele, mas
do qual se desvaneceram, de repente, as antigas certezas: quer se trate de música, pintura, literatura
ou de costumes, nenhum modelo pode pretender a legitimidade, nenhum é mais exclusivo. Por toda a
parte vemos uma experimentação múltipla, mais ou menos arriscada, efêmera ou bem-sucedida. (...)”
p. 225

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