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Alguns irmãos separados querem impugnar doutrinas "tipicamente" católicas (com suas

respectivas causas e efeitos) pura e simplesmente porque tal ou qual palavra


(p.ex., "Purgatório") "não ocorre na Bíblia", seguindo assim o princípio
protestante da "Sola Scriptura". Ora, "Trindade", "Encarnação", "consubstancial" e
vários outros termos teológicos também não se encontram na Bíblia, muito apesar de
praticamente 95% dos protestantes não duvidarem em empregá-los, reconhecê-los e
ensiná-los, bem como todas as suas causas e consequências!

Mas talvez o que seja mais enigmático e interessante é que os defensores do


"somente a Bíblia" também não encontram a palavra "Bíblia" na... Bíblia! Isto
porque acabam por confundir as noções de "Escritura", "Escrituras" e "Bíblia"
quando tentam verter a famosa e antibíblica expressão latina "Sola Scriptura" para
"Somente a Bíblia".

Sim, há diferenças, e são gritantes:

- "Escritura" é UM Livro tido por divinamente inspirado e, por isso mesmo, Palavra
de Deus. Os judeus e depois os cristãos, sempre creram na existência de diversos
Livros Sagrados, que foram escritos em vários rolos, separados quase que
individualmente para leitura no culto público da Sinagoga ou da Igreja. Deste modo,
o termo singular "Escritura" indica o conjunto desses rolos reunidos (que os judeus
chamam "ְ‫"תַּנַ"ך‬, "Tanakh", com tripla divisão interna; e os cristãos, "Antigo
Testamento", com quádrupla divisão interna, [como vimos em
https://www.facebook.com/carlosmartins.nabeto/posts/2982732641830011], seguindo em
regra a classificação e a ordem da Septuaginta). Já o plural "Escrituras" é o
CONJUNTO total ou parcial desses rolos, sendo que cada rolo continha 1 único livro
(p.ex.: só Gen., só Crôn., só Is. etc.) ou vários livros (p.ex., todos os Doze
Profetas), independente da existência de um cânon formal.

- "Bíblia" (gr. "βιβλια") é, porém, uma OUTRA coisa: é um termo técnico cristão,
oriundo do plural do termo grego "βιβλιον", "Biblion", que significa "Livrinho"
(diminutivo de "βιβλος"). A Bíblia é assim uma "biblioteca" formada por vários
"livrinhos", historicamente definida inicialmente pela Igreja Católica no séc. IV,
e que chamamos de "cânon bíblico". É portanto um ÚNICO Livro que reúne em duas
grandes seções (o AT e o NT) todos os 73 Livros considerados Santos (e canônicos)
pela Igreja (ver foto).
Em suma: a "Escritura" é o Escrito sagrado em si, individual, oficialmente
reconhecido pela Igreja como inspirado e canônico; "Bíblia" é a reunião de TODOS os
73 Livrinhos sagrados, "sob uma mesma capa".

Deste modo, ainda que seja possível encontrar as palavras "Escritura" e


"Escrituras" na Bíblia, não significam exatamente o mesmo que esta. E isso traz
sérias consequências para a interpretação de muitas passagens: p.ex., quando
encontramos essa palavra no NT, ela se refere tão apenas ao AT e não ao NT (com a
exceção, e ainda assim parcial, de 2Ped. 3,15-16). P.ex., os "nobres bereanos" (At.
17,10-14), que os protestantes tanto gostam de apontar como "primitivo exercício do
'somente a Bíblia'", estavam consultando ali apenas o AT; ora, até então, embora já
dentro da Era Cristã, nenhum livro do NT havia sido escrito (ou se havia algo, era
uma ou outra carta de São Paulo ainda não-canonizada; logo, não correspondia à
Bíblia, que só foi estabelecida 3 séculos depois!). Deste modo, a interpretação
extensiva que afirma a "Sola Scriptura" nesta passagem (e em várias outras do NT) é
simplesmente fantasiosa e... falaciosa!

Ou seja, não há propriamente Bíblia sem que esta siga o cânon oficial legitimo e
formalmente definido pela autoridade eclesiástica, de 73 Livros, ainda que existam
de fato Escrituras judaicas e cristãs individualmente consideradas e reconhecidas
pela mesma Igreja!

Acresça-se que cada livro do NT circulou inicialmente sozinho, sem haver uma Bíblia
estabelecida, de forma semelhante às "edições especiais" que encontramos hoje nas
livrarias, que trazem "apenas o Novo Testamento", ou "só os 4 Evangelhos", ou
"unicamente os Salmos" e que, obviamente, não podem ser chamadas de "Bíblias".
Estas são apenas isto: uma coletânea de alguns Livros Sagrados ou só de um Livro
Sagrado; jamais uma Bíblia! logo, devem ser lidas com muita cautela, já que
parciais, por faltarem ali os demais Livros cânonicos.

E mais: há sempre risco de prejuízo para a Fé quando um livro intitulado "Bíblia


Sagrada" não segue exatamente o canon oficial da Igreja. Não é, pois, uma Bíblia
propriamente dita, mas também uma "edição especial", independentemente se tem
alguns livros a mais ou a menos. Podem dar-lhe esse título, mas propriamente e
tecnicamente não é, pois ferem o cânon sagrado definido!

Ah! E quanto ao Purgatório, que mencionamos no início? Bom, o conceito dessa


doutrina encontra-se implicitamente em diversas passagens da Bíblia (p.ex.: 2Mac.
12,45; Mat. 5,8.25-26; 1Cor 3,12-15; 1Ped. 3,18-20; Ap. 21,27), da mesma forma que
a Trindade e outros termos técnicos mencionados... e inclusive a própria "Bíblia"
tal qual ela é de fato!😁

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