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COM/2018/08/13/VALE-QUILOMBOS-MARANHAO/
Informo a ele que foi com base em um boletim de ocorrência e nas quatro fotos em preto
e branco apresentadas, bastante granuladas e com a maioria das 28 pessoas aparecendo
de costas que ele e mais cinco quilombolas foram processados pela mineradora
transnacional Vale S.A. em 2014. É impossível ver com nitidez o rosto das cinco que
aparecem de frente. “É mesmo?!”, pergunta, rindo da inconsistência da ação de
reintegração de posse ajuizada pela empresa.
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Belfort não só não aparece nas fotos que a Vale usou para processá-lo, como também não
participou do primeiro dia de protesto, mesma data em que a ação de reintegração de
posse foi movida. Ele havia passado por uma cirurgia em 2011 para a retirada de um
coágulo no cérebro, e a família quis poupá-lo do calor antes que o acampamento estivesse
totalmente montado, com proteções contra o sol. “No dia 24 [segundo dia de protesto],
não me seguraram mais. Eu fui e fiquei até o dia que levantamos nossas baterias e viemos
pra casa.”
De autores a réus
Anacleta Pires da Silva, 52 anos, é outra quilombola de Santa Rosa dos Pretos processada.
Assim como Belfort, ela não se reconheceu em nenhuma das quatro fotos. Ela e as outras
cinco pessoas citadas na ação da Vale são lideranças dos territórios Santa Rosa dos Pretos
e Monge Belo.
Seis anos após a decisão, a Vale ainda não cumpriu todo o acordo, segundo manifestação
do juiz federal Ricardo Macieira e depoimentos de quilombolas de Santa Rosa dos Pretos
e Monge Belo. Já a duplicação da EFC está 85% finalizada, de acordo com a empresa, com
542 km duplicados do total de 637 km. A conclusão das obras está prevista para o fim
deste ano.
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Questionei a Vale sobre como a empresa identificou as pessoas nas fotos apresentadas
como provas e pedi que apontasse nas imagens cada indivíduo citado na ação de
reintegração de posse. A mineradora não respondeu a essas e outras questões relativas ao
processo e informou que “não comenta decisões judiciais.”
Segundo Caroline Rios Santos, da rede Justiça nos Trilhos, advogada dos quilombolas de
Santa Rosa dos Pretos e Monge Belo no processo, mover ações de reintegração de posse
com provas inconsistentes é uma prática comum da mineradora.
“Na maioria das ações decorrentes de protesto nas quais a gente tem atuado, a
identificação é super vaga. Não há uma preocupação, por exemplo, de indicar os motivos
de aquelas pessoas serem apontadas como rés na ação. Em alguns casos são apenas
moradores da região que nem participaram da manifestação”, ela me disse. “Mas a
jurisprudência entende, em casos como esse, que é um ônus grande para a parte autora
ter que identificar especificamente cada pessoa, e aceita uma identificação mais
genérica.”
Mesmo após três anos desde que a ação de reintegração de posse foi movida, e mesmo
com a desobstrução da via – objeto da ação – ao fim do protesto, a juíza Mirella Freitas,
titular da 2a. Vara da Comarca de Itapecuru-Mirim, intimou os seis quilombolas para
uma audiência de conciliação com a Vale em junho de 2017.
A proposta do advogado da Vale foi que os quilombolas nunca mais, por qualquer motivo,
ocupassem os trilhos da EFC, segundo Anacleta Pires da Silva, uma das líderes do
movimento. Como contraproposta, Silva exigiu que a mineradora retirasse das terras
quilombolas todos os trilhos da estrada de ferro. Não houve acordo.
No último dia 9 de julho, quase quatro anos depois da desobstrução da EFC, a juíza
Mirella Freitas determinou que fosse feita “a citação por edital das demais pessoas que
participaram da invasão à EFC.” A advogada da rede Justiça nos Trilhos afirmou que não
há, nos autos do processo, nenhuma notícia de nova manifestação ou perturbação da
posse da empresa. “Inclusive, ao assumir obrigações com as comunidades na ação civil
pública, ela [Vale] reconhece a legitimidade da reivindicação”, explicou a advogada.
Considerando todos esses fatos, a defesa dos quilombolas considera que o processo
perdeu a razão de existir, especialmente porque a EFC foi desocupada em setembro de
2014.
Hoje, porém, as coisas mudaram. O antagonista não tem rosto e nem se apresenta para o
confronto. Age à distância e em silêncio. Para o lavrador, a continuação do processo,
tanto quanto seu início, não tem sentido.
“Quando eu recebi a notícia do processo, pra mim aquilo não existiu. A gente não tava
tirando nada da Vale. A gente tava brigando pelo nosso direito, e, se a Vale tava com a
culpa, ela tinha que desocupar o que era nosso”, diz o lavrador. “Ser processado pela
mineradora intimidou o senhor na sua luta?”, perguntei. “Não. Na época que eu era
delegado sindical, eu resolvia as coisas sozinho. Agora, nós temos vários companheiros,
amigos, não só daqui de Itapecuru, como de São Luís, Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília,
Estados Unidos, e com isso a gente se fortalece muito mais. Agora é que não dá de ter
medo. Essa luta eu só deixo quando morrer.”