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O DISCURSO1 REGULATIVO NOS MATERIAIS

CURRICULARES EDUCATIVOS SOBRE MODELAGEM


MATEMÁTICA

Airam da Silva Prado


Universidade Federal da Bahia e Universidade Estadual de Feira de Santana, Brasil
pradoairam@yahoo.com.br

Andréia Maria Pereira de Oliveira


Universidade Estadual de Feira de Santana, Brasil
ampodeinha@gmail.com

RESUMO

Neste artigo, nosso objetivo é analisar o texto dos materiais curriculares


educativos sobre modelagem matemática, no que se refere a um discurso de
ordem, cujo objetivo é a organização social do contexto (discurso
regulativo). A análise documental em uma abordagem qualitativa foi
utilizada para analisar os materiais curriculares educativos. Para tal
propósito, utilizamos um instrumento analítico para explicitar os modos
como o discurso regulativo pode estar explícito nos materiais curriculares
educativos sobre modelagem matemática. Os dados sugerem que deixar
explícito nos materiais as regras do discurso regulativo podem tornar visível
às intenções pedagógicas dos elaboradores.

Palavras-chave: Materiais curriculares educativos, discurso regulativo,


modelagem matemática.

1
Utilizaremos o termo discurso com a mesma conotação do termo texto. De acordo com Bernstein
(2000), o texto é a forma da relação social tornada visível, palpável, material. Ele pode designar qualquer
representação pedagógica, falada, escrita, visual, espacial expressa na postura ou na vestimenta. Assim,
ambos serão usados, como sinônimos. Por sua vez, termos conjugados como discurso pedagógico,
discurso regulativo, etc. serão definidos no corpo do artigo.
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28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil

ABSTRACT

In this paper, our aim is to analyze the message contained in the educational
curriculum materials on mathematical modelling, with respect to a discourse
of order whose purpose is the organization's social context (regulative
discourse). The documentary analysis in a qualitative approach was used to
analyse materials. For this purpose, we use an analytical tool to explain
ways in which the regulative message may be explicit in the educational
curriculum materials on mathematical modelling. The data suggest that
making explicit in the materials the rules of regulative discourse can behold
the visible pedagogical intentions of developers.

Keywords: Educational curriculum materials, regulative discourse,


mathematical modelling.

1 Introdução

As intervenções pedagógicas, de uma maneira geral, pressupõem formas de


trabalho e de organização da prática pedagógica2 diferentes das quais os professores
estão habituados a desenvolver nos contextos pedagógicos. Neste sentido, além de se
objetivar a aprendizagem dos alunos, estas intervenções também implicam em
mudanças de práticas dos professores.
Uma das propostas de intervenções pedagógicas discutidas na educação
matemática tem sido a modelagem matemática. De modo geral, nesta proposta, os
alunos lidam com situações externas à matemática, as quais devem se constituir como
um problema para os alunos, no sentido de não haver esquemas prévios de resolução
para eles (BARBOSA, 2007).
As atividades de modelagem matemática problematizam situações do dia-a-dia ou
de outras áreas das ciências e têm sido apresentadas por pesquisadores da educação
matemática como tendo potencial para motivar a aprendizagem dos conteúdos

2
Por prática pedagógica, Bernstein (2000) refere-se a relações que podem ocorrer tanto entre pais e
filhos, professores e alunos, assim como entre médico e paciente, dentre outros. Neste estudo, estaremos
usando o termo para nos referir a relação entre professores e alunos no contexto escolar.
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curriculares (BASSANEZI, 2002; BURAK, 1992), possibilitar que os alunos reflitam


sobre o papel da matemática na sociedade (BARBOSA, 2007) e suscitar a ação política
(JACOBINI, 2004).
A utilização de atividades de modelagem matemática em contextos escolares
pressupõe algumas mudanças na forma de ensinar. Pois, de acordo com Niss, Blum e
Galbraith (2007), estas requerem do professor, tomadas de decisões (relativas à
distribuição de tempo, design e planejamento das ações de ensino e aprendizagem,
escolha de atividades e materiais, instrumentos de avaliação, etc.) que são próprias ao
ambiente de modelagem.
Ainda que possa ser constatada, na área da educação matemática, uma ampla
discussão sobre modelagem matemática, tanto na literatura nacional quanto
internacional, estudos têm evidenciado uma tímida inserção nas aulas de matemática
(BLUM; GALBRAITH; HENN; NISS, 2007; BARBOSA; CALDEIRA; ARAÚJO,
2007).
Como evidenciado em Ikeda (2007), um dos principais motivos é a falta de
materiais curriculares que possam apoiar os professores a desenvolverem modelagem
matemática na prática pedagógica. Por materiais curriculares, entendemos como todos os
meios que auxiliam os professores a responder aos problemas concretos que surgem em
qualquer momento do planejamento, execução ou avaliação das aprendizagens (ZABALA,
1998).
Segundo esta definição, a noção de material curricular é bastante ampla podendo
incluir todos os materiais usados pelo professor tais como: propostas para elaboração de
projetos educativos e curriculares da escola; propostas relativas ao ensino em determinadas
áreas, ou em determinadas etapas; propostas para o ensino destinado a alunos com
necessidades educativas especiais; descrições de experiências de inovação educativa;
materiais para o desenvolvimento de unidades didáticas; avaliações de experiências e dos
próprios materiais curriculares, materiais manipuláveis etc. (ZABALA, 1998).
De uma maneira geral, os materiais curriculares têm sido uma modalidade pouco
debatida na educação matemática. De fato, na maioria das vezes os materiais
curriculares são criticados sob o argumento que estes são vistos para restringir e
controlar tanto o conhecimento quanto o ensino (APPLE, 1989). Conforme Ball e
Cohen (1996), estas críticas levaram muitos pesquisadores/educadores a
menosprezarem os materiais curriculares, em especial, os livros didáticos.
Assim, estudos atuais concentram-se na análise de livros didáticos e materiais
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padronizados (aqueles disseminados pelo estado). Poucos estudos têm se debruçado em


construir, divulgar, avaliar e analisar materiais curriculares, e para, além disso,
compreender a relação do professor com os materiais curriculares, suas potencialidades
para promover a aprendizagem dos professores e para apoiá-los a desenvolver
mudanças de práticas. Ball e Cohen (1996) atribuem o adjetivo educativo ao material
curricular que é elaborado com o propósito de promover a aprendizagem dos alunos e
dos professores.
Neste artigo, analisaremos materiais curriculares do tipo educativo, o qual tem
sido produzido por um grupo colaborativo  que reúne professores da educação básica,
alunos de graduação e pós-graduação e formadores/pesquisadores  com o objetivo de
apoiar os professores a implementar modelagem matemática nas práticas pedagógicas.
Assim, utilizaremos a sigla MCE para nos referir a materiais curriculares educativos de
modo geral e MCEMM para nos referir aos materiais curriculares educativos sobre
modelagem matemática, desenvolvido pelo Grupo Colaborativo em Modelagem
Matemática – GCMM.
Este artigo é parte de uma pesquisa maior que se encontra em andamento, cujo
objetivo principal é analisar como MCEMM são transformados nas práticas
pedagógicas das aulas de matemática. Neste artigo, nosso objetivo é analisar o texto dos
MCEMM no que se refere ao discurso regulativo. Para Bernstein (1990), o discurso
regulativo é um discurso de ordem cujo objetivo é a organização social do contexto. De
acordo com o autor, este discurso está embutido no discurso instrucional. Então, neste
artigo, tomaremos separadamente com propósito analítico. Na próxima seção,
explicaremos melhor estes dois conceitos.
O artigo está organizado da seguinte maneira: na próxima seção, apresentamos o
referencial teórico, posteriormente, os materiais curriculares educativos sobre
modelagem matemática, seguido da metodologia. Por fim, trazemos os dados
juntamente com uma discussão, seguido das conclusões do estudo.

2 Referencial teórico

Materiais curriculares têm potencialidade de afetar as reformas educacionais em


larga escala, pois eles têm um baixo custo em relação a programas de formação
continuada de professores e a possibilidade de rápida disseminação, sendo explorado
por governos de diferentes países, para promover reformas curriculares e disseminar
inovações educacionais (STEIN; KIM, 2009). No Brasil, por exemplo, em 2008, a
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Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, por meio do programa “São Paulo Faz
Escola”, enviou às escolas materiais curriculares com características de apostilas
intituladas “Caderno do Aluno” e “Caderno do Professor”.
Crecci e Fiorentini (2010) analisaram como professores gestaram estes materiais
nas práticas pedagógicas e quais as implicações dessa política no processo de
desenvolvimento profissional e na constituição da profissionalidade docente. Como
resultados, eles apontaram que, apesar do currículo materializado nos materiais induzir
à padronização, dos 26 professores consultados no estudo, apenas uma professora não
tentou fazer adaptações aos materiais. Segundo os autores, a maioria dos professores
declarou a necessidade de fazer adaptações em razão da heterogeneidade e da
defasagem em conteúdos dos alunos.
No cenário internacional, outros estudos também têm identificado que a relação
do professor com o material é bastante diversificada (REMILLARD, 2000; KIERAN,
TANGUAY, SOLARES, 2012). Estes estudos têm caracterizado o uso de materiais
curriculares educativos por professores, situando-os como eles se envolvem, utilizam,
moldam, adaptam e interpretam materiais curriculares. Além disso, estes estudos têm
sugerido que os materiais curriculares são transformados nas práticas pedagógicas e,
neste ponto, tomá-los com a intenção de pardonizá-las tal como fez o estado de São
Paulo, acaba diluindo as potencialidades, tal como a potencialidade para promover
mudanças de práticas e possibilitar a aprendizagem dos professores com relação a
inovações pedagógicas (DAVIS; KRAJINK, 2005).
De acordo com Cassiano (2004), o material curricular, tal qual o livro didático é
um prescritivo chave do currículo. O autor ressalta que o uso do material concretizado
na prática pedagógica, dá-se com sujeitos específicos, em dadas condições sócio-
históricas, e ao lado de outros recursos, tendo então esse uso a potência de subverter o
prescrito, mas o faz, valendo-se do próprio material curricular, isto é, de uma condição
objetiva que está dada.
Neste sentido, materiais curriculares são instrumentos que servem de referências
para tomar decisões no planejamento, intervir no processo de ensino e avaliar inclusive
o próprio ato educativo (ZABALA, 1998). Do ponto de vista sociológico, os materiais
curriculares são muito mais que ferramentas, eles carregam discursos, ideologias e
práticas, que, por sua vez, podem ser conflitantes com os discursos, ideologias e práticas
legitimadas em contextos específicos.
Nesta direção, o texto preconizado pelos materiais curriculares podem não
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harmonizar-se com os discursos legitimados nas práticas pedagógicas das aulas de


matemática, o que pode levar a uma transformação do texto dos materiais quando o ele
é movido para este contexto.
Bernstein (1990) definiu os discursos inerentes às práticas pedagógicas como um
discurso pedagógico. Segundo o autor, o discurso pedagógico é “um princípio para
apropriar outros discursos e colocá-los numa relação mútua especial, com vistas à sua
transmissão e aquisição seletivas” (p. 183). Assim, podemos inferir que o discurso
pedagógico desloca textos presentes nos materiais e recoloca-os de acordo ao contexto o
qual o texto será inserido. Nesse processo de deslocar e relocar os textos inerentes aos
materiais, estes textos, passa por uma transformação. Essa transformação é um princípio
constituinte do discurso pedagógico, ao qual Bernstein (1990) denominou de princípio
recontextualizador.
Segundo Bernstein (2000), o princípio recontextualizador cria os campos
recontextualizadores e seus agentes. Estes campos constituem os espaços socialmente
especializados na apropriação, reorganização e transformação de textos com o objetivo
de criar, manter, mudar e legitimar os textos, a transmissão e as práticas organizacionais
que regulam os ordenamentos internos do discurso pedagógico. O autor distingue entre
o campo da recontextualização oficial, criado e dominado pelo Estado e seus agentes, e
o campo da recontextualização pedagógica, constituído pelos educadores,
departamentos de educação nas universidades, pelos periódicos especializados e pelas
fundações de pesquisa.
Portanto, os MCEMM são desenvolvidos no campo de
recontextualização pedagógica e o texto preconizado por eles, já é um discurso
pedagógico, o qual sofreu um processo de recontextualização dentro do campo de
recontextualização pedagógica, ao relocar diferentes discursos  por exemplo, da
matemática, da educação matemática, das práticas pedagógicas, etc. – atribuindo-lhes
uma nova ordem.
Consequentemente, quando os professores são solicitados ou decidem
implementar materiais curriculares educativos concebidos de acordo com dados de
investigação em uma determinada área, neste caso, a educação matemática, poderão ter
de desenvolver uma prática pedagógica diferente da que, habitualmente, desenvolvem
nas aulas e também diferente da que é preconizada nos documentos curriculares oficiais,
levando-os a um novo processo de transformação dos textos que estão subjacentes aos
materiais curriculares implementados (SILVA, 2009).
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Este segundo processo de transformação do texto ocorre na prática pedagógica na


medida em que o texto se torna ativo no campo de reprodução. Este último campo pode
ser identificado pelo local em que ocorre a prática pedagógica, na nossa análise, as
escolas. Bernstein (2000) argumenta que, o que é reproduzido pode ser afetado pelas
relações de poder entre a escola e o contexto cultural primário do adquirente
(família/comunidade/relações no grupo de colegas). A escola pode incluir parte destes
discursos a fim de tornar seu próprio discurso mais eficaz. Por sua vez, inversamente a
comunidade, a família, entre outros, podem exercer sua própria influência e afetar as
práticas da escola.
Assim, podemos pensar no processo de recontextualização pedagógica como um
processo contínuo de transformação do discurso pedagógico que começa nos campos de
recontextualização e sofre transformação toda vez que é deslocado de um contexto para
outro. Diante disso, inferimos também, que o texto presente no MCEMM é um discurso
pedagógico da modelagem, e que os seus elaboradores são agentes posicionados no
campo de recontextualização pedagógica.
Segundo Bernstein (2000), o discurso pedagógico pode ser visto como uma regra
pra embutir dois discursos: o discurso instrucional e o discurso regulativo. Bernstein
(2000) denomina de discurso instrucional, o discurso que transmite as competências
especializadas e sua mútua relação; e de discurso regulativo o que cria a ordem, a
relação e a identidade especializada. Para o autor, o aspecto dominante do discurso
pedagógico é o regulativo, de cunho moral, capaz de modelar o caráter, as maneiras, as
condutas e as posturas.
Bernstein (2000) afirma que é o discurso regulativo que produz a ordem do
discurso instrucional, pois não há discurso instrucional que não seja dominado pelo
discurso regulativo. E, sendo assim, toda ordem dentro do discurso pedagógico é
constituído pelo discurso regulativo.
A seguir, apresentaremos os materiais curriculares educativos sobre modelagem
matemática.

3 Os materiais curriculares educativos sobre modelagem matemática

Os materiais curriculares educativos sobre modelagem matemática são produzidos


pelo Grupo Colaborativo em Modelagem Matemática (GCMM) e disponibilizados
online por meio do website intitulado Colaboração Online em Modelagem Matemática
 COMMa (www.uefs.com.br). Os membros do grupo assumem modelagem como um
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ambiente de aprendizagem, no qual os alunos são convidados a investigar por meio da


matemática situações com referência no dia-a-dia ou em outras ciências (BARBOSA,
2007).
No processo de elaboração dos materiais, são recontextualizados diferentes
discursos: discursos provenientes da área da educação matemática, resultados de
investigações sobre modelagem matemática e discursos provenientes da prática
pedagógica de professores da educação básica que participam do grupo, assim como da
matemática, além de outros.
Os MCEMM são elaborados a partir de atividades de modelagem, as quais são
elaboradas e planejadas no GCMM e implementadas pelos professores participantes do
grupo em suas salas de aula. A partir daí, baseado na análise da experiência, são
produzidos os materiais curriculares educativos, os quais são socializados para outros
professores por meio do website, no qual o MCEMM é apresentado por meio de abas
como pode ser visto na figura 1.

Figura 1: Exemplo de um MCEMM com tema “Erradicação do trabalho infantil”

No website, cada MCEMM tem um tema não matemático que dá acesso a um


conjunto de elementos que forma o que estamos denominando de material curricular
educativo sobre modelagem matemática.
Na aba Introdução, está disponibilizado o tema da atividade, uma justificativa
para escolha do tema e o perfil do professor que implementou a atividade na sala de
aula. Na aba Atividade, está disponível um problema não matemático, do caso 1
(BARBOSA, 2003), no qual o professor apresenta o problema, devidamente relatado
com dados quantitativos e qualitativos, cabendo aos estudantes investigá-lo. Cada
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atividade pode ser impressa ou feita o download.


Na aba Planejamento, está descrito o modo como o professor que implementou a
atividade organizou o ambiente de modelagem na sala de aula, uma relação de
conteúdos matemáticos envolvidos na atividade e uma sugestão de possíveis interações
que podem ser feitas com outras disciplinas escolares. Na aba Narrativa, encontra-se
uma narrativa da aula, escrita pelo professor que implementou a atividade. Na aba
Solução do professor, está disponível uma solução proposta pelo professor que
implementou a atividade. Na aba Registros dos alunos, estão disponíveis soluções
propostas pelos alunos ao desenvolverem a atividade. Por fim, na aba Vídeo, estão
disponibilizados vídeos contendo momentos da aula, evidenciando momentos críticos
da aula, os quais foram apontados pelos professores implementadores em suas
narrativas, e uma análise descritiva feita pelo GCMM para cada vídeo.
Além destes elementos, o website disponibiliza de um fórum e espaços para
comentários em cada aba e na aba narrativa tem links que dirige o usuário aos vídeos
disponíveis na aba vídeo, o qual faz referência ao exposto na narrativa do professor.
Atualmente, no ambiente virtual encontram-se disponíveis cinco MCEMM:
“Somos o que comemos?”, “Erradicação do Trabalho Infantil”, “Minha casa, minha
vida”, “Poupar água é investir no que existe de mais precioso: a Vida” e “Os efeitos da
maconha no organismo”.
Neste artigo, foram analisados os MCEMM: “Erradicação do Trabalho Infantil”,
“Poupar água é investir no que existe de mais precioso: a Vida”, “Minha casa, minha
vida”. Na análise, eles foram respectivamente nomeados de M1, M2 e M3. A seguir,
descrevemos o método do estudo.

4 O método do estudo

Como nosso objetivo é analisar o texto dos materiais curriculares educativos sobre
modelagem matemática em termos do discurso regulativo, utilizamos a análise
documental como método de coleta de dados. Segundo Alves-Mazzotti (2002),
documentos são quaisquer registros que são úteis como fontes de informação para uma
pesquisa. Como mencionamos anteriormente, analisamos 3 (três) atividades. Assim,
fizeram parte do corpo de documentos analisados cada uma das abas descritas na seção
anterior: a aba atividade, a aba planejamento, a aba narrativa, a aba solução do
professor, a aba registros dos alunos e a aba vídeo.
Para analisar os dados, a fim de identificar o texto dos MCEMM, adaptamos
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instrumentos de análise desenvolvidos por Morais e Neves (2003) a partir do aporte


teórico da teoria dos códigos de Bernstein (2000).
O instrumento analítico (em anexo) considerou tanto as relações entre os sujeitos,
quanto às relações entre discursos e espaços que definem o contexto pedagógico no
texto dos materiais curriculares educativos. Assim, os conceitos de classificação e de
enquadramento foram utilizados para analisar o texto dos MCEMM, no que se refere ao
discurso regulativo. De acordo com Bernstein (2000), a classificação refere-se ao grau
de manutenção das fronteiras entre categorias (sujeitos, agências/espaços, discursos) e o
enquadramento às relações de comunicação dentro das categorias.
As variações na classificação e no enquadramento (forte, fraco, muito forte e
muito fraco) determinam modalidades de códigos distintos. Bernstein (1990, 2000)
utiliza o símbolo + (mais) e  (menos) para se referir a alterações nos valores da
classificação e do enquadramento, podendo ser forte (+), muito forte (++), fraco (),
muito fraco ( ). Assim, um enquadramento forte significa que os alunos tem pouco
controle sobre as regras de comunicação na relação professor/alunos. O
enfraquecimento do enquadramento significa que os alunos têm maiores possibilidades
de controle.
É preciso salientar que as variações (forte, fraco, muito forte e muito fraco) tanto
na classificação quanto no enquadramento, não são estanques, e tomá-las dessa maneira
(quatro níveis) é um critério para favorecer a análise. Sendo assim, entendemos que
podem existir outros níveis além destes. Assim, utilizaremos os conceitos de
classificação e enquadramento, especificamente, para analisar as regras hierárquicas e as
relações entre espaços (do professor e dos alunos e entre alunos) no que se refere ao
discurso regulador.
Neste sentido, estamos partindo do pressuposto que em qualquer relação
pedagógica, as regras de conduta podem, em graus diferentes, permitir um espaço de
negociação entre os sujeitos da relação. Estas regras de conduta são denominadas por
Bernstein (1990) de regras hierárquicas, as quais estabelecem as condições para a
ordem, a maneira e o caráter das relações.
Como sugerido por Morais e Neves (2003), um enquadramento forte caracteriza
uma relação de comunicação em que, por exemplo, não é permitido ao aluno comentar a
prática do professor ou exprimir a sua opinião. Um enquadramento forte pode também
caracterizar um controle posicional em que o professor apela a regras e estatutos
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determinados para os alunos se comportarem de determinado modo.


Enquanto que um enquadramento fraco significa, por exemplo, que o aluno pode
criticar as práticas do professor, que este explica aos alunos as razões porque devem ter
determinado comportamento, apelando a uma relação interpessoal. Assim, nosso
objetivo foi analisar as condições de regulação da prática pedagógica nos materiais
curriculares educativos, evidenciando as relações de poder e controle no texto dos
MCEMM.
A proposta de investigação converge para o uso de uma linguagem externa de
descrição (MORAIS; NEVES, 2003), derivada de uma linguagem interna de descrição
(BERNSTEIN, 2000), em que o teórico e o empírico são vistos de forma dialética.
Nesse sentido, é rejeitada tanto a análise do empírico sem uma base teórica, quer a
utilização da teoria que não permita a sua transformação com base no empírico.

5 Apresentação dos dados

Em relação ao discurso regulador, foram analisadas as relações professor-aluno e


aluno-aluno, quanto às regras hierárquicas, e a relação entre os espaços (entre professor
e alunos e entre alunos). Os resultados sintetizados no quadro 1 no final da seção, foram
obtidos a partir dos dados que constam da análise de três MCEMM disponibilizados no
COMMa. A seguir, é apresentada minuciosamente a análise de cada uma das relações.
Para cada um dos MCEMM, foram selecionados trechos que evidenciam a relação
mencionada e para cada um deles foi indicado em qual aba o trecho foi retirado.

Relação professor-aluno: Regras hierárquicas


As regras hierárquicas, na relação professor-aluno, foram caracterizadas por um
enfraquecimento no enquadramento. Esta relação foi vista de forma indireta a partir da
natureza das atividades, do tipo de problema (situações-problema em anexo) que estas
contemplam e das regras de trabalho tanto na atividade do aluno, quanto nas indicações
destinadas ao professor.
Em relação à natureza da atividade e do problema proposto (ver quadro 1)
podemos inferir que a atividade intitulada “Minha casa, minha vida” foi caracterizada
como um problema aberto associado a uma atividade investigativa aberta, pois os
resultados irão depender do salário de cada beneficiário. E, principalmente, das ideias
que os alunos levantarem quanto à distribuição das casas por região e, nesse caso, a
partir do instrumento, é sugerido que há um enquadramento muito fraco.
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Por sua vez, as atividades intituladas “Erradicação do Trabalho Infantil” e


“Poupar água é investir no que existe de mais precioso: a vida” podem ser
caracterizadas como semiabertas com problemas investigativos orientados, já que
permitem a obtenção de algumas respostas por meio de estratégias elucidadas pelos
alunos, ainda que os dados necessários e algumas estratégias estejam indicados nas
atividades, o que sugere um enquadramento fraco. Em relação às regras acerca da
realização das atividades, foram indicados procedimentos relativamente ao trabalho com
os alunos, o que pode ser visto por meio dos comentários dos vídeos das aulas e da
narrativa.

“É importante destacar, nessa fase, que os alunos ficaram livres para escolher o gráfico que iriam
usar, pois eles já tinham tido contato com alguns tipos de gráficos e deveriam usar seus
(1) conhecimentos para decidir qual seria mais adequado para a situação” [Trecho da aba vídeo do
MCEMM intitulado Erradicação do trabalho infantil].

“No segundo encontro, a sala foi arrumada em semicírculo para oportunizar a participação de
todos. Apenas um grupo decidiu apresentar suas colocações, os demais grupos optaram por expor
(2)
suas resoluções e contribuições para a equipe que propôs apresentar” [Trecho da aba narrativa do
MCEMM intitulado Minha casa, minha vida].

No trecho (1), é evidenciado que os alunos escolheriam livremente a


representação gráfica que utilizariam para responder o problema proposto. Já no trecho
(2) da aba narrativa, é evidenciado que os alunos podem escolher como apresentar suas
soluções para seus colegas. Assim, a partir do instrumento, é possível inferir que o
MCEMM sugere que os alunos podem ter algum controle nas relações de comunicação
professor-aluno, ainda que as regras de trabalho estejam definidas pelos professores a
priori, os estudantes poderiam fazer algumas escolhas, decidir, por exemplo, o tipo de
objeto matemático (1) ou o modo de expor os resultados (2), ou seja, sugerem um
enquadramento fraco.

Relação aluno-aluno: Regras hierárquicas


Relativamente às regras hierárquicas, na relação aluno-aluno, o resultado da
análise, mostra que o enquadramento é muito fraco. Esta relação foi vista, de forma
indireta, a partir da indicação das regras de trabalho e da natureza do trabalho
pressuposto na atividade. Em relação às regras de trabalho e a natureza destas regras é,
explicitamente, indicado que as ideias de cada aluno merecem ser ouvidas e discutidas
pelos colegas. Além disso, é pressuposto que os alunos discutam a atividade em grupo e
com outros grupos, como podemos verificar nos trechos abaixo:
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“Ao terminarmos a leitura, reunidos em grupos, os alunos começaram a investigar o problema,


refazendo a leitura e trocando ideias entre si e comigo. [...] Ao concluírem a atividade, solicitei aos
alunos que socializassem para a turma suas soluções. As equipes apresentaram seus gráficos,
(3)
explicando em quais anos houve mais desperdício, fazendo comparações” [Trecho da aba narrativa
do MCEMM intitulado Poupar água é investir no que existe de mais precioso: a Vida]

“3º Momento: Os alunos em grupos (máximo três alunos) deverão desenvolver as atividades
propostas; 4º Momento: Os grupos apresentarão as possíveis soluções matemáticas encontradas”
(4)
[Trecho da aba planejamento do MCEMM intitulado Erradicação do Trabalho Infantil].

“3º Momento: Solicitar que os alunos se dividam em equipes; 4º momento: Entrega e discussão da
atividade; 5º momento: Momento de discussão dos integrantes das equipes com relação à atividade
(5) (Mediados pelo professor); 6º momento: Apresentação das possíveis soluções; 7º momento:
Discussão e reflexão dos resultados entre as equipes” [Trecho aba planejamento do MCEMM
intitulado Minha casa, minha vida].

No trecho (3), é relatado que os alunos discutiram entre si e com o professor, além
disso, nos trechos (4) e (5), os quais evidenciam o planejamento das atividades, é
sugerido que os alunos discutam a atividade em grupos. Nesse sentido, é possível notar
que o material dá explícita indicação das formas de interação dos alunos, tanto na aba
planejamento quanto no trecho da aba narrativa, disponível no material. Dado tais
pressupostos, as regras de trabalho e a natureza desse trabalho sugerem uma forte
interação entre os alunos. Sendo assim, as três atividades apresentam tendência para um
enquadramento muito fraco.

Relação entre os espaços: Espaços entre alunos


Em relação aos espaços entre alunos, ao tomarmos em consideração a análise dos
indicadores – organização dos espaços e utilização dos espaços durante a realização das
atividades –, esta relação caracteriza-se por uma classificação muito fraca ao macro-
nível e por uma classificação forte ao micro-nível. Em relação ao macro-nível, é
pressuposto que os alunos estejam organizados em pequenos círculos (grupos ou trios).
No entanto, não se supõe que os alunos de uma equipe visitem as outras equipes durante
a realização do trabalho, sugerindo uma classificação forte no que se refere à utilização
dos espaços durante as atividades.

Relação entre os espaços: Espaço do professor e espaços dos alunos


Tomando em consideração a análise de todos os indicadores que caracterizam esta
relação (natureza das atividades para o macro-nível e materiais a utilizar para o
micronível), consideramos que a classificação é muito fraca ao macro-nível e fraca ao
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micro-nível. A tendência para uma classificação muito fraca ao macro-nível resultou do


fato das atividades sugerirem uma classificação fraca entre o espaço do professor e os
espaços dos alunos. Com efeito, nas três atividades estão sublinhados, nos itens de
apoio para o professor, que os alunos devem realizar o trabalho em grupo e que o
professor deve ajudar os alunos, como podemos verificar nos trechos abaixo:

“A aluna comunicou à turma que iria apresentar o trabalho sobre o programa “Minha casa, Minha
vida” que o governo estava lançando. Tendo como base a atividade que o professor propôs, a aluna
afirmou ter elaborado um plano para a distribuição das moradias liberadas pelo governo, sendo elas
(6)
em um total de um milhão. [...] A aluna traçou uma reta na lousa e marcou pontos correspondentes
aos três valores encontrados, afirmando que ficaria mais fácil para compreender” [Trecho da aba
vídeo do MCEMM intitulado Minha casa, minha vida].
“Ao concluírem a atividade, solicitei aos alunos que socializassem para a turma suas soluções. As
equipes apresentaram seus gráficos explicando em quais anos houve mais desperdício, fazendo
(7) comparações” [Trecho da aba narrativa do MCEMM intitulado Poupar água é investir no que existe
de mais precioso: a Vida].

“O primeiro grupo explicou cada questão no quadro. Enquanto falavam, tive a necessidade de
intervir, solicitando explicações sobre resultados encontrados. Assim, o fiz nas demais
(8) apresentações. [Veja aqui] Durante a apresentação ficou evidente que os grupos encontraram
diferentes formas de resolver as questões propostas na atividade” [Trecho da aba narrativa do
MCEMM intitulado Erradicação do Trabalho Infantil].

Nos trechos (6) e (8), são evidenciados que os alunos utilizaram o quadro para
expor suas soluções e, no trecho (7), é relatado que os alunos explicaram aos outros
colegas suas soluções. Além disso, na aba vídeo (que pode ser direcionada pelo link
[Veja aqui], apresentado no trecho da aba narrativa do MCEMM intitulado Erradicação
do Trabalho Infantil), constituinte do material de apoio ao professor, mostra diretamente
que o professor circulou na sala, deslocando-se junto dos alunos, havendo, assim, um
enfraquecimento da fronteira entre o espaço do professor e o espaço dos alunos, bem
como os alunos se deslocam ao espaço do professor para discutir na lousa suas soluções.
Ao micro-nível, a classificação fraca resultou do fato das atividades não
apresentarem a distinção entre os materiais do professor e os materiais dos alunos,
apesar de existir informações sobre a atividade que se destinam apenas ao professor. Por
exemplo, nos materiais de apoio, contêm possíveis dificuldades ao realizar a atividade,
assim como estratégias e soluções para essas dificuldades. Além disso, são elencados
possíveis conteúdos e também são indicados relações com outras disciplinas, as quais
não são disponibilizadas aos alunos, como podemos observar nos trechos abaixo:

“Os alunos não estavam conseguindo encontrar uma expressão algébrica adequada. Diante disso,
identifiquei que uma das formas de esclarecer essa dúvida era fazer com que eles percebessem as
(9)
regularidades numéricas presentes nas resoluções da primeira questão. Para isso, fiz os seguintes
questionamentos aos alunos: O que está se repetindo ano a ano e o que foi mudando? O que você
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quer achar na questão? O que você quer achar será o “x” da questão, isso será representado por
uma letra e etc. Depois dessa intervenção, o grupo conseguiu estruturar a expressão
algébrica” [Trecho da aba narrativa do MCEMM intitulado Erradicação do Trabalho Infantil].

“Possíveis conteúdos envolvidos: operações; proporcionalidade; números decimais; medidas de


volume; construção e análise de gráficos; regra de três” [Trecho da aba planejamento do MCEMM
(10)
intitulado Poupar água é investir no que existe de mais precioso: a Vida].

“Relação com outras disciplinas: Geografia (regiões do Brasil, economia, etc.); Português e
Redação (leitura e interpretação de texto); Biologia (discutir a proliferação de doenças em
ambientes sem infraestrutura para moradia); Física (sistema de aquecimento solar-térmico proposto
(11)
pelo programa para geração de energia); Química (diminuição da emissão de CO2 a partir do
sistema de aquecimento solar-térmico)” [Trecho da aba planejamento do MCEMM intitulado
Minha casa, minha vida].

No trecho (9), é relatada uma dificuldade enfrentada pelos alunos na resolução do


problema, assim como é sugerido uma ação, a qual foi adotada pelo professor, para
contorná-la. No trecho (10), são explicitados possíveis conteúdos que podem surgir nas
resoluções dos alunos. Enquanto que no trecho (11), são indicadas possíveis relações
que a atividade possibilita estabelecer com outras disciplinas. Essas indicações, no
entanto, estão presentes apenas no material de apoio destinado ao professor.

Quadro 1: Quadro resumo de análise dos MCEMM


E C E C E C E C
Relação Indicadores Muito Muito Análise Global
Forte Fraco
Forte Fraco
Relação entre Natureza da atividade M1 e M2 M3
A relação professor-
sujeitos Natureza das questões da
M1 e M2 M3 aluno tende a um
atividade enfraquecimento no
Professor- Regras acerca da
M1, M2 e M3 enquadramento.
aluno realização da atividade
Relação entre A relação entre
Regras de trabalho M1, M2 e M3
sujeitos alunos tem um
Natureza das regras enquadramento e
Aluno-aluno M1, M2 e M3 muito fraco.
pressupostas na atividade
Relação entre A relação entre os
Organização dos espaços
espaços M1, M2 e M3 espaços dos vários
 nível macro
alunos tem uma
Utilização dos espaços M1, classificação
Espaços dos durante a realização das M2 e variando entre forte
vários alunos atividades - nível micro M3 e muito fraca.
Relação entre Natureza das atividades  A relação entre os
espaços M1, M2 e M3 espaços do
nível macro
professor e alunos
Espaço do Materiais a utilizar tem uma
Professor- (livros, cadernos, classificação
M1, M2 e M3
espaço do materiais de laboratório, variando entre fraca
aluno etc.) nível micro e muito fraca.

6 Algumas considerações finais

Neste artigo, buscamos evidenciar o discurso regulativo expresso no texto dos


materiais curriculares educativos sobre modelagem matemática. Assim, constituem-se
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como próximos passos nessa investigação caracterizar como este texto é transformado
quando ele é movido para as práticas pedagógicas em contextos específicos.
A relação professor-aluno indicada no texto dos MCEMM foi caracterizada por
um enquadramento fraco, significando que há um compartilhamento das decisões na
realização da atividade entre professores e alunos, no sentido que os alunos exercem
algum controle na relação pedagógica. A relação entre alunos tem um enquadramento
variando entre fraco e muito fraco. O que significa que há oportunidades de grande
interação entre os alunos no desenvolvimento das atividades.
A relação dos espaços entre alunos tem uma classificação variando entre forte e
muito fraca. Isto significa que há momentos em que a unidade da classe é vista por meio
dos grupos. Cada grupo compõe uma unidade, porém, em outros momentos, a interação
se estende a classe inteira, o que é sinalizado nos momentos de socialização indicado
pelos MCEMM.
A relação entre os espaços do professor e alunos tem uma classificação variando
entre fraca e muito fraca, sugerindo que na relação entre o espaço do professor e os
espaços dos alunos, os materiais preveem uma fronteira entre estes espaços bastante
enfraquecida.
A partir da análise, foram evidenciadas algumas características do discurso
regulativo subjacente ao texto dos materiais, o que nos levou a entender que há uma
explícita indicação da conduta tanto dos professores quanto dos alunos, assim como a
relação que se dá entre eles na prática pedagógica das aulas de modelagem matemática.
Portanto, as relações que foram identificadas nos materiais curriculares educativos
apontam os princípios já postos na literatura sobre modelagem matemática. Por
exemplo, mostrou que o controle na relação professor-aluno, quanto às regras
hierárquicas, está centrado nos alunos e na relação aluno-aluno. Este fato caracteriza o
ambiente de modelagem matemática em relação a outros ambientes e isto pode ajudar
aos professores que desenvolvem aulas em ambientes tradicionais, nos quais a relação
professor-aluno tem classificação e enquadramentos muito fortes (a aula expositiva,
com alunos sentados em fileiras, por exemplo), a inserirem outros ambientes em que a
classificação e o enquadramento tendem ao enfraquecimento, pois estão claras as
normas de conduta na relação pedagógica.
Estudos têm evidenciado que os materiais curriculares mesmo quando são
estruturados de acordo com princípios pedagógicos com potenciais para melhorar a
aprendizagem dos alunos, professores podem não conseguir ler o texto que eles contêm,
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nem aproveitar a ajuda que eles podem dar (SILVA, 2009). Assim, é preciso tornar
explícito o texto dos materiais curriculares educativos e que além do discurso
instrucional, o discurso regulativo, que define as normas de conduta e o caráter da
prática pedagógica, a qual se pretende inovar, esteja explícito aos professores nos
materiais curriculares educativos.
Kieran, Tanguay e Solares (2012) argumentam que indepententemente se as
intenções dos autores são explícitas ou não, os professores inevitalvelmente adaptam os
materiais na prática pedagógica. No entanto, quando as intenções são explícitas,
professores têm disponíveis elementos para fazer as adaptações. Esse argumento
converge para uma importante implicação da análise bernsteiniana que é desenvolvida
neste artigo. Ou seja, ao deixar claras as regras do discurso regulativo é que os materiais
podem deixar visíveis as intenções pedagógicas dos elaboradores. Pois, se as normas de
conduta do discurso regulativo da prática pedagógica estão explícitas, professores terão
potenciais informações para escolher os materiais úteis para os contextos pedagógicos e,
fazendo esta escolha, podem fazer modificações/adaptações sem que os princípios
sejam diluídos.
Diante disso, não temos ainda como garantir que as especificidades e
características destes materiais poderão de fato apoiar os professores, pois ao mover o
texto dos materiais para as práticas pedagógicas, estes materiais são recontextualizados,
pois devem ser considerados o papel do professor, dos alunos e outros agentes desse
contexto, tomando decisões em um contexto diferente do qual os materiais foram
elaborados. De fato, não temos indícios sobre “os usos” dos MCEMM nas práticas
pedagógicas nas aulas de matemática. Esta é uma questão para investigações que se
encontram em andamento.
Por fim, o instrumento utilizado, oferece boas indicações de como analisar o texto
pedagógico que é subjacente aos materiais curriculares educativos, os quais, quanto
mais os descritores forem ajustados ao contexto específico dos materiais, mais indícios
sobre eles poderão ser extraídos. Assim, em continuação as investigações, pretende-se
também ampliar e adaptar o instrumento analítico.

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8 Anexo I: INSTRUMENTO DE ANÁLISE DOS MATERIAIS CURRICULARES


EDUCATIVOS SOBRE MODELAGEM MATEMÁTICA
Relação entre sujeitos (regras hierárquicas)
Relação Professor-aluno
Indicadores E++ E+ E- E--
Natureza da A atividade consiste na A atividade contêm A atividade contêm problemas A atividade contêm problemas abertos, sendo
atividade apresentação e/ou descrição de um problemas fechados, semiabertos, têm formulações solicitado aos alunos o desenvolvimento de
conceito e, seguidamente, num na qual os dados semelhantes à fechada, mas estratégias /caminhos e os procedimentos a realizar.
conjunto de exercícios sobre o fornecidos são permitem que as respostas São aquelas cuja resposta dependerá de hipóteses
assunto descrito. suficientes para a finais sejam de acordo com as realizadas pelos alunos e os critérios utilizados pelos
obtenção de uma conclusões dos alunos. alunos ou a mudança de estratégia permitirão a
solução. obtenção de respostas distintas.
Natureza das A atividade não contém questões As questões estão As questões fazem referência As questões fazem referência a realidade e estão
questões da de discussão ou as questões são associadas a a realidade e estão associadas associadas a atividades investigativas abertas.
atividade apenas de verificação de atividades ilustrativas a atividades investigativas
conhecimentos (exercícios). (semi-realidades). orientadas.

Regras acerca da Não são dadas indicações acerca Não são dadas É indicado que as regras de É explicitamente indicado que as regras de trabalho
realização da do modo de trabalho dos alunos, indicações sobre o trabalho são definidas pelo são estabelecidas pelos alunos com a orientação do
atividade mas implicitamente é previsto modo de trabalho dos professor tendo em conta a professor.
que as regras de trabalho sejam alunos, mas opinião dos alunos.
exclusivamente determinadas pelo implicitamente é
professor. previsto que os
alunos sejam ouvidos
na definição das
regras de trabalho.
Relação entre sujeitos (regras hierárquicas)
Relação aluno-aluno
Indicadores E++ E+ E- E--
Regras da Não são dadas indicações acerca Não são dadas É indicado que os alunos É explicitamente indicado que as ideias de cada aluno
atividade do modo de trabalho dos alunos, indicações sobre o devem merecem ser ouvidas e discutidas pelos colegas.
mas implicitamente é previsto que modo de trabalho dos discutir entre si as suas ideias,
não haja interação entre os alunos, mas mas não é realçado que todos
mesmos. implicitamente é os
previsto que haja alunos devem intervir.
interação entre os
alunos na resolução
das atividades.
Natureza das É pressuposto que os alunos É pressuposto que os É pressuposto que os alunos É pressuposto que os alunos
regras trabalhem individualmente na alunos realizem a atividade em grupo. realizem a atividade em grupo e que a discutam com
pressupostas na realização da atividade. trabalhem em pares outros grupos de trabalho.
atividade na realização da
atividade.

Discurso regulador – Relação entre espaços


Espaço da professora – Espaço dos alunos
Indicadores C++ C+ C- C--
Macro Natureza das A atividade sugere uma A atividade sugere uma A atividade sugere uma fronteira A atividade sugere uma
nível atividades fronteira muito nítida entre fronteira nítida entre os enfraquecida entre os espaços do fronteira muito enfraquecida
os espaços do professor e os espaços do professor e os professor e os espaços dos alunos. entre os espaços do
espaços dos alunos. espaços dos alunos. professor e os espaços dos
alunos.
Micro Materiais a utilizar É apresentada uma lista de É apresentada uma lista de Não são apresentadas listas diferentes Não é feita distinção entre o
nível (livros, cadernos, material que se destina ao material para o professor e de material para professor e alunos, material do professor e o
materiais de professor e uma lista de outra mas existem informações sobre o material dos alunos.
laboratório ...) material que se destina aos lista de material para os material que se destinam apenas ao
alunos. alunos, mas a lista de material professor.
dos alunos contém
informações presentes na lista
do professor.
Discurso regulador – Relação entre espaços
Espaços dos vários alunos
Indicadores C++ C+ C- C--
Macro Organização dos É pressuposto que os alunos É pressuposto que os alunos É pressuposto que os alunos estejam É pressuposto que os alunos
nível espaços estejam dispostos em fila e estejam distribuídos por dispostos em U (Semicírculo). estejam organizados
em carteiras individuais. carteiras de dois elementos pequenos grupos.
cada., ou fileiras duplas.
Micro Utilização dos É pressuposto que os alunos É pressuposto que os alunos É pressuposto que os alunos É pressuposto que os alunos
nível espaços durante a realizem as atividades nos trabalhem, partilhando um trabalhem, partilhando uma mesma trabalhem utilizando
realização das respectivos espaços não pequeno espaço, mas não se mesa, mas que apenas o livremente
atividades. utilizando o espaço dos desloquem ao espaço dos “ líder” se desloque ao espaço de os espaços uns dos outros.
colegas. colegas. outros grupos.

Instrumento de análise adaptado de Silva, P., Morais, A. M., & Neves, I. P. (2006).
Grupo ESSA, Departamento de Educação da Faculdade de Ciências da Universidade de
Lisboa.
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28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil

Anexo II: Situações-Problema dos MCEMM

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