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RECIFE-PE
2016
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CDD 507
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CAPITULO 2
O CONTRATO DIDÁTICO
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Tomamos a nomenclatura “Geografia Conceitual” a partir de Sarrazy (1995), quando da discussão
acerca do contrato didático. Entendemos que o termo “geografia conceitual” permite-nos olhar, de
várias formas, para o conceito de contrato didático a partir de sua gênese.
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Esse conceito – central para compreensão da noção do de contrato didático – será discutido mais
adiante.
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BARUK, S. (1985). L’âge du capitaine. Paris: Eds. Seuil.
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Um trocadilho que sugere a ideia de “autômatos em matemática”.
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Adiante conceituaremos as Situações Didáticas.
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Nos escritos mais atualizados de Guy Brousseau (1986,1996b, 2008, 2010), podemos perceber que
o conceito de “meio”, o conceito de “devolução” e outros que congregam a teoria das situações didáticas
mantêm uma relação estreita com contrato didático e serão apresentados no decorrer do trabalho.
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com um dos principais objetivos de uma relação didática: “permitir que o aluno
modifique a sua relação inicial com o saber” (JONNAERT; BORGHT, 2002, p. 166).
Os resultados das primeiras questões ensejam a existência de uma relação
triangular: o professor (o que ensina), o aluno (o que é ensinado) e o saber (objeto de
ensino). Essa relação é produto das situações didáticas e fizeram surgir os elementos
iniciais do conceito de contrato didático, definido por Sarrazy (1995, p. 88) como um
“conjunto de comportamentos (específicos [conhecimentos ensinados]) do professor,
que são esperados pelo aluno, e o conjunto dos comportamentos do aluno que são
esperados pelo professor”.
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O surgimento das tendências interacionista e sociológica foi marcado pela ruptura do movimento
estruturalista que surgiu na França por volta 1970 do século passado (SARRAZY, 1995).
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Para maiores aprofundamentos, GOFFMAN, E. Les rites d’interactions, [traduit de l’anglais par A.
KIHM], Paris: les Editions de Minuit, 1971, 230 p.
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“Le contrat didactique pourrait être défini comme l’ensemble des modalisations acceptables et
partagées qui doivent s’actualiser à propos d’une connaissance dans le cadre d’une interaction
didactique”.
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A interação com o meio remete à relação didática que, por sua vez, reporta à
sociologia das organizações. Essa tendência aponta uma relação mais próxima com
a modelagem das Situações Didáticas (SD), que pode ter influenciado Brousseau na
sua construção teórica.
Isso fez avançar os estudos da Teoria das Situações Didáticas (TSD) em uma
direção que permite situar o contrato didático tanto na dimensão sociocognitiva10 como
no seu contexto interno. O avanço dos estudos referentes a essas dimensões fez
surgir outros conceitos os quais consideramos fundamentais para o desenvolvimento
do contrato didático: “a incerteza, a negociação e os jogos”11 (SARRAZY, 1995, p. 89).
A modelagem da SD12 quanto às interações sociocognitivas acrescenta um
novo componente na relação triangular (o professor, o aluno e o saber): o “meio”
(milieu). Esse meio permite criar um subsistema antagônico que faz o aluno se tornar
um sujeito autônomo na construção do saber matemático (BROUSSEAU, 1986;
2008). Podemos perceber que esse sistema modifica o estado de conhecimento do
aluno de forma não controlada. A figura a seguir ilustra a nossa tentativa de
sistematizar essa ideia.
Figura 1: O triângulo das situações e o mileu (meio)
P
- Transposição Didática - Relação pouco
- Ação Didática do Professor ativa do Professor ao
- Informação Saber (funcional)
- Relação pouco ativa do
professor ao aluno (funcional)
Ação
S P: Professor
Meio A A: Aluno
Retroação
S: Saber
Relação mais ativa/ hiperativa
Sistema de devolução
(Antagônico)
Situação adidática
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Sob o ponto de vista das interações sociocognitivas, uma situação relativa a um conhecimento que
o professor procura comunicar ao aluno põe em jogo três componentes: o aluno, o professor e o meio.
O mecanismo e o sentido dessa situação são diferentes para o professor e para o aluno.
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“incertitude, négociation, jeux”.
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Sempre que aparecer a sigla SD, estamos nos referindo à situação didática.
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Ver Brousseau (1996b, p. 76-84) para maiores aprofundamentos. Esse pesquisador discute a relação
entre “situação e jogo". De início, define “jogo” como atividade psíquica ou mental, puramente gratuita,
geralmente fundada na convenção ou na ficção, que não tem, na consciência daquele que a ela se
entrega, outra finalidade senão ela própria, outro objetivo além do prazer que confere. Segundo o
pesquisador, esta definição põe essencialmente em sena um jogador capaz de experimentar prazer,
de conceber uma ficção e de estabelecer convenção e relações com um meio não especifico. O termo
jogo didático surge dessas questões, tomando didático, como algo relacionado a ensino e a
aprendizagem.
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outra situação. Da mesma forma, o aluno não se satisfaria com um jogo em que não
há qualquer resultado possível. Em ambas as situações, o jogo perderia o sentido,
pois o sistema antagônico que o envolve é falho.
Nessa perspectiva, a “incerteza” se torna um elemento fundamental (BESSOT,
2003, D’AMORE, 2007a). Ela pode ser considerada um tipo de “combustível” que faz
avançar a situação, conduzindo o aluno à aprendizagem.
Para Brousseau (1996b), “a incerteza constitui a condição da devolução da
situação adidática14 ao aluno”, pois o prazer, o sentido de jogar, engajar-se no
processo de ensino e aprendizagem nasce justamente dela, na medida em que o
interesse do aluno será maior que o domínio na situação.
Por sua vez, Bessot (2003) entende que a incerteza deve fazer parte da
situação adidática. Não existindo a incerteza: o sistema ou está finalizado, com o
sucesso do aluno, a aprendizagem; ou o aluno não entrou no jogo didático, o que
ocasionará a falta de aprendizagem.
A dinâmica interna na situação didática diz respeito a um processo de
“negociação” em que as regras do jogo são estabelecidas para que os alunos e o
professor mantenham uma relação com o meio adidático. O produto dessa dinâmica
permite a evolução da relação didática na direção do aprendizado.
Assim, o contrato didático começa a ser entendido como “uma ficção que torna
possível a negociação” (SARRAZY, 1995, p. 90) a qual permite ao aluno conquistar a
aprendizagem matemática (BROUSSEAU, 1988). Essa “ficção” é aqui entendida
como situações não reais criadas pelo professor a fim de fazer o aluno produzir um
conhecimento (MARGOLINAS, 1998) que se justifica pela lógica interna da situação,
sem o uso de razões didáticas. Complementando, remetemo-nos a Sarrazy (1995, p.
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As situações adidáticas fazem parte das situações didáticas, as quais podem ser entendidas como
todo contexto em que o aluno está inserido. Nele também estão incluídos o professor e o sistema
educacional. A situação adidática diz respeito ao momento em que o aluno aceita o problema como
seu e o professor se recusa a intervir como fornecedor dos conhecimentos que quer ver surgir.
Queremos dizer que o aluno se envolve pela lógica interna da situação e não pela vontade do professor.
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(3) Adaptação
Ação
Meio Aluno
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Retroação
(4) Incerteza
Sistema de Devolução → Situação Adidática
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O sentido aqui aludido é o de “adaptação” para Piaget (BRUN, 1996; BROUSSEAU, 1996a).
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Os problemas de assimilação dizem respeito ao aumento de esquemas já adquiridos pela agregação
de fatos novos, a acomodação, que significa a reorganização dos esquemas para aprender questões
novas ou para resolver contradições (BROUSSEAU, 1996b, p. 99).
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Para aprofundar informações, ver CROZIER M., FRIEDBERG E. (1981). L’acteur et le système: Les
contraintes de l’action collective, Paris: Seuil, 500 p.
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“Une situation didactique est un ensemble de rapports établis explicitement et/ou implicitement entre
un élève ou un groupe d’élèves, un certain milieu (comprenant éventuellement des instruments ou des
objets) et un système éducatif (le professeur) aux fins de faire approprier à ces élèves un savoir
constitué ou en voie de constituion.” Disponível em: http://guy-brousseau.com/wp-
content/uploads/2012/03/82-3-Dun-probl%C3%A8me-%C3%A0-l%C3%A9tude-a-priori.pdf
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No sentido de responsabilidade matemática, e não no sentido de culpa.
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Procuramos destacar o sistema didático e a relação didática por entendermos que esse tema é de
extrema importância para a constituição e manutenção do contrato didático. Além disso, julgamos que
não podemos analisar contrato didático sem contemplar o ambiente em que ele ocorre. Fora da relação
didática, o contrato didático perderia todo o seu significado, ou seja, deixaria de existir.
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Relação Relação
Relação em
Inicial Final
Transição
Tempo curto
Fonte: Adaptado de Jonnaert e Borght (2002)
Situação
didática
Situação não
didática
Situação adidática
concluído o período em que fica na escola, o aluno deve ser capaz de utilizar seus
conhecimentos em situações não didáticas, isto é, que não tenham sido construídas
especificamente para adquirir o conhecimento. Assim, o aluno pode resolver
problemas em situações do cotidiano, e não em situações de aprendizagem.
Vale destacar que toda essa estrutura e essa dinâmica que envolvem a relação
didática pressupõem que
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O professor não pode dizer, explicitamente e de antemão, o que o aluno terá de fazer diante de um
problema. Caso isso aconteça, se negará ao aluno o direito de adquirir o conhecimento pelos próprios
meios.
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Essa Instituição que estamos apresentando não representa ainda o sentido de instituição da TAD.
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(SARRAZY, 1995). Esse sistema é constituído na sala de aula e podemos dizer que
funciona se nela houver, por exemplo, determinado número de alunos, de carteiras e
materiais didáticos disponíveis, recurso didático etc. Quando falta um desses
elementos, o sistema não funciona satisfatoriamente, ou seja, ocorre o
disfuncionamento didático.
Em se tratando do sistema didático, não podemos deixar de fazer referência à
tríade bem conhecida, P-A-S (professor/aluno/saber), que caracteriza uma Relação
Didática e tem como objetivo principal modificar e fazer evoluir a relação que os alunos
têm ao saber.
Todos esses sistemas, como dito anteriormente, são agentes decisórios e
produtores de elementos que pressionam a relação didática, como última instancia,
até fazerem emergir o Contrato Didático, nosso objeto de pesquisa.
O debate sobre os sistemas lembra-nos o conceito de “Instituição” proposto por
Chevallard (1996), que conduz à noção de contrato institucional, modalidade que
influencia na relação didática. Segundo Chevallard (1996, p. 129),
a instituição pode ser quase o que quer que seja. Na prática, por causa
do sentido corrente da palavra, alguns leitores poderiam sentir-se
surpreendidos ao ver a que objetos eu poderia ser levado a colar esta
etiqueta. Uma escola é uma instituição, tal como o é uma sala de aula;
mas existe igualmente a instituição “trabalhos orientados”, a instituição
“curso”, a instituição “família”. A vida cotidiana é uma instituição (num
dado meio social), o mesmo acontecendo ao estado amoroso (numa
dada cultura), etc.
Dessa forma, podemos dizer que o que existe nas instituições são Pessoas X
que se tornam sujeitos dela a partir do próprio assujeitamento. O autor aponta que o
sujeito vai construir-se ou alterar-se sob o constrangimento da RI(O). Entendemos que
essa situação reflete o funcionamento da instituição e permite uma construção de
mecanismos próprios que a tornem viva, ou lhe permitam viver. Esses mecanismos
se constituem verdadeiras cláusulas de contratos institucionais CI.
Nessas condições, o contrato institucional CI é fundamental para a
permanência da pessoa X na instituição e, consequentemente, a evolução dela como
sujeito. Uma das características fundamentais sobre o contrato institucional CI é que
sua atuação se dá entre instituições.
Segundo Chevallard (1996), essas situações apresentadas se encontram ainda
no pleno cognitivo e não têm nada de didático. Em temos de didática, é necessário
haver uma intenção didática presente na instituição I. A manifestação dessa intenção
acontece a partir da formação de um sistema didático (SD).
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Nesse momento em que discorremos sobre o Contrato Institucional, queremos destacar que não
encontramos nos escritos de Chevallard e tampouco na literatura da Didática da Matemática que estava
ao nosso alcance uma definição do conceito, nem um aprofundamento teórico.
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sugere, ainda, que bons problemas nascem de bons planejamentos didáticos e estes
sugerem boas respostas. O produto da devolução faz o aluno não apenas repetir ou
refazer o que o professor ensinou, “mas também [procurar] ressignificar em situações
novas, de adaptar, de transferir seus conhecimentos para resolver novos problemas”
(BORUSSEAU, 1996b, 38).
Sobre a devolução, chamamos atenção para duas situações que envolvem o
aluno (BROUSSEAU, 1996b, p. 51):
• se a devolução é satisfatória, o aluno entra no jogo e, se chegar ao final do
jogo, a aprendizagem se torna efetiva;
• mas, se o aluno recusa, evita, ou não resolve o problema, o professor tem a
obrigação social de ajudá-lo e até mesmo, por vezes, de se justificar por ter
colocado um problema difícil para o aluno resolver.
Essa reflexão confirma que o contrato didático não é algo estático, pois, à
medida que sua relação evolui, suas cláusulas são modificadas. Por outro lado,
existem claramente, na constituição do contrato, obrigações recíprocas entre os
parceiros, uma divisão de responsabilidade que remete ao fenômeno das
expectativas. Assim, podemos dizer que o contrato didático surge com algumas
características específicas e é sobre elas que discorreremos a seguir.
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(2002), o contrato tornar-se precário, não ter mais utilidade e, portanto, condena-o a
desaparecer. Para esse pesquisador, “um bom contrato didático é, em geral, aquele
que mais rapidamente se torna obsoleto” (p. 167).
Nessa mesma perspectiva, Brousseau (1996b, p. 88) alerta que “uma das
cláusulas do próprio contrato didático implica o processo da sua extinção: está
subentendido, desde o início da relação didática, que terá de chegar um momento em
que ele se quebrará”.
Nessa dimensão complexa e dinâmica que envolve o conceito de contrato
didático, Jonnaert (1994, p. 206) propõe que se considerem três elementos
essenciais:
(1) a ideia de divisão de responsabilidades, em que a relação didática não
aparece mais sob o controle exclusivo do professor, pois o aluno deve
cumprir o seu papel, ou seja, seu ofício de aluno, fazendo o contrato didático
“definir uma divisão de poder”;
(2) a consideração do implícito, pois a relação funciona mais a partir do não
dito do que das regras enunciadas (o que é explicitado), apesar de o contrato
inquietar-se mais com esses “não ditos”;
(3) a relação ao saber, uma vez que é característica do contrato didático levar
em conta a relação que os parceiros mantêm, particularmente, com o saber,
considerando-se a assimetria entre o professor e o aluno nessa relação.
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A reflexão a seguir pode ilustrar esse fenômeno: “certos alunos, durante o ano inteiro, recebem
sempre a mesma nota, como se existisse uma espécie de acordo tácito com o professor, que limita sua
exigência à imagem que faz da capacidade do aluno, que por sua vez, limita seu trabalho em função
da imagem que o professor reflete desse aluno” (HENRY, 1991).
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necessário ficar atento, porque seu emprego, de forma abusiva, na relação didática
pode descaracterizá-la e produzir o efeito topázio.
Isso é potencializado quando os alunos fracassam em seu processo de
aprendizagem. Nesse caso, o professor procura oferecer uma nova oportunidade no
mesmo assunto e os alunos já sabem disso (o contrato vigente). “Ainda que o
professor dissimule o fato de que o novo problema se parece com o anterior, os alunos
vão procurar o método utilizado na atividade precedente” (BROUSSEAU, 2008). A
resposta que os alunos estão dando ao problema não significa que a consideram
adequada para a pergunta formulada, mas simplesmente que reconhecem os indícios
(BROUSSEAU, 2008).
Procuramos dialogar apontando algumas questões sobre os efeitos de contrato
didático que foram considerados por Guy Brousseau como efeitos perversos. Adiante
iniciaremos as discussões relacionadas à Teoria Antropológica do Didático.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS