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MARIANA
(COORDENADORA)
SOBRE ATUALIDADES DO
DIREITO
9ª Coletânea de ensaios e artigos
1ª Edição
MARIANA,
FUPAC-MARIANA
2021
FICHA CATALOGRÁFICA
ISBN: 978-65-88017-01-2
PREFÁCIO:
PREFÁCIO
Tempos desafiadores! Com a Pandemia da COVID-19 e a
suspensão das aulas presenciais, o diálogo entre a comunidade
acadêmica migrou para o “mundo virtual”: aulas remotas, webinar,
trabalhos colaborativos, metodologias ativas, grupos do WhatsApp da
instituição, do período, das disciplinas... Toca o celular, uma nova
mensagem no WhatsApp. Abro o aplicativo de mensagem e percebo
tratar-se de mensagem encaminhada pela professora Magna Campos
com honroso convite para prefaciar esta obra “Sobre atualidades do
Direito: 9ª coletânea de ensaios e artigos”, coordenado pela
Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana (FUPAC-MARIANA),
a quem agradeço por tamanha distinção.
Ao ler a obra coletiva, fruto do desenvolvimento de trabalhos
científicos da comunidade acadêmica desta Instituição de Ensino
Superior, na qual, desde 2011, tenho a satisfação de fazer parte do
seu quadro de empregados, constato a consolidação e o
amadurecimento de um projeto institucional ímpar de fomento a
produção e divulgação da pesquisa científica através de ensaios e
artigos de professores(as), alunos(as), ex-alunos(as) e
colaboradores(as) externos. Surge a lembrança das edições anteriores,
dos mais variados temas jurídicos, linguísticos, sociológicos e
filosóficos... Em todas as edições, destacam-se a interdisciplinaridade
e a transdisciplinaridade.
Nesta obra, o leitor continuará a se enveredar pelos mais
variados caminhos do saber, a partir do olhar crítico e questionador
dos(as) autores(as) na abordagem de temas e assuntos jurídicos e
sociais. A intensa dedicação dos(as) autores(as) e a consistência
teórica dos artigos e ensaios convida o leitor para pensar o papel
transformador do Direito para além das revisões bibliográficas, pois, é
notório o interesse dos(as) autores(as) na problematização dos
fenômenos jurídicos na dinâmica social.
Abre-se um amplo espectro de oportunidades de ampliação e
aprofundamento do conhecimento. Sem se descuidar da
fundamentação e base teórica, surgem pesquisas empíricas, ainda
escassas, porém, tão necessárias para o campo jurídico, ao permitirem
investigar as manifestações concretas do fenômeno jurídico, com a
apresentação de dados, muitas das vezes invisibilizados, de mazelas
sociais.
Há um forte e marcante conteúdo social na abordagem dos
textos. A questão étnico-racial e as ações afirmativas no Poder
Judiciário, apresentada por Elisa Ferreira Rei e René Dentz, com dados
do Censo do Poder Judiciário; a internação compulsória de
dependentes químicos, coautoria entre Cláudia Ferreira, Raphael
Furtado Carminate e Luiz Carlos Santana Delazarri; o reconhecimento
do nome social do sujeito trans, escrito por Gabriella Pimenta, Saulo
Camêllo e Magna Campos; a acessibilidade da pessoa com deficiência
física e a mobilidade urbana no contexto de cidades históricas é
delineado por Maria de Lourdes Faria e Israel Quirino.
É possível observar a diversidade e riqueza dos temas,
permeando áreas e institutos tradicionais e contemporâneas do
Direito. Tive o prazer de orientar Dayanne Maris Oliveira Silva, e
escrever um capítulo explorando a regularização fundiária no âmbito
da legislação municipal, articulando dados obtidos junto ao Poder
Executivo Municipal e ao Cartório de Registro de Imóveis de Mariana;
enquanto, Larissa Silva, Ana Flávia Delgado e Luiz Carlos Santana
Delazzari abordam o constitucional papel da Defensoria Pública no
acesso à justiça aos hipossuficientes. Já, no direito processual, o
incidente de resolução de demandas repetitivas é esmiuçado por
Karine de Paula Pinheiro e Ana Flávia Delgado com cuidadosa análise
da jurisprudência sobre o tema.
A argumentação em decisões judicias é tratada com atenção
por Vivian Moreira e Magna Campos com primorosa análise de uma
sentença judicial; e, Gabriela Araújo Gois e Bárbara Cândido de
Carvalho apresentam trabalho sobre as prisões provisórias e o direito
penal do inimigo. Francielly Rodrigues Almeida de Araújo e Raphael
Furtado Carminate realizam estudo sobre o biodireito, o
planejamento familiar e a autonomia privada da mulher; enquanto,
Antônio César Pereira Bento e René Dentz escrutinam a bioética e o
direito dos animas nos experimentos científicos.
É evidente a inquietude e a sensibilidade dos(as) autores(as),
impulso essencial para a compreensão dos múltiplos contextos e
dimensões do fenômeno jurídico. Busca-se, também, “iluminar” esse
cenário de incertezas e desequilíbrio durante a Pandemia da COVID-
19. Assim, a violência doméstica durante a Pandemia da COVID-19 é
tratada por Gabriela Araújo Góis, Raquel Araújo, Vivam Moreira e
René Dentz, sob duplo prisma: jurídico e psicanalítico; enquanto,
Vivian Moreira e René Dentz propõem uma análise quantitativa na
Região dos Inconfidentes. Já, Kelly Christine Oliveira Mota de Andrade
e Raphael Furtado Carminate alertam para as limitações, não
impedimento, do acompanhamento da gestante nesse período de
Pandemia da COVID-19.
E, se física e presencialmente nos afastamos das dependências
da FUPAC-MARIANA, a saudade, as experiências e os desafios
enfrentados diante do cenário de Pandemia, fez com que outros(as)
autores(as) voltassem seus estudos e análises para a própria “casa”, a
FUPAC-MARIANA. Seja explicitando dados acerca do estágio
supervisionado no curso de Direito e os desafios trazidos pelo
“contexto pandêmico”, como fizeram Magna Campos, Gabriella
Pimenta, Saulo Camêllo e Vivian Moreira em estudo de caso do nosso
Núcleo de Prática Jurídica (NPJ); ou através de relatos de experiência,
como em coautoria de Crovymara Elias Batalha e Fabiano César
Rebuzzi Guzzo, respectivamente, diretora e coordenador pedagógico
da FUPAC-MARIANA, traçam interessante resgate da gestão
educacional durante a Pandemia da COVID-19. Igualmente, assino
artigo em que relato minha passagem pela coordenação do NPJ da
FUPAC-MARIANA e cito Eduardo Galeano: “a utopia está lá no
horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos.
Caminho dez passos, e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu
caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso:
para que eu não deixe de caminhar”.
Se o tempo é desafiador? Muito! Mas, não paramos, não nos
rendemos... Resistimos, lutamos... Caminhamos! Parabenizo a
todos(as) autores(as) e desejo a você, leitor(a), uma prazerosa
caminhada pelas trilhas do saber e do conhecimento presente nessa
obra coletiva. Boa leitura!
1
Professora universitária, Mestre em Letras e escritora.
2
Graduanda do 3° período do curso de Direito pela Faculdade Presidente
Antônio Carlos de Mariana- MG. Mestre em Relações Internacionais pela
PUC Minas.
3
Graduanda do 8° período do curso de Direito pela Faculdade Presidente
Antônio Carlos de Mariana- MG.
4
Graduando do 9° período do curso de Direito pela Faculdade Presidente
Antônio Carlos de Mariana- MG
18
INTRODUÇÃO
22
O estágio no Brasil: breve histórico normativo
24
emprego do educando com a parte concedente do estágio para
todos os fins da legislação trabalhista e previdenciária (BRASIL, Lei
11.788, 2008)”. O não estabelecimento do Termo de Compromisso,
como prevê a lei, em seu art. 3º, II, assinado entre a parte concedente
e a instituição de ensino, transformará a relação em vínculo
empregatício.
Segunda tal Lei do Estágio, Prevê-se a existência do estágio
obrigatório, aquele definido no projeto do curso, como requisito para
obtenção do diploma; o estágio não obrigatório, aquele desenvolvido
como atividade opcional pelo estudante. E ainda, o estágio
remunerado ou não remunerado.
Como pré-requisitos para o estágio universitário, não há idade
mínima prevista, mas a necessidade de vinculação com IES com
matrícula e frequência regulares, jornada de atividades compatível
com carga horária acadêmica, podendo apresentar jornadas de 4 a 8
horas diárias, devendo ter carga horária reduzida nos períodos do
semestre que tenham avaliações acadêmicas, pode ter duração
máxima de 02 anos por instituição concedente, cabendo ao estagiário
entregar à instituição de ensino, em prazo não superior a 06 meses, o
relatório de atividades desenvolvidas no estágio (BRASIL, Lei 11.788,
2008).
25
expõe Brüggemann (2009).
Ainda em 1972, a Ordem dos advogados no Brasil (OAB), por
meio da Lei nº 5.842, estabelece um sistema alternativo ao exame da
ordem, instituindo o Estágio Forense e de Organização Judiciária,
oferecido pelas faculdades de Direito, mas supervisionado pela OAB,
com carga horária mínima de 300 horas, conforme expõe a autora.
Em 1977, a Lei 6.494, posteriormente regulamentada pelo
Decreto nº 87.497/1982, passa a exigir os órgãos intermediadores do
estágio entre empresa e instituição de ensino.
Desta forma, até 1995, estas duas modalidades de estágio
participavam do cenário jurídico:
5
RODRIGUES, Horácio Wanderlei. In: Ensino do direito no Brasil: diretrizes
curriculares e avaliação das condições de ensino. RODRIGUES, Horácio
Wanderlei, JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Florianópolis: Boiteux, 2002.
26
Mas é com a Resolução CNE/CES nº 09/2004, que institui as
Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Direito (DCN), que a
relação teoria e prática no curso se solidificam, devendo dar-se
através do Núcleo de Prática Jurídica (NPJ), onde são realizadas
atividades reais de atendimento aos clientes carentes, como
ajuizamento de ações e defesas, sob a orientação de um professor
responsável. Assim, o art. 7º desta Resolução especifica que:
6
Grifo nosso. Redação que fez com que algumas seções estaduais da OAB
entendessem possuir competência para autorizar o NPJ, porém para o MEC,
esta disposição sempre se referiu aos conselhos internos a IES.
27
estágios. (RODRIGUES, 2007, p. 204)
Todavia, essa resolução foi alterada por meio da Resolução
CNE/CES nº3 de 2017, apenas nesse art. 7º, que tratava a prática
jurídica, estágio e NPJ, o qual passou a dispor que:
7
Correção da ambiguidade anterior, mencionada na nota 2.
28
1827 – Prática do processo adotados pelas leis do Império
(junto com a teoria)
1891 – Prática forense
1962 – Prática forense (como conteúdo de Direito Judiciário)
1972 – Prática forense (obrigatório, sem carga horária
definida)
1994 – Prática jurídica (obrigatório, mínimo 300 h/a) NPJ
2004 – Prática Jurídica obrigatória no NPJ, podendo ser em
parte realizada mediante convênios, sendo obrigatória a
supervisão. Duração: até 20% da Carga horária do curso, em
conjunto com as Atividades Complementares.
2017 – Prática Jurídica obrigatória no NPJ, podendo ser
integralmente realizado mediante convênios, sendo
obrigatória a supervisão. Duração: até 20% da Carga horária
do curso, em conjunto com as Atividades Complementares.
2018 – Prática jurídica deve ser obrigatoriamente oferecida
pela IES no seu NPJ, mas permite também que seja realizada
mediante convênios, sendo então obrigatória a supervisão.
Não estabelece percentual a ser realizado na IES e nem quanto
pode ser realizado externamente. Duração: até 20% da Carga
horária do curso, em conjunto com as Atividades
Complementares.
Esquema comparativo da prática jurídica de 1827 a 2018.
Adaptado de: RODRIGUES (2019, p. 439)
30
da área jurídica.
Uma mudança sutil, mas significativa acorre na nomenclatura
do NPJ, pois passa a ser chamado de Núcleo de Práticas Jurídicas,
cujo plural acrescentado à palavra “prática”, faz referência às diversas
atividades profissionais ligadas à área jurídica e suas distintas práticas.
Desta forma, a resolução prevê, em seu art. 6º, § 1º, que “é obrigatória
a existência, em todas as IES que oferecem o curso de Direito, de um
Núcleo de Práticas Jurídicas, ambiente em que se desenvolvem e são
coordenadas as atividades de prática jurídica do curso” (BRASIL,
Resolução nº 05, 2018) (grifo nosso).
Uma especificação terminológica importante, presente no
documento, é em relação à(s) prática(s) jurídica(s), estas sim, deverão
ser realizadas sob a supervisão dos NPJs. Desta forma, é interessante
observar que não mais se diz atividades de estágio supervisionado,
mas sim de prática(s), eliminando inclusive a confusão das legislações
anteriores (Portaria 1.886/1994 e Resolução CNE/CES nº 09, 2004),
pois prática é algo bem mais amplo que o estágio, assim, como se lê
no art. 6º, § 5º, “as práticas jurídicas podem incluir atividades
simuladas e reais e estágios supervisionados, nos termos definidos
pelo PPC.” (BRASIL, Resolução nº 05, 2018). Assim, o estágio é sem
dúvida um tipo de prática jurídica, mas nem toda prática jurídica
constitui estágio, há uma diversidade de práticas jurídicas que podem
desenvolver os conhecimentos, as competências e habilidades
necessárias ao profissional da área jurídica e que podem e devem ser
realizadas ao longo do curso de Direito.
Neste contexto, resgatar o conceito de estágio pode ajudar a
esclarecer a confusão das legislações anteriores, pois o estágio é “um
negócio jurídico celebrado entre estagiário e concedente, sob a
supervisão da instituição de ensino, mediante subordinação do
31
primeiro, visando a sua educação profissional” (MARTINS, 2010, p. 108
citado por NALESSO, 2019, p.405). grifo nosso
Inclusive, tal resolução pressupõe, em seu art. 5º, § 1º, que “as
atividades de caráter prático-profissional e a ênfase na resolução de
problemas devem estar presentes, nos termos definidos no PPC, de
modo transversal, em todas as três perspectivas formativas” (BRASIL,
Resolução nº 05, 2018). Perspectivas estas que são de formação geral,
formação técnico-jurídica e prático-profissional. Desta forma,
observa-se que a relação teoria e prática foi ampliada, devendo
perpassar todas as dimensões do curso e não se restringir a
atividades do NPJ e/ou às disciplinas específicas de prática, mas ser
uma constante que atravesse todo o curso, devendo estar associadas
à resolução de problemas e ao emprego de metodologias ativas,
como frisado na resolução em análise.
Além disso, frisa-se que as atividades de prática jurídica
deverão incluir “práticas de resolução consensual de conflitos e
práticas de tutela coletiva, bem como a prática do processo judicial
eletrônico” (BRASIL, Resolução nº 05, 2018), três tendências do Direito
atual, mas que implicarão uma remodelagem das abordagens do
NPJs, ao menos, aos que ainda não tratavam destes elementos, já que
são agora componentes obrigatórios. Estas previsões devem ser
aprovadas pelos colegiados dos cursos e fazerem parte Regulamento
de Práticas Jurídicas, algo mais amplo, portanto, que o anterior
Regulamento de Estágio Supervisionado, adotado até então pela
maioria das instituições. Pois, neste sentido,
8
MARTINS, Sérgio Pinto. Estágio e relação de emprego. 2.ed. São Paulo:
Atlas, 2010.
32
docência e a pesquisa científica em Direito; as atividades de
extensão, não apenas as relativas ao atendimento da
comunidade em escritórios jurídicos universitários, clínicas ou
serviços de assistência ou assessoria jurídicas, mas também
aquelas de cunho social e humanitário; as competições
universitárias de técnicas de argumentação, de julgamentos
internacionais, de Tribunais de Júri; a simulação de
negociação empresarial ou sindical, de arbitragem nacional
ou internacional, apenas para dar alguns exemplos.
(NALESSO, 2019, p. 407)
O estágio na Pandemia
34
COVID-19. Até o momento de escrita deste trabalho, são mais de 310
mil mortes e de 12,5 milhões de casos confirmados9, no país. O Brasil
assumiu, na última semana, o posto preocupante e desalentador de
nação com mais mortes diárias no mundo, lugar até então ocupado
pelo Estados Unidos.
Desde o início da Pandemia, devido às medidas sanitárias, as
escolas de Ensino Básicos e de Ensino Superior foram fechadas, como
tentativa de frear a propagação do vírus e a ocorrência das infecções
pelo SARS-CoV-2, vírus causador da Covid-19.
Uma solução temporária com vistas a propiciar a continuidade
da oferta das atividades educacionais do Ensino Superior no país,
instituída pela Portaria do MEC de nº 343, de 17 de março de 2020,
foi a autorização do Ensino Remoto Emergencial em lugar do Ensino
Presencial, até que se tivesse condições seguras de retorno às salas
de aula presenciais – o que ainda não aconteceu na maioria das
cidades do país. Conforme o texto legal, seu intuito era:
9
Dados de 28/03/2021. Fonte: https://covid.saude.gov.br/
35
às práticas de estágio e de laboratórios os recursos das atividades
remotas. Assim, no parágrafo 3º, do art. 1º, “fica vedada a aplicação
da substituição de que trata o caput aos cursos de Medicina bem
como às práticas profissionais de estágios e de laboratório dos
demais cursos” (MEC. PORTARIA Nº 343, 2020) grifos nossos. Essa
portaria foi prorrogada por duas vezes, por meio das portarias de nº
395, de 15 de abril de 2020 e nº 473, de 12 de maio de 2020, as quais
não se referiam apenas à substituição das disciplinas em andamento,
tal qual Portaria 343, além de agregar, à autorização, a substituição
para a modalidade remota das disciplinas teóricas-cognitivas do
curso de Medicina.
Interessante observar, que apenas após Nota Técnica Conjunta
nº 17, do Ministério da Educação/CGLNRS/DPR/SERES, de 18 de
junho de 2020, esclareceu-se interpretação que havia gerado dúvidas
referentes estágio desde a Portaria nº 343, de março de 2020. Neste
quesito, esclarece a nota técnica quanto ao correto entendimento do
parágrafo 3º, art. 1º da Portaria nº 343:
37
Parecer CNE-CP10 nº 5, de 28 de abril de 2020, que tratava da
“Reorganização do Calendário Escolar e da possibilidade de cômputo
de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga
horária mínima anual, em razão da Pandemia da COVID-19”. Neste
âmbito, o parecer em questão entendia que:
10
Conselho Nacional de Educação (CNE) e Conselho Pleno (CP).
38
Estudo de caso: estágio supervisionado na Fupac-Mariana/MG e
as adapções realizadas no período da Pandemia de Covid-19
I- Área Cível
II- Área da Infância e Juventude;
III- Área de Execuções;
IV- Promotorias Públicas;
V- Defensorias Públicas;
VI- Área Pública. (FACULDADE PRESIDENTE ANTÔNIO
CARLOS DE MARIANA, 2019)
39
Ainda, tal dispositivo menciona, em seu art. 5º, as atividades
que constituirão atividades dos estagiários, entre outras:
40
A computação das horas necessárias é instituída pelo art. 23
do Regulamento do estágio obrigatório:
42
remota, com a mediação da tecnologia11. Com isso, adotou-se o
sistema encontros ou aulas síncronos com os estagiários matriculados
nas disciplinas do Núcleo, valendo-se das plataformas institucionais,
Portal Blackboard e do Google Meet, e para os clientes, o Google
Forms. Os materiais e atividades obrigatórias passaram a ser
disponilizadas aos estudantes via portal e os atendimentos aos
clientes passaram a se dar de forma virtual, pelo Google Meet. Bem
como, a participação em audiências e conciliações também está se
realizando de forma virtual, dado o atual cenário dos atendimentos
na Pandemia.
Desta forma, no período de ensino e de práticas remotas,
passou-se então a promover encontros virtuais, que ocorrem
quinzenalmente, nos quais os discentes devem participar para suprir
as 15 horas que se referiam à participação obrigatória nas demandas
do NPJ, dispostas no artigo 6º, inciso I e artigo 23º, parágrafo §2º.
11
Informações obtidas em entrevista escrita com a coordenação do NPJ da
faculdade.
12
Observa-se, no entanto, nas respostas recebidas, que são escritas em 1ª
pessoa do singular, o que leva a entender que os coordenadores discutiram
43
NPJ da instituição há vários anos, o que lhes possibilita falar de suas
percepções com vasta experiência tanto de antes quanto de durante
a Pandemia.
Optou-se por entrevista estruturada com 10 questões
discursivas (apêndice a). As indagações realizadas permitiram
conhecer as peculiaridades e efetividade do estágio supervisionado,
conforme perspectiva da coordenação das atividades, bem como os
detalhes do estágio supervisionado no período da Pandemia da
Covid-19.
As questões foram enviadas por e-mail aos respondentes
junto com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (apêndice
c), no dia 23 de março de 2021. Os entrevistados responderam ao
questionário e o enviaram aos integrantes da pesquisa no dia 26 de
março.
13
Mantivemos as respostas tal qual redigidas no questionário.
45
com profissionais/carreiras jurídicas consideradas de maior
relevo, pelos casos concretos abordados ou do perfil do
público atendido realmente impacta na percepção do(a)
aluno(a), novamente, torna-se importante um estudo
aprofundado para esclarecer se verdadeira (ou não) a nossa
percepção.
47
faculdade de participar de todas as atividades, sendo
obrigatórias apenas algumas atividades.
Lado outro, muitos alunos que fazem estagio externamente
optam por participar de tudo no NPJ para melhor
aproveitamento e engajamento na área, os relatos desses
alunos são muitos positivos também. O estágio no Fórum, por
exemplo, não possibilita que o estudante exerça ainda que de
maneira supervisionada, atividades privativas da advocacia, e
é o que muitos almejam.
Percebe-se, no trecho final anterior que, ainda que os
estudantes estejam ou tenham feito estágio externo, àqueles que se
engajam nas atividades obrigatórias do NPJ tendem a aproveitar
ainda mais das práticas jurídicas e acrescentar importante
complementação à suas formações, o que evidencia o valor das
atividades desenvolvidas no NPJ.
49
e acessível:
14
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. Virtualização. Disponível em:
https://www.tjmg.jus.br/portal-tjmg/servicos/faq-Covid-19/virtualizacao-de-
processos/#.YGSJ51VKjIV acesso em: 28 mar. 2021.
50
tramitação puderam ser virtualizados, o que oportunizou a
continuidade do acompanhamento processual sem prejuízo
as partes atendidas pelo NPJ e da participação dos(as)
alunos(as).
51
como participação em audiências de conciliações, nas quais
antes (presencial) participavam 3 alunos no máximo, em cada
atendimento/conciliação, hoje chega a participar cerca 25
alunos, variando para mais ou para menos.
15
No atual semestre letivo, não há turma do 10º período regular. A
faculdade conta com uma turma do 1º período, uma do 3º, uma do 5º, uma
do 7º e uma do 9º.
54
2. Experiência dos alunos em estágio de Direito - 13 questões
3. Experiência e percepção dos alunos com relação ao estágio
em Direito no período da Pandemia do Covid-19 – 07
questões
4. Experiência e percepção dos alunos com relação ao estágio no
Núcleo de Prática Jurídica da FUPAC – Mariana -07 questões
55
onde se percebe a essencialidade das atividades do NPJ para o
estágio dos cursistas.
56
Gráfico 03: Dados da pesquisa.
16
Os valores ultrapassam 100%, pois era possível marcar mais de uma
opção.
58
Quanto ao impacto da Pandemia no estágio, a maioria julga
ter impacto negativo (53%) e apenas 18,3% vislumbram o lado
positivo, tal qual exposto no gráfico 05. A maioria dos alunos julga ter
dificuldades para solicitar orientações e obter os esclarecimentos
necessários para execução de suas atividades (72,7%).
59
Gráfico 06: Dados da pesquisa.
60
Quanto à integração suficiente entre as aulas teóricas e as
atividades práticas no estágio no NPJ, a maioria indicou
eventualmente (48%) e sim (42%), conforme gráfico 07:
68
APÊNDICE A: QUESTÕES DE ENTREVISTA COM A COORDENAÇÃO
DO NPJ
69
mencionar as principais alterações?
Questão 08: Em relação aos processos judiciais ativos, encabeçados
pelos estagiários do NPJ, houve mudanças no modus operandi da
justiça que demandaram alterações na dinâmica do NJ? Se sim, quais
eles e o que foi feito para atender a esta nova realidade?
Questão 09: Em sua percepção, o que os estudantes mais valorizam
no estágio no NPJ: o aprendizado profissional e/ou a preparação para
o Exame da Ordem? Justifique sua percepção.
Questão 10: Você percebe diferença de adesão às propostas do
estágio supervisionado no NPJ entre os estudantes que já fazem ou
fizeram estágio externamente à instituição? Justifique sua percepção.
70
APÊNDICE B: QUESTIONÁRIO DE PESQUISA COM OS
ESTUDANTES
IDENTIFICAÇÃO:
a) 7º
b) 8º
c) 9º
d) 10º
a) Masculino
b) Feminino
71
c) Outro
EXPERIÊNCIA
a) Sim
b) Não
a) No NPJ
b) Externo à faculdade
c) Parte no NPJ e parte externo à faculdade
a) Sim
b) Não
a) Sim
b) Eventualmente
c) Não
73
9. Caso esteja estagiando externamente à faculdade, as
atividades que você desenvolve lá exigem níveis de
conhecimentos jurídicos adequados ao ano/semestre que
você está cursando?
a) Sim
b) Eventualmente
c) Não
d) Minhas atividades práticas lá não têm muita relação com as
questões jurídicas
a) Sim
b) Eventualmente
c) Não
a) Sim
b) Eventualmente
c) Não
74
a) Sim
b) Eventualmente
c) Não
14. Em sua opinião, o estágio tem servido para ampliar sua visão
do mercado de trabalho relacionada aos vários campos de
atuação do profissional do direito?
a) Sim
b) Eventualmente
c) Não
a) Sim
b) Eventualmente
c) Não
16. Caso fez ou faça estágio externo à faculdade, você fez/faz uso
do Sistema de Processo Eletrônico?
75
a) Sim
b) Eventualmente
c) Não
PANDEMIA DE COVID-19
a) Presencial
b) Home office
c) Parte presencial e parte home office
a) Sim
b) Não
a) Sim
b) Não
76
20. Prioritariamente, por meio de qual ferramenta ou modalidade
estão sendo apresentadas, a você, as demandas do estágio
(ou seja, as atividades que você precisa desenvolver), neste
momento de Pandemia pela Covid-19?
a) Sim
b) Eventualmente
c) Não
a) Sim
b) Eventualmente
c) Não
78
25. No caso do estágio no NPJ, você tem contato com as pessoas
atendidas na assessoria jurídica?
d) Sim
e) Eventualmente
f) Não
a) Sim
b) Eventualmente
c) Não
a) Sim
b) Eventualmente
c) Não
a) Sim
b) Não
a) Sim
b) Eventualmente
c) Não
80
APÊNDICE C: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Prezad@ participante:
Eu, Magna Campos, professora do Curso de Direito da Faculdade
Presidente Antônio Carlos de Mariana, juntamente com os cursistas Gabriella
Soares Pimenta, Saulo Tette de Oliveira Camêllo e Vivian Machado
Magalhães Moreira, estamos realizando uma pesquisa com os alunos do 7º e
do 9º período do Curso de Direito, turmas ativas em período de realização
de estágio supervisionado, bem como intencionamos a participação, de ao
menos um profissional envolvido diretamente no Núcleo de Prática Jurídica,
a fim de conhecermos um pouco mais da realidade do estágio neste período
da Pandemia por Covid-19.
Sua participação envolve conceder-nos uma entrevista oral ou
escrita, conforme melhor lhe atenda. Caso prefira gravada, faremos a
gravação em áudio, para depois será transcrita a fim de se analisar os dados.
A participação nesse estudo é voluntária e se você decidir não
participar ou quiser desistir de continuar em qualquer momento, durante a
entrevista, tem absoluta liberdade de fazê-lo.
Mesmo não tendo benefícios diretos em participar, indiretamente
você estará contribuindo para a compreensão do fenômeno estudado e para
a produção de conhecimento científico. Quaisquer dúvidas relativas à
pesquisa poderão ser esclarecidas pelo(s) pesquisador(es), pelos e-mails:
magnaunipac@gmail.com,
gabriellapimenta15@gmail.com,saulocamello190@gmail.com,
vivian.magalhaes@gmail.com
Você concorda em participar e autoriza, se assim for decidido, a
gravação em áudio da entrevista? ( )sim ( ) não
______________________________________________
Assinatura do Entrevistado
Atenciosamente,
___________________________________
Professora: Ms. Magna Campos
(em nome de toda a equipe de pesquisa
81
SERVIDORES NEGROS PRESENTES NO PODER JUDICIÁRIO
ANTES E APÓS A RESOLUÇÃO 203/2015 DO CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA
Maria Elisa Ferreira Rei¹
René Armand Dentz Junior²
RESUMO
INTRODUÇÃO
83
Contexto histórico racial do Brasil
86
Figura 1 – Desigualdade racial no Brasil
Fonte: Print screen Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil
Mercado de Trabalho
87
Figura 2 – População na força de trabalho/subutilização conforme
instrução
88
Figura 3 – Razão de rendimentos das pessoas ocupadas
89
pessoa branca.
91
Figura 6 – Distribuição da população segundo as classes
Fonte: Print screen Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil
Educação
92
50,3% do total em bora, nas particulares ainda permanecesse em
46,6%. Observou-se que em 2018 quase não havia diferença entre
crianças na faixa etária de 6 a 10 anos de idade brancas e negras
cursando o ensino fundamental (96,5% e 95,8%). Contudo, entre os
jovens de 18 a 24 anos de idade que estavam freqüentando ou
concluirão o nível superior os dados mostraram que o número de
pessoas brancas era quase o dobro do que se encontrou entre as
pessoas negras(36,1% e 18,3%).
Violência
Representação Política
98
Figura –13 Número de servidores em cargos efetivos segundo ano
deingresso, por cor/raça. Brasil, 2013
99
Figura 14 –Percentual de servidores segundo ramos da Justiça,
Brasil, 2013
100
Figura 15 – Participação das raças na magistratura brasileira
102
e da marginalização que decorre de todos os fatores históricos
(Santos, 1999, p.25).
Na intenção de analisar a eficácia das ações afirmativas,
Martyn Carnoy(1995) chegou a estudar a situação econômica das
pessoas negras norte-americanas no final do século XX. Ele observou
que a população negra teve ascensão nos anos 40, 60 e início de 70,
que foi quando o governo democrata intervinha com políticas de
introdução de oportunidades. E, nos anos 50 e 80 como os governos
eram menos participativos e conservadores socialmente falando, os
avanços foram baixos mesmo que economia caminhasse crescendo, o
desemprego fosse pequeno e os níveis educacionais tivessem sofrido
aumento. Compreendeu assim que quando o Estado interveio com
Políticas Públicas, de antipobreza e antidiscriminação, ocorreram
melhoras nas condições sociais e econômicas para com a população
negra dos Estados Unidos, Moehlecke, 2002.
Em definição decorrente de norma, o art 1°, inciso VI, da Lei
12288, define ações afirmativas como sendo programas que visam
promover a igualdade entre os diversos grupos étnicos e sociais a fim
de corrigir as desigualdades existentes.
Deste modo, as conceituações apresentadas em síntese nos
mostram que a ação afirmativa é medida reparatória, compensatória
e preventiva, que tem por viés reduzir gradativamente a desigualdade
social, econômica, política e cultural de diversos grupos pouco
representados e por determinado lapso temporal.
103
disputam algo entre si, sendo elas da mesma classe social, as
oportunidades deveriam ser as mesmas. Contudo, não é o que ocorre.
107
Dados Oficiais após a implementação da Resolução 203/15 do
CNJ
A resolução 203/15 do CNJ prevê em seu texto que após
5(cinco) anos, contados a partir da sua publicação, seria promovido
um novo Censo do Poder Judiciário onde, a partir dai, poderão ser
analisadas o percentual de vagas destinadas as cotas em concurso
público assim como, o prazo que poderá durar e como deverá ser
aplicada em cada ramo da Justiça. Contudo, o Censo previsto ainda
não foi realizado após os cinco anos determinados para que fosse
feito um parâmetro sobre as mudanças ocorridas após a
implementação da Política de cotas para o Judiciário Brasileiro.
Os dados dessa pesquisa foram obtidos através de diversos
meios de informação. Utilizou-se o Censo do Poder Judiciário
realizado em 2014, que foi crucial para o surgimento da Resolução
203/15 do CNJ, pois foi através dessa pesquisa que se tomou
conhecimento real sobre a característica das pessoas que compõem
os diversos órgãos do judiciário brasileiro. Foi utilizado também
legislações que instituem as cotas nos serviços públicos como a Lei
22990 de 09 de junho de 2014, Resolução nº548, de 18 de março de
2015, Resolução 203/15 do CNJ, Lei 12.288, de 20 de julho de 2010 e
também a ADPF 186/Distrito Federal. Foram demonstrados também
entendimentos de juristas sobre o sistema de cotas assim como
depoimentos de pessoas negras que compõem o poder judiciário e
sentem o racismo, ambas informações coletadas em sites oficiais de
comunicação. Utilizou-se também o livro “Cotas Sociorraciais”, e
diversas pesquisas de Mestrado e Doutorado, todas encontradas em
sites de publicação de artigos.
108
CONSIDERAÇÕES FINAIS
109
ações afirmativas para inclusão de pessoas negras nestes espaços.
Deste modo, vimos que o Brasil ainda tem muito em que mudar para
que o seu povo possa usufruir das beneficies com igualdade mas,
ainda sim, muito se tem feito para mudar este quadro.
110
REFERÊNCIAS
112
em: 2 nov. 2020.
113
A INTERNAÇÃO INVOLUNTÁRIA DE DEPENDENTES
QUÍMICOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL: ANÁLISE
A PARTIR DA LEI13.840 DE 05 DE JUNHO DE 2019.
RESUMO
Este artigo tem a finalidade de abordar a internação involuntária de
dependentes químicos sem controle judicial, levando em conta o
disposto na Lei nº 13.840, de 05 de junho de 2019. Partindo de uma
rápida leitura da referida lei, parece possível autorizar a internação do
usuário de drogas ilícitas apenas com a determinação do médico do
paciente, sem qualquer intervenção do Poder Judiciário. E, diante da
autonomia privada, o estudo pretende verificar até que ponto é viável
permitir ao médico interferir na liberdade de locomoção do paciente
e de sua escolha quanto ao tratamento devido, sem necessidade de
ordem judicial. Nessa perspectiva, este artigo é desenvolvido a partir
da norma existente e do ensino doutrinário até agora publicado. Ao
fim, pretende-se buscar uma leitura harmoniosa entre o Código Civil,
a Constituição Federal e a Lei mencionada, tudo para o adequado
tratamento do usuário de drogas ilícitas.
17
Graduanda do 10º período do Curso de Direito
18
Doutor e mestre em Direito Privado pela PUC Minas.
19
Defensor Público atuante na Comarca de Mariana, Minas Gerais.
114
INTRODUÇÃO
115
pessoa.
O artigo foi estruturado em 5 (cinco) capítulos, sendo que o
primeiro desenvolve o princípio da autonomia do paciente.
Posteriormente, as modalidades de intervenções são descritas e
diferenciadas entre internações voluntárias, involuntárias e
compulsórias. Logo após, as leis 10.216/2001 e 13.840/2019 são
contextualizadas, seguida de uma análise aprofundada da internação
de forma involuntária. Por fim, são expostas as conclusões.
116
Num sentido mais filosófico, afirma Kant que autonomia é a
capacidade apresentada pela vontade humana de se
autodeterminar segundo uma legislação moral por ela mesma
estabelecida, livre de qualquer fator estranho ou exógeno
com uma influência subjugante. Para o filósofo alemão, a
razão é a lei própria da autonomia. A lei moral é baseada na
autonomia, um postulado da razão prática, que é a liberdade.
A autonomia se opõe, assim, à heteronomia, a qual subordina
a autonomia aos motivos que lhe são estranhos. Por isso Kant
admite que a heteronomiatorna inautênticos os atos morais.5.
(CABRAL, 2004, p. 2)
Trazendo a definição acima para o estudo, mesmo em
situação temporária de enfermidade física ou psíquica, pode se
entender que é preciso defender a decisão livre do paciente quanto
ao tratamento devido, quanto ao procedimento a ser adotado,
principalmente quanto há risco de se violar a sua liberdade de
locomoção. A exceção seria a total incapacidade dele, quando então
são ouvidos familiares ou responsável legal.
Nesse sentido, Sá e Naves (2015):
119
Como Almeida, citada pelo Carminate:
121
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA)
MODALIDADES DE INTERNAÇÃO
123
[...] o tratamento de choque e o uso de medicações nem
sempre tinham finalidades terapêuticas, mas de contenção e
intimidação. (GRIFOS NOSSOS) (ARBEX, 2013, p. 31)
125
Ela passou a dispor também de modalidades de internação,
conforme se lê no § 3º do art. 23-A, inserido na Lei 11.343/2006:
Internação Voluntária
126
Na própria definição legal, ela ocorre a partir da vontade do
paciente, é menoscomplexa porque depende apenas da assinatura de
termo de consentimento e opção por essa internação. E, conforme o
parágrafo único do artigo 7º da Lei 10.216/2001, a alta poderá ser
dada por solicitação escrita do paciente ou por determinação médica:
Internação Involuntária
Internação Compulsória
129
Nessa modalidade, a internação só ocorrerá após ordem
judicial.
Assim, haverá privação da autonomia e da liberdade do
paciente, mas a partir de controle jurisdicional prévio, respeitando o
devido processo legal e o contraditório. Se há processo, é certo que
a pessoa contra quem foi determinada a internação compulsória
terá a oportunidade de contestar, de se defender, de exigir a
apuração de responsabilidades civil, criminal e administrativa contra
abusos.
Pelo visto, nessa modalidade excepcional, respeita-se o que
está previsto no art. 5º, LIV, da CF/1988, segundo o qual “ninguém
será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo
legal”.
132
possibilidade de internação involuntária sem necessidade de decisão
judicial, como abordado acima.
Conforme parecer que antecedeu a aprovação da lei
13.840/20, nota-se que o legislador buscou uma forma de acabar
como descrito “problema” do uso de drogas.
Nota-se que Deputados e Senadores ressaltam o crescimento
alarmante do uso de drogas, sem abordagem aprofundada em
desigualdades sociais e sem discutir a melhoria efetiva na
infraestrutura do Sistema Único de Saúde.
O trecho a seguir revela:
I – RELATÓRIO
O Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 37, de 2013, promove
muitas alterações na Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006,
conhecida como Lei Antidrogas, cabendo aqui o registro
das mais importantes modificações.
A proposição inicia por estabelecer que o Sistema Nacional
de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD) compreende o
conjunto ordenado de princípios, regras, critérios e
recursos materiais e
humanos que envolvem as políticas, planos, programas,
ações e projetos sobre drogas, incluindo-se nele, por
adesão, os Sistemas de Políticas Públicas sobre Drogas dos
Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 3º, § 1º).
Prevê, ainda de início (art. 3º, § 2º), que o SISNAD deverá
atuar em articulação com o Sistema Único de Saúde (SUS) e
com o Sistema Único de Assistência Social (SUAS). (PLC
37/2013, RELATÓRIO LEGISLATIVO, SENADOR ANTÔNIO
VALADARES (PSB/SE),p. 1 e 2)
133
em especial do crack, torna urgente a necessidade de o poder público
dar uma resposta mais efetiva para o problema. O assunto tem
provocado inúmeras discussões, inclusive no âmbito do Parlamento,
na busca por soluções de algum impacto mais imediato em relação à
situação atual. Alguns municípios, como o Rio de Janeiro e São Paulo,
passaram a promover programas de recolhimento e internação
involuntária de moradores em situação de rua, usuários ou
dependentes de drogas. (PLC 37/2013, RELATÓRIO LEGISLATIVO,
SENADOR ANTÔNIO VALADARES (PSB/SE), p. 11)
134
do Poder Judiciário a possibilidade de, em cada caso concreto, aferir a
necessidade de internação compulsória, motivo pelo qual até hoje a
Lei Antimonicomial vem sendo utilizada, principalmente para
respaldar o tratamento compulsório dos dependentes químicos,
mediante fundamentação médica e ordem judicial.
135
Assim, como mais uma tentativa legislativa de tratar
rapidamente o dependente químico, foi aprovada a Lei nº
13.840/2019, a qual, dentre outras alterações, inseriu o artigo 23-A na
Lei 11.343/2006, para permitir a internação involuntária por
determinação médica, sem necessidade de ordem judicial.
Todavia, ao contrário do que pensam muitos estudiosos, não
se trata de novidade, porque a internação involuntária já era
permitida pela Lei 10.216/2001, para proteção e tratamento de
pessoas portadoras de transtorno mental.
Como já definido no art. 6º, II, da Lei 10.216/2001, essa
modalidade de internação é descrita como “aquela que se dá sem o
consentimento do usuário e a pedido de terceiro”. Aqui, a princípio,
não haveria necessidade de decisão judicial, bastando a autorização
médica de um psiquiatra e a comunicação ao Ministério Público.
Na prática, e para evitar responsabilização, é certo que muitos
médicos preferem orientar as famílias a buscarem uma ordem judicial,
até porque muitos Estados não contam com estrutura pública
suficiente para acolhimento e tratamento dos dependentes químicos,
fato conhecido por todos.
Essa falta de preparo estatal foi matéria de uma entrevista
realizada pela Assessoria de Comunicação do IBDFAM, onde a pauta
de discussão foi a estrutura do sistema de saúde pública:
137
internado a partir de um pedido familiar, assistente
social ou agente de saúde, e apenas com a autorização de um
médico, pelo período máximo de 90 (noventa) dias, não havendo
mais a intervenção do judiciário para analisar se tal internação é
realmente necessária.
Entretanto, diante do que já foi exposto sobre autonomia,
dignidade e liberdade, direitos fundamentais garantidos pela
Constituição Federal de 1988, essa alteração legislativa pode permitir
situações abusivas, de internações indevidas, de violações escoradas
no objetivo de “tratar” e “limpar” essas pessoas.
Ainda que se permita controle posterior pelo Ministério
Público e pela Defensoria Pública, há grande risco de danos à saúde
psicológica dos usuários de drogas, porque as internações
involuntárias não consideram a sua vontade. Dessa forma, a
responsabilização de abusos só ocorrerá depois da internação,
quando poderá ser muito tarde para o paciente. O risco é regredir aos
antigos manicômios.
Na jurisprudência, e apesar da entrada em vigor da Lei
13.840/2019, pouco se fala sobre internações involuntárias dos
dependentes químicos. E quando o tema é debatido, a maior parte
defende a possibilidade de controle judicial, tal como ocorre nas
internações compulsórias. A título de exemplo, citam-se as ementas a
seguir:
141
Precedentes deste E. Tribunal. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
– Minoração - Arbitramento em R$ 1.000,00 – Art. 20, § 4º, do
Código de Processo Civil/1973 – Apelo e Reexame necessário,
considerado interposto, parcialmente providos.
(TJ-SP - AC: 00017526320148260439 SP 0001752-
63.2014.8.26.0439,
Relator: Spoladore Dominguez, Data de Julgamento:
04/05/2016, 13ª Câmara de Direito Público, Data de
Publicação: 05/05/2016)(GRIFOS NOSSOS)
142
RECEITUÁRIO MÉDICO ATUALIZADO - SENTENÇA
PARCIALMENTE REFORMADA.
O direito à saúde, previsto no artigo 196 da Constituição da
República, é dever do Estado, o que o obriga ao fornecimento
de tratamento médico adequado e dos medicamentos
disponíveis, atendida a cláusula da reserva do possível.
Impõe-se a manutenção da sentença que julgou procedente
o pedido de internação compulsória de paciente portador de
dependência química, uma vez presente nos autos relatório
médico circunstanciado, que atesta a situação de risco em que
se encontra, bem como indicando a necessidade do
tratamento.
Razoável a apresentação trimestral do receituário médico
atualizado, para que o ente público requerido exerça o
controle da necessidade de se disponibilizar a internação
compulsória ao paciente.
Recurso parcialmente provido. Remessa necessária conhecida
de ofício exaurida. (TJMG - Apelação Cível 1.0111.14.004213-
1/002, Relator(a):
143
econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação. 2- A Lei
10.216/2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos
das pessoas portadoras de transtornos mentais, admite a
internação psiquiátrica compulsória mediante a existência
de laudo médico circunstanciado, que caracterize os seus
motivos. 3- Mostra-se cabível a fixação de multa para que se
obtenha um cumprimento eficaz da decisão jurisdicional,
sendo inclusive prevista nos artigos 497 e 537, do CPC. 4-
Recurso parcialmente provido. (TJMG - Agravo de
Instrumento-Cv 1.0000.19.094480-1/001, Relator(a): Des.(a)
Rinaldo Kennedy Silva (JD Convocado) , 2ª CÂMARA CÍVEL,
julgamento em 10/03/2020, publicação da súmula em
11/03/2020) (GRIFOS NOSSOS)
144
da dependência química.
Dentro do contexto, os autores Nery Filho, MacRae, Tavares,
Nuñez e Rêgo fazem a seguinte reflexão:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
146
Não se discutiu neste artigo a possibilidade de o médico
indicar tais internações, mas sim a privação da liberdade e da
autonomia do paciente sem prévia autorização judicial.
Além disso, mesmo que se pensasse em internação
involuntária sem prévia autorização judicial pelo prazo previsto na Lei
13.840/2019, o estudo demonstra que o Sistema Único de Saúde não
tem estrutura e recursos para acolhimento dos dependentes
químicos, porque a realidade do País é de unidades de saúde e
hospitais superlotados.
E quanto ao controle posterior exercido pelo Ministério
Público, pela Defensoria Pública e por outros órgãos de fiscalização,
viu-se que os danos podem ser irreparáveis até a adoção de
providências para sanar eventual irregularidade, porque a pessoa
vítima de uma internação injusta tem sua liberdade e autonomia
retiradas, estando sujeita a tratamento abusivos, a exemplo da
medicação forçada.
Revela-se que o paciente dependente químico é muitas vezes
marginalizado pela sociedade e também pelos profissionais da saúde,
sendo tratados como pessoas sem capacidade para decidir.
Um caminho mais efetivo para o tratamento dos dependentes
químicos é de política pública, devendo a União, Estados e Municípios
atuar para melhoria dos Centros de Atenção Psicossociais, por
exemplo, com capacitação dos profissionais de saúde de assistência
social.
O problema social não é resolvido com a simples publicação
da Lei e não é resolvido com a simples retirada do usuário das ruas ou
de suas casas.
Por todo exposto, fica evidente que tais alterações trazidas
pela Lei 13.840/2019 são prejudiciais aos pacientes dependentes
químicos, que correm o risco de terem a liberdade e a autonomia
cerceadas, sem necessário controle prévio pelo poder judiciário.
147
REFERÊNCIAS
148
1149947&fil ename=Dossie+-PL+3657/1989. Acesso em 26 de Out.
de 2020.
149
98932016000100076. Acesso em 30 de out. de 2020.
150
“THE LAST DANCE”20: BALANÇO DA COORDENAÇÃO DO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA DA FACULDADE
PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS DE MARIANA ENTRE
SETEMBRO DE 2011 A MARÇO DE 2021.
RESUMO
O presente artigo possui como tema central o Núcleo de Prática
Jurídica da Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana (NPJ-
FUPAC MARIANA) no período compreendido entre setembro de 2011
a março de 2021, no qual o autor foi coordenador desse importante
projeto de extensão. Trata-se, portanto, de um relato de experiência
20
“The last dance”, na tradução livre, a última dança, é uma expressão norte-
americana usada para eventos que marcam o fim. É o título original da série
documental coproduzida pela ESPN Films e Netflix baseado na carreira de
Michel Jordan, jogador de basquete profissional na NBA, com foco em sua
última (e vitoriosa) temporada na NBA, liga norte-americana de basquete.
No Brasil, essa minissérie-documentário recebeu o título de “arremesso
final”.
21
Mestrando em Direito, “Novos Direitos e Novos Sujeitos”, pela
Universidade Federal de Ouro Preto. Especialista em Direito Público pela
Universidade Cândido Mendes e Gestão de Políticas Públicas pela
Universidade Federal de Ouro Preto. Bacharel em Direito e Administração
pela Universidade Federal de Ouro Preto. Professor da Faculdade Presidente
Antônio Carlos de Mariana. Advogado. Coordenador do Núcleo de Prática
Jurídica da Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana de setembro de
2011 a março de 2021.
151
no qual será feita uma digressão histórica do NPJ-FUPAC MARIANA,
apresentando as ações desenvolvidas e os dados empíricos que
permitem compreender e realizar um balanço do período. Devido ao
ineditismo da situação vivenciada pela migração das aulas presencias
para remotas, em 2020, ocasionado pela Pandemia da COVID-19, o
que também ocorreu na prática jurídica e no estágio
obrigatório/supervisionado, optou-se por apresentar, a parte, esse
período, ante as crises e desafios impostos, culminando em repensar,
reorganizar e reestruturar as ações e práticas jurídicas tendo como
norte ser o NPJ-FUPAC MARIANA o epicentro do ensino, pesquisa e
extensão do curso de Direito.
INTRODUÇÃO
152
Paralelamente, em âmbito externo, faculta-se a IES, a coordenação de
atividades de práticas jurídicas de suas(seus) discentes em Instituições
Conveniadas, sejam elas públicas ou privadas.
Após a contextualização da normatização e do essencial papel
dos NPJs, será realizada uma reflexão do NPJ-FUPAC MARIANA,
partindo-se de uma digressão histórica e apresentação de dados
empíricos e atividades desenvolvidas ao longo dos 10 (dez) aos de
existência. Optou-se por dividir em dois momentos: o primeiro
momento, trata da prática jurídica presencial desenvolvida entre os
anos de 2011 a 2019; já, o segundo momento, aborda o desafio de
adaptar e realizar as atividades prática jurídica no ano de 2020,
devido a Pandemia da COVID-19.
Convido a todas e todos para a minha “última dança” no NPJ-
FUPAC MARIANA!
153
Núcleo de Práticas Jurídicas (NPJ)” (MEC, 2018). Enquanto, o artigo 6º
é dedicado a prática jurídica, sua obrigatoriedade, indispensabilidade,
estruturação e operacionalização:
154
3º, art. 6º, da Resolução nº 5, de 2018),
156
157
158
A relevância desse projeto de extensão é seu cunho social,
haja vista o oferecimento de serviços advocatícios e de orientação
jurídica gratuita a comunidade carente do município de Mariana/MG,
garantindo assim o acesso à Justiça das(os) cidadãs(ãos). Além disso,
complementa a formação acadêmica das(os) alunas(os) do curso de
Direito, aproximando-os da prática profissional e possibilitando-lhes
o desenvolvimento de competências relacionadas às práticas
processuais e consensuais da área jurídica.
Desse modo, o NPJ-FUPAC MARIANA possui como objetivos a
prestação de assistência judiciária, sem ônus, à população em geral,
concomitantemente, com a garantia de aprendizado da prática
processual as(os) alunas(os) do curso de Direito. Trata-se de
verdadeira e efetiva utilização de metodologia ativa de aprendizagem
relacionando a teoria aprendida nas aulas à prática profissional real e
não apenas simulada.
Importante realizar uma digressão histórica antes de adentrar
nos dados empíricos do ciclo 2011-2021 em que coordenei o NPJ-
FUPAC MARIANA. Em seu início (2010), o NPJ-FUPAC MARIANA teve
como sua equipe fixa: a professora Camila Bottaro Sales, como
coordenadora; Cristiane Cota, como auxiliar administrativa; e,
Emerson de Freitas, como estagiário remunerado. Já, no ano de 2011,
159
Cristiane Cota foi realocada na secretaria da FUPAC-MARIANA, tendo
sido contratada para seu lugar, Claudinéia Aparecida da Silva22, bem
como em setembro de 2011, assumi a função de coordenador do
NPJ-FUPAC MARIANA.
Por agradecimento, necessário destacar que a oportunidade
de emprego surgiu de uma conversa informal no “balcão” do Juizado
Especial Cível da Comarca de Mariana com a aluna, hoje egressa e
advogada militante, Liliane Helal Calestini Dicenzo, motivando ao
envio do curriculum vitae para a IES.
Após entrevistas com a coordenação administrativa e
pedagógica, à época, nas pessoas dos professores Bruno Martins
Ferreira e Alan de Matos Jorge, respectivamente, surge a
oportunidade de assumir a coordenação de tão importante órgão
institucional, além de rever e reencontrar algumas(ns) ex-
professoras(es) do tempo da minha graduação em Direito na
Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), como as professoras
Beatriz Schettini e Rita de Cássia Melo e os professores Raphael
Furtado Carminate e Fabiano César Rebuzzi Guzzo23.
O estagiário fixo permaneceu sendo Emerson de Freitas,
22
Na época, a atual coordenadora do NPJ-FUPAC MARIANA, auxiliar
administrativa e discente da IES, não possuía em seu registro de nascimento
o sobrenome “Maciel”. Tendo sido proposta ação de retificação de registro
civil com o patrocínio do NPJ-FUPAC MARIANA, julgada procedente para
incluir o sobrenome. Essa situação, por si só, ilustra a íntima relação que se
desenvolveu entre o NPJ-FUPAC MARIANA e os demais sujeitos envolvidos
com a IES: direção, coordenação, corpo docente, discente e administrativo e
a comunidade em geral. Aproveito a oportunidade e lhe desejo sorte na sua
nova empreitada profissional.
23
Em uma feliz e curiosa coincidência, essas(es) professoras(es) haviam sido
minhas(meus) orientadoras(es) durante o estágio que realizei no Núcleo de
Assistência Jurídica e Laboratório Jurídico da Universidade Federal de Ouro
Preto (NAJOP-UFOP) na graduação em Direito.
160
atualmente, advogado militante na região dos inconfidentes. Para
registro, interessante citar e nominar as(os) estagiárias(os)
fixos/remunerados que se sucederam, com suas atuais atribuições
profissionais: Tiago Francisco Santana, Tabelião concursado do
Cartório de Registro Civil e Notas de Divinésia/MG; Arlinda Gonçalves
Coelho, Secretaria Municipal de Administração; Ana Flávia Delgado
Oliveira, colega de docência na FUPAC MARIANA e advogada; Cícero
de Assis Figueiredo, advogado e servidor público concursado do
município de Ouro Preto/MG; Elione de Jesus Gomes Costa,
advogada; Alexsandra Matilde Resende Rosa, advogada; Daiane
Estevam Santos, empregada de uma sociedade empresária; Emanuelle
Cerceaux Gomes, atuando em escritório de advocacia; e, Daniel Filipe
da Silva, atual estagiário remunerado.
162
A seguir apresentarei alguns dados referentes ao período
compreendido entre 2010 e 2019, optei por desconsiderar os dados
obtidos no ano de 2020, os quais serão apresentados de forma
separada, devido a atipicidade ocasionada pela Pandemia da COVID-
19 e a migração das aulas e atividades acadêmicas de presenciais
para o formato remoto.
Durante o período de 2010 a 2019 foram agendados 735
atendimentos, conforme aponta o gráfico 1 abaixo.
24
Esse dado diz respeito tão somente a processos que tiveram o
atendimento inicial no NPJ-FUPAC MARIANA e se transformaram em ações
judiciais. Logo, não foram considerados os processos em que o NPJ-FUPAC
163
Gráfico 2 – Ações ajuizadas
25
Para maiores informações sobre a conciliação no NPJ-FUPAC MARIANA
sugere-se a leitura de: OLIVEIRA, Ana Flávia Delgado; MORAIS, Cleberson
Ferreira de. CONCILIAÇÃO EXTRAJUDICIAL COMO FERRAMENTA DE ACESSO
À JUSTIÇA: A EXPERIÊNCIA DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA DA
FACULDADE PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS DE MARIANA. In: Fundação
Presidente Antônio Carlos de Mariana. (Org.). Direito em Pauta. 1ed. Mariana:
FUPAC-MARIANA, 2015, v. 1, p. 2-20
165
Registro o papel fundamental de nossa egressa, Andreza Regina
Lucas, entusiasta da proposta, da qualificação e da efetividade da
parceria.
As demandas do NPJ-FUPAC MARIANA são da área cível,
sendo as três principais ações: divórcio, alimentos e cumprimento de
sentença/execução de alimentos. Observe o gráfico 4 abaixo:
166
Gráfico 5 – O domicílio das pessoas atendidas
167
Gráfico 6 – Localidade das pessoas atendidas dentro do município
de Mariana
169
Além disso, o NPJ-FUPAC MARIANA promoveu inúmeras
visitas técnicas a entidades públicas e privadas no intuito de
intensificar a cooperação com a IES e despertar nas(os) alunas(os) o
interesse por diversas áreas do universo jurídico, conhecer e vivenciar
o cotidiano dessas instituições, de modo a promover uma formação
reflexiva e crítica do Direito, aproximando a teoria da prática forense.
Durante a minha gestão a frente do NPJ-FUPAC MARIANA,
ocorreram visitas a diversas instituições, como:
170
Mariana: A visita a Unidade Prisional teve como escopo apresentar o
sistema prisional da região, juntamente com sua estrutura e seu
funcionamento, com intuito de aproximar o aluno da realidade
cotidiana do cárcere e suas implicações jurídicas, políticas e sociais.
171
IML/MG – Instituto Médico Legal de Minas Gerais: A visita teve o
intuito de apresentar um ambiente prático diferenciado de
implicações jurídicas diversas, complementando o ensino de sala de
aula e proporcionando aos alunos um amplo conhecimento da
estrutura e do funcionamento dessa instituição.
172
TJ/MG – Tribunal de Justiça de Minas Gerais: A visita se deu no
âmbito do Programa Conhecendo o Judiciário do Tribunal de Justiça
de Minas Gerais cujo objetivo é promover a aproximação e
comunicação com a sociedade, informando, de forma simples e
acessível, sobre a estrutura e o funcionamento do Judiciário Estadual.
173
APAC – Associação de Proteção e Assistência ao Condenado: Na
visita buscou-se conhecer uma alternativa ao sistema prisional
tradicional, sua estrutura e seu funcionamento e dar os devidos
esclarecimentos sobre os procedimentos adotados, promovendo um
campo de experiências e vivências da realidade cotidiana do cárcere e
suas implicações jurídicas, políticas e sociais.
174
Nesse contexto, o NPJ-FUPAC MARIANA pode ser
considerados o epicentro do ensino, pesquisa e extensão do curso de
Direito, tendo assumido um caráter emancipador, qualificando
profissionais e atendendo a população carente, e, com isso,
colaborando para a consolidação da cidadania, o acesso à Justiça e a
transformação social essencial ao Estado Democrático de Direito.
2.2. A Pandemia da COVID-19 e a necessária metamorfose do Núcleo
de Prática Jurídica da Faculdade Presidente Antônio Carlos de
Mariana
Em 2020, as aulas iniciaram presenciais e havia um
planejamento das atividades de estágio com foco especial na
capacitação inicial das(os) alunas(os), “calouras(os)”, do 7º período
que iniciavam o estágio obrigatório em interação com as(os) demais
colegas, “veteranas(os)”, do 8º e 9º períodos que caminhavam para a
conclusão do curso no fim do ano. Buscava-se atividades interativas e
simultâneas, divididas entre a sala de aula e dentro do NPJ-FUPAC
MARIANA, e após a troca de experiências entre as(os) discentes, bem
como a realização de atividades simuladas. Algumas dessas atividades
aconteceram presencialmente, como pode-se observar das fotos
abaixo.
175
176
Outrossim, tentava-se trazer egressos para relatar
experiências, tanto do período acadêmico, quanto profissional, pós
conclusão do curso. Assim, tivemos a participação da nossa egressa e
ex-estagiária remunerada do NPJ-FUPAC MARIANA, Elione de Jesus
Gomes Costa.
177
178
Já, em março de 2020, devido a necessidade de restrições de
circulação e contato social ocasionados pela pandemia do COVID-19,
as aulas e atividades escolares presenciais foram suspensas. Em Minas
Gerais, ante um cenário de incertezas seja quanto a suspensão, como
o período da suspensão, o Sindicato dos Professores do Estado de
Minas Gerais (SINPROMG), no Dissídio Coletivo, processo 0010443-
06.2020.5.03.0000, obteve liminar perante ao Tribunal Regional do
Trabalho da 3ª Região (TRT 3ª Região) ara suspensão das aulas
presenciais.
Já, no plano nacional, o Ministério da Educação (MEC),
publicou, em 17 março de 2020, a Portaria nº 343 (e posteriormente
as Portarias nº 345 e 395), que “dispõe sobre a substituição das aulas
presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de
pandemia do Novo Coronavírus – COVID-19” (MEC, 2020).
Essa migração trouxe inúmeros desafios para toda a
comunidade acadêmica, inicialmente, acerca da escolha entre
suspender as aulas presenciais ou migrá-las para o formato remoto,
se valendo dos meios digitais disponíveis. Posteriormente, sobre as
escolhas pelo meio digital escolhido, se aulas seriam síncronas ou
assíncronas, a defasagem tecnológica dos equipamentos e da internet
disponível, como adaptar e manter a qualidade do ensino, a formação
179
docente, dentre outras inquietações correlatas.
Izabela Maurício de Rezende indaga e pontua:
180
estágio e laboratórios” que, no início da pandemia, foram vedadas a
substituição das atividades presenciais por meios digitais, nos termos
do § 3º, art. 1º da Portaria nº 343:
26
Se não podíamos nos reunir presencialmente no NPJ-FUPAC MARIANA,
seja pela distância ou pelas restrições impostas, nos valemos das
dependências (seguindo todos os protocolos para minimizar os riscos de
contágio!), do meu escritório MCB Advogados Associados para reuniões de
181
porque o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que inicialmente,
suspendeu todos os prazos dos processos judiciais, aos poucos foi
retornando as atividades, com o retorno da tramitação dos processos
eletrônicos (PJe) e depois permitindo a virtualização dos processos
físicos passando-os para o meio eletrônico. Outras Instituições
Conveniadas também retornavam, com algumas e necessárias
restrições, e o estágio era retomado por parte do corpo discente.
Além disso, demandas reais foram surgindo e estávamos
impossibilitados de atender a população carente. Ora, a manutenção
da suspensão do NPJ-FUPAC MARIANA causava prejuízo a população
carente, atuais e futuras(os) assistidas(os)/clientes, quanto das(os)
alunas(os) que faziam estágio exclusivamente na IES.
Por reconhecimento e agradecimento, destaco o frutífero
diálogo que estabeleci com o professor e coordenador acadêmico da
FUPAC MARIANA, também professor e integrante do NAJOP-UFOP,
Fabiano César Rebuzzi Guzzo; a professora e coordenadora do
NAJOP-UFOP, Juliana Evangelista de Almeida; e, o professor das
FUPAC MARIANA e ITABIRITO, coordenador do NPJ desta, Raphael
Furtado Carminate, no intuito de compreender o cenário das práticas
jurídicas, conversas sobre as experiências e possíveis ações a serem
adotadas. Uma tentativa incipiente, mas promissora, de se estabelecer
uma “rede de NPJs da região dos inconfidentes”. Destarte, houve a
participação em eventos on-line sobre a questão do estágio, por
exemplo, da Comissão de Educação Jurídica da OAB/MG e do
SEMESP.
Em 28 de abril de 2020, o Conselho Nacional de Educação
(CNE), vinculado ao Ministério da Educação, aprova o Parecer nº 5
182
CNE/CP, tendo como assunto a “Reorganização do Calendário Escolar
e da possibilidade de cômputo de atividades não presenciais para fins
de cumprimento da carga horária mínima anual, em razão da
Pandemia da COVID-19” (CNE, 2020). No que diz respeito as
atividades práticas, estágio ou extensão no Ensino Superior pontuou-
se
183
• organizar ações de responsabilidade social imprescindíveis
neste momento de prevenção propagação da COVID-19;
• estimular os acadêmicos matriculados na disciplina de
estágio obrigatório nos cursos de bacharelado, licenciatura,
segunda licenciatura e formação pedagógica a elaborar
materiais digitais;
• fomentar a participação de acadêmicos como protagonistas
no planejamento e avaliação das atividades extensionistas;
• aplicar o conhecimento acadêmico para o benefício da
comunidade; e
• colaborar com ações preventivas propagação da COVID-19.
Pode-se transportar essa iniciativa para cursos nas áreas
de ciências sociais aplicadas, entre outras, cujas ações e
estratégias foram definidas pela MP nº 934/2020 (CNE, 2020)
(GRIFO NOSSO).
[...]
• Adotar atividades não presenciais de práticas e estágios,
especialmente aos cursos de licenciatura e formação de
professores, extensíveis aos cursos de ciências sociais
aplicadas e, onde couber, de outras áreas, informando e
enviando à SERES ou ao órgão de regulação do sistema de
ensino ao qual a IES está vinculada, os cursos, disciplinas,
etapas, metodologias adotadas, recursos de infraestrutura
tecnológica disponíveis às interações práticas ou laboratoriais
a distância;
[...]
184
• supervisionar estágios e práticas profissionais na exata
medida das possibilidades de ferramentas disponíveis;
[...]
Desta feita, devido a necessidade de restrições de circulação e
contato social ocasionados pela pandemia do COVID-19, as
atividades e atendimentos presenciais foram suspensas, entretanto, o
NPJ-FUPAC MARIANA se adaptou e os estagiários passaram a
atender, sob a supervisão do coordenador, professor e advogada(o), a
população de forma remota, com preenchimento de formulário on-
line (Google Forms).
Nesse formulário eram feitas perguntas como: nome
completo, o gênero, o contato telefônico, a existência do aplicativo
Whatsapp, os números dos documentos pessoais, o município de
residência, a quantidade de pessoas pertencentes ao núcleo familiar,
a renda familiar, o assunto jurídico a ser atendido, o processo em
andamento, caso existente, o nome e demais dados da parte adversa
e, por fim, o relato da situação a ser atendida permitindo uma
triagem e organização do atendimento.
O retorno às pessoas carentes, que não possuem condições de
contratar advogado particular, foram realizados por e-mail e/ou
contato telefônico cadastrado nos formulários on-line, bem como, os
atendimentos e/ou conciliações foram realizadas através de
videoconferências pelo Portal Universitário – Blackboard, utilizado
pela IES.
Abaixo apresento, em forma de gráficos, as principais
características das 30 (trinta) pessoas atendidas no ano de 2020,
durante a Pandemia da COVID-19. O gráfico 8, abaixo, apresenta a
distinção pelo gênero das pessoas atendidas, na qual, matem-se o
histórico de predominância do gênero feminino com 73%, ante a
minoria de 17% pessoas do gênero masculino.
185
Gráfico 8 – O gênero das pessoas atendidas de forma remota em
2020
186
Gráfico 9 – O domicílio das pessoas atendidas de forma remota
em 2020
187
Gráfico 10 – Localidade das pessoas atendidas de forma remota
em 2020
188
Durante as reuniões da equipe fixa do NPJ-FUPAC MARIANA por
ocasião da formulação das perguntas, julgou-se pertinente indagar a
renda das pessoas que pleiteavam atendimento, por faixas de renda
familiar. Isto porque os atendimentos são voltados para a população
carente, que não consegue arcar com a contratação de advogados
particular sem por em risco o seu próprio sustento ou de sua família.
189
Gráfico 13 – Vínculo anterior com o NPJ das pessoas atendidas de
forma remota em 2020
190
Gráfico 14 – Características (assunto) das demandas das pessoas
atendidas de forma remota em 2020
191
Aparecida Maciel da Silva, à época assessora jurídica e hoje
coordenadora do NPJ-FUPAC MARIANA, e Daniel Filipe da Silva,
estagiário fixo/remunerado, foram discutidos temas como a prática
cartorial, com a presença do egresso Tiago Francisco Santana;
perspectivas da advocacia durante a após a pandemia, com a
participação de vários colegas docentes, Fabiano César Rebuzzi
Guzzo, Israel Quirino, Carlos Randel Crepalde Mafra; cuidados com a
saúde mental, com a participação da psicóloga da IES, Viviane
Linhares Vale; possibilidades de ampliação das práticas de
autocomposição na IES, com a professora Ana Flávia Delgado Oliveira
e participações especialíssimas dos professores Israel Quirino, Magna
das Graças Campos e Raphael Furtado Carminate; análise de
processos da seara trabalhista, com as docentes Rita de Cássia Melo e
Michele Aparecida Gomes Guimarães, dentre outras atividades,
presenças e participações correlatas.
Cumpre, ainda, registrar que temas importantes como o
racismo, objeto de trabalho colaborativo, idealizado pela professora
Magna das Graças Campos, e que participei juntamente com o
professor René Armand Dentz Júnior, na turma do 1º período,
englobando as disciplinas Leitura e Produção de Textos, Métodos
para a Normatização de Trabalhos Acadêmicos, Filosofia e
Antropologia e Fundamentos da Sociologia, foram levados para
serem discutidos “na prática” com as discentes dos 7º ao 10º período,
através de uma pesquisa jurisprudencial sobre o assunto. Tal situação
demonstra a transversalidade do tema e a oportunidade de
interlocução entre as disciplinas e turmas no curso de Direito.
192
Múltiplas possibilidades de interação e práticas jurídicas pela tela do
computador, do notebook, do celular, do tablet...
193
194
195
196
Enfim, o NPJ-FUPAC MARIANA durante o duro e difícil período
de Pandemia da COVID-19 continuou, com as dificuldades inerentes
ao momento histórico, desenvolvendo as atividades de prática
jurídica, atendendo remotamente a população carente e, entre
tentativas, acertos e erros, propiciando atividades de qualificação
profissional as(aos) alunas(os).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
197
oferta serviços jurídicos, de orientação, de atendimentos e
ajuizamento de ações e colaborando para a busca de resoluções
consensuais através dos métodos adequados de resolução de
conflitos.
O NPJ-FUPAC MARIANA se destaca como projeto
extensionista na medida em que,
198
garantia dos direitos das pessoas da comunidade na qual estamos
inseridos, somos partes e acima de tudo, pertencemos. Ver a
consagração do tão falado princípio da dignidade, na prática, nas
corriqueiras e cotidianas situações sociais das pessoas vulneráveis,
nas experiências concretas da vida “como ela é”. Como bem
asseveram Menelick de Carvalho Netto e Paulo Henrique Blair de
Oliveira:
199
REFERÊNCIAS
201
A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO BRASIL EM ÂMBITO
JURÍDICO E PSICANALÍTICO DURANTE A PANDEMIA DE
COVID-19
René Dentz27
Gabriela Gois28
Raquel Araújo3
Vivian Moreira4
RESUMO
Durante a pandemia do vírus SARS-COV2 (Covid-19), observou-se um
aumento da violência doméstica em face da necessidade dos
cônjuges realizarem suas tarefas laborais em casa e ao mesmo tempo
desdobrarem-se para uma boa convivência em família por um longo
período de quarentena. Este artigo aborda as causas, consequências e
possíveis formas de evitar o comportamento machista e pré-
concebido, conforme os preceitos do Direito e da Psicanálise.
INTRODUÇÃO
Com o surgimento do Covid-19, a humanidade vem
enfrentando grandes desafios, dentre eles a busca pelo
autoconhecimento e a necessidade de se reinventar. O fato de estar
27
Pós-Doutor pela Freiburg Universität. Psicanalista. Professor Titular da
Faculdade Presidente Antônio Carlos (FUPAC), Mariana. Coordenador do
Núcleo de Pesquisa em Direito, Psicanálise e Pós-Modernidade, na mesma
IES.
28,3,4
Bacharelandas em Direito pela Faculdade Presidente Antônio Carlos
(FUPAC), Mariana. Membros do Núcleo de Pesquisa em Direito, Psicanálise e
Pós-Modernidade, na mesma IES.
202
confinado durante a quarentena, sem condições de realizar as tarefas
contumazes de outrora faz o indivíduo sentir-se mal, o que afeta seus
modos de agir e de pensar. Para Sartre (1945), o comportamento
humano baseia-se na liberdade de estar sozinho, sendo que esse
conceito de liberdade foi construído pelo Liberalismo em que “a
liberdade do indivíduo termina quando começa a do outro”.
Primeiramente, o indivíduo é um “ser-em-si” capaz de buscar a razão
de sua vida e a solução de seus problemas para suprir um vazio
existencial, depois torna-se ser um “ser-para-si” quando conquista o
que deseja através de seu esforço pessoal, mas depois decide se abre
mão da sua liberdade e torna-se um “ser-para-outro”, que é mais
difícil. Então, o autor afirmou que “o inferno são os outros” devido à
ausência da liberdade ocasionada por estar sempre acompanhado de
alguém, que gera um desconforto.
Mas este conceito de cuidar do próximo é mais que uma
questão de mera educação ou apenas respeito para manter a boa
convivência, pois trata-se de manter a dignidade alheia, direito
fundamental, em alto escalão. A Constituição Federal, em seu art 5°
como um todo, garante a dignidade da pessoa humana, mas
destacam-se no âmbito da violência doméstica os incisos: I (homens e
mulheres são iguais), III (a mulher não pode ser torturada), VI (mulher
é livre em suas crenças), VIII (a mulher não pode ser privada de seus
direitos por suas convicções), IX (a mulher é livre para ser o que
quiser e se expressar), X (é inviolável a honra e a imagem), XI (se o
relacionamento acaba, o homem não poderá violar o domicílio), XII
(as correspondências não podem ser violadas), mais precisamente.
Art. 5º, da CF/88: Todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
203
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações,
nos termos desta Constituição;
III - ninguém será submetido à tortura nem a tratamento
desumano ou degradante;
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida,
na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas
liturgias;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença
religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as
invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e
recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística,
científica e de comunicação, independentemente de censura
ou licença;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo
dano material ou moral decorrente de sua violação;
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela
podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em
caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro,
ou, durante o dia, por determinação judicial
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das
comunicações telegráficas, de dados e das comunicações
telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas
hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal.
204
outros tipos de violências degradantes, bem como abuso sexual,
escravidão, incesto, violência psicológica e patrimonial, perseguição,
assédios moral e sexual, maternidade ou esterilização forçada, dentre
outras razões associadas ao gênero (CAMPOS, 2015). No entanto,
para a antropóloga Mexicana Marcela Lagarde, para que o crime seja
tipificado como feminicídio deve haver um contexto de impunidade
do réu e omissão do Estado uma vez que este não protege bem as
mulheres, sendo importante salientar que a violência psicológica
também gerada pela misogenia pode levar ao suicídio feminino.
205
outrora buscavam refúgios para seus problemas em casa, passaram a
sentir um vazio do egoísmo e do egocentrismo das relações, pois
devido a vários fatores como o aumento da tecnologia e falta de
diálogo, por exemplo, a família vem deixando de cumprir sua função
social.
Através dos estudos Direito e da Psicanálise, torna-se possível
entender melhor o comportamento humano e estabelecer as
diretrizes legais para resolução dos fatos.
206
garantir a segurança e a dignidade femininas.
As tabelas a seguir contém dados fornecidos pelas Secretarias
de Segurança Pública de diversos estados e do Distrito Federal
mostrando o crescimento da violência doméstica no período de
quarentena.
Lei 11340/06. Art. 1º: “Esta Lei cria mecanismos para coibir e
prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos
termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de
outros tratados internacionais ratificados pela República
Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece
210
medidas de assistência e proteção às mulheres em situação
de violência doméstica e familiar”.
211
qualquer relação interpessoal, quer o agressor compartilhe,
tenha compartilhado ou não a sua residência, incluindo-se,
entre outras turmas, o estupro, maus-tratos e abuso sexual;
b) ocorrida na comunidade e comedida por qualquer pessoa,
incluindo, entre outras formas, o estupro, abuso sexual,
tortura, tráfico de mulheres, prostituição forçada, sequestro e
assédio sexual no local de trabalho, bem como em
instituições educacionais, serviços de saúde ou qualquer
outro local; e
c) perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde
quer que ocorra”.
212
existente no inconsciente, que molda as ações humanas, revelando o
fundamento oculto do comportamento. Não somos o puro “eu”, a
pura consciência e, portanto, não somos tão racionais quanto
presumimos ser. O indivíduo deve ser analisado em sua completude,
considerando os ditos e os não-ditos, os significados e os
significantes da linguagem.
Do ponto de vista psicanalítico, somos o resultado da história
da infância, período de formação da personalidade, cujas informações
e sensações vividas são armazenadas e nos acompanham por toda
vida. Assim, nossas motivações para agir são pulsionais, uma vez que
Freud (1926/1980, p.117) afirmou que a pulsão pode ocorrer sob
“influência de uma compulsão à repetição”, ou seja, o sujeito que
experimentou anteriormente fatos traumáticos tem um acúmulo de
excitação que o leva à externalizar seus atos em outrem com
violência.
A violência doméstica não é somente pautada em uma relação
heterossexual, ela abrange as esferas atuais e o atual conceito de
família. Graças aos movimentos feministas que tiveram início nos
anos 1980 e discutiam as questões de gênero, o binarismo masculino-
feminino baseado no fator biológico tornou-se obsoleto e passou a
preponderar as relações de poder, onde o homem ocupa o polo ativo
vitimizando as mulheres; estas, por sua vez, apresentam um caráter
submisso (MORAES, 2018). E o notável aumento da violência
doméstica no período pandemia deve-se ao fato de que o
confinamento do casal aumentou essa relação machista que obriga a
mulher a se subordinar, enquanto o homem exerce seu controle
excessivo.
A mulher, enquanto figura construída socialmente de
moralidade e pudor, no lugar de elo e zelo familiar, que deve suportar
as adversidades para manter a família na lógica patriarcal,
frequentemente tem dificuldades em se enxergar como vítima de um
213
relacionamento abusivo e romper com o silêncio. Do ponto de vista
psicanalítico, nossa personalidade se forma desde criança, afinal um
bebê precisa dos cuidados de um adulto para sobreviver e se espelha
nesse adulto para tornar-se alguém. Nessa linha, Freud (1905/1974)
afirma que o masoquismo se origina da vida sexual e é “o prazer
obtido em qualquer forma de sujeição ou humilhação”. Assim, aponta
que o masoquismo primário acontece na infância para no qual o
outro é aquele que detém o saber e manipula o bebê; que por sua
vez está na mão do outro, literalmente e subjetivamente. E este traço
se instala no inconsciente, na condição de se deixar manipular e
dominar. Em linhas gerais, para Freud, as experiências dos
relacionamentos amorosos podem ser consideradas repetições das
experiências vividas na infância, na substituição dos objetos que
façam alusão aos perdidos naquela época.
Desta forma, o sujeito adulto, que traz esse traço marcante, no
lugar infantil de que “o outro sabe e eu não”, pode desencadear a
seguinte situação: a ausência de autoconfiança que duvida do próprio
saber, deixando-se dominar e manipular. Transposto para o caso da
violência doméstica, Freud (1933/1974) estudou a tese de que a
mulher também poderia ser masoquista, mas por fim retificou que a
mulher é um agente passivo que sofre a dominação e que “o
masoquismo é verdadeiramente feminino”. Dessa indagação
freudiana pode-se aferir que o feminino não é masoquista, mas o
masoquismo tem caráter feminino.
214
“[...] a tese ‘mulher masoquista’ não é a tese freudiana. Freud
a introduziu e explorou, mas soube reconhecer que não era...”
(SOLLER, 1998, p. 212).
215
mel, na qual o homem pede desculpas e atribui a culpa de seu
comportamento a fatores externos, como por exemplo, o álcool. Em
certa medida, pode-se afirmar que a mulher e o homem estão
submetidos à lógica do casal, e muitas vezes, não dão conta romper
com essa dinâmica.
Por parte da mulher, tal rompimento está associado à
vergonha de se expor e o medo da incompreensão, seja de familiares,
amigos e da própria justiça. Na prática, a violência doméstica, que
normalmente acontece dentro de casa, carece de provas e a
credibilidade da palavra da mulher ainda é baixa.
O machismo estrutural presente na sociedade perpetua a
valoração do homem sobre a mulher. Contudo, seus efeitos negativos
também recaem sobre os homens, que na “obrigação de serem viris”
acabam silenciando seus sentimentos. Em níveis extremos,
naturalizam a violência doméstica e é por esse motivo que precisam
ser incluídos no debate e realizarem uma autoanálise de seus atos.
Quando a fase simbiótica não é bem superada, o filho não
consegue se separar do corpo da mãe e coloca outra pessoa no lugar
como representação. Tendo em vista que tais elementos são
fundamentais na formação da psique humana, o homem adulto pode
ter um desamparo identitário, cuja masculinidade frágil se afirma por
meio da subjugação da mulher. Uma pergunta válida é: o que a
mulher representa para o homem?
Para Freud (1905/1974), as relações amorosas estão
relacionadas ao campo infantil. Em casos extremos, de crime
passional, por exemplo, uma hipótese válida é que o homem esteja,
na verdade, matando aquela que fez a função materna. Outra ideia é
que o homem não suporta que uma mulher tenha desejo sexual
próprio e tampouco que o rejeite. Ao se sentir como um objeto pra
ela, seu narcisismo não suporta que a mulher o objetifique e
tampouco o largue. Assim, ao indagar “quem é ela pra me largar?”,
216
ele a pune de forma violenta, ou em casos extremos, com a morte.
É recorrente o homem ficar surpreso com a notificação de que
foi processado e chega a afirmar em audiências frases como: “só bati
na minha mulher, porque é assim que ela aprende”. Esta frase contém
três argumentos que cabem reflexão. O primeiro deles trata do termo
‘’só bati“, diminuindo a problemática e tratando o fato “bater” como
algo banal e corriqueiro, sem implicações legais. A palavra “minha”,
revela a objetificação da mulher, como posse. E a oração, “é assim
que ela aprende”, elucida a justificativa para acometer a violência.
Portanto, a punição legal para casos de violência doméstica
por si só não se configura como forma de resolução da problemática,
visto que requer uma desconstrução da atual noção de masculinidade
deturpada e, sobretudo, traz resquícios da infância, no processo de
formação da personalidade do indivíduo. Requer ainda, mudança da
mulher quanto a sua posição subjetiva de submissão frente ao
homem na satisfação do seu gozo, autorizada pelo seu inconsciente.
Por fim, a transposição da situação de violência requer
vontade e adesão do homem e da mulher no resgate de seu desejo,
pois “sem sujeito não haverá psicanálise, muito menos mudança”.
(SOUZA; PIMENTA, 2014, p.9). Cada caso é único, e as variáveis
psicanalíticas correspondem a possíveis explicações para a situação
de violência doméstica.
217
as grandes conquistas, no entanto, destaca-se a promulgação da Lei
Maria da Penha (lei n.11.340/2006) a qual tipifica a violência
doméstica como crime, sendo as condições para aplicação da pena:
os vínculos afetivos e domésticos (não precisam ser parentes
necessariamente, basta ter o convívio íntimo diário) entre o agente e
a vítima; e a ação ou omissão baseada no gênero (BIANCHINI, 2014).
Apesar de todos os fatores históricos, no Brasil a Lei Maria da
Penha tem sido bastante eficaz. Estima-se que nos últimos dez anos
anteriores à pandemia cerca de 129 mil dos agressores foram
denunciados, segundo Cruz (2019). Se a violência é fruto da raiva ou
de abuso de drogas, a medida protetiva contribui de modo eficiente
em boa parte dos casos através do necessário afastamento entre os
entes. Todavia, nota-se que em muitos casos a vítima retira a queixa
contra o agressor ou, por medo de represálias, não o denuncia. Freud
(1905) explica a submissão feminina ao abuso físico, moral ou
psicológico como sendo “masoquismo feminino”.
Questiona-se, contudo: além da lei Maria da Penha existe
outra medida aplicável para cominar com o fim da violência
doméstica? A resposta é positiva no que tange ao Direito e à
Psicanálise. Afinal, além das normas demais medidas de cunho
coercitivo ou preventivo podem ser tomadas. Sem dúvidas, a melhor
forma de solucionar algo em conflito é através do diálogo, mas
também a mulher não pode correr riscos. Haja vista a dificuldade da
resolução dos conflitos de violência doméstica via conciliação e
mediação, em face do distanciamento necessário entre vítima e
agente mediante as graves ameaças infelizmente sofridas pelas
vítimas as quais concretizam-se na maioria das vezes, vislumbra-se
formas mais eficazes de conter o problema. Dentre elas destacam-se:
medidas sócio-educativas, penas de restrição de direitos e
acompanhamento psicológico do réu visando evitar que após o
cumprimento de pena haja reincidência no crime.
218
A teoria Freudiana, todavia, é mais complexa por abordar que
a questão acerca dos gêneros não é meramente psicológica ou
biológica, devido ao fato de um sexo apresentar características do
sexo oposto, mesclando atividade e passividade. Segundo Freud, isso
demonstrava que ambos os sexos podem ser violentos.
“no que concerne ao ser humano, a masculinidade ou feminilidade
puras não são encontradas nem no sentido psicológico, nem no
biológico. Cada pessoa exibe, ao contrário, uma mescla de seus
caracteres sexuais biológicos com os traços biológicos do sexo
oposto, e ainda uma conjugação de atividade e passividade, tanto no
caso de esses traços psíquicos de caráter dependerem dos biológicos
quanto no caso de independerem deles”. (Freud, 1905/2006a, p. 207-
208)
Mas ainda que a violência parta da mulher, a mesma não
detém a mesma força física que um homem possui. E no Brasil,
atualmente, os direitos são iguais para ambos os sexos, assegurados
pela Constituição Federal Brasileira, conforme o art 5°, inc I da CF.
CONCLUSÃO
Vemos, no presente, que a violência contra a mulher é uma
questão de gênero, um tipo penal que não se baseia na diferença
sexual por ser subjetivo, praticado no âmbito familiar, devido à
convivência e marcado com menosprezo e discriminação da mulher
por ser mulher.
Constatamos que no Brasil o índice é elevado se comparado
ao restante do mundo, e através desta pandemia do Covid-19 devido
à obrigatoriedade de se ficar em casa, este índice teve aumento
relevante. Todos os dias observa-se nas mídias televisiva, em
noticiários, em páginas da internet ou em jornais que o homem está
infiltrado em uma cultura machista que determina que a mulher é
uma coisa e dela pode-se apropriar, dela pode-se desfazer,
inferiorizá-la por meio de violência sexual e consequentemente
chegar ao extremo da crueldade da agressão ao feminicídio. Desta
forma, a mulher perde a identidade, é mutilada, desfigurada,
estuprada, aviltada em sua dignidade.
Já para a psicanálise os crimes contra a mulher não são
direcionados ao feminino, enquanto gênero, pois visam atacar a
mulher em seu papel social, trata-os de maneira diferente dos
dispositivos jurídicos.
Enquanto a Lei Maria da Penha vigente a partir de 2006 não
consegue deter a fúria do homem contra a mulher, amparando-as,
protegendo-as, vimos que hoje em dia ela não traz o resultado
220
esperado, porque muitas mulheres vítimas não recorrem à lei e
quando o fazem retiram imediatamente a queixa o que impossibilita
medidas protetivas, enfraquecendo as campanhas engajadas em prol
das transformações sociais já alcançadas por movimentos de
mulheres.
Por outro lado, alguns casos vêm sendo relatados onde a
justiça muito timidamente vem atingindo expectativas. A sociedade
cansou de se calar e de ficar inerte a essas agressões e de uma forma
geral a sociedade está cansada de acompanhar em rede nacional
notícias de crimes, de impunidades, de violação à dignidade humana,
de leis transgredidas e de falta de leis, ou melhor, de falta de vontade
dos juristas de mudar as leis e serem mais rigorosos em seus
dispositivos, de interceptação da liberdade, da falta de garantia dos
direitos fundamentais positivados na constituição.
221
REFERÊNCIAS
Cruvinel, Ana Clara Andrade; Campos, Gabrielle Lahiri Maria de; Paim,
Júlia Vaz; Oliveira, Lorena Honorata de; Moura, Maria Fernanda de
Lima. Ciência, tecnologia e sociedade: a pesquisa científica em
tempos de pandemia. In: XVI Mostra Integrada de Pesquisa e
Extensão. Centro Universitário de Formiga UNIFOR-MG. Formiga,
2020. ISBN: 978-65-992966-0-4
224
Disponível em: < aedb.br/seget/arquivos/artigos14/23020192.pdf>
Acesso em: 23 de Dezembro de 2020.
Sartre, Jean Paul. Entre quatro paredes (Hus-clos). Folio: Paris, 1945.
Souza, Hebert Geraldo de; Pimenta, Paula. Por que elas não
(re)tornam? Considerações sobre a não adesão ao tratamento por
parte da mulher em situação de violência. Opção Lacaniana Online,
Brasil: v.5, n.14, p.1-11. 2014.
225
A DEFENSORIA PÚBLICA COMO PILAR DA GARANTIA
CONSTITUCIONAL DO ACESSO À JUSTIÇA AOS
HIPOSSUFICIENTES
Larissa Silva 29
Ana Flávia Oliveira30
Luiz Carlos Delazzari31
RESUMO
O presente artigo versa sobre a Defensoria Pública como pilar da
garantia constitucional do acesso à justiça aos hipossuficientes. O
artigo tem por objetivo analisar o papel da Defensoria Pública na
garantia do acesso à justiça através da assistência jurídica integral e
gratuita aos hipossuficientes. O presente estudo é classificado como
uma pesquisa de caráter teórico, básico e qualitativo, do tipo
pesquisa bibliográfica, e o estudo tratará sobre o assunto com o
apoio de doutrinas, livros e artigos científicos. Além disso, contará
com o apoio documental, considerando a utilização de leis, códigos e
normas legais para a fundamentação do trabalho. Pretende-se
demonstrar que a Defensoria Pública cumpre com seu papel
constitucional de garantidor do acesso à justiça aos mais
necessitados. Entretanto, existem diversas barreiras que impedem ou
dificultam a concretização da garantia constitucional de acesso à
justiça e a atuação da Defensoria Pública.
29
Graduando do 10º período do Curso de Direito da Faculdade Presidente
Antônio Carlos de Mariana.
30
Graduada em Direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos (2015) e
especialista em Direito Civil e Processo Civil. Atualmente é Advogada,
Professora da FUPAC Mariana e Advogada Social no Município de Mariana.
31
Defensor Público Estadual atuante na Comarca de Mariana, Minas Gerais.
226
Palavras-chave: Acesso à justiça. Defensoria Pública. Garantia
constitucional. Hipossuficiente.
INTRODUÇÃO
227
tendo em vista que tratará sobre o assunto com o apoio de
informações retiradas em doutrinas, livros e artigos científicos. Além
disso, contará com o apoio documental, considerando a utilização de
leis, códigos e normas legais para a fundamentação do trabalho.
A presente pesquisa tem como referencial teórico Cappelletti
e Garth (1988), Esteves e Silva (2018) e Fensterseifer (2017).
Em um primeiro momento será feito um estudo sobre a
garantia fundamental do acesso à justiça. Em sequência, será
analisado a Defensoria Pública, sendo destacado seus princípios,
objetivos, bem como sua forma de atuação. Por fim, será abordado o
motivo pelo qual a Defensoria Pública é considerada um pilar da
garantia constitucional do acesso à justiça aos hipossuficientes, sendo
ressaltado as barreiras que impedem a concretização desta garantia,
apontamentos críticos sobre a ausência de estrutura para o acesso à
justiça aos hipossuficientes e o papel da Defensoria Pública na
concretização do Estado Democrático de Direito.
O ACESSO À JUSTIÇA
228
Cappelletti e Garth (1988, p. 7) ensinam:
229
inciso XXXV, do texto constitucional:
A DEFENSORIA PÚBLICA
231
sua própria legislação.
233
pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014). (BRASIL, 1988)
Pode-se dizer que os princípios institucionais da Defensoria
Pública reproduzem os valores fundamentais, as premissas e diretrizes
básicas da instituição.
Princípio da unidade
Princípio da indivisibilidade
235
interferências externas, não estando submetido a qualquer poder
hierárquico interno.
Destaca-se que o defensor não pode ser penalizado por atos probos
realizados, ainda que este determinado ato vá contra orientação dada
pela chefia institucional da Defensoria Pública. Segundo Esteves e
Silva (2018) por conta do princípio da independência funcional, a
hierarquia interna existente na Instituição deve restringir-se às
questões de ordem administrativa, nunca de caráter funcional ou
técnico.
236
a redução das desigualdades sociais.
Pode-se dizer que esses objetivos estão relacionados e
colocam a Defensoria Pública como uma instituição que deve
concretizar, além das reduções das desigualdades, um dos direitos
mais importantes do ser humano: a dignidade.
Este princípio estabelece que Defensoria Pública possui função
inabdicável de proporcionar a inclusão e a assistência jurídica às
classes da sociedade que são menos beneficiadas, buscando a
redução das desigualdades sociais e a promoção da dignidade da
pessoa humana.
Esteves e Silva (2018), esclarecem que a Defensoria Pública é a
única estrutura estatal destinada expressamente a trabalhar
juridicamente para garantir redução das desigualdades sociais,
através da prestação da assistência jurídica integral e gratuita.
237
inclusão de classes sociais que restaram excluídas, ou seja, afirmando
a democracia.
Esteves e Silva (2018, p. 382), abordam:
Sem a atuação concreta e efetiva da Defensoria Pública, a sociedade
brasileira estaria impossibilitada de afirmar o Estado Democrático –
pela cidadania sem ação –, de realizar o Estado de Direito – pela
ilegalidade sem sanção – e de caminhar em busca da justiça – pela
imoralidade sem oposição.
É possível observar o quão importante é a presença da
instituição na sociedade, uma vez que esta busca a garantia e
efetivação do Estado Democrático de Direito.
238
Sem dúvida, a atuação ativa e permanente da Defensoria
Pública nesse campo aumenta a expectativa de resposta
efetiva às graves violações dos direitos humanos,
aprimorando a sistemática nacional de proteção da vida
humana digna.
Por restar constitucionalmente incumbida de prestar a assistência
jurídica aos necessitados, a Defensoria Pública conserva permanente
contato com a população carente e marginalizada, possuindo
melhores condições de identificar eventuais violações aos direitos
humanos – que, via de regra, ocorrem justamente em face dos
desprovidos de fortuna.
Como é possível observar, a Defensoria Pública possui a
incumbência de fazer com que os direitos humanos sejam efetivos e
essa efetividade vem da importante atuação da instituição
desempenhada na sociedade. A atuação da Defensoria também é
crucial para que toda e qualquer violação desses direitos sejam
extintos, ou pelo menos amenizados.
240
profissional devidamente habilitado e como é sabido, nem todos os
indivíduos da sociedade possuem condição de arcar com as custas e
honorários advocatícios dentro de um processo para que haja a
concretização dessa garantia.
Sendo assim, a CRFB assegurou em seu artigo 5º, inciso LXXIV,
juntamente com seu artigo 134, o direito à assistência jurídica integral
e gratuita realizada pela Defensoria Pública aos indivíduos
necessitados. Tal dispositivo assegura que o indivíduo hipossuficiente
concretize seu direito de ampla defesa e do contraditório.
242
doméstica e familiar, na forma do artigo 28 da Lei 11.340/2006, toda
pessoa com deficiência, na forma do artigo 79, §3º, da Lei
13.146/2015, toda criança e adolescente, na forma do artigo 141, da
Lei 8.069/1990, e toda pessoa em execução de pena, na forma do
artigo 61, VIII, da Lei 7.210/1984.
Essa mesma deliberação, caracterizou em seu artigo 2º, §3º, os
hipossuficientes por motivo de vulnerabilidade social:
§3º. Consideram-se hipossuficientes em razão de vulnerabilidade
social os grupos que, independente da condição econômica,
merecem especial proteção do Estado, em razão de circunstância que
os coloque em situação de risco ou desvantagem social, tornando-os
mais suscetíveis de sofrerem violações em seus direitos. (BRASIL,
2015)
Ainda nessa deliberação foram considerados vulneráveis
outros grupos, como por exemplo, os indígenas, quilombolas e
demais comunidades tradicionais, vítimas de grandes desastres,
atingidos por grandes empreendimentos públicos ou privados, nas
questões relacionadas ao impacto socioambiental e pessoas com
sofrimento mental.
Nesse sentido, Fensterseifer (2015, p. 63), preleciona:
245
regulamentação da edição de lei infraconstitucional. ”
Em 5 de outubro de 1988, foi promulgada a Constituição da
República Federativa do Brasil, que colocou a assistência jurídica
integral e gratuita como sendo um direito fundamental e
autoaplicável. Ademais, a Constituição passou a utilizar a expressão
assistência jurídica ao invés de assistência judiciária, fato que trouxe
ampliação do serviço assistencial. Nesse sentido, Esteves e Silva (2018,
p. 59) explicam:
246
interesses em instâncias extrajudiciais, a conscientização da
população sobre seus direitos etc. Não podemos esquecer,
ainda, que a assistência jurídica, por englobar integralmente o
conceito de assistência judiciária, também pode ser
caracterizada pela propositura de ações judiciais, pela
apresentação de defesa e pela atividade de acompanhamento
do processo judicial, em todas as instâncias, até o seu
encerramento.
247
A DEFENSORIA PÚBLICA COMO PILAR DA GARANTIA
CONSTITUCIONAL DO ACESSO À JUSTIÇA AOS
HIPOSSUFICIENTES
250
Já para Cappelletti e Garth (1988, p. 15-26), as principais
barreiras para a concretização do acesso à justiça são as custas
processuais, a possibilidade das partes e os problemas especiais dos
direitos difusos.
Nessa perspectiva, Grostein (2014) compreendeu que existem
obstáculos de três naturezas: obstáculos de natureza financeira, isto é,
para se demandar há um custo, como por exemplo custas
processuais, e isso passa a ser um obstáculo para uma pessoa
hipossuficiente; obstáculos processuais, quer dizer as dificuldades de
se chegar a uma ordem jurídica justa; e obstáculos organizacionais
significa que estão ligados à dificuldade para a população
hipossuficiente de reconhecer a existência de um direito exclusivo de
natureza coletiva.
Há de se ressaltar que, além das barreiras citadas, existem
também o fato de que nem todas as comarcas do país possuem a
presença da Defensoria Pública, que seria a instituição capaz de
promover o acesso à justiça de forma integral e gratuita. Com a
presença da instituição, pode-se dizer que ocorreria a redução de
forma significativa desses obstáculos.
Isto posto, observa-se ser indispensável a superação desses
obstáculos para que ocorra a concretização da garantia constitucional
de acesso à justiça. Destaca-se que além de permitir o acesso do
hipossuficiente à justiça, é necessário eliminar ou pelo menos reduzir
os obstáculos existentes para que assim seja possível falar em uma
justiça e em um acesso à ela de forma igualitária à todas as pessoas.
251
hipossuficientes, é um fato na sociedade. Diversos são os fatores que
contribuem para essa ausência de estrutura.
Em um primeiro momento, é importante atentar-se para a
condição de pobreza no país. Ao observar a sociedade
contemporânea, o que pode-se apurar, é um cenário com milhares de
pessoas em estado de pobreza. De acordo com o site Jornal da USP32
(2019), o Brasil tem aproximadamente 55 milhões de pessoas que se
encontram nesse estado. Isto é, pessoas vivendo com menos de um
salário mínimo, sem acesso a direitos básicos, como por exemplo,
saúde e educação e não seria diferente com o direito de acesso à
justiça.
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA),
em pesquisa realizada em 2013, constatou-se que de 2.680 comarcas
existentes no país, somente 754 são atendidas pela Defensoria
Pública. Nessa mesma perspectiva, o IPEA (2013) verificou que de
8.489 cargos de defensor público criados no país, somente 5.054
estão providos.
Observados brevemente os dados do IPEA (2013)33, é possível
verificar a divergência entre a quantidade de pessoas hipossuficientes
que necessitam de direitos básicos e de acesso à justiça e a supressão
da presença de defensores e defensoria públicas para assegurar o
acesso à justiça, através da assistência jurídica integral e gratuita a
essas pessoas. O número de pessoas hipossuficientes que necessitam
de acesso à justiça está muito além do número de defensores e
defensoria públicas necessárias para atuar em prol destas pessoas,
32
Dados retirados do site Jornal da USP disponível em:
https://jornal.usp.br/atualidades/brasil-tem-55-milhoes-de-pessoas-abaixo-
da-linha-da-pobreza/. Acesso em 25 out. 2020.
33
Dados retirados do site do IPEA disponível em:
https://www.ipea.gov.br/sites/images/downloads/mapa_da_defensoria_publi
ca_no_brasil_impresso.pdf. Acesso em: 5 nov. 2020.
252
isto é, a conta não fecha.
Os dados mostram que não há defensores públicos o bastante
para fornecer as garantias à população hipossuficiente, e
consequentemente, não há acesso à justiça de forma democrática,
igualitária. Os números mostram o quão injusto é o cenário e
ausência total de estrutura para assegurar acesso à justiça e a direitos
básicos a todos cidadãos.
Nesse mesmo sentido, é necessário expor sobre a questão do
volume de trabalho sob a responsabilidade dos defensores públicos.
O IV Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil (2015)34 realizou
pesquisa nessa perspectiva:
34
Dados retirados do IV Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil (2015)
disponível em: https://www.anadep.org.br/wtksite/downloads/iv-
diagnostico-da-defensoria-publica-no-brasil.pdf. Acesso em: 5 nov. 2020.
253
desempenham uma boa atuação e consigam concretizar o acesso à
justiça a todos de forma igualitária. Como é possível perceber mais
uma vez: é muita demanda para pouco defensor público.
Em um segundo momento, é observado a falta de estrutura
física das defensorias para atendimento ao hipossuficiente. Observa-
se que boas condições de estrutura física das defensorias públicas é
uma condição crucial para a concretização da garantia da assistência
jurídica integral e gratuita, bem como para a concretização da boa
atuação dos defensores públicos. É sabido que a deficiência de
estrutura para atendimento dos hipossuficientes compromete de
forma negativa a satisfação do direito fundamental de acesso à
justiça.
Nessa perspectiva, o IV Diagnóstico da Defensoria Pública no
Brasil (2015), verificou os seguintes dados, acerca da avaliação dos
Defensores Públicos Estaduais quanto aos gabinetes e espaços para a
realização de atendimento ao público:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
258
GROSTEIN, Julio. Lei Orgânica da Defensoria Pública do estado de São
Paulo: comentários à Lei Complementar Estadual nº 988/06. Bahia:
Juspodivm, 2014.
259
e sua efetivação jurisdicional. Revista de direito brasileira. v. 4, p.
478-501, abr. 2013.
260
O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS
EO PRINCÍPIO DA ISONOMIA: ANÁLISE DE DECISÕES DO
TJMG
35
Ana Flavia Delgado Oliveira – Advogada, especialista em Direito Civil e
Processo Civil, professora de Direito Civil e Processo Civil na FUPAC/Mariana.
261
teórica, básica e qualitativa, tendo como norte o método o método
dedutivo, pois já existe entendimento previsto em lei sobre o tema,
além de análise jurisprudencial para compreender a aplicação prática
do instituto. Entende-se que o instrumento de IRDR é uma
ferramenta essencial para mitigar a morosidade judicial sem perder a
prestação de serviços jurídicos por meio de um microssistema de
julgamentos repetidos sem perder de vista a isonomia, princípio
segundo o qual todos os cidadãos abarcados pela Constituição
Federal de 1988 tem direito à igualdade.
INTRODUÇÃO
262
O macrosistema de julgamento repetitivos, instaurado com o
Código de Processo Civil de 2015, visa combater a repetição
de submissão de uma mesma questão de direito ao Poder
Judiciário. Dentre as técnicas processuais desta nova
metodologia encontra-se o Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas (IRDR).
265
jurisprudência e a burocratização procedimental”. No entanto, a
busca pela celeridade a qualquer custo não pode e não deve mitigar
as garantias processuais como muito bem pondera Jayme (2008)
citado por Machado (2016, p. 11):
267
certamente, atravancam a celeridade, mas são garantias que
não podem ser desconsideradas ou minimizadas. É preciso
fazer o alerta, para evitar discursos autoritários, que pregam a
celeridade como valor insuperável (DIDIER JR., 2010, p. 59
apud MACHADO, 2016, p. 11).
269
O IRDR assegura garantias constitucionais no âmbito do
processo civil, quais sejam: segurança jurídica, isonomia e duração
razoável do processo. O Código de Processo Civil de 2015 não deixa
dúvida a respeito do propósito legal deste instrumento. Afinal, o
Estado deve preservar o interesse particular quanto a celeridade do
processo, partindo da premissa de que uniformizar é preciso, que é
de suma importância à preservação da isonomia no âmbito do
processo, que deve se conferir previsibilidade e segurança jurídica, de
modo a se exigir decisões com interpretações mais estáveis e
melhores fundamentadas. Inclusive, Álvaro de Oliveira (2004) citado
por Amaral (2006, p.58) destaca que “não apenas a lei, como também
a jurisprudência deve ser clara e previsível, sendo ameaçadoras da
segurança jurídica as decisões exóticas e surpreendentes em especial
quando trouxeram questões novas que não foram debatidas com as
partes”. A homogeneidade traz a clareza e mitiga a possibilidade de
decisões muito diferenciadas de outras parecidas o que leva a
possibilidade de individualismo.
Com o surgimento do IRDR fica evidente que houve o
rompimento com o paradigma individualista do código de processo
civil de 1973, afinal o tratamento uniforme na resolução de questões
de direito, indica a obediência aos preceitos constitucionais da
duração razoável do processo, da segurança jurídica e da isonomia
processual.
270
(segurança como direito inviolável). Na lição de Pedro Miranda de
Oliveira (2012, p. 709), a segurança jurídica “consiste no conjunto de
condições que torna possível às pessoas o conhecimento antecipado
e reflexivo das consequências diretas de seus atos, à luz da liberdade
reconhecida”. Igualmente, o jurista Miguel Reale (1994, p. 86) ensina
que o verbete segurança, dentro da perspectiva do Direito, traz em
seu significado um sentimento subjetivo, uma atitude individual e
psicológica em face dos complexos conjuntos de regras
estabelecidas como sendo uma representação geral e objetivada. No
entanto, o mesmo autor em seguida adverte que é preciso se atentar
para uma distinção implícita:
271
intervalos de tempo a segurança jurídica deve ser um norte. Nesse
interim, José Joaquim Gomes Canotilho (2000, p. 256) leciona que “o
homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar
autônoma e responsavelmente a sua vida. Por isso desde cedo se
consideram os princípios da segurança jurídica e da proteção da
confiança como elementos constitutivos do Estado de Direito”.
Seguindo, igualmente, esta linha de raciocínio o jurista Marionni
(2010, p. 211) salienta que:
273
A segurança jurídica, portanto, não decorre propriamente da
lei, mas principalmente das decisões proferidas pelos
tribunais. Apenas pode ser garantida, respeitando a igualdade
perante a interpretação dos juízes. Se os tribunais emitem
decisões contraditórias, aplicando o mesmo dispositivo legal
em diversos sentidos, o que se terá é insegurança jurídica
(OLIVEIRA; ANDERLE, 2014, p. 312).
275
22). Situações semelhantes que demandam auxilio judicial podem ser
abarcadas por uma mesma decisão sem, necessariamente, ferir o
princípio da isonomia e mantendo a segurança jurídica.
No entanto cabe uma ressalva, o aspecto contraditório,
aqui, se insere na constatação de que é preciso trazer isonomia ao
direito sem, no entanto, padronizar. A busca por celeridade na
prestação jurídica para a população não pode deixar de atender às
particularidades que cada situação venha a trazer. O direito deve
manter uma margem de incerteza e insegurança como defende
Cavalcanti Filho que:
276
emane. Decerto que o princípio constitucional da igualdade
obriga tanto os particulares quanto o Poder Público e, nesta
seara, há de ser observado não apenas quando da edição das
leis (em sentido amplo) ou da atuação da Administração
Pública, mas também quando da concretização da função
jurisdicional (DIDIER JR., 2010 apud SILVA, 2015, p. 53).
Entende-se que o princípio da igualdade deva ser analisado de
maneira individual e coletiva. A ideia coletiva expressa nas palavras
extrapola a literalidade do mesmo e encontra eco na necessidade de
padronizar decisões jurídicas de maneira que traga uma segurança
jurídica. Desta forma quando um cidadão entra com uma demanda
no Poder judiciário tem a certeza de que não será surpreendido por
alguma decisão estapafúrdia. Quanto maior o número de decisões
jurídicas iguais para situações homólogas, leva se a uma esperada
segurança jurídica.
279
Admissibilidade, processamento e julgamento
280
incidente, é o juiz ou relator, por oficio, as partes, por petição e por
último, o Ministério Público ou a Defensoria Pública, por petição, que
será dirigida ao presidente do tribunal, conforme o artigo 977 do
Código de Processo Civil (BRASIL, 2015). O ofício ou a petição devem
ser instruídos com os documentos necessários à demonstração do
preenchimento dos pressupostos, sendo o juízo de admissibilidade
do IRDR realizado pelo órgão colegiado competente para julgá- lo.
Vale ressaltar que, nos casos de desistência ou abandono, se
Ministério Público não for o requerente, o órgão tem a obrigação de
assumir a titularidade do incidente.
A instauração e julgamento do incidente deve ser
amplamente divulgado, conferindo-lhe desejável publicidade. Uma
vez admitido o incidente, caberá primeiramente ao relator suspender
os processos pendentes individuais e coletivos no estado ou região
conforme o caso, estes processos pendentes com vistas a conferir
celeridade ao procedimento, o Código de Processo Civil estipulou o
prazo máximo de um ano para julgamento do IRDR. Dessa maneira,
superado este prazo cessará a suspensão, salvo decisão
fundamentada do relator (art. 980, caput, CPC/2015). Logo após, o
relator irá requisitar informações ao juízo no qual tramita o processo
que deu origem ao incidente, caso entenda necessário, que as deverá
fornecer no prazo de 15 dias (art. 982, CPC/2015); e por último irá
intimar o Ministério Público para manifestar-se no prazo de 15 dias.
O julgamento do IRDR se dará da seguinte forma, concluídas
as diligências, o relator solicitará data para julgamento, haverá a
possibilidade nesse momento de sustentação oral de trinta minutos a
ser feita pelas partes do processo originário e pelo Ministério Público
e demais interessados.
Depois de julgado o IRDR, a tese jurídica será aplicada e se
tornará um precedente obrigatório para todos os processos
individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito
281
que tramitem ou venham a tramitar na área de jurisdição do
respectivo Tribunal, inclusive nos juizados especiais do respectivo
Estado ou região.
No caso de não aplicação, caberá à parte apresentar
reclamação ao tribunal competente conforme o artigo 985 do Código
de Processo Civil (BRASIL, 2015). Por fim, caberá recurso
extraordinário ou especial contra a decisão de mérito do IRDR, que
apenas fixa a tese jurídica, sem, contudo, julgar a demanda.
282
tipo de justiça era aplicado para o povo, situações corriqueiras eram
resolvidas com base nas tradições. Caberia ao rei a execução da “alta
justiça”, nome dado à situações excepcionais de forma que chegava a
ele apenas casos muito especiais que demandavam sua atenção.
Tratava-se de litígios especiais aos quais se aplicavam uma jurisdição
restrita como, por exemplo, propriedade imobiliária, posse de
imóveis, questões que envolvam a paz no reino e finanças reais
(DAVID, 2002, p. 259-260 citado por ARAÚJO; RANGEL, 2017, p. 1).
Quanto ao sistema Civil Law, este se assenta como sendo outro
sistema que, em conjunto com Common Law originou o Direito
ocidental. Neste sentido,o Civil Law é:
Processo: 1.0000.17.016595-5/001
Relator: Des.(a) Wilson Benevides Data do Julgamento:
07/03/2018 Data da Publicação: 23/03/2018
INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS -
ADMISSIBILIDADE - COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS
DA FAZENDA PÚBLICA - NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE
PROVA PERICIAL COMPLEXA - INTERFERÊNCIA NA
285
COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA
PÚBLICA - CONTROVÉRSIA DE DIREITO - MULTIPLICIDADE DE
PROCESSOS - RISCO À ISONOMIA E À SEGURANÇA JURÍDICA
- ART. 976, CPC - REQUISITOS
PRESENTES.
Nos termos do artigo 976, do NCPC, somente é cabível o
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas se houver:
a) efetiva repetição de processos que contenham controvérsia
sobre a mesma questão unicamente de direito; e b) risco de
ofensa à isonomia e à segurança jurídica.
Demostrada a presença desses requisitos, deve ser admitido o
IRDR para que a Seção Cível delibere se a necessidade de
produção de prova pericial complexa no processo é capaz de
interferir na definição da competência dos Juizados Especiais
da Fazenda Pública. (TJMG - IRDR - Cv 1.0000.17.016595-
5/001, Relator(a):
Des.(a) Wilson Benevides , 1ª Seção Cível, julgamento em
07/03/2018, publicação da súmula em 23/03/2018)
Processo: 1.0024.06.929551-7/007
Relator: Des.(a) Renato Dresc
Relator do Acordão: Des.(a) Wilson Benevides Data do
Julgamento: 18/04/2018
Data da Publicação: 12/06/2018
INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS -
JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE - REQUISITOS - AUSÊNCIA DE
RISCO DE OFENSA À ISONOMIA OU À SEGURANÇA JURÍDICA
- JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA NO TRIBUNAL - INEXISTÊNCIA
DE CONTROVÉRSIA - INADMISSIBILIDADE DO INCIDENTE.
O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas,
instaurado em processos de competência originária ou em
recurso (inclusive na remessa necessária), tem a finalidade de
auxiliar no dimensionamento da litigiosidade repetitiva, por
meio da formação de um padrão decisório, somente sendo
cabível quando estiverem presentes, cumulativamente, os
requisitos previstos no art. 976 do CPC/2015.
Inadmite-se a instauração de IRDR para fixar tese jurídica
acerca da admissibilidade da cobrança por estimativa de
287
iluminação pública, pelo Estado de Minas Gerais, Municípios e
concessionárias de serviço de energia elétrica, porque a
jurisprudência é pacífica no sentido de permiti-la, não
ocorrendo ofensa à segurança jurídica e à isonomia o
posicionamento isolado de apenas um Julgador.
V.v. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS
- INSTAURADO PELA CEMIG - AÇÃO POPULAR - TESE
JURÍDICA - VALIDADE DE COBRANÇA POR ESTIMATIVA PELO
FORNECIMENTO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA - JUÍZO DE
ADMISSIBILIDADE - INCIDENTE ACOLHIDO. 1- São requisitos
para a instauração do IRDR a simultaneidade e a repetição de
processos com controvérsia de direito que possa ensejar risco
de ofensa à isonomia e à segurança jurídica; 2- Admite-se a
instauração de IRDR para fixar tese jurídica acerca da
admissibilidade da cobrança por estimativa, pelo Estado de
Minas Gerais, Municípios e concessionárias de serviço de
energia elétrica para a iluminação pública. (TJMG - IRDR - Cv
1.0024.06.929551-7/007, Relator(a): Des.(a) Renato Dresch ,
Relator(a) para o acórdão: Des.(a) Wilson Benevides , 1ª Seção
Cível, julgamento em 12/06/2018, publicação da súmula em
21/06/2018)
Processo: 1.0439.15.012809-8/002
288
Relator: Des.(a) Alberto Henrique Data do Julgamento:
26/02/2018 Data da Publicação: 01/03/2018
EMENTA: INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS
REPETITIVAS - IRDR - PRESCRIÇÃO - CONTROVÉRSIA
JURÍDICA NÃO DELIMITADA - RECURSO JÁ JULGADO - NÃO
CABIMENTO
DO IRDR. Considerando que a matéria a ser uniformizada não
ficou devidamente delimitada, bem como que os julgados
apontados pelos suscitantes não versam sobre a mesma
matéria, não há falar em admissão do incidente. O IRDR se
trata de um incidente instaurado num processo de
competência originária ou em recurso. Julgado o recurso, o
incidente deve ser inadmitido. (TJMG - IRDR -
Cv 1.0439.15.012809-8/002, Relator(a): Des.(a) Alberto
Henrique , 2ª Seção Cível, julgamento em 26/02/2018,
publicação da súmula em 01/03/2018)
Processo: 1.0000.16.056466-2/002
Relator: Des.(a) Afrânio Vilela
Relator do Acordão: Des.(a) Afrânio Vilela Data do Julgamento:
26/05/2017
289
Data da Publicação: 06/07/2017
EMENTA: INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS
REPETITIVAS - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CONSUMERISTA
AJUIZADA EM FACE DA CEMIG - COMPETÊNCIA - JUÍZO
CÍVEL COMUM OU DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL -
APLICAÇÃO DA LEI 12.153/2009 (LEI DOS JUIZADOS
ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA) - UNIFORMIDADE DE
ENTENDIMENTO - AUSÊNCIA - PRINCÍPIO DA SEGURANÇA
JURÍDICA - OFENSA - CONFIGURAÇÃO - ARTIGO 976 DO
CPC/2015 - REQUISITOS
ATENDIDOS. INCIDENTE ADMITIDO. Demonstrada a
divergência quanto ao juízo competente para julgamento das
ações de cunho consumerista que tenham a CEMIG como
parte, com ofensa ao princípio da segurança jurídica, deve ser
instaurado o IRDR, previsto no art. 976 do CPC/2015, a fim de
que a Seção Cível delibere e eleja tese a ser adotada no
âmbito do Poder Judiciário Estadual. IRDR - CV Nº
1.0000.16.056466-2/002 - COMARCA DE BELO HORIZONTE
SUSCITANTE: DESEMBARGADOR(ES) DA 7ª CÂMARA CÍVEL DE
BELO HORIZONTE - SUSCITADO(A): PRIMEIRA SEÇÃO CÍVEL
DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS -
INTERESSADO: CEMIG DISTRIBUICAO S.A, FERNANDO DO
CARMO DE SOUZA
ACÓRDÃO
Processo: 1.0000.17.008677-1/002
Relator: Des.(a) Wander Marotta
Relator do Acordão: Des.(a) Wander Marotta
Data do Julgamento: 30/04/2018 Data da Publicação:
24/05/2018
EMENTA: REQUERIMENTO ORIUNDO DO RELATOR DO
RECURSO DE APELAÇÃO Nº 1.0313.13.017124-9/002. CAUSA
PILOTO: DISCUSSÃO ACERCA DA COMPETÊNCIA PARA
290
PROCESSAMENTO DE FEITO RELATIVO À TRANSFERÊNCIA DE
TÍTULO DE PERPETUIDADE DA CONCESSÃO DE USO DE
JAZIGO. VARA DE SUCESSÕES. QUESTÕES DE DIREITO
SUCESSÓRIOS. Havendo questões de direito sucessório a
serem dirimidas na transferência do título, entende-se que o
juízo competente para processamento do feito é de fato o
especializado em matéria de sucessões.
IRDR - CV Nº 1.0000.17.008677-1/002 - COMARCA DE BELO
HORIZONTE - SUSCITANTE: DESEMBARGADOR(ES) DA 7ª
CÂMARA CÍVEL DE BELO HORIZONTE - SUSCITADO(A):
PRIMEIRA SEÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA -
INTERESSADO: MUNICIPIO DE BELO HORIZONTE,
ROSANGELA ANDRAOS DE OLIVEIRA
ACÓRDÃO
291
decisões pretéritas traz de volta a ideia de continuar com um padrão
de julgados que até então vinha sendo proferido.
No entanto, a individualidade, a busca pelo entendimento
particular, pelo direito particular encontra ecos dentro do instituto.
Neste sentido, a parte que não concordou com a decisão pode
recorrer e, desta forma, a agilidade conferida as primeiras instâncias
perde celeridade nas instâncias superiores dado o aumento da
demanda pela busca por reconhecimento dos direitos individuais.
O IRDR é usado muito mais para promover a racionalidade na
execução da prestação de serviço judiciário do que a busca pela
celeridade. Este cenário é observado tanto nas cortes de primeiras
instâncias até as mais altas, observado o fato que nas cortes mais
altas, a demanda aumenta e a celeridade conseguida nas primeiras
instâncias diminui em face disto. A isonomia permanece sendo
oferecida em todos os níveis e em todas as instâncias do poder
judiciário e a segurança também. A partir do marco inicial do Código
de Processo Civil de 2015 (BRASIL, 2015) este instrumento, o IRDR,
passou a ser usado nos tribunais e, com o tempo, é que serão
auferidos as vantagens relacionadas com a celeridade, a isonomia e a
racionalidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
292
democrático de direito.
Caberia, pois ao Poder Judiciário se antecipar às necessidades
dos seuscidadãos e se reestruturar para atendê-los. Como o aumento
na estrutura causaria igual aumento nos custos, a busca por
mecanismos e instrumentos que auxiliem a prestação de serviços
tornou-se um imperativo. Neste contexto, aparece o IRDR enquanto
um instrumento propício para levar a racionalidade para a
padronização das decisões dos processos jurídicos sem perder os
princípios basilares da isonomia e da segurança jurídica.
Este instituto tem uma característica única, é oriundo de uma
aproximação entre o Civil law e o Common Law. Não obstante serem
dois sistemas diametralmente opostos já que enquanto o primeiro
carreie uma visão que vai da lei para o costume e o segundo, uma
perspectiva que vai do costume para a lei. O IRDR é uma lei
embasada num costume de padronizar os conflitos iguais ou similares
com soluções iguais e assim traria um sistema mais racional para
gerenciar as soluções dos problemas cotidianos. O objetivo elencado
para este trabalho é o de discutir como o poder judiciário vem
aplicando o incidente de resolução de demandas repetitivas frente ao
princípio da isonomia, especialmente nas decisões do TJMG. Para isto
tomou-se cinco decisões que saíram desta egrégia corte voltadas
para a utilização deste instrumento.
O que se pode observar é que, apesar de ser uma novidade
legislativa trazida no bojo da Lei 13.105/2015 - Código de Processo
Civil de 2015, este instrumento vem sendo usado e tem assegurado a
efetividade da aplicação da justiça, o que o torna imprescindível para
assegurar a isonomia para todos os cidadãos. Este instituto impõe a
saliência da coletividade em detrimento da individualidade. Não que
a individualidade, as especificações de cada situação não seja
observada, que apesar do aspecto coletivo oferecido pelo IRDR, o
direito individual não deixou de ser reconhecido no precedente, mas
293
sim que o destaque para a coletividade seja uma perspectiva imposta
pelo Novo Código de Processo Civil (BRASIL, 2015).
Mas a principal conclusão que podemos chegar em relação a
este trabalho é que o IRDR aparece como sendo um instrumento
viável, mas não uma solução final. Assim, buscou-se com o presente
estudo demonstrar a aplicabilidade prática do “jovem” instituto do
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Porém, a temática
ainda é muito nova e a pesquisa não esgota com as controvérsias
jurídicas e doutrinárias, demandando a revisitação do tema para a
análise da efetividade de sua utilização no ordenamento jurídico
brasileiro.
294
REFERÊNCIAS
295
DEMO, Pedro. Introdução à metodologia da ciência. 2. ed. São
Paulo:Atlas, 1985.
296
REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito. 5. ed. São Paulo :
Saraiva, 1994.
299
O PROGRAMA MUNICIPAL DE REGULARIZAÇÃO
FUNDIÁRIA (PROMORAR): IMPACTOS E DESAFIOS DA
REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DO MUNICÍPIO DE MARIANA
- MG
Dayanne Maris Oliveira Silva36
Cleberson Ferreira de Morais37
RESUMO
O presente artigo possui como tema central a regularização fundiária
no município de Mariana, Minas Gerais, cujo foco é estabelecer
moradia digna para toda a população. Assim, foram analisados os O
impactos e os desafios da regularização fundiária através da
investigação do Programa Municipal de Regularização Fundiária
(PROMORAR), e as divergências existentes entre os dados da
municipalidade e do Cartório de Registro de Imóveis local, através de
pesquisa empírica, fruto de Trabalho de Conclusão de Curso, no
loteamento São Gonçalo a partir de levantamentos de dados que
possibilitaram realizar a comparação entre os imóveis que se
encontram registrados no Cartório de Registro de Imóveis e o que foi
lançado na prefeitura dentro do referido programa de regularização
fundiária, de acordo com a Lei Municipal nº 1.750/2003, evidenciando
tais diferenças a partir de gráficos de comparativos. Com os dados
empíricos coletados pode-se concluir haver déficit na regularização
das escrituras do programa PROMORAR.
36
Bacharel em Direito pela Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana.
37
Mestrando em Direito, “Novos Direitos e Novos Sujeitos”, pela
Universidade Federal de Ouro Preto. Especialista em Direito Pùblico pela
Universidade Cândido Mendes e Gestão de Políticas Públicas pela
Universidade Federal de Ouro Preto. Bacharel em Direito e Administração
pela Universidade Federal de Ouro Preto. Professor da Faculdade Presidente
Antônio Carlos de Mariana. Advogado.
300
Palavras-chave: Direito Civil. Regularização fundiária. PROMORAR.
Moradia digna. Cartório de Registro de Imóveis.
INTRODUÇÃO
301
Fundiária (PROMORAR), que foi criado pela Prefeitura Municipal no
ano de 2003 a partir da Lei Municipal nº. 1.750/2003 e visa, segundo
o artigo terceiro, parágrafo primeiro
303
resultou, no Brasil, nas ocupações informais (FRANÇA, 2014).
Segundo Fernandes (2002a), 40% a 70% da população urbana
nos grandes centros viviam na ilegalidade em 2002. De forma geral,
os fatores que levam à ilegalidade urbana estão diretamente
relacionados às condições econômicas, ou seja, é um problema que
atinge as camadas sociais mais baixas (CRUZ; ALVES, 2016).
Nesse sentido, Fernandes (2002b), destaca que os principais
condicionantes para a ilegalidade urbana são, principalmente, a
ausência de políticas fundiárias que insiram a população em locais
formais com infraestrutura urbana, de forma que não excluam o
acesso à população de baixa renda ao mercado formal, e as
dificuldades do governo em planejar e implementar instrumentos de
prevenção à informalidade.
No Brasil, programas como o Minha Casa, Minha Vida já
apontam redução no déficit habitacional. Ainda assim, grande parte
da população ainda vive em áreas de parcelamento de solo
clandestinos (favelas e cortiços) e irregulares. O parcelamento só é
considerado regular quando aprovado pela prefeitura, executado
segundo o projeto aprovado e registrado no Cartório de Imóveis
(FRANÇA, 2014).
Sendo assim, existem diversos níveis de informalidade que
envolvem pontos de vista jurídicos, ambientais, urbanísticos e sociais.
Em um cenário ideal, a regularização fundiária sanaria todas a
problemáticas, ainda que seja um processo demorado e caro.
Cumpre ressaltar que a RF não compreende apenas a emissão
da titulação de posse de um terreno ou área, esta é apenas uma das
facetas para a compreensão desse processo. Mais do que isso, a RF
visa inserção legal dos moradores à cidade, assegurando seus direitos
de cidadãos, incluindo a execução de obras de infraestrutura básica
que assegurem o fornecimento de água potável e luz elétrica,
abertura de ruas e vias de acesso, como forma de assegurar as
304
condições adequadas de sobrevivência (PAGANI; ALVES; CORDEIRO,
2016).
Inclusive, em julho de 2017, foi implementada a Lei nº 13.465,
que dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana no país. A
Regularização Fundiária Urbana (Reurb) é a que “abrange medidas
jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação
dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à
titulação de seus ocupantes” (BRASIL, 2017a).
Os objetivos da Reurb foram estabelecidos no artigo 10 da lei
supracitada, e consistem em
306
população (PAGANI; ALVES; CORDEIRO, 2016).
Cada município que adere a RF utiliza como base a
Constituição Federal e o Estatuto da Cidade para criar um programa
regional que atenda as demandas da localidade em consonância com
a Lei Municipal nº 13.465/2017, que regulamenta a Reurb. Assim, em
Mariana - MG, foi criado o PROMORAR sob a Lei nº. 1.750/2003, que
também dispõe sobre a Política Municipal de Habitação.
De acordo com o artigo segundo da Lei Municipal nº.
1.750/2003, para a realização dos planos e programas serão
observadas as circunstâncias abaixo:
309
De forma geral, os assentamentos informais são resultado de
um padrão excludente dos processos de desenvolvimento e
planejamento das áreas urbanas (FERNANDES, 2002b). Os municípios
carregam legislações urbanísticas elitistas e, consequentemente, essas
ocupações informais acabam se tornando a única opção das
populações mais pobres.
O crescimento desordenado dos grandes centros é um grande
obstáculo para a RF, porque é difícil suprir a demanda habitacional.
Em Mariana – MG, no ano de 2015, por exemplo, a prefeitura adotou
uma política de tolerância zero em relação à novas irregularidades,
necessitando do auxílio do Ministério Público para realizar
intervenções ao mesmo tempo em que cerca de 350 pessoas
aguardavam uma casa popular do programa Minha Casa, Minha Vida
(RIBEIRO, 2015).
Além disso, justamente por se tratar de uma comunidade
carente, muitas vezes o acesso à informação é precário. A título
exemplificativo, o município regulariza o loteamento através do
PROMORAR, mas nem sempre o proprietário da escritura fornecida
pela prefeitura tem conhecimento de que ainda é necessário o
processo de registro pelo Cartório de Registro de Imóveis. Sendo
assim, programas de RF deveriam ser acompanhados por sistemas de
informação à população.
Em contrapartida, a RF é um processo que, além de demorado,
é caro. De um lado existem os moradores que não têm condições de
arcar com os preços de uma regularização nos termos amplos; do
outro, há a reduzida ação orçamentária federal para ações de
prevenção e/ou enfrentamento à informalidade urbana, além das
rupturas de programas já existentes por causa da troca de governos
(FRANÇA, 2014).
310
O PROMORAR E A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NO MUNICÍPIO
DE MARIANA – MG: o caso do loteamento do São Gonçalo
313
B, dos 44 lotes com área total de 10.015,61 m², 24 não foram
registrados, revelando que 54,5% da área não foi registrada (5.463,06
m²). Em F, dos 28 que ocupam 7.662,06 m² do bairro, 15 não foram
registrados, cerca de 4.104,68 m², evidenciando novamente que mais
de 50% não possuem registro.
As quadras C, D e E possuem mais lotes com registro do que
lotes sem registro, sendo E o que possui a maior porcentagem de
lotes registrados (73%). Tal fato pode ser explicado pelo tamanho da
área: como se tratam de loteamentos menores, a comunicação entre
os moradores pode ser melhor, ou seja, a informação chega aos
vizinhos com mais facilidade.
[...] o Novo Código de Processo Civil, em seu Art. 98, § 1º, IX,
consagrou que a gratuidade da justiça, que compreende os
emolumentos devidos a notários ou registradores em
decorrência da prática de registro ou qualquer outro ato
notarial necessário à efetivação de decisão judicial. É digna de
aplausos a inserção no NCPC, do § 7º, do artigo 98, da criação
de um Fundo de compensação que garanta o ressarcimento
dos emolumentos notariais e registrais, praticados em razão
de concessão de ordem judicial que contempla os
beneficiários da justiça gratuita. Porém, é necessário
efetivamente implementar o Fundo e que o NCPC avance mais
e conceda o pleno ressarcimento aos demais atos gratuitos e
isentos celebrados por notários e registradores (PIMENTEL;
PINTO; LIS, 2019).
317
2018 (MARIANA, 2019).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
318
barateie ou custeie o valor desses registros, a fim de facilitar e
melhorar a acessibilidade desta população mais carente ao direito de
estar com um documento que os assegure de quaisquer
intercorrências.
Então, ficou evidente que a RF é um programa de
interesse que contribui significativamente para que pessoas menos
ativas economicamente possam realizar o sonho de adquirir uma casa
própria, ainda que existam muitos desafios a serem superados. Além
disso, o artigo fomenta que pessoas que não tem familiaridade com o
tema possam compreender melhor a realidade e as dificuldades
enfrentadas pela população que se beneficia da RF a partir da análise
aqui proposta.
Por fim, é indubitável que o registro dos imóveis é essencial à
vida dessas pessoas, pois de acordo com o Código Civil, a
transferência e/ou compra de um imóvel só é oficial após o registro
em Cartório de Imóveis, assim ele assegura o direito de propriedade,
ou seja, afirma quem é o dono, sem deixar quaisquer dúvidas ou
brechas para que tal propriedade não seja invadida e/ou penhorada
para a quitação de dívidas.
319
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em: 15 nov. 2020.
323
DA NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO DO ART. 10 DA LEI n.
9.263/1966 À AUTONOMIA PRIVADA DA MULHER
Francielly Rodrigues Almeida de Araújo38
Raphael Furtado Carminate39
RESUMO
O presente artigo objetiva analisar a Lei do Planejamento Familiar nº
9.263/96, sua aplicação e divergências com a Constituição Federal.
Para tanto, parte-se de análise histórica e conceitual para posterior
demonstração de contradições elencadas à Lei Maior, além da
atuação do STF em tomadas de decisões legislativas
INTRODUÇÃO
38
Bacharel em Direito pela UNIPAC Itabirito, MG. Pós-graduanda em Direito
Civil e Processual Civil pela UNIPAC Itabirito.
39
Doutor e mestre em Direito Privado pela PUC Minas. Professor de Direito
Civil da UNIPAC Itabirito e Mariana. Coordenador e Professor da Pós-
Graduação em Direito Civil e Processual Civil da UNIPAC Itabirito.
40
CARMINATE, Raphael Furtado. Autonomia Privada Do Testador E
Direito À Legítima: Estudo Crítico E Propositivo. Dissertação (Mestrado,
Direito) - PUC Minas, Belo Horizonte, MG, 2012.
324
Fundamentada na dignidade da pessoa humana e autonomia
privada, a Constituição Federal garantiu às pessoas o direito ao
planejamento familiar em seu art. 226, §7°. Em 1996, foi promulgada a
Lei n. 9.263, denominada “Lei do Planejamento Familiar”, cujo objeto
é regulamentação do referido dispositivo constitucional.
Apesar de reforçar planejamento familiar como direito de todo
cidadão, ao regulamentar o exercício desse direito, a Lei 9.263/96,
acaba restringindo ou, até mesmo, suprimindo-o, como ocorre, por
exemplo, às mulheres casadas (ou que vivem em união estável), que
necessitam de autorização de seu cônjuge para submeterem-se à
esterilização cirúrgica.
Ao limitar o exercício do direito ao planejamento familiar, no
que tange à esterilização cirúrgica, a lei viola a autonomia privada dos
envolvidos, visto tratar-se de ato de natureza existencial, que reclama
liberdade de escolha entre os envolvidos, não a intervenção do
Estado.
Neste artigo, será analisado o aparente conflito entre a
autonomia privada da mulher que deseja submeter-se à esterilização
cirúrgica e a normativa que a regulamenta. Para tanto, será primeiro
apresentada a evolução da autonomia feminina no núcleo familiar
para posterior estudo do conteúdo dos artigos 10 e 15 da Lei
9.263/96, além de projetos de lei destinados à sua alteração, sob a
perspectiva da autonomia privada dos indivíduos.
CONTEXTO HISTÓRICO
325
O modelo família institucionalizada no Brasil foi herdado do
colonizador Portugal, que realizou mera “transferência da legislação
portuguesa para o Brasil, embora o contexto nacional fosse
completamente diferente daquele vivenciado pela Europa no mesmo
período”41.
Nesse sentido, devido inexistência de normas brasileiras e
união entre Estado e Igreja no período colonial, somente eram
consideradas famílias as entidades constituídas por meio de
casamento religioso.
Mesmo com o fim da colonização, a Igreja se manteve forte e
com grande influência, tendo o catolicismo sido definido à categoria
de religião oficial do império por meio da Constituição Imperial de
182442. Em razão disso, a Igreja exerceu grande influência sobre os
legisladores pátrios, especialmente no que tange à normativa das
famílias, tendo o Código Civil de 1916 mantido o mesmo e único
modelo de entidade familiar anteriormente estabelecido, qual seja, o
casamento pautado na monogamia, patriarcado, etc.
Entretanto, o matrimônio e toda essa estrutura familiar eram
predominantes apenas na alta sociedade, geralmente detentora de
propriedades e influência política na época, pois era forma de manter
o poder adquirido ao longo dos anos. Assim, este modelo familiar,
embora único dotado de reconhecimento legal, era distante da
realidade brasileira da época, no qual o comum era a constituição de
famílias informais – hoje intitulada união estável.
41
CARMINATE, Raphael Furtado. Capacidade das pessoas com deficiência
mental ou intelectual para constituir família. Belo Horizonte, MG:
D‘Plácido, 2019. ISBN 978-85-60519-99-6. p. 92.
42
Art. 5 A religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a
Regilião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu
culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas sem forma
algum exterior do Templo.
326
Aquela época era imposto à mulher a obrigação de se manter
virgem “para o casamento”, sob pena deste ser anulado, conforme
redação original dos artigos 219 e 220, do Código Civil de 1916:
43
CÓDIGO CIVIL. Lei nº 3.071, de 1 de janeiro de 1916. CÓDIGO CIVIL DOS
ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Rio de Janeiro, RJ, 5 jan. 1916.
44
PAPA VI, Paulo. CARTA ENCÍCLICA HUMANAE VITAE: A transmissão da
vida. Roma: Vatican, 25 jul. 1968. Acesso em: 30 ago. 2019.
327
Assim, dentro do casamento formal estabelecido pela Igreja e pelo
Estado, a mulher nunca tinha vez, pois tinha o dever da fertilidade e a
obrigação da fidelidade, ao passo que o homem tinha o direito de
"possuir" outras mulheres. Esse tratamento desigual era legitimado
inclusive pela medicina, que garantia que a infertilidade era um
problema exclusivamente feminino, ajudando a Igreja a incutir na
mentalidade da mulher vários tabus morais como forma de controle
de seus corpos45.
Os dispositivos legais supracitados não foram recepcionados
pela Constituição Federal de 1988, pois violavam uma série de
princípios estabelecidos por ela, dentre eles a dignidade, autonomia e
igualdade. No texto constitucional, o planejamento familiar deixou de
ser objeto de responsabilidade estatal, delegando-se ao casal à
autonomia, restando apenas ao Estado propiciar os recursos
necessários para fazer cumprir o direito, conforme elencado no artigo,
226, § 7º46.
Além disso, o Código Civil de 2002, em seu artigo 1.565, §2º,
pautou-se a reafirmar a autonomia do casal na tomada de decisões
sobre o planejamento familiar47.
45
Ibidem.
46
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
[...]§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da
paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal,
competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o
exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de
instituições oficiais ou privadas.
47
Art. 1.565. Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a
condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da
família.
§ 2o O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao
Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse
328
BREVE CONSIDERAÇÕES SOBRE O BIODIREITO E O
PLANEJAMENTO FAMILIAR
49
NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. O Direito Pela Perspectiva Da
Autonomia Privada: Relação Jurídica, Situações Jurídicas e Teoria do Fato
Jurídico na Segunda Modernidade. 2ª. ed. Belo Horizonte: Arraes, 2014.
p.105.
50
Ibidem,. p. 107.
51
Ibidem,. p. 107.
330
Além disso, insta salientar que a competência para a tomada
de decisões na área médica não se confunde com a capacidade civil,
estando relacionada à aptidão para distinguir e fazer apreciação do
fato pretendido, ou não.
Em suma, o objeto do Biodireito nesta temática, é assegurar
que a tomada de decisões dos envolvidos, desde que competentes
para tanto, seja efetivamente observada, pois irá repercutir apenas na
esfera corporal de cada um.
331
tomar decisões complexas, trazendo à tona temas superados pelo
próprio texto constitucional, que equiparou homens e mulheres para
todos os fins.
É imprescindível, portanto, superar este cenário, a fim de se
assegurar à mulher que o exercício de seu direito à liberdade se dê de
forma autônoma, sem injustificáveis interferências da família, Estado,
ou de qualquer outra entidade. A mulher, por meio da autonomia
privada, exerceria a capacidade de autodeterminação sobre o seu
próprio corpo, como assevera Ana Carolina Brochado Teixeira:
52
TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Saúde, corpo e autonomia privada. Rio
de Janeiro: Renovar, 2010. ISBN 978-85-7147-791-9, p.168.
332
fundamental da proteção da dignidade humana, não derivaria,
logicamente, uma expansão da autonomia privada no que se refere às
escolhas da vida privada de cada pessoa humana? Ou seja, a
privacidade garantida pela Constituição a uma pessoa digna,
plenamente capaz, não deveria significar, pelo menos em linha de
princípio, mais amplo poder de escolha sobre os seus bens mais
importantes?53
53
BODIN DE MORAES, Maria Celina. Ampliando os direitos da personalidade.
In: VIEIRA, José Ribas (Org.). 20 anos da Constituição cidadã de 1988:
efetivação ou impasse institucional. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.372.
333
veemente a autonomia e a responsabilidade individuais54.
54
Ibidem,. p. 180.
55
NOVAIS, Jorge Reis. Direitos como trunfos contra a maioria – sentido e
alcance da vocação contramajoritária dos direitos fundamentais no estado
democrático de direito. In: CLEVE, Clèmerson Merlin; PAGLIARINI, Alexandre
334
Diante do exposto, afigura-se notório que em situações
envolvendo a autonomia corporal, deve partir do próprio indivíduo a
decisão sobre o fato. Para tanto, à decisão há de ser tomada após o
devido esclarecimento do procedimento, para que ocorra de forma
livre.
56
Art. 5ºA menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa
fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.
Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:
I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante
instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por
336
Além disso, de acordo com a parte final do caput do mesmo
dispositivo, o processo de esterilização deve ser desencorajado por
uma equipe multidisciplinar, evidenciando um interesse estatal na
manutenção da fertilidade da mulher. Ora, considerando-se os
argumentos apresentados anteriormente, caberia à equipe
multidisciplinar esclarecer as consequências advindas do ato, de
forma que o consentimento da pessoa fosse manifestado de forma
livre e esclarecida, respeitando-se sua autonomia. O Conselho Federal
de Medicina esclarece o que é consentimento livre e esclarecido:
58
LEI 9.263/1996 "LEI DO PLANEJAMENTO FAMILIAR". Lei nº 9.263, de 13
de março de 2014. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. BRASÍLIA,
DF, 2014.
338
idade, ou no mínimo dois filhos vivos; percebe-se que tais exigências
ultrapassam os limites de intervenção do estado, pois a capacidade é
alcançada aos 18 (dezoito) anos de idade, e os demais requisitos são
no mínimo instrumentos contrários à dignidade da pessoa humana,
conforme esclarece Renata Barbosa de Almeida:
59
ALMEIDA, Renata Barbosa de. (In) capacidade dos esquizofrênicos: um
estudo sobre o exercício do direito à saúde. Tese (Doutorado). Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em
Direito. Belo Horizonte, 2011. P.45.
339
autonomia são internos, pois estão previstos pelo próprio
ordenamento jurídico, ou seja, os limites são internos porque
o ordenamento autoriza espaços para ação individual, de
modo que, em tais espaços, a decisão só é legítima se for
tomada pela própria pessoa, por fazer parte da construção da
sua vida privada. Afinal, indivíduos livres e iguais exercem sua
autonomia privada porque compartilham de uma autonomia
pública, que tem como finalidade perseguir interesses
comuns, coletivos, por conviverem em um Estado
Democrático de Direito. Logo, a própria ideia de autonomia
privada é limitada pelo “espaço” público, que é
democraticamente compartilhado entre todos60.
60
Ibidem. p. 182.
61
Ibidem,. p. 194
340
controle de natalidade, o Estado acaba por interferir novamente no
núcleo familiar, e, assim, obstaculizar à previsão legal já elencada na
CF, em seu artigo 226, §7º.
Depois de lançadas essas considerações, a
(in)constitucionalidade dos dispositivos
acima arrolados da Lei 9.263/96, com o intuito de sanar as lacunas de
ampla interpretação pautadas por ela, que, além de possuir
dispositivos capazes de contrariar direitos assegurados pela
Constituição Federal, prima-se por demonstrar uma objetificação do
corpo ao estipular requisitos necessários para a esterilização, quais
sejam: a idade mínima de 25 anos, e 02 (dois) filhos vivos, observado
o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o
ato cirúrgico, e se for o caso, consentimento do cônjuge.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
341
tomada de decisões relativas ao próprio corpo, desconsiderando sua
vontade conforme dispositivos elencados no artigo 10 da Lei
9.263/96, impossibilitando-a de ter a sua vontade cumprida.
Ademais, é perceptível a falta de isonomia nos tratamentos
dispensados aos homens e mulheres, uma vez que são impostas
barreiras às mulheres em períodos da gestação que são vivenciados
exclusivamente por elas.
Diante do exposto, enfatiza-se que ante a vastidão do tema
abordado pelo presente estudo, não se pretende esgotar a discussão
acerca das irregularidades advindas da Lei 9.263/96. Não obstante,
almeja-se promover a apreciação de um conteúdo imprescindível,
que incide diretamente sobre garantias individuais.
Tendo em vista a ampla disparidade existente entre a
Constituição Federal e a lei supramencionada, demanda-se que a lei
ordinária seja de fato interpretada sob a égide da Constituição, se
adequando à hierarquia normativa.
Por conseguinte, a aplicação da legislação infraconstitucional
acerca do tema em comento deve ser pautada por uma perspectiva
de liberdade e autonomia da mulher, sob pena de, ao se
impossibilitá-la de tomar decisões relativas ao próprio corpo, privá-la
destes direitos.
Levando-se em consideração que por muitos anos as
mulheres foram “silenciadas” por dispositivos capazes até mesmo de
criminalizá-las em situações que não estavam elencadas no rol do
artigo 10 da lei supramencionada, deve-se atentar para o risco
imposto à sua própria vida e a imposição de duras escolhas àquelas
que nunca almejaram a maternidade. Assim, o dispositivo
supramencionado, ao designar medidas necessárias para a
esterilização cirúrgica, não se preocupou com as consequências
advindas destas exigências para diferentes realidades familiares.
Portanto, não há que se falar em interferência estatal na
342
tomada de decisões que impliquem em resultados de foro individual.
Sendo assim, busca-se a reforma desta norma, porém, que ocorra sob
a égide da isonomia constitucional, consagrada a liberdade para
constituir família da forma que melhor lhe aprouver e vedando-se a
projeção do solipsismo jurisdicional embasado em escopos meta
jurídicos para intervir na individualidade particular dos cidadãos.
343
REFERÊNCIAS
BODIN DE MORAES, Maria Celina. Ampliando os direitos da
personalidade. In: VIEIRA, José Ribas (Org.). 20 anos da Constituição
cidadã de 1988: efetivação ou impasse institucional. Rio de Janeiro:
Forense, 2008, p.372
345
e alcance da vocação contramajoritária dos direitos fundamentais no
estado democrático de direito. In: CLEVE, Clèmerson Merlin;
PAGLIARINI, Alexandre Coutinho; Sarlet, Iongo Wolfgang. Direitos
humanos e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 80.
346
GESTÃO EDUCACIONAL NA PANDEMIA DO COVID-19: A
EXPERIÊNCIA DO CURSO DE DIREITO DA FUNDAÇÃO
PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS DE MARIANA – ANO 2020
Crovymara Elias Batalha62
Fabiano César Rebuzzi Guzzo63
RESUMO:
A Pandemia Covid-19 representa uma mudança de paradigmas no
que diz respeito à Gestão Educacional, novas ações administrativas e
acadêmicas se fizeram necessárias, novas competências e habilidades
se fizeram presentes no cotidiano da Comunidade Docente, Discente
e Administrativa.
62
Mestre em Educação – Universidad Camilo Cienfuegos de Matanzas -
CUBA
Bacharel em História pela Universidade Federal de Ouro Preto
Bacharel em Direito pela Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana.
Diretora da Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana.
Secretária de Planejamento do Município de Ouro Preto
Secretária de Educação do Município de Ouro Preto (2007)
Secretária de Educação do Município de Mariana (2002)
Superintendente Regional de Ensinode Ensino (1999/2002 – 2015/2018)
63
Mestre em Direito, “Direito e Globalização”, pela Universidade Vale do Rio
Verde
Pós-Graduado em Docência do Ensino Superior pela PUC- Minas Gerais
Pós-Graduado em Direito Público pelo Centro Universitário Newton Paiva
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto
Professor Adjunto do Curso de Direito da Universidade Federal de Ouro
Preto
Professor Adjunto do Curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio
Carlos de Mariana.
Coordenador do Curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos de
Mariana.
Advogado.
347
Palavras-chave: Gestão Educacional, Ensino Jurídico, Ensino Remoto
Emergencial, Direito.
INTRODUÇÃO
348
e homologado parcialmente em despacho MEC de 03 de Agosto de
2020 e na Lei n.º 14.040/2020, normas estas que regulamentam o
Ensino Remoto em caráter Excepcional.
Salientando-se que as orientações constantes do Parecer
CNE/CP nº 5/2020, aprovado em 28 de abril de 2020 que trata da
Reorganização do Calendário Escolar e da possibilidade de cômputo
de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga
horária mínima anual, em razão da Pandemia da COVID-19; e, o
Parecer CNE/CP nº 11/2020, aprovado em 7 de julho de 2020 que
trata de Orientações Educacionais para a Realização de Aulas e
Atividades Pedagógicas Presenciais e Não Presenciais no contexto da
Pandemia foram as mais, coerentes e técnicas, para se minorar os
impactos sofridos pela suspensão das atividades presenciais no
Ensino Superior.
Ressaltando-se que a primeira Lei Federal sobre o tema foi
editada, após 05 (cinco) meses de Pandemia, sendo a Lei n.º 14.040
de 18 de Agosto de 2020 a qual estabeleceu normas educacionais
excepcionais a serem adotadas durante o estado de calamidade
pública.
Feitas tais premissas iniciais o presente texto apresenta
tópicos onde discorremos sobre várias ações desenvolvidas no que
concerne às sistemáticas de encaminhamentos administrativos, aulas
remotas, avaliações remotas, trabalhos de conclusão de curso,
eventos e atividades práticas.
349
sistema educacional do País, em um momento de incertezas face as
orientações incipientes por parte de Governos Federais, Estaduais e
Municipais, a Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana optou
por seguir, inicialmente, as diretrizes das Portarias nº 343/345, ambas
de Março de 2020, no sentido de não suspender o calendário
acadêmico do Curso de Direito, migrando do Ensino Presencial para o
Ensino Remoto de Emergência.
Sobre o Ensino Remoto Emergencial o artigo “The Difference
Between Emergency Remote Teaching and Online Learning” traz luz
sobre o tema:
64
Disponível em : https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-
350
Professores do Estado de Minas Gerais (SINPRO – MG); decisão esta
que determinou a suspensão das atividades presenciais nas
Instituições de Ensino Superior Privadas.
Anota-se, ainda, que a opção de manter o calendário
acadêmico se deu objetivando realizar o maior número de atividades,
sejam elas, ensino, extensão, pesquisa, prática, etc., e, sem diminuição
dos dias letivos semestrais, mesmo com encaminhamentos do
Conselho Nacional de Educação (CNE) flexibilizando a questão dos
dias letivos, vejamos:
trt/comunicacao/noticias-
institucionais/downloads/Liminar_suspensao_aula.pdf
351
secretariafupac@gmail.com e Recursos Humanos e Financeiro através
do e-mail: patriciasouza@unipac.br.
A guisa de exemplo, foram relevantes os Comunicados
Administrativos n. º: 01 e 02 de 2020, no sentido de orientar
Discentes, Docentes e Corpo Administrativo para questões sanitárias
e para as novas práticas acadêmicas, vejamos:
COMUNICADO 01/2020
Ao Corpo Administrativo, Docente e Discente
COMUNICADO 02/2020
Ao Corpo Administrativo, Docente e Discente,
354
diversos, chats, fórum, etc., utilizando-se para tal de Ambiente Virtual
de Aprendizagem (AVA), já disponível previamente, denominado
Portal BlackBoard Colaborate.
Refletindo bem o contexto, o extrato do texto “O ensino
remoto frente às exigências do contexto de pandemia”, vejamos:
355
Fato é que as atividades de uma Instituição de Ensino Superior
vão além da organização das aulas e principais atividades acadêmicas
cotidianas. A manutenção ou migração de aulas presenciais para
remotas exigem encaminhamentos com relação à sistemática de
avaliações, atividades de extensão, estágios, eventos, TCC – Trabalhos
de Conclusão de Curso, ou seja, um grande emaranhado de ações se
fazem necessárias.
Para auxiliar a Direção e Coordenação na tomada de decisões
a CPA (Comissão Própria de Avaliação) elaborou e promoveu,
Avaliação Diagnóstica junto aos (as) Discentes tendo como foco o
funcionamento mais adequado do Ensino Remoto, sendo os
principais apontamentos:
356
Ainda utilizando a Avaliação Diagnóstica elaborada pela CPA
(Comissão Própria de Avaliação), a qual teve importante colaboração
da Professora Mestre Magna das Graças Campos e da Discente Vivian
Machado Magalhães Moreira (2020), fundamental trazer a lume
ponto importante ao Ensino Remoto de Emergência que é o
Acesso/Acessibilidade da Comunidade Discente às tecnologias
necessárias ao desenvolvimento do processo de ensino e
aprendizagem nesta modalidade.
Percebe-se pelos gráficos abaixo que o item Qualidade da
Internet nos mais variados períodos do Curso, aponta que possuímos
um número razoável de Discentes com Acesso/Acessibilidade, mas
por sua vez é fato que está longe da totalidade do alunado,
merecendo atenção de Gestores, vejamos:
357
Figura 02 – Qualidade da Internet 3º/4º Períodos
358
Figura 04 – Qualidade da Internet 7º/8º Períodos
359
Como dito acima, as atividades de uma Instituição de Ensino Superior
vão além da organização das aulas e principais atividades acadêmicas
cotidianas, muitas outras atividades se fazem rotineiras como
avaliações, estágios, trabalhos de conclusão de curso, eventos, etc.
Para as ações de Gestão Educacional em sede de Ensino Remoto
Emergencial se faz imprescindível saber se a Comunidade Discente
possui Acesso/Acessibilidade aos portais digitais, se este acesso é
síncrono ou assíncrono, ou seja, sabendo as reais condições dos (as)
alunos (as) do Curso de Direito da Fupac Mariana, se faz possível
adequar as ações às peculiaridades do público.
Mais, o momento de Ensino Remoto de Emergência traz reflexões
sobre o protagonismo no processo de aprendizagem, ponto relevante
já discutido há décadas, que volta à pauta, sendo considerado na
Gestão Educacional da Fupac Mariana, vejamos:
360
Desta feita nos tópicos seguintes discorre-se de forma específica as
ações encaminhadas por Direção e Coordenação no que diz respeito
às aulas, avaliações, trabalhos de conclusão de curso, eventos e
atividades práticas.
SISTEMÁTICA DE AULAS:
65
O Núcleo de Estudo on-line (Neo) é órgão que subsidia de informações as
unidades da FUPAC vinculadas à Barbacena. Orientações, tutoriais diversos,
principalmente em sede de pandemia, são disponibilizados internamente no
Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) denominado Portal BlackBoard
Colaborate . Disponível em: https://unipac.blackboard.com
361
Núcleo de Estudos On-line (Neo), bem como, dos dados mensurados
na citada Avaliação Diagnóstica elaborada pela CPA (Comissão
Própria de Avaliação), em especial, no quesito Acesso/Acessibilidade
Discente às Plataformas Digitais, a Gestão Educacional testou e
desenvolveu durante o ano de 2020 metodologias de aulas síncronas
e assíncronas, complementadas por atividades diversas no Ambiente
Virtual de Aprendizagem (AVA).
Salientando que reuniões periódicas com Docentes
subsidiaram o debate e troca de impressões sobre as melhores
alternativas há serem utilizadas, em especial, com a Professora Magna
Campos com formação e experiência na área Educacional.
Neste momento inicial, no Semestre de 2020/1 adotamos
dinâmica inicial onde as aulas foram ministradas no horário normal
das disciplinas, ou seja, período noturno das 19.00 as 22.30 horas,
sendo recomendado aos (as) Professores (as) ministrarem,
semanalmente, 1 (uma) hora de aula expositiva e 30 (trinta) minutos
para debates e dúvidas; sendo o restante da carga horária semanal
(caso houvesse), preenchida com vídeos, exercícios, textos, chats, etc.
Ainda foi sugerido que no caso de aulas gravadas, ou seja,
assíncronas que o (a) Docente estivesse disponível ao vivo no Portal
Black nos 30 minutos finais da aula para os sanar dúvidas; da mesmo
forma, foi orientado e sugerido o envio prévio do material de aula aos
(as) Discentes; que os links das respectivas aulas, vídeos, chats,
exercícios, textos, etc., fossem devidamente compartilhados com os
(as) Discentes; que os (as) Docentes disponibilizassem atividades
diversas para que os (as) Discentes executassem fora dos horários de
aulas, e, sobretudo, o uso de outras mídias auxiliares ao Portal
BlackBoard Colaborate.com vistas à suprir possíveis falhas de
comunicação.
Com o avançar das experiências com aulas síncronas e
assíncronas em tempos de Covid-19, no Semestre de 2020/2 já se fez
362
possível fazermos algumas adaptações face às preferências de
Docentes e Discentes, ou seja, face às especificidades de nossa
comunidade Acadêmica.
Neste segundo Semestre de 2020 já passamos a priorizar as
aulas síncronas realizadas nos horários normais de aula,
prioritariamente, entre às 19.30 e 22.30 horas, com a orientação de se
realizarem aulas de 50 (cinquenta) minutos, mantidas as orientações
quanto disponibilidade de materiais e manutenção da comunicação
entre Docentes e Discentes constantes do parágrafo anterior.
Ressalta-se que as orientações da Direção e Coordenação
sempre acentuaram para o fato das atividades de ensino síncronas
estarem disponíveis para serem realizadas de modo assíncrono face
às peculiaridades individuais da Comunidade Discentes.
Interessante mencionar que cada turma da Instituição
demostrou mediante Avaliação Diagnóstica elaborada pela CPA
(Comissão Própria de Avaliação) seu padrão ideal de aulas, seja
síncrono ou assíncrono; seja com maior duração ou menor duração
de tempo; sejam aulas regulares ou aulas conjugadas com atividades
à exemplo de textos, vídeos, fóruns, chats, etc.
Face as especificidades das turmas desenvolvemos modelos e
sistemáticas de aulas para o Curso de Direito que estão em constante
evolução, almejando potencializar o processo de Ensino e
Aprendizagem, e, quiçá aproveitarmos este conhecimento no futuro.
Neste sentido aponta a Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico, vejamos:
SISTEMÁTICA DE AVALIAÇÕES:
368
SISTEMÁTICA DOS TRABALHOS DE CONCLUSÃO DE CURSO:
EVENTOS:
370
turma específica, buscando interagir os ramos de suas áreas de
conhecimento.
Os eventos realizados virtualmente, através de plataforma
digitais, permitiram que trouxéssemos convidados diversos, com a
participação da Docência do Curso de Direito Fupac Mariana.
Dentre os eventos realizados já em 24 de agosto de 2020
realizamos a Palestra “Ensino Jurídico em Tempos de Covid 19” com
Mateus de Moura Ferreira, (Professor FCDL) Bruno Camilloto Arantes
(Professor e Pró-Reitor de Gestão de Pessoas UFOP) Fabiano César
Rebuzzi Guzzo (Professor UFOP/FUPAC Mariana – Coordenador do
Curso de Direito FUPAC Mariana).
Em tal palestra a Comunidade Acadêmica teve a possibilidade
de conhecer as experiências de três Instituições de Ensino Superior da
Região, duas Privadas e uma Pública, tendo contanto com as
realidades advindas do Ensino Remoto de Emergência em sede de
Pandemia.
Seguindo o Calendário de Eventos realizou-se em 30 de
setembro de 2020 o Dia D da Extensão Fupac, atividade com o
escopo de integrar Comunidade Acadêmica e Local da cidade de
Mariana –MG.
Nesta atividade tivemos a participação dos (as) Docentes da
casa René Dentz, Magna Campos, Raphael Carminate, Rita Melo, bem
como, da Psicóloga Fupac Mariana Viviane Linhares realizando
minicursos com temas variados transitando em perspectivas
profissionais futuras, pessoas com deficiências, relações trabalhistas
em tempos de covid-19 e habilidades e competências de leitura.
Neste Evento ainda contamos com a Palestra extremamente
enriquecedora “Diálogos Construtivos e Transformadores para uma
formação crítica e socialmente responsável” com Marcos Eduardo C.
G. Knupp (Pró-Reitor de Extensão UFOP), momento ímpar em que a
Comunidade Acadêmica pode dialogar com profissional com ampla
371
experiência com Pesquisa em Extensão.
O Semestre Acadêmico de 2020/2 ainda contou com a
realização XIV Semana Jurídica que no dia 19 novembro de 2020 teve
a participação de Lucas Costa de Oliveira (Professor FUPAC e UFMG)
com a Palestra “Mercado Regulado de Órgãos e Tecidos Humanos:
Entre o Direito, a Economia e a Ética” e no dia 20 novembro de 2020
teve a participação de Emílio de Oliveira e Silva (Professor IBMEC e
Delegado de Polícia Civil – MG) com a Palestra “Criminalidade e
Ciberespaço no Mundo Pós-Coronavírus”.
Salienta-se, ainda, que na XIV Semana Jurídica realizou-se o
lançamento do 8º Livro Institucional denominado “Sobre Atualidades
do Direito66”, livro este com Artigos e Ensaios, muitos em parceria
entre Docentes e Discentes.
Nota-se pela descrição das atividades de cunho científico e
extensionista realizadas no ano de 2020 que este ponto foi uma
preocupação real da Gestão Educacional.
66
ISBN da obra 978-65-88017-00-5
372
nos períodos finais dos cursos. Se o conjunto do aprendizado do
curso não permite aulas ou atividades presenciais, seria de se esperar
que, aos estudantes em fase de estágio, ou de práticas didáticas,
fosse proporcionada, nesse período excepcional da pandemia, uma
forma adequada de cumpri-lo a distância. (CNE 05, 2020)
Quanto as atividades simuladas, o fato de termos o AVA
(Ambiente Virtual de Aprendizagem) - Portal Black Colaborate Ultra
permitiu o desenvolvimento das Disciplinas naturalmente sob a
responsabilidade dos (as) Docentes.
Por sua vez as atividades práticas reais, em especial o Estágio
Obrigatório via Núcleo de Prática Jurídica dependeu das orientações
do Parecer CNE/CP nº: 5/2020 aprovado em 28 de abril 2020 e a
NOTA TÉCNICA n.º 32/2020 de 28 de maio de 2020 para serem
realizadas de forma Remota, tendo o organograma das atividades
ficado a cargo da à Coordenação do NPJ – via e-mail:
npjmariana@yahoo.com.br.
Há que salientar o trabalho realizado pelo Coordenador do
NPJ Cleberson Ferreira, bem como, por Claudinéia Maciel haja vista
que em um primeiro momento, como medida sanitária suspendeu-se
as atividades e atendimentos presenciais do Núcleo de Prática
Jurídica; sendo que em um segundo momento os (as) estagiários (as)
passaram a atender de modo remoto à população, sob a supervisão
da Coordenação, utilizando-se do preenchimento de formulários on-
line.
Nos formulários foram feitas perguntas como: nome
completo, o gênero, o contato telefônico, a existência do aplicativo
WhatsApp, os números dos documentos pessoais, o município de
residência, a quantidade de pessoas pertencentes ao núcleo familiar,
a renda familiar, o assunto jurídico a ser atendido, etc.
Após a análise dos formulários, deu-se o retorno às pessoas
hipossuficientes por e-mail e/ou contato telefônico cadastrado nos
373
formulários on-line, bem como, os atendimentos e/ou conciliações
foram realizadas através de videoconferências pelo Portal
Universitário – Blackboard, utilizado pela IES.
Ou seja, com esta dinâmica se fez possível atender à
comunidade vulnerável, e, ao mesmo, tempo oportunizar as
atividades de Estágio à Comunidade Discente.
Ressaltando que as iniciativas dos Tribunais de virtualização de
processos físicos, bem como, de realização de audiências de modo
remoto auxiliaram na realização das atividades prática reais. Sistemas
digitais utilizados por Tribunais como o próprio PJE, bem como, Cisco
webex para audiências foram de grande valia para permitir a
realização do Estágio Obrigatório. A seguir dados Relatório Atividades
NPJ 2020 (MORAIS,2020):
374
Coordenação Acadêmica, NPJ- Núcleo de Prática Jurídica, PROJETO
MENTORIA e Profs. (as) das disciplinas NPJ/NAJ.
O presente Simulado Fupac 2020/2 teve como escopo que os
(as) Discentes dos 7ª, 8ª, 9ª e 10ª Períodos pudessem ter contato com
questões reais Objetivas nos moldes de ENADE, OAB e Concursos
Públicos, bem como, que pudesse realizar uma auto avaliação de seu
processo de aprendizagem.
Necessário mencionar também as atividades do Projeto
Mentoria sob a supervisão da Psicóloga Viviane Linhares Vale e do Ex-
aluno do Curso de Direito da Fundação Antônio Carlos de Mariana
(FUPAC) Frankes Vieira.
O Projeto Mentoria utiliza-se de grupos de WhatsApp
subdivididos por períodos, onde monitores e supervisores trabalham,
diariamente, com revisão das questões das provas dos semestres
anteriores, e, uma vez por semana, com postagem sobre saúde
mental.
A ideia é que os alunos criem a prática da revisão de conteúdo
diariamente e com isso passem a ter resultados e envolvimento
diferenciados ao longo de todo seu percurso acadêmico.
Conforme Relatório do Projeto Mentoria 2020 (VALE; VIEIRA,
2020) percebemos um número considerável de participação Discente
nos grupos formados, considerando que o Curso de Direito da
Fundação Antônio Carlos de Mariana (FUPAC) possui, atualmente,
um universo de 276 (Duzentos e setenta e seis) Discentes
matriculados.
375
Gráfico 02 – Participantes Projeto Mentoria
376
Gráfico 03 – Nível Aprendizado Projeto Mentoria
CONSIDERAÇÕES FINAIS
378
REFERÊNCIAS
380
A ARGUMENTAÇÃO EM DECISÕES JUDICIAIS: ANÁLISE DE
UMA SENTENÇA
Vívian Moreira67
Magna Campos68
RESUMO
Este artigo elabora uma breve análise dos tipos de argumentos da
ordem do convencimento, que ocorrem em uma decisão judicial
selecionada, em um estudo exploratório, a fim de se observar as
estratégias de sustentação da tese, de forma a atender aos preceitos
dispostos no art. 489, do CPC (2015), que pressupõe a necessidade de
a decisão judicial ter que enfrentar os principais argumentos das
partes, argumentando de forma substantiva.
INTRODUÇÃO
67
Graduanda em Direito pela FUPAC Mariana e Mestre em Relações
Internacionais pela PUC Minas.
68
Mestre em Letras, professora do curso de Direito da FUPAC-Mariana,
escritora.
381
há duas ordens de fenômenos, explicitadas por Reale (2002):
ARGUMENTAÇÃO
69
Não será objeto de análise o mérito da decisão judicial e suas implicações
no ordenamento jurídico brasileiro.
384
A origem do estudo da argumentação remonta ao período da
Grécia Antiga. Na preocupação de expor suas ideias publicamente, de
forma que a tese fosse aceita pelos demais membros do regime
democrático, os gregos se debruçaram na arte da argumentação,
oratória e gramática.
A argumentação, portanto, consiste na defesa de uma tese
com o intuito de formar ou influenciar uma opinião daquele que, na
teoria da argumentação perelmaniana é chamado de auditório, ou
seja, o público-alvo70 a quem a argumentação é dirigida. Em última
instância, a intenção é gerar um assentimento do público, ou seja,
para além da mera concordância com a tese, a ação em prol da ideia
defendida.
A defesa dessa tese pode ocorrer por meio de duas
estratégias: persuasão e convencimento.
Persuadir e convencer
70
Público-alvo pode ser definido como pessoa ou conjunto de pessoas para
a qual a argumentação é direcionada. Para a formação da opinião do
público-alvo, torna-se imprescindível o enquadramento discursivo, que
consiste na criação de um contexto adequado para tal, seja na escolha das
palavras, na forma da tratativa e na estratégia de argumentação.
385
em dados materiais como provas e dados estatísticos, dentre outras
possibilidades.
Na esfera do convencimento, Campos (2020) indica que,
comumente, são utilizados sete instrumentos de argumentação:
386
Raciocínio Lógico Jurídico
388
1. A premissa maior é ocupada pela norma e a premissa
menor é ocupada por alguma extensão da norma, seja
uma norma de hierarquia inferior ou a consequência
jurídica prevista, mais a conclusão advinda dessa
relação entre as premissas;
2. A premissa maior é ocupada pela norma e a premissa
menor é ocupada pelo fato ou caso específico, cuja
conclusão seria uma espécie de sentença. Estrutura
esta, denominada silogismo.
Argumento de autoridade
393
Ocorrência 07: Dicionário Aurélio
394
Argumento de prova concreta
Argumento de explicação
Argumento de Oposição
Raciocínio Lógico
398
A articulação de argumentos em forma de premissas para se
alcançar uma conclusão é um recurso do raciocínio lógico
presente na sentença, os quais podem ser observados, ao
menos em duas situações:
Raciocínio Indutivo
Raciocínio Dedutivo
400
• Premissa maior: “CPP - Art. 312 - § 2o A decisão que
decretar a prisão preventiva deve ser motivada e
fundamentada em receio de perigo e existência
concreta de fatos novos ou contemporâneos que
justifiquem a aplicação da medida adotada”;
• Premissa menor: “o mandado de prisão é de novembro
de 2017, de modo que após tanto tempo sem
qualquer ocorrência envolvendo o réu e sendo possível
que sua não localização tenha decorrido de
inoperância do próprio Estado”;
• Conclusão: “tudo isso faz desaparecer o quesito de
contemporaneidade exigível por legislação
superveniente ao decreto e que se aplica ao caso”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
401
REFERÊNCIAS
402
SANTANA, Maiara Pereira de. Formas retóricas de dizer: o jornalista
Celso Ming e seus artigos de opinião. 2015. 163 f. Dissertação
(Mestrado em Língua Portuguesa) - Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, São Paulo, 2015. Disponível em:
<https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/14362/1/Maiara%20Pereira
%20de%20Santana.pdf> . Acesso em: 23 de out. 2020.
403
TODOS IGUAIS, TODOS IGUAIS... MAS ALGUNS MENOS
IGUAIS QUE OS OUTROS: O RECONHECIMENTO DO NOME
SOCIAL DOS SUJEITOS TRANS
Gabriella Pimenta71
Saulo Camello72
Magna Campos73
RESUMO
INTRODUÇÃO
71
Graduanda do 8° período do curso de Direito pela Faculdade Presidente
Antônio Carlos de Mariana- MG.
72
Graduando do 9° período do curso de Direito pela Faculdade Presidente
Antônio Carlos de Mariana- MG.
73
Professora universitária, Mestre em Letras e escritora.
404
indivíduo, representado pelo binarismo homem (macho) ou mulher
(fêmea). Para alguns, a identidade de gênero, masculina ou feminina,
discorda daquela que seria “pressuposta” pela biologia. Nestas
situações, ocorre a transgeneridade.
Todavia, é preciso ressaltar que pessoas transgêneras podem
apresentar orientações sexuais distintas, longe do estereotipo social
que se acredita lhes caber, de forma que se pode ter transgêneros
assexuados, hetero, homo ou bissexuais. Essa diversidade desafia
ainda mais a relação reducionista e preconceituosa presentes nos
binarismos homem/mulher, feminino/masculino.
Neste contexto, as reivindicações das pessoas trans, muitas
vezes invisibilizadas socialmente, têm conseguido, ainda que a
“passos lentos”, vazar a estrutura social binária e chegar ao Poder
Judiciário, em demandas pelo reconhecimento de direitos relacionado
à cidadania e ao direito de ser quem se sente que é, como é o caso,
do reconhecimento do nome social e de redesignação do gênero.
Entenda-se o nome social como aquele pelo qual a pessoa trans se
reconhece, diferentemente do nome de registro civil, que lhe foi
imposto no nascimento. Atrelado ao nome social vem a questão da
redesignação do gênero nos documentos oficiais, a fim de se exercer
a cidadania.
Sendo assim, este artigo irá discorrer acerca desta luta das
pessoas trans, por se tornarem sujeitos de direito, com suas
subjetividades reconhecidas, dentre outras coisas, por meio de seus
nomes sociais. Desta forma, serão tratados de dispositivos da
legislação nacional como Constituição Federal e Código Civil, julgados
e decisões judiciais, bem como as explicações ou provocações de
pesquisadores do tema contrapostos ou justapostos às demandas de
entidades representativas das pessoas trans e de casos
representativos nesta luta.
405
A luta pela cidadania por meio do reconhecimento do nome
social dos sujeitos trans
74
Dossiê realizado anualmente pelo Instituto Trans de Educação (IBTE) em
parceria com a organização internacional Trans Europe (TGEU) para
monitorar os números das violências sofridas pela população trans no Brasil.
O último dossiê divulgado em 2018 informa que no ano de 2017 ocorreram
185 assassinatos de pessoa trans no Brasil (BAHIA, CONCEIÇÃO, VIEIRA,
p.632, 2019)
406
dificuldade da sociedade em lidar com as pessoas trans, em razão da
identidade de gênero diferente daquela estabelecida como padrão
social, assim, a sociedade espera do indivíduo comportamentos em
conformidade com o sexo biológico, e, quando a pessoa não
corresponde a tal expectativa sofre um grande preconceito.
No entanto, a Constituição de 1988 tem como princípio
fundamental a cidadania, igualdade, liberdade e o pluralismo político,
sendo todo o ordenamento jurídico norteado por esses princípios,
que procuram sempre a inclusão e a união de diferentes classes e
grupos sociais, mas conservando as particularidades de cada
indivíduo.
O direito ao nome é uma forma de garantir cidadania aos
sujeitos, afinal é ele quem identifica e individualiza as pessoas em
todas as civilizações, tratando-se assim, de manifestação mais
expressiva da personalidade. Conforme expõe Venosa (2005, p. 21):
407
A longa espera pelo reconhecimento: o caso Roberta Close
A legislação nacional
409
documento legais por Sandro, conforme discutido no SRT,
por meio do Recurso Extraordinário 670.422 RS, suspenso em
07/06/2017, posto em pauta em 28/02/2018, antes julgado
procedente parcialmente na ADI 4275 – Ação Direta de
Inconstitucionalidade, finalizada e proferida como
procedente, na sessão do Tribunal Pleno do STF, no dia 01 de
março de 2018. Tal ADI 4275 foi interpretada, deliberando aos
transgêneros e transsexuais que ensejem, com ou sem
cirurgia de transgenitalização e/ou uso de tratamentos
hormonais ou patologizantes (via laudo médico), a
deliberação por direito à alteração de prenome e sexo
imediatamente no registro civil. (FREITAS, LOURAU, 2019, p.3)
410
Direito à identidade pessoal como direito fundamental
412
cada indivíduo, baseando-se nas genitálias, órgãos reprodutivos, e
por consequência na quantidade de hormônios presentes. Ou seja, o
sexo refere-se à característica biológica, relativo ao momento do
nascimento do sujeito (JESUS, 2012, p. 13).
Sobre orientação sexual, a resolução n° 11 de Dezembro de
2014, do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção
dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais
(CNCD/LGBT), compreende tal conceito de acordo com os princípios
da Yogyakarta: “Como uma referência à capacidade de cada pessoa
de ter uma profunda atração emocional, afetiva ou sexual por
indivíduos de gênero diferente, do mesmo gênero ou de mais de um
gênero, assim como ter relações íntimas e sexuais com essas pessoas”
(CNCD/LGBT, Resolução n° 11, 2014).
O dispositivo mencionado acima compreende como
identidade de gênero:
413
o nome de registro; ou não. Portanto, quando essa autopercepção
não é compatível com o sexo biológico é o que se chama de
transgeneridade. Neste sentido, Vieira (2012, p.39) define o conceito
de transexual como:
415
vivenciem situações vexatórias, já que a temática ainda é um grande
tabu para a sociedade brasileira.
416
Ceneviva (2010, p.373), o princípio da imutabilidade encontra-se
presente na redação do art. 58 da LRP (Lei dos Registros Públicos),
desde o Regimento n. 18.542, de 1928, entretanto, o advento da Lei
9.708/98, alterou a redação do referido artigo, que em lugar de ter o
prenome por imutável, passou a afirmá-lo definitivo.
Conforme expõe Gonçalves (2018, p.79):
417
No mês de junho, a Organização Mundial da Saúde (OMS),
apresentou a CID-11 (Classificação Estatística Internacional de
Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde). Dentre as
mudanças, comparando com a CID-10 (1990), a transexualidade foi
retirada da lista dos problemas de saúde mental e realocada como
incongruência de gênero, atualizando e padronizando mundialmente
a identidade de gênero. (Defensoria Pública Do Estado Do Paraná,
2018, p.1)
Assim, a transexualidade deixou de ser conceituada como uma
doença mental e passou a ser uma considerada característica, e,
portanto, conquista da população transgênera, dado que uma doença
afeta de forma negativa em um corpo. O CID 11 entrará em vigor em
janeiro de 2022, e, após 28 anos sendo classificada como Transtornos
da Identidade Sexual, passará a ser identificada como “Incongruência
de gênero”.
O Judiciário também apontava os sujeitos trans como
aberrações: “monstro, prostituta, bichinha: como a justiça condenou a
1ª cirurgia de mudança de sexo no Brasil” (BBC NEWS BRASIL, 2018).
Em 1971, fora realizada a primeira cirurgia para mudança de sexo
genital (masculino para feminino), entretanto, quando chegou ao
conhecimento do Ministério Público de São Paulo, o órgão denunciou
o médico responsável pela cirurgia, por lesão corporal gravíssima.
75
Palavras do procurador Luiz de Mello Kujawski, em pedido de instauração
de inquérito Policial.
418
BRASIL, 2018)76
76
ROSSI, Amanda. 'Monstro, prostituta, bichinha': como a Justiça condenou a
1ª cirurgia de mudança de sexo do Brasil. BBC News Brasil. 28. Mar. 2018.
Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-43561187. Acesso
em: 20 jan. 2021.
419
trans a utilização do “nome social”. Mudar sem alterar
substancialmente nada na vida da população mais excluída da
cidadania nacional. Assim, por exemplo, uma estudante transexual
terá seu nome feminino na chamada escolar, mas no mercado de
trabalho e em todas as outras dimensões da vida terão que continuar
se submetendo a todas as situações vexatórias e humilhantes e portar
documentos em completa dissonância com suas performances de
gênero. (BENTO, 2014, p.175)
Portanto, antes da possibilidade da alteração de nome, os
transexuais precisavam recorrer ao poder judiciário, ficando a mercê
do entendimento dos tribunais ou buscavam o uso da carteira de
nome social, a qual possibilita a utilização do nome pelo qual a
pessoa deseja ser identificada em diversos espaços sociais, ou seja, a
finalidade do instituto do nome social era suprir a lacuna legislativa
no que tange ao direito à personalidade dos transexuais para evitar
que esses sujeitos vivenciassem situações constrangedoras.
Santos (2015, p. 633) explica que a carteira de nome social é
“um documento físico semelhante à carteira de identidade comum,
com valor de registro civil, que traz a inscrição do nome social e o
número do registro geral de travestis e transexuais”.
Ocorre que, esse documento, contudo, não evitava que esses
sujeitos fossem submetidos a situações vexatórias, considerando a
impossibilidade do uso da carteira de nome social sem que outro
documento oficial com o nome de registro fosse apresentado
juntamente com a carteira social.
A Portaria n°. 16/2008-GS foi a primeira normativa que tratou
acerca utilização do nome social, criada pela Secretaria de Estado de
Educação do Estado do Pará por meio da qual se instituiu que a partir
2009 todas as Unidades Escolares da Rede Pública Estadual do Pará
passariam a registrar, no ato da matrícula dos alunos, o prenome
social de travestis e transexuais.
420
Em 2015, o conselho nacional de combate à discriminação e
promoção dos direitos de LGBT’S, juntamente com a presidência da
república e a secretaria de direitos humanos, elaborou a Resolução
n.12, com intuito de combater a discriminação e promover direitos de
pessoas LGBT’S, a qual:
421
CONSIDERAÇÕES FINAIS
422
REFERÊNCIAS
423
despatologizacao-da-transexualidade.html>
VENOSA, Silvio De Salvo. Direito Civil. Ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.
211. Vol.1, parte geral 5.
424
VIEIRA, Teresa Rodrigue Vieira (org.). Transgêneros. Ed.- Brasília, DF:
Zakarewicz, 2019.
425
ACESSIBILIDADE ENQUANTO DIRETO FUNDAMENTAL: OS
DESAFIOS NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO À LOCOMOÇÃO DA
PESSOA COM DEFICIÊNCIA FÍSICA E A PRESERVAÇÃO DO
TRAÇADO URBANO EM UMA CIDADE HISTÓRICA
Maria de Lourdes Faria77
Israel Quirino78
RESUMO
O trabalho aborda a acessibilidade enquanto Direito Fundamental e
os desafios na efetivação do direito à locomoção da pessoa com
deficiência física e à preservação do traçado urbano em uma cidade
histórica. O objetivo principal deste trabalho é estudar a legislação
que versa sobre o direito de ir e vir da pessoa com deficiência física
(Lei 10.098/2000), discutindo as dificuldades que as cidades históricas
enfrentam para implantação da Lei 10.098/2000, diante das
exigências dos instrumentos de proteção ao patrimônio histórico. No
estudo do tema, analisamos as formas encontradas pelo município de
Mariana para dirimir conflito entre a lei 13.146/2015 e os
instrumentos de proteção do traçado urbano histórico,
especificamente o Decreto Lei 25/1937. Após a análise e discussão
desses documentos, foi constatado que há dispositivos legais capazes
de contemplar as necessidades das pessoas com deficiência (PcD),
situando o grande problema na fiscalização e no rigor da aplicação
destas leis. Há uma necessidade de se estabelecer um consenso entre
o Patrimônio Histórico e as leis que garantem o direito à livre
acessibilidade aos deficientes físicos, que permita o exercício pleno
do direito de ir e vir também nas cidades históricas.
77
Graduando do 10º período do Curso de Direito da Faculdade Presidente
Antônio Carlos de Mariana.
78
Professor de Direito Constitucional da FUPAC – Mariana. Mestre em Gestão
Social, Educação e Desenvolvimento Local pelo Centro Universitário UNA.
426
Palavras-chave: Acessibilidade. Patrimônio Histórico. Pessoas com
Deficiência Física
INTRODUÇÃO
427
O trabalho aborda a acessibilidade enquanto Direito
Fundamental e os desafios na efetivação do direito a locomoção da
pessoa com deficiência física e a preservação do traçado urbano em
uma cidade histórica. Neste sentido, esta pesquisa tem a finalidade de
responder a três questionamentos: 1) o que diz a Legislação Brasileira
sobre o direito de ir e vir da pessoa com deficiência física?; 2) qual a
proposta da cidade histórica para resolver o conflito entre a pessoa
com deficiência e a preservação da arquitetura urbana de suas vias; 3)
quais são as medidas efetivamente tomadas no conflito entre o
direito individual de ir e vir a e preservação do acervo histórico da
cidade.
No intuito de se obter resposta ao primeiro questionamento,
faz-se necessário entender a leitura do Direito Constitucional acerca
do direito das pessoas com deficiência e, principalmente, o estatuto
da igualdade preconizado pela Constituição Federal (CF).
Do mesmo modo, para se responder ao segundo
questionamento deste trabalho, busca-se estudar as propostas
encontradas pelo município de Mariana para resolver o conflito
existente entre o direito das pessoas com deficiência física e a
preservação do patrimônio histórico. Neste sentido, parte deste
questionamento é entender qual são as medidas propostas pelo
município para poder atender às pessoas com deficiência,
considerando o fato de a cidade ser um patrimônio histórico
protegido.
No mesmo viés, para se ter uma resposta ao terceiro
questionamento desta pesquisa, verifica-se quais as formas
encontradas pelo município para dirimir o conflito existente entre a
Lei 13.146/2015 e os instrumentos de proteção do traçado urbano
histórico, especificamente o Decreto Lei 25/1937, de maneira efetiva e
objetiva, especificamente quanto a ação nas ruas, nos espaços
públicos e de uso comum.
428
O acervo jurídico de normas quanto à acessibilidade no Brasil
é robusto. A Lei 10.098/2000 que estabelece normas gerais e critérios
básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com
deficiência ou com mobilidade reduzida, é uma diretriz a ser seguida
nos ordenamentos municipais, à luz do que estatui o artigo 182 da
CF. No mesmo teor, a Lei 13.146/2015, que institui a lei brasileira de
inclusão da pessoa com deficiência (Estatuto da Pessoa com
Deficiência), exige ações de governo visando tornar realidade o
princípio da igualdade e, aliado ao que dispõe a Lei 12.587 que
institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana,
garantir o direito pleno de ir e vir às pessoas com deficiência.
Notadamente, são normas programáticas, que exigem ação dos
governos para tornar realidade o texto legal.
O direito de ir e vir é um direito universal expresso na
Constituição Federal e, reafirmado na Lei 13.146/15. O Estatuto da
pessoa com deficiência física, ainda não se tornou realidade, tendo
em vista que tais indivíduos enfrentam inúmeros obstáculos e não
possuem direito a uma locomoção plena. Diante dos conflitos que se
encontram nas leis que regulamentam o patrimônio histórico e o
direito da pessoa com deficiência física, há necessidade de se estudar
o referido tema, no intuito de proporcionar-lhes um maior incentivo e
novas perspectivas em seus objetivos sociais, espirituais e materiais,
exigindo dos órgãos competentes solução de tais conflitos. Daí a
relevância dessa contribuição acadêmica na construção de uma
perspectiva de discussão acerca da temática.
Devido aos obstáculos vividos no dia a dia pelas pessoas com
deficiência física na cidade histórica de Mariana, os atores envolvidos
na questão, as entidades representativas das pessoas com deficiência
e a administração local, buscam no ordenamento jurídico brasileiro as
vias de acesso para dirimir tais conflitos, preservando a integridade
do direito à locomoção, sem que haja barreiras que impeçam o ir e vir
429
das pessoas, sem que isso represente agressão ao patrimônio
histórico protegido.
Diante do exposto, esta pesquisa, de cunho bibliográfica e
documental, foi desenvolvida a partir de revisão bibliográfica da
literatura jurídica produzida em torno das normas que enfrentam a
questão, especificamente a Lei 13.146. Trata-se de um estudo
qualitativo, que visa encontrar os diversos significados, motivos,
aspirações e crenças das pessoas com deficiência física na cidade
histórica de Mariana. Para seu desdobramento, foi adotado o método
dedutivo para discussão da elaboração das formas específicas de
soluções apresentadas pelo Município de Mariana, para conciliar os
instrumentos jurídicos e a realidade cotidiana das pessoas com
deficiência física.
430
substituída pelo termo ‘invalidez’. Os deficientes deixam então de ser
tratados como maldição e passam à condição de estorvos, um peso.
Pelo menos deixaram de ser assassinados.
As mudanças neste cenário começaram a acontecer após os
séculos XVII e XVII. Boas (2020, p. 01) argumenta que “[...] durante os
séculos XVII e XVIII houve grande desenvolvimento no atendimento
às pessoas com deficiência em hospitais. Havia assistência
especializada em ortopedia para os mutilados das guerras e para
pessoas cegas e surdas”. No entanto, às adaptações visando à
melhoria das condições de mobilidade urbana pensando nos
deficientes, ainda demoraria bastante.
Inicialmente, cumpre ressaltar que as preocupações com os
problemas de mobilidade urbana com pessoas com PcD foram
iniciadas apenas na metade do Século XX. Neves (2010, p. 11) destaca
que “[...] após a Segunda Guerra Mundial, preocupou-se em
internacionalizar os direitos fundamentais, sobretudo pela ineficiência
da Liga das Nações e pelas práticas afrontosas a esses direitos
durante este período”, onde as cidades com suas fundações mais
recentes e as grandes cidades tem uma maior facilidade em adaptar-
se a esse novo contexto.
No dia 19 de dezembro do ano 2020, foram comemorados
vinte anos que foi sancionada a Lei 10.098/2000, pelo então
presidente da República, Fernando Henrique Cardoso ((FHC, 1995-
2002). Porém, o que mudou nesses vinte anos para as pessoas com
PcD? Quais foram os ganhos que elas conseguiram e o que ainda
precisa mudar para que todos tenham seus direitos assegurados?
Muitas premissas dessa Lei permanecem sem respostas objetivas e
efetivas nas ruas das cidades brasileiras. Daí, é fácil concluir que as
cidades históricas brasileiras não tiveram nenhum planejamento
voltado à acessibilidade a pessoa com deficiência.
Conforme o pensamento de Garcias e Bernardis (2008), temos
431
como marco de uma “nova cidade” mais humanizada, a Carta de
Atenas de 1933, redescoberta em tempos atuais pelo Estatuto das
Cidades – Lei 10.257/2001 – e a Nova Carta de Atenas de 2003, que
propõe
433
Desafios a serem vencidos pela Lei 10.098/2000
435
legais a serem ponderadas, especialmente quando se trata de cidades
históricas.
Bergamo (2017) destaca que o deficiente físico ainda sofre
com as consequências da falta de inclusão social, especialmente
quando viver em uma cidade planejada ou pensada para pessoas sem
qualquer limitação de mobilidade.
436
Poder e dever dos municípios, à luz do que preleciona o artigo 182 da
CF.
441
Mobilidade Urbana, Patrimônio Histórico e PcD: propostas de
convivência
444
As formas encontradas pelo município de Mariana para diminuir
o conflito entre a lei 13.146/2015 e o Decreto Lei 25/1937.
446
projetos voltados à organização, ao funcionamento e à gestão dos
espaços de circulação e dos serviços de transporte público”. Em quase
todo o projeto, a preocupação parece estar mais voltada para ciclistas
e pedestres do que com aqueles que realmente têm uma maior
necessidade de atenção, que são os portadores de deficiência física,
cuja dificuldade de locomoção é evidente.
O grande problema é que a função do Plano de Mobilidade
Urbana, cujo objetivo é estabelecer diretrizes, ações e projetos
voltados à organização, ao funcionamento e à gestão dos espaços de
circulação e serviços de transporte, não corresponde à altura seu
propósito. Há uma grande diferença entre a teoria e a realidade e isto
é um reflexo das Leis Federais voltadas às melhorias das condições de
vida das pessoas com deficiência, que em quinze anos não sofreram
nenhuma mudança significativa.
451
vista que trata-se de uma cidade que está em amplo crescimento e
que muitas coisas concentram-se no entorno do Centro Histórico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
452
com deficiência e a preservação da arquitetura urbana de suas vias?
Ao que respondemos com base no que preconiza o Plano de
Mobilidade Urbana de Mariana, o Plamob. Sabendo das necessidades
apontadas pelos cadeirantes, o Plamob aparece como a principal
medida de tentativa de resolver as questões das pessoas com
deficiência. O Plamob Mariana, conforme apresentado neste estudo,
trata-se de uma forma de também democratizar a mobilidade urbana
por meio de medidas, como adaptações em locais públicos para
melhorar o acesso, promovendo, assim, a democratização da
acessibilidade em Mariana.
Em boa parte do Centro Histórico, as ruas de acesso têm em
sua pavimentação o calçamento conhecido como ‘pé-de-moleque’, e
algumas calçadas são estreitas, o que dificulta ainda mais o fluxo de
mobilidade. Aqueles que necessitam das cadeiras de rodas são os que
mais sofrem com tais problemas.
Por fim, outro questionamento que surge em meio aos
estudos aqui empreendidos, é sobre que medidas são efetivamente
tomadas no conflito entre o direito individual de ir e vir e a
preservação do cervo histórico da cidade de Mariana.
Cabe à legislação garantir que o direito de ir e vir do
cadeirante seja, definitivamente respeitado. O que não é, de fato. Em
quinze anos da existência da lei em prol daqueles que são portadores
de deficiência, houve pouquíssimas alterações. O que indica ainda
exigência de bastante esforço por parte do Direito individual, na
questão do direito de ir e vir na cidade de Mariana, tendo em vista
tratar-se um monumento histórico que tem sua manutenção
garantida por Lei. Nesse contexto, foram estabelecidos os Planos
Diretor e o de Mobilidade Urbana de Mariana, sendo que o segundo
aborda, especificamente, as questões que envolvem a mobilidade
urbana.
Dentro dos objetivos estabelecidos pelo Plano Diretor e pelo
453
Plano de Mobilidade Urbana de Mariana está o de garantir a
eficiência e a efetividade na prestação dos serviços de transporte
público na cidade, que é um problema ainda sem respostas no
município. Como aponta o Plano de Mobilidade Urbana da cidade,
serão necessários estudos para que sejam apontadas ações
adequadas para uma intervenção eficaz para a melhoria da questão
da acessibilidade.
454
REFERÊNCIAS
456
<http://portal.iphan.gov.br/uploads/legislacao/Decreto_no_25_de_30_
de_novembro_de_1937.pdf > Acesso em 13 de Jul. 2020.
LEITE, Flávia Piva Almeida; RIBEIRO, Lauro Luiz Gomes; COSTA FILHO,
Waldir Macieira da. Comentários ao Estatuto da Pessoa com
Deficiência. São Paulo: Saraiva, 2019.
458
A PRISÃO PROVISÓRIA NO BRASIL E AS IMPRESSÕES
ACERCA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO
Bárbara Cândido de Carvalho79
Gabriela Araújo Gois80
RESUMO
No Brasil, a prisão provisória excede os limites da legalidade
haja vista que desconsidera o princípio constitucional da dignidade
humana estabelecido pela Constituição Federal quando a ação
institucionalizada do Direito Penal se afasta do viés garantista, ao
negar à pessoa acusada seus direitos e garantias fundamentais pois,
uma vez que o processo não transitar em julgado, o réu pode
responder em liberdade ao invés de aguardar o julgamento na prisão.
Uma questão que deve ser observada é que a maior parte dos presos
é caracterizada por jovens negros, de baixa escolaridade,
desempregados ou com empregos precários, moradores da periferia
e de baixa renda, portanto são pessoas que vivem sem o respaldo da
sociedade e sem o amparo das prerrogativas das leis. Este estudo tem
o objetivo de relacionar parte das causas e consequências da prisão
provisória no âmbito do Direito Penal do Inimigo proposto por
Jakobs; Meliá (2007). Um dos nítidos reflexos desta relação são as
prisões provisórias de crimes não hediondos, nem mesmo contra o
Estado, mas ainda assim cerceiam o direito à liberdade dos cidadãos
que estão sendo acusados. O presente estudo utiliza uma
metodologia descritiva, identificando os impactos da lei n° 12403/11
79
Professora de Direito Penal na Fundação Presidente Antônio Carlos -
FUPAC/Mariana. Pós-graduada em Advocacia Criminal pela ESA/FUMEC.
Mestranda em Direito no Programa de Pós-Graduação Novos Direitos,
Novos Sujeitos da Universidade Federal de Ouro Preto.
80
Bacharelanda em Direito e membro do Núcleo de Pesquisa em Direito e
Psicanálise da FUPAC/Mariana.
459
na prisão provisória, bem como analisa as audiências de custódia e
medidas cautelares alternativas, tendo-as como hipóteses resolutivas
para o problema.
INTRODUÇÃO
81
Conforme o art 5º, LV, da CF/88: “aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório
e ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes”.
82
ISER – Instituto de Estudos da Religião
460
“essa prisão provisória tem a finalidade de evitar riscos processuais e
o sistema de justiça criminal brasileiro possui distorções por não
ressocializar e não evitar novos crimes, potencializando a exclusão”.
Haja vista que a prisão provisória é usada de modo excessivo
no Brasil e que a grande maioria dos presos inclui jovens negros e
desfavorecidos economicamente, torna-se necessário avaliar se
realmente essas medidas prisionais estão sendo eficazes para prevenir
o crime e justas se aplicadas a criminosos reincidentes ou que
apresentam perigo à sociedade, sejam eles de quaisquer classes ou
etnias. Segundo o relatório Liberdade em Foco, do IDDD83(2016), o
excesso da prisão provisória no Brasil deve-se ao fato que 94,8% das
prisões em flagrante foram provisórias e 26,6% dos detidos obtiveram
liberdade provisória. Este relatório também aponta que há
costumeiras falhas na produção das evidências que legitimam a
prisão, desse modo dos 99 detentos entrevistados em São Paulo
apenas 29 (77,8%) afirmaram terem sido reconhecidos pelas vítimas
no interior da delegacia. Contudo, somente 14,3% dos entrevistados
declararam que as formalidades processuais do ato84 foram
cumpridas (IDDD, 2016).
O conceito de Direito se resume a um vínculo entre pessoas
dotadas de deveres perante a sociedade, enquanto o Direito Penal é
o único ramo do Direito capaz de empregar a coação mais intensa a
um inimigo. Portanto, Direito Penal do Inimigo é aquele através do
qual o Estado faz uso das medidas de segurança em combate ao
perigo, visando inclusive impedir a ação de terroristas. Na filosofia,
“inimigo” pode ser considerado sob a ótica de diferentes vertentes,
por exemplo: para Rousseau e Fichte, é todo homem delinquente;
83
IDDD – Instituto de Defesa do Direito de Defesa
84
As formalidades do reconhecimento pessoal são, por exemplo:
apresentação em sala própria, presença de pessoas não suspeita e a não
interferência policial.
461
enquanto para Hobbes, é o agente que pratica a alta traição e que
nega obedecer a constituição em vigor (JAKOBS; MELIÁ, 2007). Esses
conceitos filosóficos são apenas ideias propostas para nos ajudar a
entender o comportamento dos agentes e da justiça, não
necessariamente correspondentes à realidade, pois antes do século
XX a compreensão dos delitos tinha uma ótica mais estereotipada do
que são os desvios de comportamento.
No Brasil, a associação da desigualdade social com o Direito
Penal do Inimigo ocorre na realidade quando o apenado deixa de ser
tratado como um cidadão, ainda que o crime cometido nem tenha
sido contra o Estado ou que nem tenha sido um crime hediondo.
Estima-se que aproximadamente 36.128 pessoas encontram-se presas
em unidades sem assistência, sendo que mais da metade desses
encarcerados provém do Rio Grande do Norte, Goiás, Rio de Janeiro e
Ceará. O conceito de Direito Penal do Inimigo deveria ser amplificado,
afinal o indivíduo torna-se “inimigo” apenas pelo fato de ser
impedido de exercer sua cidadania dentro de sua nação, pois a falta
de assistência jurídica e de sadias condições de atendimento dentro
das unidades desrespeita a constituição no que tange aos direitos
humanos e fundamentais (IDDD, 2016).
Sendo assim, dentro dos estudos criminológicos, uma das
proposições da escola de Criminiologia Crítica foi o labelling
approach que estuda a criminalidade como uma ação seletiva devido
ao que as pessoas aparentam ser e não pelo que elas realmente são.
Infelizmente, existem muitos rótulos que circunscrevem-se nos
criminosos tipificam quais comportamentos podem ser considerados
criminosos como, por exemplo, a falsa noção de que as esferas mais
pobres da sociedade estão mais propensas ao crime. No Brasil esse
caráter estereotipado das punições é histórico, tendo em vista que as
manifestações culturais brasileiras provindas da África sempre foram
criminalizadas, bem como as danças (tais como o samba e funk) e as
462
religiões (que demonstram uma “arte da cura”). Porém, o que ocorre
na realidade é a hipótese inversa de que os conflitos sociais são
respostas à desigualdade social (BATISTA, 2011).
Entretanto, as questões acerca do tema têm sido levantadas e
uma medida importante para auxiliar na resolução dos problemas é a
audiência de custódia, através da qual o sujeito detido
provisoriamente tem seu caso avaliado por um juiz de custódia que
decide a medida cabível: se o réu continuará preso ou se poderá
aguardar o trânsito em julgado em liberdade.
464
legisladores são pressionados por essa população repleta de
insegurança e, em prol de seus interesses pessoais, optam por
modificar as leis e incrementar as penas, surgindo assim o Direito
Penal Simbólico (JÚNIOR, 2016).
O Direito Penal simbólico trata de fenômenos de
neocriminalização de efeito representativo, uma vez que se difere da
realidade vivida pelos condenados por esta ser mais dura enquanto
aquelas são estipuladas por legisladores que entendem as penas
como merecidos meios de correção dos infratores, não importando o
caráter banal ou provisório dos delitos. Para Batista (2011), os estudos
de criminologia se baseiam em duas vertentes: o positivismo, que
identifica quem de fato comete o crime; e o rotulacionismo, que
indica um modo de agir baseado em aparências, ou seja, identifica
quem é apenas definido como criminoso. Dessa forma, a
criminalidade deixa de ser uma realidade objetiva para lidar como
uma definição, pois as normas tornam-se como regras de um jogo
que visam delimitar o poder punitivo. A escola criminológica que trata
desse tema é a labelling approach, que estuda a ação seletiva da
justiça pelos estereótipos dos agentes. No Brasil, é muito comum o
rotulacionismo, pois é possível observar uma acentuada discriminação
social e criminalização da cultura provinda da África (por exemplo, a
associação do funk com favelas e com crimes).
Na prisão, sofre tanto o condenado recebendo um tratamento
sub-humano, quanto sua família ao ver o descaso do Estado em não
fornecer mais celas e mais leitos, por talvez acreditar que isso faça
parte da punição ou por não querer investir nesses seres humanos
que vivem à margem da sociedade, mas que não deixam de serem
humanos.
466
criminis). Na verdade, cada cenário nacional tem um contexto.
Conforme Sozzo (2016), em toda América do Sul a mudança nas
propostas é mais moderada, isso seria um reflexo da maior
preocupação dos presidentes dos países subdesenvolvidos ou em
desenvolvimento em atender às classes econômicas mais baixas e
estas contém mais responsáveis por cometer delitos. O resultado
disso é que nos governos de esquerda notou-se maior taxa de
encarceramento. Em termos político-criminais, a esquerda abrange
mais a neocriminalização, bem como os crimes contra mulheres e de
discriminação. De acordo com Pierangeli (2011), a política governa os
povos e cabe à política criminal propor soluções para combater a
criminalidade.
Ainda que o punitivismo seja diferente do simbologismo,
ambas vertentes se relacionam, pois as legislações simbológicas
evitam que o punitivismo extrapole seus limites. É preciso que haja
uma resposta do Direito Penal às infrações praticadas pelos autores
de crimes, mas a punição deve ser moderada. Mas no caso do Direito
Penal do Inimigo é negado ao réu seus direitos e garantias
constitucionais desconsiderando o princípio de presunção da
inocência, segundo Bolfe (2014).
De acordo com Jakobs; Meliá (2007), os apenados não são
tratados como iguais, fato que se reforça as pesquisas do ISER, as
quais apontam que 40% dos prisioneiros no país estão em regime
provisório, muitos destes são na realidade inocentes, mas dentro do
cárcere não há distinção alguma e, sendo assim, estes são tratados
como os demais detentos.
No Brasil, a lei n° 12403/11 trouxe algumas mudanças a
respeito da prisão provisória, como a aceitação de fianças em alguns
casos e a adoção de medidas cautelares em detrimento de prisões.
Isso muito contribui em favor à redução da superlotação das celas e
da diminuição das condições degradantes as quais são impostas aos
467
réus. Sendo assim, contribui para tornar o Direito Penal mais humano
e solidário, tendo em vista que este é a última ratio no país.
470
indivíduo ou impor as medidas alternativas dispostas no artigo 319
do CPP85.
85
CPP – Código de Processo Penal
471
comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do
seu andamento ou em caso de resistência injustificada a
ordem judicial;
IX - monitoração eletrônica.
86
O princípio de presunção da inocência considera a garantia constitucional
do art 5º, inciso LVII, da Cf/88 em que “ninguém será considerado culpado
até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
87
CNJ – Conselho Nacional de Justiça
473
permite que fatores externos influenciem suas decisões. Beccaria
(1999) apontou que ao magistrado cabe apenas aplicar a pena
prevista em lei (nulla poena sine praevia lege), não excedendo seus
limites.
Os juízes de outrora decidiam suas causas como inquisidores.
No entanto, ao longo dos anos a justiça se desenvolveu e a criação
do Ministério Público foi de suma importância para exercer, além de
suas devidas atribuições, o exercício de defesa do Estado. Sendo
assim, ao juíz tange agora somente exercer a ação penal, realizando
posteriomente a audiência de instrução e julgamento a fim de colher
oralmente as provas que confirmem sua concepção. Nesse aspecto é
importante observar que o acúmulo de funções do juíz mediante
tantas causas acarreta uma sobrecarga do mesmo. A leitura prévia
dos autos do inquérito auxilia o magistrado a conhecer os autos antes
do julgamento, além de evitar erros causados por omissão de
informação e de elaborar mais questões para os sujeitos de prova
(SCHÜNEMANN, 2012).
CONCLUSÃO
Cabe ao Estado manter as garantias constitucionais para os
indivíduos apenados, levando em consideração todos os princípios
penais, sendo o principal deles a dignidade da pessoa humana. Não é
possível adotar um sistema de punição exacerbado, como meramente
vingativo aos delitos. O Direito Penal simbólico não é eficiente, uma
vez que não se relaciona com o direito de fato. E o Direito Penal do
inimigo é um absurdo porque fere a dignidade, este tem uma função
apenas de mostrar eficácia, mas na realidade é inconstitucional, é
extremo e não pode ocorrer porque o Direito Penal perderia o caráter
de ultima ratio apontado no princípio da legalidade.
A lei 12403/11 muito contribuiu para o fim dos excessos
474
penais que tangem à prisão provisória, uma vez que impôs como
obrigatoriedade a justificativa e a comprovação de que de fato a
prisão provisória é um meio eficaz aos casos aos quais se aplica. O
apenado, apesar de ser considerado um inimigo da justiça, não deixa
de ser um ser humano dotado de seus direitos fundamentais e
provido de dignidade.
Portanto, reitera-se quão necessária é a observância
constitucional do processo penal, do direito penal e dos
procedimentos correlatos. Isso significa que, a partir da noção de
processo como garantia (BARROS, 2009), torna-se possível humanizar
as penas e os julgamentos, evitando um retrocesso que aplicava a
pena enquanto vingança privada.
Por isso, diante da proposição de que sejam devidamente aplicadas
as medidas cautelares, sejam seguidas as bases principiológicas, tal
como haja efetiva preocupação com as audiências de custódias,
entende-se ser um caminho a sanar parte de negligência atual do
sistema carcerário brasileiro. Para tanto, todos estes procedimentos
devem observar a base principiológica uníssona consolidada pelo
contraditório, ampla argumentação, fundamentação da decisão e o
terceiro imparcial, e precisa ser interpretada sem desconsiderar o
princípio constitucional da presunção de inocência e a garantia das
liberdades individuais dos sujeitos, para que não se defenda um
direito, em supressão a outros tantos, como as vidas das pessoas
presas provisoriamente.
475
REFERÊNCIAS
BARROS, Flaviane de Magalhães. [Re]forma do processo penal:
comentários críticos dos artigos modificados pelas Leis n. 11.690/08,
n. 11.719/08 e n. 11.900/09. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.
477
ineficiência do sistema penal contemporâneo. Revista Jures. v.8. n.17.
ISSN 2179-0167.
478
O DIREITO AO ACOMPANHANTE DA GESTANTE COMO
FORMA DE EFETIVAÇÃO DO DIREITO DE SAÚDE BASEADA
NA DIGNIDADE HUMANA E SUAS LIMITAÇÕES FRENTE À
PANDEMIA OCASIONADA PELO SARS-COV-2
Kelly Christine Oliveira Mota de Andrade88
Raphael Furtado Carminate89
RESUMO
88
Mestranda em Direito Privado pela PUC Minas. Especialista em Direito
Previdenciário e do Trabalho pela PUC Minas. Bacharel em Direito pela
UFOP. Advogada.
89
Doutor e Mestre em Direito Privado pela PUC Minas. Bacharel em Direito
pela UFOP. Professor de Direito Civil na UNIPAC. Advogado.
479
Palavras-chave: saúde, direito ao acompanhante, restrição, SARS-
COV-2, dignidade humana
INTRODUÇÃO
480
puerperal ao longo dos anos, sendo a mais paradigmática delas a
edição da Lei Federal n° 11.108/2005, mais conhecida como Lei do
Acompanhante, que alterou a Lei 8.080/90 para garantir à parturiente
o direito à presença de um acompanhante de sua escolha durante o
trabalho de parto, parto e pós-parto imediato.
Mesmo diante do instrumento normativo editado, e de sua
regulamentação infralegal, sua aplicação ainda sofre muita resistência
por parte dos ambientes hospitalares, que impõem várias restrições
ao exercício do direito ao acompanhante, chegando-se inclusive a
negar o exercício do direito, sob fundamentos diversos. Atualmente,
tem-se usado a pandemia ocasionada pelo vírus SARS-COV-2 como
motivo idôneo para tal impedimento.
Este trabalho tem por objetivo trazer a situação ao debate, a
fim de discutir o exercício do direito ao acompanhante durante o
trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, seu conceito e
implicações. Pretende-se confrontar esse direito com os motivos de
restrição trazidos pelas instituições de saúde como forma de
relativizar e até mesmo impedir a presença do acompanhante
escolhido pela mulher e sua legitimidade frente ao conceito amplo de
saúde, como forma de tutela da dignidade humana. Em especial,
pretende-se discutir se a pandemia ocasionada pelo SARS-COV-2 é
motivo idôneo para o impedimento ou restrição do exercício ao
direito ao acompanhante.
481
qualquer organização acerca de um sistema de saúde pública,
atuando apenas no controle de doenças epidêmicas. Em 1930, com a
criação do Ministério da Educação e Saúde Pública, é que houve uma
relativa democratização dos serviços de saúde, uma vez que o sistema
havia sido concebido apenas para beneficiar os trabalhadores formais,
que contribuíam para a então Previdência Social. (TEIXEIRA, 2010,
p.12 e 13).
A Constituição Federal de 1988 trouxe a saúde, pela primeira
vez, como um direito social, espécie de direito fundamental do
cidadão, ao dispor, no art. 6º, que:
483
§ 2º O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família,
das empresas e da sociedade.
Art. 3o Os níveis de saúde expressam a organização social e
econômica do País, tendo a saúde como determinantes e
condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o
saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a
educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso
aos bens e serviços essenciais. (Redação dada pela Lei nº
12.864, de 2013)
Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações
que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a
garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar
físico, mental e social. (BRASIL, 1990)
484
respeite, mas que promova a sua dignidade.
No contexto específico da atenção obstétrica brasileira, a
dignidade da mulher em seu ciclo gravídico puerperal também deve
ser promovida. Com vistas a essa efetivação, a Lei 8.080/90 foi
alterada pela Lei 11.108/05, trazendo o direito de a gestante ter um
acompanhante, de sua escolha, durante todo o atendimento
obstétrico relativo ao nascimento, isto é, durante todo o pré-parto,
parto e pós-parto.
Entende-se que o direito ao acompanhante é uma forma de
promover a dignidade da gestante no contexto do atendimento
obstétrico brasileiro, dentro do conceito amplo de saúde. Ao exercer
esse direito, conforme demonstram as evidências científicas, a mulher
se sentirá mais amparada no momento do nascimento, mais segura,
conseguirá lidar com a dor de uma forma mais positiva, e poderá
viver o momento de maneira mais satisfatória (SENADO FEDERAL,
2012). Trata-se, assim, da concretização do conceito de saúde em sua
forma ampla, de modo a tutelar a dignidade da mulher no contexto
do atendimento obstétrico.
485
GM/MS nº. 569 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2000). Em seu Anexo II, nos
Princípios Gerais e Condições para a Adequada Assistência ao Parto, a
Portaria n. 569/2000 do Ministério da Saúde assim dispõe:
CAPÍTULO VII
DO SUBSISTEMA DE ACOMPANHAMENTO DURANTE O
TRABALHO DE PARTO, PARTO E PÓS-PARTO IMEDIATO
Art. 19-J. Os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde -
SUS, da rede própria ou conveniada, ficam obrigados a
permitir a presença, junto à parturiente, de 1 (um)
acompanhante durante todo o período de trabalho de parto,
parto e pós-parto imediato.
§ 1º O acompanhante de que trata o caput deste artigo será
indicado pela parturiente.
§ 2º As ações destinadas a viabilizar o pleno exercício dos
direitos de que trata este artigo constarão do regulamento da
lei, a ser elaborado pelo órgão competente do Poder
Executivo.
Art. 19-L. (VETADO)
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
(BRASIL, 2005)
489
A importância da participação do acompanhante no parto e
nascimento está relacionada à minimização do sentimento de
solidão e da dor nestes momentos. A presença de alguém
conhecido e as atitudes adotadas por essas pessoas
proporcionaram às mulheres o conforto e a calma que
precisavam, sentindo-se mais confiantes e seguras. (DODOU
et al., 2013, p. 268)
490
primeira iniciativa de lei formal que privilegia o bem estar da
parturiente, com base em estudos científicos. Pode-se dizer, inclusive,
que este é o único instrumento legal humanizador do parto no Brasil,
visto que ainda não temos uma lei que tipifique e puna os atos de
violência contra a mulher no atendimento obstétrico brasileiro.
No entanto, mesmo com a edição da lei, ainda nos dias de
hoje a mulher acaba passando por várias modalidades de
desrespeitos no momento da gestação e especialmente no momento
do nascimento, ocasião em que lhes são perpetradas as mais variadas
violências, incluindo-se o cerceamento ao exercício do direito ao
acompanhante.
Diante desse cenário desumano, bem como de inúmeras
denúncias nos órgãos fiscalizadores de saúde, foi cunhada a
expressão “violência obstétrica” que, segundo a Defensoria Pública do
Estado de São Paulo, conceitua-se como:
492
Ocorre que este artigo foi vetado pelo Presidente da
República, ao argumento de que os atos ali descritos não poderiam
ser tipificados como crime de responsabilidade, conforme prevê o art.
85 da Constituição; e também porque tal previsão feriria o princípio
da reserva legal. (SENADO FEDERAL, 2012). Disso decorre que o Brasil
se encontra com uma lacuna legal a respeito da violência obstétrica,
uma vez que não há lei federal tipificando o ato e prevendo sanções
para quem o comete, o que leva as instituições hospitalares a
continuar desrespeitando a Lei do Acompanhante.
Sobre o assunto da tipificação da violência obstétrica, existe
um Projeto de Lei tramitando atualmente na Câmara dos Deputados,
de iniciativa do Deputado Federal Jean Wyllys, que trata da
assistência à mulher durante o ciclo gravídico-puerperal. Trata-se do
PL 7.633/2014, que se encontra apensado a vários outros projetos de
lei e até hoje não foi devidamente colocado em plenário para
votação.
496
que a Lei 11.108/05 não cita as expressões “bloco cirúrgico” ou
“cesariana”, argumentando que esta última não é modalidade de
parto, e sim, cirurgia, apesar de a classificação oficial da cesariana
(CID-10), adotada pelo Brasil, ser um subtipo de parto. (SENADO
FEDERAL, 2012, p. 67).
Mais uma vez, o argumento cai por terra, já que
90
Matéria publicada em 14 de maio de 2020, pela Revista Badaró. Disponível
para consulta em: https://revistabadaro.com.br/2020/05/14/perigos-da-
violencia-obstetrica-aumentam-na-pandemia/. O fato também foi noticiado
pelo site “Consultor Jurídico”, ao noticiar o ajuizamento de ação civil coletiva,
pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, para garantir o exercício do
direito ao acompanhante. A notícia está disponível em:
https://www.conjur.com.br/2020-jun-04/hospital-permitir-acompanhante-
partos-durante-epidemia.
497
O direito ao acompanhante e sua limitação pela pandemia
ocasionada pelo SARS-COV-2
91
De acordo com matéria publicada no site g1.globo.com em 03/04/2020,
disponível para consulta em
https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/04/03/da-
descoberta-de-uma-nova-doenca-ate-a-pandemia-a-evolucao-da-covid-19-
registrada-nos-tuites-da-oms.ghtml.
92
Certamente, no momento da publicação deste artigo, os números já terão
se alterado devido ao rápido avanço da doença. Para maiores
esclarecimentos sobre os números, consulte: https://covid.saude.gov.br/.
498
parto, mesmo aquelas que estejam comprovadamente infectadas,
cabendo aos profissionais de saúde a devida prevenção a fim de
reduzir os riscos de infecção (OMS, 2020).
Não há dúvidas de que os números são alarmantes. Diante
dessas informações, as maternidades, no intuito de tentar conter a
disseminação do vírus, têm restringido ou até impedido as gestantes
de exercerem o seu direito ao acompanhante no momento do pré-
parto, parto e pós-parto. O que se questiona é se esta limitação é
legítima, ou padece de justificativa plausível, como as limitações
trazidas no capítulo anterior.
Conforme já mencionado, o direito ao acompanhante está
intimamente ligado à dignidade da pessoa humana, neste caso, da
mulher gestante, que, conforme mostram as evidências científicas,
gozam de inúmeros benefícios pelo exercício do direito ao
acompanhante. Trata-se da concretização do conceito de saúde
hodiernamente preconizado pela OMS e pela Lei 8.080/90, vez que
um atendimento humanizado, que garanta bem-estar físico,
psicológico e social é preconizado pelas diretrizes previstas pelo
Ministério da Saúde, e também pela própria Constituição.
Com isso, entende-se que o cerceamento a esse direito, ainda
que em tempos de pandemia, não se mostra razoável, sendo até
contraditório ao que preconiza a própria OMS e o Ministério da
Saúde, que já se manifestaram sobre o assunto, deixando claro que o
direito não deverá sofrer restrições, desde que atendidos os requisitos
ali previstos.
Com vistas a resguardar o direito internacionalmente
reconhecido, mesmo em tempos de pandemia por um vírus com alta
carga de transmissibilidade, o Ministério da Saúde, por meio da
Coordenação de Saúde das Mulheres, editou a da Nota Técnica Nº
9/2020-COSMU/CGCIVI/DAPES/SAPS/MS, trazendo recomendações
para trabalho de parto, parto e puerpério durante a pandemia Covid-
499
19, contendo informações para os profissionais da saúde no cuidado
de gestantes e recém-nascidos.
Na Nota, o Ministério da Saúde prevê que mulheres
assintomáticas não suspeitas ou que tenham testado negativo para o
vírus SARS-COV-2, deverão ter seus acompanhantes testados, a fim
de se excluir a possibilidade de infecção. Caso a gestante esteja
infectada ou tenha suspeita de infecção, o seu acompanhante deverá
ser admitido, desde que seja uma pessoa de seu convívio diário, uma
vez que o convívio diário com ela “não aumentará suas chances de
contaminação” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020, p. 1-2). Em ambos os
casos, deverá a equipe hospitalar tomar todas as precauções
necessárias para que não ocorra a infecção da gestante e do
acompanhante no primeiro caso; e para que não ocorra a infecção da
própria equipe no segundo caso.
Interpretando-se a Nota Técnica, pode-se pensar em duas
restrições legítimas ao exercício do direito ao acompanhante. A
primeira delas seria no caso de gestante assintomática ou não
suspeita, ou que tenha testado negativo para o vírus, mas que seu
acompanhante, que não seja de seu convívio diário, teste positivo.
Neste caso, a fim de proteger a gestante e o recém-nascido, deverá
ser assegurado à mulher que escolha outra pessoa para lhe
acompanhar, desde que este novo acompanhante teste negativo para
o vírus.
De outra monta, caso a mulher seja suspeita de ter o vírus, ou
teste positivo, o acompanhante por ela escolhido deverá ser de seu
convívio diário. Caso não seja, ela deverá escolher alguém de seu
convívio diário, levando em consideração que muito provavelmente
essa pessoa também será portadora do vírus, já que convive com a
gestante.
Importante mencionar que, em todos os casos, “O surgimento
de sintomas pelo acompanhante em qualquer momento do trabalho
500
de parto e parto implicará no seu afastamento com orientação a
buscar atendimento em local adequado”, conforme previsto no item
2.3.4 da Nota Técnica.
Verifica-se haver apenas uma restrição não legítima ao
exercício do direito ao acompanhante no documento: no item
2.16.1.1 há a previsão de haver acompanhante durante o pós-parto
apenas quando houver “instabilidade clínica da mulher ou condições
específicas do RN, ou ainda menores de idade”. (MINISTÉRIO DA
SAUDE, 2020, p. 3). Inicialmente, é importante mencionar que esta
última limitação fere a literalidade da Lei 11.108/05, que garante o
exercício do direito ao acompanhante durante o pós-parto,
compreendido como os dez dias que sucedem o nascimento.
Por outro lado, é importante pensar que se o acompanhante
permaneceu junto da parturiente durante todo o pré-parto e parto,
não seria razoável deixá-la sozinha durante o período do pós-parto,
vez que o fluxo da chegada do acompanhante ao ambiente hospitalar
já aconteceu, e que muitas vezes, este é um momento muito sensível
para a puérpera. O que se mostraria razoável seria, no máximo,
impedir a troca do acompanhante, como forma de controle de fluxo
de pessoas que tenham acesso ao ambiente hospitalar. Desse modo,
mostra-se ilegal e ilegítima esta restrição, devendo o acompanhante
permanecer junto à mulher até o dia da alta, sendo todos “orientados
sobre as medidas para redução da propagação do vírus”.
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020, p. 3).
Levando em consideração a dignidade da gestante em seu
atendimento obstétrico, dentro do conceito amplo de saúde, bem
como as recomendações trazidas pela Nota Técnica 09/2020, foi
proferida decisão liminar favorável a uma gestante, em mandado de
segurança93 ajuizado no Estado do Paraná, contra ato assinado pelo
93
Processo nº 0011367-06.2020.8.16.0129
501
Diretor Geral do hospital onde pretendia ter seu filho, que previu que:
Também está vetada a permanência de acompanhantes para
gestantes e puérperas. A permanência de acompanhante ocorrerá
somente em casos extremamente necessários, sob recomendação da
equipe de saúde” (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ,
2020, p. 1-2).
Em caso análogo94, outra gestante, já em trabalho de parto,
também no Estado do Paraná, teve seu direito ao acompanhante
negado pelo Diretor Geral do Hospital Universitário do Oeste do
Paraná, também sob o fundamento de enfrentamento à pandemia
ocasionada pelo Covid-19. A mesma impetrou mandado de
segurança contra o ato, onde foi obtida a liminar favorável, sob o
fundamento de que a Lei do 11.10805 deve ser cumprida mesmo com
a pandemia, diante de todos os benefícios trazidos à mulher pela
presença do acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-
parto. A decisão também levou em conta as manifestações já
referidas da OMS e do Ministério da Saúde.
De outra monta, várias instituições já se mobilizam para
garantir o direito das gestantes ao acompanhante durante o
nascimento de seus filhos, como a Defensoria Pública do Estado do
Rio de Janeiro, que expediu recomendações neste sentido aos 92
Municípios do Estado, conforme noticiado em seu sítio eletrônico.
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, por sua vez,
ajuizou ação civil pública diante das várias denúncias de mulheres que
estavam sendo impedidas de exercerem seu direito ao acompanhante
no momento do nascimento de seus filhos. Em consulta ao sítio
eletrônico da instituição, verificou-se que foi concedida decisão
liminar no processo, ocasião em que o magistrado sustentou que: “os
cuidados com a Covid-19 não devem afastar os postulados da
94
Processo nº 0014883-67.2020.8.16.0021
502
dignidade da pessoa humana”. (DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO
DE SÃO PAULO, 2020).
A Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais também já
expediu recomendação conjunta, orientando o Município de Belo
Horizonte a respeitar o exercício do direito ao acompanhante pelas
gestantes, recomendando também que fossem suspensas as
internações para cesarianas eletivas na rede privada, já que tais
cirurgias trazem sobrecarga aos serviços de saúde no município.
Diante de todo o estudo ora explanado, pode-se concluir que
não há qualquer argumento legítimo a respaldar o total impedimento
do exercício do direito ao acompanhante pela mulher durante o
período de pré-parto, parto e pós-parto, ainda que seja em função da
pandemia ocasionada pelo SARS-COV-2. Trata-se de direito que
garante dignidade à mulher, como forma de vivenciar seu direito à
saúde dentro de seu conceito amplo, ou seja, nos aspectos físico,
psíquico e social, como determinam a OMS, a Constituição Federal e a
Lei 8.080/1990.
Legítimas serão algumas restrições, conforme a gestante e seu
acompanhante testem positivo ou negativo para o vírus SARS-COV-2;
ou conforme o acompanhante seja ou não do convívio diário da
parturiente. Em ambos os casos, o exercício do direito não deverá ser
impedido, e sim restringido, garantindo-se à mulher o direito de
escolher outra pessoa para lhe acompanhar, inclusive durante o pós-
parto, desde que cumpridos os requisitos previstos na Nota Técnica
09/2020.
CONCLUSÕES
503
garantindo-lhe sua total dignidade. Uma vez que a saúde passou a
ser vista como uma tutela inerente à dignidade da pessoa humana
pela Constituição de 1988, passou a ser necessário garantir um
sistema democrático e de acesso universal a todos, o que foi feito
pela introdução do art. 196 à Carta Magna, bem como pela edição da
Lei 8.080/90, que introduziram e sistematizaram o SUS em todo o
território nacional.
O conceito de saúde, de acordo com a Lei 8.080/90, veio em
consonância com as recomendações trazidas pela a OMS, segundo a
qual ter saúde é, além de gozar de um estado de ausência de
doenças, também usufruir de bem-estar físico, psicológico e social.
O direito ao acompanhante é uma forma de concretização da
dignidade da mulher no atendimento obstétrico brasileiro. Conforme
demonstram as evidências científicas, estar acompanhada por alguém
de sua confiança no momento do nascimento, proporciona à mulher
amparo e segurança no momento do nascimento, diminuição da dor,
além da vivência do momento de forma mais positiva e satisfatória.
Tudo isso em atendimento ao conceito amplo de saúde previsto pela
Lei 8.080/90.
O direito ao acompanhante está previsto na Lei 11.108/05, que
alterou a Lei 8.080/90 e lhe acrescentou o art. 19-J, prevendo a
obrigatoriedade das instituições prestadoras de serviço de saúde, em
todo o território nacional, públicas ou privadas, por rede própria ou
conveniada, de respeitarem o direito da mulher de escolher o seu
acompanhante no momento do pré-parto, parto e pós-parto.
O art. 19-J da Lei 8.080/90 foi regulamentado pela Portaria
2.418 do Ministério da Saúde, que trouxe o prazo para que as
instituições hospitalares se adequassem à referida lei, definiu que o
período correspondente ao pós-parto imediato é aquele
compreendido em até dez dias após o parto (exceto em caso de
alguma intercorrência médica) e ainda autorizou o gestor a cobrar as
504
despesas do acompanhante conforme tabela do SUS. Isso foi
completado pela Resolução nº 428/2017 da ANS, que previu que as
despesas do acompanhante da parturiente atendida por planos de
saúde deverão ser cobertas por este último.
Apesar de toda a normativa, e dos benefícios que os estudos
comprovam que os acompanhantes trazem à mulher no momento do
nascimento, várias são as ocasiões em que esse direito é
desrespeitado. Verificou-se que várias são as ocasiões e as
modalidades de desrespeito ao exercício do direito ao acompanhante
e que nenhuma dessas limitações é legítima, uma vez que para todos
estes “empecilhos”, já há respostas, seja na própria Lei 11.108/05, seja
na normativa infralegal.
Em 2020, diante da pandemia ocasionada pelo vírus SARS-
COV-2, as instituições hospitalares têm impedido totalmente o acesso
da parturiente ao exercício do direito ao acompanhante, sob o
argumento de tentar minimizar a expansão da pandemia.
Ocorre que o direito ao acompanhante é consectário do
princípio da dignidade humana, e só deve sofrer restrições que sejam
legítimas. Com isso, deve-se seguir as recomendações da OMS, que já
se manifestou publicamente pela permanência do exercício do direito
ao acompanhante; e do próprio Ministério da Saúde que, por meio da
edição da Nota Técnica 7/2020, previu que o direito ao
acompanhante não poderá ser impedido, devendo sofrer limitações
apenas na pessoa escolhida pela gestante, caso aquela esteja ou não
infectada pelo vírus causador da Covid-19; ou caso a pessoa seja ou
não de convívio diário da parturiente. Em todos os casos, deverá a
equipe hospitalar tomar todas as precauções necessárias para
diminuir os riscos de infecção. A restrição trazida para o momento do
pós-parto, no entanto, mostra-se ilegal e ilegítima e não deve ser
implementada.
Conclui-se, portanto, que não há qualquer argumento legítimo
505
a respaldar o total impedimento do exercício do direito ao
acompanhante pela mulher durante o período de pré-parto, parto e
pós-parto, ainda que seja em função da pandemia ocasionada pelo
SARS-COV-2. Trata-se de direito que garante dignidade à mulher,
como forma de vivenciar seu direito à saúde dentro de seu conceito
amplo, conforme preconizado pela OMS, a Constituição Federal e a
Lei 8.080/1990.
506
REFERÊNCIAS
508
Obstétrica, você sabe o que é? Núcleo Especializado de Promoção e
Defesa dos Direitos da Mulher e Associação Artemis, São Paulo, 2013.
Disponível em:
https://www.defensoria.sp.def.br/dpesp/repositorio/41/Violencia%20
Obstetrica.pdf. Acesso em: 21 de fev. 2020.
509
https://www.who.int/governance/eb/who_constitution_sp.pdf. Acesso
em 17 de julho de 2020.
510
2020. Disponível em:
https://www.tjpr.jus.br/documents/18319/33666028/Decis%C3%A3o+
parto +acompanhante/b96af3d7-6809-2be7-8443-72c395e521fb.
Acesso em 18 jul. 2020.
511
O DEVER DE MITIGAR O SOFRIMENTO CAUSADO AOS
ANIMAIS EM EXPERIMENTOS CIENTÍFICOS
Antônio César Pereira Bento95
René Dentz96
RESUMO
O presente estudo tem por eixo central a utilização de animais para
pesquisas científicas. A utilização de animais para fins acadêmicos seja
pela dissecação ou vivissecção em universidades, bem como seu
sacrifício em prol das indústrias farmacêutica e cosmética ganhou, ao
longo dos anos contornos de repúdio em uma sociedade que cada
vez mais se identifica com os animais. A legislação vigente prevê a
proteção como regra geral, incluindo-se aí as cobaias, entretanto,
ainda não é adotado no Brasil soluções alternativas que mitiguem
esse impacto social causado pelos experimentos. Dessa forma, através
de pesquisa bibliográfica realizada em sítios acadêmicos na internet,
esse trabalho se propõe a analisar as implicações sociais e jurídicas
contidas nessa realidade, bem como investigar e avaliar as possíveis
alternativas, com vistas a extinguir o uso de cobaias em experimentos.
O que se depreende ao final do estudo é que, com muito esforço da
sociedade, a tratativa dada aos animais insurge com maior respeito e
dignidade. Entretanto, o próprio ser humano ainda tem muito que
compreender e avaliar quando se trata de seus próprios limites, tendo
em vista que grande parte da comunidade cientifica ainda se
posiciona contrariamente à substituição dos animais por técnicas
alternativas, somente por não ser o método mais convencional,
95
Bacharel em Direito pela Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana,
ourives e técnico em eletrotécnica.
96
Professor Universitário, Filósofo, Psicanalista, escritor e membro do
International Institute for Hermeneutics/Alemanha. Ph.D. pela Université de
Fribourg-Suíça.
512
comprometendo a credibilidade de suas pesquisas.
INTRODUÇÃO
97
A Talidomida é um sedativo e hipnótico que, ao ser transportado para a
espécie humana acarretou vários casos de má formação congênita de fetos,
graças à interpretação errônea dos reais efeitos da droga.
513
primeira vez em Londres, em 1876, através de um documento
intitulado Cruelty to Animals Act, e cujo objetivo era disciplinar e
regularizar os experimentos e inspecionar as instituições de pesquisa
(PETROYANU: 1996).
Já em 1959, Russell e Burch publicaram o livro The Principles
of Humane Experimental Technique que determinava que os
experimentos com animais deveriam observar os 3 R’s: replacement
(substituição dos espécimes por estudos simulados ou amostras mais
primitivas), reduction (uso do menor número de animais e
procedimentos) e refinement (redução do sofrimento dos animais e
oferta do maior conforto possível) - (PETROYANU: 1996).
Atualmente no Brasil, a legislação mais importante nessa seara
é a Lei Arouca, sancionada em 08 de outubro de 2008, após vários
anos tramitando nas casas legislativas. Ela introduz importantes
instrumentos de controle e fiscalização, impedindo que os animais
destinados a estudos sejam tratados à revelia de um mínimo de
equilíbrio.
A discussão atual é, precipuamente, moral, mas, contudo,
jurídica em seu cerne. As mudanças ocorridas na forma como o ser
humano se relaciona com os animais é uma determinante para que
sejam revistos os procedimentos de experimentação, mas garantias
jurídicas são inseridas nesse contexto, haja vista a previsão
constitucional de proteção aos animais.
A Carta de 1988, no caput de seu artigo 225 prevê como
direito um meio ambiente devidamente equilibrado e, consoante a
esta garantia, seu parágrafo primeiro proíbe a exposição de animais à
crueldade. Ainda neste aspecto, o texto constitucional coloca como
obrigação da coletividade a proteção da fauna e da flora, a fim de
atingir os objetivos do referido artigo.
É crescente a preocupação em se adotar métodos que livrem
as cobaias do sofrimento a elas imposto. Não obstante, diversos
514
autores trazem à baila procedimentos cruéis aos quais são expostos
os animais, muitas vezes sem um benefício cientifico concreto.
Procedimentos dolorosos e cruéis são facilmente coletados na
literatura disponível, o que denota a necessidade de revisão dos
métodos utilizados, avaliados sob o prisma da ética e do atendimento
à legislação, a fim de garantir a abolição da crueldade infligida nos
laboratórios e cursos de medicina e biologia.
Esse estudo tem como foco justamente a avaliação dos
métodos substitutivos, bem como o resultado social que se busca ao
adotar essa importante modificação.
O que se percebe é que no mercado consumidor, cada vez
mais pessoas deixam de consumir marcas que testam seus produtos
em animais, havendo inclusive sites especializados que buscam
manter esse tipo de informação disponível ao cidadão.
Abandonar um modelo já utilizado em larga escala,
principalmente em tempos de capitalismo exacerbado como neste
século é, indubitavelmente, um processo longo e árduo, que sofrerá
inúmeras interferências por parte das indústrias cosmética e
farmacêutica, mas que urge e não pode mais ser protelado.
O presente estudo foi desenvolvido com vistas a conhecer a
respeito da utilização de animais como cobaias em experimentos
científicos das mais variadas naturezas, bem como analisar, sob a
ótica da ciência e da proteção animal, de maneira holística, qual o
cenário vislumbrado no século XXI.
A temática insere o debate sobre a profunda dicotomia entre
a proteção animal tal qual se verifica atualmente, com a evolução de
legislações e costumes, e, em contraposição, a defesa do uso desses
animais devido à tradição científica.
Como ciência social, o Direito não pode escusar-se de agir
prontamente. No caso em tela, de maneira consoante à bioética,
principalmente, por considerar o tratamento degradante dado às
515
espécies em laboratórios.
A pesquisa realizada encaixa-se na categoria geral da pesquisa
básica qualitativa, uma vez que os dados serão levantados com base
em estudos anteriores de autores.
E na categoria específica, classifica-se como pesquisa
bibliográfica, tendo em vista que se valerá da literatura disponível.
Não haverá pesquisa quantitativa neste trabalho. O objetivo precípuo
é levantar os dados históricos e recentes que culminaram na
ampliação dessa discussão pelo mundo afora e estabelecer uma
contraposição entre a situação atual e o que se pretende com a
adoção de métodos substitutivos.
O texto foi desenvolvido de maneira estruturada em tópicos
organizados sequencialmente, com vistas a contextualizar os
diferentes momentos de sua construção. Os passos seguidos foram o
levantamento de implicações históricas e sociais, o estudo dos
direitos dos animais – que se trata de matéria inovadora no campo do
Direito -, a discussão sobre a bioética, que não pode ser olvidada
dentro de uma temática que envolva experimentos com amostras
vivas, e finalmente, os avanços no campo da substituição animal.
516
desenvolvimento humano, também configura tal dominação, dada
pelo alto poder destrutivo do progresso.
A dissecação de animais para fins de estudos remonta da
antiguidade, quando grandes estudiosos se dedicaram a entender e
diferenciar o funcionamento do organismo animal e humano.
Aristóteles concebeu a ideia de uma hierarquia de força, na qual
animais menores deveriam servir aos maiores e, consequentemente,
aos mais racionais (GUIMARÃES et al: 2016, p.2019)
Ainda da obra das autoras, percebe-se que as práticas de
vivissecção, que pode ser entendido como a experimentação em
organismos vivos, data de 200 a.C, em que Galeno através de suas
observações descobriu que as artérias transportam sangue ao invés
de ar, conforme acreditou-se durante muito tempo.
A ausente dicotomia entre ciência e religião impulsionou
durante muito tempo a vivissecção, tendo em vista que a Igreja não
via com bons olhos o estudo em cadáveres humanos, tampouco a
experimentação em organismos vivos. Mais tarde, já na segunda
metade do século XIX, o estudo de Charles Darwin a respeito do
processo evolutivo fomentou a identidade de características entre
animais e humanos e fez com que a vivissecção ganhasse traços cada
vez mais sólidos.
Nesse bojo, Tinoco e Correia (2011) contribuem:
517
É importante fazer a diferenciação entre vivissecção e
dissecação. Da obra de Santos (2011): “Dentro da experimentação
animal, existem duas práticas que ocorrem, a dissecação (ação de
seccionar partes do corpo ou órgãos de animais mortos para estudar
sua anatomia) e a vivissecção (a realização de intervenções em
animais vivos, anestesiados ou não)”.
É justamente nesse ponto que reside a problemática em torno
do tema. Há relatos de estudos que infligiram grande sofrimento às
cobaias.
Ainda da obra de Tinoco e Correia (2011) é no século XVII que
o estudo com animais alcança seu apogeu, graças às experiências de
vivissecção de René Descartes. Foi ele quem introduziu a teoria do
animal-máquina, através da qual, o ser não humano era considerado
um ser autômato e sem capacidade de sentimentos e sensações,
como dor, medo, prazer. O filósofo tornou o uso de animais como a
regra na medicina, justificando-a pela supremacia do homem ao
animal.
Nesse período, estendendo-se ao longo do século XIX, a
preocupação com o não humano tornou-se realmente inexistente,
posto que estudiosos como Galien e Bernard defendiam a
indiferença, por parte do pesquisador, ao sofrimento imposto às
cobaias, além de estudos demasiadamente invasivos, como a
destruição da medula espinhal e a secção de nervos e artérias dos
animais (Santos, 2011).
Nessa seara, Molento (2007) leciona sobre a mudança de
perspectiva na relação homem-ambiente:
519
O desenvolvimento de substâncias químicas e drogas
terapêuticas. A diferença entre essa categoria e as anteriores
é que aqui se refere ao objetivo de encontrar uma substância
específica para um determinado propósito, mais do que o
conhecimento por si próprio;
Pesquisas voltadas para um aumento da produtividade e
eficiência dos animais na prática agropecuária;
Testes de várias substâncias quanto à sua segurança,
potencial de irritação e grau de toxicidade, tais como
cosméticos, aditivos alimentares, herbicidas, pesticidas,
químicos, industriais e drogas;
Uso em instituições educacionais para demonstrações,
vivisseções, treinamento cirúrgico, indução de distúrbios com
finalidades demonstrativas e projetos científicos.
Uso para extração de drogas e produtos biológicos, tais como
vacinas, sangue, soro, anticorpos monoclonais, proteínas de
animais geneticamente modificados para produzi-las, dentre
outros.
98
Vargas e Cervi (2016)
522
Talidomida.
Trata-se de um remédio para enjoos matinais prescritas para
grávidas, introduzido no mercado na segunda metade da década de
1950. Testado profundamente em cobaias teve sua liberação, graças à
inexistência de efeitos colaterais. Entretanto, nessas a metabolização
da droga foi muito diferente do que o observado em humanas, que
tiveram filhos malformados portadores de uma condição chamada
focomelia, que impede o feto de formar braços e pernas
(SANTOS:2011).
O autor detalha ainda sobre a mudança de perspectiva de
laboratórios após esse trágico ocorrido com a Talidomida. Já na
década de 1980, empresa como a Avon, a Procter e Gamble e a
Bristol-Myers reduziram significativamente seus estudos com cobaias.
No final dessa década, empresas como a Benetton, a Noxell
Corporation e a Cover Girl anunciaram, por motivos diversos, a
redução do uso de animais em seus laboratórios de cosméticos.
O final da década de 1980 e início dos anos 1990 foram
bastante voltados a mudança de paradigmas no cenário da
experimentação animal. Entretanto, em contraposição, ainda
persistem as mutilações, crueldades e criação de animais somente
com essa finalidade.
É um mercado amplo, fomentado pelas indústrias
farmacêutica e cosmética e que movimenta vultuosos valores
financeiros, o que impede da cessação total de sua prática.
523
motivo é que a força e o prestígio do estabelecimento
científico, apoiados pelos vários grupos de interesses,
incluindo os que criam animais para vender os laboratórios,
tem sido suficientes para impedir as tentativas no sentido de
se realizar um controle legal efetivo (SINGER, 2009).
524
outros seres viventes, explorá-los como queiram sem nunca pagar as
consequências”.
Durante a entrevista, a filósofa reconhece que a forçosa
interação entre humanos e animais, seja pela destruição de seu
habitat, ou mesmo pela realização de experimentos ou criação
massiva, é a responsável por esse tipo de crise sanitária. Por terem
organismos diferentes, os animais são capazes de transmitir vírus
inofensivos a eles e letais aos humanos.
Interessante contribuição a esse estudo, Corine faz ao final de
sua entrevista, ao defender um novo modelo de desenvolvimento que
articule a proteção ambiental, a saúde, a justiça social e a relação com
os animais. Para ela, transformando as relações de consumo, levando-
se em conta esses pilares, o mundo como um todo evoluirá. A filósofa
acredita em uma política na qual os animais sejam tratados com mais
respeito e menos violência, o que incide diretamente à ética discutida
no escopo desse trabalho.
525
sujeito de direitos. Não há que se falar em preservação ambiental,
nesse contexto, por exemplo, devido ao fato de que essa apenas
beneficiaria um grupo de pessoas que não fazem parte da
comunidade moral.
Bioética
528
é, então uma aplicação desse conceito dentro do campo da ciência,
na tentativa de humanizá-lo. É uma forma de deliberação que
considera normas sociais, culturais e religiosas acerca daquilo que é
entendido como eticamente propício, bom e justo (Franco et al:
2014). Nesse mesmo escopo, Fortes e Zoboli lecionam:
99
ROSSI, 2019.
529
diversificados, sendo considerados deuses no antigo Egito, passando
por demônios para os medievais navegadores, sendo relegados à
condição de criaturas inferiores justamente pelo cristianismo, que
considera apenas o homem uma criação à imagem e semelhança de
Deus, sendo capaz de com Ele se comunicar.
Essa projeção está intrínseca ainda hoje e é demonstrada pela
coragem humana de torturar seres não humanos, muitas vezes sem
propósito.
Cientificamente, entretanto, é sabido que, apesar de ter uma
massa encefálica grande para o seu tamanho, se comparado aos
outros animais, o homem, pela Biologia moderna, é considerado sim,
uma espécie animal. Os demais, por sua vez, a despeito do que
acreditava a ultrapassada filosofia de Descartes, possuem capacidade
neurossensorial, com sensações de dor, cansaço, sentimentos (no
caso de animais domésticos, isso é bastante aparente, por se
apegarem aos seus tutores), e, respeitadas as limitações devidas, é
verificado ainda certo nível de cognição. Logo, a supremacia humana
é facilmente derrubada, pela própria ciência.
Justamente nesse momento em que se inicia o debate ético
que envolve a experimentação animal. Em países desenvolvidos como
o Japão, os comitês de ética têm papel importantíssimo, e realizam
forte fiscalização. A intenção é que sejam utilizados o menor número
de animais possível e que as práticas sejam aquelas de menor
potencial ofensivo.
O papel da Bioética, então é humanizar o desenvolvimento
dos processos laboratoriais, com vistas a garantir o direito dos
animais, sem especismo100. A ela cabe impedir o sofrimento
100
O termo é amplamente utilizado na literatura disponível e refere-se à
supremacia de espécies, em que o homem seria superior aos demais
animais.
530
desnecessário e a não utilização de objetivos claros e honestos que
enriqueçam os horizontes do conhecimento (SILVA, 2006)
101
As experiências foram relatadas por Stefanelli (2011).
531
que pequenas amostras fossem capazes de gerar resultados válidos e,
o refinamento (refine) das técnicas utilizadas, com vistas a diminuir a
dor e o sofrimento, observados os cuidados com a assepsia e
analgesia durante todo o procedimento (MIZIARA et al, 2012).
Conforme foi explanado nos tópicos anteriores, a utilização de
animais em estudos laboratoriais é tema controverso e que,
principalmente à luz do século XXI vem sendo alvo de duras
represálias por parte da sociedade, que paulatinamente adota hábitos
como não consumir produtos de empresas que tenham tal prática.
Em um contrassenso, a comunidade cientifica, no entanto, se
divide quanto ao assunto, tendo em vista que enquanto alguns
cientistas estudam formas alternativas, outros se prendem ao
tradicionalismo e temem pela respeitabilidade de sua pesquisa caso
ela caminhe em sentido oposto ao senso comum.
Assim, problemas como falta de financiamentos e a resistência
de stakeholders são obstáculos para o fomento dessas alternativas
(FONSECA et al: 2018).
Os autores elencam métodos viáveis e com tanta validade
cientifica quanto os estudos com cobaias vivas. Dentre os métodos
mais possíveis, encontram-se:
533
endoscópicas, nasossinusais e de base do o crânio. Nessa tecnologia,
é possível ter a reprodução de um ato cirúrgico completo, até com
sangramentos.
Já na Dinamarca, com a finalidade de possibilitar o estudo da
anatomia da orelha e dissecção do osso temporal, foi desenvolvido
um programa que já está disponível para download.
De acordo com Paixão (2011) uma solução bastante viável
reside na preparação da próxima geração de profissionais. Em sua
obra, a autora pontua que na área da educação é onde se registra a
maior decadência na utilização de animais, isto porque, os estudantes
são mais abertos à utilização de novas práticas, bem como estão mais
propensos à rejeição da metodologia tradicional, levados pela defesa
dos direitos dos animais.
A autora leciona ainda sobre uma tendência introduzida pela
engenharia genética como alternativa viável ao uso de cobaias. A
produção de animais transgênicos e, mais recentemente, a clonagem
possibilitam que certos experimentos, que não podem ser realizados
de outra forma, se utilizem de cobaias já criadas em laboratórios.
Há uma gama de possibilidades de experimentação quando se
trata de animais modificados geneticamente, inclusive aquelas ligadas
aos defeitos genéticos, que podem se manifestar após muitos anos.
Embora seja motivo de comemoração por um lado, a criação
de animais para testes, seja pela transgenia ou pela clonagem
desprezam, atualmente, o sofrimento animal que será criado, pois
mesmos estes têm um sistema nervoso. Também a questão ética tem
sido deixada de lado, tendo em vista que as mutações genéticas
podem representar um perigo para os seres humanos – no caso dos
animais criados para transplantes de órgãos, bem como a transmissão
de doenças ainda desconhecidas e, finalmente, a inflição de danos
aos animais em prol dos seres humanos.
534
CONCLUSÕES
537
REFERÊNCIAS
Franco, A., Nogueira, M., Kalatzis Sousa, N., da Frota, M., Fernandes,
C., & Serra, M. Pesquisas em animais: uma reflexão
bioética. Revista Acta Bioethica, vol.20, n. 02 p. 247-253. Chile, 2014
Disponível
em https://revistachilenahumanidades.uchile.cl/index.php/AB/article/v
iew/33306/35053. Acesso em outubro/2020.
541
A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NA REGIÃO DOS
INCONFIDENTES NA PANDEMIA DO COVID-19
Vívian Moreira102
René Dentz103
RESUMO
INTRODUÇÃO
102
Aluna do curso de Direito da FUPAC-Mariana.
103
Professor da PUC-Minas e da FUPAC-Mariana; Psicanalista; Membro do
International Institute for Hermeneutics (Alemanha); Ph.D. pela Université de
Fribourg-Suíça.
542
fizeram imprescindíveis.
A sociedade brasileira, marcada pelo sistema patriarcal e
machismo estrutural colocaram a mulher à margem da história, ao
contá-la sob a ótica masculina. A predefinição de papeis para homens
e mulheres alinham expectativas de comportamentos e mantém o
status quo vigente, qual seja, a ocupação dos cargos de poder aos
homens. Um dos desdobramentos de tal vínculo hierárquico é a
violência doméstica, que viola os direitos fundamentais da mulher:
vida, bem estar e propriedade.
Nesta perspectiva, o presente artigo tem como objetivo geral
compreender os efeitos do isolamento social decorrente da pandemia
do Covid-19 sobre os casais heterossexuais. E como objetivo
específico, analisar se houve ou não aumento da violência doméstica
em casais heterossexuais no ano de 2020 na região dos Inconfidentes,
composta por Itabirito, Mariana e Ouro Preto, à luz do direito e da
psicanálise.
A pergunta de partida para esse trabalho é: a violência
doméstica contra a mulher, em casais heterossexuais, aumentou no
período de isolamento social no qual o casal passa mais tempo juntos
dentro de casa?
A hipótese é que sim, houve um aumento. Para confirmá-la ou
refutá-la utiliza-se a seguinte metodologia para aprofundar na
discussão acerca da temática: a próxima seção apresenta a tipificação
da violência contra a mulher à luz do Direito; a seção 3 contribui com
um novo olhar para a questão, sob a ótica da psicanálise; a seção 4
apresenta e analisa os dados estatísticos de ocorrências de violência
contra a mulher da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança
Pública de Minas Gerais (SEJUSP); e a seção 5, a conclusão.
543
TIPIFICAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
Violência psicológica
544
Violência moral
Violência patrimonial
Violência física
Violência sexual
545
limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos.
(BRASIL, 2016).
547
mentais, de escuta do inconsciente, por meio de sonhos,
pensamentos, sentimentos, fantasias e ato falho. A partir dos
atendimentos clínicos, nos quais os pacientes falavam de suas
neuroses, Freud desenvolveu sua teoria pelo método indutivo,
aplicável à diversos casos e situações.
Assim, a violência doméstica existente entre os casais
heterossexuais, no qual a mulher é a vítima, e o homem, o agressor,
pode ser analisada sob ambas as perspectivas. E a raiz da disfunção
dessa relação encontra-se na formação da personalidade e
subjetividade do homem e da mulher, que combinados, estabelecem
um arranjo violência.
A mulher perpetua na vida adulta o masoquismo primário, na
posição fundamental de não saber e de estar nas mãos do outro, se
deixando dominar, manipular e abusar. O agressor, portanto,
identifica na mulher o cerne do seu não saber, apresentado pela sua
falta de autoconfiança, para manipulá-la.
E na fantasia infantil de ser um sujeito ideal, concepção esta
rompida com o complexo de édipo, a mulher se questiona: onde foi
que o outro viu que eu sou falha?
É nesta fenda que a violência se mantém. Como uma forma
inconsciente de manter o homem no lugar ideal, de saber, de falo.
Pois a vítima, se enxergando enquanto falta, precisa do homem ideal
para viver.
Demonstrado o embasamento jurídico e psicanalítico acerca
da temática, a próxima seção apresenta os dados estatísticos do
índice de violência doméstica na região dos Inconfidentes.
548
Os dados do Monitor da Violência (parceria do G1 com o
Núcleo da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança
Pública) revelam que as lesões corporais dolosas em decorrência da
violência doméstica no Brasil reduziram 11% no primeiro semestre de
2020, comparado ao mesmo período de 2019. No mesmo período, os
casos de estupro caíram 21% e o estupro de vulnerável caiu 20%.
Com relação ao número de homicídios dolosos de mulheres
no país, este teve aumento de 2% no primeiro semestre de 2020,
comparado com o mesmo período do ano de 2019. Do total de 1.890
homicídios dolosos, 631 foram feminicídio.
Para todos os tipos e graus de violência doméstica que
ocorrem, até a ponta do iceberg com o feminicídio, as mulheres
negras, de periferia e com renda baixa foram as que mais sofreram.
O estado de Rondônia foi o que teve maior alta nas taxas de
homicídio doloso de mulheres no país, correspondendo a um
aumento de 255% no primeiro semestre de 2020 com relação ao
mesmo período de 2019. O Acre foi o estado com aumento mais
expressivo de feminicídios, com aumento de 167% no primeiro
semestre de 2020.
No nível nacional os dados demonstram queda das
notificações de violência doméstica e aumento do homicídio doloso
de mulheres, mas e na região dos Inconfidentes?
A Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública
de Minas Gerais apresenta os dados integrados, por município, de
ocorrências da Polícia Civil, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros e
Sistema Prisional. Com relação à violência contra a mulher praticada
pelo cônjuge, ex-cônjuge, companheiro e namorado, em ações cíveis
e criminais, de violência física, violência psicológica, violência
patrimonial, violência moral e violência sexual, os dados são:
549
GRÁFICO 1 – Comparativo do número de casos de violência
doméstica no primeiro semestre de 2019 e 2020
550
FONTE: Elaborado pelos(as) autores(as) com base na SEJUSP (2020)104.
104
Os dados do segundo semestre de 2019 e 2020 correspondem ao
período de julho à novembro.
551
índices de assassinatos de mulheres representam um importante
indicador da evolução da violência de gênero no país”. (MONITOR DA
VIOLÊNCIA, 2020).
CONCLUSÃO
Conclui-se que a hipótese do aumento de violência doméstica
no período da pandemia do Covid-19 é parcialmente verdadeira, haja
visto que nos municípios de Itabirito e Mariana os índices se
mostrarem crescentes, mas em Ouro Preto, decrescentes.
De maneira geral, a microrregião dos Inconfidentes em Minas
Gerais não está em consonância com os dados nacionais que
apontam para redução de notificações de violência doméstica e
aumento do feminicídio.
A violência doméstica é uma questão multifatorial, que
engloba a estrutura de organização e funcionamento da sociedade,
passando pelo patriarcalismo e machismo, e as questões subjetivas
do sujeito que nela se encontra, incluindo seu inconsciente e
personalidade. O Direito, enquanto instância organizadora da
sociedade, cujo fim último é a busca pela harmonia e justiça, o faz por
meio de normas. E através da tipificação penal da violência doméstica,
órgãos estatais de controle se empenham em reparar os danos,
quando possível, para a mulher e para a sociedade.
552
REFERÊNCIAS
Disponível em:
<https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/20983/1/2015_Fabr%c3
%adcioLemosGuimar%c3%a3es.pdf>. Acesso em: 29 de set. 2020.
Souza, Hebert Geraldo de; Pimenta, Paula. Por que elas não
(re)tornam? Considerações sobre a não adesão ao tratamento por
parte da mulher em situação de violência. Opção Lacaniana Online,
Brasil: v.5, n.14, p.1-11. 2014. Disponível em:
http://www.opcaolacaniana.com.br/pdf/numero_15/Por_que_elas_nao
_retornam.pdf . Acesso em: 6 de out. 2020.
553
SECRETARIA DE ESTADO DE JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA –
SEJUSP. Violência contra a mulher. Disponível em:
http://www.seguranca.mg.gov.br/component/gmg/page/3118-
violencia-contra-a-mulher. Acesso em: 8 de jan. 2020.
554
Livro digital editado em Ebrima, 11, Mariana-MG
555