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Semana do Assistente Social

PUCRS 2013

Fundamentos do trabalho profissional


trabalho e processos de trabalho:
As mediações com a teoria e o
método marxino

Exposição: Profa. Dra Jane Cruz Prates


Porto Alegre, PUCRS, FSS, 2013
O que são Fundamentos?
 Segundo YAZBEK ( 2009, 144) é o (...) processo através
do qual a profissão busca explicar e intervir na realidade,
definindo sua direção social” o que inclui a análise de
suas particularidades enquanto profissão avaliada a partir
de aspectos:

 Ético-políticos e Teórico-metodológicos que darão base


as mediações Técnico operativas.

Estes aspectos são contextualizados, condicionados pelo


solo histórico-social onde se materializa e do qual se
nutre e das relações que estabelece com a sociedade de
seu tempo.

O modo como a profissão se materializou através dos


tempos, foi se modificando.
“o olho que não aprende a ver não enxerga”
(Marx, III Manuscrito)
Os fundamentos incluem
 o que é essa profissão, como surge e como se
conformou historicamente, que transformações
sofreu (condições sócio-históricas e seus
rebatimentos na profissão), como foi influenciada
pelas formas de pensamento humano, que valores
a orientaram e orientam, como externa sua imagem
e constrói processos identitários, quais foram e são
seus compromissos e como se materializam, o que
dá base para seu modo de apreensão do real e
intervenção.

 Os fundamentos dão base para a explicação das


particularidades e do significado sócio-histórico e
ideo-político da profissão ao longo de sua
constituição.
 Que documentos explicitam essas diferentes
influências e construções históricas? Araxá,
Teresópolis, Sumaré, Documento ABESS/CEDEPS
/ Códigos de Ética profissional.
Os valores  projeto ético-político

 Objeto,
bjeto, força de trabalho
 que necessita de comando inteligente
Visão de homem
Sujeito , cidadão
que deve protagonizar sua história

 Todo harmônico
 maniqueísta, imutável na sua essência
 Visão de mundo/ sociedade
 Totalidade contraditória
 em movimento, unidade na diversidade


 Racionalidade técnica
 compartimentada
gestão e controle da pobreza
 Visão do conhecimento
 ciência e política Racionalidade ética
 de interface
 e interdisciplinaridade
 contemplando a visão
 transdisciplinar
 reconhecimento do direito
O projeto ético-político
 “os projetos apresentam a auto-imagem da
profissão, elegem valores que a legitimam
socialmente, delimitam e priorizam seus
objetivos e funções, formulam requisitos para o
seu exercício, prescrevem normas para o
comportamento dos profissionais e estabelecem
balizas de sua relação com os usuários de seus
serviços, com outras profissões e com as
organizações e instituições, públicas e privadas
( entre estes também e, destacadamente, o
Estado, ao qual coube historicamente, o
reconhecimento jurídico dos estatutos
profissionais)”. ( Iamamoto, 2002, 20)

 Segundo Iamamoto (2002) os projetos


profissionais “são indissociáveis dos projetos
societários que lhes oferecem matrizes e
Os princípios destacados no
Código de Ética
 A defesa intransigente dos direitos humanos contra
qualquer forma de discriminação, autoritarismo,
arbítrio.
 O reconhecimento da liberdade como valor ético
central, o que pressupõe a defesa dos direitos
sociais e a luta pela emancipação e autonomia
dos sujeitos.
 A defesa e luta pela consolidação da democracia, da
cidadania, da participação política e da distribuição da
riqueza socialmente produzida.
 A luta pela equidade e justiça social, o que
pressupõe a universalização do acesso a bens e
serviços públicos, a ampliação de canais de
participação popular e a democratização dos
processos de gestão.
 O reconhecimento do direito a diversidade e ao
pluralismo e a luta contra toda a forma de
preconceito e exclusão.
 O compromisso com a qualidade dos serviços

 Ressalta Iamamoto que a efetivação desses


O eixo teórico - metodológico
positivista
O Método  fenomenológico
materialista-dialético
a ausência de método
adaptadoras
As teorias explicativas  passivas
transformadoras
reducionistas
As teorias sobre políticas
e conhecimentos  espaços, segmentos
Complementares fenômenos, estruturas
areas do conhecimento
Linha Histórica
GÊNESE DO SERVIÇO A PARTIR DA ARTICULAÇÃO
HISTÓRIA TEORIA E MÉTODO (Prates, 2012)
1960 1968 1978 1986 1990
1940 1950
1964 1974 1982 1990 Séc XXI
Debaclé mundo
socialista
II crise do
Petróleo
Reestruturação
Milagre produtiva
Econômico Greves Influência
Globalização
Estado Novo Repressão operárias Gramsciana
Rev Informac
Luta pelas
Grandes Movim. de Diretas CF 88
Instituições Auge LOAS/ Novo
Reconceituação Tripé
Assistenciais desenvolvim. Código de
Influência seguridade
Ética/ SUAS
Positivismo Positivismo Crise Tecnica fenomenol. SUS
Dsenvolvimentista Eficiência Visão
Doutrina Social Doc ABEPSS
Adaptação Golpe/ditadura Modernização Sistêmica Retomada
Hist/Teor/Mét
Desenvim. da Igreja da matriz
(1996)
Se gesta o Doc Teresópolis Novo marxiana
Técnico Harmonia Movimento de (74) Currículo (82) Pós-Modern
consenso Reconceituação Sumaré (78) Perestroika
Atendimentos Universid
Primeiro Enfraquec.
DComunidade Operacional
Individuais Influência Mestrado Primeiro do mundo
Funcionamento Psicanálise (PUCRJ, 72) Doutorado LA socialista
Gov Esqu AL
Social Processos (PUCSP, 81) Nova crise do
Grupais Rev Ssocial e SSocial
capital (2007)
Ajustamento Sociedade como
(79) trabalho
SSocial área
Araxá (64)
/CAPES 2005
O eixo técnico-operativo
O domínio de técnicas e habilidades para movimentar
saberes
poderes
Iluminadas pelo método, pelas teorias explicativas e conhecimentos
complementares

Com a finalidade de
apreender contextos (singulares, grupais, territoriais, institucionais, locais,
societários),

diagnosticá-los e registrá-los para viabilizar processos interventivos

instigar processos emancipatórios (que ampliem consciência, mobilização,


iniciativa, gestão autônoma)

Portanto, é fundamental

Além do domínio sobre o manejo de instrumentos e técnicas , a


capacidade de instruí-los a partir de um método e de teorias explicativas,
postura investigativa e propositiva.

Ex: VD, reconstituição histórica por fatos significativos, mais do que roteiros,
embora úteis, acolhimento, construção do vínculo, movimentação da
cadeia de mediações constituída por saberes e experiências introjetadas.
A questão social como objeto

 Nosso objeto não são os sujeitos ou suas


relações, mas o conjunto de desigualdades que
rebatem no seu modo e condição de vida, que
rebatem nas suas relações e como contraponto,
as formas de resistência a esses processos por
eles utilizadas, sejam estratégias singulares ou
construídas coletivamente, como, por exemplo,
as políticas públicas.

 Essas desigualdades e resistências assumem


características diversas em campos distintos,
em termos de necessidade/demandas e
respostas, por essa razão é tão importante
mediarmos o trato da questão social que
particulariza essa profissão nos mais diversos
campos e junto as demais áreas que partilham
conosco a inserção em processos comuns de
trabalho.
As expressões da questão social
 Desigualdades X Resistências

Trabalho profissional

desemprego
movimentos
precarização
associações
Sociedade
fragilidade Políticas sociais
Mercadoria
conselhos
Exclusão/ inclusão precária
Estigma redes
Violação de direitos Discriminação
sindicatos
violência
dependência Desenvolvimento de
processos sociais emancipatórios
A materialização das expressões
de desigualdade social
 No contexto mais  No cotidiano dos
amplo sujeitos
 Dependência econômica/  Desemprego, dependência de
tecnológica do país recursos institucionais para a
 Redução do fundo público para sobrevivência, inclusão precária
políticas sociais  Ausência de acesso a bens e
 Redução do estado social serviços públicos / interdição
 Guerras intervencionistas pondo  Violência urbana, maus tratos,
em risco a autonomia dos povos abusos, fragilidade de vínculos
 Destruição da natureza pondo em  Desfiliação, ausência de
risco a vida futura espaços de pertencimento,
fragilidade de relações, de
 Concentração cada vez maior da
renda na mão de poucos vínculos, precarização do
trabalho e da vida
 Contradição entre o
desenvolvimento tecnológico e a
 Estigmas, discriminação
barbárie.  Fome, miséria, baixa auto-
 Desemprego estrutural estima, culpabilização pela
pobreza, pelo “não lugar”
 Criminalização e judicialização da
questão social
Quais os desafios para os trabalhadores
frente a essas expressões?
 Há dois grandes desafios - desvendá-las e propor estratégias de
enfrentamento às desigualdades e de fortalecimento às
resistências.
 E aqui é fundamental o domínio de um método e de teorias
explicativas que aportem

 Clareza de finalidade
 Consciência da historicidade, totalidade e contradição do real,
dos sujeitos, das instituições, políticas e das práticas sociais
 Apreensão dos fenômenos como processos e não com estados
 Instrumental para ler e intervir no real concretamente (teorias e
instrumentos)
 A articulação entre capacidade investigativa e propositiva
 Priorização em toda e qualquer intervenção para o
desenvolvimento de processos sociais emancipatórios
 Valorização não só da efetividade (resultado) mas também do
alcance social (processo) dos processos, políticas e planos
interventivos.

(PRATES, 2011)
Entre a conformação e o
desenvolvimento de processos sociais
 As políticas sociais com as quais os assistentes sociais
trabalham resultam do tensionamento junto ao Estado, efetivado
por grupos, organizações e movimentos sociais para a
superação de desigualdades, são permeadas, portanto, por uma
luta hegemônica/contra-hegemônica.
 Caracterizam-se por elementos de conformação, mas como
contraponto se constituem em espaço de luta e exercício de
desenvolvimento humano-social.
 O grande desafio se constitui exatamente em privilegiar o seu
caráter emancipatório em detrimento do caráter conformador.

 Informação
 Mobilização
Engajamento
 Processos sociais Conscientização  PARTICIPAÇÃO

 Organização

Capacitação
 Gestão ( protagonismo)
 Finalidade  fortalecimento, capacitação para maior autonomia
e autogestão, possibilidade de inserção e pertencimento no
plano singular e coletivo; garantia de direitos, ampliação da
Os elementos do processo de trabalho
 Qualquer trabalho pressupõe a existência de: objeto, instrumental e produto
e ainda qualquer trabalho é teleológico , ou seja tem finalidade (Marx,
1989)

São componentes desse processo:

 “1) a atividade adequada a um fim, isto é o próprio trabalho;


 2) a matéria a que se aplica o trabalho, o objeto de trabalho;
 3)os meios de trabalho, o instrumental de trabalho” ( Marx Vol I, 1989, 202)

 Os meios de trabalho ou instrumental são “ uma coisa ou conjunto de coisas


que o trabalhador insere entre si mesmo e o objeto de trabalho e lhe serve para
dirigir sua atividade sobre este objeto (...) de acordo com o fim que tem em
mira.” (202) Marx destaca que, embora os meios não participem diretamente
do processo de trabalho, quando não se conta com eles o trabalho fica “total ou
parcialmente impossibilitado de concretizar-se” (205)
 Objeto  matéria sobre a qual incide o trabalho

 as expressões da questão social tanto em suas formas de manifestação das


desigualdades sociais como das resistências empreendidas pelos sujeitos, contradições
estas que se materializam de modo diverso para diferentes seguimentos sociais,
sociais, em
diferentes âmbitos da vida social exigindo diferentes estratégias e processos coletivos
para enfrentamento, em que pesem as particularidades aportadas por cada área /profissão.
(PRATES, 2003)

 O fato de ser objeto de uma profissão não impede que outras áreas incidam sobre ele.

 O produto do trabalho é um valor-de-uso. “ O trabalho está incorporado ao
objeto sobre o que atuou (...) Ele teceu e o produto é um tecido (205)
Qualquer trabalho pressupõe
 Planejamento: “ (...) ele figura na mente sua construção antes de
transformá-la em realidade. No fim do processo de trabalho aparece um
resultado que já existia idealmente na imaginação do trabalhador” (202)

 Gestão e Finalidade: “ O trabalho vivo tem de apoderar-se dessas


coisas, de arrancá-las de sua inércia, de transformá-las de valores-de-
uso possíveis em valores-de-uso reais e efetivos. O trabalho, com sua
chama, delas se apropria(...) e de acordo com a finalidade que o move,
lhes empresta vida para cumprirem suas funções (207-208)

 Consumo: “O trabalho gasta seus elementos materiais, seu objeto e


seus meios, consome-os, é um processo de consumo. Trata-se de
consumo produtivo que se distingue de consumo individual. (...) Quando
seus meios (instrumental) e seu objeto (matérias primas, etc.) já são
produtos, o trabalho consome produtos para criar produtos ou utiliza-se
de produtos para criar produtos” (208)

 A CADEIA PRODUTIVA

 Sujeito  exteriorização  realização  objetivação


Produtor energia o fazer o fazer
 física e mental como processo como
que transforma
resultado

( PRATES, 2003)
A cadeia produtiva no Modo de
produção Capitalista

OS NÍVEIS DE ALIENAÇÃO

Produtor ----------- Produto ( não tem acesso ao


produto, não se reconhece naquilo que produz)

Produtor ------------ Processo de produção (não


define o que produzir e nem como produzir)

Produtor --------- Consigo mesmo


(trabalho como fardo e não como auto-
realização, submete-se a exploração, precarização,
tem sua vida dominada pelo que criou)

Produtor --------- Outros produtores (substitui a


cooperação pela competição)
Mediando esse processo com o
trabalho do Assistente Social
 Historicamente nem sempre o Serviço Social foi considerado
trabalho, mas ciência, arte, habilidade...

 Embora não seja ciência, produz conhecimento científico,


pressupõe sem dúvida habilidades, mas para além delas, exige
domínios teórico-metodológicos e opções ético-políticas, se vale
da arte como instrumento e como espaço de expressão de seu
objeto ou matéria prima

 As mudanças na concepção que temos da profissão são


resultados de processos históricos, e dependem do significado
social que atribuímos à profissão (o que não depende só da
categoria, mas da sua relação com o movimento e o
desenvolvimento da sociedade)

 O significado social da profissão se materializa em documentos


que devem orientar o exercício do trabalho profissional: Araxá,
Teresópolis, Sumaré, em outros momentos históricos,
atualmente Documento ABEPSS que orienta a formação,
Documento CFESS que trata sobre atribuições privativas e
competências, além do Código de Ética Profissional e da Lei de
Regulamentação da Profissão, que também sofreram alterações
historicamente.
Significado de ver a profissão
como trabalho
 Significa reconhece-la como um serviço que é parte da divisão
social e técnica do trabalho (que determina status, separa
fazer do pensar, cria processos identitários, conforme cultura e
mercado, que oferece diferentes condições de trabalho, impõe
exigências, cria demanda,etc. )

 Reconhecer que tem atribuições que lhe são privativas, mas


também competências adquiridas ao longo de sua constituição
e por conta de sua formação e produção e que dependem do
reconhecimento social, embora componham a Lei de
regulamenta a profissão.

 Reconhecer que os profissionais são trabalhadores que


sofrem todas as repercussões ocasionadas pelas metamorfoses
do mundo do trabalho (desemprego estrutural, precarização,
exigência de polivalência, pressão pela sustentabilidade e
empreendedorismo, desmantelamento de sindicatos, surgimento
de novos espaços sócio-ocupacionais repletos de contradições

 Reconhecer que seus trabalhadores produzem valores de uso e


de troca
A tentativa de superar uma leitura
limitada de processo de trabalho
 Processos de trabalho são realizados por trabalhadores , portanto não
pode haver um “processo de trabalho do Serviço Social”

 Não temos autonomia para construir um processo de trabalho , os


processos são instituídos e dependem apenas parcialmente da iniciativa
dos trabalhadores que o realizam coletivamente, em razão dos níveis de
alienação que caracterizam a cadeia produtiva no modo de produção
capitalista, logo não há “um processo de trabalho do assistente
social” mas processos de trabalho nos quais se insere.

 Portanto, os trabalhadores inserem-se em processos de trabalho


imprimindo-lhe particularidades, mas condicionados pelos venda de
sua força de trabalho, ou seja pelas condições de assalariamento e
pelos rebatimentos da organização e gestão do trabalho na divisão social
técnica do mesmo. (recessão, desemprego estrutural, fragilidade de
espaços organizativos dos trabalhadores, condições de trabalho
precárias, etc.)

 O instrumental utilizado pela profissão não é específico mas apresenta


particularidades que são caracterizadas pelo modo como esta profissão
os media imprimindo-lhe peculiaridades.
 (Prates, 2009)
Algumas contribuições de Iamamoto
(2007) para esta superação
 Sobre os condicionantes do trabalho profissional

 “ O assistente social é proprietário de sua força de trabalho especializada.


Ela é produto da formação universitária que o capacita a realizar um
“trabalho complexo” , nos termos de Marx (1985). Essa mercadoria força
de trabalho é uma potência, que só se transforma em atividade – em
trabalho -, quando aliada aos meios necessários a sua realização, grande
parte dos quais se encontra monopolizado pelos empregadores: recursos
financeiros,materiais e humanos necessários è realização de trabalho
concreto, que supõe programas, projetos e atendimentos diretos
previstos pelas políticas institucionais.”

 “O assistente social ingressa nas instituições empregadoras como


parte de um coletivo de trabalhadores que implementa as ações
institucionais, cujo resultado final é produto de um trabalho combinado ou
cooperativo, que assume perfis diferenciados nos vários espaços
ocupacionais. Também a relação que o profissional estabelece com o
objeto de seu trabalho – as múltiplas expressões da questão social –tal
como se expressam na vida dos sujeitos com os quais trabalha –
dependem do prévio recorte das políticas definidas pelos organismos
empregadores, que estabelecem demandas e prioridades a serem
atendidas” ( Iamamoto, 2007: 421)
A leitura reducionista realizada pela via do trabalho
concreto negando o trabalho abstrato realizado pelos
profissionais
 “(...) Não existe um processo de trabalho do Serviço Social,
visto que o trabalho é atividade de um sujeito vivo, enquanto
realização de capacidades, faculdades e possibilidades do
sujeito trabalhador. Existe sim um trabalho do assistente social
e processos de trabalho nos quais se envolve na condição de
trabalhador especializado.” (Idem, 2007:429)

 (...) existem diferentes processos de trabalho nos quais se


inscreve a atividade do assistente social, contra o mito de um
único processo de trabalho do assistente social. Quando se
admite o processo de trabalho do assistente social opera-se uma
simples mudança terminológica de “prática” para “trabalho”(...),
sem que se altere o universo de sua construção teórica abstrata.

 Em outros termos, reitera-se o viés liberal de pensar a prática


como atividade do indivíduo isolado, forjando o “encaixe” dos
elementos constitutivos desse trabalho concreto em um “modelo
universal” para a análise de todo e qualquer processo de
trabalho – como se ele fosse suspenso da história e das
relações sociais que o constituem. “ (Idem, 2007, 430, 431)
Trabalho, planejamento e investigação
 Planejar é organizar e otimizar a ação.

Segundo Gandin (1993):

 NÃO é fazer alguma coisa antes de AGIR


 É AGIR de um determinado modo para determinado fim
  É o processo de construir a realidade
  É interferir na realidade a partir de uma direção indicada

 O diagnóstico ( do território, das famílias, dos grupos, da rede) é


elemento essencial e dinâmico no processo de planejamento

 O plano ( construção coletiva, pautado em dados) tem como marco


referencial, a política, a legislação, inclui delimitação de desigualdades e
potencialidades; propõe ações em prazos estabelecidos e definição de
responsáveis; prevê recursos e o estabelecimento de pactos,
articulações, objetivos, metas e avaliação. Para efetivação da avaliação
é fundamental a construção de indicadores.

 Os valores e a clareza de finalidade são fundamentais ao plano, assim


como a capacidade investigativa e propositiva
(Prates, 2011)
O Instrumental
 Para realização do trabalho utilizamos o instrumental (conjunto
de saberes, produtos e estratégias) composto por:

 Teorias, políticas sociais, o próprio processo de planejamento


e a investigação, os planos de trabalho, as redes de serviços,
as estratégias de comunicação, de informação, de negociação,
de vinculação, além de técnicas e instrumentos como
entrevistas, reuniões, assembléias, visitas.
 Os equipamentos fazem parte do conjunto de estratégias que
utilizamos para realizar nosso trabalho (salas, computadores,
telefone, carro, móveis, etc)

 Para bem materializar nosso trabalho, o uso do instrumental é


fundamental, além das condições de trabalho, a clareza
ético-política, o domínio teórico-metodológico (coerente com
o primeiro) e técnico-operativo ( este último fundamentado
pelos dois primeiros eixos) que darão consistência ao conjunto
de conhecimentos, habilidades, atribuições, competências e
compromissos necessários a realização dos processos de
trabalho onde nos inserimos
( Prates, 2011)
Os produtos do trabalho
 São produtos do trabalho: projetos, planos, análises, avaliações,
diagnósticos, artigos científicos, sínteses, estudos sociais, perícias
sociais, laudos sociais, encaminhamentos, relatórios, atas,
prontuários, processos (os produtos são também instrumentos
dependendo do lugar que ocupam na cadeia produtiva)

 A qualidade dos produtos depende da clareza quanto a finalidade e ao


método (uso de categorias teóricas de modo historicizado) articuladas a
categorias explicativas da realidade (que emanam dos temas sobre os
quais se materializa nossa intervenção e para os quais as teorias
explicativas dão consistência a análise) e da coleta de dados empíricos
que devem ser mediados e explicados a partir dessa interconexão
(tratamento dos dados)

 Ex: elaboração de um estudo social ou do diagnóstico com relação a


situação de vulnerabilidade de uma família, de uma rede de serviços, das
condições sócio-históricas de uma comunidade, das condições de
determinado grupo para a implantação de uma cooperativa, das
condições de um município para a implantação de um plano municipal de
Assistência Social.

 Em qualquer das situações utilizaremos elementos da investigação


social para reelaborar o objeto, articulação teórico prática e a
realização de sínteses que se pautam em análises contextualizadas
seguidas de propostas para o seu enfrentamento, reforço e/ou
aprimoramento, que são sistematizadas em um documento.
 A técnica de análise de conteúdo auxilia na qualificação desse
movimento.
(Prates, 2011)
Os espaços sócio-ocupacionais
 Realizamos nosso trabalho em diversos espaços, âmbitos, áreas e
muitas vezes especializações dentro delas, e com segmentos diversos,
com características diversas.

 Essa diversidade exige conhecimentos específicos, apropriações acerca


de legislações e políticas, decodificação de termos, linguagens e
conceitos , estruturas, conhecimento sobre conformações de equipes,
interfaces com atores, redes, instâncias diversas, o que requer, para a
execução do trabalho, além da formação generalista realizada na
graduação, estas apropriações, de modo mais aprofundado.

 Contudo, alguns elementos são comuns e necessários em qualquer


contexto:

 Elementos para realização dos processos de análise contextual,


estrutural e singular, método de investigação e análise, método de
planejamento e gestão, conhecimentos acerca de processos sociais e
sobre estratégias, técnicas e instrumentos interventivos, domínio de
teorias gerais explicativas da realidade, conhecimento sobre o estado e
as políticas sociais, conhecimento e postura ética, conhecimento sobre
os direitos civis, políticos e sociais, conhecimento sobre o trabalho em
equipes interdisciplinares, sobre a intersetorialidade, sobre o trabalho em
redes e sobre recursos sociais.

 A Lei de Regulamentação da Profissão no Brasil define quais são as


competências e as atribuições privativas do Assistente Social
( Prates, 2006)
Os processos de desvendamento
e ressignificação
 Pressupõe o conhecimento da realidade, do contexto onde estão
inseridos sujeitos, grupos, instituições

 Contexto mundial, nacional, regional, local, institucional, familiar,


pessoal e sua interconexão (universalidade e particularidade)

 Apropriar-se de dados de realidade - estudos, censos, relatos,


documentos, recursos - trabalhar o dado, correlacioná-lo,
interpretá-lo, sistematizá-lo, socializá-lo. ( O dado bruto não produz
conhecimento)

 Conhecer a realidade dos sujeitos e grupos usuários, sua


condição e também seu modo de vida (pesquisa , diagnóstico –
desigualdades / potencialidades)

 Conhecer os recursos, limites e potencialidades da instituição e


da rede – níveis de vulnerabilidade e cobertura, tanto quantitativa
como qualitativa, possibilidades de realização da intersetorialidade)

 Reelaborar o objeto (Baptista, 1998) de intervenção


( PRATES, 2009)
A reelaboração do objeto
 O processo ocorre a partir da reconstrução histórica
desvendamento de contradições, apreensão do fenômeno
como totalidade, garantindo uma abordagem que se paute
na integralidade

 Pressupõe a ressignificação do objeto, superando a


aparência em busca da essência, avaliando-o sob múltiplos
aspectos, múltiplos olhares, apropriação dos significados
atribuídos a ele pelos diversos sujeitos em interação
(famílias, rede, instituição) imaginário social, produções
existentes sobre o tema para melhor explicá-lo (teorias,
dados) interpretá-lo e mediá-lo com usuários, colegas,
instituição, parceiros.

 Precisamos contextualizá-lo e desocultá-lo


progressivamente, apreensão por sucessivas aproximações
(PRATES, 2009)
O método para desvendar e intervir
 Contradição (negação inclusiva – luta dos contrários)
 Historicidade (processualidade, movimento, provisoriedade)
 Totalidade (, multidimensionalidade, interconexão, relação
teoria/prática, universalidade/particularidade)
 Reprodução ( educativa, cultural x alienação)
 Hegemonia ( relações de poder e contra-poderes)
 Mediação (ontológicas e reflexivas)

 O movimento
 Parte da estrutura e volta a gênese (movimento de detour)
 Não dicotomização ( quantitativo e qualitativo, objetividade e
subjetividade, razão e sensibilidade)
 Caráter transformador (valorização de processos e resultados,
compromisso com aspectos educativos e organizativos)
 A importância das categorias condição e modo de vida ( a primeira
condiciona a segunda)
 A importância dos processos sociais de participação, mobilização,
organização, capacitação e gestão
 As intervenções devem ser planejadas (clareza de direção) em
âmbitos diversos e em prazos diversos (emergencial, curto, médio; na
rede, na instituição, com usuário, com técnicos da equipe, etc.)
 Método de investigação (apreensão dos pormenores do real) e
Método de exposição (desdobramento, mostrar a vida da realidade)

( Prates, 2003)
Desafios ao profissional comprometido
com projetos emancipadores

  ser motivador, articulador, instigador, mobilizador, mediador


deste processo colocando seus conhecimentos a serviço da
população para que haja uma construção conjunta de
conhecimentos e as decisões sejam coletivas com base numa
leitura crítica e dialética do real (histórica, contextualizada)

  Isto pressupõe divisão de poder, pois conhecimento é poder,


pressupõe capacidade de comunicação, decodificação da
linguagem técnica, informação, atualização e pesquisa,
capacidade estratégica de negociação, reconhecimento da
potencialidade das abordagens coletivas, para instigar
processos educativos e organizativos, reconhecimento do saber
popular e da capacidade humana de compreender e aprender,
pressupõe capacidade de dialogar.

 E dialogar, diz Paulo Freire, é reconhecer no outro, um outro eu.


“Neste lugar de encontro, não há ignorantes absolutos, nem
sábios absolutos”.

  se valorizamos o saber popular e suas experiências (saber


feito) privilegiamos as abordagens coletivas.
As abordagens coletivas
 A relevância dada as estratégias coletivas de intervenção deve-
se ao reconhecimento da efetividade da dinâmica grupal, da
possibilidade mais significativa de desenvolver processos sociais
a partir de identificações entre sujeitos que vivenciam situações
similares, de fortalecer alternativas de organização e
enfrentamento conjunto, de possibilitar processos de mútua
ajuda, partilha de sofrimentos e estratégias de superação,
cooperação, solidariedade de classe, veiculação de
informações.

 Mais do que técnicas grupais específicas, sem ter a intenção de


desvalorizá-las, porque úteis se complementares a dialética
grupal, o fundamental é realizar mediações iluminada pela
finalidade e intencionalidade, com base na reflexão coletiva e no
diálogo coletivo, partindo da realidade concreta dos sujeitos
usuários, de suas pratica sociais, buscando a superação do
aparente, por novas leituras e totalizações. (Idem)

 A dinâmica grupal será a base, cuja avaliação sistemática


indicará as técnicas a serem utilizadas e a possibilidade de
mediações a serem construídas.
(PRATES, 2006)
Alguns aspectos a considerar

 Embora a questão social seja o objeto de trabalho do


Assistente do Social, as estratégias para o seu
enfrentamento tais como - a gestão do social, o
desenvolvimento de políticas sociais, ou de
programas sociais não são atribuições privativas
desse profissional, mas sim competências.

 Na gestão e execução das políticas sociais,


importantes instrumentos para o enfrentamento da
questão social, se direcionadas para a
potencialização dos sujeitos - são instrumentos
fundamentais: a Legislação, os conselhos, os planos
e os fundos.

 O domínio desses processos amplia a competência


desse profissional para contribuir com o processo de
gestão que deve ser descentralizado e democrático.
Alguns desafios
 Ampliar a legitimidade da profissão. (a partir do reconhecimento de
usuários, colegas, gestores, outros profissionais, lideranças, movimentos
sociais)

 Como? Com estudo, qualidade, competência, domínio teórico, capacidade de


mediação, negociação, postura estratégico-política, clareza de finalidade,
coerência, ética, humildade sem subalternidade.

 Ocupar e ampliar competências e espaços, sem perder de vista as


particularidades da profissão.

 Dar visibilidade ao trabalho profissional e aos produtos desse trabalho


(enfrentar debates, ocupar espaços na mídia, publicar, pesquisar,
registrar experiências, processos e resultados)

 Valorizar e fortalecer os espaços coletivos e a organização profissional


(unidades, setores de Serviço Social nas organizações, CRESS, CFESS,
CBAS, ENPESS) bem como a articulação com outras categorias
profissionais enquanto trabalhadores.

 Acompanhar o debate profissional ( ler periódicos, boletins da categoria)


 Acompanhar o contexto mundial, nacional e local (manter-se atualizado)
 Comprometer-se com a formação permanente (grupos de estudo,
capacitações)
 Assumir os compromissos e lutas definidos como centrais pela categoria
– com a democracia, com a qualidade das políticas públicas, com a
superação das desigualdades, com o fortalecimento dos trabalhadores,
contra qualquer forma de violação de direitos (materializar o projeto ético-
político profissional) (Prates, 2011)
Sintetizando... Para enfrentar a
questão social é necessário
 Ter capacidade investigativa e propositiva
 Ter clareza de finalidade e domínio do método para ler e
intervir no real o que pressupõe postura ético política,
domínio teórico metodológico e técnico operativo
 Ter capacidade de planejar, negociar, mediar, mobilizar,
enfim de desenvolver processos sociais
 Ter a capacidade de trabalhar em parceria interdisciplinar
e de ampliar o olhar, sem perder sua particularidade
 Ter humildade frente a realidade complexa e a disposição
de enfrentá-la e ressignificá-la sistematicamente
 Ter a capacidade de comunicar-se oralmente e por
escrito
 Ter o compromisso ético com uma formação dinâmica e
permanente, antes de tudo por respeito aos sujeitos
usuários
Para refletir e finalizar
 “ O desafio é afirmar uma profissão voltada
à defesa dos direitos e das conquistas
acumuladas ao longo da história da luta
dos trabalhadores no País, e
comprometida com a radical
democratização da vida social no horizonte
da emancipação humana: “ ser radical é
tomar as coisas pela raiz, e a raiz para o
homem, é o próprio homem” (K. Marx)”

( Iamamoto, 2007: 470)


Referências
 ABEPSS. Proposta básica para o projeto de formação profissional. Revista Serviço
Social e Sociedade. n. 50. São Paulo: Cortez, 1996.
 BAPTISTA, Myrian Veras. A ação profissional no cotidiano. In. O uno e o Múltiplo as
relações entre as áreas do saber. Martinelli, Maria Lucia. Rodrigues, Maria Lucia On;
Muchail, Salma Tanus (orgs.) 2ª edição, São Paulo: Cortez, 1998.
 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 9 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
 GANDIN, Danilo. O planejamento como prática educativa. SP, Loyola, 1993.
 IAMAMOTO, M.V. Projeto Profissional: espaços ocupacionais e trabalho do assistente
social na atualidade. In: CFESS. Atribuições privativas do(a) assistente social. Em
questão. Brasília: Conselho Federal de Assistentes Sociais, 2002.
 IAMAMOTO, Marilda V. Serviço Social em tempo de Capital fetiche: Capital
financeiro, trabalho e questão social. São Paulo, Cortez, 2007
 MARX, K. O Capital. Livro1 Vol 1., Rio de Janeiro: Bertrand, 1989
 PRATES, Jane Cruz. Possibilidades de mediação entre a Teoria marxiana e o
trabalho do Assistente Social. Tese de doutorado. Porto Alegre, PUCRS, FSS, 2003.
 PRATES, Jane Cruz. Gestores Sociais – Competências, habilidades e atitudes. Anais
da I Conferência Internacional de Gestão Social, Porto Alegre: SESIRS/FIERGS,
2003ª
 PRATES, Jane C. Material didático sobre questão social e linha histórica. Mimeo
Porto Alegre, PUCRS, 2004 atualizado em 2011.
 PRATES, Jane Cruz A questão dos instrumentais técnico-operativos numa
perspectiva dialético crítica de inspiração marxiana. Artigo Revista Virtual textos &
Contextos n 5. Porto Alegre, EDIPUCRS, PUCRS, 2006
 PRATES, Jane Cruz. La cuestión social y el trabajo del trabajador social. Ponencia.
Congreso Nacional de Trabajadores Sociales de Paraguay. Asunción, 2007.
 PRATES, Jane C. O trabalho do Assistente Social e a instrumentalidade. Oficina
sobre processos de trabalho e Serviço Social para professores da FSS/ PUCRS.
Porto Alegre, PUCRS, 2009.
 PRATES, Jane C. O trabalho do assistente social e o instrumental. Oficina para pós-
graduandos e professores. Convênio bilateral Brasil-Argentina. Córdoba-Argentina,
maio de 2011
 YASBEK, M C. O significado sócio-histórico da profissão in CFESS, ABEPSS. Direitos
sociais e competências profissionais. Brasília, CFESS?ABEPSS, 2009

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