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Inovar é um termo relativamente novo, cria-

do, talvez, há uns vinte anos. No entanto, a ver-

GOVERNANÇA CORPORATIVA E INOVAÇÃO:


dade é que desde o aparecimento do Homo sa-

GOVERNANÇA CORPORATIVA E INOVAÇÃO


piens, há uns cem mil anos, os humanos sempre
inovaram. Pessoas, líderes de grupos, dotados
“Inovação é essencial? Por quê? Como tratar esse tema no âmbito da
governança corporativa? Uma resposta é que a empresa precisa es-
TENDÊNCIAS E REFLEXÕES de muita criatividade, paixão, determinação,
inconformismo e superação, inovaram, e hoje
estamos planejando até descer no planeta Marte!
tar constantemente atenta às mudanças no contexto dos negócios, Grandes ou pequenos empresários tiveram, no
que estão desafiando, cada vez mais, sua capacidade de se manter passado, ideias que, para a época, mais pareciam
viável e íntegra ao longo do tempo – a necessidade de pensar e re- Carlos Eduardo Lessa Brandão • Joaquim Rubens Fontes Filho utopias, reunindo pessoas que, com muita per-
severança e muito esforço, se dispuseram a
pensar constantemente a estratégia e sua execução é cada vez mais • Sérgio Nunes Muritiba perseguir essas utopias e venceram. Alberto
presente. [...] Este livro se propõe a estimular a discussão sobre ino- Santos Dumont, Thomas Edison e tantos outros
organizadores
vação no âmbito da governança corporativa, de modo a assegurar a são alguns exemplos.
Mais recentemente, por um lado, vivemos
integridade empresarial ao mesmo tempo que permite às empresas
um momento em que a velocidade do desen-
O IBGC é uma organização exclusivamente aprenderem, inovarem e se desenvolverem.” volvimento tecnológico era absolutamente im-
dedicada à promoção da governança corpo- pensável na virada para o século XXI. Por outro,
rativa no Brasil e o principal fomentador das o trabalho com muitas pessoas adquiriu também
práticas e discussões sobre o tema no país, enorme complexidade, no sentido de alinhar to-
tendo alcançado reconhecimento nacional e dos, com os mesmos ideais e valores dos “funda-
dores” do negócio. Nascem os primeiros conceitos
internacional. Fundado em 27 de novembro
de governança corporativa e, mais recentemente,
de 1995, o IBGC – sociedade civil de âmbito
empreendedores que utilizam modelos de negó-
nacional, sem fins lucrativos – tem o propósito cios inovadores. E estes passaram a ter preocupa-
de ser referência em governança corporativa, ções que vão além da perenidade de suas empre-
contribuindo para o desempenho sustentável sas, visando à mitigação de riscos, incluindo, por
das organizações e influenciando os agentes da exemplo, a ida ao mercado para a captação de re-
nossa sociedade no sentido de maior transpa- cursos ou a resolução de problemas sociais e am-
bientais. Aparece, então, a necessidade de os con-
rência, justiça e responsabilidade.
selhos de administração dedicarem um tempo
Para mais informações sobre o Instituto
cada vez maior, nos seus planejamentos estraté-
Brasileiro de Governança Corporativa, visite o
gicos, para estimular a inovação no seu core busi-
website: <www.ibgc.org.br>. ness e muito menor para análise do passado.
A definição de conceitos, exemplos de casos
de sucesso e uma profunda imersão no estágio
IBGC – Associados mantenedores
atual do desenvolvimento tecnológico no mun-
do e no Brasil tornam a leitura deste livro uma
ferramenta imprescindível para empresários
e gestores de pequenas ou grandes empresas.

PAULO D. VILLARES
presidente do conselho de administração do
IBGC entre 2001 e 2004
GOVERNANÇA CORPORATIVA E INOVAÇÃO:
TENDÊNCIAS E REFLEXÕES
Instituto Brasileiro de Governança Corporativa

GOVERNANÇA CORPORATIVA E INOVAÇÃO:


TENDÊNCIAS E REFLEXÕES

O rganizadores :
Carlos Eduardo Lessa Brandão
Joaquim Rubens Fontes Filho
Sérgio Nunes Muritiba

São Paulo
2018
Copyright © 2018 Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC)

Para mais informações sobre o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, visite o


website <www.ibgc.org.br>. Para associar-se ao IBGC, ligue: (11) 3185-4200.

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
Presidente Ricardo Egydio Setubal
Vice-presidentes Henrique Luz
Monika Hufenüssler Conrads
Conselheiros Doris Beatriz França Wilhelm, Isabella Sa-
boya, Israel Aron Zylberman, Leila Abraham
Loria, Richard Blanchet, Vicky Bloch

DIRETORIA Alberto Messano, Matheus Corredato Rossi


SUPERINTENDÊNCIA GERAL Heloisa Bedicks

I59g Instituto Brasileiro de Governança Corporativa


Governança corporativa e inovação: tendências e reflexões / Instituto Brasileiro de
Governança Corporativa. Organizadores: Carlos Eduardo Lessa Brandão, Joaquim Rubens
Fontes Filho, Sérgio Nunes Muritiba. São Paulo, SP: IBGC, 2018.
264 p.

ISBN: 978-85-99645-61-1

1. Governança corporativa. 2. Tecnologia da informação. 3. Inovação. 4. Sustentabilidade.


5. Globalização. I. Brandão, Carlos Eduardo Lessa. II. Fontes Filho, Joaquim Rubens. III.
Muritiba, Sérgio Nunes. IV. Título.

cdd – 658.4

Bibliotecária responsável: Mariusa F. M. Loução – CRB: 8-9995

O IBGC não é responsável pelo conteúdo dos textos que compõem a obra. Os autores
conhecem os fatos narrados pelos quais são responsáveis, assim como se responsabilizam
pelos juízos emitidos. Os casos narrados não necessariamente correspondem às
recomendações das melhores práticas preconizadas pelo IBGC.

Produção
Preparação de texto: Andrea Stahel; revisão de provas: Lucas Legnare; projeto gráfico, dia-
gramação e capa: Adriana Garcia; imagem da capa: Shutterstock; impressão: Gráfica Santa
Edwiges

Todos os direitos reservados


É proibida a reprodução total ou parcial de qualquer forma ou por qualquer meio. A violação dos
direitos do autor (Lei n. 9.610/1998) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.
Depósito Legal na Biblioteca Nacional coforme Lei n. 10.994, de 14 de dezembro de 2004.
Sumário

Prefácio – Governança para o Futuro...................................................................... 9


Ricardo Setubal
Introdução........................................................................................................... 13
Carlos Eduardo Lessa Brandão, Joaquim Rubens Fontes Filho,
Sérgio Nunes Muritiba

PARTE 1 – INOVAÇÃO NA GOVERNANÇA CORPORATIVA


1.1 – Contexto Internacional
Corporate Governance: Leadership, Strategy and Innovation............................ 19
Thomas Clarke
Sustentabilidade e Inovação na Governança Corporativa.................................. 33
Jacques Marcovitch
Como a Cultura de um País Influencia a Inovação: Israel, a Startup Nation........ 47
Adriana Adler
1.2 – Investidores
As Lições da Class Action em Face da Petrobras: A Necessidade da Governan-
ça Corporativa em uma Economia Globalizada................................................ 61
André de Almeida
Governança entre Essência, Aparência e Resultados: Precisamos Avançar!....... 73
Ana Siqueira
As Inovações Trazidas pelo Voto a Distância.................................................. 89
Cristiana Pereira e Tiago Curi Isaac
Governança em Negócios de Impacto para Fortalecimento de Estratégia e Miti-
gação de Riscos.......................................................................................... 105
Marcel Fukayama

7
1.3 – Administração
Stakeholders: Vitais, mas Sub-representados nos Processos Decisórios e na Go-
vernança Corporativa................................................................................... 119
Roberto S. Waack
Disrupção, Governança e Corporate Venture em Empresas Estabelecidas: Qual
o Papel do Conselho de Administração na Governança da Inovação?................ 129
Maximiliano Selistre Carlomagno
Inovação e Governança Corporativa: Limites das Tecnologias da Informação e
Comunicação.............................................................................................. 141
Carlos Eduardo Lessa Brandão

PARTE 2 – CASOS DE EMPRESAS INOVADORAS


Transformação Inovadora com Governança Sólida – Um Case de Sucesso: IBM... 159
Mônica Pires
A Receita da Cacau Show............................................................................ 165
Fernando Goes e Marcos Grasso

PARTE 3 – ANALISANDO OS IMPACTOS DAS TENDÊNCIAS DE INOVAÇÃO


3.1 – O Q ue o Futuro pode Trazer para os Negócios
Tecnologias Emergentes: A Grande Corrida Mundial....................................... 173
Guilherme Marco de Lima
Introduzindo os Caminhos de Convergência entre os Conselhos de Administra-
ção e a Tecnologia...................................................................................... 193
Hamilton M. Cunha Jr.
Por Que a Inovação Precisa de um Propósito?................................................ 205
Regina Magalhães e Tarcila Reis Ursini
O Tempo Futuro: Seis, Dezoito, e Trinta......................................................... 223
Leandro Fraga Guimarães e James Terrence Coulter Wright
Megatendências Globais e Tecnológicas e Possíveis Impactos para o Brasil...... 233
Anapatrícia Morales Vilha e Alberto Suen
3.2 – O F uturo e a Reconfiguração dos Negócios : Impactos para a Governança
Conselho de Administração: O Guardião do Longo Prazo................................. 247
Luciana Del Caro

Sobre os Organizadores........................................................................................ 255


Sobre os Autores.................................................................................................. 257

8
Prefácio
Governança para o Futuro

Ricardo Setubal

O que o IBGC quis provocar com a produção do livro Governança Corporativa e Inovação:
Tendências e Reflexões é uma análise do que já foi realizado até agora, na sociedade e
nas organizações, e compreender como a governança corporativa deve evoluir a partir
da ruptura de conceitos antigos de administração e das facilidades que as novas tec-
nologias trazem aos clientes, funcionários, sócios e demais partes interessadas. Nesse
contexto, o IBGC debate o papel do conselheiro de administração para suportar e ala-
vancar o processo da inovação.
Para enfrentar a complexidade do ambiente atual de negócios, é imprescindível
que o conselho de administração, mais do que nunca, crie e mantenha uma cultura
de inovação em toda a organização, identificando oportunidades e desenvolvendo a
capacidade de pensar e entregar processos, produtos e serviços de formas diferen-
tes e que criem valor. Deve avaliar se o próprio conselho e a liderança da organização
são diversos o suficiente para encontrar respostas para as expectativas e ansiedades
do consumidor e da sociedade, mais exigente e questionadora.
O que sempre se pergunta nos processos de inovação é o quanto a empresa está
disposta a perder – a curto e a longo prazos – e o quanto pretende participar de pro-
jetos com alto nível de incertezas. Essas definições encaminham tipos de investimen-
tos em inovação distintos, seja para reforçar o negócio existente seja para criar novos
negócios. Nesse sentido, é o conselho que definirá o nível de risco que a organização
está predisposta a aceitar em nome da inovação.
Outras questões que deverão ser respondidas pelo conselho nesta jornada são:
por onde começar a inovação? Nos produtos? Nos processos? Nas áreas? Investindo

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10 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endência s e r ef l ex ões

em startups? Com quem a organização precisa inovar, considerando que nem todo
conhecimento está disponível internamente? Como mensurar e auditar a capacidade
de inovação? Como preparar os talentos da organização e, inclusive, o conselho para
essa discussão?
A inovação é importante para ajudar as empresas a lidar com desafios como as
alterações climáticas e o desenvolvimento sustentável, já que os recursos do planeta
são finitos.
Outro ponto de reflexão está no crescimento demográfico global: a necessidade
de alimentar tanta gente. Mais do que isso, incluí-las no mercado de trabalho, ape-
sar da inteligência artificial e dos processos robotizados, cada vez mais sofisticados,
exigindo dos profissionais competências, habilidades e preparos únicos para esse
novo mundo.
Todas essas questões devem ser administradas com equilíbrio e de forma caden-
ciada, não apenas pelas organizações, mas também por todos os setores e agentes
da sociedade.
O Estado, por exemplo, pode desempenhar um papel mais direto na facilitação
e promoção da inovação. Investimentos conjuntos entre academia, iniciativa pública e
privada, voltados à pesquisa e ao desenvolvimento, podem fazer emergir inúmeras
possibilidades e resultados positivos para todos. Por isso é tão importante que o ecos-
sistema trabalhe em harmonia para encontrar soluções de baixo custo, baixo uso de
matéria-prima e alto desempenho.
O IBGC pergunta a si e ao leitor: estaria a governança corporativa promovendo a
inovação? Houve evolução na jornada da governança em todos esses anos, de uma
maneira que fomentasse o dinamismo dos negócios e acompanhasse os novos desa-
fios da humanidade? Quanto os agentes de governança influenciam positivamente na
capacidade de inovar de uma empresa e o que fazer para que isso aconteça?
Compreender as causas e os impactos de inovações e modelos de negócio que estão
surgindo é fundamental para que a governança corporativa continue evoluindo em prol
de uma sociedade melhor. Esperamos, portanto, que esta obra contribua para: ampliar
o espectro do conceito de inovação, superando o fator da tecnologia para alcançar o
olhar para o cliente; aumentar a capacidade da organização em acompanhar os efei-
tos da quarta revolução industrial; e preparar o conselheiro de administração e demais
agentes de governança para atuar positivamente nessa transformação.
pref ácio – gov ern a n ç a pa ra o f u tu r o 11

referências bibliográficas

Bobillo, Alfredo M.; Rodríguez-Sanz, J. A. & Tejerina-Gaite, F. “Corporate Governance Drivers


of Firm Innovation Capacity”. Review of International Economics, pp. 1-21, set. 2017.
“Empreender e Inovar é só Começar”. Painel 16 o Congresso IBGC, 2015. Palestrantes: Flavio
Pripas e Maximiliano Carlomagno. Disponível em: <http://canal-ibgc.mediagroup.com.
br/webcast/congresso/16/#>. Acesso em: 7 ago. 2018.
OECD (O rganisation for E conomic C o - operation and D evelopment ); Innovation for
Development. Paris, OECD Publishing, 2012. Disponível em: <https://www.oecd.org/
innovation/inno/50586251.pdf >. Acesso em: 7 ago. 2018.
Introdução

Carlos Eduardo Lessa Brandão


Joaquim Rubens Fontes Filho
Sérgio Nunes Muritiba

Inovação é essencial? Por quê? Como tratar esse tema no âmbito da governança
corporativa?
Uma resposta é que a empresa precisa estar constantemente atenta às mudanças
no contexto dos negócios, que estão desafiando, cada vez mais, sua capacidade de
se manter viável e íntegra ao longo do tempo – a necessidade de pensar e repensar
constantemente a estratégia e sua execução é cada vez mais presente.
Entretanto, pelos mais diversos motivos, as discussões recentes sobre governança
corporativa têm tido um foco excessivo no controle. Embora preservar o valor da empresa
seja importante, a boa governança corporativa também promove a sua criação. Nessa
linha, o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC recomenda
que, na tomada de decisão, os agentes de governança levem em conta, simultanea-
mente, o grau de exposição ao risco, que deve ser definido por cada organização, e a
prudência necessária, evitando-se os extremos tanto de um quanto de outro.
Inovar implica errar, consertar e concertar, além de lidar com falhas. No entanto,
hoje os sistemas de governança estão muito focados justamente em evitar falhas,
criando e/ou reforçando uma cultura de aversão ao erro, à experimentação – depois
de anos de operações como a Lava-Jato, está se criando uma sensação de aversão,
muitas vezes de pânico, diante de potenciais falhas, erros.
Este movimento pendular de foco em controles e aversão a riscos para uma visão
mais ampliada lembra o que ocorreu após os escândalos de governança na virada do
século XXI que levaram os EUA a promulgar, por exemplo, a Lei Sarbanes-Oxley (SOX).

13
14 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e r ef l ex ões

Houve quem considerasse as demandas da SOX excessivas, o que teria levado algumas
companhias a listar suas ações fora dos EUA1, embora tenha havido outras razões2.
O tema inovação, assim como outros ativos intangíveis, apresenta desafios para
ser devidamente estudado e implementado pelas empresas e investidores.
Em 2017, o IBGC tratou de outro tema intangível, a integridade na governança cor-
porativa3. A abordagem definiu integridade como a consistência entre o discurso e a
prática. Dois pontos foram levantados: a relação da integridade com o desempenho
da empresa e de que tipo de integridade se está falando, ou seja, sua qualificação.
Quanto ao primeiro ponto, integridade foi entendida como uma condição necessá-
ria, mas não suficiente, para o desempenho superior, tanto no nível individual quanto
no organizacional. Com relação ao segundo ponto, a integridade precisa ser devida-
mente qualificada, para não se promover a ideia indesejável da coerência entre dis-
curso e prática para se cometer ações ilegais, por exemplo.
O mesmo ocorre com o tema da inovação, quanto a ser condição necessária para
o desempenho superior e demandar uma qualificação – afinal de contas até as ativi-
dades criminosas podem se caracterizar pela inovação.
Um ponto de partida para se lidar com a inovação nas empresas está na obra do
economista Joseph Schumpeter 4, que sugeriu que “o impulso fundamental que inicia e
mantém o movimento do mecanismo capitalista decorre dos novos bens de consumo,
dos novos métodos de produção ou transporte, dos novos mercados, das novas for-
mas de organização industrial que a empresa capitalista cria”. Ou seja, assim como a
integridade, a inovação também é uma condição necessária, mas não suficiente, para
que o desempenho empresarial positivo seja mantido ao longo do tempo em ambientes
competitivos. Complementando Schumpeter e usando o código do IBGC como referên-
cia, não estamos tratando de qualquer tipo de inovação, mas daquelas que colaboram
para as empresas atuarem conciliando sua viabilidade com o bem comum.
Este livro se propõe a estimular a discussão sobre inovação no âmbito da governança
corporativa, de modo a assegurar a integridade empresarial ao mesmo tempo que per-
mite às empresas aprenderem, inovarem e se desenvolverem. Definir e implementar a
estratégia caminha junto com controles. Também é importante observar que, por mais

1. Ver: <https://www.investopedia.com/articles/financial-theory/09/how-sox-affected-ipos.asp>.
Acesso em: 15 ago. 2018.
2. Ver: <http://www.nytimes.com/2008/08/08/business/08norris.html>. Acesso em 15 ago. 2018.
3. C. E. L. Brandão, J. R. Fontes Filho e S. N. Muritiba (orgs.), Governança Corporativa e Integridade
Empresarial: Dilemas e Desafios, São Paulo, Saint Paul, 2017.
4. J. A. Schumpeter, Capitalism, Socialism and Democracy, 3. ed., Londres, Routledge, 1949.
in tr od u ç ã o 15

relevantes e urgentes que sejam as inovações ligadas ao uso da internet, sistemas de


tecnologia da informação e comunicação, a inovação é um tema mais amplo.
O livro está dividido em três grandes partes: inovação na governança corporativa;
casos de empresas inovadoras; e análise dos impactos das tendências de inovação.
A primeira parte aborda a inovação na governança corporativa em três âmbitos: do
contexto internacional, dos investidores e dos administradores. Três artigos tratam
do contexto da governança e da inovação. O primeiro destaca a importância do prin-
cípio básico da prestação de contas (accountability ) e da inovação na qualidade da
governança, em especial na liderança e no direcionamento estratégico exercido pelo
conselho, necessários para a empresa enfrentar seus cada vez mais complexos desa-
fios. Em seguida, enquanto um deles trata da complementaridade entre a boa gover-
nança e a inovação no âmbito nacional e internacional, o outro sugere diversos fatores
que teriam levado um país a se caracterizar pela constante inovação. No âmbito dos
investidores, quatro temas são abordados: a emblemática class action promovida
por investidores de grande empresa brasileira com ações na bolsa de Nova York e seus
impactos na governança; uma breve retrospectiva da governança, destacando algumas
iniciativas mais relevantes; o avanço da regulação e da prática do voto a distância no
Brasil e seus impactos na governança das empresas listadas; e soluções criativas para
financiar negócios nascentes e com perfil de promoção de impacto positivo na socie-
dade. Quanto ao âmbito dos conselhos de administração e diretoria, foi proposto um
caminho para administrar a necessária, desafiadora e estratégica relação da empresa
com seus diversos stakeholders, seguida de uma descrição de formas de se lidar com
a inovação pelo conselho de administração, com destaque para as corporate ventures
e, concluindo, foram levantados alguns riscos decorrentes do avanço das tecnologias
da informação e comunicação (TIC).
A segunda parte traz casos reais de duas empresas consideradas inovadoras: IBM
e Cacau Show. Mais do que apenas comentar a inovação dessas empresas, foi esti-
mulado que elas discorressem sobre a governança de uma empresa que inova. Esses
dois casos apresentam, então, empresas que cresceram tendo a inovação como pilar
e o papel da governança para que isso acontecesse.
A terceira parte busca listar e discutir as tendências delineadas pelas novas tec-
nologias, pelos movimentos sociais e ecológicos, pelas transformações nos sistemas
produtivos, e pelas reconfigurações geopolíticas e econômicas. Esse conjunto de ten-
dências, priorizadas e analisadas por um grupo de especialistas, aponta a gravidade
e a urgência que as ondas de inovação podem trazer para reconfigurar os ambientes
de negócio, talvez em certas indústrias de forma linear e incremental, mas em sua
16 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e r ef l ex ões

grande maioria através de rupturas e transformações radicais. Para analisar o impacto


dessas tendências nas configurações e práticas da governança corporativa, afetando
a atuação de conselheiros, executivos e investidores, realizamos um painel com espe-
cialistas em governança que avaliaram as dimensões desses impactos e como as prá-
ticas de governança deveriam evoluir para melhor lidar com essas transformações.
Assim, essa terceira parte, organizada em duas seções, traz, inicialmente, um con-
junto de cinco textos que apresentam a descrição e análise dessas tendências e, na
seção seguinte, um texto com os resultados e orientações do painel de especialistas.
Fica o nosso desejo que este livro inspire as empresas a adotarem uma postura
muito mais ativa em relação à inovação e permita grandes reflexões sobre o tema e,
ao mesmo tempo, um raciocínio crítico para escolher as melhores opções que se ade-
quem a suas necessidades.
Por fim, deixamos registrado um agradecimento mais do que merecido a toda
equipe do IBGC, fundamental para a organização deste livro e a promoção de assunto
tão importante. Em especial, gostaríamos de destacar o trabalho da Valeria Café, do
Lucas Legnare e do Tobias Coutinho por estarem perto de todo o exaustivo processo
de organização, com incansável dedicação e destacada competência.
PARTE 1
INOVAÇÃO NA GOVERNANÇA
CORPORATIVA

1.1
Contexto Internacional
Corporate Governance:
Leadership, Strategy and Innovation

Thomas Clarke

abstract: Corporate governance is essentially about accountability and innovation. The


principles of accountability are firmly set as the foundations for all the international cor-
porate governance codes practiced around the world and vital for all corporations for
investment and integrity. However, we have tended to forget about the role of corporate
governance in leadership, strategy and innovation, vital for the success of the company in
the long term. The board of directors is the epicentre of corporate governance and needs
to assure accountability is continuous and robust, to offer clear leadership in the strate-
gic direction of the company and ensure the company rises to the challenges of competi-
tion and change with continuous innovation of its products and processes.
keywords: corporate governance, board of directors, innovation, leadership, strategy

Corporate governance is essentially about two things – accountability and innovation.


We hear a great deal about accountability, and the principles of accountability are
firmly set as the foundations for all the international corporate governance codes prac-
ticed around the world. In the focus on the commitment to accountability, which is vital
for all corporations for investment and integrity, we have tended to forget about the
role of corporate governance in leadership, strategy, and innovation. This role of gov-
ernance is just as vital for the success of the company in the long term. The board of
directors is the epicentre of corporate governance and needs to assure accountability
is continuous and robust. But the other major duty of the board of directors is to offer
clear leadership in the strategic direction of the company and ensure the company
rises to the challenges of competition and change with continuous innovation of its

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20 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e r ef l ex ões

products and processes. This principle was firmly set in the first sentence of the origi-
nal Principles of Corporate Governance commissioned by the London Stock Exchange
(1992) where Cadbury stated “the role of the board is to drive the company forward”.
Without accountability the risk is recklessness in the company, but without strate-
gic direction and innovation the risk is paralysis. It is balancing these two dimensions
of board duties in a productive and forward-looking manner that is the real challenge
boards of directors face. This balance of board responsibilities is made very clear in
Tricker’s influential Framework of Board Duties1 (Figure 1). On the left side of the matrix
there is the emphasis on providing accountability and monitoring and supervising both
the past and the present. While on the right side are the duties of strategy formulation –
reviewing strategy, formulating new strategy, and creating and resourcing a future
focused organisation capable of and committed to innovation. This framework clearly
illustrates the competing demands and continual tensions upon boards of directors
to balance conformance and performance, to monitor the present while preparing for
the future, to provide monitoring and endorse strategy formulation. The framework is
a reminder of the multidimensional roles and responsibilities of boards and directors,
and of the need to avoid placing the entire emphasis on single functions.

Figure 1 – Framework of Company Board Duties

Source: Adapted from R. I. Tricker, Corporate Governance, 2014.

1. R. I. Tricker, Corporate Governance, 2014.


corporat e governance: l earder sh ip, stra tegy a n d in n ov a tion 21

The ideal portrayal of the board is as an active, deliberative, and decisive forum for
the business: boards of directors collectively determine the fate of the corporation by
the decisions they make. Certainly, the extensive portfolio of significant board activities
encompassing succession planning, budgeting, strategy, innovation, risk management,
compliance, disclosure, and corporate social and environmental responsibility suggests
a very full agenda. However to neglect strategic direction and innovation in favour of
a focus on compliance and monitoring is not going to deliver a vibrant and successful
future for the company. It is boards that are able to maintain strategic direction, inno-
vation, and accountability that are truly fulfilling their duties. Boards effectively man-
age the tension between accountability and value creation.

innovation and the learning board

Boards of directors are required to have an understanding of the fundamentals of the


business, and be capable of guiding the strategic direction of the enterprise. This means
they must engage in continuous intelligence gathering and analysis on the companies
operations and performance – they must become a learning board (Figure 2). Garratt
highlights how a board can combine monitoring the external environment, positioning the
company in changing markets, setting corporate direction, and deploying key resources2.
Innovation is the life-blood of companies, and the key to their continued success.
According to the OECD innovative companies are more productive, more resilient, more
adaptable to change and better able to support higher living standards 3. Innovation
may be broadly defined as “the design, invention, development and/or implementation
of new or altered products, services, processes, systems, organizational structures,
or business models for the purpose of creating new value for customers and financial
returns for the firm”4.
Innovation is not an isolated or limited activity and promoting an innovative culture
and commitment to continuous innovation is the secret of dynamic industries and com-
panies. As the OECD states, “innovation is a continuous, pervasive activity that takes
place throughout the economy. Firms constantly change products and processes, col-
lect new knowledge, and develop new ways of working”5. This is the development of
knowledge-based businesses. Knowledge-based business growth is dependent on the

2. B. Garratt, “The Learning Board”, 2003.


3. OECD, The OECD Innovation Strategy, 2010.
4. US Department of Commerce, Innovation, 2012.
5. OECD, op. cit., p. 34.
22 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e r ef l ex ões

quantity, quality, and accessibility and usefulness of ideas, creativity, and information,
rather than simply the material means of production. Schumpeter first recognized the
importance of knowledge in the economy in his reference to “new combinations of knowl-
edge” at the heart of innovation and entrepreneurship6. Later Penrose with her view of
dynamic capabilities identified the immense increase in the value of transferable knowl-
edge in the economy to the firm “the rapid and intricate evolution of modern technol-
ogy often makes it necessary for firms in related areas around the world to be closely
in touch with developments in the research and innovation of firms in many centres”7.

Figure 2 – The Learning Board

Source: Adapted from B. Garratt, “The Learning Board”, 2003.

6. J. Schumpeter, The Theory of Economic Development, 1934, p. 57.


7. E. Penrose, The Theory of the Growth of the Firm, 1995, p. xix.
corporat e governance: l earder sh ip, stra tegy a n d in n ov a tion 23

The scope of innovation has broadened as more industry sectors engage in con-
tinuous innovation, in technological innovation but also organisational and marketing
innovation. Innovation is associated with high technology industries but is relevant also
in medium and low technology industries. As the complexity and costs of innovation
have increased, innovation has become more open as firms partner to share costs,
discover complementary expertise, gain access to new technologies and knowledge,
and join innovative networks often around open source software.
This collaboration is often the key to innovation with companies working with exter-
nal partners, suppliers, customers, and universities. The degree of openness influences
access to knowledge, and while firms often seek to retain their core capabilities, open
innovation can involve less risk and cost than in-house development, with a larger base
of ideas and technologies to draw upon. The development of knowledge networks and
markets becomes critical to the innovation process with the transfer of intellectual prop-
erty, know-how, and software.
Innovation incorporates five types of activity:

• new production methods;


• new sources of supply;
• the creation of new products;
• the capitalisation of new markets;
• organising business in new ways.

This latter type especially contains new methods of creating value through collab-
orative innovation including through partnerships, strategic alliances, joint ventures,
and technology/patent relationships that allow firms combining own competencies with
those of other firms
However, innovation carries risks that executives and boards often are reluctant to
face8. Business people often recognise the need for innovation, and there is a thirst for
fresh ideas. The underlying tone often suggests that “it’s interesting” rather than “it’s
central to our strategy”. Managers are well aware of the need to innovate constantly.
However, they often convey a sense of interest, as opposed to urgency and priority. It
has to be realised that innovation is not something you just do at one point in time –
it has to be continual. You can’t stop still with so many significant changes occurring
and the advent of the internet, and the Internet of Things. This impacting upon much
of what is going on in the world today, that you need to be continually upgrading your

8. L. Leung et al., The View From the Top, 2016 Innovation Report, 2016.
24 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e r ef l ex ões

business and making sure that you are fit for market in every sense of the word, which
means continually transforming your processes and developing your people.
There’s often a recognition by boards that if you do not innovate you will become
irrelevant. There is a thirst for knowledge. Boards spend a lot of time searching for
outside stimulus and learning from different perspectives. Industry can be very insu-
lar, and business executives talk frequently and often convince themselves the world is
as it is, when fundamental changes are occurring out of their line of sight. The scope
of real interest in innovation tends to be more “incremental” than “game changing”
as this is safer. Because incremental innovations are less risky and generate quicker
return on investment, many companies prefer to focus on these. It is easier to carry
investors with incremental innovation when results are more immediate, if often only
modest. Executives and boards of directors may willingly contemplate the scenarios
of a digital world threatening their business model. But they do not see the disruptive
threats that may threaten them immediately. Though in the back of their minds exec-
utives and board members are often worried that radical innovation could always hap-
pen externally and sweep away any competitive advantage they may presently possess.

the strategic role of the board

Central to the board’s contribution to innovation in the enterprise, is a strong sense


of strategic direction flowing from the deliberations of the board. As Pugliese and
Zattoni maintain, “boards are becoming more actively involved in strategy9. Boards
have affected important elements of strategies, such as the scope of the firm 10,
entrepreneurship and innovation 11, strategic change 12, R&D strategies, and interna-

9. S. A. Zahra and I. Filatotchev, “Governance of the Entrepreneurial Threshold Firm: A knowledge-based


Perspective”, Journal of Management Studies, vol. 41, n. 5, pp. 885-887, 2004.
10. L. Tihanyi et al., “Institutional Ownership Differences and International Diversification: The Effects of
Boards of Directors and Technological Opportunity”, The Academy of Management Journal, vol. 46,
n. 2, pp. 195-211, 2003.
11. V. H. Fried, G. D. Bruton, and R. D. Hisrich, “Strategy and the Board of Directors in Venture Capital-
backed Firms”, Journal of Business Venturing, vol. 13, n. 6, pp.493-503, 1998. S. A. Zahra, D. O.
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Internal Governance on Corporate Innovation Strategies”, The Academy of Management Journal, vol.
45, n. 4, pp. 697-716, 2002.
12. J. D. Westphal and J. W. Fredrickson, “Who Directs Strategic Change? Director Experience, the
corporat e governance: l earder sh ip, stra tegy a n d in n ov a tion 25

tionalization13”14. Board of directors’ involvement in strategy may be operationalized in


a number of ways:

• boards may be expected to participate in general strategy and decision-making


(including defining the mission and vision of the company);
• boards may contribute to shaping specific strategic outcomes, which might include
internationalization of operations, corporate entrepreneurship, diversification, or
restructuring, for example;
• boards may take part in various phases of the strategic decision-making processes,
whether by identification of the most appropriate strategic direction, ratification,
implementation, or evaluation15.

In normal circumstances boards do not pursue strategies of their own and act in
concert with executive management in developing strategy. “Corporate entrepreneur-
ship is the result of interactions between board members and the TMT [top management
team]16 […]. Boards’ contribution occurs through continuative actions and interactions
with managers; henceforth, collaboration, empowerment, and trust should be consid-
ered as key drivers of effective innovation activities”17. (However, at times of company
crisis – the responsibility for which is attributed to the incumbent executive manage-
ment –, it is sometimes necessary for the board of directors to seize the reins of power,
if only to install a new executive management.)
The competitive challenges that companies face and need to devise strategies to
succeed in are complex, and the composition and talents of boards are diverse, and
therefore the strategic role that boards may play and how they play this is difficult to
define in advance. As Pugliese and Zattoni conclude:

Selection of New CEOs, and Change in Corporate Strategy”, Strategic Management Journal, vol. 22,
n. 12, pp. 1113-1137, 2001.
13. W. M. Sanders and M. A. Carpenter, “Internationalization and Firm Governance: The Roles of CEO
Compensation, Top Team Composition, and Board Structure”, Academy of Management Journal, vol.
14, pp. 158-178, 1998.
14. A. Pugliese and A. Zattoni, “Board’s Contribution to Strategy and Innovation”, 2012, p. 221.
15. Idem. A. Pugliese et al., “Boards of Directors’ Contribution to Strategy: A Literature Review and
Research Agenda”, 2009.
16. S. A. Zahra, I. Filatotchev, and M. Wright, “How Do Threshold Firms Sustain Corporate
Entrepreneurship? The Role of Boards and Absorptive Capacity”, 2009.
17. A. Pugliese and A. Zattoni, op. cit.
26 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e r ef l ex ões

Overall, while there is an agreement in terms of boards’ primary function in shaping


firm innovation and corporate entrepreneurship, there is a dearth of clarity with regard to
the type of activities that should be pursued by board members. Strategic decision-making
and entrepreneurial actions are the result of a process that requires involvement, skills and
knowledge from the participants aside from the monetary incentives. According to resource-
based views of the firm, boards act as a catalyst of knowledge and resources necessary to sup-
port managers in defining the strategic posture18. Aside from this view, empowerment, trust
and collaboration between (outside) board members and insiders is crucial to determine pos-
itive choices in terms of entrepreneurial activities19.20

Table 1 – Typology of Directors

Knowledge of day-to-day operations; Management nexus


Executive directors
communicate and implement decisions focused
Non-executive Long-term planning;
Strategy; continuity; expertise
(“outside”) directors oversight of key risk areas
Conflict-sensitive
“Independent” directors Perspective; objectivity
functions

Source: Adapted from G. Kirkpatrick, “Typology of Directors”, 2004.

Inevitably though boards of directors will be involved in strategy in some way, as


Harvey-Jones rhetorically asks: “if the board is not taking the company purposefully
into the future who is?”21 But it is difficult to ascertain what is an appropriate level of
involvement. Sarah Hogg, chair of 3i, one of the most strategically innovative companies
in the FTSE 100 commented: “indisputably, this is a board function, but how is strat-
egy set? Where do strategic discussions end and management responsibilities begin?”,
and argues: “the need to see the board’s strategic responsibilities as long-term, aspi-
rational, and qualitative, in contrast to short term budget-setting or competitive strat-
egies”22. There is here a distinction between the long term oversight of strategy that
is rightly the board’s responsibility, and the creation and implementation of strategies
which is the role of executive management (Table 1). It is the formulation and endorse-
ment of strategy that the board can be at its most cohesive, as Stiles and Taylor argue:

18. S. A. Zahra, I. Filatotchev, and M Wright, op. cit.


19. J. Gabrielsson, “Correlates of Board Empowerment in Small Companies”, 2007.
20. A. Pugliese and A. Zattoni, op. cit., p. 226.
21. J. Harvey-Jones, Making it Happen, 1998, p. 162.
22. A. Cadbury, Corporate Governance and Chairmanship, 2002, p. xii.
corporat e governance: l earder sh ip, stra tegy a n d in n ov a tion 27

Close working between the executive and non-executive cadres promotes enhanced stra-
tegic discussion, greater information flow between members, and a lack of dominance of any
one individual or sub-group over the board as a whole. One major problem with the adversar-
ial view is that it downplays the role boards can play in the strategy process and in shaping
the identity of the organization […]. Board involvement in the strategy process entails a much
higher degree of collaboration between executives and non-executives and in a real sense a
relaxing of the constraints of independence in order for trust to be generated and social cohe-
sion to be established23.

As with the conduct of other board duties however, there is a gradation of engage-
ment in strategic involvement, from passive boards that adopt a minimalist approach
to their statutory duties, to boards that adopt a review and approve stance, to boards
that do seek an active partnership with executive management in establishing the stra-
tegic direction of the enterprise (Table 2).
A strategic board is one that contributes to the leadership and direction of the
business through a mix of monitoring and supportive behaviours vis-à-vis executives.
Non-executives need to be continuously active in respect of both strategy process
(how strategy is developed) and strategy content (the substance of choice, change,
and risk involved in corporate strategy). There is a strong consensus that responsibil-
ity for developing strategy rests with the chief executive, in concert with his/her exec-
utive committee. Non-executives then make an important contribution by bringing to
bear experience and knowledge gained outside the organization, to challenge and test
both the overarching strategic framework of the business as well as specific propos-
als for strategic investment, divestment, and change24.
There is a frequent concern that too great an involvement in developing and monitor-
ing strategy will lead inevitably to the board attempting to second-guess executives as
they strive to implement strategies and make them succeed. Cadbury and Millstein advise:

Perhaps boards should focus on a narrower band of responsibilities. For example, it has
been suggested that boards focus primarily on strategies to maximise the long-term sustain-
able value of the company, with oversight of operational decision-making becoming less of a
focus. This would allow the board to look beyond financial results and enable it to instead look
to sustainable performance indicators such as product or service quality, customer satisfaction,

23. P. Stiles and B. Taylor, Boards at Work: How Directors View Their Roles and Responsibilities, 2002,
p. 2.
24. T. McNulty, J. Roberts, and P. Stiles, Creating Accountability Within the Boardroom: The Work of the
Effective Non-Executive Director, 2003, p. 2.
28 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e r ef l ex ões

innovation, employee commitment and relationships with outside stakeholders. Boards should
be urged to assure themselves that their responsibilities are realistic and capable of being ful-
filled, not just enumerated. Investor and management expectations should be managed, so
that boards are held accountable for those matters within their remit25.

Table 2 – The Strategic Involvement of the Board

strength of involvement description gradation of engagement

Pro-forma
Minimalist
Statutory
Statutory boards Managerial control
Ratifying
Passive Legalistic
First-level board

  Review and approve


Review boards Review and analysis
Second stage board
Third party

Active Collegial
Shared leadership
Partnership Participative
Normative/strategic
Maximalist
Partnership

Source: Adapted from P. Stiles and B. Taylor, Boards at Work: How Directors View Their Roles and Respon-
sibilities, 2002.

This projects a better working relationship for board’s involvement in strategy, rather
than continually intruding on management’s implementation, or challenging manage-
ment in open confrontation, the board works consistently to shape the sustainable
future of the enterprise:

The board’s engagement in gatekeeping activity, screening strategic options and revis-
ing and in some case rejecting strategic proposals, provides a strong means to shape the
direction of the organization. Though research had identified the board’s role in reviewing

25. A. Cadbury and I. M. Millstein, The New Agenda for ICGN, 2005, p. 27.
corporat e governance: l earder sh ip, stra tegy a n d in n ov a tion 29

and assessing proposals as an important element in adding value to the organization26, the
lack of evidence for boards overturning proposals has been used to support the manage-
rialist claim. However, in teasing out the detail of this process, it is clear that boards set
standards, for the quality and nature of proposals that are eventually presented before it;
they set the boundaries of what is acceptable in a proposal and what is not27.

The dilemmas concerning the proper role of the board of directors in strategic direc-
tions are related to the differing views regarding the purposes of value creation. As
Huse and Gabrielsson suggest there are markedly different views regarding the true
purpose and direction of value creation by companies with agency theorists assuming
value creation is primarily for shareholders, and managerialists suggesting it is monop-
olized by the interests of management, while stakeholder perspectives adopt a broader
view of the purposes of value creation for all those who have made a contribution to
the success of the company, and team production theories that see value creation in
terms of the broad interests of the firm and recognize the importance of value creation
through the whole of the value chain28.

leadership

Ultimately the role of the board of directors, and the purpose of corporate governance,
is to practice leadership. There are many definitions and qualities of leadership stretch-
ing from great men, to strongly task oriented, to the capacity to shape relationships,
and offer transcendental values for example in pursuing shared goals29. In facing the
complex challenges of today leadership necessarily involves the capacity to under-
stand complex global socio-economic and environmental risks, and emergent tech-
nologies. This requires the development of a global and systems mind-set, developing
skills of open-mindedness, inclusivity, and long-term thinking, with the capacity to
navigate complexity30.

26. A. Pettigrew, “On Studying Managerial Elites”, Strategic Management Journal, vol. 13, pp. 163-182,
1992. E. Ferlie et al., The New Public Management in Action, Oxford, Oxford University Press, 1996.
27. P. Stiles and B. Taylor, op. cit., p. 119.
28. M. Huse and J. Gabrielsson, “Board’s Contribution to Strategy and Innovation”, 2012, p. 234.
29. CISL, Global Definitions of Leadership and Theories of Leadership Development, 2016.
30. Idem.
30 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e r ef l ex ões

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Exploring the Effects of Ownership and Governance Systems, Journal of Management,
vol. 26, n. 5, pp. 947-976, 2000.
Sustentabilidade e Inovação
na Governança Corporativa

Jacques Marcovitch

resumo: O artigo mostra, por meio de casos concretos internacionais e brasileiros, como a
inovação e a boa governança corporativa conciliam a produtividade e a sustentabilidade.
Para isso, é recomendado que incentivos remuneratórios, normalmente associados ao
desempenho financeiro, sejam aplicados às metas socioambientais. Trata-se de metas
incontornáveis para que o Brasil cumpra a Contribuição Nacionalmente Determinada assu-
mida em Paris para o horizonte 2030. São metas de redução de emissões de carbono e
de expansão da cobertura florestal. Metas que demandam inovações tecnológicas, como
aquelas já realizadas no campo das energias renováveis, além de novas políticas de requa-
lificação e educação. Políticas que dependem de empresas e governos unidos em uma
sinergia voltada para que o país conquiste seu lugar no futuro.
palavras-chave: inovação, sustentabilidade, pesquisa, governança, educação, ética, Brasil

Trataremos nesta abordagem de cenários e casos concretos, resultantes de comple-


mentaridade entre a inovação e a boa governança corporativa. Grandes inventos ou
ações precursoras na economia teriam permanecido no campo abstrato das ideias,
longe da realidade, não fosse a visão de gestores guiados pela vocação transformadora.
Comecemos focando a cena internacional. Foi uma gestão estratégica e ou-
sada que antecedeu, nos países desenvolvidos, a mais do que celebrada revolução digi-
tal. E esta nova era tecnológica, diferentemente do que aconteceu nos séculos ante-
riores, não se restringiu àquelas grandes e quase inacessíveis exposições em Londres,
Paris e Nova York. Ali chegavam, deslumbrados, o visconde de Mauá e outros pionei-
ros do nosso desenvolvimento. Hoje, as inovações estão bem mais perto de todos nós.

33
34 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e ref l ex ões

a nova revolução industrial

Os historiadores da indústria registram três momentos da tecnologia na marcha dos


séculos: a era do acaso, a era artesã e a era dos técnicos. Agora vivemos uma tecno-
logia ainda sem registro nos livros de história, uma tecnologia impensável na virada
para o século XXI. Os produtos inaugurais da nova indústria brilham a toda hora nas
plataformas digitais e em outros espaços da mídia. Ultrapassam, em modernidade,
o quase milagre do sistema de posicionamento global (GPS) e seus derivados ainda
mais precisos. Depois dos impactos da robótica, o mundo acompanha testes avan-
çados com automóveis que dispensam condutores; geladeira autossuficiente para se
reabastecer sozinha e comprar on-line o que falta em suas prateleiras; fios têxteis bio-
degradáveis em 36 meses contra as sete décadas da fibra sintética; e as impresso-
ras 3D que extasiam os consumidores. Mas a onda digital não se limita a produtos.
Manifesta-se, principalmente, nos processos industriais. Encurta os prazos de acaba-
mento, proporciona ganhos impensáveis de produtividade, multiplica robôs inteligen-
tes nas linhas de produção.
Esta era movida a algoritmos iniciou-se nos grandes núcleos mundiais de pesquisa.
Já se prevê que em 2020, ou seja, daqui a pouco, ativos digitais representarão pelo
menos 75% do valor das empresas nos Estados Unidos. No Brasil, e principalmente
em São Paulo, a aferição da performance acadêmica é um dos mecanismos para ade-
quar nossa universidade aos novos tempos.
Na origem desta revolução, além das estratégias de governança corporativa, estão
mudanças curriculares de longo alcance em grandes universidades. Na Universidade
de São Paulo (USP) há vários cases a citar. Na Escola Politécnica o InovaLab, no qual
a disciplina de inovar é oferecida a estudantes de cursos diversos das engenharias.
Na USP há muitos exemplos de moderno empreendedorismo científico. Um deles é o
laboratório Ocean no qual os estudantes fazem rápidos cursos de conhecimento téc-
nico sobre aplicativos virtuais. Em 2018, a instituição inaugurou a Fábrica do Futuro,
simulando ambientes produtivos que se configuram para ganhar similitudes com a
indústria 4.0.
Seria útil inventariar todas as corporações receptivas à cooperação com as univer-
sidades. O ponto de referência pode ser a Confederação Nacional da Indústria (CNI)
para conhecer o programa Mobilização Empresarial pela Inovação sob sua coorde-
nação, visando a integrar políticas públicas, estratégias e investimentos que viabilizem
a transformação industrial no Brasil. A produção inteligente por sensores, mecanis-
mos conectados e outros meios – eis uma demanda que a universidade de pesquisa
s us t ent ab il idade e inovaç ã o n a gov er n a n ç a c orpor a tiv a 35

pode atender, a fim de levar o processo industrial para muito além da manufatura
e da distribuição. O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), respon-
sável por esta publicação, é outra importante fonte brasileira de dados para alimen-
tar novas políticas e estratégicas de empresas focadas em novos métodos de ges-
tão e produção.

conformidade em pauta

Destaque-se, antes de chegarmos ao cenário tecnológico no Brasil do nosso tempo,


uma questão recorrente em reuniões de conselhos de administração nas empresas
de todo o mundo. Relaciona-se essa questão com a ética e a conformidade na gover-
nança corporativa.
A relevância das práticas de compliance passou a ganhar vulto na crise de 2008,
quando se evidenciaram ilicitudes nas práticas do sistema financeiro americano. O
mesmo fenômeno de desvio de finalidade, com características locais e específicas,
ocorreu muito recentemente na indústria automotiva da Alemanha e na indústria bra-
sileira da construção.
Pode-se dizer que, em consequência de fatos lamentáveis, grande parte do sis-
tema organizacional privado aprendeu muito e atribui, hoje, peso máximo a este impor-
tante processo de governança. A conformidade, sabemos, torna-se concreta quando
os meios de gestão se alinham com as leis vigentes, regulamentos, contratos e estra-
tégias de procedimento. Busca-se igualmente, como em nenhuma outra fase da nossa
história corporativa, monitorar os riscos e os custos de eventual descumprimento das
normas que separam o erro do acerto diante dos preceitos legais.
Importa, e muito, enfatizar que o setor de compliance em toda corporação pre-
cisa de autonomia plena e irrestrita. No organograma da empresa deve ocupar espaço
imune a qualquer interferência hierárquica. Somente assim, livre como uma correge-
doria, este departamento contribuirá para evitar decisões fora da legalidade.
Ainda neste item, precedendo notável case de governança ambiental, destaque-
mos o exemplo da Petrobras em 2017. Abalada por escândalos a partir de 2015, seu
valor de mercado, que era de R$ 310 bilhões antes daqueles eventos, despencou para
R$ 67,2 bilhões. A partir de 2018, porém, a empresa começa a renascer. Em função
da reestruturação interna de sua governança, a Petrobras reduziu significativamente o
seu endividamento líquido. Uma reestruturação fundamentada em um modelo de ges-
tão no qual os dirigentes públicos têm autonomia com responsabilização pelos resul-
tados e no qual a meritocracia é um dos pilares essenciais.
36 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e ref l ex ões

sustentabilidade e produção

Outro fator que influencia cada vez mais o universo corporativo é a sustentabilidade
nas ações empresariais. No Brasil, um exemplo veemente na direção à chamada eco-
nomia verde foi dado pelo setor sucroenergético. Desde o início dos anos 1980, as
indústrias automotiva e canavieira vêm adotando práticas inovadoras com a produção
do mais limpo e menos custoso biocombustível do mundo. Imaginemos, para avaliar
as vantagens ambientais do etanol brasileiro, um cenário com as ruas da capital de
São Paulo. Ali estão benefícios invisíveis, mas absolutamente reais, trazidos pelo uso
do etanol à qualidade de vida na grande metrópole.
Desde quando a nossa indústria automotiva implantou a tecnologia flex no Brasil,
o uso do biocombustível feito de cana, seja na forma de etanol anidro (misturado à
gasolina) ou hidratado (obtido direto na bomba), em carros e motos nacionais evitou a
emissão de 437 milhões de toneladas de gás carbônico (CO2) na atmosfera1. O cálculo
é da Unica, entidade que congrega os maiores produtores de etanol do Brasil, e ganha
ainda mais força quando associado à metodologia da Fundação SOS Mata Atlântica
para estimar a absorção de CO2 por árvores nativas via fotossíntese. São necessárias
7,14 árvores para tragar cada tonelada de carbono. Com isso, para obter o mesmo
benefício do poluente evitado pelo etanol em uma década e meia, seria preciso plan-
tar e manter mais de três bilhões de árvores nos próximos vinte anos.
Em complemento, análises do professor Paulo Saldiva, da USP, realizadas na década
de 2010, concluíram que o consumo do etanol em oito regiões metropolitanas – e o
consequente descarte de gasolina – evitou aproximadamente 1,5 mil mortes por pro-
blemas cardiovasculares e mais de nove mil internações decorrentes de problemas
respiratórios e cardiovasculares ligados aos gases emitidos por combustíveis fósseis2.
Além disso, estudo recente comprova que o volume de partículas ultrafinas na cidade
de São Paulo aumenta quando é reduzida, por motivo de disponibilidade ou de política
de preços relativos dos combustíveis, a quantidade de etanol que se coloca na gasolina3.
Tais benefícios na qualidade do ar poderão ser ainda maiores até 2030, ano em que
o Brasil terá de atingir a meta de redução de 43% das emissões domésticas de gases
de efeito estufa (GEE), conforme assumiu no Acordo de Paris. O nosso país, referência

1. Única, “Emissões Evitadas pelo Etanol nos Flex Equivalem a Plantio de Bilhões de Árvores”, 20 dez.
2017.
2. P. H. N. Saldiva et al., “O Etanol e a Saúde”, 2010.
3. A. Salvo et al., “Reduced Ultrafine Particle Levels in São Paulo’s Atmosphere during Shifts from
Gasoline to Ethanol Use”, Nature Communications, 2017.
s us t ent ab il idade e inovaç ã o n a gov er n a n ç a c orpor a tiv a 37

internacional entre os melhores casos de produção e uso de energias renováveis, com


matriz energética 40% limpa, contra a média mundial de apenas 13%, contemplou
destacadamente o etanol em seu plano climático. Nos próximos doze anos, a oferta do
produto deverá saltar dos atuais 27 bilhões de litros para cerca de 45 bilhões de litros.
Para alcançar essa meta, a indústria canavieira terá de fazer investimentos ele-
vados. Os cálculos do setor apontam para um montante de US$ 40 bilhões em 2030.
Implantação de novas usinas e melhoria da produtividade média dos canaviais são
desafios latentes. O primeiro deles depende de uma combinação de fatores econô-
micos e políticos que norteiam a previsibilidade de qualquer aporte financeiro, ainda
mais considerando o alto custo de construção de uma usina, algo em torno de R$ 1
bilhão. Já em relação ao rendimento da cana por hectare cultivado, vislumbra-se um
horizonte com maior nitidez.
No Centro-Sul do Brasil, região que concentra 90% da produção canavieira nacio-
nal, a produtividade média anual é de 75 toneladas de cana por hectare (ton/ha/ano).
Especialistas estimam que, aliando práticas de renovação dos canaviais, a cada cinco
ou seis anos, com a incorporação de variedades mais resistentes a pragas e doen-
ças, o rendimento da cana poderá ficar acima de 85 toneladas por ha/ano. Em 2016,
o Brasil lançou a primeira cana transgênica do mundo, imune a tais perigos que pode-
riam causar prejuízos da ordem de R$ 5 bilhões por ano. Em 2018 o país ratificou seu
protagonismo no agronegócio mundial ao anunciar o desenvolvimento de uma segunda
versão geneticamente modificada. O projeto será conduzido por diversos núcleos de
pesquisa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e promete entre-
gar uma variedade ainda mais completa do que a anterior.
O Brasil é o segundo maior fabricante de etanol do mundo, à frente da China e logo
depois dos Estados Unidos. Dados do Ministério da Agricultura revelam que as usi-
nas brasileiras converteram parte dos 640 milhões de toneladas de cana processadas
na última safra (2017/2018) em 27 bilhões de litros do combustível. Quantidade sufi-
ciente para encher, diariamente, os tanques de mais de 27 milhões de carros e 4,5
milhões de motos flex no país. Os veículos flex representam cerca de 73% da frota
total em circulação, além de corresponder, em média, a 90% dos novos licenciamen-
tos registrados nos últimos dez anos.
Hoje, grande parte das usinas de cana-de-açúcar existentes no Brasil deixou de ser
administrada por seus proprietários. Um cenário diferente do existente na década de
2000, quando a maioria das corporações apresentava um perfil familiar. Na gestão do
setor, os donos deram lugar a CEOs. A abertura de capital na bolsa de valores passou
a exigir normas de compliance, aumentando a transparência no relacionamento com
38 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e ref l ex ões

os acionistas. Na indústria, políticas de boa governança ganharam escala nos depar-


tamentos de recursos humanos. No campo, processos de produção submeteram-se a
rigorosas aferições com o objetivo de garantir sustentabilidade. Dentre elas, a meca-
nização da colheita, que aboliu completamente as queimadas nos canaviais.
Os dados aqui arrolados evidenciam um expressivo case de sucesso na história do
empreendedorismo do Brasil. O segmento canavieiro vem enfrentando fortes desa-
fios desde a crise do petróleo, nos anos 1970, quando o governo brasileiro o chamou
para abastecer a frota veicular interna, diminuindo a dependência da gasolina e permi-
tindo o surgimento do carro totalmente movido a álcool. A partir de então, e até o êxito
da tecnologia flex, o etanol brasileiro tornou-se um referencial histórico de inovação
e sustentabilidade – fatores indissociáveis na governança corporativa do século XXI.
Esse êxito torna-se ainda mais relevante diante da mobilização mundial para redu-
zir as emissões de carbono. Em maio, de 2018, a Ethos, Fundação Suíça para o
Desenvolvimento Sustentável, coassinou uma carta ao jornal Financial Times, pedindo
às companhias petrolíferas que fizessem mais para apoiar o Acordo de Paris. A carta
foi assinada por sessenta investidores institucionais que administram um total de US$
10,5 bilhões. Essa carta exige “que a indústria de petróleo e gás se torne mais trans-
parente e assuma a responsabilidade por suas emissões de gases de efeito estufa”4.

métricas e bônus por desempenho

É importante insistir na relevância da sustentabilidade como item de boa governança


corporativa. O tema está nitidamente associado à inovação nos planos estratégicos
de empresas bem geridas. Enquadram-se aqui os habituais relatórios de sustentabili-
dade. Esses documentos devem ser explícitos nas quantificações de objetivos, tradu-
zidos em métricas e prazos, com grande clareza e rigor metodológico.
As questões ambientais são de grande complexidade. Isso decorre das variáveis
múltiplas que determinam o seu entendimento e da multiplicidade de atores (comuni-
dade científica, governos, empresas, sociedade civil, entre outros) que se devem articu-
lar para responder aos seus desafios específicos. Diante desse quadro, para promover
as mudanças necessárias, os reptos ambientais exigem indicadores de compreensão
universal, que viabilizem ações concertadas e possam levar eventualmente a um novo
modelo de desenvolvimento.

4. Ethos, “Lettre demandant aux sociétés pétrolières de s’engager davantage pour soutenir l’objectif de
l’Accord de Paris”, 19 abr. 2018.
s us t ent ab il idade e inovaç ã o n a gov er n a n ç a c orpor a tiv a 39

Uma boa unidade de medida, escreve Robert Crease, deve satisfazer três condi-
ções. Tem de ser fácil de relacionar, combinar elementos para medir com a escala
apropriada (nenhum índice usando centímetros para descrever distâncias geográficas)
e ser estável no tempo. Em seu livro World in the Balance (2011), esse professor des-
creve a busca do homem pela mensuração e mostra que a metrologia pode, nas mãos
certas, contribuir para mudar o mundo.
Indicadores são meios pelos quais a sustentabilidade ambiental pode ser mais con-
creta e definida mais especificamente. Os indicadores quantitativos são a base para a
fixação de metas e avaliação de desempenho. Há dois grupos principais de mensura-
ções relevantes para a sustentabilidade ambiental:

• A mensuração de emissões provenientes de setores-chave que incluem a ener-


gia, a indústria e a destruição de florestas, além do transporte e da gestão de
resíduos.
• A mensuração do uso dos recursos naturais em setores específicos e na economia
como um todo, como o uso de energia por unidade do Produto Interno Bruto (PIB).

Trata-se, portanto, de capturar, além da evolução dos fatores que degradam


o ambiente, os impactos de políticas públicas e investimentos em setores-chave.
Alinham-se, nesse sentido, perguntas e respostas em torno da mensuração da sus-
tentabilidade ambiental, seus desdobramentos e avanços possíveis. Quais as métri-
cas a serem priorizadas para desatrelar o crescimento econômico do uso de recursos
naturais e da emissão de gases de efeito estufa? Aquelas que incidem na redução,
por unidade, do consumo de energia, redução das emissões de GEE, redução do con-
sumo de água e redução de dejetos.
Por outro lado, é necessário quantificar também aumentos do número de paten-
tes e a extensão de cobertura florestal. A boa governança corporativa tem, neste item,
um grande papel a desempenhar. Assim, o Brasil poderá transformar seu potencial
ambiental em uma vantagem comparativa e promover a inovação tecnológica como
instrumento de crescimento sustentável, preservando a biodiversidade.
Como criar um ambiente que favoreça as inovações tecnológicas que mitigam as
emissões de gases de efeito estufa? Elevando as compensações aos pesquisadores e
inventores que obtêm o registro de patentes para processos e produtos redutores de
GEE; valorizando nos currículos das escolas técnicas e das faculdades de engenharia
os processos de inovação; e reduzindo drasticamente o prazo, atualmente de seis a
nove anos, para o registro de patentes no Brasil.
40 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e ref l ex ões

Outra forma é valorizar as empresas que priorizam as metas ambientais em seus


programas de remuneração variável dos seus dirigentes. Cinco empresas brasileiras,
entre as quais a Natura, a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e o Banco
do Brasil se encontram no “2018 Global 100” da Corporate Knights. Esse ranking
canadense seleciona empresas com base na adoção de indicadores de desempenho,
como eficiência energética, redução de emissões de carbono, uso racional de recursos
hídricos e diminuição de dejetos por unidade produzida. Entre os indicadores deter-
minantes da classificação encontra-se o “bônus por desempenho” quando a remune-
ração dos executivos está associada à performance da empresa em sustentabilidade.

o nordeste e a inovação

Depois do eloquente exemplo da indústria da cana-de-açúcar e do seu desempenho


sustentável mais visível na região Sudeste, cheguemos ao Nordeste brasileiro, que vem
emergindo como surpreendente laboratório de inovação tecnológica. Nele se dese-
nham e se implantam notáveis experiências focadas em demandas da própria região
e também de corporações multinacionais em busca de maior eficiência nos proces-
sos de produção.
O Nordeste concentra apenas 15% do PIB e 28% da população brasileira. Como
diz a respeitada economista local, Tânia Bacelar, é “economia de menos e gente de
mais”, o que torna o mercado de trabalho estruturalmente problemático e padrões edu-
cacionais ainda insatisfatórios, apesar de consideráveis avanços do ensino básico5.
O ponto relevante a destacar nessa emergência de inovação, que de alguma forma
compensa em parte as desigualdades históricas na distribuição de renda, é a rápida
montagem de redes produtoras de energia eólica. O Ministério de Minas e Energia
estima em cerca de 200% o incremento da demanda brasileira por eletricidade nos
próximos trinta anos. Isso trará ainda maior protagonismo à oferta de energias reno-
váveis que toma corpo naquela região. Os observadores acadêmicos e os meios de
comunicação têm repercutido fortemente o desempenho da energia eólica no local.
Segundo a Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica) houve um período,
no ano passado, em que essa fonte gerada pelo vento chegou a atender 60% do con-
sumo regional. Em dezembro de 2017, durante um leilão energético, estabeleceu-se

5. O. Balmant, “Visão do Resto do País sobre Nordeste é Negativa e Falsa, Diz Economista”, Folha de
S.Paulo, 22 mar. 2018.
s us t ent ab il idade e inovaç ã o n a gov er n a n ç a c orpor a tiv a 41

uma tendência que ilustra, de forma clara, um viés promissor: o preço da energia eólica
ficou abaixo da energia produzida pela Usina de Belmonte6.
Especialistas calculam que as usinas eólicas, em consequência da rapidez de sua
construção e montagem, chegarão em 2020 a 12% da matriz brasileira e a 25% em
2030, o ano em que o Brasil anunciará os resultados de sua estratégia para cumpri-
mento da sua Contribuição Nacional Determinada (CND) no Acordo de Paris. Atualmente,
já estamos entre os dez países com mais extensos parques de energia eólica e entre
os cinco maiores investidores anuais nessa fonte energética.
Tendo entrado na matriz energética mais cedo, em 2009, a energia eólica apre-
senta hoje bem mais significativa capacidade instalada do que a energia solar. Já se
mostra como alternativa natural para o Nordeste no caso de agravamento da estiagem
constante e do desnível dos rios.
Só em 2015 teve início a produção de energia solar na região, a cargo da empresa
italiana Enel Green Power Brasil, que também lidera a geração eólica em Pernambuco,
Bahia, Piauí e Rio Grande do Norte. Rodrigo Sauaia, presidente da Associação Brasileira
de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) fez uma declaração ao jornal Folha de S.Paulo
que explica a escolha do Nordeste como nicho para o investimento nessa fonte: “Pela
quantidade de irradiação solar, o rendimento em produção de energia na região seria
o dobro de uma usina exatamente igual instalada na Alemanha”7.
No Global Trends in Renewable Energy Investment 2018 é destacado que a ener-
gia solar, em todo o mundo, vem agregando mais capacidade geradora que outras
fontes. O salto é liderado pela China, que apresenta um crescimento de 58% em rela-
ção ao ano anterior. As quedas sucessivas nos custos de produção das fontes eóli-
cas e solar, conforme o relatório, atraem cada vez maior número de investidores em
muitos países. O ano de 2017 foi o oitavo a assinalar, em ritmo consecutivo, que os
aportes nesses setores ultrapassaram US$ 200 bilhões. Um cálculo a partir de 2004
registra a movimentação acumulada de US$ 2,9 trilhões. No Brasil os investimentos
em energia solar chegaram em 2017 a US$ 6,2 bilhões, 10% a mais do que em 2016.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) calcula que, até 2024, a fonte fotovol-
taica representará 15% da matriz energética brasileira. Considera-se também a exis-
tência atual de quinhentos parques eólicos em todo o país, predominantemente nos
estados nordestinos.

6. L. Alvarez, “Energia Limpa Tem Potencial para Suprir Demanda”, Folha de S.Paulo, 28 mar. 2018.
7. Ibidem.
42 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e ref l ex ões

Há outros sinais de que o Nordeste oferece ao país um modelo de resiliência em


face da paralisia econômica. Desenvolvem-se ali iniciativas para fortalecer a inovação,
um elemento-chave na retomada do crescimento. Diante do atual quadro recessivo,
a força do exemplo e seus resultados animam a cena. Pequenos ou médios negócios
emergem desse processo e nele formam-se recursos humanos com habilidades con-
temporâneas, particularmente com domínio de TI. Em Recife, o Porto Digital congrega
centenas de empresas e startups. Cerca de nove mil funcionários desse ancoradouro
de projetos atuam em 304 corporações, entre elas multinacionais de grande porte,
como IBM, Uber, Unilever, Fiat e Chrysler. A sede central do Porto fica no centro his-
tórico da cidade e há novos espaços ocupados por empresas filiadas em bairros pró-
ximos, como São José, Santo Antônio e Santo Amaro.
Entre as experiências de corporações aderentes ao grande projeto destaca-se o
Software Center da Fiat. Nele, uma centena de pessoas trabalha na busca de novos
processos automotivos relacionados a eficiência de combustível, aperfeiçoamento
de motores e do câmbio. Na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), uma
empresa ali concebida e a seguir incubada no Porto Digital, a InLoco Media, destaca-
-se internacionalmente por um índice de localização trinta vezes mais exato do que o
GPS. Seu valor de mercado é de US$ 150 milhões e o faturamento anual chega a
US$ 60 milhões.
No bairro de Santo Amaro, em breve, o Instituto Senai de Inovação, outra institui-
ção filiada ao Porto, ocupará um prédio de 20 mil m2. Essa unidade no Porto Digital
do Recife será a única, entre 25 outras do Senai em todo o país, inteiramente focada
em TI e comunicação.
Trata-se de competência crítica para elevar a segurança na obtenção, armaze-
namento e uso de dados. Nesse quadro, insere-se o Regulamento Europeu Geral
de Proteção de Dados (RGPD), que entrou em vigor em 20188. A nova regulamenta-
ção europeia para a proteção de dados determina a implementação de ferramentas
para a gestão e proteção de usuários e colaboradores. O novo ordenamento euro-
peu e demais iniciativas de segurança cibernética demandam novas competências da
governança empresarial. Uma governança corporativa consciente dos riscos ciberné-
ticos com capacidade de oferecer respostas inovadoras às demandas da empresa e
dos seus consumidores.

8. Politécnico de Lisboa, “Regulamento Geral de Proteção de Dados”, maio 2018.


s us t ent ab il idade e inovaç ã o n a gov er n a n ç a c orpor a tiv a 43

futuro do trabalho

De acordo com o relatório World Employment and Social Outlook 2018: Greening with
Jobs, a maioria dos setores da economia global pode se beneficiar da criação líquida
de empregos. A questão a ser colocada é em que países esses novos empregos serão
criados. Dos 163 setores econômicos analisados, quatorze teriam perdas líquidas de
empregos. Dois setores, extração e refino de petróleo, apresentam perdas de um milhão
de empregos, ou mais. A pesquisa mostra que 2,5 milhões de postos de trabalho serão
criados no setor de energia renovável, compensando cerca de quatrocentos mil empre-
gos perdidos na geração de eletricidade baseada em combustíveis fósseis. A transição
para uma “economia circular”, que inclui atividades como reciclagem, reparos, alu-
guel e remanufatura – substituindo o modelo econômico tradicional de “extração, fabri-
cação, uso e descarte” –, poderia criar seis milhões de empregos em escala global9.
Novas tecnologias engendram, portanto, uma nova economia. Verde, sim, mas
também compensadora para todos. Diante dos avanços aqui relatados, uma dúvida
começa a surgir no universo do trabalho – que abrange assalariados e seus empre-
gadores, estes últimos excluídos na retórica socializante. Teme-se que o uso da tec-
nologia concorra para a escassez de empregos. Cabe ponderar que os países mais
beneficiados pelo progresso tecnológico (Estados Unidos, Alemanha, Japão e China,
por exemplo) ostentam notoriamente as menores taxas de desemprego. E na Alemanha
o ritmo da chegada de robôs à indústria equipara-se ao da geração de empregos no
mercado de trabalho. Considere-se ainda, o surgimento de novas profissões em con-
sequência da evolução tecnológica e o seu impacto positivo na distribuição de renda.
Sabe-se, porém, que em vários setores da produção a mão de obra convencional
vem refluindo perigosamente, o que reclama novas e agressivas políticas de requalifi-
cação profissional e educação. Isso exige das empresas e dos governos uma sinergia
maior, igualmente inovadora e ambiciosa. Mais do que nunca, impõe-se uma agenda
comum para garantir o futuro do trabalho no Brasil.

referências bibliográficas

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Alvarez, Luciana. “Energia Limpa Tem Potencial para Suprir Demanda”. Folha de S.Paulo,

9. ILO, World Employment and Social Outlook 2018: Greening with Jobs, 2018.
44 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e ref l ex ões

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emissoes-evitadas-pelo-etanol-nos-flex-equivalem-ao-plantio-de-bilhoes-de-arvores/>.
Acesso em: 19 jul. 2018.
Como a Cultura de um País Influencia a
Inovação: Israel, a Startup Nation

Adriana Adler

resumo: Há um país que, com apenas setenta anos, já é considerado o país da inovação.
Israel é o país com maior número de startups no mundo e Tel Aviv é considerada a segunda
cidade mais inovadora. Este artigo tem como objetivo analisar como a cultura contribui
para esse estado de inovação.
palavras-chave: Israel, startup nation, cultura, inovação

Israel tem chamado atenção por algo muito intrigante: como um país de apenas setenta
anos, com 8,8 milhões de habitantes, em um território minúsculo, poucos recursos
naturais e em constante conflito é considerado o país da inovação? Israel é um dos
maiores centros de inovação do mundo e tem o maior número de empresas na Nasdaq
depois dos Estados Unidos e China. Tel Aviv é considerada a segunda região mais ino-
vadora, atrás de Vale do Silício, tendo uma das maiores concentrações de startups do
mundo, de que se origina seu apelido: Startup Nation.
Alguns de seus unicórnios (startup avaliada em mais de US$ 1 bilhão), como o
Waze, que foi comprado pelo Google, e a Mobileye, adquirida por mais de US$ 15
bilhões pela Intel, chamam atenção.
Para ter uma ideia, quinhentas novas empresas por ano são criadas, enquanto a
Europa inteira conta com cerca de seiscentas a setecentas. E, ao considerar os 8,8
milhões de habitantes de Tel Aviv, comparados aos setecentos milhões do continente
europeu, o número impressiona ainda mais.
Muito do que usamos atualmente teve origem em Israel. Alguns exemplos: o pen-
drive, a memória flash de computador, Waze, Fiverr (marketplace que reúne freelancers

47
48 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e ref l ex ões

em nível mundial), Wix (plataforma on-line de criação e edição de sites), inovações


na área farmacêutica, cibersegurança, tecnologia de agricultura, engenharia espa-
cial, equipamentos médicos de diagnóstico, tecnologia de mensagem e várias gera-
ções de microprocessadores, além de muitos medicamentos que salvam vidas estão
na lista de patentes de Israel. Esse país hoje já contabiliza mais de sete mil startups.
Outro exemplo de sucesso é o projeto que fundou a Mobileye, uma empresa
israelense que em 2014 recebeu quase US$ 1 bilhão em investimentos na bolsa de
Nova York e foi vendida para a Intel em agosto de 2017 por US$ 15,3 bilhões, como
já mencionado.
Este capítulo tem como objetivo se aprofundar nessa realidade para compreender
como a cultura, que transforma desafios em solução, contribui para esse estado de
inovação e uma economia em pleno crescimento.

a origem: geopolítica, história e cultura

Para melhor entender como a cultura de um país influencia sua qualidade de inova-
ção é preciso compreender alguns aspectos de sua fundação.
Depois do exílio pelos romanos em 70 d.C, o povo judeu migrou para a Europa
e Norte da África. Na diáspora (dispersos fora da Terra de Israel), eles estabelece-
ram vidas culturais e econômicas e continuaram a sua cultura nacional. Na primeira
metade do século XX, houve grandes ondas de imigração de judeus para Israel, vindos
de países árabes e da Europa. Durante o domínio britânico na Palestina, os judeus
foram submetidos a grande violência e massacres conduzidos por civis árabes ou
forças dos estados árabes vizinhos. Durante a Segunda Guerra Mundial, o regime
nazista na Alemanha dizimou cerca de seis milhões de judeus, na grande tragé-
dia do Holocausto.
Em 1948 as forças britânicas deixaram a Palestina e foi declarada a independência
do Estado de Israel, um Estado democrático parlamentar – o único no Oriente Médio.
Do seu território minúsculo, de 22 mil km2 e que pode ser percorrido de uma ponta
a outra em poucas horas de carro – equivalendo a 0,25% do Brasil e 1% do Oriente
Médio –, 60% é deserto. Portanto tem-se aí uma fórmula: país pequeno, sem recursos,
rodeado de inimigos, que busca sua sobrevivência em uma eterna crise geopolítica.
Uma combinação que dá ensejo – principalmente devido à necessidade de sobre-
vivência – à emergência de sua cultura e de seu espírito inovador. Inovação, ini-
cialmente, para criar possibilidades de sobrevivência, defesa, alimento e água. O
desenvolvimento de tecnologias foi a estratégia para garantir a sobrevivência, seja
com o a cul t ura de um pa ís in f l u en c ia a in ov a ç ã o. . . 49

por plantar no deserto e produzir os alimentos necessários para abastecer a popula-


ção, seja pela defesa militar.
E assim, por uma questão de subsistência no deserto, surgiram os pioneiros de
tecnologia de ponta agrícolas, estudando irrigação e agricultura, e voltando-se depois
para a ciência e outras tecnologias.
Atualmente, quase 100% da água habitacional vem de dessalinização. Israel é líder
em reciclagem de água: recicla e trata 90% de sua água residual1 (a título de compa-
ração, a Austrália recicla 22%). Também conquistou sua independência no setor ener-
gético, com 93% das residências utilizando energia solar.
O fator diversidade social e cultural também contribui para que Israel seja uma nação
inovadora. A maior parte dos imigrantes que fundaram o país, em 1947, era composta
de professores, cientistas fugindo dos horrores do Holocausto. Embora 80% da popu-
lação siga a religião judaica, suas etnias de origem são diversas, sendo composta em
parte de imigrantes de comunidade intelectual e de refugiados de países muçulmanos.
Entre os 20% da parcela que não são judeus encontram-se drusos, beduínos, muçulma-
nos e árabes e cristãos. Diversidade é um tema bem atual na composição de equipes
profissionais e conselhos. Israel cresceu com essa diversidade desde sua origem. Um
exemplo disso é a dificuldade de encontrar uma pessoa com avós nascidos em Israel.
E, por serem imigrantes europeus do continente africano, que viveram modelos de
governo variados, duas premissas foram fundamentais para garantir o engajamento
necessário desses pioneiros: solidariedade e antiautoritarismo. Portanto o modelo de
gestão, de organização da sociedade, também foi inovador.
Foi assim que nômades em uma terra infértil criaram um país que entre 2014 e
2016 teve aumento de 2,5% do PIB enquanto o mercado global estava em crise.

esforços em torno de um único propósito

Cada vez mais se tem estabelecido um vínculo entre cultura e desempenho. Richard
Barrett, estudioso da cultura organizacional, traz o conceito dos sete estágios de desen-
volvimento psicológico. O primeiro é o da sobrevivência. O sexto se refere ao desejo de
fazer a diferença no mundo e cooperar com os outros. No sétimo, o trabalho se torna
gradativamente altruísta e gera bastante motivação nos profissionais.
Podemos comparar esses estágios com o desenvolvimento da cultura de um país.
No inicio do Estado de Israel a motivação foi pautada pela narrativa da sobrevivência.

1. “Israel Recicla e Trata 90% de Sua Água Residual”, 11 fev. 2015.


50 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e ref l ex ões

O povo se uniu para comer, para sobreviver aos que tentavam aniquilar o Estado. Esses
fatores serviram como principal função e propósito. Ademais, na realidade, existe um
profundo alinhamento a partir de um ideal – o direito de todo judeu viver livre e de
forma independente. É uma forte motivação que une tantos os israelenses quanto os
judeus na diáspora.
Porém esse ideal tem mudado de formato. A geração atual está motivada para
uma nova forma de pioneirismo. Se a geração que chegou a Israel drenava pânta-
nos, a atual está em outro ciclo, de alcance que impacta o mundo. Embora o desa-
fio da sobrevivência ainda persista, perceberam que Israel como luz que irradia
conhecimento às outras nações já é fato2. A medicina de Israel está salvando vidas,
graças à inovação médica; em outras palavras, o país está pondo em prática o Tikun
Olam 3 – um conceito judaico que significa reparação no mundo e justiça social, por
meio de soluções globais de impacto. Além disso, são também bastante representa-
tivos de sua cultura a responsabilidade social, o trabalho em comunidade, o pensar
“nós” e o foco em soluções para o coletivo.
Quase todas as tecnologias contêm um pouco da contribuição de Israel. Por ano,
o país exporta em torno de US$ 2 bilhões em tecnologias de água para o mundo4. E
seja fazendo pesquisa ou parceria, existe um potencial para aumentar drasticamente
o impacto dessas contribuições tecnológicas.

serviço militar: um celeiro

Se a história e a geopolítica deram origem a um propósito maior, não há como deixar


de associar a influência do serviço militar (Israel Defense Forces – IDF) ao fenômeno

2. D. Senor e S. Singer, Start-up Nation: The Story of Israel’s Economic Miracle, 2009.
3. Tikun Olam: “(hebraico: ‫ םלוע ןוקית‬ou ‫םלוע ןוקת‬, significando literalmente ‘reparação do mundo’ e
alternativamente ‘construção para eternidade’) é um conceito no judaísmo interpretado no judaísmo
ortodoxo como a perspectiva de superação de todas as formas de idolatria, e por outras denomina-
ções judaicas como uma aspiração para o comportar-se e agir de forma construtiva e benéfica. É
importante no judaísmo e frequentemente usada para explicar o conceito judaico de justiça social. O
uso documentado do termo data de antes do período mischnaico. Desde os tempos medievais, a lite-
ratura cabalística ampliou o uso do termo. Na era moderna, entre os movimentos pós-Haskalah
Ashkenazi, tikun olam é a ideia de que os judeus carregam a responsabilidade não apenas pela sua
própria moral, espiritual e bem-estar material, mas também pelo bem-estar da sociedade como um
todo. Aos ouvidos dos rabinos contemporâneos pluralísticos, o termo conota ‘o estabelecimento de
qualidades divinas em todo o mundo’”. Fonte: Wikipedia. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/
wiki/Tikun_Olam>. Acesso em: 7 jul. 2018.
4. V. Barbosa, “As Soluções High Tech de Israel para Salvar Água e Faturar Alto”, 6 jul. 2017.
com o a cul t ura de um pa ís in f l u en c ia a in ov a ç ã o. . . 51

do empreendedorismo em Israel. Nesse sentido, o modelo de startups pode servir de


inspiração, mas, de fato, a vivência e interação no Exército é que fazem esse modelo
ser tão ímpar. O serviço militar é obrigatório para homens e mulheres quando comple-
tam dezoito anos. Os rapazes permanecem nessa função por três anos, e as jovens por
dois, ficando em unidades de reserva por mais alguns anos. A principal influência das
Forças Armadas é cultural. A experiência militar traz sentido de ideal, conforme men-
cionado anteriormente. Nessa experiência, os israelenses aprendem técnicas de lide-
rança, capacitam-se a trabalhar em equipe, a improvisar, a se sacrificar em prol de
um objetivo maior. É uma das mais eficientes organizações, por saber tirar o máximo
proveito das pessoas – nada disso se aprende na escola ou no trabalho.
O ambiente valoriza o questionamento da hierarquia, em um cenário no qual os
jovens têm alto grau de autonomia e responsabilidade, acelerando a maturidade.
Precisam identificar riscos, ter foco na resolução de problemas e na tomada rápida de
decisões, muitas vezes para evitar baixas no grupo e salvar vidas. Essa vivência desen-
volve características fundamentais para um empreendedor: amadurecimento, autono-
mia e raciocínio rápido para resolver questões arriscadas. Além disso, são treinados
na persistência, na aceitação às críticas e às frustrações.
No Exército, os jovens têm contato com tecnologia de ponta, constituindo verda-
deiro celeiro para o mercado de trabalho. Não é à toa que a obsessão por segurança
colocou o país em destaque: Israel é líder mundial em segurança cibernética.
O Exército israelense decidiu mudar suas unidades de ciberdefesa para Bersebá,
onde foram investidos US$ 21 bilhões para a criação de um Cyber Park que trabalhará
não só com a integração de alunos egressos da faculdade, mas também com foco na
segurança digital. Trata-se de uma grande concentração de pessoas que “pensam fora
da caixa” e que são extremamente colaborativas trabalhando em prol de algo maior.
Representa a construção de um ambiente favorável como mais um fator-chave para
a cultura de inovação.

atitude: as particularidades que fazem a diferença

As startups israelenses e todo ambiente de inovação transformaram a adversidade em


fonte de criatividade. Os vários obstáculos do mercado empresarial, a começar por seu
tamanho reduzido, e ainda devido à constante pressão de boicote, foram transformados.
Israel é em si é uma startup: cresceu com a determinação e o risco envolvidos em
sua construção, funciona de certa forma como um co-work, no qual questionar é extre-
mamente valorizado. É uma cultura de não aceitar somente por aceitar.
52 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e ref l ex ões

Nesse país, a cultura valoriza a tentativa, o protagonismo, a autonomia, o risco, o


improviso e a tomada de decisão. Ou seja, motiva e facilita criar soluções, ver oportu-
nidade nos problemas e, principalmente, transformar uma visão em realidade.
A falência é vista como um aprendizado. Isso leva a uma ausência de medo do
fracasso e a muita determinação. Os israelenses respiram a improvisação e a cria-
ção de soluções para os desafios, sem rodeios, sem burocracia: elementos-chave da
cultura da inovação. Eles têm um tom de irreverência; empresários e políticos rara-
mente usam terno e gravata, até mesmo presidentes de empresas e grandes investi-
dores vestem-se casualmente.
Essa mentalidade empreendedora é incentivada desde a infância, com uma edu-
cação que estimula a busca por soluções e a independência. A autonomia vista nas
Forças Armadas, também é percebida nas organizações, ou seja, não há hierarquia. Um
soldado é incentivado a basear suas decisões na sua ética, e, se considera algo imo-
ral ou errado, tem a prerrogativa de não o fazer. A regra é o bom senso. É uma cultura
de cabeça aberta, em que as pessoas aprendem a fazer de tudo, a atravessar limites
e a hierarquia. Todos querem ser ouvidos, não existe dominar. Lá um questionamento
do tipo “quem é você para me dirigir?” pode ser ouvido sem alardes, enquanto para o
brasileiro pode soar como falta de obediência ou respeito.
Além de todas as atitudes e incentivos comportamentais que fazem parte dos ingre-
dientes do israelense, o que faz o modelo ser tão ímpar é uma característica muito
peculiar, a “chutzpah” (pronuncia-se rutz-pá) – sem dúvida um dos traços marcantes
da cultura de Israel, que significa uma postura audaciosa, determinada, corajosa e até
arrogante diante de desafios e imprevistos.

capital humano: o maior recurso são as pessoas

A crença de que a única saída para o desenvolvimento é a educação está na raiz da


cultura israelense. Portanto, o contexto de inovação é fruto do maior patrimônio de
Israel: indivíduos com alto nível de educação, um verdadeiro celeiro de pessoas qua-
lificadas, com reputação internacional, colocando essa nação ao lado de países como
Alemanha, Japão, França e os da região escandinava. A educação é a mesma para
todos e não há diferenças sociais tão extremadas como no Brasil.
Alguns resultados: Israel é considerado o país com a terceira população mais edu-
cada do mundo, e o terceiro país em publicações científicas per capita, possuindo o
maior índice de acadêmicos per capita.
com o a cul t ura de um pa ís in f l u en c ia a in ov a ç ã o. . . 53

Além disto, é o primeiro do mundo em patentes de aparelhos médicos, per capita.


Os grandes cientistas de Israel desenvolveram suas pesquisas sem ir a outros países,
e conquistaram doze prêmios Nobel (31% dos prêmios Nobel de Medicina e 27% dos
Nobel de Física). São, portanto, reconhecidos por sua qualidade, que é muito deman-
dada, sendo considerados os maiores cientistas e engenheiros da força de trabalho
do mundo.
Esses resultados não se produzem por acaso, outros números comprovam essa
obsessão: Israel é líder em investimento em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e em
número de colaboradores em P&D per capita. Nos anos 1980, o percentual do PIB
investido no setor chegou 8,6%5. O país recebe 2,5 vezes o mesmo capital de risco
per capita que os Estados Unidos e trinta vezes mais que a Europa. A proporção do
PIB destinada a Pesquisa e Desenvolvimento é de 4,8%, enquanto a média nos países
da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 2,5%
(praticamente a mesma dos Estados Unidos). Portanto, Israel está muito à frente nos
investimentos em P&D para fins civis6. Atualmente conta com mais de 380 companhias
estrangeiras investindo em seu setor de tecnologia7, e o país investe mais de US$ 11
bilhões por ano em pesquisa e desenvolvimento (investimento absoluto em 2013)8. Só
a Universidade Hebraica, que representa, grosso modo, um terço do total, obteve quase
nove mil patentes, com uma média de 170 invenções de interesse mundial por ano9.
A vantagem demográfica do país é comentada no livro Israel, Island of Success,
que salienta a importância da qualidade do capital humano para a inovação também
pelo fato de ser uma população mais jovem – a mais jovem da OECD10.
A educação é a área que recebe o segundo maior valor das despesas públicas, o
que resulta em 97,8% da população alfabetizada. A pesquisa Startup Genome relata
que 80% dos empreendedores do país têm mestrado e 40% são doutores11. Israel sem-
pre considerou a educação grande investimento e o capital humano como prioridade.

5. E. Goussinsky, “Israel Mantém Investimento em Educação como prioridade”, 31 out. 2017.


6. “Lançamento no Brasil do Livro Nação Empreendedora: O Milagre Econômico de Israel e o que Ele nos
Ensinou ( Start Up Nation), com a Presença do Autor, Saul Singer”, 2 maio 2011.
7. “Cientista Chefe do Governo de Israel Participou de Encontro Organizado pela Câmara Brasil-Israel”, 15
mar. 2018.
8. J. P. Caleiro, “15 Países que Mais Investem em Pesquisa (e o Brasil em 36o)”, 13 mar. 2014.
9. R. Alvarez, “Universidade em Israel Cria Centenas de Invenções e Tem 8 Prêmios Nobel”, 22 set. 2015.
10. Cf. apresentação sobre a obra de N. Kainan e A. Reuter, Israel: Island of Success, 2018.
11. Startup Genome, Global Startup Ecosystem Report 2018, 2018.
54 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e ref l ex ões

Segundo o jornalista Eugenio Goussinsky, “a história israelense está vinculada a


uma obsessão pela educação, sendo prioridade do governo desde os primeiros anos da
independência”12. A perseguição aos judeus e a proibição, durante a Idade Média, de
possuírem terras os levou a estudar e se tornar médicos, banqueiros ou seguir outras
profissões que pudessem ser exercidas em qualquer lugar. Acuados como sempre
foram nos tempos de Europa, os judeus que foram morar em Jerusalém viviam sob
grandes dificuldades financeiras nos anos 1930 e 1940. E esse embrião cultural foi
parte importante do desenvolvimento que também se refletiu nos tempos mais moder-
nos, na década de 1990, quando houve grande fluxo de imigrantes russos, uma inje-
ção de capital humano.

o ecossistema que estimula a inovação

O tipo de inovação que Israel desenvolveu refere-se ao modo como lidar com uma situa-
ção na qual a realidade muda e o que se fazia antes já não tem muito valor. O profes-
sor Eugene Kandel, chairman da Start-Up Nation Central comenta em uma entrevista
que os judeus são as pessoas mais adequadas para este tipo de inovação “porque
passaram dois mil anos aprendendo como prever mudanças. Aqueles que não previ-
ram simplesmente não sobreviveram”13. Em Israel, houve a adaptação, identificação
de oportunidades, assumindo riscos. E um pilar muito importante foi o alinhamento
e a parceria de todo um ecossistema para fomentar essa cultura empreendedora: a
começar pelo governo, que entende a inovação como recurso muito valioso e promove
o empreendedorismo com muito mais naturalidade do que outros países. Um grande
diferencial é a parceria muito afinada entre governo, universidades, centros de pes-
quisa e potenciais empreendedores. Há nove grandes universidades localizadas geo-
graficamente próximas a cerca de 31 incubadoras, 72 aceleradoras de startups e mais
de oitenta fundos de investimento14. Rapidamente, desde o início, o governo israelense
percebeu a necessidade de fortalecer esse ecossistema. A agilidade na burocracia para
abrir uma empresa é exemplo disso: em Israel leva menos de um mês, às vezes qua-
torze dias, enquanto no Brasil demora cem dias.

12. E. Goussinsky, op. cit.


13. “Start-Up Nation Central: Promoting Israeli Innovation”, 16 jan. 2017.
14. V. Batistoti, “O que Israel Pode Ensinar sobre Seu Ecossistema de Empreendedorismo ao Mundo”, 19
set. 2017.
com o a cul t ura de um pa ís in f l u en c ia a in ov a ç ã o. . . 55

Os órgãos públicos do país são estimulados a trabalhar junto com as startups: a


aquisição de suas tecnologias e o trabalho em conjunto são muito valiosos para quem
está começando a validar seu produto no mercado. 
Para promover a criação dessas novas empresas, foi instituído o Israel Innovation
Authority, que tem como missão o fortalecimento do ecossistema de inovação, procu-
rando desenvolver e apoiar ainda mais a inovação tecnológica no país mediante vários
programas de apoio. Esse órgão governamental é encarregado da execução da política
do governo de apoio à indústria de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) com o objetivo
de contribuir para o desenvolvimento de tecnologia, promovendo o crescimento econô-
mico, estimulando a inovação tecnológica e o empreendedorismo, além de criar novos
empregos e incentivar a colaboração nacional e internacional. O governo, dessa forma,
introduziu incentivos fiscais e econômicos, como linhas de crédito especiais para abrir
um negócio, chegando a absorver a dívida, caso a empresa fracasse. Assim, ao longo
das últimas décadas, foram estabelecidos diversos incentivos para o desenvolvimento
de novos produtos tecnológicos.
A Academia em Israel está orientada para aplicar a pesquisa na prática. Há incen-
tivo para criar uma tecnologia na universidade e na sequência abrir uma empresa. Israel
atraiu as trezentas empresas internacionais mais importantes do mundo para investir
e trazer seus centros de Pesquisa e Desenvolvimento para o país.
Praticamente 50% de suas exportações correspondem a know-how e transferên-
cia de experts em conhecimento. Um exemplo: o Instituto Weizmann de Ciências, uma
das mais respeitadas instituições de pesquisa multidisciplinar no mundo, considerado
o sexto melhor instituto de pesquisa e o primeiro com a melhor taxa de transferência
tecnológica do mundo, financia os melhores pesquisadores internacionais15.
Esse processo se iniciou na década de 1990 com o programa Yozma, que deu um
impulso, criando um setor de capital de risco praticamente do zero. Esse programa
desenhou a parceria de três pontas: financiamento do governo, fundos locais de capi-
tal de risco e fundos americanos de capital de risco. O governo assumiu parte do risco
do setor privado. Depois de cumprir sua missão, esse programa foi extinto e outros
modelos foram introduzidos.

15. “O [Instituto] Weizmann abriga cerca de três mil cientistas, estudantes, técnicos e equipe de apoio. O
Weizmann desenvolve uma ampla gama de pesquisas baseadas na curiosidade, para gerar conheci-
mentos em benefício da humanidade. O Instituto está sempre em busca de novos caminhos para com-
bater doenças e a fome, desenvolver novas tecnologias e materiais e criar estratégias para proteger
o meio ambiente” (“Jovens Cientistas do Instituto Weizmann Vêm ao Brasil para uma Série de Eventos
e Participam do Merkaz, no Clube A Hebraica, no dia 26 de Abril”, 11. abr. 2018).
56 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e ref l ex ões

Nesse contexto, é importante mencionar o processo de Oslo, iniciado em 1993, que


fez cessar o isolamento econômico de Israel e o boicote árabe, e no mesmo período o
crescimento geral na economia global e a bolha da internet.

abertura internacional: potencializa tanto a diversidade


dentro de israel quanto o alcance e o impacto das inovações

Em função dos desafios específicos enfrentados, as empresas israelenses têm de pen-


sar globalmente desde seu primeiro dia. A economia de Israel já é maior do que o total
das economias de quatro de seus vizinhos – Egito, Jordânia, Síria e Líbano. Resolver
os próprios problemas de educação, saúde e gestão de água, disseminando suas solu-
ções é um exemplo de como fazer de uma desvantagem uma vantagem, encontrando
e demonstrando respostas para problemas mundiais.
Todos os produtos são desenvolvidos para o mundo. Israel é descrito como um
país beta para a implementação de soluções – um terreno de testes para experimen-
tar soluções e escalar para aplicação em âmbito global. Israel enviou recentemente
27 empresas de tecnologia israelenses para ajudar na crise hídrica da Califórnia, nos
Estados Unidos.
São 94 as empresas israelenses listadas na Nasdaq: o país com maior número
depois dos Estados Unidos (mais que os países da Europa, a Índia, a China e o Japão).
Em números absolutos são US$ 70 bilhões no setor biomédico e high-tech.
Como já mencionado, mais de trezentas empresas internacionais líderes escolhe-
ram Israel para centros de P&D. Muitas venture capitals (VCs) têm suporte de inves-
tidores estrangeiros, especialmente dos Estados Unidos e da China. Israel atraiu o
maior valor investido para VC per capita do mundo, e trinta vezes mais que Europa. Nos
últimos três anos, as VCs geraram por volta de US$ 10 bilhões.

concluindo

O livro Start-Up Nation16, publicado em 2009, traz com maestria essa inspiração para
a inovação, em um país onde se transformam adversidades em vantagens, investe-se

16. D. Senor e S. Singer, Start-Up Nation: The Story of Israel’s Economic Miracle (ed. bras.: Nação
Empreendedora: O Milagre Econômico de Israel e o que Ele nos Ensina). Também publicado em chi-
nês, russo, coreano, tcheco, búlgaro, árabe e hebraico, o livro alcançou o topo da lista de best-sel-
lers do New York Times e do Wall Street Journal e é considerado uma cartilha para cada CEO que
com o a cul t ura de um pa ís in f l u en c ia a in ov a ç ã o. . . 57

em pessoas e ambiente de colaboração, incentiva-se a tomada de decisão, aprendendo


com os erros, e persiste-se. Somam-se a isso a presença de grandes multinacionais,
um alto nível de educação da população e uma cultura focada no empreendedorismo
e na valorização de novas ideias, transformando os desafios em impacto e atuação
global, gerando negócios inovadores em escala mundial.
Aspectos de sua realidade geopolítica, de sua capacidade de absorver imigrantes,
de sua necessidade de colocar imensa responsabilidade sobre os jovens que passam
pelo Exército são pontos centrais da sua capacidade de prosperar de forma tão sur-
preendente no campo da inovação.
São a atitude e o investimento no capital humano que promovem o progresso.
Israel é um caso inspirador de uma nação que optou por uma mudança drástica, que
se libertou da armadilha de vender produtos de baixo valor para se transformar em pla-
taforma de exportação global de tecnologia, ciências e capital humano.

referências bibliográficas

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queira desenvolver a próxima geração de líderes, apresentando fortes insights para toda empresa que
busca crescer em meio às dificuldades econômicas atuais.
58 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e ref l ex ões

Goussinsky, Eugenio. “Israel Mantém Investimento em Educação como prioridade”, 31 out.


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Kainan, Noga & Reuter, Adam. Israel: Island of Success. North Charleston, CreateSpace
Independent Publishing Platform, 2018. Apresentação do livro disponível em: <https://
pt.slideshare.net/ISRAELIslandofSucces/israel-island-of-success-2017-74524346>.
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“Lançamento no Brasil do Livro Nação Empreendedora: O Milagre Econômico de Israel e o
que Ele nos Ensinou ( Start Up Nation), com a Presença do Autor, Saul Singer”, 2 maio
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Senor, Dan & Singer, Saul. Start-up Nation: The Story of Israel’s Economic Miracle. Nova
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Startup Genome. Global Startup Ecosystem Report 2018, 2018. Disponível em: <https://
startupgenome.com/report2018/>. Acesso em: 27 jul. 2018.
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www.globes.co.il/en/article-promoting-innovation-1001172315>. Acesso em: 7 jul. 2018.
1.2
Investidores
As Lições da Class Action em Face da
Petrobras: A Necessidade da Governança
Corporativa em uma Economia Globalizada

André de Almeida

resumo: As revelações que vieram à tona, com a Operação Lava Jato, acerca da má admi-
nistração da Petrobras fundamentaram o ajuizamento de uma class action contra a empresa
nos Estados Unidos. O artigo define o instituto da class action, focando-se no desenvolvi-
mento da ação contra a Petrobras, que culminou com um acordo bilionário de indeniza-
ção aos investidores. Esse resultado é um alerta às empresas brasileiras que, em tempos
de globalização, devem conduzir suas atividades em observância aos padrões internacio-
nalmente aceitos de boa governança corporativa, caso queiram se beneficiar das vanta-
gens oferecidas pelo mercado financeiro internacional.
palavras-chave: class action, Petrobras, boa governança corporativa, Operação Lava Jato

introdução

O presente artigo pretende demonstrar como a economia globalizada exige, por parte
das empresas brasileiras, a observância de padrões internacionalmente aceitos de
boa governança corporativa bem como alertar acerca das implicações legais advin-
das dessa nova realidade.
Para tanto, fazemos uma análise do caso paradigmático que foi a class action
movida pelos investidores que adquiriram ações da Petrobras negociadas na Bolsa de
Nova York nos Estados Unidos, em decorrência da abrupta perda no valor dos investi-
mentos devido ao escândalo de corrupção sistêmica revelado no âmbito da Operação
Lava Jato (In Re: Petrobras Security Litigation, a “Class Action” ).

61
62 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e ref l ex ões

A class action (em tradução livre, ação de classe, ou coletiva) nada mais é do
que um instrumento processual existente nos Estados Unidos que permite ao Poder
Judiciário solucionar, em apenas uma demanda, questões relativas a número enorme
de pessoas geograficamente dispersas, de forma relativamente simples e econômica,
em casos nos quais os afetados sejam numerosos demais para, de forma conveniente,
ingressarem no feito.
A Class Action de que tratamos aqui configura um caso emblemático, tanto por sua
contribuição ao aperfeiçoamento da ética empresarial brasileira, como por demons-
trar, de forma inequívoca, que o mercado globalizado, ainda que de forma indireta,
dispõe, cada vez mais, de mecanismos jurídicos de proteção aos seus investidores.
Assim, um breve histórico dessa Class Action é útil, para melhor compreensão.
A class action foi por nós concebida no primeiro semestre de 2014, quando ficou
claro, pelo teor das informações trazidas pela mídia, que a questão da corrupção na
Petrobras teria direto reflexo econômico também no exterior.
Começamos então a refletir sobre a possibilidade de concretizar tal ação, e nossa
avaliação inicial, que posteriormente se provou correta, era a de que os investidores
estrangeiros formavam uma classe numerosa, que poderia ser defendida nos Estados
Unidos por meio de uma class action.
No entanto, as coisas não eram assim tão simples. Em primeiro lugar, porque
naquele ano de 2014 a Operação Lava Jato ainda não contava com número tão grande
de delatores, e uma série de questões ainda estava por ser revelada.
Contudo, tais condições se mostraram presentes à medida que as confissões
ocorridas no âmbito da Operação Lava Jato evidenciaram que os danos haviam sido
causados por má gestão, eivada de dolo, não havendo como escapar da inevitável
conclusão de que a companhia, por meio de seus principais gestores, tinha agido
de forma omissiva, ilegal e intencional, cabendo reparação àqueles que, de boa-fé,
nela investiram.
Vale lembrar que, no segundo semestre de 2014, quando da idealização da ação,
nenhum grande empresário ou político envolvido no esquema de corrupção da Petrobras
estava preso ou fora punido, pairando no país certo sentimento de desalento, dado
que a impunidade parecia se anunciar como resultado inexorável também neste caso.
Nesse contexto, a ideia da Class Action foi uma tentativa de utilizar os instrumentos
acessíveis a um advogado da área internacional para fazer com que aqueles que prati-
caram atos de corrupção fossem obrigados a reparar os danos causados aos investido-
res e para demonstrar que existem limites para a corrupção desenfreada, especialmente
quando seus efeitos transbordam para além do cenário nacional.
as l ições da c l a s s a c t i o n em f a c e d a petrob ra s. . . 63

A Class Action, portanto, foi uma resposta, idealizada dentro dos recursos que
tínhamos naquele momento, para defender os princípios éticos que devem ser obser-
vados na atividade empresarial – dentre os quais aqueles relativos à boa governança
corporativa –, essenciais para a inserção do Brasil no contexto econômico mundial.
Era evidente que estávamos numa situação de risco, de vulnerabilidade, pois o
caso tinha envolvimento direto de pessoas que ocupavam os mais altos cargos da
República, bem como de alguns dos maiores empresários e grupos econômicos do
país, sendo que, na qualidade de advogados privados, não podíamos contar com as
prerrogativas legais e de garantias institucionais de um órgão como, por exemplo, o
Ministério Público Federal.
Era grande o receio de retaliação, em especial por parte do governo, que, em oca-
siões similares, já havia se mostrado extremamente agressivo em resposta a seus crí-
ticos. Também a Petrobras, claro, era considerada uma poderosa oponente, por ter
recursos praticamente ilimitados para sua defesa.
A decisão de ajuizar a class action foi, portanto, um ato de coragem, talvez ins-
pirado pela ação de tantos outros que, no decurso da Operação Lava Jato, enfrenta-
ram riscos ainda maiores.
Iniciamos, então, ações preparatórias para sua concretização, tendo em mente que
parceria com um escritório local era conditio sine qua non também em razão dos cus-
tos envolvidos; ao fim das negociações, nossa escolha foi pelo Wolf Popper, um dos
mais tradicionais escritórios de securities litigation de Nova York.
A elaboração da peça inicial foi feita conjuntamente, a partir de julho de 2014, por
duas equipes de advogados, uma era composta dos profissionais do Wolf Popper em
Nova York e a outra, formada por profissionais do Almeida Advogados em São Paulo.
O trabalho foi exaustivo, em virtude do imenso número de informações envolvi-
das no caso, número que só crescia, diariamente, em decorrência de novos acordos
de delação premiada.
Finalmente, a class action foi ajuizada no dia 8 de dezembro de 2014, e sabíamos,
desde o início, que ela seria uma ação extremamente complexa e difícil, em particular
porque a Petrobras é detentora de grande poder econômico e não hesitaria em utili-
zar, perante a justiça americana, todos os recursos a sua disposição.

a class action

Os fatos do caso, em sua maior parte, são de conhecimento público, em virtude


da ampla cobertura midiática. Teve ele como pano de fundo o fato de a Petrobras,
64 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e ref l ex ões

mergulhada em quadro de corrupção sistêmica, ter deixado de observar, na condição


de seus negócios, os princípios mais básicos de governança corporativa, causando
enormes prejuízos aos seus investidores.
Assim, em 2014, as informações trazidas à luz pela Operação Lava Jato desven-
daram o maior caso de corrupção e lavagem de dinheiro do país (estima-se que o
esquema tenha desviado um valor superior a US$ 28 bilhões dos cofres da companhia).
Além dos altos executivos da Petrobras, o esquema ilegal de suborno envolvia polí-
ticos e um grupo de pelo menos dezesseis empresas, que formaram um cartel, asse-
gurando que seus membros ganhassem os principais contratos da companhia.
Por sua vez, os executivos da Petrobras superfaturavam os contratos firmados com tais
empresas, sistematicamente, em até 20%, e elas, posteriormente, repassavam até 3% do
valor total do contrato, na forma de propina, aos executivos da Petrobras que, por meio
de operações de lavagem de dinheiro, compartilhavam o produto do crime com políticos.
Entre as irregularidades comprovadas estava a utilização de informações falsas e
enganosas sobre a situação financeira da companhia, que, avaliando seus ativos arti-
ficialmente para maior, levou os investidores a erro.
Vale ressaltar que, no intuito de acobertar tal quadro, foram não apenas adultera-
das as informações disponibilizadas aos investidores, mas também violadas as práticas
de controle anticorrupção existentes no código de ética da companhia, caracterizando
efetiva fraude ao mercado, uma vez que geraram um aumento artificial do preço das
ações negociadas em bolsa.
Tais fatos, evidentemente, causaram enormes prejuízos aos investidores, pois,
quando o mercado financeiro tomou ciência de que demonstrativos financeiros da
Petrobras não correspondiam à realidade, os títulos da empresa passaram a sofrer
quedas constantes.
Assim, o patrimônio da Petrobras, que crescia desde o ano de 2009, perdeu, em
2014, 43,6% de seu valor de mercado.
Era inegável que os danos haviam sido causados por uma má gestão, eivada de
dolo, uma vez que a companhia comercializou seus títulos (tanto no Brasil quanto no
exterior) com base em informações que sabia serem falsas.
Foi nesse momento que iniciamos a idealização da Class Action, com base em
duas premissas, quais sejam: que o esquema de corrupção levado a cabo no Brasil
havia ultrapassado nossas fronteiras, gerado enormes prejuízos aos investidores no
exterior; e que os Estados Unidos, onde os papéis da Petrobras foram negociados,
dispõem de um sistema jurídico mais desenvolvido que o brasileiro para garantir a
reparação em tais casos.
as l ições da c l a s s a c t i o n em f a c e d a petrob ra s. . . 65

Com efeito, os investimentos nos mercados financeiros dos Estados Unidos estão pro-
tegidos por leis federais, executadas por órgãos do governo (em particular pela Securities
and Exchange Commission – SEC).
Ademais, as leis norte-americanas relativas a investimentos em títulos são desenvol-
vidas, complexas e baseadas em uma filosofia de publicidade que protege a integridade
dos mercados financeiros ao exigir dos emissores e dos ofertantes de ações plena divul-
gação de todas as informações relevantes, propiciando tomadas de decisões conscien-
tes por parte dos investidores.
No âmbito federal, o Securities Act de 1933 (lei que regula os valores mobiliários) e o
Securities Exchange Act de 1934 (lei do mercado de capitais) estabelecem regras seve-
ras objetivando a proteção dos investidores norte-americanos contra fraudes, declara-
ções falsas e enganosas e/ou a falta de divulgação de informações relevantes, adotando
uma política de transparência e exigindo que qualquer oferta ou venda de valores mobi-
liários seja registrada na SEC.
É importante destacar, contudo, que a SEC apenas exige que as informações fornecidas
sejam precisas, mas não garante sua veracidade, o que permite que os investidores que
comprem títulos e sofram perdas tenham direito de ação contra as empresas que emitiram
os títulos (e outras pessoas ou entidades envolvidas nas ofertas) se puderem provar que
houve divulgação incompleta ou imprecisa de informações relevantes (exatamente como
ocorreu na Class Action).
Ademais, os investidores americanos dispõem da class action, instituto proces-
sual eficiente e adaptado para a discussão judicial de tais questões, ainda inexistente
no Brasil.
Simplificadamente, as pessoas que se encontram na mesma situação de fato e de
direito (no caso da Class Action, os investidores) são consideradas membros de uma
classe, cujos interesses são defendidos por um deles, denominado líder da ação, ou
lead plaintiff, que é um dos autores da ação formalmente designado pelo juiz para
assumir a liderança do caso e ser o principal responsável por conduzir o processo em
nome da classe.
Por fim, a decisão judicial aplica-se a todos os membros da classe, independen-
temente de sua participação na demanda, o que implica o poder multiplicador de
tais ações.
A Petrobras, como prevíamos, jogou pesado e, após o ajuizamento da Class Action,
apresentou uma motion to dismiss, que equivale a uma tentativa de extinguir o pro-
cesso, por inépcia, antes mesmo de uma análise mais aprofundada das alegações
apresentadas pelos investidores.
66 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e ref l ex ões

Entretanto, a defesa dos investidores, também realizada com excepcional qualidade


técnica, garantiu que os planos da companhia não fossem bem-sucedidos, e a ação
teve seu prosseguimento normal, sendo que, diante da eminência de um julgamento
desfavorável, a companhia decidiu pôr fim ao litígio por meio de um acordo, ocorrên-
cia muito comum nesse tipo de ação.

o resultado

Diante da inevitabilidade do resultado perante a justiça norte-americana (uma vez que


os princípios de boa governança corporativa são positivados pelo direito e utilizados
com referência pelas jurisdições mais desenvolvidas), a Petrobras se viu obrigada,
em dezembro de 2017, a celebrar um acordo no qual se comprometeu a indenizar os
investidores lesados em valor de aproximadamente US$ 3 bilhões.
Estávamos cientes de que a tentativa da companhia de se caracterizar como vítima
não se sustentava diante da gravidade dos fatos. Evidentemente tal linha de argumen-
tação não seria aceita, uma vez que a corrupção estava integrada demais às ativida-
des institucionais da Petrobras, envolvendo vários de seus executivos estatutários.
Neste contexto, a ideia da Class Action foi uma tentativa bem-sucedida de utili-
zar os instrumentos disponíveis para demonstrar a existência de limites para a cor-
rupção desenfreada, especialmente quando seus efeitos transbordam para além do
cenário nacional.
Em virtude de suas características, a class action deverá ter importante efeito mora-
lizador e servir como um alerta, aos que cometem atos similares no Brasil, de que
as práticas de corrupção aqui praticadas não ficarão impunes (ao menos do ponto de
vista econômico), uma vez que a globalização viabilizou o julgamento e a condenação
de tais ilícitos em outros países.
Infelizmente, não foram poucos os críticos a manifestar seu entendimento de que
a Class Action seria deletéria aos interesses nacionais. Alguns agiam de má-fé, outros
por motivos inconfessáveis aproveitaram do espaço na imprensa para nos acusar, por
exemplo, de agir contra o partido que ocupava o governo.
Contudo, sempre formos firmes e consistentes ao demonstrar que nosso objetivo sem-
pre foi exatamente o de proteger a imagem do Brasil, impedindo que atos assombrosos de
corrupção prejudicassem ainda mais nossa reputação perante o mercado internacional.
A longo prazo, a opção pelo silêncio traria maiores prejuízos à inserção econômica
do país (e de suas empresas) no mercado de capitais internacional, com consequên-
cias ainda mais graves para nossa economia e para a imagem do país.
as l ições da c l a s s a c t i o n em f a c e d a petrob ra s. . . 67

Uma correção de rumos se fazia imperiosa, e, nesse sentido, a Class Action cons-
titui uma metáfora perfeitamente acabada de como atualmente o direito responde às
exigências da globalização econômica e de como, cada vez menos, será possível evi-
tar a responsabilização (não apenas criminal, mas também cível) decorrente do cenário
de corrupção endêmica que, lamentavelmente, foi há até muito pouco tempo tolerado
por grande parte de nossa sociedade.
Em suma, a Class Action foi um dos instrumentos que propiciaram que a Petrobras
corrigisse seus erros e aperfeiçoasse suas práticas de boa gestão corporativa, permi-
tindo que o mercado volte a aceitar, sem desconfiança, a negociação de suas ações,
o que implica benéfico impacto positivo para a imagem do país e de nossas empresas.

as muitas lições da class action

A Class Action revelou, ainda que de forma dura, uma série de lições que necessitam
ser aprendidas por parte do empresariado brasileiro.
A primeira delas é que está demonstrado, de forma incontroversa, que a observân-
cia de normas de governança corporativa se tornou essencial para empresas e demais
organizações que pretendem atuar internacionalmente.
E não poderia ser diferente, diante da premissa de que a confiança é condição sine
qua non para o desenvolvimento de toda e qualquer atividade econômica, servindo
como pilar que dá sustentabilidade ao mercado financeiro. De fato, somente por meio
da confiança podemos assumir obrigações econômicas com terceiros, seja em uma
simples operação de compra e venda, seja na obtenção de um empréstimo bancário.
A mesma confiança é, igualmente, a base sobre a qual são construídas, no mer-
cado financeiro internacional, complexas estruturas de investimento que permitem a
alocação de recursos de inúmeros investidores de diversas partes do planeta.
É evidente que ninguém irá investir (ou até mesmo negociar) com entidades que
não gozam de credibilidade. Quem paga por um produto ou serviço tem a expectativa
de recebê-lo, e quem investe em uma companhia, da mesma forma, tem a mesma
legítima expectativa de receber os resultados de seu investimento (seja na forma de
juros, em caso de empréstimos, seja na forma de participação nos lucros, em caso
de investimento direto).
A obtenção de confiança no mercado internacional, contudo, apresenta dificulda-
des adicionais, uma vez que enseja a cooperação de agentes econômicos transitando
entre culturas, línguas e sistemas legais diversos, o que implica a necessidade da con-
solidação de alguns padrões comuns (legais, administrativos e contábeis, entre outros)
68 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e ref l ex ões

a serem observados por todos os envolvidos a fim de estimular a criação das condi-
ções necessárias para que a atividade econômica prospere1.
As regras de governança corporativa, dentro desse contexto, constituem um dos
elementos essenciais para construir um ambiente de confiança e responsabilidade,
necessário para fomentar o investimento a logo prazo, a estabilidade financeira e a
integridade empresarial.
Foi exatamente por essa razão que a OCDE reconheceu expressamente a importância
do papel que as empresas desempenham na persecução de objetivos econômicos mais
amplos, no tocante à confiança dos investidores na formação e alocação do capital2.
Trata-se de uma questão significativa, uma vez que a qualidade da governança
corporativa das sociedades afeta diretamente o custo para o acesso ao capital neces-
sário ao seu crescimento/desenvolvimento.
Por essa razão, se as empresas querem colher os benefícios do mercado financeiro
internacional, em especial no tocante a captação de investimentos de longo prazo,
suas práticas de governança corporativa devem estar em conformidade com princípios
internacionalmente aceitos, pois apenas a correta condução dos negócios da compa-
nhia possibilitará a captação (e a diminuição do custo) do capital.

1. Por essa razão, o instituto da governança corporativa está rapidamente se internacionalizando. Inicia-
do nos países de common law, na década de 1980, com estudos desenvolvidos pelo American Law
Institute, e pelo Cadbury Report, de 1992, no Reino Unido, a governança corporativa, em resposta a
uma série de escândalos corporativos ocorridos na década de 1990 e no início dos anos 2000, foi
objeto do Sarbanes-Oxley Act que institucionalizou e consolidou as melhores práticas de governança
corporativa nos Estados Unidos. Igualmente, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico (OCDE) elaborou um guia contendo princípios de governança corporativa, em 2004, deno-
minado Os Princípios da OCDE sobre o Governo das Sociedades, que objetiva servir como referência
para a instituição de padrões internacionais. Com efeito, desde a década de 1990 cada vez mais paí-
ses, em todos os continentes, têm adotado regras de governança corporativa, em um movimento que,
atualmente, tem claro caráter global. O Brasil, evidentemente, não poderia ficar ao largo de tal ten-
dência. Aqui, as discussões sobre governança corporativa se iniciaram com a criação do IBGC em
1995, sendo importante marco a adoção, pelo Novo Mercado, em 2000, de classificação conforme
os padrões de governança corporativa adotados pelas empresas cujos títulos são negociados. No
direito positivo, entendemos que atualmente o principal fundamento legal da governança corporativa
é um mandamento para o acionista controlador, determinando-lhe a forma como deve ser o seu poder
de controle, previsto no artigo 116, parágrafo único da Lei n. 6.404/76, que determina que “O acio-
nista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir
sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os
que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente
respeitar e atender”.
2. OCDE, Princípios de Governo nas Sociedades do G20 e da OCDE, 2016.
as l ições da c l a s s a c t i o n em f a c e d a petrob ra s. . . 69

Em outras palavras, as empresas que querem se beneficiar das oportunidades de


uma economia globalizada são obrigadas a adotar a regras aplicáveis aos agentes eco-
nômicos globais – dentre elas a adoção de práticas de boa governança corporativa.
Ignorar tal realidade equivale a não conseguir atrair investimentos externos, diante
da impossibilidade de que seus títulos sejam comercializados nos principais centros
financeiros do mundo, cujas jurisdições têm regras bastante claras e específicas quanto
à necessidade da adoção de boas práticas de governança corporativa para tal fim.
Com efeito, as jurisdições mais desenvolvidas, objetivando a proteção dos investi-
dores, são dotadas de legislação que determina por parte das sociedades que comer-
cializam seus títulos do mercado a observância de regras abrangentes e obrigatórias
de governança corporativa.
Eventual dificuldade de acesso a tais oportunidades pode tornar a obtenção de
capital excessivamente custosa para a empresa, com relevantes implicações para sua
saúde econômica.
Em verdade, a atratividade da empresa relativamente à segurança que o investi-
dor tem de que possuirá mecanismos de controle sobre seu investimento tem relação
direta com o custo do capital para financiar suas operações.
A segunda lição trazida pela class action é que eventual resistência na ado-
ção das regras de boa governança corporativa por parte das empresas que atuam
no mercado internacional pode implicar graves consequências do ponto de vista
econômico.
É relevante constatar que, progressivamente, em decorrência da internacionalização
do instituto da governança corporativa, uma segunda ordem de consequências a pos-
teriori (isto é, após a comercialização dos títulos no exterior) está se tornando cada
vez mais comum.
Como bem demonstrou a Class Action, a responsabilização civil, perante as juris-
dições estrangeiras, das sociedades que, tendo seus títulos negociados no exterior,
deixam de observar as regras de governança corporativa aplicáveis em tais países, é
um risco real.
Assim sendo, além de eventual responsabilização no âmbito dos países nos quais
estão sediadas, tais sociedades estão sujeitas às consequências legais em outras juris-
dições, que podem atuar como protetoras de seus investidores sempre que as irregu-
laridades praticadas impliquem efeitos econômicos naqueles países.
Portanto, a inobservância dos cânones da governança corporativa, quando graves
o suficiente para gerar danos a investidores no exterior, enseja potencial responsabi-
lização da empresa no exterior.
70 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e ref l ex ões

Embora nem sempre o direito consiga responder às exigências da globalização eco-


nômica com a rapidez necessária, progressivamente a comunidade internacional tem
desenvolvido mecanismos legais de cooperação que tornam cada vez menos possível
evitar a responsabilização cível e criminal de práticas econômicas ilegais.
Infelizmente, parte da classe empresarial brasileira demorou a entender essa nova
realidade – tendo sido refratária a abrir mão de práticas que não mais refletem os
padrões internacionalmente aceitos de governança corporativa – ou se deixou afetar
pelo cenário de corrupção endêmica que, lamentavelmente, foi até muito pouco tempo
atrás tolerado por segmentos de nossa sociedade.
Em consequência disso, diversas empresas brasileiras com títulos negociados no
exterior foram alvo de ações por parte dos investidores estrangeiros que se sentiram
lesados. Evidencia a gravidade de tal situação o fato de que, nos Estados Unidos, o
Brasil é o segundo país com mais empresas processadas por tais razões, entre elas
algumas sociedades pertencentes aos maiores e mais tradicionais grupos empresa-
riais do país3.
É evidente que tal situação compromete a imagem do país, e o resultado final é que
as empresas brasileiras perdem coletivamente credibilidade, deixando de ser vistas
como parceiras sérias pela comunidade econômica internacional.
Esperamos que a Class Action, nesse sentido, seja um marco também na conscien-
tização da necessidade de um salto evolutivo em nossa ética empresarial.
No Brasil, a falta de transparência na gestão e a ausência de mecanismos corporati-
vos adequados têm sido tradicionalmente relevantes para postergar o desenvolvimento de
nosso mercado de capitais. Entretanto, está claro que não podemos deixar que os mesmos
problemas continuem a dificultar a inserção econômica do país na economia global.
Nosso país não pode mais ignorar as consequências advindas da necessidade da
observância da boa governança corporativa (muitas vezes exacerbada por um saudá-
vel ativismo societário) no contexto de uma economia globalizada.
Nesse novo cenário, indiscutivelmente, a Class Action comprovou que as lições
da economia e da ética, que se manifestam no mundo corporativo pela adoção das
regras de boa governança, se complementam e apontam para um mesmo caminho.

3. R. Azevedo, “As Brasileiras que Despertaram a Ira do Investidor Gringo”, Exame, 13 ago. 2016.
as l ições da c l a s s a c t i o n em f a c e d a petrob ra s. . . 71

referências bibliográficas

Azevedo, Rita. “As Brasileiras que Despertaram a Ira do Investidor Gringo”. Exame, 13 ago.
2016. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/mercados/as-brasileiras-que-desper-
taram-a-ira-do-investidor-gringo/>. Acesso em 8 jul. 2018.
Brasil. Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6404consol.htm>. Acesso
em: 9 jul. 2018.
OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico). Princípios de
Governo Nas Sociedades do G20 e da OCDE. Paris, OCDE, 2016. Disponível em: <https://
www.oecd-ilibrary.org/governance/principios-de-governo-das-sociedades-do-g20-ocde_
9789264259195-pt>. Acesso em: 8 jul. 2018.
Governança entre Essência, Aparência e
Resultados: Precisamos Avançar!

Ana Siqueira, CFA

resumo: O objetivo deste capítulo é discutir questões-chave para a evolução da quali-


dade da governança corporativa. A essência precisa superar a forma, e, para reforçar essa
premissa, o texto trata de alinhamento de cultura, estratégia e liderança; efetividade dos
conselhos de administração; engajamento dos investidores institucionais; avanços insti-
tucionais; e lições do Reino Unido que podem ser replicadas.
palavras-chave: governança corporativa, governança do Estado, cultura organizacional,
liderança, stewardship

governança corporativa

A primeira edição do código de governança corporativa do Reino Unido completou 25


anos em 2017. Conhecido como Relatório Cadbury 1, o código garantiu ao país uma
posição de vanguarda no que se refere às boas práticas de governança e foi o pre-
cursor da abordagem “pratique ou explique”, bastante salutar por dar às empresas
a possibilidade de refletirem sobre seus respectivos contextos e particularidades. No
Brasil, foi intensa a disseminação do conceito de governança corporativa ao longo das
duas últimas décadas, processo que teve como marco o lançamento, em 1999, da pri-
meira versão do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do Instituto
Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

1. Report of the Committee on the Financial Aspects of Corporate Governance (1992). O comitê era pre-
sidido por sir Adrian Cadbury.

73
74 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e ref l ex ões

Não há, por óbvio, um modelo único de governança que sirva para todas as empre-
sas – afinal, elas atuam em contextos diversos e têm características particulares no
tocante a natureza jurídica, forma de controle, tipo de controlador, cultura e identidade.
Entretanto, independentemente da estrutura de governança escolhida, as empresas
precisam atuar de forma ética e têm a obrigação de cumprir as leis e os regulamen-
tos aplicáveis. Assim, a adoção das melhores práticas de governança corporativa cor-
responde a ações diferenciadas de gestão.
A qualidade da governança adotada tem destacado papel na criação ou na des-
truição de valor de uma empresa – e é mais fácil comprovar essa relação de causa
e efeito no segundo caso, como foi possível observar na recente história corporativa
brasileira. Empresas longevas, com relevantes históricos em suas respectivas áreas
de atuação, foram severamente atingidas pela revelação da prática de atos ilícitos, e
não são poucas as que hoje lutam para sobreviver. As externalidades negativas causa-
das por falhas em governança são expressivas, o que confirma na prática a importân-
cia de as empresas compreenderem que suas atividades impactam não apenas seus
stakeholders internos (acionistas, funcionários e administradores), como também os
externos. Elas têm uma responsabilidade corporativa, que não pode ser negligenciada.
Conselhos de administração e investidores institucionais têm muito a contribuir para
a melhoria da governança corporativa no país.

histórico recente do mercado de capitais

Importante e tradicional fonte de financiamento para as empresas e de movimento para


a economia, o mercado de capitais brasileiro vivenciou em 2017 uma muito bem-vinda
retomada. As ofertas de ações somaram R$ 40,1 bilhões, dos quais R$ 21,4 bilhões
corresponderam a Ofertas Públicas Iniciais (IPOs), uma impressionante recuperação
depois da baixíssima atividade registrada no período de três anos encerrado em 2016.
O volume de IPOs de 2017 é o segundo maior já verificado no país – atrás apenas de
2007, quando somou R$ 60,5 bilhões.
Existem numerosas lições que podem ser extraídas da fase de euforia dos IPOs
no Brasil. Hoje se sabe que diversas empresas abriram o capital sem estarem prepa-
radas: faltou robustez em planos de negócios, muitas estavam em estágio incipiente,
outras tantas tinham problemas de governança corporativa e/ou motivação errada para
a abertura de capital. Empresas pré-operacionais aproveitaram a onda para abrir o
capital em vez de se financiar pelo caminho habitual dos fundos de private equity. Com
o mercado aquecido, elas conseguiram levar adiante as operações apesar de terem
governança ent re es s ên c ia , a pa r ên c ia e r esu l ta d os. . . 75

pulado etapas de amadurecimento essenciais para o processo de abertura de capital –


os efeitos negativos desse tipo de expediente ficaram claros no caso das empresas X.
Já os últimos quatro anos foram marcados pela revelação de sucessivos escândalos
corporativos, no âmbito da operação Lava Jato e seus desdobramentos, sendo o caso
Petrobras o de maior magnitude.
Investidores institucionais, analistas de investimento, agências de rating e audito-
res precisam conhecer muito bem as empresas e estar bastante atentos às suas ati-
vidades. A ocorrência desses episódios tem sido permitida, entre outros fatores, por
uma atuação aquém do desejado de um ou mais integrantes da cadeia do mercado
de capitais. Aparentemente, faltou nos últimos anos no Brasil a adoção de princípios
básicos como, por exemplo, os elencados no Código de Ética e Padrões de Conduta
Profissional do CFA Institute, que data da década de 1960 e é um excelente guia de
atuação para profissionais da área de investimentos. Algumas recomendações do docu-
mento: agir com integridade, competência, diligência, respeito e de maneira ética; man-
ter e aprimorar a competência profissional; entender e estar em conformidade com
todas as leis, regras e regulamentos vigentes; usar cautela e discernimento razoáveis
para atingir e manter a independência e a objetividade de suas respectivas atividades
profissionais; ter dever de lealdade para com os clientes (colocar os interesses deles
acima dos próprios ou daqueles do empregador).
Estruturas hierarquizadas são menos propícias à circulação de ideias e a ques-
tionamentos fundamentados, que contribuem de forma efetiva para tornar processos
decisórios mais robustos. As companhias devem criar ambientes propícios para refle-
xão e compartilhamento de visões, nos quais as pessoas sejam incentivadas e este-
jam confortáveis para exercitar independência e honestidade intelectual. Também é
importante estabelecer canais em que a diversidade cultural, de conhecimento, expe-
riências e vivências possa fomentar discussões e apresentar novas visões, que ten-
dem a fortalecer o processo decisório.

conselhos de administração

O conselho de administração, como órgão máximo de uma organização, é o guardião


das boas práticas de governança e do cumprimento de leis e regulamentos, e a efetivi-
dade de seu trabalho é essencial para a perenidade das empresas. Vale ressaltar que a
conformidade com leis e regulamentos é o patamar mínimo exigido para as atividades
das organizações – a ética e a responsabilidade corporativa vão muito além disso, e os
stakeholders gradualmente elevam o seu grau de exigência quanto a essas questões.
76 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e ref l ex ões

Estão entre as atribuições do conselho de administração o cuidado com a cultura


organizacional, a orientação estratégica, o gerenciamento de riscos, a gestão de pes-
soal, o planejamento sucessório, o monitoramento de desempenho, a acurácia das
demonstrações financeiras e o estabelecimento da política de remuneração.
O conselho de administração tende a dar grande ênfase a resultados financeiros
e à estratégia. Mas deve-se ressaltar que cultura organizacional e liderança cami-
nham juntos com estratégia, e resultados financeiros reportam o passado, não sendo
garantia do futuro. Cultura, liderança, remuneração e planejamento sucessório preci-
sam ganhar atenção da pauta do conselho de administração. Provavelmente muitos
problemas corporativos que hoje se apresentam poderiam ter sido evitados caso essas
questões-chave tivessem recebido a devida atenção.
O Financial Reporting Council (FRC) – órgão regulador independente do Reino
Unido, responsável pelos códigos de governança e de stewardship 2 do país – dedi-
cou-se a um projeto de pesquisa para entender como os conselhos trabalham o tema
da cultura organizacional, incentivando discussões e procurando identificar boas prá-
ticas que pudessem ser compartilhadas. O trabalho resultou na publicação, em julho
de 2016, do relatório Corporate Culture and the Role of Boards, que se propõe a aju-
dar os conselhos de administração e as diretorias a criar e a fomentar uma cultura
capaz de orientar o comportamento corporativo e de viabilizar um crescimento susten-
tável das organizações. A recomendação do FRC para os conselhos de administração
é a concentração de esforços contínuos na cultura organizacional como um catalisa-
dor de valor no longo prazo:

A healthy culture both protects and generates value. It is therefore important to have a con-
tinuous focus on culture, rather than wait for a crisis. Poor behaviour can be exacerbated when
companies come under pressure. A strong culture will endure in times of stress and mitigate the
impact. This is essential in dealing effectively with risk and maintaining resilient performance3.

A política de remuneração deve ser muito bem estruturada visando a alinhar inte-
resses e evitar que a empresa assuma riscos excessivos ou incentive fraudes e/ou atos
ilícitos para que resultados impraticáveis sejam atingidos.
A PricewaterhouseCoopers (PwC) e Escola de Administração de Empresas de São
Paulo da Fundação Getulio Varga (Eaesp/FGV) apresentaram em 2018 a 4a edição do

2. Atuação dos investidores institucionais nas empresas visando promover a adoção das melhores práti-
cas de governança corporativa.
3. Sir Winfried Bischoff, “Foreword”, em FRC, Corporate Culture and the Role of Boards, 2016.
governança ent re es s ên c ia , a pa r ên c ia e r esu l ta d os. . . 77

estudo Remuneração Executiva e Geração de Valor, que analisou as práticas de remu-


neração de executivos de 149 empresas de capital aberto que compõem o Índice de
Governança Corporativa (IGC) da Bovespa, no período de 2010 a 2016. As empresas
foram segmentadas em dois grupos: as que geram valor (28 empresas) e as que não
geram valor (121 empresas). O critério utilizado para definir se a empresa gera ou não
valor é a rentabilidade auferida por ela em relação ao seu custo de capital.
Destacamos as seguintes conclusões do referido estudo: a remuneração e o cresci-
mento das receitas caminham na mesma direção nos dois grupos de empresas, entre-
tanto a correlação entre o comportamento da receita e da remuneração demonstrou ser
maior no grupo das empresas que não geram valor. Já a remuneração e lucratividade
apresentam maior alinhamento nas empresas que geram valor – apresentam cresci-
mento nas empresas que geram valor, enquanto apresentam comportamento oposto
nas empresas que não geram valor. Foi observado que as empresas que geram valor
se diferenciam pela integração da remuneração com outros aspectos da gestão, como
clara estratégia de negócios, desdobramento da estratégia em metas e indicadores de
desempenho para executivos e demais níveis hierárquicos na organização e valoriza-
ção da meritocracia na distribuição de recompensas.
Dentre as recomendações do estudo da PwC e Eaesp/FGV destacamos a neces-
sidade do aprimoramento da estrutura de remuneração de administradores, sendo
a transparência um importante aspecto para garantir boas práticas de governança
corporativa.
O tema transparência de remuneração obteve uma grande vitória em maio de
2018, quando chegou ao fim uma longa disputa judicial entre a Comissão de Valores
Mobiliários (CVM) e o Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (Ibef) referente à
divulgação da remuneração máxima, média e mínima dos administradores. O Tribunal
Regional Federal da 2a região (TRF2) reverteu, por unanimidade, a decisão de pri-
meira instância que havia oito anos protegia as companhias que omitiam dados sobre
a remuneração de seus executivos por meio de liminar obtida pelo Ibef. A decisão do
TRF2 levou em consideração que, ao adotar a forma de companhia aberta para o exer-
cício de qualquer atividade empresarial, as companhias devem seguir a legislação e
a regulamentação correspondentes, especialmente focadas na maior transparência,
tendo em vista o interesse dos investidores. Atuaram conjuntamente com a Associação
de Investidores no Mercado de Capitais (Amec) como amicus curiae a Associação dos
Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec) e a CFA
Society Brasil.
78 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e ref l ex ões

investidores institucionais

A BlackRock, gestora de recursos americana que possui US$ 6,3 trilhões de recursos
sob gestão, aproveitou a celebração de seus trinta anos para fazer profunda reflexão,
compartilhada por meio de impactante carta de seu CEO, Larry Fink: “Um Sentido de
Propósito”. Um importante diagnóstico apresentado foi a ansiedade e a polarização
no mundo atual, causadas pela combinação entre baixa capacidade de poupança dos
trabalhadores com sistemas de aposentadoria inadequados e incapacidade de mui-
tos governos em lidar com questões que vão desde aposentadoria, infraestrutura até
automação e requalificação de trabalhadores.
Essa desafiadora realidade faz a sociedade demandar, cada vez mais, que as empre-
sas reflitam sobre seu papel na sociedade, respondendo a desafios mais amplos, e
que tenham um propósito social. Como estão gerenciando o impacto de suas ativi-
dades no meio ambiente? Contribuem para o aumento da diversidade de suas equi-
pes? Estão se adaptando às mudanças tecnológicas? Preparam seus funcionários e
o negócio para um mundo cada vez mais automatizado? Instruem os colaboradores
para planejarem a sua aposentadoria? As empresas precisam se conscientizar sobre
o impacto social causado por suas atividades e sobre o modo como as mudanças em
curso no mundo podem afetar seu potencial de crescimento. A BlackRock acredita
que empresas sem propósito social podem vir a perder sua licença para operar e não
conseguir atingir o seu pleno potencial. Larry Fink incentiva as empresas a se enga-
jarem de forma proativa com investidores e outros stakeholders relevantes mediante
um diálogo aberto e contínuo.

The time has come for a new model of shareholder engagement – one that strengthens and
deepens communication between shareholders and the companies that they own. I have writ-
ten before that companies have been too focused on quarterly results; similarly, shareholder
engagement has been too focused on annual meetings and proxy votes. If engagement is to be
meaningful and productive – if we collectively are going to focus on benefitting shareholders
instead of wasting time and money in proxy fights – then engagement needs to be a year-round
conversation about improving long-term value4.

O posicionamento da BlackRock é um marco e resulta de esforço, iniciado em 2011,


visando a evoluir de uma abordagem predominantemente focada no voto por procuração

4. L. Fink, “A Sense of Purpose”, jan. 2018.


governança ent re es s ên c ia , a pa r ên c ia e r esu l ta d os. . . 79

para uma abordagem baseada no engajamento com empresas. A gestora reconheceu a


necessidade de mudança e, ciente da sua posição de maior gestora de recursos do mundo,
assumiu a responsabilidade de ajudar a impulsionar essa importante transformação.
O trabalho de engajamento de investidores com empresas é intensivo em tempo,
demanda conhecimento e senioridade. A BlackRock pretende dobrar o tamanho da sua
equipe de stewardship nos próximos três anos, visando a promover um envolvimento
ainda mais eficaz com as empresas, criando uma estrutura que possibilite conversas
mais profundas, frequentes e produtivas com elas.
Os investidores institucionais podem realizar o trabalho de engajamento com empre-
sas, contando com sua equipe própria ou contratando serviços de empresas especia-
lizadas. A gestora de recursos britânica Hermes5 foi pioneira ao ter compreendido há
mais de duas décadas que seu papel como gestora de recursos vai muito além de aju-
dar seus beneficiários a investirem melhor e com isso terem melhores aposentadorias,
pois suas decisões impactam a sociedade, o meio ambiente e o mundo.
Desde 1983, a Hermes atua dessa forma, inicialmente prestando serviços para o
seu acionista, o Plano de Pensões da BT, e depois prestando serviços também para
clientes externos, por meio da Hermes EOS6, que presta serviços de assessoramento,
envolvendo questões de sustentabilidade ambiental, social e de governança (ASG).
Mediante o engajamento de sua equipe com as empresas, exerce dever fiduciário de
proprietários ativos, em nome de seus clientes, além de trabalhar com legisladores,
órgãos reguladores e outros especialistas visando a contribuir para alcance dos obje-
tivos de investimento responsável de seus clientes.
O engajamento dos investidores institucionais com as empresas é imprescindível –
os gestores de recursos possuem dever fiduciário para com seus clientes ao administrar
recursos que lhes foram confiados. Precisam conhecê-las, identificar questões a serem
aprimoradas, discutir esses temas com as empresas que receberam o investimento e
monitorar os avanços alcançados. O investidor institucional precisa ser questionador e
curioso e ter capacidade analítica, habilidade de comunicação e disposição para dedi-
car razoável tempo a todo esse esforço. A reflexão é o fio que conecta conhecimento
e competências, e a prática constante ao longo dos anos facilita o amadurecimento da
observação crítica e o consequente aprimoramento desse trabalho. Questionamentos
precisam ser feitos sempre, para verificar a pertinência dos caminhos trilhados, sua
consistência e coerência.

5. Hermes possui £ 33,6 bilhões em ativos sob administração.


6. Hermes EOS possui £ 330,5 bilhões (US$ 463,7 bilhões) em ativos sob assessoramento.
80 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e ref l ex ões

A atividade de stewardship pode ser definida como a forma pela qual os investi-
dores institucionais atuam nas empresas em que investiram. O Reino Unido também
foi pioneiro no lançamento do seu código de stewardship em 2010, sendo seguido
por outros países. O stewardship é um movimento crescente ao redor do mundo, e
em 2018 o International Corporate Governance Network (ICGN) concederá pela pri-
meira vez os Stewardship Champion Awards, ao reconhecer indivíduos, organizações
ou colaborações cujas ações ajudaram a tornar o stewardship uma realidade nos mer-
cados em que atuam.
O movimento chegou ao Brasil com a edição, em 2016, do Código Amec de
Princípios e Deveres dos Investidores Institucionais – Stewardship, cuja elaboração
foi capitaneada pela Associação de Investidores no Mercado de Capitais. O objetivo
do Código é desenvolver cultura de stewardship no Brasil promovendo o senso de pro-
priedade nos investidores institucionais e criando padrões de engajamento responsá-
vel, o que por sua vez propiciará a adoção de boas práticas de governança corporativa
e maior geração de valor.
O Código é composto por sete princípios: implementação/divulgação de programa
de stewardship; administração de conflitos de interesses; consideração de aspectos
ambientais, sociais e de governança corporativa (ASG); monitoramento de empresas;
exercício dos direitos de voto; definição de critérios de engajamento coletivo; ga-
rantia de transparência às atividades de stewardship. O regulamento já está em vigor
e norteará o enforcement sobre os signatários do código ao estabelecer normas e
procedimentos relativos à análise dos relatórios anuais. Eventuais sanções, no entanto,
serão aplicadas somente a partir de 2021. A avaliação dos relatórios ficará a cargo
de uma comissão de especialistas do mercado, formada por pessoas indicadas
pela Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar
(Abrapp), Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais
(Anbima), Apimec Nacional e IBGC, e até quatro membros apontados pela Amec.
A questão do exercício do voto é de grande relevância – investidores institucionais
não podem abrir mão do exercício do voto nas assembleias, pois é assim que eles
opinam sobre a qualidade da gestão das empresas em que investiram. A MSCI, pro-
vedora de produtos e serviços para investidores institucionais, iniciou, em janeiro de
2018, um mapeamento sobre opiniões acerca de ações com direitos desiguais a voto.
Pioneira na elaboração de índices compostos de uma carteira teórica de ações 7, os

7. Em 1969 criou o primeiro índice de ações.


governança ent re es s ên c ia , a pa r ên c ia e r esu l ta d os. . . 81

índices MSCI são adotados como benchmark 8 para a performance de fundos. O moti-
vador da consulta veio de duas constatações: o aumento da participação de fundos
passivos (que replicam o índice MSCI) no mercado acionário e a ampliação de IPOs de
grandes empresas que decidiram limitar a possibilidade de voto dos acionistas com a
emissão de ações com direitos desiguais.
A MSCI perguntou aos investidores se ações de empresas com direitos desiguais
de voto deveriam compor o índice e se o direito ao voto deveria ser critério de peso no
índice (hoje apenas o free float tem peso no cálculo). No caso da primeira pergunta,
o MSCI entende que sim; em relação à segunda, pondera haver um dilema na situa-
ção de ações sem direito a voto integrarem fundos passivos. Investidores passivos de
ações sem direito a voto não podem nem tomar decisões em desacordo com a com-
posição dos respectivos benchmarks nem exercer influência nas políticas das empre-
sas. Uma eventual mudança no peso das ações sem direito a voto na composição do
índice MSCI tenderia a impactar positivamente a avalição de empresas cuja totalidade
das ações tem direito a voto e a afetar negativamente as empresas que têm também
ações sem direito a voto.
Investidores institucionais não podem abrir mão do exercício do voto nas assem-
bleias, pois é assim que eles opinam sobre a qualidade da gestão das empresas em
que investiram. O aumento da participação dos fundos passivos aumenta a responsa-
bilidade fiduciária dos investidores e a necessidade de se engajar com as empresas
e votar. A BlackRock, por exemplo, possui US$ 1,7 trilhão sob gestão em fundos ati-
vos e nestes fundos ela pode optar por vender ações de uma empresa se tiver dúvidas
sobre sua direção estratégica ou crescimento de longo prazo. No entanto, na gestão
de seus fundos passivos, a gestora não pode expressar sua eventual desaprovação
a uma empresa, vendendo suas ações, caso a participação da empresa no índice se
mantenha. Os investidores de fundos passivos são investidores de longo prazo, que
fornecem capital para as empresas crescerem e prosperarem.

a jornada

No Brasil, as empresas valorizam em sua comunicação corporativa as melhores práticas


de governança, mas percebe-se que nem sempre há genuína adoção dos princípios e
valores propagados. As revelações da Operação Lava Jato nos mostram situações extre-
mas dessa distorção. O termo governança corporativa tem sido utilizado por algumas

8. Benchmark é um índice com determinada composição, revista de acordo com periodicidade prevista.
82 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e ref l ex ões

empresas como mero instrumento de marketing e fica evidente um total descompro-


misso com a transparência, a prestação de contas e a responsabilidade corporativa,
alguns dos pilares básicos da governança corporativa.
A essência da governança precisa se sobrepor à forma. Não à toa, as edições de
2016 e 2017 do congresso anual do IBGC tiveram como temas centrais “Governança
Corporativa – Essência e Aparência” e “Governança Consciente: Quando as Regras Não
Bastam”, respectivamente. Como os conselhos de administração verificam a confor-
midade da empresa em relação a leis, normas, regulamentos, estatuto social e políti-
cas internas? É necessária uma atuação firme por parte da CVM e de participantes do
mercado no sentido de coibir a comunicação equivocada.
Escândalos corporativos não ocorrem apenas no Brasil. É possível listar desde o
estrondoso caso Enron, que motivou a promulgação da Lei Sarbanes-Oxley nos Estados
Unidos, até episódios mais recentes, protagonizados por empresas tradicionais em
seus setores, como Siemens e Volkswagen. A diferença no Brasil está na estarrece-
dora abrangência das irregularidades, identificadas em empresas líderes de mercado
em diversos segmentos. A combinação de um Estado de forte presença na economia9
com baixos níveis de governança e uma supervisão falha deixou o terreno fértil para
uma ampla e contínua prática de crimes de corrupção com a participação de repre-
sentantes das empresas e de agentes do Estado. Cabe, nesse contexto, a alcunha
“doping corporativo” à obtenção de vantagens competitivas por meio de atos ilícitos.
Alexandre Di Miceli da Silveira oferece uma valiosa contribuição para o debate em
torno da governança das empresas ao levar a ética comportamental para o centro da
discussão. Por meio de um acurado diagnóstico das razões das expressivas falhas de
governança no Brasil e no mundo, ele inova ao propor soluções para gestão e gover-
nança no século XXI, com apresentação de estratégias defensivas nos âmbitos pessoal
e corporativo para enfrentamento dessas falhas. Em sua visão, a maioria das ações
erradas vem de pessoas dotadas de valores positivos, mas que passaram por uma
espécie de “murchamento ético” – perdendo, com isso, a noção dos efeitos deletérios
de suas atitudes ou omissões. Esse processo ocorre como resultado de pressões e de
uma dinâmica temporal perversa, e tem os seguintes componentes: efeito do cotidiano
(pressão da liderança, de pares ou até mesmo autoimposta, diante da necessidade
de fechar negócios a qualquer custo); contexto organizacional, com metas irrealistas
e ambiente agressivo – a mensagem é “sobreviva a qualquer custo”; dinâmica de
tempo que afeta a capacidade de julgamento, seja pela ideia de “agir no automático”,

9. Por meio de empresas estatais, bancos públicos e políticas setoriais.


governança ent re es s ên c ia , a pa r ên c ia e r esu l ta d os. . . 83

seja pela pressão da falta do tempo para reflexão. Di Miceli chama a atenção para a
governança no século XXI. Segundo ele, é necessário um novo modelo – a sociedade
demanda essa mudança10.
Vivemos uma gravíssima crise ética no Brasil, todavia é possível encontrar impor-
tantes avanços institucionais em governança corporativa no país. Eles estão nas esferas
de regulamentação, autorregulação, fiscalização e enforcement de leis e regulamen-
tos. A compreensão de que falhas na governança não só impactam a empresa e seus
stakeholders internos, como também têm a capacidade de gerar externalidades nega-
tivas relevantes na economia e sociedade, impulsiona esses movimentos. Deve-se
observar com atenção a crescente atuação da sociedade, que se torna cada vez mais
consciente, crítica e ciente do seu poder de vocalização, potencializado pelo intensivo
uso das mídias sociais.
O aumento do enforcement das leis no país é uma excelente notícia. No caso
Petrobras já há dois desdobramentos. Quatro ex-diretores da companhia arrolados na
Operação Lava Jato foram condenados por crimes de corrupção, lavagem de dinheiro
e associação criminosa. Em relação a ex-conselheiros da empresa, está em curso
uma detalhada e inédita investigação sobre suas respectivas condutas. Em novembro
de 2017, o Ministério Público Federal (MPF) propôs uma ação civil pública por ato de
improbidade administrativa11 que pede punição para nove ex-conselheiros de adminis-
tração da Petrobras pela condução de sua política de preços de combustíveis baseada
em fins diversos daqueles previstos na lei e no estatuto da companhia. O MPF reivin-
dicou também a condenação da União, de forma subsidiária, para ressarcimento de
danos causados por abuso de poder na qualidade de acionista controladora da esta-
tal, em razão do controle dos preços de combustíveis para evitar aumento da inflação.
Dentre os avanços institucionais recentes em governança no Brasil, destacam-
-se a 5a edição (2015) do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa
do IBGC, os lançamentos do Código Amec de Stewardship e do Código Brasileiro de
Governança Corporativa – Companhias Abertas (CBGC), ambos em 2016, a edição da
Instrução Normativa n. 586 da (CVM)12 e novas exigências criadas pela reforma do
Novo Mercado da B3, ocorrida em 2017.

10. A. D. M. da Silveira, Ética Empresarial na Prática: Soluções para Gestão e Governança no Século XXI,
2018.
11. Inquérito civil público 1.30.001.000733/2015-34 (MPF).
12. Instrução publicada em junho de 2017. Exige informe anual sobre aderência ao CBGC das compa-
nhias abertas autorizadas a emitir ações, debêntures conversíveis ou outros instrumentos que pos-
sam ser transformados em ações.
84 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e ref l ex ões

O CBGC foi elaborado pelo GT Interagentes, sob a coordenação do IBGC e encon-


tra-se estruturado em princípios, fundamentos e práticas recomendadas. O informe
sobre aderência ao CBGC requerido pela Instrução Normativa n. 586 está estruturado
na forma “pratique ou explique”, que permite às empresas considerar seu contexto e
características particulares, explicando razões para eventual não adoção de determi-
nada prática de governança recomendada.
A reforma do Novo Mercado, realizada em 2017, traz novas exigências para as
empresas listadas no segmento: deverão instalar comitê de auditoria; ter áreas de
auditoria interna e compliance; divulgar regimentos e políticas internas (do conse-
lho de administração, de seus comitês e do conselho fiscal, quando houver), código
de conduta, políticas de remuneração, de indicação de membros (para o conselho de
administração, para a diretoria estatutária e para comitês de assessoramento), de
gerenciamento de riscos, de transação com partes relacionadas, de negociação de
valores mobiliários; e avaliar pelo menos uma vez durante o período de administração
o conselho de administração, os comitês e a diretoria.
Vale observar que a efetividade do trabalho do conselho de administração, como
órgão máximo de uma organização, é essencial para a perenidade das empresas. O
desempenho desse colegiado precisa ser mensurado, por meio de avaliações periódicas
do conselho como um todo e de seus membros individualmente. Caso o desempenho
não seja eficaz, é possível a ocorrência de danos de diversas naturezas – financeiros,
ambientais, sociais e de reputação –, que podem vir a ser irreparáveis.
A evolução institucional é notória, mas ainda cabem alguns questionamentos.
Como as empresas responderão a esses avanços? Vão encará-los como uma opor-
tunidade ímpar de reflexão, com transparência e genuína vontade de aprimorar suas
práticas, ou como algo burocrático a ser cumprido? Como a aderência aos códigos
e às novas exigências será monitorada e mensurada pelos conselhos de adminis-
tração, respectivas instituições responsáveis? Os investidores institucionais exerce-
rão o seu dever fiduciário de monitorar as empresas e de incentivá-las a aprimorar
a sua governança?
A experiência do Reino Unido contribui com essa reflexão. O FRC publicou, em
janeiro de 2017, o relatório Developments in Corporate Governance and Stewardship,
para avaliação da aderência aos seus códigos de governança e stewardship, mensu-
ração do engajamento entre empresas e acionistas e identificação de pontos em que
é necessário avançar. O nível de aderência ao código de governança, diz o relatório,
é alto e crescente no país.
governança ent re es s ên c ia , a pa r ên c ia e r esu l ta d os. . . 85

conclusão

O país tem desafios particulares, como histórico de cultura mais permissiva, forte hie-
rarquia nas organizações, em grande parte influenciada pela estrutura patriarcal da
sociedade brasileira, e Estado com grande presença na economia e com baixa gover-
nança. O porte e a qualidade da governança do Estado brasileiro o tornam um campo
vulnerável para atos ilícitos. A sociedade deve discutir o tamanho do Estado que deseja
ter e deve exigir que ele tenha boas práticas de governança.
A evolução institucional da governança corporativa no país é notória, assim como
o enforcement das leis. Essas condições de contorno, aliadas ao funcionamento efi-
caz dos conselhos e engajamento dos investidores institucionais com as empresas,
poderão concretizar uma grande transformação no país.
A qualidade da governança adotada tem destacado papel na criação ou na destrui-
ção de valor de uma empresa, e as externalidades negativas causadas por falhas em
governança podem ser expressivas, como mostra a recente história corporativa brasi-
leira. Vale lembrar que, em ambientes de festa, quando o volume da música aumenta
e a iluminação é reduzida, os convidados são obrigados a fazer grande esforço para
ouvir e enxergar – mas muitas vezes não conseguem superar as limitações impostas
pelo entorno festivo. De forma análoga, em cenários de euforia de mercado o cuidado
e a diligência precisam ser redobrados.
Os conselhos de administração precisam compreender as mudanças em curso, que
podem ser assim resumidas: empresas precisam ter propósito mais amplo do que sim-
ples geração de resultados financeiros, e aspectos ambientais sociais e governança
precisam ser contemplados. A sociedade está cada vez mais consciente, exigente e
dotada de canais de vocalização, os investidores estão mais engajados, nota-se um
aumento do enforcement das leis, evoluções tecnológicas disruptivas estão mudando
de forma brutal a economia e sociedade, os desafios representados pelos dilemas éti-
cos integram o dia a dia. A cultura organizacional é o coração corporativo e é dela que
irradiam os sinais para toda a empresa.
O Reino Unido tem dado grande relevância à cultura organizacional, e a recomen-
dação do FRC para os conselhos de administração é concentrar esforços contínuos na
cultura organizacional como um catalisador de valor no longo prazo – cabe aos conse-
lhos monitorar, avaliar e implementar a cultura desejada. Esse processo tem três pon-
tos fundamentais: a conexão de propósito e estratégia com a cultura organizacional, o
alinhamento de valores e incentivos (recrutamento, monitoramento de performance e
86 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e ref l ex ões

remuneração devem ser condizentes com o propósito da organização) e o estabeleci-


mento de métodos e métricas para avaliar a cultura organizacional.
No país é possível observar, de um lado, casos de empresas de grande porte, com
ações listadas em bolsa de valores, com estrutura completa de governança corpora-
tiva – na forma – mas que não cumprem sequer a legislação e os regulamentos; no
outro extremo há muitas empresas de pequeno porte com atuação ética, responsáveis
e cumpridoras de leis e regulamentos e que, no entanto, percebem o termo “gover-
nança” como algo complexo e inviável para suas realidades. Existem grandes desa-
fios nesses dois extremos, como monitorar de perto as empresas (e delas cobrar a
essência da boa governança) e desmistificar para empresas de pequeno porte o termo
“governança corporativa”, incentivando-as a evoluir em suas respectivas estruturas de
gestão e governança. É preciso fomentar uma cultura ética, resgatar o espírito cívico
de servir ao invés de ser servido e apoiar o importante processo em curso do enforce-
ment das leis. Precisamos avançar!

referências bibliográficas

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em: 9 jul. 2018.
As Inovações Trazidas pelo
Voto a Distância

Cristiana Pereira
Tiago Curi Isaac

resumo: A Lei n. 12.431/11 atribuiu à Comissão de Valores Mobiliários a responsabili-


dade de regulamentar a participação e votação a distância de acionistas em assembleias
gerais de companhias abertas, o que enfim ocorreu em 2015. O artigo analisa como vem
se dando, na prática, o processo de operacionalização do voto a distância, fundamental
para a ampliação da participação de acionistas e para a boa gestão das empresas, já que
exige maior transparência em sua conduta, gerando maior confiabilidade aos olhos dos
investidores. Aponta, ainda, perspectivas para o futuro.
palavras-chave: voto a distância, participação dos acionistas, CVM, Lei n. 12.431/11

introdução

O objetivo deste artigo é apresentar as inovações em termos de governança na área


de assembleias tanto para emissores quanto investidores, em particular a possibili-
dade de acionistas participarem e votarem a distância.
No Brasil, a Lei n. 12.431, de 24 de junho de 2011, incluiu um parágrafo único
nos artigos 121 e 127 da Lei n. 6.404, de 1976, atribuindo à Comissão de Valores
Mobiliários (CVM) a competência para regulamentar a participação e votação a distân-
cia de acionistas em assembleias gerais de companhias abertas, bem como o registro
de sua presença em tais conclaves. Desde então, a CVM procurou alternativas regu-
latórias e tecnológicas para atender a esse preceito legal.
Finalmente, a regulamentação se deu por meio da Instrução CVM (ICVM) n. 561,
de 7 de abril de 2015, que dispôs sobre os mecanismos de participação de acionistas

89
90 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e ref l ex ões

em assembleias gerais, tanto por meio de voto quanto por meio de apresentação de
propostas para deliberação.
A CVM optou por uma adoção gradual da norma, no que se refere tanto às assem-
bleias em que a possibilidade de participação a distância estaria disponível quanto às
empresas que precisariam adotar tal sistemática. Dessa forma, 2018 foi o primeiro ano
em que todas as empresas registradas na CVM como categoria A, com ativo admitido
a negociação em bolsa e com ações em circulação no mercado, tiveram a obrigação
de disponibilizar os novos mecanismos, ainda restritos às assembleias gerais ordiná-
rias e assembleias com eleição de membros da administração. Sendo assim, já é pos-
sível identificar avanços alcançados e desafios que permanecem no sentido de chegar
a um efetivo exercício do voto nas assembleias.
O artigo divide-se em seis partes, além desta Introdução. Na primeira parte dis-
cutiremos a origem dessa regulamentação e suas motivações, detalhando as princi-
pais modificações trazidas pela norma e o modo como se operacionalizam o voto e a
inclusão de propostas para deliberação. Nas segunda e terceira partes discutiremos de
que forma as funcionalidades introduzidas pela instrução representam uma inovação
e benefícios para as práticas de governança de emissores e investidores, respectiva-
mente. Na quarta parte avaliaremos alguns limites da norma e os desafios apresenta-
dos nos primeiros anos de sua aplicação. Por fim, concluiremos apresentando algumas
perspectivas para os próximos anos.

contexto e principais aspectos da instrução cvm n. 561

Em outubro de 2014, a CVM lançou o Edital de Audiência Pública1 que apresentou


a proposta de instrução que regulamenta o voto a distância, demonstrando especial
preocupação com a participação dos investidores não residentes nas assembleias,
seja porque eles muitas vezes têm a obrigação de votar, estabelecida em seus países
de origem por órgão regulador, ou por autorregulação e adesão a códigos de melho-
res práticas, seja porque as dificuldades para o exercício de voto desses investidores
costumam ser maiores do que aquelas encontradas pelos investidores locais, institu-
cionais ou indivíduos.
Nessa audiência pública, a CVM destacou as seguintes dificuldades reportadas
por esses investidores: a. curto prazo existente entre a convocação e a realização das
assembleias (no mínimo quinze dias); b. necessidade de outorga de uma procuração

1. Edital de Audiência Pública SDM n. 09/2014.


as inovações tra z id a s pel o v oto a d istâ n c ia 91

anual para representação nas assembleias; c. diversas exigências documentais impos-


tas pelas companhias, que podem envolver a necessidade de tradução, notarização e
consularização de documentos e da procuração.
Os investidores não residentes, em sua maioria investidores institucionais, consti-
tuem uma base significativa do mercado acionário brasileiro: em dezembro de 2017, de
acordo com dados da B3, representavam mais de 46% do volume negociado em ações
na bolsa (Volume Segmento Bovespa) e mais de 47% das ações detidas em custódia.
Além disso, uma parcela relevante desses investidores (47%) tem origem nos
Estados Unidos, onde a Securities and Exchange Commission (SEC, órgão equivalente
à CVM, no Brasil) estabeleceu desde 20032 a obrigação de os fundos de investimento
elaborarem políticas de divulgação sobre como exercem o voto dos ativos sob sua ges-
tão e também divulgarem anualmente como exerceram o voto. Ou seja, esses investido-
res têm a obrigação de exercer o voto e prestar contas ao regulador e ao mercado em
geral sobre o exercício desse voto. Desse modo, o custo e a dificuldade operacional de
exercer esse direito representam fatores negativos à decisão de investimento no Brasil.
Por outro lado, em julho de 2014, a International Corporate Governance Network
(ICGN – Rede Internacional de Governança Corporativa) divulgou um documento
explicitando os principais obstáculos no mundo para o exercício do direito de voto,
especialmente para investidores não residentes, que em geral não podem participar
presencialmente das assembleias. Os principais obstáculos identificados foram:

• garantir a ordem do dia correta, considerando que a cadeia de prestadores de ser-


viço para esses investidores é longa e passa por processo de tradução, agregação
e sistematização para ser transmitida por sistemas automatizados;
• tempo suficiente para o exercício do voto, mais uma vez considerando que a cadeia
é longa e o processo de avaliação e tomada de decisão sobre o voto pode envol-
ver diversas instâncias dentro de um único gestor de investimentos;
• clareza dos custos envolvidos. Em geral, a utilização de diversos prestadores de ser-
viços, somada à necessidade de tradução, consularização e notarização de
documentos, faz com que seja pouco claro o custo total envolvido no processo
de votação, além de muitas vezes esse custo poder ser excessivo, criando um
desincentivo à participação;

2. Mais informações sobre a regra Disclosure of Proxy Voting Policies and Proxy Voting Records by
Registered Management Investment Companies estão disponíveis em <https://www.sec.gov/rules/
final/33-8188.htm>. Acesso em 10 jul. 2018.
92 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e ref l ex ões

• falta de clareza sobre a propriedade das ações, especialmente quando são deti-
das em contas omnibus, em que o titular é a instituição financeira intermediária e
não está explícito para as empresas quem são os beneficiários finais das ações;
• falta da adoção generalizada de mecanismos eletrônicos para exercício do voto;
• falta de um sistema confiável para confirmação do exercício do voto3.

Esse último ponto, sobre a confirmação do voto, foi objeto de outro documento
divulgado pela ICGN em dezembro de 2016, ressaltando como a falta de um processo
claro e disseminado de confirmação de voto acaba afetando o efetivo cumprimento do
dever fiduciário dos investidores institucionais ao redor do mundo4.
No Brasil, Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais
(Anbima) divulga diretrizes para a política de exercício de direito de voto em assem-
bleias para fundos de investimento, estabelecendo a obrigatoriedade do exercício do
voto, com as seguintes exceções: quando a. a assembleia ocorrer em cidade que não
seja capital de estado e não seja possível o voto a distância; b. o custo relacionado
com o exercício do voto não for compatível com a participação do ativo financeiro no
fundo de investimento; c. a participação total dos fundos de investimento sob gestão
na fração votante na matéria for inferior a 5% e nenhum fundo de investimento pos-
suir mais de 10% de seu patrimônio no ativo em questão5.
Também no Brasil, em outubro de 2016, Associação dos Investidores no Mercado
de Capitais (Amec) lançou seu código de stewardship com os princípios e orientações
sobre a melhor forma de atender o dever fiduciário pactuado entre o gestor de recursos
e aqueles indivíduos que confiaram suas poupanças a esses gestores. Um dos princí-
pios do código diz respeito à diligência no exercício dos direitos de voto, afirmando que
“longe de ser um fim em si mesmo, o direito de voto é a forma pela qual os detento-
res de valores mobiliários cumprem o seu papel na estrutura de governança corpora-
tiva dos emissores investidos”6.
Pelo lado das companhias, a legislação estabelece uma série de situações em que
são necessárias a manifestação e a aprovação dos acionistas, seja daqueles com direito
de voto, seja dos preferencialistas. No contexto de empresas com capital disperso, ou

3. ICGN, “Cross-Border Voting”, jul. 2014.


4. Idem, “Vote Confirmation”, dez. 2016.
5. Íntegra das diretrizes disponível em: <http://www.anbima.com.br/data/files/19/E7/AA/99/
58B775106582A275862C16A8/diretrizes_para-Politica-de-Exercicio-de-Direito-de-Voto-de-FII-em-
Assembleias_1_.pdf>. Acesso em: 10 jul. 2018.
6. Amec, Código Amec de Princípios e Deveres dos Investidores Institucionais – Stewardship, 2016, p. 13.
as inovações tra z id a s pel o v oto a d istâ n c ia 93

mesmo sem um controlador definido, o desafio de reunir os votos necessários para


aprovar as deliberações e seguir com a vida das companhias não é pequeno.
Dessa forma, simplificar e facilitar o processo de participação nas assembleias, seja
pelo exercício do voto, seja pela possibilidade de influência na pauta de discussão, é
elemento fundamental para a boa prática da governança corporativa. Habitualmente,
esse é um tema considerado “operacional” e que merece pouca atenção nos debates
de governança, mas é importante avaliar como os princípios fundamentais da boa
governança são exercidos na prática e quais os desafios para que sejam aplicados.
Procurando enfrentar os desafios colocados ao efetivo exercício do voto nas assem-
bleias, a Instrução CVM n. 561, editada em 7 de abril de 2015, permite que os acio-
nistas possam utilizar a cadeia de prestadores de serviço da qual já se utilizam para o
exercício do direito de voto. Ou seja, em vez de propor uma solução tecnológica mais
avançada, a qual, na percepção da CVM, ainda não era disseminada e disponível a
todas as companhias listadas, optou-se por uma inovação em processo, adaptando
uma conexão já existente para simplificar o processo de voto.
A conexão dos investidores com o mercado acionário se dá por uma cadeia de pres-
tadores de serviço que começa por um custodiante. No caso de investidores institucio-
nais, residentes ou não, esse é um prestador de serviços especializado nessa função;
no caso de indivíduos, essa função é exercida pela própria corretora. Os custodiantes
se conectam ao serviço de depositária central da bolsa de valores, quando os ativos
são negociados em bolsa. Ou, então, os acionistas acessam diretamente um terceiro
prestador de serviço, o escriturador, que é contratado pelo emissor para administrar
o livro de acionistas da companhia e prestar os serviços relacionados a esses ativos
aos seus acionistas. O escriturador também tem uma conexão com a depositária cen-
tral da bolsa de valores para acompanhar a movimentação da parcela das ações que
estão sendo negociadas em bolsa. A Figura 1 representa de forma esquemática e sim-
plificada o funcionamento dessa cadeia.
É importante ressaltar que essa cadeia se aplica à maior parte dos acionistas;
contudo, no caso de investidores não residentes, existem outros prestadores de serviço
entre o custodiante local – prestador de serviço no Brasil – e o acionista, incluindo, pelo
menos, o custodiante global e um proxy vote agent. O proxy vote agent é uma institui-
ção especializada em processar os votos e, eventualmente, fornecer orientação de voto
com base em diretrizes de governança previamente acordadas com os investidores7.

7. Para maiores detalhes sobre a cadeia de prestadores de serviços de voto para investidores não resi-
dentes e seus desafios, ver ICGN, Cross Border Proxy Voting, 2003.
94 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e ref l ex ões

Figura 1. Cadeia de Responsabilidade que processa as informações relativas


ao exercício do voto

Fonte: B3.

Essa cadeia de prestadores de serviço já funciona para outras atividades no mer-


cado de capitais, como a subscrição de novas ações, em que, de um lado, a infor-
mação da operação é transmitida ao acionista, e, do outro, o acionista transmite sua
intenção de subscrever ou não as novas ações e os respectivos recursos envolvidos
nessa transação.
A CVM considerou que essa cadeia era confiável para transitar as informações rela-
tivas à assembleia, porque cada um dos agentes é vinculado contratualmente e tem
obrigações de identificação e confirmação de sua contraparte. Ou seja, o custodiante,
que é uma instituição financeira, é obrigado a identificar cada um dos seus clientes
e monitorar sua posição em cada um dos ativos que compõem sua carteira. Sendo
assim, a cada momento, o custodiante é capaz de informar quem é o acionista – e
no caso de pessoa jurídica, quem dentro dessa organização tem a autorização para
dar ordens de compra, venda e voto – e qual é sua posição acionária. Sem o meca-
nismo do voto a distância, o processo de identificação deveria ser feito pela compa-
nhia, no dia da assembleia.
Da mesma forma, os custodiantes e os escrituradores, além de uma conexão tec-
nológica, possuem uma vinculação contratual com a central depositária da bolsa de
valores. São esses vínculos tecnológicos e contratuais que asseguram a integridade
da informação que transita por essa cadeia.
Além de definir um novo canal para transitar as informações relativas ao voto, a
instrução também determina os seguintes pontos:
as inovações tra z id a s pel o v oto a d istâ n c ia 95

• criação de um documento eletrônico e padronizado, o Boletim de Voto a Distância


(BVD), que deverá ser disponibilizado aos acionistas contendo de forma sintética
todos os temas a serem deliberados na assembleia – as explicações e demais
documentos relacionados ao tema continuam a fazer parte da Ordem do Dia e do
Manual de Assembleia. É por meio do BVD que o acionista manifesta seu voto;
• definição de prazos e condições para que os acionistas incluam propostas de candi-
datos e temas no BVD. Nesse caso, a CVM entendeu que, se um acionista, detentor
de 5% do capital social da companhia, pode solicitar uma assembleia para deli-
berar temas que venha a propor, esse mesmo acionista pode incluir um tema em
uma assembleia já convocada. A CVM inclusive reduziu esse percentual mínimo
que um acionista deve deter para poder fazer uso dessas prerrogativas, criando
uma escala proporcional ao capital social da companhia.
• criação de Mapas de Votação para divulgar prévias e o resultado final da votação,
a fim de evitar assimetria de informação entre companhia e acionistas.

Com o objetivo de assegurar uma implantação ordenada da nova funcionalidade,


a CVM estabeleceu um cronograma gradual de adoção dessas medidas. Em 2016, a
adoção foi opcional; em 2017, foi obrigatória para as empresas cujas ações faziam
parte dos principais índices acionários (Ibovespa e IBrX-100), e, em 2018, obrigatória
para todas as empresas registradas como categoria A na CVM, com exceção daque-
las que não possuam ações em circulação no mercado.

a inovação do voto a distância na perspectiva dos emissores

Os mecanismos trazidos pela ICVM n. 561 representaram uma série de inovações, que
se traduziram em vantagens para as empresas emissoras. São basicamente três gran-
des benefícios, que listamos a seguir.

• aumento de quórum: antes da nova instrução, a única maneira de estimular a par-


ticipação de investidores estrangeiros nas assembleias era por meio de represen-
tante legal de forma presencial, o que se mostrou insuficiente para estimular o
comparecimento e o exercício de voto pela grande maioria dos acionistas. Com
o advento do voto a distância, apesar de ele ainda estar no seu primeiro ano de
implementação, já observamos o aumento do quórum médio das assembleias: de
acordo com a experiência do ano de 2017, houve um aumento de 6% no quórum,
96 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e ref l ex ões

sendo que em alguns casos a votação a distância chegou a representar a maioria


dos votos computados na assembleia, conforme mostra a Figura 2:

Figura 2. Percentual dos votos no último mapa antes da assembleia em


relação ao capital social

% de votos em D-1
vs Capital Social

Fonte: B3.

• redução do trabalho de conferência de documentação no dia da assembleia: a ICVM


n. 561 estabelece que os votos recebidos por meio da cadeia do voto a distância
deverão ser considerados válidos, desde que o acionista possua pelo menos uma
ação da empresa no dia da realização da assembleia. Com isso, as companhias
puderam reduzir drasticamente os recursos internos alocados para o dia da assem-
bleia, os custos relacionados a assessores jurídicos, bem como o risco envolvido
na verificação da autenticidade desses documentos;
• redução de incertezas na assembleia: uma vez que a empresa passa a ter acesso
ao mapa de votação, com as percepções dos acionistas minoritários, dois dias
antes da realização do conclave. Sendo assim, eventuais correções de rumo são
as inovações tra z id a s pel o v oto a d istâ n c ia 97

possíveis para que as necessidades explicitadas pelos minoritários sejam contem-


pladas, não sendo mais necessário esperar um ano para poder mudar a direção
de algumas decisões ou indicações.

Além dos três principais benefícios explicitados acima, o exercício de transparên-


cia que é feito em todo o processo, da criação dos boletins de voto a distância até a
divulgação dos mapas de votação, coloca o Brasil em patamar diferenciado de gover-
nança corporativa. Com a possibilidade de participação efetiva nas decisões da com-
panhia, mais investidores tenderão a alocar capital no nosso país, aumentando assim
o valor das companhias aqui listadas.

a inovação do voto a distância na perspectiva dos investidores

É na perspectiva dos investidores que encontramos os principais benefícios do voto a


distância. São quatro os principais, descritos a seguir.

1. Drástica redução de custos e burocracia no processo de votação


Via de regra, para poder votar, esses investidores precisam apresentar:
• extrato de participação acionária;
• para pessoa jurídica, comprovação do direito de voto e poderes de representação;
• procuração com firma reconhecida (outorgada com menos de um ano para
procurador);
• notarização e consularização de documentos societários da pessoa jurídica e de
procuração, traduzidos na forma juramentada.
Claramente essa necessidade de documentação impõe barreiras importantes para
a possibilidade de exercício de direito de voto. Não foram raras as vezes em que acio-
nistas enviaram votos para determinadas assembleias, mas estes foram desconside-
rados porque a documentação respectiva não estava completa ou atualizada.

2. Reformulação dos prazos, abrindo a possibilidade de votar


Antes da instrução, os acionistas não residentes por vezes não tinham tempo ade-
quado para poder enviar suas manifestações para procurador representá-los, em espe-
cial em assembleias gerais extraordinárias.
A Lei das SA prevê antecedência mínima de quinze dias para a convocação. Na
prática, esse prazo não permitia tempo hábil para a tradução de documentos nem para
a adequada apreciação e aprovação nos órgãos internos dos fundos internacionais.
98 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endências e ref l ex ões

A nova regra estabelece, então, um prazo de pelo menos um mês para a convo-
cação de assembleias gerais extraordinárias (AGEs) e assembleias gerais ordinárias
(AGOs) que venham a utilizar o voto a distância, antecedência mínima exigida para que
a companhia divulgue o boletim de voto ao mercado.

3. Transparência na participação nas assembleias


A partir de 2018, o investidor poderá auditar sua participação na assembleia graças
à obrigação – por parte das companhias – de divulgação dos mapas de votação deta-
lhados com a identificação dos cinco primeiros dígitos dos CPFs e CNPJs. Assim, não
só investidores individuais podem verificar seu exercício de direitos nas assembleias,
bem como os fundos podem prestar contas a seus cotistas de sua participação nas
deliberações feitas em suas investidas. Essa prática coloca o Brasil em posição única
no mundo e, sem dúvida, representa grande avanço em governança.

4. Indicação de temas para as assembleias e candidatos para a administração da


companhia
A nova regra estabelece determinações claras que permitem a indicação de admi-
nistradores da companhia pelos acionistas, além da possibilidade de indicação de
temas para apreciação nas assembleias gerais. São elas:

Tabela 1 – Percentual para inclusão de candidatos e propostas no BVD

inclusão de candidatos

Capital social da companhia (R$) % de determinada espécie de ações


X ≤ 500 milhões 2,5
500 milhões < X ≤ 2 bilhões 1,5
2 bilhões < X ≤ 10 bilhões 1,0
10 bilhões < X 0,5

inclusão de propostas

Capital social da companhia (R$) % do capital social


X ≤ 500 milhões 5,0
500 milhões < X ≤ 2bilhões 3,0
2 bilhões < X ≤ 10 bilhões 2,0
10 bilhões < X 1,0

Fonte: B3.
as inovações tra z id a s pel o v oto a d istâ n c ia 99

Isso abre inúmeras oportunidades de atuação mais efetiva por parte dos investi-
dores, podendo inclusive estimular uma maior aproximação de minoritários antes das
assembleias para garantir indicação de temas relevantes para a companhia, bem como
a indicação de candidatos de forma conjunta. É provável que o ativismo de minoritá-
rios ganhe força no país nos próximos anos.

Além dos quatro pontos explicitados acima, a exposição do mapa de votação na


véspera da realização das assembleias permitiu uma real reflexão pelas companhias
sobre os motivos pelos quais as propostas vêm sendo rejeitadas pelos minoritários, inde-
pendentemente do resultado final da assembleia, que acaba sendo muito direcionado
pelo controlador da companhia. Isso reforça os benefícios trazidos por essa inovação.
Com certa frequência, os investidores minoritários se manifestaram contrários à
indicação de administradores por meio dos votos recebidos pela cadeia do voto a dis-
tância. Entretanto, é habitual que a aprovação ocorra no momento da assembleia. Tal
fato não é novo; o voto a distância apenas trouxe transparência ao posicionamento de
minoritários. Essa discrepância passava despercebida, sendo, na maioria das vezes,
notada somente durante a realização das assembleias. Isso lança luz sobre essa dis-
cussão para todo o público (imprensa, ainda não investidores etc.), levando as com-
panhias a apreciar de forma direta essas discrepâncias, forçando um processo de
reflexão e aprimoramento da governança como um todo.

principais limites e desafios de aplicação

O desafio que ainda permanece é alcançar maior participação nas assembleias. A


maior parte dos investidores que usaram o mecanismo do voto a distância em seus
primeiros anos é composta de investidores que já votavam e que puderam colher os
benefícios de um sistema mais ágil e com menor custo. O aumento de quórum obser-
vado pode ser explicado em grande medida pelos votos de acionistas estrangeiros que
antes não eram aproveitados por falta de alguma documentação e que agora passa-
ram a ser contabilizados. Na nova sistemática de voto, quase nenhum voto se perde
no caminho. Contudo, não se observa ainda um maior contingente de acionistas deci-
dindo pela participação nas assembleias, especialmente os acionistas locais, e, mais
ainda, as pessoas físicas.
Outro limite da norma, e que é motivo de frustração para muitos investidores, é o
fato de que ainda não se alcançou uma assembleia totalmente interativa, ou seja, em
que investidores e administradores das companhias pudessem interagir remotamente,
100 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

em tempo real, no dia de sua realização. Dessa forma, todos poderiam participar e rea-
gir, conforme o fluxo de acontecimentos do dia. Nesse sentido, é preciso refletir que,
embora a tecnologia atual possa permitir um cenário como esse, com todos os contro-
les e segurança necessários para garantir a integridade da assembleia, o custo para
uma estrutura assim é ainda bastante elevado, e a estrutura, de difícil implementação.
Seria difícil impor um modelo desse tipo em uma norma que tem alcance amplo e obri-
gatoriedade para todas as companhias. Por isso, a solução encontrada foi a adoção
de um mecanismo de voto estático, padronizado, antecipado e que se movimenta por
meio de uma cadeia de prestadores de serviço automatizada e já utilizada para movi-
mentar outras decisões relativas ao investimento em ações.
Dado que a assembleia ainda não é interativa e em tempo real, o desafio é con-
ciliar as diferentes possibilidades de eventos que podem nela ocorrer em um meca-
nismo estático de voto. Ou seja, ao tentar reproduzir no Boletim de Voto alguns dos
cenários que podem ocorrer no dia assembleia, a norma pode ter tornado o sistema
mais complexo, talvez sem trazer os benefícios originais esperados. Em particular,
estamos falando da possibilidade de voto múltiplo e da instalação de conselho fiscal.
Na eleição de conselheiros, a Lei n. 6.404/76, em seu artigo 141, prevê aos acio-
nistas que detenham pelo menos 10% do capital com direito a voto a possibilidade
de requerer a adoção do processo de voto múltiplo, atribuindo-se a cada ação tantos
votos quantos sejam os membros do conselho, e reconhecido ao acionista o direito de
cumular os votos em um só candidato ou distribuí-los entre vários.
Contudo, reunir os acionistas que juntos detenham 10% das ações com direito de
voto é um grande desafio de coordenação. Por isso, a regulamentação exige que o BVD
traga uma pergunta obrigatória questionando os acionistas acerca de sua intenção de
pedir a instalação de voto múltiplo; assim, cada acionista individualmente pode con-
tribuir para que se atinja o percentual necessário para sua instalação.
Caso seja adotada a eleição por voto múltiplo, é preciso indicar a distribuição dos
votos – habitualmente apresentados a uma chapa –, e, como não existe uma coorde-
nação prévia, é preciso que o acionista, ao preencher o BVD, indique sua intenção ou
não de pedir a instalação do voto múltiplo e como gostaria de distribuir seu voto caso
o voto múltiplo seja instalado. Portanto, ainda que o acionista não tenha intenção de
pedir a instalação do voto múltiplo, esse mecanismo pode vir a ser adotado, por pedido
dos acionistas que enviaram o BVD ou por pedido de acionistas diretamente à compa-
nhia 48 horas antes da assembleia. Nesse caso, para não “desperdiçar” o seu voto e
poder efetivamente participar da eleição de administradores, o acionista pode indicar a
distribuição de seus votos, mesmo que não tenha pedido a instalação do voto múltiplo.
as inovações t ra z id a s pel o v oto a d istâ n c ia 101

Com relação ao conselho fiscal, aplica-se a mesma lógica. Foi criada uma per-
gunta obrigatória que permite que acionistas dispersos, sem coordenação prévia, unam
esforços para pedir a instalação do conselho fiscal na companhia, um direito previsto
no artigo 161 da Lei 6.404/76, segundo o qual os acionistas que possuam ao menos
10% das ações com direito de voto ou 5% das ações sem direito de voto podem pedir
sua instalação.
Contudo, a falta de coordenação prévia faz com que os acionistas eventualmente
aprovem o pedido de instalação do conselho fiscal, que entretanto pode ser inócuo se
na data da assembleia não existirem candidatos para compor essa chapa. Pode ocor-
rer também que, diante da aprovação do pedido de instalação, no dia da assembleia se
apresente um candidato que, embora presente na assembleia, não seja aquele esco-
lhido ou indicado pelos investidores que aprovaram o pedido de instalação.
Outra questão que surgiu nos primeiros anos de aplicação da norma, em especial
em 2018, se refere à validade de aplicação a todas as empresas registradas na CVM
como categoria A. Na Instrução n. 594, editada em dezembro de 2017, a CVM dispen-
sou as empresas que não sejam listadas em bolsa e não possuam ações em circula-
ção. Mas, eventualmente, a opcionalidade deveria se estender também para empresas
com percentual baixo de ações em circulação.
Por fim, a natural curva de aprendizado da nova sistemática, associada à falta de
automação do processamento no dia da assembleia, fez com que em alguns casos o
tempo de duração das assembleias aumentasse muito. Imaginamos que com o tempo
os benefícios de agilidade no processamento dos votos e documentos serão percebi-
dos de maneira mais ampla.

conclusão e desafios para o futuro

A dinâmica das assembleias com a possibilidade de voto a distância é ainda muito


recente no Brasil, já que apenas em 2018 tivemos uma aplicação ampla da norma.
Contudo, como argumentamos, já foi possível identificar benefícios para as empre-
sas e os investidores.
Restam ainda alguns desafios que provavelmente demandarão ajustes posteriores
à norma, mas certamente um bastante importante é o de ampliar a participação dos
acionistas. Para muitos o custo e a complexidade dos procedimentos para participar
da assembleia são um forte inibidor a essa participação. A nova sistemática traz uma
série de mudanças que reduzem muito os custos envolvidos bem como a complexi-
dade de comprovação de identidade e posse das ações, mas é possível que ainda seja
102 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

necessário um esforço maior de divulgação dessa nova forma de votar e melhorias no


elo final da cadeia que se relaciona com os investidores.
Os custodiantes que prestam serviços ao investidor não residente, que já possui
muitas vezes a obrigação e a prática de votar, já oferecem um alto grau de automa-
ção desse serviço. Contudo, essa demanda ainda não se apresenta para os prestado-
res de serviços dos investidores institucionais brasileiros e pessoas físicas. É possível
que com o tempo esses serviços comecem a ser prestados numa escala maior e com
grau de automação maior, por exemplo, o preenchimento do BVD por meio do Home
Broker, mecanismo por intermédio do qual investidores pessoas físicas compram e
vendem suas ações.
Outro caminho de expansão da nova sistemática de voto é a sua utilização para
outros valores mobiliários, como debêntures, cotas de fundos imobiliários, entre outros.
Ou seja, os detentores desses ativos também possuem direito de voto em determi-
nadas situações, e seus emissores reportam desafios para conseguir atingir os quó-
runs necessários. Assim, a utilização do mecanismo do voto a distância pode ser uma
solução adequada.
Finalmente, acreditamos que, com o tempo e o uso da nova sistemática de voto,
todas as suas possibilidades serão mais bem exploradas por investidores e emisso-
res, permitindo um processo de assembleia mais inclusivo e que realmente trate dos
temas relevantes para a companhia.

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Governança em Negócios de Impacto
para Fortalecimento de Estratégia e
Mitigação de Riscos

Marcel Fukayama

resumo: Vivemos um período de oportunidades para negócios inovadores, que buscam


causar impacto social e ambiental positivo e obter resultado financeiro sustentável. O
grande desafio é captar investidores. Para isso, torna-se fundamental uma gestão baseada
nos princípios da boa governança. O artigo percorre os processos de concepção e estrutu-
ração desse tipo de empresa, tomando como exemplo e acompanhando o caso de dois
empreendimentos brasileiros, Programa Vivenda e Mais 60 Saúde, que contaram com o
apoio estratégico na captação, acompanhamento e modelagem do negócio e governança.
palavras-chave: empreendimentos inovadores, captação de investimentos, impacto
social e ambiental

introdução
É crescente o número de empreendedores que utilizam modelos de negócios inova-
dores para resolver problemas sociais e ambientais. Um dos principais precursores
desse movimento é Muhammad Yunus, Nobel da Paz em 2006 por sua jornada de
mais de trinta anos à frente do Banco Grameen e que tirou doze milhões de pessoas
da pobreza extrema em Bangladesh por meio do microcrédito.
Ao menos duas características marcam tais empreendimentos. A primeira é que
têm em sua missão a geração de impacto social e ambiental positivo ao mesmo tempo
que buscam alcançar resultado financeiro sustentável. A segunda é que, em geral,
criam novos mercados a partir de necessidades existentes1.

1. C. K. Prahalad, A Riqueza na Base da Pirâmide: Como Erradicar a Pobreza com o Lucro, 2006.

105
106 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

Esses negócios ainda se encontram em fase incipiente de desenvolvimento em


todo o mundo. Com o ecossistema ainda em formação, isso torna o ambiente ainda
mais inóspito para empreender. O acesso a capital é uma das principais dores para
construção de infraestrutura para o campo e geração de evidências de êxito. Desde a
criação da Força Tarefa de Finanças Sociais no G7 em 2013 – um tipo específico de
investimento –, o investimento de impacto passou a ser incorporado na agenda pública
e no mercado de capitais. Um relatório publicado pelo J. P. Morgan estima que esse
campo pode movimentar US$ 1 trilhão até 20202.
Entretanto, outra dor aparece estruturalmente tanto para empreendedores quanto
para investidores. Ainda que em perspectivas distintas, a governança é uma dimen-
são a ser desenvolvida para qualificar a gestão de um lado e mitigar riscos de outro.
Em um momento de graves distorções sociais e consequências ambientais, há um
oceano azul de oportunidades para que novos empreendimentos sejam criados com o
objetivo de causar e ampliar impacto positivo. Porém é importante compreender mini-
mamente os entraves para o crescimento e fortalecimento do ecossistema de negó-
cios e investimento de impacto.
A partir de casos realizados recentemente no Brasil, esse capítulo busca aprofun-
dar, em particular, dois pontos que podem contribuir para o desenvolvimento do campo:
1. o modo como um mecanismo de investimento inovador e mais distribuído está dire-
cionando capital para o ecossistema, especificamente para estruturar a expansão de
negócios de impacto e acelerá-los ao longo do Vale da Morte 3; 2. o modo como a
governança está apoiando e viabilizando o fortalecimento da gestão desses empreen-
dimentos, a qualificação de sua tomada de decisão e o aumento da qualidade de sua
prestação de contas e transparência.

ciclos de desenvolvimento de negócios de impacto:


o vale da morte

Ao criar um empreendimento, o empreendedor passa por estágios de desenvolvimento


até alcançar maturidade no modelo e do mercado. Antes de alcançar esse momento
de mais estabilidade, o empreendimento pode passar por quatro estágios:

2. N. O’Donohoe et al., Impact Investments: An Emerging Asset Class, 2010.


3. Y. Osawa e K. Miyazaki, “An Empirical Analysis of the Valley of Death: Large Scale R&D Project
Performance in a Japanese Diversified Company”, 2006.
governan ç a em n egóc ios d e im pa c to. . . 107

1. Ideia: etapa de pesquisa e entendimento do problema a ser resolvido e o modo


como o projeto pode conduzir a questão. Início do desenho do modelo de negócio.
2. Validação: levantamento de hipóteses centrais do modelo. Ida a campo para vali-
dação, ajustes e refinamento de tais hipóteses. A tese de impacto é construída e
associada às hipóteses a serem validadas.
3. Desenvolvimento: monetização do modelo, refinamento das hipóteses. Diminuição
das incertezas, fortalecimento do funil e tração comercial. Ganhos de eficiência
em processo.
4. Expansão: com o modelo minimamente validado, estrutura-se a expansão. Time e
governança são elementos críticos para crescimento sustentável.

Em negócios comprometidos com a geração de impacto social e ambiental posi-


tivo, esse processo não é diferente. Porém, com a escassez de recursos no ecossis-
tema, a jornada pode se tornar mais longa e árida. Conhecido como Vale da Morte,
cruzar de um lado da borda para o outro não é trivial. Não é por acaso que, de cada
dez negócios, seis deixam de existir em cinco anos4.

Figura 1. O Vale da Morte

Fonte: Y. Osawa e K. Miyazaki, “An Empirical Analysis of the Valley of Death: Large Scale R&D Project
Performance in a Japanese Diversified Company”, 2006.

4. IBGE, Demografia das Empresas 2014, Coordenação de Metodologia das Estatísticas de Empresas,
Cadastros e Classificações, 2016.
108 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

Uma pesquisa realizada pelas organizações Artemísia e Din4mo entre 2015 e 2016
com 192 empreendedores de negócios de impacto identificou as principais dores ao
longo desse ciclo. A maioria dos empreendedores relatou solidão na criação e condu-
ção do negócio. A pesquisa identificou também senioridade limitada no time de gestão
e uma importante assimetria de informação dos empreendedores no acesso a mer-
cado e a capital. Mais da metade deles (54%) buscam até R$ 1 milhão para estrutu-
rar o desenvolvimento e expansão dos empreendimentos.
Essas evidências apontam que, mais que recurso financeiro, os negócios que
percorrem o Vale da Morte têm fragilidades estruturais. Entre eles, um time de ges-
tão pouco experiente e sem fóruns apropriados para compartilhar e qualificar sua
tomada de decisão. Também é possível identificar um tecido social em formação e,
portanto, com uma rede de contatos pouco estruturada, que pode limitar a estraté-
gia de ida ao mercado. Por estarem em um estágio sensível, esses empreendimen-
tos podem passar por uma seleção adversa para acessar capital e obter recursos
financeiros em condições pouco favoráveis aos empreendedores, como taxa alta,
entrega maior de participação societária e outros termos que comprometem o negócio
no longo prazo.
Para atenuar tais dores, a Din4mo, empresa que apoia negócios de impacto e investe
neles, desenvolveu em 2015 um programa de fortalecimento para empreendedores
nesse estágio. O processo, chamado Inovadores de Impacto, tem como oferta de valor
apoio a empreendedores em gestão, desenho de um modelo de governança, desen-
volvimento do funil de venda para ida a mercado e estruturação de plano de captação
e investimento para expansão. Entre 2015 e meados de 2018, mais de vinte negó-
cios passaram pelo processo, que dura em média doze meses e conta com encon-
tros semanais.
Dois desses empreendimentos foram criados em 2013 e, após passarem pelo pro-
cesso de ideação da Aceleradora de Impacto da Artemisia, foram selecionados pelo
Inovadores de Impacto da Din4mo, onde têm tido apoio para validar e ganhar eficiência
nos modelos. O primeiro é o Programa Vivenda, fundado por Fernando Assad, Marcelo
Coelho (Lelo) e Igiano Lima (Gian), que busca revolucionar o mercado de reformas para
famílias de baixa renda. Por meio de lojas instaladas em favelas, inicialmente em São
Paulo, ofertam venda de kits para reforma, que incluem o projeto, material de constru-
ção de qualidade, mão de obra qualificada e, mais recentemente, crédito para financiar
em até trinta parcelas mensais. A empresa atua no centro dos problemas sociais: a
habitação. Hoje, o Brasil tem mais de quinze milhões de famílias que precisam melho-
rar suas condições de moradia. Mais que uma reforma do cômodo, a empresa restaura
governan ç a em n egóc ios d e im pa c to. . . 109

a dignidade das famílias, promovendo a faísca para a mudança, aumento de bem-es-


tar e qualidade de vida. Desde então, mais de oitocentos kits foram distribuídos em
duas comunidades de São Paulo.
O segundo empreendimento é o Mais 60 Saúde, fundado pelos médicos Fernando
Assunção, Geraldo Camargo Neto e Estevão Valle. O negócio tem sua tese na combi-
nação de medicina primária com cuidado centrado no paciente para ampliar qualidade
de vida dele e de seus familiares. O modelo criado inicialmente foi B2B, e, em parceria
com planos de saúde, o Mais 60 Saúde fortaleceu a oferta de valor ao público idoso
e seus familiares. Há evidências de uma redução de custo de mais de 25% nos gas-
tos dos planos, a partir da prevenção e promoção da saúde e acompanhamento apro-
priado de pacientes frágeis e robustos. Mais de 2,5 mil pacientes são atendidos todos
os meses na clínica em Belo Horizonte.
Em determinado momento, ambos os empreendimentos precisaram acessar capi-
tal para estruturar sua expansão. De um lado, a escassez de capital no Vale da Morte
é um dos maiores entraves para o fortalecimento do ecossistema. Por outro lado, isso
gerou uma oportunidade de evidenciar que é possível criar infraestrutura para direcio-
nar capital para negócios nesse estágio e que há demanda de investidores para alo-
car capital de risco.

equity crowdfunding: uma forma inovadora e distribuída de


mobilização de capital para investimento de impacto

A tecnologia da informação e comunicação permitiu um grande avanço na populariza-


ção de instrumentos financeiros. Por meio de plataformas de financiamento coletivo
como Kickstarter, Catarse ou Benfeitoria, indivíduos podem apoiar projetos específi-
cos, que já movimentam mais de US$ 65 bilhões em todo o mundo.
Um tipo mais recente de financiamento coletivo é de investimento, chamado equity
crowdfunding ou crowdequity. Essa forma de captação e investimento foi regulada no
Brasil em julho de 2017 pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), com a Instrução
Normativa n. 588, classificando o instrumento como investimento participativo. Essa
modalidade permite ao empreendedor apresentar seu projeto em um deck em uma
determinada plataforma – previamente autorizada pela CVM – e captar até R$ 5 milhões
de forma distribuída com os investidores registrados na base da plataforma.
De acordo com o portal Crunch Base, o volume movimentado em investimento
semente por intermédio dessas plataformas está crescendo de forma acentuada. Foram
US$ 8,94 bilhões em 2017, um crescimento de mais de 50% em relação ao ano anterior.
110 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

Uma das principais plataformas, a americana AngelList mobilizou mais de US$ 700
milhões desde 2010 para 1,8 mil startups.
No Brasil, uma das principais plataformas autorizadas pela CVM é a Kria, líder de
mercado e que mobilizou mais de R$ 25 milhões desde 2015. Uma pesquisa realizada
em 2016 pela Din4mo em aliança com a Kria investigou mais sobre o perfil de quatro-
centos investidores. A base se mostrou majoritariamente composta de homens com
até 40 anos, que possuem alguma experiência em empreendedorismo e com expec-
tativa de retorno entre três e cinco anos. Os investidores declararam ter disponibili-
dade para mobilizar, em média, até R$ 10 mil para cada investimento.
Identificaram-se três pontos relevantes a se destacar: 1. mais de 20% priorizam
investir na fase de validação do modelo, o que é chave para endereçar capital no Vale
da Morte; 2. consideram o investidor-líder o principal atributo na avaliação do investi-
mento. A liderança é importante, pois endossa e apoia a operação investindo o mínimo
de 5% do valor-alvo a ser captado. Além disso, o líder se responsabiliza por apoiar
diretamente a prestação de contas do investimento por um determinado período. Por
esse trabalho, o líder é recompensado com um carry da operação, em caso de evento
de liquidez no futuro; 3. os investidores declaram que ter um modelo de governança
e acompanhamento é a principal forma de mitigação de riscos.
Um dos principais efeitos positivos do crowdequity é a democratização do inves-
timento de impacto. Antes desse instrumento, investidores que buscavam combinar
retorno financeiro com impacto social positivo tinham opções limitadas, como os fun-
dos de investimento de impacto. Porém o ticket mínimo de R$ 1 milhão tem restringido
a ampliação do número de investidores. Plataformas de crowdequity têm mostrado a
viabilidade de direcionar fluxo de capital em um estágio crítico em tempo e velocidade
adequados, mobilizando um número relevante e crescente de investidores, o que pos-
sibilita a criação de uma nova cultura de investimento de impacto no Brasil.

as dimensões de governança em negócios de impacto

Um dos pilares do programa de apoio à gestão ofertado pela Din4mo, o Inovadores de


Impacto, é governança. Em sessões semanais, o time empreendedor é instrumentalizado
e formado para a criação da agenda e implementação das ações definidas nos encontros.
Historicamente, os negócios de impacto participantes do Inovadores de Impacto
apresentam fragilidades estruturais em governança. Ao longo do programa, três dimen-
sões são trabalhadas: societária, papéis e responsabilidades, e fóruns de gestão e
acompanhamento.
governan ç a em n egóc ios d e im pa c to. . . 111

Para a dimensão societária, os empreendedores passam por uma revisão dos atos de
incorporação, alinhamento de expectativas entre sócios e formalização de um acordo
de sócios. Em seguida, são submetidos a uma avaliação em seus perfis para definição de
papéis e responsabilidades. Esse ponto é particularmente importante em negócios com
sócios que não estejam dedicados integralmente à operação.
Por fim, a definição de fóruns de gestão e acompanhamento contribui para a redu-
ção de assimetrias na equipe, o fortalecimento de gestão e a qualificação da tomada de
decisão. Entre os fóruns propostos, o conselho consultivo é usualmente um dos cami-
nhos definidos como meio para apoio estratégico aos empreendedores.

Caso Programa Vivenda: da obra para a estratégia


O Programa Vivenda realizou duas rodadas de captação por meio de crowdequity, tota-
lizando R$ 1,195 milhão. Em fevereiro de 2016, a empresa levantou R$ 445 mil e, em
abril de 2017, encerrou a segunda rodada com um valor de R$ 750 mil, mobilizando
ao todo 140 investidores. As operações tiveram a liderança da Din4mo, que também
apoia a empresa por intermédio do programa Inovadores de Impacto.
Em paralelo, a empresa passou pelo processo de certificação como Empresa B do
Sistema B e foi avaliada nas dimensões de governança, modelo de negócios, impacto
social na comunidade, impacto ambiental e relações com colaboradores. Os 99 pontos,
em um range de 200, posicionaram o movimento entre as 10% melhores Empresas B
do mundo em modelo de negócio de impacto.
Uma das iniciativas priorizadas no apoio à gestão da empresa, além de mode-
lagem de negócio, foi o fortalecimento da governança para qualificar a tomada de
decisão e ampliar a prestação de contas aos investidores. O conselho consultivo foi
criado com investidores institucionais, que já vinham acompanhando o desenvolvi-
mento do negócio.
O processo de constituição do conselho, com mandato de 24 meses, iniciou-se
após a primeira rodada de captação e tinha como objetivo obter apoio estratégico aos
empreendedores e validação dos relatórios trimestrais publicados aos investidores.
Para o cofundador do Programa Vivenda, Fernando Assad, o processo foi importante
para forçar a criação de uma agenda estratégica para a empresa, que, geralmente,
era negligenciada pela operação do dia a dia. O board pack elaborado para as reu-
niões trimestrais inclui informações financeiras como fluxo de caixa e demonstrativo
de resultado de exercício, desafios do negócio e do time de gestão, atualização do
funil comercial do negócio e indicadores de impacto social para acompanhamento.
112 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

O processo de elaboração do material é um momento de reflexão e estimula os


empreendedores a pensarem no longo prazo. Porém, dados o estágio e a estrutura
do negócio, desafios também foram identificados. O Programa Vivenda convive com
fluxo de caixa negativo ao longo de seus quatro anos de existência. As reuniões aca-
bam se concentrando nessa dor, limitando o pensamento ao curto prazo. Mais recen-
temente, em uma operação liderada pela aliança Din4mo e Grupo Gaia, a empresa foi
bem-sucedida na captação da primeira debênture de impacto no Brasil, com o objetivo
de obter capital para antecipação de recebíveis e, com isso, atenuar a dor de capital de
giro e financiamento de famílias de baixa renda.

Quadro 1 – Informações do Programa Vivenda

empresa programa vivenda

Oferta de kits de reforma em favelas, incluindo projeto, material de


Sobre o negócio:
construção, mão de obra e crédito

Famílias beneficiadas pela reforma, aumentando bem-estar e


Impacto:
qualidade de vida. Geração de emprego e renda local

Fundação: 2013
Faturamento em 2017: R$ 2 milhões
Captação em crowdequity: R$ 1,195 milhão em 2 rodadas
Valuation na captação: R$ 3 milhões e R$ 5,5 milhões, respectivamente
Número de investidores: 140
Conselho consultivo: 5 membros
Mandato: 24 meses
Periodicidade: Trimestral

• Apoio ao time executivo


• Acompanhamento de tesouraria e controladoria
Agenda:
• Acompanhamento de impacto social
• Geração de oportunidades comerciais

Caso Mais 60 Saúde: de médicos para executivos


O Mais 60 Saúde aderiu ao programa Inovadores de Impacto da Din4mo em setembro
de 2016. A agenda de governança foi criada no fim do ano, passando por uma revi-
são na estrutura societária e dos papéis e responsabilidades dos cofundadores Estevão
Valle, Geraldo Camargo e Fernando Assunção.
governan ç a em n egóc ios d e im pa c to. . . 113

Crescendo dois dígitos ao ano, uma das preocupações apresentadas pelos empreen-
dedores era sobre seus papéis na operação, já que acumulam os postos de gestores
e médicos da clínica. Para fortalecer a gestão e a tomada de decisão, o conselho con-
sultivo foi criado com o objetivo de apoiá-los nesse momento, visando à captação por
meio de crowdequity na segunda metade de 2017.
O conselho foi composto de cinco membros, sendo dois da própria Din4mo e três
perfis complementares: um médico, uma advogada empresarial especialista em gover-
nança corporativa e uma profissional de gestão estratégica de pessoas e cultura orga-
nizacional. Um dos primeiros desafios ao longo do processo de desenvolvimento da
agenda de governança foi instrumentalizar os empreendedores e sensibilizá-los para
a importância do tema, que rapidamente foi percebido ao longo do processo.
O conselho, também com reuniões trimestrais, foi crítico no apoio aos empreende-
dores para formulação de uma estratégia consistente de produto e expansão do negó-
cio. Segundo Claudia Pitta, membro do conselho e especialista em governança, com
o ganho de confiança, o apoio mais necessário recaía na mudança do modelo mental
dos empreendedores, que de médicos profissionais liberais deviam passar a gestores
e executivos de um negócio em crescimento. A partir do ganho de conhecimento dos
conselheiros e empreendedores, conforto mútuo e confiança nas relações, o foco foi
o desenvolvimento da estratégia e o dimensionamento da capacidade que o negócio
deveria desenvolver para alcançar a visão e, em seguida, apoio e acompanhamento
na implementação do plano.
Para o cofundador e médico geriatra Estevão Valle, o processo de fortalecimento da
governança deu segurança institucional, base e perspectivas melhores para a tomada
de decisão. Também é percebida pelos empreendedores a importância que o conselho
deu no trabalho de mapeamento de competências para construção de papéis e respon-
sabilidades, o que tem permitido o crescimento sustentável do negócio.
Em dezembro de 2017, o Mais 60 Saúde foi o primeiro negócio de impacto no Brasil
a romper a barreira de R$ 1 milhão no crowdequity. Com uma tese de impacto consis-
tente e alinhada com os desafios do país para os próximos anos no concernente à lon-
gevidade, em apenas sessenta dias a empresa mobilizou mais de setenta investidores.

Quadro 2 – Informações do Mais 60 Saúde

empresa mais 60 saúde


Cuidado personalizado a pacientes com mais de 60 anos em clínica
Sobre o negócio:
especializada em ampla gama de serviços
114 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

(cont.) empresa mais 60 saúde

Aumento no acesso a atendimento geriátrico com custos mais


Impacto: razoáveis; promoção da independência funcional e da qualidade de
vida; redução de custos e desperdícios para os sistemas de saúde
Fundação: 2013
Faturamento em 2017: R$ 4,9 milhões
Captação em
R$ 1,020 milhão
crowdequity:
Valuation na captação: R$ 16,5 milhões
Número de investidores: 76
Conselho consultivo: 5 membros
Mandato: 24 meses
Periodicidade: Trimestral

• Apoio ao time executivo


• Acompanhamento de tesouraria e controladoria
Agenda:
• Acompanhamento de impacto social
• Acompanhamento das oportunidades comerciais

relacionamento com investidores

Uma das principais questões no pós-investimento é o acompanhamento da empresa e


o monitoramento da implementação do plano apresentado no deck. Para isso, o inves-
tidor-líder assume o compromisso de facilitar o processo e apoiar os empreendimen-
tos investidos na organização das informações e disponibilização de relatórios para os
investidores com periodicidade alinhada previamente nos termos.
Nos casos do Programa Vivenda e Mais 60 Saúde, os investimentos foram em for-
mato de Título de Dívida Conversível (TDC). Dessa forma, os investidores são credores
de um título que, em um prazo de até cinco anos, pode ser convertido em ações ordi-
nárias da empresa. Ambas as empresas ainda permanecem como Sociedade Limitada
(LTDA), porém, em caso de eventos de liquidez ou conversão dos títulos, assumiram
o compromisso de migrarem para Sociedade Anônima (SA).
A decisão de captar recursos mediante TDC foi do investidor-líder Din4mo, em acordo
com os empreendedores. Apesar da Lei Complementar n. 155/2016 dar segurança ao
investidor-anjo ante os passivos das empresas, não havia, na época, clareza sobre o
regime de tributação a ser implementado pela Receita Federal, o que tornava o TDC
governan ç a em n egóc ios d e im pa c to. . . 115

o instrumento mais apropriado no momento. Mais recentemente, a Instrução Normativa


n. 1.719/2017 determinou a incidência de 15% de impostos sobre o ganho de capital.
Outro veículo possível e atualmente mais utilizado é a constituição de Sociedade
de Contas em Participação (SCP). Nesse formato, os investidores aportam recurso em
um CNPJ criado a partir dos sócios-ostensivos – os empreendedores – e os sócios
participantes – os investidores. O veículo pode ter ou não prazo determinado, e, ao
término do período ou de um objetivo determinado no contrato, o resultado é apurado
e distribuído aos investidores.

conclusão

A governança em negócios em estágio inicial é usualmente frágil. A jornada empreen-


dedora é solitária e permeada de dores, seja em relação à posição como gestores e
tomadores de decisões, seja quanto ao acesso a capital para estruturar a ampliação
de impacto e escala de seus negócios. Apesar do ecossistema de negócios de impacto
ainda ser incipiente, avanços recentes na infraestrutura do campo têm permitido a
empreendedores acessarem capital com menor custo de transação.
Ao mesmo tempo, uma das principais questões apresentadas pelos investidores é
a fragilidade da governança dos empreendimentos. Os casos do Programa Vivenda e
Mais 60 Saúde evidenciam a importância de a empresa investir no tema. Tais práticas
reduzem a assimetria de informação, ampliam a prestação de contas e fortalecem a
gestão para o crescimento sustentável no longo prazo. E serão ainda mais relevantes
para o cenário de conversão dos títulos em participação nas empresas, o que ampliará
a complexidade na relação com os investidores.
Ao fortalecer a governança, dois dos principais benefícios comuns aos dois casos
estão no pensamento estratégico do negócio e na mitigação de riscos na captação de
recursos por meio de um veículo inovador como crowdequity. Contudo, é importante
reconhecer as limitações de estrutura e capacidade que negócios nesse estágio têm.
Embora os empreendedores considerem uma agenda prioritária, a operação do dia a dia
traz a tentação de um olhar de curto prazo, o que reforça a importância de um fórum
que cria a agenda e qualifica a tomada de decisão ao longo da jornada empreendedora.

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pushes-worldwide-vc-new-heights/>. Acesso em: 13 jul. 2018.
Torres, Haroldo; Gorini, Marco & Fukayama, Marcel. Equity Crowdfunding: O que é e Como
Pode Ser Utilizado. Whitepaper Din4mo, 2016.
1.3
Administração
Stakeholders: Vitais, mas
Sub-representados nos Processos
Decisórios e na Governança Corporativa

Roberto S. Waack

resumo: O poder da sociedade nas decisões corporativas tem aumentado significati-


vamente, independentemente da vontade de acionistas. Contemplar stakeholders na
governança e na gestão passa a ser vital para o sucesso de estratégias e ações corpora-
tivas. A participação de stakeholders em diferentes fóruns de governança e gestão abre
perspectivas e inovações, facilita caminhos, tem efeitos na licença social para operação e
na reputação. Mas não é trivial. O artigo examina mecanismos de participação, notada-
mente a organização de clusters estratégicos e como alguns desafios podem ser tratados. 
palavras-chave: stakeholder, participação, transparência, governança

Parece ser evidente que corporações, progressivamente, estejam incorporando aten-


ção aos stakeholders em seu processo decisório e à governança. O grande desa-
fio é a estruturação de modelos de gestão voltados para esse grupo de pessoas e
organizações.
Por sua relevância, chega a ser incompreensível que ainda não sejam adequada-
mente incorporados nas práticas de gestão e governança. Uma explicação para isso
é que eles não necessariamente maximizam, no curto prazo, resultados operacionais
e financeiros. Com frequência, são percebidos como geradores de distrações, ruídos,
causadores de trabalhos imprevistos, ampliações de escopo, transtornos a cronogra-
mas e perturbações reputacionais.
São situações de alta complexidade, a começar pela definição do termo em sua
forma mais simplista: “partes interessadas”. O que está por trás desse conceito?

119
120 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

Interesse, envolvimento, preocupação, responsabilidades. Impactados pelas ações


empresariais, stakeholders afetam estratégias, políticas e rotinas das organizações.

definições e exemplos

Stakeholders são pessoas e organizações com diversos interesses: às vezes diretos,


claros e tangíveis, mas também indiretos e mal definidos. São, em sua maioria, impre-
cisos, antagônicos, ambíguos, voláteis e imprevisíveis. Outros, fortemente previsíveis e
objetivos. Parte é negativamente afetada, outra recebe e percebe benefícios. A maioria
é atingida sem se dar conta das duas situações ao mesmo tempo. Stakeholders são
os principais alvos de externalidades, assim como são determinantes para o sucesso
ou insucesso de empresas, modelos de negócios e setores industriais.
Algumas definições os tratam como públicos estratégicos, enquanto outras os asso-
ciam àqueles que representam um conjunto de riscos. Certas abordagens os conside-
ram como os que legitimam ações de uma organização, devendo ter papel direto ou
indireto na gestão e nos resultados.
Uma lista não exaustiva de exemplos inclui empregados, clientes, fornecedores,
concorrentes, governos, reguladores, políticos, sistema financeiro, sociedades civis
organizadas, organizações religiosas, investidores, sindicatos, comunidades direta
ou indiretamente afetadas, academia, mídia, internautas, familiares e parceiros de
negócios.

agrupamentos estratégicos

A estruturação de clusters estratégicos pode ser um bom exercício para a definição


de estratégias de relacionamento, buscando a construção de cenários que se aproxi-
mem da complexidade e da diversidade de situações.
Uma das maneiras de visualização pouco específica, mas abrangente, é o agrupa-
mento por características gerais e por relações de dependência. A Tabela 1 apresenta
uma matriz com uma lista de possíveis situações, stakeholders, indicação de relações
e um conjunto de estratégias agrupadas (exemplos de alternativas estratégicas serão
discutidos na parte final do texto). Esse tipo de abordagem genérica pode ser uma boa
alternativa para análises iniciais ainda pouco estruturadas.
Uma forma mais sintética pode ser o agrupamento por relações com o processo
decisório e governança em um espectro que inclui situações de participação obriga-
tória a absolutamente voluntária.
s t a k e h o l d e r s : vita is, m a s su b - r epr esen ta d os. . . 121

Tabela 1 – Agrupamentos de stakeholders por características gerais e relações de dependência

Sociedade geral
Orgs. religiosas
Sist. financeiro

Comunidades
Fornecedores
Concorrentes
Empregados

Reguladores

Investidores

Sindicatos

Academia

Estratégia
Governos

Parceiros
Políticos
Clientes

ONGs

Mídia
Quem depende da
X X X A
empresa?
Quem se beneficia dela? X X X X X X X X B
Quem é diretamente
X X X X B
afetado por ela?
Quem precisa de seus
X B
produtos ou serviços?
Quem será afetado por
X X C
eles?
Quem se beneficiará
X C
indiretamente deles?
Quem será prejudicado? X X C
Quem se preocupa com
X X X D
eles?
Quem deveria se
X X X X X X X X D
preocupar?
Quem não será afetado? X E

Quem teme por ele? X X F


Quem representa
X G
interesses?
Quem tem poder de
X H
decisão?
Quem financia? X I

Quem regulamenta? X J

Quem compete? X K

Quem afeta a reputação? X X X X X X X L


Quem representa
X X X X L
hostilidade?
Quem gera
conhecimentos
X X M
necessários para a
empresa?
Quem se apropria de
X X X X X X X N
conhecimentos gerados?

Fonte: elaboração própria.


122 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

Tabela 2 – Agrupamentos de stakeholders por relações com o processo decisório

Sociedade geral
Orgs. religiosas
Sist. financeiro

Comunidades
Fornecedores
Concorrentes
Empregados

Reguladores

Investidores

Sindicatos

Academia

Estratégia
Governos

Parceiros
Políticos
Clientes

ONGs

Mídia
Papéis de comando e
X X X A
controle
Papéis negociais X X X X B

Papéis operacionais X X X X C
Papéis influenciadores do
X X X X X X X X X D
ambiente de negócios
Fonte: Elaboração própria.

O conhecimento do conjunto de stakeholders deve permitir também uma carac-


terização da sua forma de organização. Essa abordagem é bastante relevante para o
desenho de estratégias de relacionamento, notadamente no que se refere a questões
como representatividade e legitimidade dos interlocutores. A Tabela 3 indica situa-
ções em que um determinado tipo de stakeholders pode atuar – individualmente, em
alguns casos, e, em outros, estruturados em redes informais ou até mesmo em siste-
mas de governança formais. O melhor exemplo são organizações não governamentais
(ONGs), que, muitas vezes, atuam isoladamente; em outras, participam de coalizões,
redes ou pactos, e, em outras, por meio de fóruns multistakeholder formais, a exem-
plo de sistemas de certificação de terceira parte. Da mesma forma que os agrupa-
mentos anteriores, é possível traçarem-se estratégias específicas para cada cluster.

Tabela 3 – Agrupamentos de stakeholders por relações com o processo decisório


Sociedade geral
Orgs. religiosas
Sist. financeiro

Comunidades
Fornecedores
Concorrentes
Empregados

Reguladores

Investidores

Sindicatos

Academia

Estratégia
Governos

Parceiros
Políticos
Clientes

ONGs

Mídia

Individuais e fragmentados X X X X X X X X X X X X X X A
Estruturados em redes
X X X B
informais
Formalmente organizados
em grupos com governança X C
própria
Institucionais X X X D

Fonte: elaboração própria.


s t a k e h o l d e r s : vita is, m a s su b - r epr esen ta d os. . . 123

A sistemática de análise pode incluir elementos comportamentais, tais como:

• apáticos: pouco protagonismo, sem opiniões formadas, comportamento neutro,


mas frequentemente usados como massa de manobra;
• mal informados: envolvidos, mas com pouca profundidade; com frequência também
se tornam massa de manobra;
• vulneráveis: desassistidos pelo Estado, pouco informados, baixo nível educacional,
frequentemente vítimas ou vitimizados;
• imprevisíveis: indivíduos incoerentes, ambíguos, voláteis e emocionais. Com alguma
frequência, assumem posições de liderança por sua capacidade retórica ou de
influência local, mas sem agendas definidas (a não ser a busca de poder ou expo-
sição pública);
• ideológicos: altamente politizados, com conteúdo conceitual e agendas de longo
prazo definidas, com fortes redes de apoio. Com frequência, são ativistas bem
formados;
• oportunistas: com interesses ocultos e não íntegros, buscam ganhos pessoais;
• profissionais: alto grau de conexão com o negócio e agendas próprias definidas e
identificáveis.

Uma das formas mais relevantes de agrupamentos se refere à abrangência regional.


Stakeholders locais são cada vez mais relevantes no processo decisório, influenciando
e servindo de referência para organizações com atuações nacionais e internacionais.
A forma de relacionamento e engajamento com stakeholders locais pode ser significa-
tivamente distinta do que ocorre com atores de abrangência mais ampla. ONGs inter-
nacionais têm, em sua maioria, relacionamentos com organizações locais (chamadas
de raiz). A partir de análises de impactos locais, formulam estratégias de relaciona-
mento, frequentemente inseridas em agendas mundiais.
A dimensão espacial de stakeholders deve contemplar o conceito de paisagem,
ainda pouco utilizado. Trata-se de considerar o papel de stakeholders de forma dinâ-
mica, em um contexto histórico. Os territórios de influência das organizações se alteram.
Em muitos casos, sua história afeta sensivelmente a vida de comunidades (desloca-
mentos, por exemplo), o espaço físico (obras de infraestrutura) e aspectos ambientais
(uso do solo, exploração de recursos naturais). Agendas que podem parecer voltadas
para situações temporalmente definidas no presente com frequência são influencia-
das por passivos históricos. Além disso, são pouco racionais, forjadas por compo-
nentes psicológicos, simbólicos, emocionais. O grau de envolvimento e protagonismo
124 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

de comunidades tem forte conexão com a história do território em que vivem. Esses
componentes são centrais na definição da forma de relacionamento entre as partes.
Agrupamentos complementares e conectados ao componente territorial devem
contemplar elementos como o prazo das agendas de stakeholders. Comunidades, por
exemplo, tendem a ter pautas imediatistas, em especial quando afetadas por externa-
lidades negativas tangíveis (poluição, por exemplo). ONGs internacionais com frequên-
cia têm estratégias de prazos mais longos, estruturantes. Essa dimensão é bastante
variável, com situações de combinação de agendas.

modelos de governança

O aumento da visibilidade, transparência e acesso às informações, aliado à maior capa-


cidade organizacional da sociedade, fez crescer substancialmente o poder de stake-
holders. Debates sobre modelos de governança que contemplam stakeholders em seus
processos decisórios são polarizados entre sistemas fechados e aqueles denominados
de “democracias de stakeholders”. O foco da discussão é se stakeholders devem ou não
ter assentos em conselhos. No entanto, o tema é muito mais complexo do que a sim-
ples resposta a essa abordagem, com grandes oportunidades de maior equilíbrio entre
objetivos socioambientais e econômicos das corporações. O mesmo ocorre no melhor
balanceamento entre interesses de acionistas e bens comuns, com uso mais eficiente
de recursos, maior transparência e accountability. Alinhar esses interesses é cada vez
mais relevante, percebido pelo mercado e com correspondência em valuations. Há grande
convergência de visão de que a governança corporativa deve encorajar o uso mais efi-
ciente de recursos para benefício de acionistas e da sociedade. No entanto, há pouco
consenso sobre como alocar mecanismos de engajamento de stakeholders na prática.
Mesmo nesse cenário, ainda são comuns práticas voltadas para a manipulação de
stakeholders por meio do suprimento rotineiro de informações incompletas ou incor-
retas. Esses expedientes se pautam pela ausência de diálogo com grupos estrategi-
camente relevantes. Em casos de crises, buscam-se ações mitigatórias.
Um segundo estágio, ainda precário, é a busca de mecanismos de participação
pouco estruturados. Stakeholders são dispersamente ouvidos – em alguns casos,
fornecem opiniões, mas não recebem feedback nem participam de processos deci-
sórios. O principal objetivo é a prevenção de crises e a pacificação de situações de
potencial risco de reputação.
Sistemas de gestão de stakeholders mais sofisticados partem do princípio de que
stakeholders têm crescente poder de decisão no ambiente de negócios. Nesses casos
s t a k e h o l d e r s : vita is, m a s su b - r epr esen ta d os. . . 125

são estruturados fóruns de informação e negociação com especial atenção para a


redução de assimetrias de informação. Busca-se a licença social de operação por meio
do estabelecimento de parcerias com grupos de stakeholders com crescente poder
de negociação, decisão e corresponsabilidade sobre resultados. Há situações em que
parte do poder é delegado.
Esse gradiente de situações varia, portanto, de um ambiente de ausência de rela-
ções, passando por manipulações, terapias mitigadoras de riscos, sistemas de informa-
ções seletivas e qualificadas, consultas, parcerias e delegação de poderes. É evidente
que essa tipologia de situações não é homogênea em todos os grupos de stake-
holders. O conceito de clusters é de fundamental importância para a formatação de
estratégias específicas para cada grupo. Mesmo assim, dificilmente é possível a ocor-
rência de situações de total ausência de relações ou manipulações com alguns grupos
críticos simultaneamente a práticas de parcerias e delegação de poderes com outros.
Corporações em geral praticam a gestão de stakeholders em padrões relativamente
homogêneos, independentemente dos grupos. Sua relação com esses atores carac-
teriza cada vez mais identidades corporativas. Há empresas conhecidas por relações
fortes e amplas com stakeholders como parte de sua cultura organizacional. Outras
são identificadas como distantes das partes interessadas.
As formas de engajamento de (e com) stakeholders incluem metodologias formais
de escuta, como pesquisas de opinião, debates abertos, fóruns de construção de solu-
ções (identificação de problemas, desenho de soluções, sistemas de monitoramento e
retroalimentação), participação em fóruns multistakeholder, adesão a sistemas de cer-
tificação de terceira parte, painéis independentes ou até sistemas de auditorias exter-
nas estruturadas por stakeholders.
Modelos de governança também variam substancialmente, com diferentes graus
de envolvimento em tomadas de decisões estratégicas. Modelos mais simples incluem
grupos de trabalho com tempo e foco determinados. Grupos de trabalho permanentes
ou comitês podem ter escopos mais estratégicos ou técnicos, em geral ligados aos
gestores. Sistemas de governança mais sofisticados contam com comitês de susten-
tabilidade, membros externos ou conselhos consultivos. Um dos pontos mais críticos
se refere à participação de stakeholders em conselhos. Em alguns casos, esses repre-
sentantes são egressos de fóruns como os citados (comitês ou conselhos consultivos).
O direito a voto é a alternativa mais sofisticada, mas, em alguns casos em que o voto
não é prerrogativa dessas instâncias que representam stakeholders, o órgão máximo
de governança (conselhos de administração em empresas ou curador no terceiro setor)
pode ter a obrigação de justificar eventuais discordâncias com esses órgãos. Em alguns
126 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

países a presença de representantes de empregados é recomendada ou até mandató-


ria, muitas vezes com direito a voto assegurado.
A implementação dessas estruturas de governança é fortemente dependente da
identificação de representantes com alta legitimidade entre seus constituintes. É comum
a indicação de representantes com baixa credibilidade entre seus pares, exatamente
por serem mais afeitos às relações com o mundo corporativo. São armadilhas em que
se deve cuidar. A escolha de adesão a fóruns multistakeholders pressupõe profunda
análise de suas estruturas de governança, com foco na legitimidade de seus membros.
A crescente oferta de sistemas de certificação, por exemplo, confunde não só consu-
midores, mas também empresas que aderem a eles. O balanceamento de clusters na
formação de comitês é outro desafio: dificilmente será possível contar com represen-
tantes de todos os grupos estratégicos.
Seja qual for o modelo de governança, um dos aspectos fundamentais que envol-
vem stakeholders é o provimento de informações sobre a empresa e suas externalida-
des. Sistemas de reporting (normas da Global Reporting Initiative – GRI, por exemplo)
passaram a ser prática comum, mas não são suficientes. A relação com partes inte-
ressadas precisa contemplar a ampla heterogeneidade de atores, com linguagens
específicas. Idealmente deve ser dinâmica, fundamentada em diálogo permanente,
com vias de duas mãos funcionando rotineiramente. A escuta, a troca de informações
para a redução de assimetrias e o provimento tempestivo de informações relevantes
devem ser a prática. Conteúdos com diversos graus de profundidade devem estar dis-
poníveis em mídias diversas. Em casos mais sofisticados, o uso de asseguração da
qualidade da informação pode ser útil, assim como a corresponsabilidade pela pro-
dução de conteúdos.
No campo administrativo, a gestão de fóruns e instrumentos de relações com stake-
holders demanda cuidados especiais mediante escolha de eventuais facilitadores, meto-
dologias de engajamento e gestão de conflitos, sistemas de remuneração ou compen-
sação por participações (comumente tidas como formas de cooptação de membros),
aspectos logísticos nem sempre triviais com frequentes necessidades de deslocamen-
tos de risco e corresponsabilidade relacionada à saúde e à segurança de participan-
tes. Sistemas de avaliação de desempenho específicos devem ser implementados.
Os impactos positivos da incorporação de stakeholders em processos decisórios
e governança são cada vez mais reconhecidos. Conhecimento das condições reais do
campo e do ambiente empresarial é uma das vantagens mais evidentes de proces-
sos de engajamento com stakeholders. Esse conhecimento pode proporcionar anteci-
pação de tendências, identificação e ajustes de demandas, melhor desenvolvimento
s t a k e h o l d e r s : vita is, m a s su b - r epr esen ta d os. . . 127

de produtos e inovação em processos e relações com o mercado. Além disso, tem


forte efeito na gestão de riscos, incluindo reputacionais. Em alguns casos, tem efeito
positivo em áreas como logística. Torna-se cada vez mais comum que provedores de
capital financeiro incorporem em suas análises o relacionamento com stakeholders,
resultando em maior acesso ao mercado de capital e custos menores. A adesão a sis-
temas de governança multistakeholder, como certificações e pactos, além de gestão
de riscos, proporciona condições favoráveis de acesso a mercados. Em muitos casos,
favorecem parcerias para o desenvolvimento de negócios. Stakeholders podem ser
agentes de mudanças internas e impactar positivamente ajustes de processos produ-
tivos e administrativos. Por fim, auferem maior legitimidade para a atuação corpora-
tiva, ganhos de credibilidade e, cada vez mais, a almejada licença social para operar.
Vale mencionar que um dos fatores facilitadores de relacionamentos com stake-
holders é a diversidade de conselheiros. Relações pessoais são absolutamente críticas
nesse contexto. A migração de representações institucionais para relações humanas
entre os envolvidos (conselheiros, gestores e representantes de stakeholders) é um
dos maiores fatores de sucesso no engajamento produtivo entre as partes.

comentários finais

O envolvimento com stakeholders, portanto, é prática que pode contar com instru-
mentos de gestão robustos. Identificação de stakeholders e agrupamentos em clusters
podem ajudar na definição de estratégias de relacionamento e governança. Os princi-
pais desafios estão no relacionamento em si, requerendo posturas flexíveis no que se
refere a convivência com posicionamentos ideológicos opostos, diferenças culturais
dramáticas, grandes assimetrias informacionais, uso de linguagens distintas das cor-
porativas, aceitação da convivência com conflitos aparentemente incompatíveis com
o convívio e, ao mesmo tempo, construção de agendas positivas (lidando com incoe-
rências aparentes) e profundo respeito à independência. A construção gradativa des-
sas pontes e a organização de fóruns exigem paciência. A credibilidade e a confiança
não são imediatas. Por fim, é preciso reconhecer que, em qualquer modelo de gover-
nança, a voz amplificada de uma liderança legitimada pela sociedade vale mais que
qualquer sistema de voto. A desconsideração dessa assertiva pode fazer ruir qualquer
iniciativa de articulação com a sociedade via modelos de governança.
Disrupção, Governança e Corporate Venture
em Empresas Estabelecidas: Qual o Papel
do Conselho de Administração na
Governança da Inovação?

Maximiliano Selistre Carlomagno

resumo: Empresas estabelecidas e sedimentadas em seu ramo de negócios veem-se


cada vez mais confrontadas por startups que exploram oportunidades emergentes a partir
de tecnologias disruptivas e modelos de negócios inovadores. Para lidar com a disrup-
ção, urge que as antigas corporações incorporem novas práticas de gestão e governança.
Discutindo novos modelos que podem ser adotados por essas empresas, o artigo mos-
tra como é vital o papel do conselho de administração como condutor desse processo.
palavras-chave: inovação, startups, disrupção, conselho de administração, governança

Evitar riscos que comprometam a continuidade do empreendimento para garantir a


perenidade da organização é o tema principal da governança corporativa. Em seto-
res maduros e regulados, isso consiste em garantir eficiência operacional ao negó-
cio existente. Em contraste, em setores emergentes, abertos e hipercompetitivos uma
das principais responsabilidades de conselhos de administração é a inovação, no core
business e em novos negócios.
O cenário volátil, incerto, complexo e ambíguo, cada vez mais frequente, é mar-
cado por transformações tecnológicas, eventos geopolíticos inesperados e acentuada
mudança de comportamento dos consumidores. A tomada de decisão nesse ambiente
envolve não apenas a mitigação de riscos e ameaças ao presente, como também a
definição de quais serão as principais apostas para o futuro. As empresas precisam
se transformar para enfrentar a disrupção.
Quem não se transforma enfrenta problemas. O S&P 500, que indica as quinhen-
tas maiores empresas em valor de mercado nos Estados Unidos, vem sinalizando o

129
130 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

desafio de manter a longevidade e a sustentação de desempenho superior. Nos últi-


mos cinquenta anos, o tempo médio de permanência das empresas que compõem o
índice caiu de quarenta para quinze anos, em média, segundo dados da Innosight1.
O mercado muda continuamente e não há sinais de que vá se estabilizar. Pelo
contrário, a tendência é que a metade dos atuais integrantes do S&P500 seja substituída
nos próximos dez anos. Novas empresas irão compor esse índice. Nunca foi tão barato
empreender um novo negócio. Dados da CB Insights indicam que hoje é mil vezes mais
barato empreender um negócio digital do que era em 2000. Os novos líderes, como
Apple, Amazon, Google, Facebook e Netflix, são exploradores digitais.
A Amazon anuncia investimento no negócio de saúde. A Starbucks tem mais clien-
tes de meio de pagamento do que Google e Apple. A Netflix desafia a indústria de con-
teúdo e entretenimento. O negócio de mídia foi redefinido por Google e Facebook e a
maioria de seus antigos protagonistas não conseguiu se adaptar. As fronteiras concor-
renciais ruíram. Ninguém mais sabe de onde virá seu próximo concorrente.
A resposta estratégica a esse tipo de situação deve ser ágil, porém assertiva.
Pior do que não fazer nada é decidir por um caminho destrutivo. O mantra “tudo está
mudando, por isso você tem de fazer algo” não parece inteligente. É necessário mais
do que isso. A resposta requer abordar a inovação de forma deliberada e estratégica
para renovar o core business e descobrir o new business. Ainda que inovar seja priori-
tário, não tem sido fácil. Mesmo que para 84% dos executivos seja importante inovar,
apenas 6% estão satisfeitos com sua performance em termos de inovação2.
Será que as empresas estabelecidas têm espaço em suas políticas de governança
corporativa para discutir inovação? Os conselheiros estão preparados para essa nova
realidade? Que práticas devem ser incorporadas para potencializar a governança da
inovação?
Não é fácil responder a essas perguntas. Nos últimos anos tive a oportunidade de
estudar e vivenciar três eixos dessa equação – inovação, governança e startups. Essa
experiência permitiu refletir sobre a relação entre governança e inovação. Para res-
ponder às questões acima é importante entender o processo de disrupção, os desa-
fios de inovação nas empresas estabelecidas e seus possíveis modelos de gestão. A
partir disso, discutir-se-á o papel do conselho de administração (CA) na inovação e as
ações a serem empreendidas para fortalecer essa competência.

1. S. D. Anthony, S. P. Viguerie e A. Waldek, Corporate Longevity: Turbulence Ahead for Large


Organizations, 2016.
2. McKinsey, “Growth & Innovation”.
di srup ção, governança e c o r p o r a t e v e n t u r e em em presa s esta b el ec id a s. . . 131

dominando a disrupção

A disrupção tem impactado setores como tecnologia da informação, comunicação,


mídia, turismo, entretenimento, e, também, negócios maduros como saúde, educação e
serviços financeiros. Nem mesmo indústrias centenárias como siderurgia, petroquímica
e automotiva, intensas em capital e com fortes barreiras de entrada, estão imunes.
Disrupção e disruptivo têm sido palavras das mais repetidas no ambiente de negócios,
ainda que nem todos tenham se debruçado sobre a teoria que as originou.
Em resumo, o professor Clayton Christensen, de Harvard, estudou como as tecno-
logias disruptivas ocasionavam a substituição de empresas nas posições de liderança
de determinados setores, o que provocava essa mudança e como as empresas deve-
riam se comportar para que isso não ocorresse. A conclusão foi que, mesmo empresas
bem administradas, e exatamente por isso, eram suplantadas ao enfrentarem concor-
rentes com soluções disruptivas (simples, convenientes, acessíveis e baratas), origi-
nando uma nova gama de líderes3.
Enquanto empresas estabelecidas priorizam inovações incrementais para clien-
tes existentes por meio de evoluções tecnológicas no modelo de negócios vigente, as
desafiantes apostam em soluções mais simples, convenientes, baratas e acessíveis,
por meio de novos modelos de negócios baseados em novas tecnologias. É o caso da
trajetória do Airbnb e a disrupção de Hilton, Marriot, Starwood. O desafiante, como o
Airbnb, precisou enfatizar atributos de produto/serviço distintos dos oferecidos pelos
grandes líderes. Para o desafiante, não há outra alternativa viável a não ser focar em
consumidores não atendidos ou overserved que já não percebem valor em novas fun-
cionalidades periféricas oferecidas pelos líderes.
Quando isso ocorre, os incumbentes decidem postergar a retaliação ao novo,
pequeno e aparentemente inofensivo concorrente, atuante em um mercado embrio-
nário, adotando um modelo de negócio improvável. O efeito pode demorar cinco, dez
ou até vinte anos. Quando a grande empresa organiza sua resposta, a base de com-
petição já mudou. O cliente atrativo não é mais o que era antigamente. A forma de
cobrar original já não é a mais oportuna. Os ativos viraram liabilities. E, mesmo que
o antigo negócio não venha a desaparecer, tenderá a enfrentar desafios de cresci-
mento e sustentação de margens. Ao final, emerge um conjunto de novos entrantes,
como Whatsapp, Nubank, XP investimentos, Dr. Consulta, Chili Beans e tantos outros,
que ameaçam empresas líderes, colocando em risco uma longa trajetória de sucesso.

3. C. Christensen, The Innovator’s Dilemma: When New Technologies Cause Great Firms to Fail, 1997.
132 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

Ao abordar o risco à continuidade do empreendimento e a longevidade organiza-


cional, naturalmente também estamos tratando de governança corporativa e conselho
de administração. Por que as empresas estabelecidas têm dificuldade para introdu-
zir as inovações disruptivas?

a antinaturalidade da inovação disruptiva em empresas


estabelecidas

A inovação disruptiva é antinatural em empresas estabelecidas. Todo o sistema de


gestão é dedicado a extrair do modelo de negócios dominante até o limite. A explo-
ração do novo fica em segundo plano. A tomada de decisões é baseada no “business
case”. Qualquer tipo de iniciativa, independentemente de sua natureza, nível de risco
e incerteza, precisa passar por um assessment financeiro que funciona muito bem
para oportunidades conhecidas e negócios maduros, mas que se mostra inapto para
contextos de alta incerteza. As potenciais disrupções exigem uma abordagem disci-
plinada de experimentação. O problema é que toda cadeia de comando e controle, do
CEO até a média gerência, é cobrada por previsibilidade. Todos querem sensação de
segurança em um mundo onde não há garantias de previsibilidade. Na inovação dis-
ruptiva essa abordagem não funciona.
Infelizmente o desafio é complexo. Executivos em posição de liderança ficam, atual-
mente, menos tempo no cargo do que o período necessário para maturar um projeto
inovador. Mais da metade dos CEOs nos Estados Unidos ficam menos de cinco anos
no cargo. Os mecanismos de avaliação de desempenho, promoção e recompensa aca-
bam por direcionar os profissionais para a extração do presente e não para a semea-
dura do futuro. Bônus e promoções são baseados no cumprimento de metas de curto
prazo. A Amazon Web Services demorou mais de dez anos para se tornar rentável. A
relação entre risco e retorno para os intraempreendedores não tende a ser equilibrada.
Se o executivo fracassar não será perdoado, porém se acertar não será recompensado
adequadamente. Por que o profissional dedicará seu tempo a algo que não lhe bene-
ficia, é arriscado e do qual não verá os frutos?
A inovação disruptiva em empresas estabelecidas enfrenta um paradoxo. Práticas
de gestão de estratégia, pesquisa de mercado, orçamento, formação de equipes, ava-
liação de desempenho, recompensa e gestão de projetos são configurados para garan-
tir eficiência em um ambiente estável, previsível e seguro. Aquilo que torna a empresa
operacionalmente eficiente é, também, o que a inabilita para o emergente, incerto
e improvável. O efeito desse modelo de gestão focado unicamente na execução é a
di srup ção, governança e c o r p o r a t e v e n t u r e em em presa s esta b el ec id a s. . . 133

perda da capacidade de descoberta pelo establishment. Segundo pesquisa da profes-


sora Beth Altringer, de Harvard, os projetos de inovação em empresas estabelecidas
fracassam em 70% a 90% das vezes4.
Para a inovação funcionar nesse ambiente, é fundamental um comprometimento
genuíno e duradouro da organização. Uma abordagem estratégica e consistente. Isso
só ocorre com o direcionamento e apoio do conselho de administração. Para tanto, é
relevante conhecer os modelos mais aplicados de inovação em empresas estabeleci-
das e os adequados para esse cenário de disrupção.

modelos de inovação em empresas estabelecidas

A inovação é uma ciência nova. O trabalho de Joseph Schumpeter que abriu espaço
para o campo de estudo da inovação empresarial tem pouco mais de oitenta anos. De
lá para cá dezenas de modelos de inovação foram desenvolvidos. Alguns deles são
novas roupagens de antigos formatos. Outros, abordagens amadurecidas para o cená-
rio atual. Uma classificação bastante útil, feita por Greg Satell, relaciona o nível de
definição do problema e o domínio, os tipos de inovação e modelos para tal situação.

Quadro 1 – Tipos x Modelos de inovação

Fonte: adaptado de G. Satell, “4 Ways Leaders Can Get More from Their Company’s Innovation Efforts”,
10 out. 2017.

4. B. Altringer, “A New Model for Innovation in Big Companies”, Harvard Business Review, 19 nov. 2013.
134 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

Para facilitar o entendimento, é possível categorizar em quatro os modelos de ges-


tão da inovação em empresas estabelecidas:

• P&D / Innovation Labs: estruturas próprias, formadas por times full time dedicados
a reforçar o negócio existente ou a criar novos negócios. Reúnem equipes multi-
funcionais de pesquisadores, desenvolvedores, empreendedores e executivos que
identificam oportunidades, criam produtos e negócios e gerenciam sua execução
até a transferência para as unidades de negócio. Em geral adotadas para a busca
de inovações incrementais ou radicais quando o problema está adequadamente
definido. O Walmart Labs no Vale do Silício concentra mais de dois mil profissio-
nais de inovação da companhia. No Brasil, o Luiza Labs do Magazine Luiza tem
papel similar ao liderar a inovação digital da empresa.
• Intraempreendedorismo: programas de mobilização da capacidade de inovação cole-
tiva do time da empresa, operados em diversos formatos, como squads, sprints,
programas de ideias, hackatons e assemelhados. Alavanca-se na possibilidade de
gerar melhores soluções ao fomentar a capacidade empreendedora e cultura de
inovação de toda a organização. Adequado para busca de inovações incremen-
tais e, sob determinadas configurações, como fundos de corporate venture capital
para fomento de oportunidades de intraempreendedores, também para as disrup-
tivas. A 3M é uma das empresas de referência quando falamos em cultura de ino-
vação. O laboratório Aché, reconhecido como uma das empresas mais inovadoras
do Brasil, tem um programa interessante chamado Academia de Inovação.
• Inovação aberta: conceito criado e difundido pelo professor Henry Chesbrough,
segundo o qual as empresas capturam e desenvolvem oportunidades externas, assim
como enviam para outras empresas a possibilidade de monetização de invenções
que não tenham as melhores condições para executar5. A Coca-Cola lançou um
programa de inovação aberta global para pesquisadores que apoiassem a redução
de açúcar nos produtos da empresa. A Netflix organizou concurso para otimização
do algoritmo de recomendação de filmes. A P&G acelerou seu processo de inova-
ção com a plataforma Connect&Develop. Prêmios e concursos de inovação aberta
são normalmente aplicados para busca de inovação radical.

5. H. Chesbrough, Open Innovation: The New Imperative for Creating and Profiting from Technology,
2006.
di srup ção, governança e c o r p o r a t e v e n t u r e em em presa s esta b el ec id a s. . . 135

• Corporate Venture: estruturas dedicadas ao fomento de negócios de risco por meio


da conexão com startups ou spin-offs de soluções internamente desenvolvidas.
A Braskem tem uma plataforma de conexão com startups, denominada Braskem
Labs, pela qual colabora com startups com diferentes formatos e objetivos. A Roche
constituiu um fundo dedicado, o Roche Venture Fund, como seu braço de venture
para aquisição parcial de empresas em operações Series A e crescimento. As ini-
ciativas de corporate venture têm sido, preferencialmente, adotadas como forma
de replicar o modelo de venture capital em empresas estabelecidas, seja poten-
cializando seus funcionários, seja conectando-se com startups.

Esse conjunto de modelos de inovação evidencia uma nova realidade. O jogo da


inovação mudou. Transcendeu a área de P&D. Já não se restringe às fronteiras
da empresa. Há modelos mais adequados para alcançar determinados objetivos. Para
realizar inovações radicais e disruptivas, as abordagens baseadas em inovação aberta
e o corporate venture (CV) têm apresentado melhores resultados. O corporate venture
merece atenção especial dos conselhos de administração, não apenas por sua poten-
cialidade mas também pela conexão com governança corporativa. Em função disso, é
decisivo fazer um deep dive nesse formato.

corporate venture: alternativa de resposta à disrupção

O corporate venture é uma das alternativas a disposição de corporações para contra-


-atacar as disrupções em curso. Originalmente, corporate venture capital denominava
as iniciativas de investimento em negócios de risco de empresas estabelecidas. Intel,
Google, QualComm e outras fomentaram o relacionamento com startups ou a gera-
ção interna de spin-offs de novos negócios. A evolução do tema tem ampliado seu
escopo e formatos. Atualmente, tipifica-se como corporate venture diferentes forma-
tos de engajamento com startups para geração de resultados financeiros e/ou bene-
fícios estratégicos.
As possibilidades parecem promissoras. Por um lado, o ecossistema crescente de
startups global e brasileiro oferece qualificadas oportunidades. Por outro, as startups
perceberam que não devem ser inimigas das corporações e que precisam de alguns
dos ativos destas para turbinar seu crescimento. Startups como WhatsApp, YouTube,
mySugr, XP Investimentos, Dollar Shave Club e Honest Tea são algumas das que foram
alavancadas por corporações como Facebook, Google, Roche, Itaú, Unilever e Coca-
-Cola. As empresas estabelecidas buscam nessas startups a “fonte da juventude”.
136 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

O mais interessante é que esse movimento pode, também, favorecer as startups. As


empresas estabelecidas têm recursos, relacionamentos e conhecimentos necessários
para testar, monetizar e escalar as soluções inovadoras das startups. Mais de 50%
das startups unicórnios tiveram aporte de recursos de corporações.
Essa situação apresenta um novo desafio para empresas estabelecidas. A fonte
da ameaça pode ser, também, uma das alternativas para a reinvenção. Se, por um
lado, o surgimento de uma nova e diversa gama de startups com soluções potencial-
mente disruptivas (acessíveis, simples e convenientes) aterroriza tradicionais líderes,
por outro lado, essas ameaças disruptivas podem ser parte da solução para transfor-
mar as empresas estabelecidas em organizações mais ágeis e inovadoras. Analisando
teorias existentes e casos de sucesso e fracasso, foi possível articular um framework
que apresenta seis formas de conectar empresas estabelecidas a startups para aten-
der objetivos estratégicos de inovação corporativa, excelência operacional, reputação,
cultura e novos negócios.

Figura 1. Formatos de conexão com startups

Fonte: Innoscience.

Os formatos variam em termos de grau de maturidade da startup e grau de envol-


vimento entre as partes. As alternativas de aceleração, parceria e corporate venture
capital (CVC) têm níveis de compromisso relevante, já que tratam de oportunidades em
estágios intermediário e avançado de desenvolvimento. Esses três formatos tratam de
relações empresariais de sociedade (aceleração, CVC e, em alguns casos, parceria) e
envolvem perspectivas de resultado em médio e longo prazo.
di srup ção, governança e c o r p o r a t e v e n t u r e em em presa s esta b el ec id a s. . . 137

Quadro 2 – Formatos de conexão entre empresas estabelecidas e startups

◊ Eventos: iniciativas de aproximação e contato entre empresas estabelecidas e startups como


hackathons, pitchdays e matchmaking.
◊ Incubadora/coworking: iniciativas de oferecimento de espaço físico e serviços administrativos
para os primeiros passos da startup.
◊ Aceleração: programas de três a seis meses, em que um grupo de startups recebe aporte de
smartmoney (conteúdo, capacitação, mentoria, recursos financeiros e relacionamentos) em
troca de equity da startup (dívida conversível/opção de compra) a um grupo de startups ou
até mesmo de funcionários da organização.
◊ Contratação de serviços: programas de conexão para realização de pilotos para a startup ter
a corporação como cliente.
◊ Parcerias: iniciativas de desenvolvimento conjunto de soluções para determinado tema/
problema em diferentes formatos jurídicos.
◊ Corporate venture capital (CVC ): investimento de capital da empresa ou de um fundo separado
com vistas à criação de novos negócios para retorno financeiro ou estratégico.

A aceleradora corporativa da seguradora Porto Seguro, por exemplo, aporta recur-


sos para ter opções de conversão em participação de startups relacionadas aos cam-
pos de atuação da empresa. O Roche Venture Fund do laboratório farmacêutico de
mesmo nome adquiriu participação na mySugr, posteriormente incorporada em sua
totalidade. A Embraer, empresa mais inovadora do Brasil, recentemente anunciou par-
ceria estratégica com a Uber para desenvolvimento de carros voadores. Os três casos
tratam de decisões estratégicas, de longo prazo, almejando obter retorno significa-
tivo a partir de novos negócios que exigem novas capacidades para novos mercados.

governança da inovação: papel do conselho

Nenhum dos formatos de inovação é um fim em si mesmo. Nenhuma organização tem


a inovação como objetivo final de sua existência. Inovar é um meio de sobrevivência,
crescimento e busca de realização de seu propósito. A natureza incerta da inovação
demanda ativa governança.
A governança da inovação é a abordagem estratégica para direcionar, promover e
sustentar a inovação. Segundo Deschamps e Nelson, há tarefas indelegáveis ao con-
selho de administração no que se refere à governança da inovação:

• estabelecer a estratégia de inovação;


• definir o nível de riscos adequado;
138 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

• auditar as capacidades de inovação;


• avaliar o desempenho da gestão sobre inovação;
• desenvolver o conselho para inovação;
• selecionar CEO com perfil de inovação6.

O desenho do modelo de inovação e formato de conexão com startups deve ser


uma decorrência da estratégia de inovação que é formada pelas escolhas referentes
aos seguintes temas críticos:

• Por que inovar? O primeiro ponto de discussão é definir as razões que mobilizam a
empresa para inovar. Reforçar o negócio atual? Gerar novos negócios? Criar novas
opções para o futuro? Esse alinhamento estratégico é decisivo para garantir coe-
rência e continuidade de alocação de recursos em momentos de incerteza, crise e
dúvidas sobre as iniciativas de inovação.
• Quanto inovar? O segundo tema é estabelecer a intensidade necessária de inova-
ção. Esse fator determinará o nível de investimento e de estrutura necessária. Essa
definição depende da intensidade e frequência da mudança no setor de atuação,
bem como da ambição da empresa.
• Onde inovar? Compreendidas as razões e a intensidade da inovação, é necessário
direcionar o foco para os temas, oportunidades e problemas relevantes em rela-
ção aos quais a empresa pretende inovar: por exemplo, novos segmentos de mer-
cado; uma tecnologia emergente; novos produtos; a busca por novos modelos de
negócio. A eficiência da inovação depende de focar onde inovar e onde não inovar.
• Como inovar? Os quatro modelos anteriormente apresentados dissecam as prin-
cipais alternativas sobre como se organizar para inovar. Labs, intraempreendedo-
rismo, inovação aberta e corporate venture são alternativas a serem consideradas.
• Com quem inovar? A inovação passou de uma atividade de P&D, fechada, para
uma iniciativa aberta conectada com diferentes stakeholders no que se conven-
cionou denominar open innovation. Quando sua empresa sabe quanto e onde pre-
tende inovar, fica evidente com quem se conectar para inovar mais e melhor.

A pauta do conselho de administração ainda se concentra majoritariamente em


prestação de contas, compliance, gestão de riscos e desempenho financeiro. Porém,

6. J.-P. Deschamps e B. Nelson, Innovation Governance: How Top Management Organizes and Mobi-
lizes for Innovation, 2014.
di srup ção, governança e c o r p o r a t e v e n t u r e em em presa s esta b el ec id a s. . . 139

conforme pesquisa da Mckinsey, percebe-se o crescimento da demanda por mais


tempo para debater estratégia7. Não há, até o momento, pesquisas definitivas sobre
frequência e profundidade da inovação nos conselhos de administração. Há, contudo,
um movimento de aproximação dos conselhos com a inovação. Alguns CAs têm feito
missões ao Vale do Silício, convidado experts para falar sobre o tema, visitado acele-
radoras e incubadoras e selecionado conselheiros com expertise em inovação.
No cenário de disrupção, a governança da inovação é um processo crítico para
o conselho de administração. Não se resume a mitigação de riscos e compliance da
operação vigente. Não há risco maior do que ser substituído ou ver suas soluções
irrelevantes, seus processos obsoletos e seu modelo de negócios ultrapassado. Já
existe conhecimento codificado sobre as formas de fazer evoluir a governança da ino-
vação. As dez ações a seguir consolidam um bom roteiro:

1. inserir a inovação periodicamente na agenda do conselho;


2. acompanhar projetos inovadores relevantes;
3. monitorar a execução da estratégia de inovação definida;
4. revisar os riscos relacionados a inovação;
5. acompanhar indicadores de inovação de forma organizada;
6. debater a inovação com o CEO;
7. exigir a auditoria das capacidades de inovação da empresa;
8. avaliar o desempenho da inovação;
9. encontrar-se ocasionalmente com os inovadores corporativos da empresa;
10. promover altos executivos com base na inovação8.

Não é papel do conselho fazer a gestão da inovação. Esse é o papel do manage-


ment. O management precisa de direcionamento estratégico e suporte para fazer a
inovação funcionar. O deslocamento de parte da atenção da estratégia do negócio
para a criação do futuro é um imperativo no atual cenário de disrupção. A seleção do
modelo de inovação adequado depende da estratégia de inovação de cada organiza-
ção. Há formas defensivas e ofensivas. Cresce o número de empresas que recorrem
ao corporate venture para emular a criação de novos negócios de risco alavancando-
-se no ecossistema empreendedor.

7. C. Kehoe, F. Lund e N. Spielmann, “Toward a Value-Creating Board”, fev. 2016.


8. J.-P. Deschamps e B. Nelson, op. cit.
140 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

Esse processo de criação de novos negócios e inovação por meio de corporate ven-
ture requer envolvimento e suporte do conselho de administração, já que demanda
visão de longo prazo, aporte de recursos e alinhamento estratégico. Para fazer a ino-
vação funcionar em uma grande corporação, não adianta tentar copiar as startups. É
fundamental conectar conselho de administração e gestão na tarefa de abordar a ino-
vação de forma sistemática, estratégica e estruturada.
O conselho de administração é o órgão original da reflexão sobre inovação. Para
tanto, os conselheiros precisam dominar os modelos mais adequados a cada reali-
dade e se aproximar do ecossistema de inovação. O conjunto de ações apresentadas
pode facilitar a integração da inovação ao conselho. A disrupção não vai parar. Mais do
que se sentir ameaçadas pelo ecossistema empreendedor, as empresas estabelecidas
podem se posicionar estrategicamente para criar os novos unicórnios. É investir para ver.

referências bibliográficas
Altringer, Beth. “A New Model for Innovation in Big Companies”. Harvard Business Review,
19 nov. 2013. Disponível em: <https://hbr.org/2013/11/a-new-model-for-innovation-
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www.innosight.com/wp-content/uploads/2016/08/Corporate-Longevity-2016-Final.pdf>.
Acesso em: 28 jul. 2018.
Chesbrough, Henry. Open Innovation: The New Imperative for Creating and Profiting from
Technology. Boston, Harvard Business Review Press, 2006.
Christensen, Clayton. The Innovator’s Dilemma: When New Technologies Cause Great Firms
to Fail. Boston, Harvard Business Review Press, 1997.
Deschamps, Jean-Philippe & Nelson, Beebe. Innovation Governance: How Top Management
Organizes and Mobilizes for Innovation. Hoboken (NJ), John Wiley & Sons, 2014.
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Satell, Greg. “4 Ways Leaders Can Get More from Their Company’s Innovation Efforts”, 10
out. 2017. Disponível em: <https://hbr.org/2017/10/4-ways-leaders-can-get-more-from-
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Scherer, Felipe & Carlomagno, Maximiliano. Gestão da Inovação na Prática. São Paulo,
Atlas, 2000.
Inovação e Governança Corporativa:
Limites das Tecnologias da Informação
e Comunicação

Carlos Eduardo Lessa Brandão*

resumo: O tema inovação vem ganhando crescente espaço no noticiário e nas agendas
das empresas brasileiras. No caso específico das tecnologias da informação e comunicação
(TIC), dois pontos são pouco destacados: os limites ambientais, que podem estar sendo
sobrecarregados em função da demanda e do descarte crescentes de materiais e energia
no ciclo de vida dos produtos e serviços, e os riscos associados à concentração de ativida-
des empresariais na chamada computação em nuvem. O artigo visa a alertar os agentes
de governança sobre esses pontos ao usar as TIC nas estratégias e operações empresariais.
palavras-chave: governança corporativa, tecnologias da informação e da comunicação,
limites da inovação, quarta revolução industrial, sustentabilidade

introdução e implicações da inovação

Uma das causas para a perda de desempenho das empresas ao longo do tempo pode
estar ligada a uma característica do capitalismo, em especial nos mercados mais
livres, em que o desempenho financeiro superior (ex.: lucratividade ou retorno sobre
ativos) tende a declinar devido a forças erosivas da imitação, competição e expropria-
ção1. Essa explicação complementa o pensamento do economista Joseph Schumpeter,

* O autor agradece a Carolina Burle Schmidt Dubeux, Claudio Luís Naletto e Homero Luís Santos pelos
comentários em versões preliminares do artigo. A versão final é de responsabilidade do autor.
1. G. Waring, “Industry Differences in the Persistence of Firm-Specific Returns”, American Economic
Review, vol. 86, n. 5, dez. 1996.

141
142 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

que sugeriu que o impulso fundamental que inicia e mantém o movimento do meca-
nismo capitalista decorre dos novos bens de consumo, dos novos métodos de produ-
ção ou transporte, dos novos mercados, das novas formas de organização industrial
que a empresa capitalista cria2.
Ou seja, para que o desempenho empresarial positivo seja mantido ao longo do
tempo no capitalismo, a inovação teria um papel fundamental.
Tem ganhado destaque um tipo de inovação, aquele associado à chamada Quarta
Revolução Industrial. Trata-se de uma revolução essencialmente digital, que vai além
de máquinas inteligentes e conectadas, incluindo sequenciamento genético, nano-
tecnologia, internet das coisas, inteligência artificial, big data, realidade aumentada,
impressão 3D, entre outras frentes, intensificando a interação entre as dimensões físi-
cas, digitais e biológicas, prometendo ganhos de escala significativos ao mesmo tempo
que demanda relativamente pouco capital para prosperar3.
Esse tipo de inovação baseia-se, especialmente, nos avanços das tecnologias da
informação e comunicação (TIC)4 e vem sendo objeto de inúmeros eventos, iniciati-
vas, artigos, reportagens na mídia, peregrinações a centros de inovação etc. Como se
trata de tema eminentemente estratégico, é fundamental que os agentes de gover-
nança5 se preparem para lidar com esses assuntos, que podem impactar significati-
vamente as decisões estratégicas das empresas.
Uma questão que surge é se os benefícios do uso das TIC superam os diversos
custos associados para as empresas e a sociedade como um todo.
Duas palestras proferidas em 2012 ajudam a contextualizar a complexidade do
tema. Ambas apresentam um tom otimista, levam em conta desafios ambientais e
sociais, tratam de tecnologia lato sensu e das TIC e se baseiam em leis “científicas”,
mas levam a caminhos e conclusões diferentes6.
Peter Diamandis7 pressupõe crescimentos exponenciais ilimitados e enxerga um
futuro de abundância. Baseia suas propostas na “lei” de Moore, atribuída a Gordon

2. J. A. Schumpeter, Capitalism, Socialism and Democracy, 1949.


3. EXAME – Especial Tecnologia, n. 1.162, 30 maio 2018.
4. Acrônimo utilizado pelo menos desde 2008. Ver L. M. Hilty, Information Technology and Sustainability:
Essays on the Relationship between ICT and Sustainable Development, 2008.
5. Indivíduos e órgãos envolvidos no sistema de governança, tais como sócios, administradores, conse-
lheiros fiscais, auditores, conselho de administração, conselho fiscal, etc. Ver IBGC, Código das
Melhores Práticas de Governança Corporativa, 2015.
6. Palestras de P. Diamandis (“Abundância é Nosso Futuro”, 2012) e P. Gilding (“A Terra Está Cheia”,
2012), ambas com legendas em português.
7. Peter Diamandis dirige a X Prize Foundation, que oferece grandes prêmios em dinheiro para inventores
resolverem grandes desafios como voos espaciais, diagnósticos médicos móveis de baixo custo e limpeza
inovação e governança corporat iv a : l im ites d a s tec n ol ogia s. . . 143

Moore, cofundador da Intel, sobre o desempenho dos chips 8, que dobraria a cada
dezoito meses – trata-se, no entanto, de uma observação seguida de projeção de uma
tendência histórica limitada, e não uma lei como as da física, por exemplo9.
Paul Gilding10 baseia-se na existência de limites físicos e biológicos para as ativida-
des humanas. Cita como evidência o fato de o planeta ser finito, o que limita o número
de habitantes e o estilo de vida, citando o trabalho da Global Footprint Network11. A
inovação, inclusive a baseada nas TIC, é bem-vinda, mas deve levar em conta limi-
tes ambientais e sociais.
Por um lado, as mudanças sociais e de negócios facilitadas pelas TIC levam a pro-
cessos mais eficientes do ponto de vista econômico e ambiental e à oferta de inúme-
ros bens e serviços; por outro, estimulam o consumo global ao alavancar o crescimento
da atividade econômica, reduzindo os preços para os consumidores, aumentando as
oportunidades de consumir e gerando impactos sociais e ambientais diretos e indiretos.
Visando a avançar nessa reflexão, este artigo discute dois componentes funda-
mentais das TIC: o chip e a computação em nuvem12. Na primeira parte, os impactos
ambientais serão ilustrados usando a noção de efeito rebote, enquanto na segunda,
serão discutidos alguns riscos associados à concentração de atividades empresariais13.

de derramamento de óleo. É presidente da Singularity University, que ensina executivos e estudantes de


pós-graduação sobre tecnologias de crescimento exponencial. É coautor do livro Abundance (2011).
8. Um circuito integrado é um conjunto de circuitos eletrônicos em um pequeno pedaço plano (ou chip)
de material semicondutor, normalmente silício. Ver “Integrated Circuit”, em Wikipedia, the free
encyclopedia, 2018.
9. “Moore’s Law”, em Wikipedia, the free encyclopedia, 2018.
10. Paul Gilding é ambientalista, consultor e autor. Foi diretor executivo do Greenpeace International e é
membro do Instituto de Liderança em Sustentabilidade da Universidade de Cambridge. Dirigiu duas
empresas inovadoras focadas na sustentabilidade e atua como assessor de CEOs de algumas das
maiores empresas do mundo. É autor do livro The Great Disruption (2011).
11. Entidade que desenvolve a ferramenta Pegada Ecológica, baseada nas leis da física e da biologia, que
mede a “quantidade de natureza” que a humanidade tem a seu dispor anualmente e quanto usa.
Atualmente o uso supera a quantidade disponível em 70%, caracterizando um overshoot (quando a po-
pulação excede a capacidade do meio ambiente em suportá-la). Ver: <https://www.footprintnetwork.
org>. Acesso em: 14 jul. 2018.
12. É a utilização da memória e da capacidade de armazenamento e cálculo de computadores e servido-
res compartilhados e interligados por meio da internet, seguindo o princípio da computação em grade
(dividindo as tarefas entre diversas máquinas, podendo ser em rede local ou rede de longa distância).
O armazenamento de dados é feito em servidores que podem ser acessados de qualquer lugar do
mundo, a qualquer hora, não havendo necessidade de instalação de programas ou armazenamento
de dados. O acesso a programas, serviços e arquivos é remoto, por meio da internet, daí a alusão à
nuvem. Ver “Computação em Nuvem”, em Wikipedia, a enciclopédia livre, 2018.
13. Este artigo não trata de outros importantes impactos, tais como os de ordem social, de governança e
de segurança ligada a software e informações pessoais. O fato de alguns estudos citados terem sido
144 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

limites ambientais

No blog da seção “Informática e Etc.”, do jornal O Globo, Carlos Alberto Teixeira ante-
cipava que, “num futuro próximo, qualquer aparelhinho eletrônico terá inteligência
embutida; a tendência é clara: chips processadores estão cada vez mais baratos, de
modo que integrá-los a dispositivos tradicionalmente ‘burros’ vem se mostrando cada
vez mais viável, mas a pergunta que fica no ar é a seguinte: será que os benefícios
do uso dos chips realmente superam os diversos custos associados à sua produção?
É uma questão complicada, infelizmente ainda sem resposta”14.
Em 2018 sabemos o que já era conhecido em 2005 – na verdade, desde 1866,
quando William Stanley Jevons, um dos pioneiros da economia neoclássica, publicou
a obra The Coal Question, da qual surgiu a noção do efeito rebote: um ganho de efi-
ciência (relativo) no uso de um insumo termina gerando um impacto maior (absoluto),
pois leva a consumo maior do próprio insumo15.
Um exemplo é aquele decorrente dos avanços tecnológicos nos veículos automo-
tores, que permitiram um aumento de 30% da quantidade média de quilômetros per-
corridos por litro nos Estados Unidos a partir de 1980 (eficiência energética), mas não
reduziram a energia total utilizada pelo conjunto dos veículos. O consumo de combus-
tível por veículo permaneceu constante, enquanto os ganhos de eficiência levaram ao
aumento não apenas do número de automóveis e caminhões nas estradas (e dos qui-
lômetros percorridos), mas também do seu tamanho e desempenho (taxa de acelera-
ção, velocidade de cruzeiro etc.).
O efeito rebote se concretizou: a maior eficiência energética (menor consumo de
combustível por quilômetro rodado) levou a um maior uso agregado de combustível,
pois os motoristas passaram a dirigir por distâncias maiores usando veículos mais
pesados. Uma evidência é que hoje veículos maiores, como veículos utilitários espor-
tivos (SUVs) e minivans povoam cada vez mais as estradas americanas16 e brasileiras17.

realizados há muitos anos e poderem estar defasados também não invalida a ideia geral que o artigo
busca passar.
14. C. A. Teixeira, “Meio Ambiente é Coisa Nossa”, O Globo, 2005.
15. Uma desmaterialização pontual gerando uma maior materialização global, denominada “materialização
secundária”. Ver E. D. Williams, R. U. Ayres e M. Heller, “The 1.7 Kilogram Microchip: Materials and
Energy Use in the Production of Semiconductors”, Environmental Science & Technology, vol. 36, n. 24,
2002; e D. Hudson e L. Preston, “Sustainability and Dematerialization at Hewlett Packard”, 2003.
16. J. B. Foster, B. Clark e R. York, “O Capitalismo e a Maldição da Eficiência Energética”, 1o nov. 2010.
17. J. Brigato, “A Cada Dez Carros Vendidos no Brasil em 2017, Dois São SUVs”, 7 dez. 2017.
inovação e governança corporat iv a : l im ites d a s tec n ol ogia s. . . 145

Para entender melhor o efeito rebote e seus impactos, algumas noções de termo-
dinâmica clássica podem ajudar.

As leis da termodinâmica
Segundo a termodinâmica clássica18, a quantidade de energia utilizada se conserva,
mas há sempre uma degradação da sua qualidade no que diz respeito à capacidade
de se transformar em trabalho.
O combustível usado nos veículos, por exemplo, contém energia química que, depois
de utilizada, não terá sido destruída, mas transformada em outras formas de energia,
como a energia cinética (movimento do veículo) e energia térmica (calor decorrente do
processo de combustão e do atrito no deslocamento, que é dissipado no meio ambiente):
a energia total se conserva, mas perde qualidade no sentido de poder ser reutilizada
integralmente. A perda da qualidade da energia está associada à noção de entropia19.
A mesma degradação ocorre com a matéria: a quantidade de combustível (55 litros,
por exemplo) é conservada, mas se transforma em fuligem, água e gases também dis-
sipados no meio ambiente (alguns dos gases causam o chamado efeito estufa20). No
final das contas, há sempre uma perda de qualidade da energia e da matéria utiliza-
das, inviabilizando tanto o reaproveitamento total da energia quanto a reciclagem total
da matéria – a eficiência sempre enfrenta um limite físico21. A mesma lógica pode ser
usada para avaliar o ciclo de vida da produção de bens e serviços.

18. Ramo da física que trata do calor e da temperatura e sua relação com energia e trabalho. Descreve
as mudanças em um sistema em termos de parâmetros macroscópicos (grande escala e mensurá-
veis). As leis da termodinâmica tratam da conservação da energia (quantidade) e sua degradação
(qualidade). Ver “Thermodynamics”, em Wikipedia, the free encyclopedia, 2018.
19. Primeira lei da termodinâmica (lei da conservação da energia): a energia se conserva em um sistema
isolado; segunda lei da termodinâmica (lei da entropia): em um sistema isolado, a entropia (medida
de desorganização) tende a crescer. Quanto aos tipos de sistemas, o aberto troca energia e matéria
com o exterior, o fechado troca apenas energia com o exterior, e o isolado não troca nem energia nem
matéria com o exterior. Para todos os efeitos práticos a Terra é um sistema fechado.
20. Efeito estufa: processo físico que ocorre quando uma parte da radiação solar que atinge a Terra se
transforma em radiação infravermelha (calor) e é absorvida por determinados gases presentes na
atmosfera, os chamados gases de efeito estufa (GEE), que podem ser convertidos em equivalentes de
gás carbônico, dióxido de carbono ou CO2. Como consequência, parte do calor não retorna para o
espaço. Dentro de uma determinada faixa, o efeito estufa mantém o planeta aquecido, garantindo a
vida na Terra. O excesso de gases de efeito estufa fruto de atividades humanas, porém, vem gerando
um aumento da temperatura média no planeta, causando mudanças climáticas que ameaçam a vida
na Terra. Ver “Efeito Estufa”, em Wikipedia, a enciclopédia livre, 2018.
21. Segundo N. Georgescu-Roegen, “Matter Matters, Too”, 1977, a matéria estaria sujeita a leis equiva-
lentes às da energia no que diz respeito à sua preservação (quantidade) e degradação (qualidade).
146 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

As implicações ambientais mais abrangentes das TIC podem ser ilustradas ao se


avaliar o impacto ambiental da fabricação de um componente fundamental, o chip.

O chip de 1,7 kg
Um projeto da Universidade das Nações Unidas22 estudou o uso de energia, produtos
químicos e água na cadeia de processos industriais para a produção de um chip de 32
MB DRAM: foram necessários 1,6 kg de combustíveis fósseis e 72 g de produtos quí-
micos para produzir um chip de 2 g, além de 3,2 litros de água, entre outros insumos.
O consumo de combustíveis fósseis utilizado representava quase mil vezes a massa
do chip, enquanto um carro necessitava em torno de duas vezes a sua massa em com-
bustíveis fósseis utilizados direta e indiretamente na sua produção, e uma lata de alu-
mínio, de quatro a cinco vezes23. Em termos de produtos químicos, o uso na fabricação
do chip representava quase quarenta vezes a sua massa final.
A termodinâmica clássica ajuda a explicar por que um chip é tão intensivo em maté-
ria e energia. Por envolver componentes com dimensões da ordem de bilionésimos de
centímetro, o chip é o produto mais “organizado” produzido em escala – tudo o que
é utilizado em seu processo de produção deve ser extremamente puro, e o ambiente
das instalações para fabricação deve ser cuidadosamente controlado para se man-
ter a pureza. Essa busca formidável pela “organização” (baixa entropia) demanda uma
quantidade imensa de energia e matéria se comparada ao produto final – um chip de
apenas dois gramas. Essa “organização” gera necessariamente uma quantidade maior
de “desorganização” (impacto) no meio ambiente.
Embora a produção do chip seja um caso extremo, ela ilustra a questão do impacto
ambiental adicional necessário para produzir materiais e produtos de alta tecnologia
e baixíssima entropia, cuja análise deveria incorporar o uso de materiais secundários,
principalmente no processo de purificação, pois são altamente intensivos em energia24.
A dificuldade operacional e os impactos decorrentes serão tão mais intensos
quanto mais sofisticadas e delicadas forem as tecnologias desenvolvidas. É o caso

22. E. D. Williams, R. U. Ayres e M. Heller, op. cit.


23. E. D. Williams, “Environmental Implications of Microchips”, UN Chronicle, vol. XL, n. 4, 2003.
Estima-se que a massa de um computador represente 2% do total de material utilizado durante seu
ciclo de vida (L. M. Hilty, T. F. Ruddy e D. Schulthess, “Resource Intensity and Dematerialization
Potential of Information Society Technologies”, 2000).
24. E. D. Williams, R. U. Ayres e M. Heller, op. cit. Trata-se apenas da ponta do iceberg dos impactos indi-
retos, que, por não ser refletirem totalmente nos custos e preços, geram uma ilusão da
imaterialidade.
inovação e governança corporat iv a : l im ites d a s tec n ol ogia s. . . 147

da computação quântica, que promete desempenho muito superior ao da computa-


ção clássica, mas que enfrenta desafios imensos devido à extrema sensibilidade da
tecnologia e às dimensões diminutas envolvidas, em cuja escala os conhecimentos
da física clássica não são aplicáveis25.
Outro exemplo se refere a um produto fundamental na Quarta Revolução Industrial:
o smartphone. Os impactos ambientais vão além da conhecida e questionável obsoles-
cência programada26, incluindo a dependência de minerais raros para suas funções,
como a tela sensível ao toque27, a reciclagem de menos de 1% dos aparelhos e uma
pegada de carbono28 relevante e crescente29.
O impacto de um produto sobre o meio ambiente vai além do consumo de matéria
prima e energia durante sua produção, incluindo também o consumo durante a vida
útil, reutilização, reciclagem e descarte final.

A prática
Os chips ajudam a expandir nossa capacidade de pensar e de melhorar o mundo, o
que, consequentemente, leva ao aumento da nossa capacidade de fazer cada vez
mais com menos. Os benefícios são inegáveis. A contrapartida é que, em um mundo
de recursos naturais limitados, fazer mais com menos vai acelerar a escassez abso-
luta, que é a que interessa em termos de sustentabilidade30. Além disso, as TIC aca-
bam estimulando o consumo global, acelerando ainda mais a atividade econômica, a

25. A física quântica estuda sistemas físicos cujas dimensões são próximas ou abaixo da escala atômica,
tais como átomos, elétrons, prótons e outras partículas subatômicas. Também se aplica a sistemas
muito grandes, como os estudados pela astrofísica, por exemplo. Ver “Computação quântica”, em
Wikipedia, a enciclopédia livre, 2018.
26. Obsolescência programada é a decisão do produtor de propositadamente desenvolver, fabricar, dis-
tribuir e vender um produto para consumo de forma que se torne obsoleto ou não funcional especifi-
camente para forçar o consumidor a comprar a nova geração do produto. Ver “Obsolescência
Programada”, em Wikipedia, a enciclopédia livre, 2018.
27. R. Hamman, “As Telas Touchscreen Podem Estar Chegando ao Fim: Saiba Por Quê”, 28 jan. 2011.
28. Pegada de carbono é a soma das emissões de GEE associadas ao ciclo de vida de um produto, pro-
cesso ou serviço. Vem se tornando um tema crítico para investidores. Ver J. Confino, “Big Investors
to Act on Carbon Footprint of Assets in Bid to Tackle Climate Change”, 25 set. 2014; e L. Fink, “A
Sense of Purpose”, jan. 2018.
29. L. Belkhir e A. Elmeligi, “Assessing ICT Global Emissions Footprint: Trends to 2040 & Recom-
mendations”, Journal of Cleaner Production, vol. 177, 10 mar. 2018.
30. A insustentabilidade, de forma mais ampla, decorre do uso excessivo do capital natural (fonte de
matéria e energia e que também gera serviços ambientais) e do social (relacionado à qualidade das
relações entre pessoas e grupos). Ver C. E. L. Brandão, Sustentabilidade e Empresas: Uma Reflexão
Crítica, 2009.
148 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

depleção de recursos naturais e a acumulação de resíduos no meio ambiente em um


ritmo maior do que este consegue processá-los.
Algumas empresas estão conscientes desse impacto e entendem que qualquer pro-
cesso denominado “desmaterialização” deve necessariamente envolver todo o ciclo de
vida dos produtos, desde a extração das matérias primas, passando pela manufatura,
distribuição, uso e reciclagem e disposição final31.
A preocupação com questões ambientais, sociais e de governança também está
mais presente na agenda de grandes investidores. A edição de 2018 da carta anual
do fundador, presidente do conselho e CEO da BlackRock, Larry Fink, aos CEOs, é um
exemplo. Ela destaca que “para manter o desempenho financeiro os CEOs precisam
entender o impacto social dos seus negócios assim como as formas como as grandes
mudanças estruturais – desde o baixo crescimento dos salários, passando pelo aumento
da automação até as mudanças climáticas – vão afetar seu potencial de crescimento” 32.
Assim como em outras revoluções tecnológicas, a sociedade deverá se adaptar
para minimizar os efeitos negativos das TIC e, ao mesmo tempo, otimizar os positi-
vos. É necessário, no entanto, reconhecer a existência desses impactos e sua natu-
reza transdisciplinar, para que as ferramentas e metodologias adequadas para o seu
tratamento possam ser criadas e selecionadas.

concentração de atividades na infraestrutura das tic

A concentração de atividades empresariais na computação em nuvem (em alguns


casos é uma migração total) representa, em si, um risco importante. Problemas no
processamento e/ou na comunicação de dados podem ser de natureza tal, que os
métodos usuais de gerenciamento de riscos e crises ligados a infraestrutura física
(back up sites, nobreaks, sistemas de refrigeração redundantes, cibersegurança
etc.) não sejam suficientes para garantir adequados níveis de desempenho operacio-
nal e financeiro.
A computação em nuvem está baseada em centros de processamento de dados em
instalações físicas cada vez maiores e mais complexas, que demandam muita maté-
ria e energia para serem construídas e mantidas, assim como toda a infraestrutura

31. D. Hudson e L. Preston, op. cit.


32. A BlackRock é a maior gestora de investimentos do mundo, responsável por administrar, no final de
2017, um montante de mais de US$ 6,2 trilhões (L. Kennedy, “Top 400 Asset Managers 2018: 10
Years of Asset Growth”, jun. 2018).
inovação e governança corporat iv a : l im ites d a s tec n ol ogia s. . . 149

física de comunicação (redes de cobre, fibra ótica, cabos submarinos intercontinentais,


roteadores, transformadores etc.). Problemas no hardware e no software envolvidos
nessas soluções de negócios podem comprometer toda uma operação e gerar impac-
tos em outras atividades que estejam de alguma forma interconectadas33.
Além dos riscos identificados por especialistas em TIC (acesso privilegiado, com-
pliance regulatório, localização física dos dados, segregação dos dados, recuperação
dos dados, apoio para investigações, viabilidade de longo prazo)34, existem os riscos
associados à falta de energia35 e às interferências eletromagnéticas36 – erupções sola-
res e tempestades geomagnéticas podem causar danos na infraestrutura das TIC por
meses ou até mesmo anos37.
Nunca é demais lembrar que absolutamente toda a infraestrutura das TIC depende,
direta ou indiretamente, de matérias-primas escassas e de um suprimento confiável,
estável e ininterrupto de energia elétrica, além da manutenção preventiva e corretiva
constante. Com o avanço das TIC, a complexidade e os custos tendem a aumentar. As
cadeias de valor para se prover desses insumos estão sujeitas às leis da termodinâ-
mica, ou seja, existem limites na natureza para a disponibilização de insumos e sem-
pre haverá impacto ambiental negativo do ponto de vista da utilidade humana.
A expressão “não existe almoço grátis” aplica-se inapelavelmente ao caso – na ver-
dade, seria mais preciso dizer que “sempre haverá alguma perda ao lidar com maté-
ria e energia”.
Existem outros riscos extremos, como os decorrentes de desastres naturais, sabo-
tagens e terrorismo, que não devem ser desprezados, assim como questões de ordem
ética, que podem representar um grande desafio, nas quais a sabedoria não decorre,
necessariamente, da ajuda de equipamentos ou de maior acesso a mais informação.

33. Ver a estrutura de TIC da empresa Google (E. Harada, “Conheça a Estrutura Monstruosa Utilizada pela
Google para Seus Servidores”, 5 maio 2016).
34. J. Brodkin, “Gartner: Seven Cloud-Computing Security Risks”, 2 jul. 2008.
35. B. Buchanan, “What Are the Risks of Depending on Cloud Computing?”, 2 out. 2015.
36. M. Ganguly, “Electromagnetic Interference in Data Centers: Risks Involved and Its Impact on
Information Security”, 8 fev. 2018.
37. S. Anthony, “The Solar Storm of 2012 that Almost Sent Us Back to a Post-apocalyptic Stone Age”, 24
jul. 2014. Outro risco é o associado à magnetosfera. Pelo fato de a Terra se comportar como um ímã,
seu campo magnético a protege do vento solar, composto de raios cósmicos e partículas ionizadas
irradiados pelo Sol a velocidades que variam de 200 a 900 km/s. Esse campo magnético tende a
enfraquecer com o tempo e perder seu papel protetor, o que poderá, por exemplo, prejudicar o arma-
zenamento de dados em meios magnéticos. Ver K. Suguio e U. Suzuki, A Evolução Geológica da Terra
e a Fragilidade da Vida, 2003.
150 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

inovação e governança corporativa

Os tomadores de decisão no âmbito empresarial, administradores, empresas, investi-


dores e reguladores devem, sem dúvida, buscar entender os benefícios e ameaças das
TIC e de outras tecnologias relacionadas com a capacidade das empresas em inovar.
A inovação associada à Quarta Revolução Industrial deverá avançar mais rápido
em alguns países, seja devido à qualidade institucional, de infraestrutura, de educa-
ção etc., o que poderá gerar um aumento dramático da desigualdade de produtivi-
dade entre países e empresas38. Os agentes de governança devem ficar atentos, pois a
perda (ou ganho) de produtividade poderá ser crítica para a viabilidade das empresas.
No caso da inovação em geral e de outros temas estratégicos (tais como riscos,
conformidade, integridade e sustentabilidade)39, mais do que contar com especialis-
tas na sua composição, os conselhos de administração devem contar com profissio-
nais sensíveis ao tema, no próprio conselho e/ou em comitês, para que possam fazer
questionamentos e recomendações pertinentes.
É fundamental, portanto, avaliar constantemente a adequação do sistema de
governança às necessidades estratégicas, seja na estrutura (conselhos, comitês etc.),
seja na composição dos órgãos (perfil dos profissionais), seja nos processos de tomada
de decisão (frequência de reuniões, interações entre órgãos etc.).
Os conselhos também devem estar atentos aos impactos operacionais, ambien-
tais, sociais e financeiros, diretos e indiretos, e dos produtos, serviços e modelos de
negócios decorrentes, em curto, médio e longo prazo 40. Essa postura está em linha
com o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC, que reco-
menda que, “na tomada de decisão, deve-se levar em conta simultaneamente o grau
de exposição ao risco [...] e a prudência necessária, evitando-se os extremos tanto de
um quanto de outro”41.

38. Segundo Y. N. Harari, “O Início, o Fim e o Meio”, entrevista, ]cultura[, n. 2, 2018, p. 8, “a automação
irá produzir imensas riquezas em hubs de alta tecnologia como o Vale do Silício, mas seus efeitos
nefastos serão sentidos em países em desenvolvimento como Honduras e Bangladesh. Haverá mais
empregos para engenheiros de software na Califórnia, mas menos empregos para operários da indús-
tria têxtil ou motoristas de caminhão hondurenhos”.
39. Ver R. Nidumolu, C. K. Prahalad e M. R. Rangaswami, “Por Que a Sustentabilidade é Hoje o Maior
Motor da Inovação”, Harvard Business Review, set. 2009.
40. Também conhecidos como externalidades: efeitos de uma transação que incidem sobre terceiros, que
não consentiram ou dela não participaram, não completamente refletidos nos preços – podem ser
positivas ou negativas. Ver IBGC, op. cit.
41. IBGC, op. cit., p. 16.
inovação e governança corporat iv a : l im ites d a s tec n ol ogia s. . . 151

O mesmo código também recomenda que se adote uma deliberação ética, “aquela
que considera em todo o processo de tomada de decisão, tanto a identidade da orga-
nização, quanto os impactos das decisões sobre o conjunto de suas partes interessa-
das, a sociedade em geral e o meio ambiente, visando ao bem comum”42.
São recomendações que levam a decisões mais equilibradas, informadas e refletidas.

comentários finais

O avanço da ciência e da tecnologia tem trazido inúmeros benefícios, muitas vezes


acompanhados de consequências não desejadas e negativas. Há quem diga que,
em geral, a tecnologia existe para proporcionar soluções para problemas causados
por outras tecnologias43, enquanto Harari afirma que “a humanidade enfrenta neste
momento três grandes riscos: a guerra nuclear, as mudanças climáticas e as tecno-
logias disruptivas”44.
As promessas de abundância feitas por alguns entusiastas da Quarta Revolução
Industrial são bem-intencionadas e contemplam grandes benefícios no curto prazo, mas
será que partem de pressupostos sólidos e consideram seus limites e consequências?
Citado por Diamandis, Ray Kurzweil previu que, em torno de 2030, os computa-
dores, inseridos nos nossos cérebros, possuirão inteligência humana e, conectados à
nuvem, vão expandir quem somos45; em torno de 2045 a “singularidade” vai ocorrer,
ou seja, o momento em que avanços na tecnologia resultarão em máquinas mais inte-
ligentes que os seres humanos46. Kurzweil tem tido um razoável nível de acerto nas
previsões, embora o ritmo da disseminação em grande escala desses avanços tecno-
lógicos e as novas previsões possam ser discutidos.
Peter Diamandis afirma que qualquer ferramenta que se transforme em uma tec-
nologia da informação seguirá a “lei” de Moore e dobrará de desempenho a cada doze
ou 24 meses com reflexo na diminuição dos preços, independentemente do contexto
social e econômico, admitindo, inclusive, que o crescimento exponencial obedeça a
uma taxa crescente47.

42. Ibidem, p. 17.


43. M. Huesemann e J. Huesemann, Techno-Fix: Why Technology Won’t Save Us or the Environment,
2011.
44. Y. N. Harari, op. cit., p. 8.
45. P. Diamandis, op. cit.
46. Ver AI Business, “Ray Kurzweil Predicts That the Singularity Will Take Place by 2045”, 17 mar. 2017.
47. P. Diamandis, op. cit. Esse cenário considera a possibilidade de ferramentas terem desempenho infi-
nito e custo zero.
152 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

Essa afirmação ignora reconhecidas leis da física e da biologia. Segundo Joshua


Farley, “isso faz tanto sentido quanto colocar a taxa de crescimento de um feto em
um gráfico e concluir que sua massa quando adulto será infinita: completamente
absurdo!”48. Farley também menciona que alguns cientistas comparam essa atitude,
excessivamente otimista e sem considerar limites físicos e econômicos, a uma versão
científica do Arrebatamento49.
O efeito rebote extremo no caso de produtos de alta tecnologia e a concentração
de atividades em uma plataforma foram dois exemplos de aspectos pouco abordados,
assim como a dificuldade na substituição dos combustíveis fósseis por fontes reno-
váveis50 e as incertezas quanto ao momento de investir em novas tecnologias51. Em
qualquer cenário, o ritmo do uso de recursos naturais e da geração de resíduos decor-
rentes do estilo de vida escolhido pela humanidade como um todo não deveria com-
prometer sua própria sobrevivência52.
Harari diz que saber “como usar a tecnologia sabiamente é a questão mais impor-
tante que a humanidade enfrenta hoje [...] o futuro não só da humanidade, mas prova-
velmente da própria vida na Terra, depende de como escolheremos usar a inteligência
artificial e a biotecnologia”53.
Esses pontos sugerem que o exuberante otimismo da palestra “Abundância é
Nosso Futuro”54 deve ser recebido com a fundamentada cautela da palestra “A Terra
Está Cheia”55.

48. J. C. Farley, Comunicação pessoal recebida em 7 mar. 2018. Trata-se de coautor do primeiro livro
texto sobre economia ecológica (H. E. Daly e J. C. Farley, Ecological Economics: Principles and
Applications, 2004), disciplina que aborda três grandes temas: alocação de recursos (que deve ser
eficiente), distribuição de renda (que deve ser justa) e escala da economia em relação ao ecossistema
(que deve ser ecologicamente sustentável), com maior ênfase no último. Existe ampla literatura
demonstrando os limites do crescimento, tanto na física quanto na biologia, e até mesmo na econo-
mia. Ver, por exemplo, D. H. Meadows et al., The Limits to Growth: A Report for the Club of Rome’s
Project on the Predicament of Mankind, 1972; D. H. Meadows, D. L. Meadows e J. Randers, Beyond
the Limits: Confronting Global Collapse – Envisioning a Sustainable Future, 1992; e D. H. Meadows,
J. Randers e D. L. Meadows, Limits to Growth: The 30 Year Update, 2004.
49. Evento em que todos os cristãos subirão aos céus para se encontrar com Jesus. Bíblia Sagrada, 1
Tessalonicenses 4: 17.
50. T. Trainer, Renewable Energy Cannot Sustain a Consumer Society, 2007.
51. J. Randers, 2052: A Global Forecast for the Next Forty Years, 2012.
52. J. Diamond, Colapso: Como as Sociedades Escolhem o Fracasso ou o Sucesso, 2005. Ver também:
<https://www.cser.ac.uk/>.
53. Y. N. Harari, op. cit., p. 13.
54. P. Diamandis, op. cit.
55. P. Gilding, op. cit.
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PARTE 2
CASOS DE EMPRESAS
INOVADORAS
Transformação Inovadora com Governança
Sólida – Um Case de Sucesso: IBM

Mônica Pires

resumo: Desde sempre em sua história a IBM foi uma empresa inovadora, comprometida
com a diversidade e com o investimento em pesquisa. A empresa, presente em 175 países
e contando com mais de trezentos mil colaboradores, reinventa-se constantemente e tem
sido bem-sucedida em acompanhar o rápido ritmo das mudanças atuais. De uma empresa
que vendia relógios, balanças e PCs, ampliou os investimentos nas áreas de prestação
de serviços, e passou a ser considerada uma empresa de Soluções Cognitivas na Nuvem.
O modo como está estruturado seu modelo de governança contribui para esse êxito.
palavras-chave: IBM, inovação, pesquisa, research, empresa de solução, boa governança,
board, soluções cognitivas, nuvem, cloud, computação cognitiva, TI, Watson, inteligên-
cia artificial

Imagine promover inovação por mais de cem anos consecutivos. É isso que a IBM tem
feito ao longo de sua história, sendo incorporada à evolução dos negócios, da socie-
dade e das tecnologias que a impulsionam – permitindo que os clientes se transfor-
mem, era após era, e contando com mais de trezentos mil colaboradores espalhados
pelos 175 países onde atua, gerando US$ 79,1 bilhões em receita.
Essa constante reinvenção está diretamente relacionada ao comprometimento da
companhia com a área de pesquisa. Ao todo são doze laboratórios localizados nos seis
continentes, com mais de três mil pesquisadores ao redor do mundo. A área de pes-
quisa da IBM é considerada uma das maiores e mais influentes no universo corpora-
tivo – em escala mundial, todos os anos são direcionados de 7% a 8% de sua receita

159
160 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

total para pesquisa e desenvolvimento (P&D), e o resultado desse trabalho é transfor-


mado em soluções, serviços e até mesmo produtos.
Invenções, utilizadas para resolver os problemas mais difíceis da sociedade e dos
clientes, são fortemente encorajadas pela IBM. Por exemplo, a IBM junto com parcei-
ros lançaram o Call for Code, um programa que visa a apoiar o trabalho das Nações
Unidas e da Cruz Vermelha em seus esforços para minimizar o impacto devastador de
incêndios, inundações, furacões, terremotos e tsunamis. Iniciativas desse gênero são
apoiadas pela IBM por serem importantes para a humanidade, e é esse tipo de com-
promisso que a diferencia de outras empresas.
A companhia vem fazendo descobertas científicas que têm transformado as indús-
trias e a sociedade: funcionários da empresa já ganharam seis prêmios Nobel, seis
prêmios Turing (conhecido como o Nobel da computação), entre vários outros reco-
nhecimentos. O incentivo à inovação vai desde a inovação incremental até a disrup-
tiva, como a geração de patentes, posição que a IBM lidera há 25 anos nos Estados
Unidos, gerando só em 2017 9.043 patentes.
A IBM se reinventa constantemente – estamos falando de uma empresa que já fabri-
cou relógios e vendeu balanças e que posteriormente ficou muito conhecida pela venda
de PCs, área vendida para Lenovo em 2005. Nos últimos anos ampliou os investimen-
tos nas áreas de prestação de serviços, como consultoria e informação sob demanda;
de uma empresa de hardware (HW) e software (SW) passou a ser considerada uma
empresa de solução. Ao perceber a necessidade de criar uma unidade de negócios
focada em administrar a transformação, abrindo caminho para um novo modelo ope-
racional e ampliando novas formas de trabalho, iniciou o processo para se tornar uma
empresa de soluções cognitivas e plataforma em nuvem com foco em uma profunda
expertise da indústria. Atualmente se posiciona como uma empresa de tecnologias
que ajudam as pessoas a pensar e construir o futuro.
A chave para a formação dessa cultura de inovação centenária em todas as áreas é
a atitude e o compromisso até o mais alto nível da empresa, que possui uma combina-
ção diferencial: talento e expertise de indústria. A IBM possui um modelo de governança
que reúne processos, costumes, políticas e regimentos que afetam sua administra-
ção, no qual a liderança define a direção, cria visões, gera entusiasmo, engaja, cons-
trói novos relacionamentos, estruturas, motiva e principalmente: inspira.
Esse grupo
ajudou na liderança das iniciativas para otimizar o portfólio, fortalecer a cultura e pos-
sibilitar um novo modelo operacional.
O relacionamento entre acionistas, diretores e administração, conforme estabelecido
no estatuto social de diretrizes de governança corporativa, implica que esses atores
t rans form ação inovado ra c om gov er n a n ç a sól id a . . . 161

invistam o tempo e o esforço necessários para entender os desafios, as estratégias


e os negócios da empresa. É importante ter em mente que os comitês que formam o
board da governança não são as únicas partes interessadas, há todo um ecossistema
que precisa ser considerado e envolvido, como funcionários, fornecedores, clientes,
bancos e outros credores, reguladores e comunidade em geral. Um dos aspectos que
refletem isso é o amplo incentivo à diversidade, seja étnica, de gênero ou de diferen-
tes faixas etárias. Cada vez mais, empresas que se destacam como inovadoras pos-
suem um modelo de gestão descentralizada e com equipes profissionais diversas e
multidisciplinares, e a IBM, em âmbito global, é uma companhia que possui compro-
misso e trabalha desde a sua fundação para integrar todas as pessoas, independen-
temente de raça, credo e orientação sexual. Em 1914 – já no início de sua história –,
a empresa contratou a primeira pessoa com deficiência, décadas antes da lei norte-
-americana regulamentar o assunto, e o termo “orientação sexual” foi adicionado à
política de não discriminação da IBM em 1984, sendo uma das primeiras grandes
empresas a fazer essa mudança.
O próprio conselho da IBM é composto de um grupo diversificado e experiente de
líderes globais em pensamento e negócios, todos independentes, com exceção do CEO
da IBM que também exerce a função de chairman.

Quadro 1 – Modelo de Governança: Gestão de Riscos

conselho administrativo comitê


(Board de Diretores): Auditoria, Diretores & Governaça Corporativa,
10 a 14 membros Remuneração Executiva e Recursos Gerenciáveis,
Atualmente, todos os membros do conselho Comitê Executivo
são independentes, exceto o chairman São membros não executivos que satisfazem os
que também exerce a função de CEO. critérios de independência estabelecidos.

conselho administrativo (Exemplos)


Governança corporativa | Diretrizes de Conduta nos Negócios | Estatuto Social | Remuneração
Executiva | Confiança Corporativa e Conformidade | Certificado de incorporação

Fonte: IBM. Disponível em: https://www.ibm.com/investor/governance/corporate-governance.html?subta-


bs=open>. Acesso em: 31 jul. 2018.

O conselho de administração da IBM é responsável pela supervisão dos assuntos


gerais da empresa. Para auxiliá-lo no desempenho de suas funções, a diretoria delegou
certa autoridade a várias comissões. Todos os demais comitês (auditoria, remuneração
162 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

executiva e gerenciamento de recursos e comitê de diretores e de governança corpo-


rativa) são compostos inteiramente de conselheiros independentes. O número, a estru-
tura e a função dos comitês do conselho são revisados periodicamente pelo conselho
de administração e pelo comitê de governança corporativa.
A empresa possui políticas claras de desempenho e remuneração; o desempenho
do CEO é revisado periodicamente pelo comitê executivo de remuneração e geren-
ciamento de recursos, e anualmente pelo conselho de administração em sessão exe-
cutiva.
A revisão do comitê inclui uma comparação das práticas de remuneração do
diretor da IBM com as práticas das maiores empresas dos Estados Unidos; os objeti-
vos da comparação incluem assegurar que os conselheiros não administradores pos-
suam uma participação proprietária na empresa e que os interesses dos conselheiros
sigam estreitamente alinhados com os interesses dos acionistas.


O que une todas essas esferas está consolidado na base dos valores da IBM, o
que abrange compromisso com a confiança e responsabilidade pessoal e uma busca
pela inovação. A forma como ela se diferencia em sua relação com seus stakeholders
é pautada pelo modo como as decisões são tomadas – seja no coletivo, seja indivi-
dualmente. Para que isso seja colocado em prática, a IBM treina os colaboradores em
todos os níveis, estabelecendo ações que precisam ser vivenciadas no dia adia, não
importa onde estejam fisicamente localizados, que língua falem e a que organização
interna pertençam.
A transformação não ficou atrelada aos negócios, ela veio desde mudanças rela-
cionadas à infraestrutura até o código de vestimenta. Hoje, oficialmente, não existe
mais a política do dress code, e os escritórios convencionais deram espaço para
os ambientes open space. Hoje são mais de 65 mil m 2 de espaço de trabalho ágil
em todo o mundo, com quase 130 mil funcionários treinados em métodos ágeis e
US$ 500 milhões anuais investidos globalmente em treinamento.
A IBM passou a adotar a cultura Agile, proporcionando maior autonomia às equi-
pes, enfatizando a importância da clareza de propósito em tudo o que faz, com foco
maior no talento, na competência e criatividade humana, em contraposição ao hábito
de apenas seguir processos. Agile é uma cultura baseada em valores, princípios e
práticas que se manifesta diretamente em uma nova maneira de trabalhar, e não se
aplica apenas ao desenvolvimento de softwares; como cultura, ela se aplica a qualquer
equipe, além de ser nitidamente escalável.
Além de ajudar os clientes em suas jornadas de inovação, a IBM aplica as melhores
práticas internamente e utiliza, por exemplo, suas soluções de analytics e computação
cognitiva dentro da empresa, em áreas como recursos humanos (RH) e tecnologia da
t rans form ação inovado ra c om gov er n a n ç a sól id a . . . 163

informação (TI). O uso de inteligência artificial no recrutamento de candidatos ajuda a


empresa a contratar o perfil de profissional desejado de forma mais assertiva e ágil.
O Blue Matching é um modelo de contratação interna que também utiliza análise de
dados para “encaixar” o profissional na melhor vaga disponível de acordo com seu
perfil e experiência. O RH da IBM também utiliza o Your Learning, que funciona como
um “netflix” do aprendizado, indicando conteúdos personalizados para os colabora-
dores, de acordo com perfil profissional, área de atuação e interesses. Além de usar
tecnologia para aprimorar processos internos, um ponto forte da IBM no setor de RH
é a diversidade e a inclusão divulgada e aplicada amplamente dentro da companhia.
A área de tecnologia da informação, responsável por trazer inovação para siste-
mas e para o ambiente de TI da própria IBM Brasil e pelo atendimento aos funcionários
que precisam de suporte técnico a seus computadores e dispositivos móveis, também
implementou um projeto de inteligência artificial para melhorar os serviços prestados
aos colaboradores da empresa. Disponível 24 horas por dia, sete dias por semana, o
Watson IT Help pode ser acessado via web, mobile, por meio de um aplicativo que pode
ser baixado na IBM App Store. O funcionário pode conversar com o Watson em portu-
guês ou espanhol, receber respostas para suas dúvidas e solucionar diversos tipos de
problema de suporte técnico de uma forma simples e rápida.
Como a maioria das grandes corporações, seu maior desafio é continuar movimen-
tando sua estrutura interna (funcionários, processos) de forma ágil, eficiente, rápida,
inovadora e, ao mesmo tempo, manter sua boa prática de governança, reafirmando
seu compromisso com ética, no mercado.
Vivemos em um novo mundo – rico em novas oportunidades e desafios –, e o pró-
prio modelo de negócios, em todos os setores e em todo o mundo, precisa evoluir para
acompanhar os avanços na tecnologia impulsionados pela explosão de dados. Hoje,
a IBM e empresas em todo o mundo enfrentam questões fundamentais a respeito de
como se diferenciar nesse novo mundo. Tornar-se digital é apenas o ponto de partida,
uma base para organizações em qualquer setor unirem os negócios digitais à inteli-
gência digital – infundindo habilidades de raciocínio em todos os aplicativos, produ-
tos, processos e sistemas.
Inovação e liderança são impossíveis sem assunção de riscos. Porém a aceitação
imprudente do risco ou a falha em identificá-los e mitigá-los adequadamente pode ser
destrutiva para o valor do acionista. É preciso buscar um equilíbrio ao motivar a equipe,
funcionários e líderes a ser inovadores e a correr risco, para que, ao fazer isso, não
se desviem dos valores fundamentais e das regras de governança. A governança não
pode engessar a companhia; pelo contrário, é preciso que a inovação esteja presente
164 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

nesse contexto para atingir o objetivo estratégico da IBM de tornar-se a empresa mais
essencial para os clientes e para o mundo.
A inovação faz parte dos valores da empresa, faz parte da estratégia, está inserida
em seu DNA, é a força motriz da transformação contínua da companhia. A IBM sem-
pre mostrou ao mundo como aprende a se reinventar, apresenta resultados e é reco-
nhecida por isso – comprova-o o mais recente prêmio que recebeu do anuário Valor
Inovação Brasil (do Valor Econômico), conquistando o primeiro lugar, entre as empre-
sas de tecnologia, como a empresa mais inovadora do Brasil em 2018.
O que deixa ainda mais clara a mensagem da CEO e chairman da IBM, Ginni Rometty:
“A única maneira de você sobreviver é transformar-se continuamente em outra coisa.
É essa ideia de transformação contínua que faz de você uma empresa de inovação”.

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31 jul. 2018.
A Receita da Cacau Show

Fernando Goes
Marcos Grasso*

resumo: A Cacau Show já nasceu com a marca da inovação graças ao novo modelo de
negócios concebido por seu fundador: vender produtos de alta qualidade com preços
acessíveis em lojas próprias. Para seu sucesso contribuíram características próprias de seu
fundador, como a criatividade, a ousadia e a capacidade de lidar com situações adversas.
Novos desafios se impuseram e se impõem à Cacau Show nessa trajetória, já que o cres-
cimento da empresa obriga à remodelação de sua estrutura administrativa a fim de que
dependa menos, e de modo menos exclusivo, de seu fundador.
palavras-chave: Cacau Show, inovação

a vida é feita de mudanças de rumo


A Cacau Show é uma empresa que já nasceu com o DNA da inovação. O sucesso do
seu modelo de negócios foi uma grande inovação no mercado brasileiro de chocola-
tes: produtos de alta qualidade com preços acessíveis em lojas exclusivas. Tornou-se
a maior rede de chocolates finos do mundo com mais de duas mil lojas no Brasil. Por
trás de toda essa obra um empreendedor perspicaz, Alexandre Costa.
Ao longo dos seus trinta anos de história – completados em 2018 –, a inovação foi
uma marca sempre presente e perseguida com muito esforço e consciência por seu
fundador. Nessa jornada, a empresa democratizou o consumo de chocolates de qua-
lidade no Brasil, com uma certa magia, inovando em produtos, canais de distribuição,
marketing, produção e até mesmo na forma de engajar os seus stakeholders, apaixo-
nando-os por esse propósito.

* Conselheiros independentes da empresa.

165
166 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

A história marcada por necessidades foi determinante para a inovação e criação de


novos caminhos. Lidar com a escassez de recursos sempre foi um elemento presente
na rotina, mesmo quando a empresa já prosperava, esse era o tom.
Tamanho sucesso e crescimento trouxeram um enorme desafio para o negócio.
Como lidar com a complexidade crescente de uma empresa já bilionária dependente
do fundador, uma usina de inspiração e ideias, aliada a uma imensa capacidade de
trabalho para transformá-las em valor e resultados tangíveis para o negócio? Surgiam
dilemas: como continuar andando na frente sem perder o potencial criativo? Como
sistematizar e permear a inovação por toda a empresa com uma presença tão forte?
Como manter um percentual importante da receita advinda de novos produtos anual-
mente, em uma empresa que cresce mais de 20% ao ano há muitos anos? A obra pre-
cisava ser maior que o seu criador.
Com esses desafios e dilemas postos à mesa, a Cacau Show começou a investir
em estrutura e equipes de profissionais especializados em desenvolvimento de produ-
tos, marketing e produção. À essa altura os movimentos mais importantes no setor ao
redor do mundo eram monitorados. O mercado se acirrava e a concorrência copiava
seu modelo. Estávamos no início da década de 2010, e a empresa chegava ao marco
de mil lojas e uma nova fábrica com 17 mil m2 de área construída no munícipio de
Itapevi. Um novo patamar era atingido.
Definitivamente esta é uma empresa que não se contenta com os novos patama-
res. À medida que são atingidos, são criados novos objetivos e visões, novos platôs
que geram um desejo perene de superação. Uma marca, que, em essência, tem a
determinação, a ousadia e o inconformismo produtivo como motores dessa máquina
de produzir chocolates e carinho que adoçam a vida das pessoas.

assumir o compromisso de inovar

O fortalecimento da gestão e da governança seria um potencializador do próximo pata-


mar. Inovação, paixão, determinação, inconformismo e superação foram ingredientes
fundamentais dessa receita, que é a receita de sucesso de um empreendedor. Mas
o sucesso carrega consigo seus perigos, e o empreendimento necessitava de novos
olhares, contrapontos e um processo de tomada de decisão mais estruturado, sem
perder o componente intuitivo. Alquimia difícil.
Em 2013 a Cacau Show criou um sistema de governança com comitês e um conselho
consultivo por um desejo genuíno do fundador de evoluir e inovar. A empresa passou a
ter três comitês de suporte ao conselho: estratégia, gente e financeiro/riscos. Liderados
a rec eita d a c a c a u sh ow 167

por um conselheiro independente e compostos do CEO, do vice-presidente (VP) da área


e de dois ou três gestores da equipe. A inovação estava presente de forma transver-
sal na atuação de todos os comitês e do conselho, entretanto o comitê de estratégia
teve um papel preponderante para estruturar e sistematizar um processo de inovação.
No início, as cinco frentes de trabalho do comitê de estratégia eram: 1. elaboração
e seguimento do plano estratégico; 2. aprofundamento de insights do consumidor /
mercado; 3. aproximação e vivência do varejo; 4. relevância/impacto na inovação de
produtos; 5. novos negócios, canais e mercados. O Quadro 1 apresenta um resumo
dos desafios e resultados alcançados:

Quadro 1 – Atuação do Comitê de Estratégia

problema /
frente ações realizadas
oportunidade
• FFBB – Fewer, Faster, Bigger, Better
Muitos projetos, pouca vi- • racionalização de unidades de manutenção de
Inovação de produtos  sibilidade nas lojas, baixo estoque (SKUs)
impacto nos resultados. • criação processo de Pipeline de Inovação com
critérios e estágios de aprovação
• criação da área de insights, novas abordagens.
Insights do
Muitas percepções e cren- Melhor uso das informações existentes e maiores
consumidor /
ças sobre o consumidor. investimentos em geração de insights – shopper
mercado
/ consumidor
• mapeamento das oportunidades / potencial de
Modelo único de lojas. consumo e definição dos locais de maior opor-
Novos negócios, Ampliar acessibilidade dos tunidade e posterior busca de franqueados
canais, mercados  consumidores à Cacau • criação de novos canais – porta a porta e
Show. e-commerce
• novos formatos de lojas, maior presença de café
Dependência do franquea-
• criação da VP comercial
do na definição do local da
Aproximação e • visitas regulares às lojas
loja (fora para dentro).
vivência do varejo  • abertura de lojas próprias e criação da megastore
Ausência da liderança nas
em Itapevi
lojas.
Falta de clareza nas ala- • elaboração do plano 2020 – ambição, valores,
vancas de crescimento objetivos, foco e iniciativas
Plano estratégico  futuro. • Criação do escritório de projetos (PMO)
Necessidade de olhar 2-4 • três pilares de competência – produção de cho-
anos à frente. colate, varejo, consumidor

Fonte: elaboração dos autores.


168 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

Resultados:

• entendimento do consumidor e shopper, melhor segmentação dos consumidores,


reconfiguração do portfólio e marcas, novos layouts de lojas;
• fortalecimento da marca Cacau Show e de suas submarcas La Creme e Bendito
Cacau;
• maior eficiência no lançamento de novos produtos – 638 novos produtos lançados
desde 2015;
• maior eficiência nos investimentos de mídia / comunicação: maior uso de digital e
maior anunciante da categoria;
• maior proximidade dos meios de comunicação e presença em programas culiná-
rios com Alexandre Costa como chocolatier;
• campanhas mais criativas e inovadoras com base em insights e segmentos – For
me, For Them, For Us;
• 228 novos produtos lançados em 2018; entrada na categoria de sorvetes e canal
de carrinhos de praia;
• novos escritórios / ambiente de trabalho;
• 182 lojas próprias;
• uma megastore;
• maior clareza sobre a direção estratégica da empresa;
• top of mind da categoria.

O comitê de estratégia reunia-se em bases mensais para monitorar os indicadores


e ajustar velocidade e direção da equipe de gestão nessa implementação, e, periodi-
camente, submetia ao conselho esses drivers para alinhar de forma estratégica priori-
dades, aderência com o futuro a ser construído e o novo business design de inovação
da Cacau Show.
Uma vez a dinâmica da governança funcionando a serviço da inovação da empresa,
o passo seguinte era fazer esse processo fluir e permear essa cultura em todos os níveis
da Cacau Show, sem a dependência da governança. A partir daí, foi criado um comitê
de inovação representado por gestores de diversas áreas da empresa, sem membros do
conselho, além da instituição de um almoço semanal de inovação com um público de ges-
tores mais ampliado. Foi implementado um processo de “Gates” de inovação para avaliar
as novas iniciativas e ideias. A prática da inovação está incorporada ao dia a dia dos
gestores da empresa, reduzindo a dependência em relação ao fundador nesse aspecto.
a rec eita d a c a c a u sh ow 169

o futuro precisa ser criado

Deslocar das mãos de seu fundador o processo de inovação de uma empresa vence-
dora, passando para uma abordagem mais ampla e sistematizada na gestão, é um
desafio nada trivial. Ganha contornos ainda mais estimulantes quando esse funda-
dor, ainda com tantas ideias e tão presente na empresa, faz o exercício do desapego
e decide confiar no processo e na força do coletivo. E entende que isso não significa
que ele não possa contribuir, muito pelo contrário: o potencial de inovação da empresa
foi multiplicado, e, com isso, parte do seu tempo agora é liberado para se dedicar a
outras questões de relevo tão estratégico quanto é a inovação para a Cacau Show. E
ainda continua contribuindo de forma relevante para criar e provocar os espaços do
novo na empresa e no mercado. Ser referência.
Colocando em perspectiva todo esse movimento, é impossível não olhar para o
futuro e, por uma questão de governança, provocar a reflexão sobre se de fato estão
sendo criadas as bases para a construção de uma empresa de classe global, que tem
a visão de ser referência em inovação, modelos e práticas de gestão e governança no
mundo. Tal questionamento está na base dessa ambiciosa visão. Quais valores é fun-
damental manter e quais valores deverão ser incorporados nessa trajetória para garan-
tir a perpetuidade desse admirável empreendimento no futuro? Talvez a resposta esteja
no sonho de um rapaz que, aos dezoito anos, decidiu inovar com um firme propósito
de fazer a diferença na vida das pessoas, sabendo que isso é construído diariamente,
em busca do próximo patamar, e do seguinte, e do que vem depois...
PARTE 3
ANALISANDO OS IMPACTOS DAS
TENDÊNCIAS DE INOVAÇÃO

3.1
O Que o Futuro Pode Trazer
para os Negócios
Tecnologias Emergentes:
A Grande Corrida Mundial

Guilherme Marco de Lima

resumo: As mudanças no mundo são cada vez mais profundas e ocorrem em ciclos cada
vez mais curtos. Hoje diz-se que vivemos a Quarta Revolução Industrial. As mudanças são
inexoráveis e chegam cada vez mais rápido a mais pessoas. A inovação se tornou fator
essencial de competitividade das empresas. Neste artigo são analisadas algumas tecno-
logias emergentes de destaque, seu uso e seus impactos no mundo e no Brasil, conside-
rando os países líderes na promoção das inovações, e a situação atual e perspectivas do
Brasil diante desse novo ecossistema.
palavras-chave: tecnologias emergentes, inovação, impacto, Brasil

O Manual de Oslo define a inovação como a implantação de um produto ou serviço novo


ou com substanciais melhorias tecnológicas. A inovação compreende também a intro-
dução de um novo processo, novo método de marketing, novo método organizacional
nas práticas de negócios na organização do local de trabalho ou nas relações externas.
A inovação é essencial fator de competição das empresas, elemento-chave de
aumento de receitas, diminuição de custos, otimização de processos, ganhos em efi-
ciência, entre outros fatores. Mediante o processo de inovação as empresas con-
quistam novos mercados ou consolidam suas posições nos mercados em que atuam,
aumentam seu share. Michael Porter – economista, pesquisador da Harvard School
Business – acredita que a inovação é assunto central da prosperidade econômica. O
autor afirma: “O desenvolvimento e a comercialização de novos produtos, processos e

173
174 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

serviços são direcionadores-chave do crescimento econômico. Inovação depende de


pesquisa e pronto acesso e receptividade de novas tecnologias e ideias”1.
Aumentar a consciência da importância da inovação se tornou imperativo para as
empresas; da mesma forma, observar e analisar o mercado, conhecer as novidades
e tecnologias que tangenciam a indústria, e não apenas observar, mas internalizar os
novos conceitos, novas formas de trabalhar e produzir, e fazer uso das tecnologias para
promover ganhos de eficiência, financeiros e outros intangíveis. Por outro lado, é papel
também das companhias conduzir a inovação e assumir protagonismo nesse processo.
Na nova ordem, as inovações têm ocorrido em um espaço mais curto de tempo
do que no passado. Como explicitado no artigo do The Economist de 1999, Joseph
Schumpeter, a partir das ondas de Kondratieff, delineou a existência de ondas de des-
truição criativa que tratam dos aspectos da inovação que direcionam o crescimento
econômico. O gráfico abaixo ilustra fases de significativa intensidade de inovação
vivenciadas pela sociedade.

Gráfico 1 – Ondas de Inovação por Schumpeter

Fonte: “Catch the Wave: The Long Cycles of Industrial Innovation Are Becoming Shorter”, The Economist,
1999.

O artigo aponta o falecimento de Schumpeter em 1950, quando o terceiro ciclo


estava em curso, e, quando o texto do The Economist foi publicado, o quarto ciclo estava
em processo de decrescimento. Mas o que se observa hoje, quase oitenta anos após o
conceito ter sido criado (início dos anos 1940), é a permanência do que na época já era
uma verdade: o poder que a inovação disruptiva tem de transformar a economia. Vale

1. M. Porter, citado por K. Hargroves e M. H. Smith, The Natural Advantage of Nations: Business
Opportunities, Innovation and Governance in the 21st Century, 2013, p. 16.
t ecnol ogias em ergent es: a gr a n d e c orr id a m u n d ia l 175

salientar ainda a validade dos conceitos de Joseph Schumpeter. Outro ponto notável
é o encurtamento, ao longo dos anos, da duração do ciclo das inovações, de sessenta
anos para cerca dos trinta anos observados atualmente. Embora os ciclos continuem
ocorrendo, é notória a aceleração do processo de inovação.
Assumir o protagonismo da inovação é fundamental. Grandes empresas que durante
anos tiveram posições consolidadas em seu mercado de atuação perderam espaço
devido a novos modelos de negócio totalmente disruptivos que concorriam com os
seus. “No novo mundo, não é o peixe grande que come o peixe pequeno, é o peixe
mais rápido que come o mais lento”2 – as palavras de Klaus Schwab, fundador e presi-
dente executivo do Fórum Econômico Mundial, traduzem uma grande verdade: é pre-
ciso ter velocidade!
Advento do amplo acesso à informação que a era digital propicia, as novidades
ganham escala em uma velocidade nunca antes presenciada. Os últimos anos são
considerados a “Era exponencial” devido à celeridade com que as mudanças ocor-
rem. Frey e Osborne evidenciam o encurtamento do atraso na adoção das tecnologias
(Gráfico 2). Para atingir o número de cinquenta milhões de usuários o telefone levou
75 anos; o rádio, 38 anos; a televisão, 13; a internet, 4; o Facebook, 3 anos e meio;
o iPhone, apenas 3; o Instagram, 2; o Angry Birds, 35 dias; e o Pokemon Go, lançado
em 2016, atingiu a marca em apenas incríveis 15 dias.

Gráfico 2 – Tempo para atingir cinquenta milhões de usuários

Fonte: C. B. Frey e M. Osborne, Technology at Work: The Future of Innovation and Employment, 2015.

2. A. Bonzom e S. Netessine, How do the World’s Biggest Companies Deal with the Startup Revolution?,
2016.
176 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

A mudança é uma força inexorável. E, em um cenário de mudanças acelerado


como se tem observado nos últimos anos, nunca foi tão vital para as instituições sis-
tematizar seu processo de inovação e de radar de novas tecnologias. As tecnologias,
por sua vez, desempenham um papel fundamental nas empresas: agregar novas fun-
ções, otimizar processos e aumentar a eficiência de modo que auxilie as companhias
a entregar produtos e serviços mais inovadores, melhorar a jornada de seus clientes,
entre outros benefícios.

tecnologias emergentes

As inovações disruptivas são aquelas que criam novos mercados, trazidos pelo desen-
volvimento de produtos e serviços antes inexistentes que têm o poder de criar novas
demandas e que acabam por desestabilizar os players atuantes no mercado. As tec-
nologias ditas emergentes são exemplos dessas inovações, pois têm transformado e
ainda irão transformar os mercados, os negócios, o estilo de vida e a sociedade de
maneira geral nos próximos anos.
Frank Diana, palestrante, consultor e especialista em evolução e futuro dos negó-
cios, afirma que existem inúmeros direcionadores que nos levarão a presenciar, nas
próximas décadas, uma quantidade impressionante de mudanças, talvez sem pre-
cedentes. O especialista cita que o exponencial progresso da ciência, tecnologia e
inovação, o passo acelerado dos negócios e o crescente impacto do universo digital
sugerem uma nova empreitada; e que os grandes responsáveis pelo período de trans-
formação próximo são o amadurecimento e a convergência das tecnologias em social,
mobile, analytics, big data e cloud. Ele ainda afirma que essas plataformas são mas-
sivamente disruptivas, mas, combinadas com aceleradores de inovação como ener-
gias renováveis, robótica, cognitive computing e internet das coisas, assumem uma
dimensão diferente, e o resultado disso tem potencial de transformar o mundo3. Como
exemplo do potencial transformador, Brynjolfsson e McAfee referem que as tecnolo-
gias digitais, com hardware, software e redes em seu núcleo, irão no futuro próximo
diagnosticar doenças com mais precisão do que os médicos, aplicar enormes con-
juntos de dados para transformar o varejo e cumprir mais tarefas do que considerado
humanamente possível4.

3. F. Diana, em seu blog (<https://frankdiana.net>), em manifesto já retirado do ar.


4. E. Brynjolfsson e A. McAfee, The Second Machine Age: Work, Progress, and Prosperity in a Time of
Brilliant Technologies, 2014.
t ecnol ogias em ergent es: a gr a n d e c orr id a m u n d ia l 177

As novas tecnologias atualmente possuem aplicações práticas, mas ainda têm um


alto potencial inexplorado. De acordo com Frank Diana, as tecnologias são componentes
da inovação, e se combinam para criar valor. Ele afirma que as tecnologias estão em
processo de amadurecimento e podem produzir impacto combinatório5. Como exemplo,
Diana traça o potencial cenário em que as doações de órgão irão diminuir consideravel-
mente no futuro, pois atualmente as fatalidades por acidentes de carro são a maior fonte
de doações de órgãos, e, com a popularização do uso de veículos autônomos, serão eli-
minados 90% dos acidentes com automóveis (de acordo com o Google). Paralelamente,
haverá uma impulsão da impressão 3D; já que a perspectiva de redução de doa-
ções de órgãos gerará mais investimentos na ativação de órgãos impressos em 3D6.

Gráfico 3 – Tecnologias emergentes

Fonte: F. Diana, “Connecting Dots”, 13 jul. 2016.

impactos das tecnologias emergentes no mundo

Os dados são para o mundo digital de hoje o que o petróleo era há um século. O artigo
“The World’s Most Valuable Resource is no Longer Oil, but Data”, publicado em 2017

5. F. Diana, “Connecting Dots”, 13 jul. 2016.


6. Idem, “Disruptive Power Lies at the Intersections”, 18 maio 2015.
178 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

pelo The Economist, afirma que as cinco “titãs” que lidam com dados na era digital –
Alphabet (empresa do Google), Amazon, Apple, Facebook e Microsoft – são as empre-
sas mais valiosas do mundo, e juntas tiveram no primeiro trimestre de 2017 um lucro
líquido de mais de US$ 25 bilhões. O artigo ainda aponta que a Amazon atualmente
fica com metade de todos os dólares gastos on-line nos Estados Unidos, e que Google
e Facebook representaram quase todo o crescimento da receita em publicidade digital
na América no ano de 2016. A lucratividade dessas gigantes é um aspecto positivo,
mas o que gera preocupação é o controle de dados que lhes confere imenso poder.
A ampla utilização da internet e dos smartphones tem gerado uma imensidade de
dados, pois, como observa o artigo, praticamente todas as atividades realizadas criam
um rastreamento digital, o que significa matéria-prima para as “destilarias” de dados.
E, com o advento da internet das coisas, em que cada vez mais dispositivos vão se
conectando à internet, o volume de dados aumenta, o que alimenta o processo de
aprendizagem de máquina agregando ainda mais valor a esses dados. Como exem-
plo disso, Frey e Osborne citam o sistema Watson da IBM, que está sendo utilizado
por oncologistas para sugerir opções de tratamento para pacientes com câncer. As
sugestões são baseadas em dados de seiscentos mil relatórios de evidências médi-
cas, 1,5 milhão de registros de pacientes e estudos clínicos, e dois milhões de pági-
nas de texto de jornais médicos7.
Esse cenário de fartura de dados altera aspectos importantes da concorrência.
As grandes empresas do setor da tecnologia, como o Facebook e as redes sociais
de maneira geral, beneficiam-se com tal geração de dados, pois, quanto mais usuá-
rios se conectam, mais atrativa essas redes se tornam para as pessoas. O artigo do
The Economist traz ainda o exemplo da Tesla, que reúne dados de seus carros autô-
nomos a fim de aperfeiçoá-los, possível razão pela qual a empresa, que vendeu 25
mil unidades do veículo no primeiro trimestre de 2017, vale mais do que a GM, que
vendeu 2,3 milhões.
Outro aspecto impactante relacionado à concorrência é o nível de alcance que essas
gigantes da tecnologia têm, pois, ainda segundo o mesmo artigo, o sistema de vigi-
lância dessas empresas abrange toda a economia – como Google, que tem acesso ao
que as pessoas procuram; Facebook, ao que os usuários compartilham; e Amazon,
ao que eles compram. O que dá a essas companhias uma visão privilegiada de seus
próprios mercados de atuação, possibilitando saber, por exemplo, quando um novo pro-
duto ou serviço está expandindo seu alcance, para que copiem os modelos de negócio

7. C. B. Frey e M. Osborne, Technology at Work: The Future of Innovation and Employment, 2015.
t ecnol ogias em ergent es: a gr a n d e c orr id a m u n d ia l 179

no timing correto (por exemplo, a função Stories do Instagram é similar ao modelo do


Snapchat) ou simplesmente comprem a potencial concorrência antes de se tornar uma
ameaça (como exemplo, compra do WhatsApp pelo Facebook).
Advento também desse cenário de amplo acesso à informação que as mídias sociais
viabilizam, outro impacto que se observa nos dias atuais é o poder das redes sociais de
influenciar a opinião das pessoas em temáticas variadas – desde o estilo de vida até as
decisões políticas. Hoje a informação está ao alcance do dedo. Há aspectos positivos
desse acesso facilitado à informação, como um maior esclarecimento sobre assuntos
de saúde, educação, política e tantos outros. Por outro lado, esse cenário acaba ser-
vindo como um terreno fértil para pessoas e instituições de caráter duvidoso que utili-
zam artifícios como as fake news para influenciar resultados de eleições, por exemplo.
Vale salientar também o impacto das tecnologias na conjuntura geopolítica. China
e Estados Unidos têm liderado a corrida por investimentos em novas tecnologias, parti-
cularmente em inteligência artificial. Segundo Ian Bremmer e Cliff Kupchan, da Eurasia
Group (consultoria geopolítica internacional), a liderança dos Estados Unidos vem do
setor privado, já a da China vem do Estado, que se alia às empresas e instituições mais
poderosas do país e trabalha para garantir que a população esteja mais sintonizada
com o que o Estado quer. Segundo os especialistas, essa é uma poderosa força esta-
bilizadora para o governo autoritário e capitalista estatal chinês. Eles apontam também
que outros governos podem achar esse modelo atraente, em vista da preocupação com
potenciais agitações sociais dentro de suas próprias fronteiras. Além disso, Bremmer e
Kupchan levantam a possibilidade de a influência econômica da China alinhar setores
de tecnologia dentro de nações menores que possuem padrões e empresas chinesas8.
Analisando um pouco a fundo o cenário Oriente vesus Ocidente, no Global Startup
Ecosystem Report 2018 [Relatório do Ecossistema Global de Startups de 2018] lançado
pelo Startup Genome em parceria com a Crunchbase, cita o crescimento do share de
investimentos mundiais direcionados a startups de países da Ásia e Pacífico nos últi-
mos seis anos, enquanto aqueles direcionados aos Estados Unidos foram diminuindo.
O relatório aponta que, entre os anos de 2012 e 2013, existia uma grande diferença
entre os investimentos de venture capital direcionados às startups das regiões cita-
das (cerca de 70% aos Estados Unidos, em comparação com um pouco mais de 10%
à região Ásia-Pacífico), mas em 2017 os investimentos se igualaram, com 42% para
cada região. A China é o principal país responsável por esta mudança: em 2014, ape-
nas 13,9% dos atuais unicórnios (startups com preço de mercado superior a US$ 1

8. I. Bremmer e C. Kupchan, Eurasia Group’s Top Risks for 2018, 2018.


180 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

bilhão, antes de abrir seu capital em bolsas de valores) eram da China; já em 2017 e
2018 (até o lançamento do relatório), esse número cresceu para 35%. Enquanto nos
Estados Unidos houve um decréscimo de 61,1% para 41,3%9.
Ainda de acordo com o relatório, outro aspecto que demonstra o esforço da região
Ásia-Pacífico em aumentar sua dominância na nova era das tecnologias digitais é
que, dos dez países que apresentaram maior crescimento nos últimos vinte anos em
produção de patentes, oito pertencem à Ásia. Esse crescimento foi particularmente
aparente em dois setores: inteligência artificial e blockchain. E novamente a China sur-
preende com seus registros de patentes, superando os Estados Unidos: quatro vezes
mais registros relacionados à inteligência artificial e três vezes mais patentes relacio-
nadas à blockchain e criptomoedas em 2017.
Abordando de maneira mais ampla o cenário mundial de inovação e tecnologia, o que
tem sido observado nessa nova fase das tecnologias emergentes é a alteração do mapa
mundial de empreendedorismo. Tem-se observado o crescimento de hubs distintos, que
têm conquistado seu espaço onde antes imperava a hegemonia do Vale do Silício. Ainda
que este seja de fato o principal criador de valor no ecossistema global de startups, seu
domínio já não é tão acentuado como antes. Nessa nova era tecnológica muitos ecos-
sistemas menores vêm se tornando cluster superiores para setores específicos, apro-
veitando a conjuntura existente na região. Como exemplo podem-se citar os seguintes:

• Estocolmo – Suécia
De acordo com a Forbes, a capital sueca, que possui cerca de um milhão de habi-
tantes, produziu mais unicórnios per capita que qualquer outro ecossistema no
mundo, excluindo o Vale do Silício, tendo sediado as proeminentes empresas glo-
bais Skype, Spotify, Minecraft e Candy Crush Saga10. Conforme a Bloomberg, a
Suécia foi considerada a segunda nação mais inovadora 11. E, segundo dados publi-
cados no relatório do Startup Genome, 18% da força de trabalho de Estocolmo tra-
balha com alta tecnologia; além disso, cinco das dez empresas que mais crescem
na Europa estão sediadas na cidade12. Em 2016, 54% do total de capital inves-
tido nos países nórdicos foi direcionado para Estocolmo, enquanto apenas 4% da
população da região vive na cidade.

9. Startup Genome, Global Startup Ecosystem Report 2018, 2018.


10. Knowledge Warton, “How Stockholm Became a ‘Unicorn Factory’”, Forbes, 11 nov. 2015.
11. M. Jamrisko e W. Lu, “The U.S. Drops Out of the Top 10 in Innovation Ranking”, 22 jan. 2018.
12. Startup Genome, op. cit.
t ecnol ogias em ergent es: a gr a n d e c orr id a m u n d ia l 181

• Tel Aviv – Israel


Israel, que aparece no décimo lugar no índice da Bloomberg como país mais inova-
dor e que é conhecido como a Nação das Startups, é o país com maior número de
startups per capita. Embora seja um país pequeno, no cenário global da tecnologia
Israel é um gigante que possui sucessos como Fiverr, Wix and StoreDot. O país tem
em Tel Aviv a sua capital das startups. Na indústria de cibersegurança Israel é uma
força dominante globalmente, o país recebe cerca de 16% dos investimentos glo-
bais em segurança cibernética. De acordo com o Global Startup Ecosystem Report
2018, arrecadaram-se US$ 814,5 milhões em capital de risco e investimento em
private equity em 2017. Segundo o mesmo relatório, a Unidade 8200, um corpo
de inteligência das forças de defesa de Israel, desempenha um papel fundamental
no ecossistema, evoluindo em uma incubadora fértil de tecnologia para startups
de segurança cibernética13.

• Frankfurt – Alemanha
Frankfurt é o centro financeiro da União Europeia, local que abriga a sede do Banco
Central Europeu. De acordo com o relatório do Startup Genome, a cidade emprega
mais de setenta mil pessoas em serviços financeiros, além de de contar com cinco
empresas do setor financeiro na lista da Forbes 2000 – empresas com um valor
de mercado combinado de US$ 66,3 bilhões. Com base nesses ativos, o ecossis-
tema está se concentrando na construção de um cluster de fintech. Segundo o
Startup Genome, entre 2012 e 2017 mais de 50% do investimento local de capi-
tal de risco foi direcionado a startups do ramo. O maior exit de uma fintech alemã
ocorreu em Frankfurt, envolvendo a 360T (trading de câmbio), que foi adquirida
por quase US$ 800 milhões pela Deutsche Börse. Segundo o Bloomberg Innovation
Index de 2018, da conceituada revista norte-americana de economia Bloomberg,
a Alemanha consta em quarto lugar como o país mais inovador.

• Singapura
Singapura é um hub financeiro de alta tecnologia, e lidera o ramo de fintechs da
Ásia. O local abriga mais de 270 fintechs. Segundo o Global Startup Ecosystem
Report 2018, entre 2012 e 2017 cerca de 6,7% de todo o capital de risco inves-
tido foi direcionado para esse mercado. O governo procura incentivar esse ramo
mediante o aporte de recursos financeiros.

13. Ibidem.
182 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

… e no brasil
Segundo dados da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos
(ApexBrasil), o Brasil está entre as dez maiores economias do mundo e é a maior da
América Latina, sendo o quinto maior mercado consumidor mundial; o terceiro maior
mercado de rede social, beleza e cuidados pessoais, biocombustível, computadores,
e aeronaves; o quarto maior mercado de eletrodomésticos e internet; o quinto maior
mercado de dispositivos médicos; e o sexto maior mercado de produtos farmacêuti-
cos. O fluxo de investimento estrangeiro direto para o Brasil entre os anos de 2014 e
2016 foi de US$ 58,7 bilhões, colocando-o entre os dez países que mais receberam
investimento estrangeiro no mundo.
Em entrevista de Ian Bremmer à revista Exame o cientista político afirma que, embora
o Brasil esteja passando por um momento de instabilidade política, e isso conformar
um cenário complicado, o problema é considerado doméstico. Bremmer considera
que as relações globais do país permanecem relativamente firmes e cita o exemplo
da aproximação entre Mercosul e a União Europeia, com participação forte do Brasil
nas negociações, que tem sido visto como promissora pelos europeus. Salienta ainda
que, apesar dos altos investimentos estrangeiros já recebidos pelo Brasil, atualmente
existe uma espera por parte dos investidores estrangeiros até que a “poeira baixe” na
política e o ambiente se torne mais previsível.
Para o cientista político, o Brasil ainda é atraente dentro dos mercados emergen-
tes, sendo “uma economia em crescimento, com mercado de trabalho interessante,
ainda crescimento demográfico e de capacitação, com variedade de recursos naturais
e relativamente estável”, o que constitui um “cenário que transpassa a instabilidade
política pela qual o país passa agora. A reputação momentânea de instabilidade não
bate no potencial do Brasil. Quem pensa economia tem que ver além do momento”14.
O relatório Top Risks 2018 publicado pela consultoria Eurasia em janeiro de 2018,
que pontua os dez maiores problemas geopolíticos para o ano de 2018, trouxe à luz
o que foi chamado de “Protecionismo 2.0”, o sétimo risco apontado, informando que
os movimentos antissistema obrigaram os formuladores de políticas a adotarem uma
abordagem mais mercantilista da competição econômica global, o que significa que
os “muros estão subindo”. Bremmer e Kupchan, da Eurasia Group, afirmam que, com
as transformações ocorrendo de maneira acelerada, as lideranças mundiais ainda não

14. R. Martins, “Ian Bremmer: Instabilidade Não Reduz Potencial do Brasil”, 8 jan. 2018.
t ecnol ogias em ergent es: a gr a n d e c orr id a m u n d ia l 183

se mostraram capazes de assegurar que as novas regras do jogo estão escritas 15. Uma
tendência que também influencia na criação desse novo protecionismo, que não afeta
apenas setores tradicionais, como agricultura, metal, químico, e mecânico – devido
à preocupação com perda de empregos e interesses relativos à economia doméstica;
mas intervém também na economia digital e nas indústrias intensivas em inovação,
com o objetivo principal de preservar a propriedade intelectual e tecnologias relacio-
nadas como componentes críticos da competitividade nacional.
O protecionismo citado no relatório da Eurasia inclui medidas como resgates, sub-
sídios e requisitos de “compra local” – destinados a fortalecer empresas e indústrias
domésticas –, além das já tradicionais tarifas de importação e cotas. Nesse contexto,
o Brasil, apesar de ser uma das maiores economias do mundo e um mercado recep-
tivo para adoção de tecnologias, ainda enfrenta barreiras que dificultam o acesso a
elas. De acordo com um novo relatório do Banco Mundial – The Jobs of Tomorrow:
Technology, Productivity, and Prosperity in Latin America and the Caribbean [Empregos
do Amanhã: Tecnologia, Produtividade e Prosperidade na América Latina e Caribe] –, a
América Latina e o Caribe têm taxas mais baixas de adoção de tecnologia digital do que
países semelhantes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE). O relatório aponta, por exemplo, que algumas tecnologias, como smartphones
e tablets, vendidas no Brasil estão entre as mais caras do mundo16.
A despeito disso, as empresas brasileiras têm investido em tecnologias. A Agenda
2018 é uma pesquisa realizada pela Deloitte no fim de 2017 com 750 empresas bra-
sileiras que acumularam R$ 1,779 trilhão em receitas (26% do PIB brasileiro estimado
para 2017), sendo os respondentes em sua maioria conselheiros, presidentes, vice-
-presidentes, superintendentes e diretores. A pesquisa aponta que são despendidos,
em média, 3% de seu faturamento com investimento em tecnologias, o que repre-
senta um total de mais de R$ 58,9 bilhões em aportes nessa área. Os setores que mais
investem em tecnologia no Brasil são os de atividades financeiras; serviços de tecno-
logia e telecomunicações; prestação de serviços às empresas; petróleo, gás, minera-
ção e energia elétrica. Outro aspecto destacado é o que muitas das novas tecnologias
devem receber investimentos das organizações nos próximos dois anos, com desta-
que para internet das coisas, cyber security, Indústria 4.0 e analytics17.

15. I. Bremmer e C. Kupchan, op. cit.


16. M. A. Dutz, R. K. Almeida e T. G. Packard, The Jobs of Tomorrow: Technology, Productivity, and
Prosperity in Latin America and the Caribbean, 2018.
17. Delloite, Agenda 2018, 2018.
184 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

Gráfico 4 – Investimentos em novas tecnologias

Fonte: Delloite, Agenda 2018, 2018.

Existem muitos benefícios na adoção das tecnologias emergentes pelas empresas,


como mostra o relatório do Banco Mundial, ao revelar que as indústrias de tecnolo-
gia intensivas, em todos os setores da economia, com acesso antecipado à internet
reduziram sua dependência em tarefas rotineiras e manuais, mudando o conjunto
de habilidades para tarefas mais cognitivas e não rotineiras, além de aumenta-
rem o uso de habilidades interpessoais e de comunicação após a adoção da tecno-
logia digital18.
O governo federal publicou em março de 2018 Estratégia Brasileira para a
Transformação Digital – E-Digital, resultado da colaboração entre governo federal,
Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, e membros do Grupo
de Trabalho Interministerial, com o objetivo de usufruir do potencial que as tecnologias
têm de proporcionar o aumento da produtividade, da competitividade e dos níveis de
renda e emprego por todo o país. A estratégia elaborada foi contextualizada nas ações
estratégicas das grandes agendas internacionais para o desenvolvimento, com desta-
que para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 das Nações

18. M. A. Dutz, R. K. Almeida e T. G. Packard, op. cit.


t ecnol ogias em ergent es: a gr a n d e c orr id a m u n d ia l 185

Unidas. Essa iniciativa demonstra que o Brasil tem procurado se alinhar às tendên-
cias mundiais em relação às tecnologias digitais, e que existe uma preocupação do
governo em avançar no tema.

exemplos de tecnologias emergentes

Em vista do assuntos abordados neste capítulo vale ressaltar aqui as tecnologias que
têm despontado nos últimos anos, que têm revolucionado e ainda irão revolucionar o
mercado, as empresas e o estilo de vida das pessoas.

Inteligência artificial (IA)


Computação que possui capacidade de aprendizagem através de análise de dados e
informações que, entre outras coisas, têm como propósito identificar e analisar padrões,
reconhecimento de fala, movimentos, imagens e outros.
No Brasil, alguns dos setores que já exploram e ainda explorarão a tecnologia
são o jurídico – o Watson, da IBM, assistente de inteligência artificial que é capaz de
realizar de maneira ágil e efetiva o atendimento aos clientes, podendo responder a
cerca de 70% da comunicação com eles, via telefone, e-mail, chat e redes sociais,
sendo também capaz de dar informações processuais, responder a questionamentos,
marcar reuniões; o de saúde, pela automatização do processo de diagnósticos, com
uso de sistemas que são capazes de reconhecer padrões em enfermidades, como o
Watson Health, também da IBM. Em 2016, conforme informação publicada na Época,
o Brasil empregou R$ 67 milhões na compra supercomputadores capazes de ampliar
em até dez vezes a capacidade de armazenamento de indicadores do Sistema Único
de Saúde (SUS)19.
A IA tem sido utilizada também para assistentes pessoais, de uso domiciliar,
como a Alexa da Amazon. A Morgan Stanley (empresa global de serviços financei-
ros) estima que mais de onze milhões de indivíduos já contam com o auxílio dessa
tecnologia20. Além desses, podem ser citados o setor comercial, com o uso de chat-
bots, que fazem o atendimento automatizado aos clientes, e o jornalismo, para fins
de checagem de fatos.

19. A. Nobeschi, “Saúde: Como a Inteligência Artificial Pode Ajudar nos Diagnósticos”, 26 dez. 2016.
20. Embratel, Revolução Digital: 7 Tendências para 2018, 2018.
186 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

Big data – analytics


Big data são plataformas e soluções que reúnem, organizam e estruturam grandes
volumes de dados para construir e retornar informações qualificadas e de apoio à
tomada de decisões21.
Kevin Kelly cita que parte do avanço da IA baseia-se na incrível avalanche de dados
coletados sobre o mundo, o que proporciona toda a educação de que ela precisa. Bancos
de dados gigantescos, automonitoramento, cookies da web, terabytes de armazena-
mento, décadas de resultados de buscas e todo o universo digital cumprem o papel de
professores da IA. O escritor afirma que o big data tem sido um driver para automatizar
tarefas complexas que diminuem a lacuna do conhecimento humano, e cita o Google
Tradutor, que inclui mais de um trilhão de palavras traduzidas. Isso abrange duzentos
bilhões de palavras de documentos oficiais da Organização das Nações Unidas (ONU),
que devem ser traduzidos para os seis idiomas oficiais do órgão22.
Big data combinado a outras tecnologias é citado por inúmeros autores como uma
das tecnologias com alto potencial de alterar o cenário mundial, pois a infinidade de
dados gerados por inúmeros dispositivos, redes sociais, máquinas e outros são uma
verdadeira mina para a computação cognitiva. Em vista disso, como apontam Ian
Bremmer e Cliff Kupchan, há uma corrida pela tecnologia de ponta em andamento
entre os Estados Unidos e a China. Os gigantes da tecnologia de ambos os países
estão se apressando para dominar a IA e a supercomputação, entre outras tecnolo-
gias de próxima geração, altamente intensivas em investimento. Bremmer cita que “o
vencedor poderia muito bem dominar as próximas décadas, tanto economicamente
quanto geopoliticamente”23.

Internet das coisas


A internet das coisas, conhecida também como IoT (do inglês Internet of Things), repre-
senta a conectividade de objetos e equipamentos com a internet, possuindo tecnolo-
gia embarcada capaz de coletar e transmitir dados. Os dispositivos IoT estão ajudando
a reduzir custos e melhorar a eficiência em ambientes industriais, e as empresas têm
encontrado inúmeros benefícios – como a coleta de novos dados ou a automação das

21. Liga Ventures, Liga Insights: Emerging Technologies, 2017.


22. K. Kelly, Inevitável: As 12 Forças Tecnológicas que Mudarão o Nosso Mundo, 2017.
23. I. Bremmer e C. Kupchan, op. cit.
t ecnol ogias em ergent es: a gr a n d e c orr id a m u n d ia l 187

infraestruturas – em adicionar conectividade e inteligência à infraestrutura física24. A


IoT irá conectar dezenas de aparelhos à internet e integrá-los na rede, transformando
as nossas cidades em smart cities. A IDC, empresa que atua com inteligência de mer-
cado, prevê que os gastos globais com IoT terão uma taxa de crescimento anual de
15,6% entre 2015 e 2020, atingindo US$ 1,29 trilhão em 2020. Entre os maiores
investidores estão indústria (US$ 178 bilhões), transporte (US$ 78 bilhões) e serviços
públicos (US$ 69 bilhões)25.

Impressão 3D
Também chamada de manufatura aditiva, é a impressão de objetos tridimensionais
utilizando materiais variados. Em artigo, Thiago Marin afirma que de acordo com o
Whollers Report a indústria de impressão 3D cresceu 25,9% em relação à 2015. Com
a popularização da manufatura aditiva, essa tecnologia chegou à profissionais de diver-
sas áreas, como engenharia, design de produto, medicina, odontologia, arquitetura,
decoração, joalheria, que têm utilizado a tecnologia em seus processos de inovação26.
A tecnologia é utilizada amplamente: da prototipação de produtos até a construção de
residências na China, por exemplo.

Energia renovável
Energia renovável é aquela advinda de fontes inesgotáveis da natureza, como vento,
sol, água. De acordo com os dados da quinta edição do relatório Renewable Energy and
Jobs Annual Review – lançado na 15a reunião do conselho da Agência Internacional de
Energia Renovável (Irena, na sigla em inglês), em Abu Dhabi –, o setor de energia reno-
vável, incluindo as grandes hidrelétricas, emprega mais de dez milhões de pessoas no
mundo27. E, segundo o relatório anual da Bloomberg New Energy Finance (Bnef), o custo
da energia solar de painéis fotovoltaicos deverá baixar 66% até 2040, sendo que atual-
mente seu preço representa um quarto do que era em 2009. Assim, até 2040 um dólar
comprará 2,3 vezes mais energia solar do que atualmente, quando também os painéis
solares fotovoltaicos residenciais representarão até 20% da eletricidade no Brasil28.

24. P. Heltzel, “12 Tecnologias Disruptivas para os Negócios em 2018”, 14 fev. 2018.
25. Embratel, op. cit.
26. T. Marin, “A Revolução da Impressora 3D: Entenda Por Que Essa Tecnologia Está Cada Dia Mais
Presente”, s.d.
27. Istoé, “Energia Renovável Emprega Mais de 10 Milhões de Pessoas no Mundo”, 8 maio 2018.
28. V. Barbosa, “7 Tendências Globais em Energia Renovável para Ficar de Olho”, 19 jun. 2017.
188 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

Realidade virtual e realidade aumentada


Realidade virtual (RV) e realidade aumentada (RA) dizem respeito a soluções e equi-
pamentos que possibilitam que haja a interação entre os mundos virtual e físico por
meio de tecnologias de projeções e criações, com o objetivo de ampliar, criar ou repro-
duzir a sensação de realidade em tempo real. As RAs e RVs possuem grande valor
para diversas áreas, pois possibilitam uma experiência de imersão em filmes, games,
hologramas e simulações, inclusive para treinamentos. Conforme a consultoria Frost
& Sullivan, esse mercado irá movimentar US$ 108 bilhões até 202129.

Cyber security
Em um universo cada vez mais conectado, e sujeito a ataques cada vez mais sofis-
ticados, o desenvolvimento de sistemas seguros se tornou imperativo. Para permitir
a tomada de decisão em tempo real considerando o risco apresentado e possibilitar
também a criação de infraestrutura de segurança adaptável, líderes em segurança
e gerenciamento de risco deverão adotar uma forma de avaliação contínua de risco
adaptativo e de confiança30.

Indústria 4.0
É um conceito que considera que a indústria passa pela sua quarta revolução, na qual
passam a ser agregadas aos processos industriais as principais inovações tecnológicas
dos campos de automação, controle e tecnologia da informação. Com o uso de siste-
mas ciberfísicos, internet das coisas e internet dos serviços, os processos de produ-
ção tendem a se tornar cada vez mais eficientes, autônomos e customizáveis.
Os impactos causados pela indústria 4.0 consistem em criação de novos mode-
los de negócios; personalização em massa, por meio da customização prévia do pro-
duto por parte dos consumidores; diminuição dos trabalhos manuais e repetitivos; e
criação de novos postos de trabalho mais intelectualizados para lidar com as deman-
das mais crescentes em P&D.

Blockchain
Refere-se a tecnologia de protocolo da confiança, segurança, certificação e valida-
ção de transações ou conclusão de processos. Amit Zavery, vice-presidente sênior

29. Embratel, op. cit.


30. Ibidem.
t ecnol ogias em ergent es: a gr a n d e c orr id a m u n d ia l 189

de desenvolvimento de produtos da Oracle Cloud Platform, diz que a blockchain tem


efeitos em outras áreas além do setor financeiro, por exemplo na de cadeia de supri-
mentos e na de segurança. Há previsão de que esse mercado movimentará US$ 176
bilhões em 2025, e a expectativa é que essa tecnologia se torne o padrão disruptivo
no comércio moderno31.

conclusão

As tecnologias elencadas, bem como os impactos e dados trazidos, são uma pequena
amostra de sua amplitude e de todo seu potencial de agregação de valor. O que se
expôs aqui dá uma pequena dimensão das mudanças já ocorridas e que ainda ocorre-
rão para além do âmbito econômico no Brasil e no mundo. Tais mudanças e inúmero
cenários disruptivos que vêm surgindo e ainda surgirão nos próximos anos geram e
poderão gerar grande dificuldade para as lideranças em compreender tudo isso e, mais
ainda, reagir da maneira necessária.
O ponto-chave para os empresários é compreender que a inovação não é um pro-
cesso estático, e que o mundo e os tempos em que vivemos nunca exigiram tanto da
versatilidade, da capacidade de adaptação e da proatividade das empresas em relação
aos processos de mudança. Estamos vivendo uma mudança de paradigma, em que por
vezes se observa que imaginação e experimentação, tentativa e erro substituem o pla-
nejamento detalhado. O desafio para as lideranças é encontrar o equilíbrio. Estar a par,
e fazer uso, das tecnologias, enxergá-las de maneira holística e conectar os pontos tor-
nou-se também um fator de competitividade para as empresas. E, muito além disso,
envolver-se no processo de mudança, estar na vanguarda desses novos tempos, pois,
como afirma Frank Diana, “a evolução dos negócios não é apenas provável, mas crítica”32.

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31. P. Heltzel, “12 Tecnologias Disruptivas para os Negócios em 2018”, 14 fev. 2018.
32. F. Diana, em seu blog (<https://frankdiana.net>), em manifesto já retirado do ar.
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valuable-resource-is-no-longer-oil-but-data?fsrc=scn/tw/te/rfd/pe>. Acesso em: 16
maio 2018.
Introduzindo os Caminhos de Convergência
entre os Conselhos de Administração e
a Tecnologia

Hamilton M. Cunha Jr.

resumo: Nos últimos anos temos vivido um processo de evolução tecnológica rápido e
disruptivo. Não só as pessoas têm de aprender a lidar com as novas tecnologias e situa-
ções, mas também as corporações. Verifica-se a relevância que os novos conceitos de pla-
taformas, sensoriamento e conectividade trazem para a geração de dados e informações,
e revela-se que os detentores dessas informações têm e terão vantagens competitivas
importantes no mundo dos negócios. Nesse contexto, a ciência e atuação dos conselhos
administrativos adquirem importância fundamental para a perenidade da organização.
palavras-chave: transformação digital, inovação tecnológica, disrupção, geração de dados,
inteligência artificial, conselho administrativo

As organizações precisam adotar a transformação digital


imediatamente, pois os disruptores digitais estão emergindo
em praticamente todas as indústrias...
Peter Sondergaard, VP global da Gartner, Inc.

Nos últimos anos temos testemunhado um processo de evolução tecnológica rápido e


disruptivo. Nossas crianças crescem operando computadores, tablets, celulares, com-
pletamente integradas no processo de transformação digital.
Já no âmbito organizacional, como se não bastassem os impactos da globalização
e da concorrência internacional, as empresas e suas lideranças ainda se veem diante
de um ritmo acelerado de mudanças e aumento da complexidade da competição.

193
194 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

A evolução digital abriu uma porta incalculável de oportunidades para os conhece-


dores profundos dos novos modelos de negócios (organizações exponenciais), fazendo
com que os modelos tradicionais de marketing já não sejam tão efetivos, além de muito
mais custosos que as mídias digitais, sistemas analíticos e tantas outras oportunidades
disponíveis com o uso da nova tecnologia.
Essa é a grande vantagem competitiva que as empresas do século XXI trazem em
relação às dos séculos anteriores: organizações exponenciais x organizações lineares.
Segundo a opinião de alguns especialistas:

75% das companhias listadas nas 500’s Mais da Standard & Poors serão substituídas por
novas organizações na próxima década1.
As tecnologias exponenciais vão nos permitir saltos maiores em duas décadas do que tive-
mos nos últimos duzentos anos2.

Nas próximas linhas, faremos uma abordagem das diversas tecnologias e seu grau
de desenvolvimento.

infraestrutura digital

Internet
A internet é um sistema global de redes de computadores interligadas que utilizam um
conjunto próprio de protocolos (Internet Protocol Suite ou TCP/IP) com o propósito de
servir progressivamente usuários no mundo inteiro.

Conectividade (5G)
Quinta geração de sistemas wireless (5G) é o termo utilizado para a tecnologia que
satisfaz a disponibilidade de comunicação sem fio, para alta mobilidade e densidade de
transferência de dados.
Essa tecnologia será a substituta da 4G e foi desenhada para ser uma rede multis-
serviços, conectando uma grande variedade de equipamentos, a começar pelos smart-
phones mas também uma avançada rede de conteúdo digital e realidade aumentada,

1. Richard Foster (McKinsey/Yale University), citado por Innosight, Creative Destruction Whips through
Corporate America, 2012.
2. Peter Diamandis (cofundador da Singularity University), citado por C. Mano, “A Universidade que Nasceu
na Garagem”, Exame – Edição de Aniversário, 50 Anos, 8 set. 2017.
int roduzindo os c a m in h os d e c on v er gên c ia . . . 195

além de objetos diversos, como wearables (roupas inteligentes), relógios, utensílios


domésticos – geladeiras, televisões, ares-condicionados e uma série de outros equipa-
mentos, e automóveis autônomos.
Em resumo, a tecnologia 5G será a responsável por habilitar a conexão dos automó-
veis e smart cities – cidades inteligentes – do futuro.
Espera-se que a partir de 2020 a tecnologia 5G comece a ser implementada em
cidades específicas, como projeto piloto.
5G oferecerá uma velocidade dez vezes superior à da tecnologia 4G, além de novas
aplicações que suportarão o desenvolvimento da transformação digital em curso no mundo.
As grandes companhias de telecomunicação já estão trabalhando nos projetos de
implantação e infraestrutura necessários, que certamente era o que faltava para a evo-
lução da tecnologia digital.

Cloud computing
O conceito de computação em nuvem foi intitulado por renomados especialistas como
a “democratização da tecnologia”, por ter oferecido às diversas classes de usuários a
oportunidade de armazenar e processar grandes quantidades de dados, em computado-
res e servidores compartilhados – conectados à internet, seguindo o princípio da com-
putação em rede.
O armazenamento de dados é feito em serviços que poderão ser acessados de
qualquer lugar do mundo, a qualquer hora, não havendo necessidade de instalação
de programas ou infraestrutura local.
O acesso a programas, serviços e arquivos é remoto, pela internet – daí a alusão à
nuvem. O uso desse modelo (ambiente) é mais viável (disponibilidade e custo x benefí-
cio) do que o uso de unidades físicas de armazenamento. Mas há desvantagens:

• caso aconteça a perda de acesso à nuvem, por uma falta de comunicação (internet
ou links dedicados), todo o sistema será comprometido até que a comunicação seja
restabelecida;
• se a internet não tiver uma boa banda larga, o sistema pode ser comprometido. Um
exemplo típico acontece em casa, com mídias digitais ou jogos em momentos de
rush de acesso à internet;
• também é bastante impactante o processo de migração para o sistema cloud, prin-
cipalmente o carregamento dos dados na nuvem, que leva tempo e requer um pro-
cesso bastante cuidadoso;
196 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

• ainda existe uma resistência grande por parte de alguns setores específicos (um
exemplo mais clássico é o setor financeiro), por considerar um risco importante a
exposição de dados em ambientes externos à instituição.

IoT / IoE
A internet das coisas (IoT) ou, como é chamada recentemente, internet de tudo (Internet
of Everything) é a rede que conecta equipamentos físicos, veículos, equipamentos domés-
ticos e outros itens que tragam circuitos eletrônicos, softwares, sensores, atuadores e
conectividade que permitam que esses equipamentos se conectem e troquem dados.
Cada equipamento é unicamente identificado e está habilitado a operar dentro de uma
infraestrutura de internet existente.
De acordo com estudos feitos por especialistas, em 2017 mais de 8,4 bilhões de equi-
pamentos estão conectados e esse número deverá chegar a trinta bilhões até 2020. Mesmo
ano em que se estima que esse mercado deverá alcançar a marca de US$ 7,1 trilhões.
O IoT permite que objetos sejam sensorizados ou controlados remotamente por um
sistema de rede preexistente, criando a oportunidade de uma integração direta do mundo
físico com o digital e resultando em uma melhora de eficiência, precisão e valor agre-
gado, com reduzida intervenção humana.
Exemplos de IoT já são identificados nas mais diversas aplicações e setores da
indústria e podem ser representados por diversos tipos de equipamentos e sensores –
por exemplo, em implantes monitorados, chips implantados em animais, carros autôno-
mos, vestimentas inteligentes que identificam distúrbios de saúde no usuário, análise de
oxigênio e nutrientes necessários para uma boa lavoura de milho, além de muitas outras
aplicações que surgem todos os dias em diversos projetos e startups ao redor do planeta.

Big data
Em linhas gerais, big data refere-se a uma grande quantidade de dados armazenados
localmente ou na nuvem e disponíveis para uso. O mundo armazena diariamente cerca
de 2,2 exabytes de dados por dia, e até 2021 esses níveis chegarão a cerca de 3,3
zettabytes, sendo que mais de 90% dessas informações não serão aproveitadas3.

3. Para dar ideia do volume, segue tabela comparativa de unidades:


Nome Símbolo Múltiplo
Byte B 10E0
Quilobyte kB 10E3
int roduzindo os c a m in h os d e c on v er gên c ia . . . 197

A união entre a disponibilidade de dados e um tratamento inteligente transforma-se


em informação, e essa é a grande disputa do mundo digital. Empresas investem bilhões
de dólares para terem as melhores e mais abrangentes disponibilidades de informação.
No momento correto da tomada da decisão, ter o valor desses dados poderá represen-
tar a diferença entre o sucesso e o fracasso.

Inteligência artificial
É o ramo da ciência da computação dedicado a buscar métodos ou dispositivos compu-
tacionais que possuam ou multipliquem a capacidade racional do ser humano de resol-
ver problemas.
São as mais importantes:

• capacidade de raciocínio: aplicar regras lógicas a um conjunto de dados disponíveis


para chegar a uma conclusão;
• aprendizagem: aprender com os erros e acertos para, no futuro, agir de maneira mais
eficaz;
• reconhecimento de padrões: tanto padrões visuais e sensoriais, como também padrões
de comportamento;
• inferência: capacidade de conseguir aplicar o raciocínio nas situações do cotidiano.

De acordo com o professor John Rogers Searle, o futuro da inteligência artificial


seguirá por duas fortes vertentes que poderão ser categorizadas como IA Forte e Fraca.
A primeira se refere à criação de máquinas que tenham autoconsciência e que possam
pensar e tomar suas próprias decisões, e não somente simular raciocínios. Para que essa
tecnologia avance de modo consistente, fazem-se necessárias máquinas mais poten-
tes do que as que temos atualmente e que consigam processar milhares de milhões de
dados simultaneamente, os chamados computadores quânticos. Já a segunda categoria

(cont.)
Megabyte MB 10E6
Gigabyte GB 10E9
Terabyte TB 10E12
Petabyte PB 10E15
Exabyte EB 10E18
Zettabyte ZB 10E21
Yottabyte YB 10E24
Fonte: McKinsey Global Institute.
198 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

está relacionada com a construção de máquinas ou softwares de certa forma inteligen-


tes, porém incapazes de raciocinar por si próprios e formar uma autoconsciência4.

Machine learning
Machine learning ou aprendizado das máquinas é um dos subgrupos da ciência da com-
putação mais explorados nos últimos anos.
Em 1959, Arthur Samuel definiu aprendizado de máquina como sendo o “campo de
estudo que dá aos computadores a habilidade de aprender sem serem explicitamente
programados”5.
Nos dias de hoje, é a base mais perseguida e em que são feitos os maiores inves-
timentos por aqueles que focam no desenvolvimento da inteligência artificial, principal-
mente as grandes empresas high-tech, como Google, Apple, Facebook, IBM e muitas
outras, que investem pesadamente no desenvolvimento dessa tecnologia.

Streaming
Streaming é a tecnologia usada para transferir conteúdo digital, usualmente áudio e
vídeo, a computadores, tablets e smartphones por meio da internet.
Com o conceito de streaming, o usuário não tem a necessidades de fazer o down-
load (descarga) completo do vídeo ou áudio digital antes de começar a usá-lo. Em outras
palavras, o processo de streaming transfere dados em um fluxo contínuo, enquanto per-
mite que o usuário siga assistindo ou ouvindo quase que simultaneamente ao processo.
Essa tecnologia enfrenta alguns problemas. Uma vez que ela disponibiliza dados de
acordo com a demanda (on demand ), torna-se fundamental uma boa conexão de internet.
Por exemplo, se durante o processo de streaming de uma música ou vídeo perde-se a
conexão com a internet, este se interromperá até que a comunicação seja restabelecida.
Tal fato não quer dizer que somente grandes bandas de internet suportarão um pro-
cesso de streaming, uma vez que, ainda de modo precário, os dados conseguem ser
transferidos, pois o sistema se utiliza de uma memória extra, denominada buffer, que
tem a função de armazenar o conteúdo que será assistido ou ouvido nos dez segundos

4. Cf. “Artificial Intelligence: Weak AI vs. Strong AI”, 27 mar. 2018. John Rogers Searle (Denver, 31 de julho
de 1932) é um filósofo e escritor norte-americano, professor da Universidade de Berkeley, na Califórnia,
Estados Unidos.
5. J.-F. Puget, “What Is Machine Learning?”, 18 maio 2016.
int roduzindo os c a m in h os d e c on v er gên c ia . . . 199

seguintes. De qualquer modo, caso a conexão não se restabeleça nesse tempo, a trans-
missão será interrompida.
Outro ponto de atenção relaciona-se à quantidade de dados que um processo de
streaming requisitará ao tráfego pela internet. O que significa que a forma sugerida
de utilizá-lo é pela internet residencial, que é ilimitada (sistema de banda larga fixa), e
não via 3G ou 4G, utilizada nos smartphones em conexões remotas, e que são limitados
por quantidade de dados em gigabytes.
Por exemplo, um simples filme de duas horas poderia consumir o pacote de dados
por completo, o que não é desejável.

Computadores quânticos
Na teoria, computadores baseados em Qubits ( bits quânticos)
poderiam resolver problemas que hoje levariam bilhões
de anos, em questão de minutos.
Ivan Oliveira, físico do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF)6

Na computação clássica o computador é baseado na arquitetura de Von Neumann, que


faz uma distinção clara entre elementos de processamento e armazenamento de dados,
isto é, possui processador e memória destacados por um barramento de comunicação,
sendo seu processamento sequencial.
Entretanto os computadores atuais possuem limitações – por exemplo, na área de
inteligência artificial (IA), na qual não existem computadores com potência ou veloci-
dade de processamento suficientes para suportar o nível de processamento que a IA
demanda. Nesse caso, os computadores quânticos, ainda em situação experimental,
serão os mais indicados.

sensores

Na teoria, sensores são equipamentos, módulos ou subsistemas que têm o propósito


de detectar eventos ou mudanças no ambiente e enviar informações para outros siste-
mas eletrônicos, os quais processarão as informações e tomarão decisões e implemen-
tarão ações automaticamente.

6. Citado por A. C. Oliveira et al., “Estudos de Inteligência Artificial Usando Computadores Quânticos”, 2013.
200 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

A indústria da automação já está bastante acostumada com a utilização de sensores


na tomada de decisão, principalmente aquelas que aplicam controladores lógicos pro-
gramáveis (CLPs) para monitoramento e controle de processos.
Com o desenvolvimento cada vez mais rápido da tecnologia e principalmente da
digitalização dos dados, a gama de sensores tem alcançado limites até então inimagi-
náveis, podendo ultrapassar a capacidade humana na percepção e tomada de decisão.
São diversos os tipos de sensores disponíveis, e estes terão uma atuação bastante
importante no processo de IoT e transformação digital.
Como dito anteriormente, a quantidade de dados que será gerada por todos esses
sensores, se bem tratada de forma rápida e eficiente (informações), terá a capacidade
de responder de forma precisa a perguntas e questões que até então levariam décadas
para serem analisadas e concluídas.
Quando avaliamos o mundo digital e processos de internet das coisas (IoT), o termo
sensores se torna mais abrangente, pois é visto em uma perspectiva de que toda a cap-
tação de dados gerados – seja por um sistema de controle de ar-condicionado residen-
cial sensorizado, televisões inteligentes, geladeiras, smartphone, automóveis autônomos,
Facebook, Google, Netflix e tantos equipamentos e produtos – comporá a matéria-prima
que auxiliará os detentores desses dados a desenhar de modo preciso as tendências e
necessidades das pessoas no futuro.

“É importante frisar que dados por si só são irrelevantes e só se tornarão valiosos a partir
do momento em que forem tratados e se tornem informações!”

Muitos estudiosos do meio digital reforçam a ideia de que no futuro vencerão as


empresas que melhor consigam disponibilizar dados e tratá-los de modo inteligente para,
assim, utilizá-los para tomadas de decisão. Nesse ponto, os sensores serão fundamentais.

produtos em escala comercial

Como já mencionado, o ecossistema digital abre espaço para diversos produtos que tra-
rão benefícios inimagináveis à humanidade. Dentre eles, alguns já estão em comerciali-
zação, outros em fase experimental, e dependerão do avanço da tecnologia para alcançar
maturidade e serem lançados em escala comercial, e outros ainda nem foram inventados.
O grau de maturidade de toda a transformação ainda é incalculável. Seria como ima-
ginar uma plataforma digital, tipo Uber, na época de lançamento da internet. Impossível,
não é mesmo?
int roduzindo os c a m in h os d e c on v er gên c ia . . . 201

Mas muitos produtos revolucionários já estão disponíveis e mudando a vida daque-


les que se colocam em experimentação (early adopter).
A seguir comento sobre aqueles que entendo serem os mais transformadores e dis-
ruptivos do mercado.

Sistemas analíticos (BI)


Talvez uma das ferramentas mais interessantes e já disponível para uso sejam os siste-
mas analíticos, também conhecidos como business intelligence (BI). Trata-se basicamente
de um sistema que, com o uso de um grande banco de dados, consegue analisá-lo e
organizá-lo de modo que os dados se transformem em informações inteligentes capa-
zes de auxiliar seus usuários na tomada de decisões. Como afirma Reed Hasting, presi-
dente e fundador do Netflix, “a análise de dados é para a economia digital o que o aço
foi para a era industrial”7.
BI pode ser aplicada em diversos setores e utilizada para diversas necessidades. As
mais usuais são aquelas aplicadas no âmbito empresarial, no qual os executivos, por
meio de dados analíticos, conseguem avaliar tendências e determinar hábitos de seus
clientes, e utilizar essas informações para melhorar os resultados de sua empresa.
Os programas de BI oferecem visões interativas de dados com profundidade – desde
números consolidados, como o faturamento anual de uma empresa, permitindo também
o aprofundamento da informação, até um nível micro, por exemplo uma venda efetuada
em uma data específica, para determinado cliente no estado de Minas Gerais. Também
disponibiliza os chamados dashboards e cockpits.
O dashboard, ou painel de controle, é a apresentação visual das informações mais
importantes e necessárias para alcançar um ou mais objetivos de negócio (indicado-
res principais de performance – KPIs), consolidadas, ajustadas em uma tela para fácil
acompanhamento do seu negócio em tempo real.
Em algumas situações o dashboard não oferece as direções exatas ou mesmo
as táticas precisas para que o gestor saiba exatamente o que deve ser alterado ou
aperfeiçoado em seu plano. Fazendo um paralelo com um automóvel, o Dashboard é
apenas o painel de indicação da velocidade. Já o cockpit seria os indicadores dos enge-
nheiros, oferecendo informações para uma pilotagem estratégica e, acima de tudo, cer-
teira e segura.

7. McKinsey & Company, Digital Strategy, 2017.


202 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

O cockpit, além de sintetizar as informações relevantes de forma rápida e objetiva,


possibilita a simulação de cenários nos quais o gestor é capaz de desafiar a inteligên-
cia de suas decisões, deixando-as muito mais precisas, podendo para isso extrapolar
dados da concorrência, mercado consolidado e muitos outros que sejam relevantes para
aquela operação especifica.

Automação cognitiva de processos


Bastante conectada com a definição de indústria 4.0, a automação cognitiva significa uma
consolidação inteligente e automática de dados captados no campo (fábrica) por meio
de sensores (produção, máquina, processos etc.) e algoritmos sofisticados, oferecendo
tomada de decisão e aplicação de ação adequada ao momento do processo ou situação.

industria 4.0

O termo Industria 4.0 refere-se à combinação de grandes inovações em tecnologia digi-


tal, todas alcançando sua maioridade neste momento e ávidas por transformação do
setor energético e manufatureiro.
Essas tecnologias incluem geração de energia renovável e distribuída, robôs e inteli-
gência artificial, sofisticados sensores, computação em nuvem (cloud computing), internet
das coisas (IoT), captura e análise profunda de dados (Analytics/BI), fabricação digi-
tal (incluindo impressora 3D), softwares as a service (SaaS – sistemas oferecidos por
grandes empresas de software e disponíveis na nuvem, de acordo com a necessidade),
novos modelos de marketing, disponibilização de controles em smartphones e outros
equipamentos móveis, plataformas que usam algoritmos para condução de veículos
motorizados (incluindo ferramentas de navegação, aplicativos de mobilidade comparti-
lhada, serviços de entregas e veículos autônomos), e todos esses elementos conectados
em uma cadeia de valor globalizada e dividida por várias companhias em vários países em
âmbito global8.

Smarthomes (residências inteligentes)


Uma smarthome refere-se a um ambiente ou residência onde os equipamentos, ele-
trodomésticos e sistemas em geral suportam controle de qualquer lugar do mundo

8. R. Geissbauer, J. Vedso e S. Schrauf, “Industry 4.0: Today’s Most Dynamic Business Opportunity”,
Forbes, 25 maio 2016.
int roduzindo os c a m in h os d e c on v er gên c ia . . . 203

(remoto) por intermédio de um smartphone ou qualquer outro equipamento conec-


tado à internet.
Uma casa inteligente tem seus componentes (eletrodomésticos) interconectados,
possibilitando a seus usuários funcionalidades de monitoramento e controle, tais como
segurança monitorada, controle de acesso, temperatura, iluminação, cortinas e até o sis-
tema de home theater. Automação residencial e predial são termos relacionados a ela.
O mercado de atuação residencial em 2016 foi avaliado em torno de US$ 36 bilhões,
com um potencial crescente de adoção de equipamentos conectados à internet, podendo
alcançar a marca de US$ 80 bilhões até 2020.

Realidade aumentada (RA)


Realidade aumentada é um ambiente que envolve tanto realidade virtual quanto elemen-
tos do mundo real, criando um ambiente misto em tempo real. Imagine utilizar um micro-
visor instalado em sua retina, com poder de disponibilizar dados em tempo real. Como
exemplo, podemos imaginar a situação de visualização de uma obra de arte, quando,
automaticamente, apareceriam todas as informações relacionadas à obra. Já nos dias
de hoje existem vários sistemas de manipulação da realidade aumentada, disponíveis
gratuitamente.
Há aplicações educacionais, jogos e aplicações de realidade nas mais variadas áreas,
como bioengenharia, física e geologia.

conselho aos conselheiros administrativos

Vários estudos nacionais e internacionais abordam o tema da transformação digital e


apontam a falta de conhecimento dos nossos gestores e principalmente dos conselhos
administrativos, responsáveis pelas estratégias das organizações. Tal fato não consiste
em demérito algum, afinal os maiores lideres que se encontram à frente das grandes
empresas foram treinados para focar suas energias no combate à concorrência, na con-
quista de mercado e na rapidez de ação em relação aos diversos cenários conjunturais,
ou seja, no enfrentamento dos grandes e na indiferença para com as jovens startups.
Se a informação acima é correta, concluo que é de extrema importância os gesto-
res e administradores se cercarem de pessoas que entendam o mundo digital e anali-
sarem as oportunidades que poderão contribuir para seus setores / organizações, além,
é claro, de procurarem meios de se educar digitalmente, seja por leituras, treinamen-
tos, estudos ou auxílio de especialistas no assunto.
204 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

Nós, na posição de conselheiros certificados pelo Instituto Brasileiro de Governança


Corporativa (CCI), diligentes e seguidores das melhores práticas de governança corpo-
rativa, temos a obrigação de acompanhar toda essa transformação, beneficiando-nos
das oportunidades e executando as mudanças necessárias, mas sempre com as lentes
do futuro e não com os receios do passado.

referências bibliográficas

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gavinjensen.com/blog/2018/ai-weak-strong>. Acesso em: 28 jul. 2018.
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Geissbauer, Reinhard; Vedso, Jesper & Schrauf, Stefan. “Industry 4.0: Today’s Most Dynamic
Business Opportunity”. Forbes, 25 maio 2016. Disponível em: <https://www.forbes.com/
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PWC (PricewaterhouseCoopers). Site. Disponível em: <www.pwc.com>.
Wikipedia. Site. Disponível em: <www.wikipedia.com>.
Por Que a Inovação Precisa de
um Propósito?

Regina Magalhães
Tarcila Reis Ursini

resumo: O estabelecimento de um propósito para os negócios é uma condição para a


competitividade das empresas. E, diante de rápidas mudanças tecnológicas, as empresas
precisam também adaptar suas estratégias. Alguns casos empresariais apresentados no
texto, como os da Unilever, Danone, Enel e Schneider Electric, mostram como aproveitar
o novo potencial gerado pelas mudanças tecnológicas aliado a uma visão de mundo que
faça com que a solução dos problemas sociais e ambientais seja parte da estratégia dos
negócios, reduzindo restrições ao crescimento e ampliando oportunidades. Os proble-
mas sociais e ambientais do Brasil são uma grande oportunidade de negócios inovadores.
palavras-chave: inovação, propósito, competitividade, estratégia, sustentabilidade, Brasil

Se pararmos um pouco para refletir sobre as principais mudanças globais da atuali-


dade e seus impactos no futuro das empresas e da humanidade, certamente pensare-
mos em transformações da era tecnológica e digital e em temas tais como inteligência
artificial, internet das coisas, biologia sintética, robótica, nanotecnologia, entre outros.
O relatório The State of the Future, considerado pela ONU o atlas mundial do futuro,
inclui, além desses temas, grandes questões sociais e ambientais, como mudanças
climáticas, crescimento e envelhecimento populacional, gênero, mudança nas rela-
ções e hábitos de consumo, trabalho, ética global, novos arranjos econômicos, para
citar alguns exemplos1.

1. J. C. Glenn e E. Florescu, The State of the Future, 2018.

205
206 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

Essas dimensões estão cada vez mais interconectadas. A Quarta Revolução Industrial
não se limita a economias mais avançadas e a setores específicos – trata-se de um fenô-
meno global que afeta todos os setores econômicos. E tampouco se limita a mudanças
tecnológicas, implicando também transformações institucionais, sociais, ambientais,
comportamentais, de propósito e de consciência, que irão transformar nossas vidas e o
futuro de nossas empresas.
Mas qual a conexão entre a Quarta Revolução Industrial e as grandes questões sociais
e ambientais da atualidade? A perspectiva é que o futuro melhore ou piore? E como
as empresas estão gerenciando essas questões e como se manterão competitivas com
esses novos desafios globais?

breve contexto socioambiental – ampliando


a perspectiva da inovação

Imagine que até 2050 66% da população mundial viverá nas áreas urbanas. Espera-se
que a atual população mundial de 7,6 bilhões cresça mais 2,2 bilhões até 20502, pres-
sionando a produção de alimentos, a gestão ambiental, a habitação, a saúde, a educa-
ção, o lazer, os sistemas de apoio financeiro.

Embora o mundo esteja envelhecendo, os avanços biológicos podem prolongar dra-
maticamente a vida de pessoas saudáveis e mentalmente alertas, para muito além do
que hoje se acredita. Espera-se que até 2050 dois bilhões de pessoas tenham sessenta
anos ou mais, o dobro da atualidade.
Hoje aproximadamente dois terços do mundo têm um telefone celular e mais da
metade possui smartphones. Até 2050 a estimativa é que 97,5% da população esteja
conectada. A tecnologia da informação faz com que a transparência seja uma condição
e não mais uma escolha.
Desde a década de 1970, a extrema pobreza diminuiu, mas a concentração de riqueza
no mundo vem aumentando. Hoje, 1% da população tem metade da riqueza do mundo3.
A porcentagem de mulheres nos parlamentos, nos conselhos de administração e em
outros cargos executivos aumentou de forma lenta, mas constante, no mundo e a pres-
são por diversidade de uma forma geral aumenta nas corporações4.

2. Dados do Centro Regional das Nações Unidas.


3. Crédit Suisse Research Institute, Global Wealth Report 2017, 2017, com dados relativos a outubro de
2015.
4. Embora não seja suficientemente rápida para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da
ONU, que almejam alcançar a igualdade de gênero e capacitar todas as mulheres e meninas até 2030.
por que a inovaç ã o prec isa d e u m pr opósito? 207

Somam-se a isso a degradação ambiental e as mudanças climáticas, apontadas pelo


Global Risks Report, do Fórum Econômico Mundial (WEF) de 2017, como uma das quatro
megatrends de riscos globais para os negócios5.
Não por acaso, o mundo enfrenta novos paradigmas sociais. Consumidores de
forma ativa questionam empresas sobre sua pegada social e ambiental. Não basta
apenas produzir um bom produto, as corporações precisam observar qual é o impacto
dessa produção no meio ambiente e pensar em processos produtivos mais inclusivos,
envolvendo todos os stakeholders. Um novo estudo internacional encomendado pela
Unilever e realizado pela Europanel revela que, atualmente, 33% dos consumidores
preferem marcas que causem impacto positivo na sociedade ou no meio ambiente. O
estudo mostra ainda que essa tendência é hoje mais forte em economias emergentes
do que em mercados desenvolvidos. Enquanto 53% de consumidores do Reino Unido
e 78% nos Estados Unidos afirmam se sentir melhor quando compram produtos fabri-
cados de maneira sustentável, a porcentagem aumenta para 88% na Índia e 85% no
Brasil e na Turquia6.
Foi nessa linha de raciocínio que Larry Fink, CEO e fundador da BlackRock, con-
siderado o maior gestor de ativos do mundo, escreveu sua conhecida carta anual aos
CEOs de 2018: “para prosperar no longo prazo, as empresas devem não só gerar ren-
tabilidade financeira, mas também demonstrar como contribuem de forma positiva para
a sociedade”. E destaca o necessário papel de uma governança mais ativa, compro-
metida e diversa para melhor identificar riscos e oportunidades que fomentem o cres-
cimento a longo prazo. Dito de outra forma: a BlackRock dá um importante passo na
introdução de critérios ambientais, sociais e de governança (ASG) no seu já tradicional
ativismo7 – abordagem que tem sido também crescente entre investidores e mercado
de capital em geral.
Esse contexto irá moldar o mundo de hoje e dos próximos anos, razão pela qual é
necessário renovar e ampliar o foco da inovação em diversas áreas.

5. Incluindo aqui o aumento do número de casos de desastres naturais (terremotos, derretimento das gelei-
ras, tsunami ), crise hídrica, perda da biodiversidade, crise de alimentos e energia (WEF, The Global
Risks Report 2018, 2018).
6. Foram entrevistadas vinte mil pessoas em cinco países – Brasil, Índia, Reino Unido, Estados Unidos e
Turquia (Envolverde, “Impacto Social e Ambiental das Marcas é Fator Decisivo para 30% dos
Consumidores”, 10 jan. 2017).
7. L. Fink, “A Sense of Purpose”, jan. 2018.
208 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

a conexão entre a quarta revolução industrial e as grandes


questões sociais e ambientais da atualidade:
a perspectiva é a de que o futuro melhore ou piore?

As novas tecnologias que surgem no âmbito da Quarta Revolução Industrial são capa-
zes de liberar um imenso potencial de desenvolvimento social e ambiental. Tecnologias
como a inteligência artificial, internet das coisas, blockchain, automação, biotecnologias
e, principalmente, a interação entre essas tecnologias são capazes de reduzir custos de
alimentos, de tratamentos de saúde e de moradia, de ampliar o acesso a educação
de qualidade, gerar novos negócios, enfim, de promover aumento de bem-estar social
e sustentabilidade ambiental, atingindo gigantescos mercados antes não atendidos ou
ineficientes8.
É nessa linha que a Singularity University, com sede no Vale do Silício, e Peter
Diamandis, um de seus fundadores, focam seu campo principal de atuação, acreditando
que as maiores oportunidades de negócio estarão nos maiores problemas da humani-
dade, capacitando as pessoas para criar um futuro abundante por meio da aplicação de
tecnologias exponenciais9.
Por outro lado, as mesmas tecnologias podem agravar antigos problemas sociais e
ainda gerar novos desafios para a humanidade, por exemplo causar um enorme desem-
prego tecnológico e o aumento das desigualdades, a formação de grandes monopólios
globais, o fim da privacidade, a quebra dos laços sociais e o isolamento das pessoas,
a polarização política. São problemas complexos que já estamos vivenciando e são o
resultado da convivência de tecnologias do século XXI com instituições do século XX.
A modernização dos processos políticos, das instituições políticas, das organizações
sociais e da governança das empresas são condições para que as tecnologias propor-
cionem desenvolvimento humano e ambiental.
Ou seja, as novas tecnologias não são capazes de gerar benefícios sociais sem uma
visão de mundo que as oriente na direção do desenvolvimento humano. Tecnologias não
são capazes de promover mudanças positivas na sociedade se não estiverem integradas
a modelos de negócios que visem objetivamente à solução de problemas sociais reais10.

8. R. Magalhães e A. Vendramini, “Os Impactos da Quarta Revolução Industrial”, GV-Executivo, vol. 17,
n. 1, jan.-fev. 2018.
9. S. Kotler e P. Diamandis, Abundância: O Futuro é Melhor do que Você Imagina, 2012.
10. R. Magalhães e T. Ursini, “Inovar com Criação de Valor Compartilhado”, IBGC Análises e Tendências:
Inovação, n. 3, mar. 2018.
por que a inovaç ã o prec isa d e u m pr opósito? 209

Muitas empresas no Brasil estão criando negócios lucrativos desenhados para gerar
benefícios sociais e ambientais. E isso está acontecendo tanto com novas empresas,
startups idealizadas com essa finalidade, que trazem novos modelos de negócio que des-
troem o velho dilema “ou você ganha dinheiro ou você impacta positivamente as pes-
soas e o meio ambiente”, quanto em grandes multinacionais que estão reestruturando
seus propósitos, suas estratégias, seus modelos de negócios.
Empresas do grupo Votorantim estão desenvolvendo produtos e tecnologias com
grande impacto positivo – a Votorantim Cimentos desenvolveu uma tecnologia para cap-
tura de CO2 por algas e a sua utilização na fabricação de biocombustíveis e pallets de
biomassa. A Fibria desenvolve, a partir de matéria-prima renovável, tecnologias para a
produção de biocombustíveis e polímeros sofisticados para usos em diversas indústrias.
A Braskem, uma indústria petroquímica, tornou-se o maior produtor de polímeros oriun-
dos de fontes renováveis, o etanol de cana-de-açúcar.
A Coca-Cola anunciou em janeiro de 2018 o investimento bilionário na reciclagem
de embalagens plásticas. A HP, junto com uma das suas principais fornecedoras, a
Flex, desenvolveu uma das indústrias de reciclagem de eletrônicos mais sofisticadas do
mundo, a Synctronics, com sede no estado de São Paulo.
A Unilever tem um dos maiores portfólios de produtos de bens de consumo produ-
zidos de forma sustentável e que buscam melhorar a nutrição. A Danone desenvolveu
produtos de baixo custo e que contribuem para melhorar a nutrição infantil. Anunciou
ainda no início de 2018 um acordo pioneiro com bancos privados no Brasil, segundo o
qual ajustará o custo financeiro de uma dívida de € 2 bilhões conforme a evolução do
desempenho dos indicadores socioambientais e de governança da companhia e a por-
centagem das vendas globais consolidadas da Danone cobertas por negócios com cer-
tificações B Corp11.
A Native, a Korin e a Mãe Terra são marcas bem-sucedidas que estruturaram seus
negócios a partir de produtos orgânicos e processos de produção regenerativos, ou
seja, que não só conservam, mas melhoram as condições dos recursos naturais, desa-
fiando também a máxima de que não se consegue produzir orgânicos em larga escala.

11. A revisão será realizada ao menos uma vez por ano e considerará o rating da Danone em avaliações
públicas ASG de três instituições externas independentes, já definidas em contrato. “Seguramente é
uma quebra de paradigma que pode repercutir em todo o modelo de avaliação socioambiental do sis-
tema financeiro. Afinal, envolve um conjunto de bancos liderados pelo PNB Paribas e que inclui também
Société Générale, Crédit Agricole, Natixis, HSBC, Citibank, J. P. Morgan, Barclays, ING, NatWest, MUFG
e o Banco Santander” (A. Almeida, “Desempenho Socioambiental Vale Dinheiro”, 22 fev. 2018).
210 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

No caso da Korin, somam-se ainda a inclusão de centenas de pequenos produtores


envolvidos em sua cadeia e modelo de negócio, e o apoio a outras cadeias do agrone-
gócio para inovarem no campo da agricultura natural, por meio do centro de pesquisa
mantidos pela empresa – o Centro de Pesquisa Mokiti Okada. É o mesmo caso da gigante
Nestlé, que, atenta ao crescimento de produtos naturais também no Brasil, prepara-se
para lançar em 2019 uma linha de leites orgânicos no país12, o que tem potencial sig-
nificativo para gerar mudanças no mercado de lácteos brasileiro.
Em 2017 a Duratex conduziu um amplo movimento de transformação da companhia
rumo a um novo patamar de competitividade, quando construiu um novo propósito –
Soluções para Melhor Viver –, revisitou o planejamento estratégico, definiu novas aveni-
das de crescimento, o que culminou até em uma nova aquisição e na compra de ações
de uma startup, reforçando a geração de valor compartilhado a todos os públicos com
os quais a companhia se relaciona, por meio de suas atividades, produtos e serviços,
considerando não apenas o capital financeiro, mas também o capital natural, humano,
social, manufaturado e intelectual.
A Schneider Electric desenvolve suas tecnologias com o objetivo de contribuir para
a solução do dilema energético global – ampliar o uso de energia e ao mesmo tempo
reduzir as emissões de carbono.
A Natura é uma das empresas que melhor desenvolveram a capacidade de apro-
veitar a biodiversidade para a criação de produtos inovadores e valorizar sua marca a
partir dessa identidade única. 
Há também um universo de startups de negócios de impacto que têm a missão explí-
cita de gerar impacto socioambiental ao mesmo tempo que produzem resultado finan-
ceiro positivo de forma sustentável. Essas empresas, embora ainda incipientes, têm se
estruturado e crescido no país13.

a convergência entre digitalização e sustentabilidade –


destaque para a internet das coisas (IoT) e blockchain

A digitalização aumenta a eficiência no uso dos recursos, contribui para desmateriali-


zar parte da economia uma vez que transforma produtos em serviços e prolonga a vida
útil dos ativos físicos.

12. A. A. Rocha, “Nestlé Fomenta Produção de Leite Orgânico no País”, 29 jun. 2017.
13. O mapeamento reúne dados de 579 negócios de impacto no Brasil; ver Gife, “Mapa Traça o Perfil dos
Negócios de Impacto Socioambiental no Brasil”, 19 jun. 2017.
por que a inovaç ã o prec isa d e u m pr opósito? 211

O advento de novas tecnologias digitais tem o potencial de gerar grandes mudan-


ças no uso de recursos naturais pela sociedade. E, neste caso, gostaríamos de desta-
car dois tipos de tecnologia: a internet das coisas (IoT) e a blockchain.
Segundo a McKinsey, a internet das coisas é um dos três mais impactantes avanços
tecnológicos até 2030. Com o uso de sensores que conectam todos os tipos de objetos
e softwares que processam milhões de dados, essa tecnologia pode gerenciar todas as
partes de um negócio, gerando ganhos de eficiência sem precedentes, assim como a
criação de novos modelos de negócios14.
Um estudo sobre as oportunidades da internet das coisas no Brasil apoiado pelo
BNDES e realizado pela McKinsey aponta que a nova tecnologia está transformando os
negócios, de produtos para serviços, e permitindo a criação de novos modelos de negó-
cios. O valor gerado à economia global poderá ser de US$ 4 trilhões a US$ 11 trilhões,
e à economia brasileira, de US$ 50 bilhões a US$ 200 bilhões. O cruzamento de indica-
dores relativos à capacidade de desenvolvimento, impacto econômico, social e ambien-
tal levou à conclusão de que as áreas de saúde, cidades, agricultura e indústria são as
frentes prioritárias de desenvolvimento da IoT no Brasil15.
Uma análise do Fórum Econômico Mundial sobre 640 projetos baseados em IoT mos-
trou que 84% desses projetos podem contribuir para os Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável das Nações Unidas. Os maiores impactos estão concentrados principal-
mente na inovação da indústria e da infraestrutura, na formação de cidades e comu-
nidade inteligentes, na oferta de energia limpa e acessível, na saúde e bem-estar e na
produção e consumo responsável16.
Alguns casos de projetos desenvolvidos com tecnologias baseadas em IoT no Brasil
ilustram esse potencial.
A geração de energia sustentável e acessível é um dos maiores desafios globais e
esse é um dos setores em que a IoT pode provocar grandes mudanças. Sensores com-
binados com software de análise de dados permitem o controle automático do uso de
energia, sistemas inteligentes de medição e controle de qualidade da energia. A IoT
pode também ampliar a eficiência de microrredes descentralizadas de geração e arma-
zenamento de energia.

14. McKinsey Global Institute. Disruptive Technologies: Advances that Will Transform Life, Business, and the
Global Economy, 2013.
15. BNDES, Internet das Coisas: Um Plano de Ação para o Brasil, 2018.
16. WEF, IoT for Sustainable Development Project.
212 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

A escassez de água é outro problema que pode ser minimizado com o uso dessa tec-
nologia. Sensores e softwares já são utilizados para otimizar a distribuição, identificar
e reduzir perdas de água na rede, otimizar a captação de fontes hídricas e automatizar
sistemas de reuso e reciclagem de água.
A produção de máquinas e equipamentos industriais e de consumo conectados per-
mite que esses ativos sejam monitorados remotamente, possibilitando que seja otimi-
zado o uso, que sejam realizadas manutenções preditivas, prolongando a vida útil, o
reuso e a reciclagem. Sensores e softwares industriais também são utilizados para redu-
zir e gerenciar resíduos, ampliar a eficiência de cadeias de logística reversa, ampliando
a eficiência de sistemas de economia circular.
Sensores podem ainda ser utilizados para monitorar emissões atmosféricas e fluen-
tes, para medir a qualidade do ar e dos recursos hídricos, permitindo a otimização de
processos de produção e torná-los menos poluentes.
Na agricultura, sensores permitem a otimização do uso da água em sistemas de irri-
gação, a redução do uso excessivo de produtos químicos no controle de doenças e na
fertilização do solo, a redução do consumo de energia e o aumento da eficiência de toda
a cadeia logística. Mecanismos de controle baseados em IoT permitem ainda o rastrea-
mento completo de insumos, produtos agrícolas e alimentos, levando a maior controle
de qualidade e da conformidade social e ambiental de toda a cadeia produtiva.
Por fim, sensores permitem o monitoramento da biodiversidade, de bacias hidrográ-
ficas e do clima, o controle preventivo de incêndios, enchentes, desabamentos e aci-
dentes que provocam danos ambientais e riscos à segurança, com o uso de sistemas
automatizados de alertas em situações de emergência.
Outra tecnologia com grande impacto em todos os sistemas produtivos e nas formas
de organização dos mercados é a blockchain, um sistema de registros digital que per-
mite a troca de informações, a realização de transações e a execução automatizada de
contratos de forma distribuída, imutável, transparente e auditável. Negócios com tecno-
logia blockchain podem ser estruturados sem intermediários, conectando diretamente
produtores ou prestadores de serviços com usuários, transações diretas entre partes e
contratos que não necessitam de validação de terceira parte.
A blockchain, combinada com a IoT, amplia a eficiência, a transparência e a inte-
gridade dos mercados, reduz significativamente custos de transação e custos operacio-
nais. Segundo o relatório The State of Green Business 2017, essa plataforma pode ser
revolucionária na gestão da sustentabilidade nos negócios17.

17. J. Makeower e Greenbiz.com, The Tenth Annual State of Green Business 2017, 2017.
por que a inovaç ã o prec isa d e u m pr opósito? 213

As vantagens das redes de geração e distribuição de energia são ainda maiores


quando os sensores trocam informações via plataformas em blockchain. Em sistemas
distribuídos existem menores perdas de energia e menos necessidade de investimen-
tos em infraestrutura e armazenamento de energia. Com o uso de blockchain é possí-
vel realizar transações diretamente entre produtores locais e consumidores de energia.
A regularização fundiária nas áreas rurais é um dos problemas mais críticos para o
controle de desmatamento, a redução de conflitos sociais e a formalização de atividades
econômicas. Os governos de Honduras, Suécia e Geórgia criaram sistemas de registros
de propriedades baseados em blockchain. A nova tecnologia de registro de proprieda-
des reduz os riscos de fraudes, corrupção e evasão fiscal, torna o mercado transpa-
rente, reduz custos de transação, aumenta a segurança para os proprietários e amplia
a confiança para a realização de transações.

como incluir propósito na estratégia?

No livro De Dentro para Fora: Como uma Geração de Ativistas Está Injetando Propósito
nos Negócios e Reinventado o Capitalismo, Teixeira cita exemplos de empreendedores
que lutam para conciliar lucro e justiça social, competição e espiritualidade, eficiência e
bem-estar; enfim, que procuram um caminho mais sustentável e um sentido mais pro-
fundo sem abandonar o mercado18.
Esse movimento não tem sido menos expressivo com as empresas, que passaram
a sentir a necessidade de definição de um propósito. Movimentos como Capitalismo
Consciente19 e o Sistema B20, que propõem uma nova definição de sucesso dos negócios,
vêm crescendo expressivamente não apenas entre representantes de uma nova gera-
ção de empreendedores, que conciliam mais facilmente lucro com propósito e impacto
socioambiental positivo, mas também entre as grandes corporações, como Unilever,
Danone, Natura, Fibria, Duratex, Enel e Schneider Electric.
A definição de propósito vai muito além de um slogan ou de um plano de comuni-
cação que apresenta os objetivos sociais ou ambientais de uma empresa. Propósito é
comumente definido como um modo autêntico e único por meio do qual uma marca faz
e fará diferença no mundo – O que o mundo perderia caso sua empresa deixasse de

18. A. Teixeira, De Dentro para Fora: Como uma Geração de Ativistas Está Injetando Propósito nos Negócios
e Reinventado o Capitalismo, 2014.
19. Ver: <https://www.ccbrasil.cc>. Acesso em: 21 jul. 2018.
20. Ver: < https://sistemab.org/br/brasil/>. Acesso em: 21 jul. 2018.
214 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

existir? Uma empresa com propósito não pensa apenas em seus clientes, mas também
em seus colaboradores, fornecedores, comunidade do entorno, meio ambiente e socie-
dade como um todo.
Diante da complexidade do contexto atual, uma reflexão e definição de propósito con-
sistente depende, portanto, de maneira geral, de mudanças significativas na estraté-
gia de negócios da empresa, que podem implicar um novo posicionamento de mercado.
Essas definições envolvem uma análise profunda dos mercados, da atual estrutura
dos negócios, das tecnologias disponíveis, da análise de clientes prioritários, das estra-
tégias de vendas, de marketing, de cadeias de fornecimento, de estratégias de finan-
ciamento, mas todas elas dependem da condição de um processo de mudança cultural
em toda a empresa, sobretudo na liderança.
Para fins didáticos, reunimos na Figura 1 quatro tipos de mudanças estratégicas que
podem ser escolhidas pelas empresas na construção de um propósito. Praticamente
todas as dimensões dos negócios passam por mudanças, mas o tipo define a prioridade
estabelecida pela empresa em seu processo de mudança. E, apesar da separação, são
mudanças interdependentes. Traremos também alguns exemplos emblemáticos que ilus-
tram cada uma das mudanças prioritárias apresentadas.

Figura 1. Tipos de mudanças estratégicas

Novo modelo de
↑ Novo canal de
negócios comercialização

← →
Novas Nova cadeia de
tecnologias fornecimento

Fonte: Elaboração própria.

A estratégia de construção de um novo canal de comercialização:


O caso da Danone
A Danone surgiu em 1919, na Espanha, após a observação dos problemas de infec-
ção intestinal em crianças. As pesquisas do prêmio Nobel Pasteur inspiraram o
por que a inovaç ã o prec isa d e u m pr opósito? 215

desenvolvimento de um produto para melhorar a saúde alimentar, o iogurte. Tanto que


nos primeiros anos o produto era vendido em farmácias.
Em 1972, inspirado nos movimentos de maio de 1968 em Paris, o CEO lançou a
nova visão de gestão da empresa, um compromisso ao mesmo tempo com o sucesso
dos negócios e com o progresso social. Apesar do forte propósito de contribuir para uma
nutrição saudável, devido aos preços e aos canais de comercialização existentes os pro-
dutos da Danone não chegavam às crianças de baixa renda. Em 2007, a Danone firmou
uma parceria com Grameen Bank, a instituição de microcrédito de Bangladesh e liderada
pelo Nobel da Paz Mohammad Yunus, para criar um novo modelo de negócio orientado
para o fornecimento de iogurte nutritivo e a preços baixos para crianças de baixa renda.
O negócio originado dessa parceria foi totalmente pioneiro, a Grameen Danone Foods,
com a missão de reduzir a pobreza e gerar saúde para crianças usando um modelo
de negócios baseado na comunidade. Foi criada uma indústria de pequeno porte, mas
com alta tecnologia, próxima aos consumidores finais, utilizando mão de obra e forne-
cedores locais. Para a distribuição foi criada uma rede de mulheres microempreende-
doras, que foram treinadas e receberam microcrédito, em uma estratégia de vendas
de porta a porta21.

A estratégia de reestruturação da cadeia de fornecimento:


O caso da Unilever
A Unilever surgiu da fusão entre uma produção familiar de manteiga na Holanda, criada
nos anos 1860, com outra empresa familiar criada na Inglaterra em 1890 com o desen-
volvimento de um produto popular de limpeza e higiene.
As duas empresas tinham, desde a origem, uma experiência de inovação e propó-
sito. A família Jurgens foi quem desenvolveu a tecnologia de hidrogenação e patenteou
a margarina, um produto mais barato e popular que a manteiga. Já a família Lever criou
na Inglaterra nos anos 1880 um novo produto com o objetivo de popularizar a limpeza
e a higiene e facilitar o trabalho doméstico das mulheres, que na Inglaterra estavam na
época integradas ao mercado de trabalho.
A fusão entre os dois negócios foi uma estratégia para garantir o abastecimento regu-
lar de matéria-prima. No início do século XX, os dois negócios se juntaram para adqui-
rir a produção conjunta de óleo de palma, o ingrediente básico para sabão e margarina.

21. V. K. Rangan e K. Lee, “Grameen Danone Foods Ltd., a Social Business”, Harvard Business Review,
7 jan. 2016.
216 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

Essa estratégia conjunta foi bem-sucedida e levou à criação da Unilever nos anos
1920. Nessa mesma década a empresa lançou uma campanha de higiene em escolas
primárias, a Clean Hands Campaign, como parte da política de saúde infantil. Ao longo
de todo o século XX a empresa incorporou novos negócios e investiu em inovação e pro-
dutos voltados para a limpeza e a alimentação.
Nos anos 1990, a Unilever foi alvo de uma grande pressão da sociedade civil contra
os impactos ambientais na sua cadeia de fornecimento, em particular os desmatamen-
tos causados pela produção de óleo de palma no sudeste asiático. Essa pressão fez com
que a empresa lançasse um grande programa de gestão da sua cadeia de fornecedo-
res, a promoção da sustentabilidade na agricultura, sendo protagonista de vários acor-
dos globais pela sustentabilidade no setor agrícola.

Estratégia baseada em nova tecnologia: o caso da Schneider Electric


A Schneider Electric foi criada na França em 1836 como uma empresa do ramo da fun-
dição, fornecendo produtos básicos para a indústria naval, ferroviária e de máquinas, a
base da Primeira Revolução Industrial, e posteriormente para a indústria de armamen-
tos. Ao longo da história, a empresa foi adaptando seus negócios às revoluções tecno-
lógicas seguintes, como no início do século XX, com o advento da Segunda Revolução
Industrial e a emergência da energia elétrica como base de toda a indústria. Os riscos na
época eram tão grandes quanto os que percebemos hoje com o advento das novas tec-
nologias. A maioria das empresas não se adaptou à transição da máquina a vapor para
os motores elétricos22. A Schneider consolidou seus negócios ao longo de todo o século
XX, fortalecendo-se como uma empresa de equipamentos elétricos para a indústria.
A empresa criou o departamento de sustentabilidade em 2002, junto com a defi-
nição do programa NEW2004 (New Electric World), uma estratégia de diferenciação e
inovação. Em 2007 a empresa definiu como propósito exercer um papel na solução do
dilema energético global, provendo soluções para eficiência energética e automação
para a indústria.
Mas foi com o lançamento de uma arquitetura integrada de tecnologias de IoT, edge
control e análise de bigdata, chamada Ecostruxure, que a empresa integrou as tecno-
logias de digitalização das operações industriais, de automação e de gestão de ener-
gia. Essa arquitetura tecnológica é a base da indústria 4.0 que está transformando os
processos de produção. Isso está permitindo à Schneider Electric fazer com que todas

22. A. McAfee e E. Brynjolfsson, Machine, Plataform, Crowd: Harnessing Our Digital Future, 2017.
por que a inovaç ã o prec isa d e u m pr opósito? 217

as suas soluções tecnológicas passem a ter um impacto positivo no desempenho social


e ambiental dos seus clientes, integrando os processos de digitalização à solução dos
desafios de sustentabilidade.

Estratégia baseada em novo modelo de negócios: o caso do grupo Enel


A Enel surgiu da fusão de várias pequenas empresas de distribuição de energia no final
do século XIX na Itália. Tornou-se uma empresa controlada pelo governo italiano em
1962, e em 1999 passou a ser uma empresa de capital aberto. Hoje é a maior distri-
buidora de energia da Europa e uma das maiores na América Latina, tornando-se, com
a aquisição da Eletropaulo, também a maior no Brasil.
Nos anos 1980 foi uma das primeiras empresas a investir em energia solar e eólica,
foi a primeira a criar uma smart grid, e, em 2011, foi a primeira no mundo a desenvol-
ver um sistema de medição inteligente (smart metering ). Em 2008 criou a Enel Green
Power, empresa dedicada exclusivamente a energias renováveis. Em 2017, a Enel foi
listada pela Fortune Magazine uma das empresas que estão mudando o mundo, devido
ao seu compromisso de ser neutra em emissões de carbono até 2050.
A geração e distribuição de energia são negócios intensivos em capital e tendem a
formar monopólios naturais, fortemente regulados pelos governos. O modelo permite que
os resultados dos investimentos sejam estáveis e de longo prazo. Esse cenário, entretanto,
segundo seu CEO, faz com que a empresa não tenha um ambiente fértil para inovação23.
Porém o mercado de energia já vem passando por grandes mudanças. Consumidores já
produzem sua própria energia e vendem o excedente para a rede, substituindo o antigo
modelo de geração e distribuição por um modelo distribuído. A combinação de gera-
ção distribuída, digitalização da rede e crescimento de energias renováveis começou a
desafiar o modelo de negócios24.
Para se adaptar ao novo contexto, a empresa criou um processo interno de inova-
ção, promovendo o desenvolvimento de soluções internamente, mas também envolvendo
startups e fornecedores, combinando inovação com os objetivos de sustentabilidade.
Um dos principais resultados desse processo foi a formação de minirredes com energia
renovável em áreas que não tinham acesso a energia. A empresa começou um auda-
cioso processo de digitalização da rede de distribuição de energia elétrica e o desenvol-
vimento de novos serviços para prosumers (a combinação de produtor e consumidor de

23. H. Chesbrough, Innovation @ ENEL: From Monopoly Power to Open Power, 2016.
24. M. Kramer e B. Nadella, “Enel: The Future of Energy”, Harvard Business School, 19 set. 2017
218 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

energia). A Enel começou também a desenvolver todo o ecossistema necessário para


projetar, desenvolver e implantar veículos movidos a eletricidade e integrá-los à rede elé-
trica. Uma parceria entre Enel, Nissan e startups lançou o primeiro sistema que permite
utilizar veículos elétricos para o armazenamento de energia (vehicle-to-grid ).
A integração dessas soluções está formando um novo modelo de negócios que trans-
forma os consumidores de carros elétricos em produtores de serviços de rede, reduz o
custo dos carros elétricos, acelera sua adoção e aumenta a capacidade da Enel de che-
gar a produzir 100% de energia renovável e zerar o balanço de emissões de carbono.

As estratégias que acabamos de descrever exprimem dois pontos críticos que deter-
minaram a capacidade de formação de empresas globais prósperas. O primeiro é a
capacidade da empresa de identificar quais são os problemas sociais, ambientais ou
econômicos que restringem o crescimento dos negócios. Essa identificação não é sim-
ples e depende de uma capacidade de análise que vai além dos resultados financeiros
trimestrais. A análise ampla do contexto do mercado é fundamental para a definição de
estratégias de sucesso.
O segundo ponto é a capacidade de encontrar uma solução para esses problemas
que contribua para o crescimento dos negócios. Projetos sociais e ambientais desco-
nectados da atividade principal das empresas podem não impactar diretamente a com-
petitividade, mas soluções que façam parte das estratégias de negócios podem ser uma
fonte de diferenciação e de crescimento.

os problemas brasileiros são uma oportunidade


para os negócios25

O Brasil está em um momento de grande crise política, econômica, social e ambien-


tal. Esses problemas podem ser vistos como grande restrição ao crescimento dos negó-
cios, mas também podem ser percebidos como oportunidades de desenvolvimento de
novos negócios.
As empresas brasileiras vêm perdendo competitividade há mais de vinte anos.
Segundo o Índice Global de Inovação de 2017, elaborado pela Universidade Cornell,
Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) e Insead, o Brasil está na 69a
posição, entre 130 economias analisadas, algo bem aquém do desejável para quem figura
entre as dez maiores economias do mundo. E, mesmo entre as economias da América

25. R. Magalhães e A. Vendramini, op. cit.


por que a inovaç ã o prec isa d e u m pr opósito? 219

Latina e Caribe, o Brasil aparece em sétimo lugar, atrás do Chile (46a posição), Costa
Rica (53a), México (58a), Panamá (63a), Colômbia (65a) e Uruguai (67a). A Suíça lidera
o ranking pelo sétimo ano consecutivo, e é seguida por Suécia, Países Baixos, Estados
Unidos e Reino Unido.
Existem dois caminhos que são habitualmente apontados como possíveis para recupe-
rar o atraso. O primeiro defende manter a proteção do Estado à indústria local, por meio
de barreiras ao comércio internacional e subsídios governamentais. O segundo também
defende o investimento do Estado, porém no incentivo ao uso e desenvolvimento das
tecnologias mais avançadas em nível global.
Algumas empresas mostram que existe um novo caminho sendo desenhado com
potencial de destravar a competitividade da indústria brasileira. São empresas que estão
aproveitando novas vantagens competitivas e percebem que a economia brasileira ofe-
rece oportunidades que poucos países do mundo têm.
Em primeiro lugar, é o país que possui a maior biodiversidade do planeta, tem a pos-
sibilidade de explorá-la de forma sustentável para produzir alimentos, medicamentos,
novos materiais únicos no mercado mundial. É o que Carlota Perez chama de economia
baseada em recursos naturais26. Não são commodities, são produtos únicos e de alto
valor, baseados em alta tecnologia e produzidos de forma sustentável.
O Brasil é também um dos poucos países do mundo que possuem uma grande capa-
cidade industrial e agrícola localizada próxima a um dos maiores mercados consumi-
dores do mundo. Essa proximidade é uma condição que permite estruturar com baixos
custos uma economia circular.
Além dessas vantagens particulares do mercado brasileiro, a sociedade também
apresenta características que permitem um desenvolvimento tecnológico a partir das
particularidades sociais e culturais locais. Apesar do baixo nível educacional e do res-
trito acesso a conhecimento tecnológico, o Brasil é um dos países com maior grau de
iniciativa empreendedora. As redes populares de inovação, os espaços makers e os fab
labs proporcionam oportunidade para negócios criativos, inovadores e adequados à rea-
lidade da população de baixa renda.
A diversidade da sociedade brasileira é outra característica encontrada em pou-
cos países do mundo. Quase todas as etnias e religiões do planeta estão representa-
das no país, permitindo que as empresas tenham acesso a características sociais que

26. C. Perez, The New Context for Industrializing around Natural Resources: An Opportunity for Latin
America (and Other Resource Rich Countries)?, 2015.
220 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

lhes permitem experimentar localmente a diversidade global que facilitaria um processo


de internacionalização.
Espera-se que o modelo empresarial brasileiro se abra para um movimento que
explore, com responsabilidade, todo o potencial de nossas vantagens comparativas:
biodiversidade, capacidade agrícola, solo, água, sol, democracia, ativa sociedade civil,
entre tantas outras, para que se tornem também vantagens competitivas fazendo uso
das novas tecnologias e soluções disponíveis. De outra parte, é preciso reduzir e elimi-
nar privilégios a grupos de interesse que atuam junto do governo para manter situações
social, econômica e ambientalmente insustentáveis.
Precisamos fazer escolhas que privilegiem áreas e setores em que tenhamos poten-
cial para fazer parte da economia mundial e nos integramos a ela de maneira compe-
titiva. Quais as nossas vantagens comparativas e como transformá-las em vantagens
competitivas? É aí que novos modelos de negócio com impacto positivo no ambiente e
na sociedade passam a ser também um diferencial de inovação e de competitividade.

propósito é uma estratégia de negócios


O uso da palavra “propósito” no mundo dos negócios é novo, mas a ideia é antiga. Ao
longo da história do capitalismo, grandes empreendedores prosperaram ao identificar
oportunidades de negócios nas crises econômicas e sociais. Os casos descritos neste
artigo são claros. A Unilever e a Danone formaram grandes empresas globais desenvol-
vendo produtos para a solução de problemas de saúde e nutrição. A Schneider consoli-
dou-se na Primeira e na Segunda Revolução Industrial, enquanto a maioria das grandes
empresas da época sucumbiram às mudanças provocadas pelas novas tecnologias. A
Enel identifica uma ameaça ao modelo de negócios no setor de energia como oportuni-
dade de construir um novo negócio mais sólido para o futuro. A definição de um propó-
sito gera uma nova perspectiva sobre as oportunidades de negócios – define a relevância
da empresa para a sociedade e, por conseguinte, amplia o seu valor.
A solução dos problemas sociais e ambientais como parte da estratégia dos negócios
soluciona restrições ao crescimento dos negócios e ao mesmo tempo amplia oportuni-
dades. No modelo atual de organização das empresas, a integração entre sustentabi-
lidade e inovação é uma das formas de colocar em prática o propósito dos negócios.
Uma das grandes mudanças que vêm acontecendo no mundo corporativo é a conver-
gência da digitalização com a sustentabilidade 27. Se, por um lado, a digitalização deverá

27. D. Kiron e G. Unruh, “The Convergence of Digitalization and Sustainability. Big Idea: Sustainability Blog”,
MIT Sloan Management Review, 17 jan. 2018.
por que a inovaç ã o prec isa d e u m pr opósito? 221

provocar uma das maiores mudanças na forma como as empresas se organizam, como
produzem e no que produzem, por outro lado a sustentabilidade, considerando aqui um
conceito amplo que envolve todos os objetivos sociais, éticos e ambientais dos negócios,
provocará uma grande mudança de visão sobre o por que se produz.
A definição de propósito não é só uma afirmação dos valores da empresa. O propó-
sito define de forma mais clara os objetivos estratégicos dos negócios, cria uma cone-
xão mais forte entre as empresas, seus colaboradores e seus clientes, comunica mais
efetivamente o valor gerado pelos produtos e serviços de uma empresa, e, por isso,
torna-se uma parte fundamental da estratégia e de sua proposta de criação de valor.

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O Tempo Futuro: Seis, Dezoito, e Trinta*

Leandro Fraga Guimarães, PhD


James Terrence Coulter Wright, PhD
(Profuturo – Programa de Estudos do Futuro – fia - fea/usp)

resumo: O propósito do artigo é pensar como estará o mundo e, mais especificamente,


o Brasil em 2030. Para dimensionar essa tarefa, antes de tudo empreende-se um retorno
a doze anos atrás, quando algumas das inovações que ocorreram de lá para cá seriam ini-
magináveis. Com base na situação atual do Brasil, listam-se seus desafios e as possibili-
dades de superação desses, utilizando os recursos de que o país dispõe.
palavras-chave: inovação, Brasil 2006, Brasil 2018, Brasil 2030

O tempo presente e o tempo passado


Estão ambos talvez presentes no tempo futuro,
E o tempo futuro contido no tempo passado.
Se todo o tempo é eternamente presente
Todo o tempo é irredimível.
T. S. Eliot, “Burnt Norton”

As primeiras estrofes do poema “Burnt Norton”, de T. S. Eliot, instigam-nos a pensar


sobre o quanto estão entrelaçados passado, presente e futuro. É somente a perspectiva

* Embora eu não tenha muitas das suas inúmeras qualidades, o Prof. James Wright e eu tínhamos um
defeito em comum: enorme interesse por um número quase infinito de assuntos, o que tornava nos-
sas conversas particularmente divertidas, embora, muitas vezes, menos objetivas que o programado.
Não houve tempo para que ele lesse a versão final deste ensaio, que aceitou, entusiasmado, escre-
ver comigo; assim, espero que nossa produtiva e afetuosa convivência de quase vinte anos tenha per-
mitido retratar aqui um pouco da vastidão de reflexões e temas instigantes com os quais lidamos em
nosso trabalho conjunto; e que estas páginas não façam injustiça ao extraordinário professor, pesqui-
sador, conselheiro e amigo que ele sempre foi. Leandro Fraga Guimarães

223
224 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

do tempo que nos permite entender os grandes movimentos, as tendências que molda-
rão novas realidades, o que a mera visão do presente não autoriza. E a rapidez com que
algumas dessas novas realidades se impõem pode ser determinante até mesmo para a
existência de alguns negócios.
Não podemos, no entanto, assumir a simplificação de que o novo cancela e substi-
tui o antigo de imediato, para todos os casos; na realidade, isso raramente acontece. As
curvas de adoção de inovação mostram os percalços pelos quais as novidades passam
antes de serem eleitas pela maioria dos seus consumidores, sejam eles empresas ou
pessoas. É daí que vem esse entrelaçamento entre passado, presente e futuro, tão sin-
gularmente registrado pelo poeta anglo-americano. Entender a realidade de forma mais
ampla e profunda é indispensável, portanto, para acompanhar as novidades que de fato
são impactantes para sua atividade profissional ou sua vida pessoal e tirar partido delas.
O ano de 2030 está doze anos à nossa frente. Se tomarmos como verdade a clás-
sica frase “a melhor forma de prever o futuro é criá-lo” – ou, na versão literal de Peter
Drucker, no seu Managing for Result, “tentar fazer o futuro acontecer é arriscado; mas é
uma atividade racional. E é menos arriscado do que continuar a trajetória com a confor-
tável convicção de que nada vai mudar”1 –, o que veremos lá adiante no tempo depende,
então, de entendermos o que aconteceu, como e por quê, e de pensarmos sobre como
agiremos a partir dessa compreensão. Assim, antes de tratar mais sobre quanto e como
Brasil e o mundo podem mudar nesse período, façamos uma rápida viagem a 2006,
doze anos passados. O que mudou?
Nossas comunicações mudaram muito. Já de início, uma alteração essencial: nin-
guém usava um smartphone – o iPhone seria lançado em 2007, e, com ele, os aplicati-
vos; a Apple não estava nem entre as cem maiores empresas americanas por faturamento
doze anos atrás – é a terceira hoje; o Google celebrava a compra do nascente YouTube
(fundado em 2005) e o sucesso mundial do Orkut (gigantesco sucesso no Brasil, que,
por causa disso, chegou a abrigar a sede mundial dessa rede social); não usávamos
WhatsApp (só seria lançado em 2009) nem Instagram (2010), nem as redes sociais
tinham relevância para as comunicações empresariais ou para a publicidade.
A navegação por mapas no Brasil era feita por aparelhos de GPS especializados, que
tinham acabado de ser liberados pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contram) para serem
usados em veículos em movimento, mas os mapas eram ainda precários. O Facebook
tinha doze milhões de usuários ativos em 2006, contra os mais de 2,2 bilhões de hoje. E,
nesse número, não estão somados os chineses, unidos pelo Weibo (similar ao Facebook)

1. P. Drucker, Managing for Results, 1964.


o t em po f u tu r o: seis, d ez oito, e trin ta 225

e, ainda mais, pelo WeChat, um aplicativo local que já tem quase um bilhão de usuários,
essencialmente no próprio país. E o WeChat não é apenas uma rede social: ele pode ser
usado para pedir comida, chamar um táxi, pagar contas ou transferir dinheiro para pes-
soas físicas ou jurídicas, além de várias outras funcionalidades.
A facilidade e o baixo custo da comunicação massificada, auxiliada por aplicativos
que ajudam a organizar informações e contatos, transformaram nossa relação com os
dados e trouxeram novidades para as relações pessoais e profissionais. O uso que se
faz desses dados, em plataformas de Business Intelligence (BI) ou Customer Relationship
Management (CRM), ou nas chamadas redes sociais, ainda é restrito e, em alguns casos,
coloca a empresa em risco antes de trazer benefícios objetivos. A decisão de partici-
par mais ativamente da comunicação com seus clientes, tanto no mercado B2B quanto
no B2C – além de usar positivamente, e de forma autorizada, dados individuais para
melhorar essa relação –, não passa pela escolha de um aplicativo ou sistema, mas pela
compreensão e pelo planejamento do passo que se pretende dar. Mas as bases estão lan-
çadas, e a infraestrutura disponível para que esse processo evolua muito e rapidamente.

É comum que se ouçam preocupações quando se veem pessoas sentadas lado


a lado que não se comunicam entre si porque estão concentradas unicamente nas
telas de seus smartphones. Há quem diga até que os telefones hoje aproximam quem
está longe e distanciam quem está perto, e há excessos, por certo. No entanto, existe
um outro lado a considerar: o que também pode estar acontecendo é que as pes-
soas têm a opção de manter, cada vez de forma mais concreta, e como nunca antes,
atenção concentrada naquilo que mais lhes interessa, naquele momento; se o mais
instigante for a conversa com o vizinho de cadeira, assim será; se não for, vale o
vídeo, a notícia, a música ou a conversa com alguém fisicamente distante, mas tra-
zido para perto pelo efeito da tecnologia, sem se obrigar a manter um contato menos
interessado com quem está fisicamente próximo, apenas por falta de alternativa. Há
uma nova liturgia social em construção, que tende a acomodar esse desejo e fazê-
-lo aceitável por seu entorno.

Nossa economia mudou. O eixo do crescimento do mundo virou para a Ásia, e de


forma muito vigorosa. Em termos nominais, o produto interno bruto (PIB) indiano repre-
sentava 8% do americano em 2006; o chinês, 25%. Em 2018, o indiano equivale a 14%
do americano, e o chinês, 70%. Nesse momento, o PIB da Índia cresce mais rapidamente
que o da China, e é o único país fora da África que deve crescer mais de 7% em 2018.
Atraídos pelo poder gravitacional dessas duas nações gigantescas (que representam,
226 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

sozinhas, mais de 35% da população global), muitos outros países da região da Ásia-
-Pacífico, e da África, estão se integrando a essas duas indutoras do crescimento.
As múltiplas alianças que esses países têm e o desenvolvimento acelerado de tec-
nologia (fruto de uma definitiva diretriz de educação para as populações locais) possibi-
litaram essa transformação tão rápida quanto profunda.
Mas não foi apenas isso. Das seis maiores empresas do mundo em valor de mer-
cado, em 2006, três eram do setor de petróleo, e apenas uma (a Microsoft), do setor de
tecnologia; das seis mais valiosas empresas do mundo hoje, cinco são do setor de tec-
nologia, e a sexta é uma gestora de investimentos (Berkshire Hathaway).
A tecnologia está permitindo que, hoje, a junção do global e do local seja cada vez
mais possível, barata e imediata. O termo “glocal”, neologismo que pretende juntar os
dois conceitos, não é novo – vem dos anos 1980 –, mas nunca foi tão viável. E isso
traz ansiedades novas para os consumidores, que se habituam a ter muito mais pro-
dutos e serviços customizados à sua vontade do que no passado e começam a rejei-
tar aquelas empresas que não o fazem. Do lado das empresas, em compensação,
hoje é muito mais possível variar o nível de serviço oferecido a cada cliente ou grupo
de clientes, em uma adaptação que, no passado recente, seria dispendiosa demais
para ser viável.
O Brasil sofre muito mais os efeitos (deletérios e/ou positivos) dessa revolução
do que propriamente participa ativamente dela, uma vez que as empresas brasileiras do
setor de tecnologia são regionais e quase inteiramente voltadas para o mercado interno,
e não têm impacto global em praticamente nenhum setor ligado à tecnologia, embora
seja o 7o mercado mundial para o segmento.
O setor de ciência e tecnologia mais voltado para tecnologia da informação (TI) e
comunicações não tem representatividade entre as grandes empresas brasileiras; no ano
de 2018 tivemos nosso primeiro “unicórnio” (como são chamadas as startups de tec-
nologia com valor de mercado igual ou superior a US$ 1 bilhão), a 99, empresa e apli-
cativo de transporte individual fundada em 2012 – e já adquirida pelo grupo chinês Didi
Chuxing, o equivalente ao Uber naquele país; mas não há sinais de que muitos mais se
apresentem nos próximos meses, embora o número seja de mais de duas centenas pelo
mundo neste momento, espalhadas basicamente pela América do Norte, Europa e Ásia.
Sim, nossa locomoção mudou. Chamávamos um carro para transporte em 2006
como nas décadas anteriores, usando um sinal de braço ou o telefone, nada parecido
com o que fazemos hoje por meio do Uber (lançado em 2009) ou do já citado 99 (nas-
cido apenas em 2012). A frota de carros híbridos e elétricos nos Estados Unidos tinha
o t em po f u tu r o: seis, d ez oito, e trin ta 227

chegado a um milhão de veículos em 2006, contra quase cinco milhões hoje. Porém,
mais importante, começa a haver mais integração entre modais no transporte urbano,
processo muito facilitado pela tecnologia disponível hoje.
Nossas viagens mudaram. O Airbnb (lançado em 2008) tem mais quartos listados
que Marriott e Hilton, as duas maiores redes hoteleiras do mundo, somadas. Há dúvi-
das ainda sobre o tamanho da coincidência e dos públicos atendidos pelos dois tipos de
serviço – hotéis tradicionais e aluguéis por temporada –, mas é fato que há mudanças
relevantes em curso, e o mercado vai se segmentar mais e melhor. E há novidades até
mesmo para o negócio tradicional do turismo: as duas maiores agências de viagem do
mundo são as empresas virtuais Expedia Inc. e Booking (ex-grupo Priceline). E é uma ati-
vidade que cresceu grandemente: o número de viagens internacionais de avião dobrou
nesses doze anos, globalmente.
Nós envelhecemos rápido. Em 2006, havia no mundo cerca de seiscentos milhões
de pessoas com mais de sessenta anos (9% da população total); hoje, temos perto de
um bilhão (ou cerca de 13% do total). No Brasil havia cerca de sessenta pessoas na
população economicamente ativa (PEA, entre 15 e 64 anos de idade) para cada supe-
ridoso (pessoa com oitenta anos ou mais); em 2018 essa relação é de 38 por 1, uma
diferença de quase 60%. Há estudos que sugerem que as nações com população mais
envelhecida mudam seu padrão de crescimento e empreendedorismo, embora ganhem
com outros atributos, como experiência e estabilidade. É preciso entender melhor esses
impactos e usá-los a favor das empresas.
Nós estamos mais inclusivos. Não obstante esse seja um território em que há ainda
um longo e complexo caminho a percorrer, há fatos que ajudam a ver o quanto esses
doze anos trouxeram de avanços – não lineares, nem definitivos, mas importantes pas-
sos adiante. No board das quinhentas maiores empresas da revista Fortune, em 2006,
havia menos de 10% de mulheres; esse número avançou para perto de 30%. Há diver-
sas políticas em curso para fazer com que esse resultado siga crescendo, nos Estados
Unidos, na Europa e também no Brasil, e uma preocupação cada vez mais ampla em
acolher minorias de toda natureza não apenas nas empresas, mas na sociedade.
Há uma novidade transformadora a se considerar em muitos dos exemplos aqui cita-
dos: serviços amadores estão desafiando serviços profissionais (como no caso dos moto-
ristas de Uber versus os de táxi; ou de Airbnb versus hotéis, apenas para ficar em dois
exemplos). Sempre que o valor desse profissionalismo não se mostra de fato presente
para o consumidor, seja ele pessoa física ou jurídica, uma nova solução, usualmente de
raiz tecnológica, rompe com o modelo conhecido. Isso está provocando e vai provocar
228 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

uma mudança na percepção de valor em uma série de mercados, tanto nas relações
entre empresas quanto entre essas e os consumidores finais.
O que vimos nos últimos nos últimos doze anos, embora tenha modificado aguda-
mente alguns negócios e comportamentos, é apenas o início de um processo muito mais
intenso e profundo que veremos no curto prazo. A infraestrutura digital agora disponível –
que vai da imensa rede de computadores na nuvem até os bilhões de smartphones nas
mãos de usuários, passando pelo desenvolvimento acelerado da inteligência artificial,
entre muitos outros exemplos – servirá de plataforma para um sem-número de oportu-
nidades de profundas alterações nos negócios e na sociedade.

nosso caminho até 2030

Nessa pouco mais de uma década que nos separa de 2030 temos o potencial para sermos
menos desiguais e, com isso, acelerar o desenvolvimento do mundo. Menos desiguais em
todos os sentidos. Nos próximos dez, quinze anos, muitos bilionários do mundo farão doa-
ções de grandes somas de dinheiro, a maior parte delas direcionadas a sanar, de forma
mais eficiente que os governos nacionais vêm demonstrando, algumas das grandes mazelas
que ainda acometem parcelas relevantes da população mundial, como o analfabetismo, a
fome, ou a persistência da ocorrência de doenças evitáveis. Somente o The Giving Pledge, o
clube de doadores organizado por Bill Gates e Warren Buffet, tem, nesse momento, o com-
promisso de 175 signatários, indivíduos ou casais, de 22 países diferentes, na sua maioria
bilionários, e seus compromissos totalizam mais de US$ 365 bilhões. Esse valor representa
mais de 65 vezes o orçamento anual da Organização das Nações Unidas (ONU), ou mais
de cinco vezes o que ela investirá nos próximos doze anos, mantidos os valores de hoje.
Essas doações têm a possibilidade de tornar milhões de indivíduos mais saudáveis
e capacitados, com meios para incrementar as economias locais e nacionais, e trazer o
crescimento para regiões que hoje apresentam níveis muito baixos de desenvolvimento.
Esse processo não será simples, mas países como Etiópia, Bangladesh, Senegal e
Camboja, que antes só frequentavam o noticiário por suas enormes carências, começam a
popular as páginas de economia graças às taxas de crescimento já muito elevadas, e que
poderão ser muito impulsionadas pelas iniciativas de organizações não governamentais
(ONGs) mais focadas e eficientes, além de empresas prestadoras de serviços específi-
cos ou que desenvolvam produtos adaptados às necessidades dessas novas populações.
O Brasil tem um potencial particularmente interessante para se aproximar da África
nesse processo, seja pelos laços culturais que unem as populações, seja pelas proximi-
dades geográfica e econômica.
o t em po f u tu r o: seis, d ez oito, e trin ta 229

Nos próximos doze anos, veremos os países em desenvolvimento da Ásia, particu-


larmente China e Índia, tornarem-se potências mundiais mais proeminentes em compa-
ração com as nações norte-americanas e europeias. A China será a maior economia do
mundo bem antes de 2030 (se considerarmos não em termos nominais, mas no con-
ceito de PPP – Paridade do Poder de Compra, em português –, ela já é a maior eco-
nomia global, cerca de 10% maior que os Estados Unidos), o que ajudará a configurar
aquilo que o World Economic Forum chamou de “mudança tectônica” na geografia eco-
nômica. A Índia saltará dos atuais 14% do PIB americano para cerca de 85% nesses
próximos doze anos. Somadas, China e Índia serão 2,5 vezes a economia dos Estados
Unidos em 2030.
O “China Belt Initiative”, ou “China’s One Belt, One Road” (Obor), um multibilionário
programa de infraestrutura coordenado pelo governo central de Beijing, deve tornar as
companhias chinesas ainda mais competitivas no comércio com os países do Pacífico e
Sudeste Asiático, mas não apenas; passando pelo Cazaquistão, Rússia, países do Leste
Europeu, nórdicos, chegando à Península Ibérica, à Grã-Bretanha e até mesmo à face
do Atlântico das Américas, a promessa é de entregar qualquer produto entre 24 e 72
horas na alfândega do país de destino, quando não no próprio endereço do destinatário.
Integrar-se a esse processo é crucial para qualquer país que queira se manter compe-
titivo. As boas relações internacionais são um fator importante na inserção do Brasil, mas
é preciso ir além disso, e estruturar melhor o papel do país nesse novo mapa econômico.
A combinação de envelhecimento generalizado, queda da fertilidade e urbanização
levará a um mundo sensivelmente diferente em 2030. Temos hoje cerca de 21 mega-
cidades no mundo – entendidas como aquelas em que vivem mais de dez milhões de
pessoas. Surgirá mais de uma nova megacidade por ano nas próximas décadas, majo-
ritariamente na Ásia e na África.
Com uma expectativa de atingir 8,5 bilhões de pessoas nesses próximos doze anos,
a civilização humana será mais velha e muito mais focada na vida da cidade. Esse pro-
cesso de urbanização o Brasil já viveu no século XX, e os nossos quase 90% de popula-
ção urbana tornam a nossa realidade muito parecida com a que terão muitos dos países
em desenvolvimento no futuro – o Brasil é uma exceção sob esse ponto de vista. Assim,
boa parte da experiência que temos e tivemos nessa transformação de país rural para
urbano será valiosa para as nações que ainda passarão por esse processo, especial-
mente no setor de infraestrutura, área em que investimentos de grande relevância preci-
sarão ser feitos nos próximos anos – também aqui, porém ainda mais em outras partes
do mundo emergente. É perfeitamente possível que nas próximas décadas a humani-
dade gere mais construção urbana do que em todo resto de sua história.
230 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

Em compensação, diversos especialistas alertam para o fato de que os países que


estão envelhecendo mais rapidamente – casos do Japão e de boa parte da Europa, além
dos Estados Unidos, em menor escala – enfrentarão uma batalha difícil para manter
seus padrões de vida, ante a maior competitividade e o empreendedorismo mais vigo-
roso em nações mais jovens. O eixo de desenvolvimento, assim, vai se consolidar ainda
mais entre os emergentes de hoje.
Uma classe média crescente e ganhos de poder de compra levarão a demanda glo-
bal por alimentos a subir 35%, a água em 40% e a energia em 50% até 2030, indica
uma pesquisa do governo americano. Como potência agrícola, e detentor de tecnologias
e vantagens estruturais nesse setor, o Brasil deverá manter sua posição de competitivi-
dade, embora países da África subsaariana devam ter importância crescente nessa área.
A China tem situação oposta à do Brasil: com uma imensidão de pequenas proprieda-
des, precisa desenvolver a produção em larga escala, enquanto acomoda nas cidades
nascentes o enorme contingente populacional que deixa o campo em função da meca-
nização e da concentração de produção. Será também um competidor novo, não apenas
porque produzirá mais, mas também porque importará menos commodities agrícolas do
Brasil e de outras nações produtoras. Não serão a grande agricultura ou os pequenos
produtores artesanais que vencerão, mas sim uma combinação dos dois, com comida
de conveniência redesenhada para ser mais saudável e com menor impacto ambiental.
Globalmente comeremos menos carne, especialmente as camadas mais ricas da
população. Ao contrário de nossos avós, trataremos a carne, especialmente a bovina,
como algo especial e não como um alimento básico, como diz Tim Benton, professor de
ecologia populacional da Universidade de Leeds, no Reino Unido, em artigo para o World
Economic Forum em 2016, prevendo mudanças da nossa dieta para 20302.
O cidadão e o consumidor se encontrarão cada vez mais na frente do espelho, e nos
pontos de compra. Reciclagem, reúso e redução no consumo de embalagens e de pro-
dutos serão um movimento cada vez mais importante, mesmo em países emergentes.
Novas matérias-primas serão apresentadas ao mercado em poucos anos, e soluções
logísticas e econômicas que hoje são incipientes serão aperfeiçoadas e muito amplia-
das. Cadeias produtivas que hoje operam sem maior conexão entre seus elos se inte-
grarão para viabilizar soluções mais racionais e econômicas.
Mudanças climáticas, ainda que de forma não tão profunda, tenderão a agravar a
situação em regiões com padrões extremos de clima – como Singapura ou Mumbai.

2. T. Benton, “What We Will Eat in 2030?”, 10 nov. 2016.


o t em po f u tu r o: seis, d ez oito, e trin ta 231

Áreas secas como o norte da África e o sudoeste dos Estados Unidos sentirão efeitos
particularmente agudos da diminuição da precipitação.
A aceleração da produção de energia limpa, especialmente solar e eólica, será o vetor
para permitir o crescimento do uso de energia demandado pelo crescimento econômico.
O petróleo terá importância levemente declinante, à medida que forem se desenvolvendo
e amadurecendo essas tecnologias. Diferentemente do petróleo, o potencial de produção
de energia envolvendo essas fontes é muito mais bem distribuído pelo mundo, embora
com graus de eficiência diferentes.
Ainda mais produtos terão se tornado serviços. A compra, especialmente de bens
duráveis, será uma memória distante em muitas cidades de 2030, cujos habitantes
usarão energia limpa e pegarão emprestado, sob demanda, aquilo de que precisam.
Serviços on-line se multiplicarão, e veículos autônomos, mesmo em países emergentes,
já cuidarão de uma parcela crescente do transporte de bens e pessoas. É possível que
em algumas dessas cidades a proibição do ato de dirigir esteja em discussão. Diversas
empresas da área de varejo mudarão seus negócios para serviços, ou serão substituí-
das por operações de serviço montadas pelos fabricantes.
Em função disso, muitas cadeias produtivas serão bastante transformadas, reduzindo
o número de elos de distribuição, mesmo no caso de bens de consumo.
Novos avanços na área de saúde vão reduzir custos, e o hospital como o conhecemos
terá muitas mudanças, e sua importância reduzida, com muitos tratamentos podendo
ser feitos em casa. A ciência terá eliminado ainda mais doenças, e haverá menos aci-
dentes graças a carros autônomos; grandes avanços na medicina preventiva e persona-
lizada elevarão a qualidade de vida, e a longevidade com saúde pressionará ainda mais
os conceitos de carreira e de aposentadoria com que lidamos hoje. Bisturis e doado-
res de órgãos serão menos necessários, enquanto minúsculos tubos robóticos e órgãos
bioimpressos estarão em alta.
A prática médica será consideravelmente alterada pela facilidade de sistemas basea-
dos em inteligência artificial para fazer diagnósticos considerando exames (não apenas
o último, mas todo o histórico do paciente), sensores fixos ou móveis que portaremos, e
um depoimento sobre os sintomas, que serão confrontados com um gigantesco banco
de dados sobre doenças. Com esse volume de informações, será possível prescrever
tratamentos mais eficientes, mais individualizados, e que tragam menos custos e efei-
tos colaterais. Cirurgias robóticas serão cada vez mais precisas e frequentes, e envol-
verão riscos menores.
As cidades e sítios turísticos mais procurados terão de encontrar alternativas para
acolher os volumes crescentes – e sem precedentes – de novos turistas, particularmente
232 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

asiáticos, que podem facilmente triplicar ou quadruplicar o fluxo atual em poucos anos.
Isso não afetará apenas custos, mas desafios logísticos, e de preservação, serão preo-
cupações cada vez mais presentes.
Os eventuais esforços imperialistas das novas nações emergentes ou das antigas
potências globais serão balanceados por uma disseminação das identidades do mundo
digital; soluções como criptomoedas, mais consolidadas e populares, tornarão mais difícil
o controle das ações individuais: o cidadão de qualquer país será muito mais internacio-
nalizado do que em qualquer outro período da história. Haverá, no entanto, mais confli-
tos potenciais em função disso, tanto internamente nos países quanto entre nações: as
identidades regionais ou locais serão cada vez mais valorizadas.
Haverá crescentes esforços de inclusão, em um sentido amplo, embora distribuí-
dos de forma ainda irregular. O Brasil, como grande melting pot que é, tem um papel
potencial de resolver com mais celeridade as suas dificuldades internas quanto a isso,
e representar um panorama novo para a convivência mais harmoniosa com as diferen-
ças, e alcançar um novo padrão de competitividade global com isso.
Há, finalmente, uma questão mais e mais importante. Os valores que construíram o
Ocidente estão sendo, e serão cada vez mais, testados até o ponto de ruptura. As demo-
cracias liberais, consideradas um modelo de sucesso a ser perseguido por todos os paí-
ses, serão confrontadas com novos modelos igualmente bem-sucedidos, ou igualmente
frágeis, muitos baseados em novas formas de populismo, apoiadas muitas vezes em solu-
ções tecnológicas – algumas delas, nem tão transparentes – que trarão novos paradig-
mas que desafiarão conceitos conhecidos sobre representatividade popular e democracia.
O fato é que os chamados pesos e contrapesos que sustentam nossas democracias oci-
dentais já não serão o único paradigma global, e até mesmo algumas das nações histori-
camente alinhadas com esses conceitos poderão experimentar novas formas de governo.
Tudo somado, as circunstâncias no caminho para 2030 seguirão desafiadoras, é
certo. Muito mais, em alguns aspectos. Mas a única certeza que permanecerá é que a
oportunidade segue sendo extraordinária para aqueles que entenderem T. S. Eliot: o que
haverá de realmente novo, e o quanto do tempo presente e do tempo passado estarão
talvez presentes no tempo futuro?

referências bibliográficas

Benton, Tim. “What We Will Eat in 2030?”, 10 nov. 2016. Disponível em: <https://www.
weforum.org/agenda/2016/11/what-will-we-eat-in-2030>. Acesso em: 30 jul. 2018.
Drucker, Peter. Managing for Results. Nova York, Harper & Row, 1964.
Megatendências Globais e Tecnológicas e
Possíveis Impactos para o Brasil

Anapatrícia Morales Vilha


Alberto Suen

resumo: O capítulo apresenta as principais tendências globais compiladas a partir de estu-


dos realizados por importantes think tanks e examina seus impactos para as empresas
instaladas no Brasil. Assim, foram analisados estudos sobre o tema produzidos por impor-
tantes consultorias e organizações internacionais, como PwC, Roland Berger, Deloitte e
OCDE, e também por organizações brasileiras como CNI, IEL e Neit-Unicamp. A partir das
discussões dessas tendências, os autores apresentam um overview da trajetória e da dinâ-
mica das inovações tecnológicas no Brasil, observando o seu passado, presente e explo-
rando as possibilidades futuras.
palavras-chave: inovação, tecnologia, Brasil, tendências globais

introdução

Um dos apontamentos em práticas organizacionais da contemporaneidade reside na


exploração e implantação de novas tecnologias de forma holística nos negócios, com
foco na convergência de tecnologias disruptivas para gerar mais valor às empresas.
Desse modo, a indústria mundial está em um acelerado processo de mudança tecno-
lógica e de reconfiguração de seus modelos de negócios.
Da mesma forma que a indústria, o setor agropecuário e o de serviços também
estão em processo de forte transformação, uma vez que as sociedades se transfor-
mam, influenciadas por grandes tendências globais.
Nas próximas décadas, à medida que as grandes tendências moldarem a sociedade
global, inovações revolucionárias e duradouras mudarão a vida das populações em

233
234 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

todos os continentes e impulsionarão a riqueza. O poder da inovação ajudará a resolver


os principais desafios que a humanidade enfrenta, fornecendo, por exemplo, água, ali-
mentos e cuidados de saúde para uma população cada dia maior e mais velha, usando
recursos de forma mais eficiente.
J. A. Goldstone, em seu artigo “The New Population Bomb: The Four Megatrends That
Will Change the World”, ressalta a importância de enfrentar os desafios colocados pelas
transformações na demografia e suas consequências por meio de inovações e tecnologia1.
Atualmente, e de forma cada vez mais intensa, o desenvolvimento de economias
industriais modernas depende menos de vantagens comparativas estáticas e mais de
vantagens comparativas construídas pela capacitação tecnológica das firmas e pelos
sistemas de inovação dos setores e dos países2.
Quando examinamos o retrato da complexidade tecnológica e inovativa do Brasil,
vemos o reflexo da trajetória de constituição e movimentação dos atores científicos, tec-
nológicos e inovativos, incluindo as empresas, universidades e o governo. Nesse contexto,
é possível dizer que o país tem um sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação
ainda imaturo, algo diretamente relacionado ao aspecto histórico de seu desenvolvimento3.
O país foi fortemente orientado até os anos 1980 para a aquisição de máquinas,
equipamentos e tecnologia do exterior, com pouca capacidade de geração de conheci-
mento interno. Outros aspectos colaboram para esse cenário, como a pouca coordena-
ção das atividades relacionadas ao desenvolvimento científico, tecnológico e inovativo,
bem como a desarticulação das diferentes instituições, criadas para responder a obje-
tivos da área em suas respectivas épocas, não evoluindo com vistas a adaptar-se às
mudanças no cenário social, econômico e tecnológico4.
Para Suzigan e Albuquerque, somam-se à trajetória do processo de industrializa-
ção brasileira as demandas limitadas e pouco desafiadoras para a infraestrutura de
ensino e pesquisa, já que a tecnologia era, em grande medida, importada5, além de o
setor empresarial operar sob um ambiente pouco competitivo6. Para Velho e colabora-

1. . J. A. Goldstone, “The New Population Bomb: The Four Megatrends That Will Change the World”, Foreign
Affairs, vol. 89, n. 1, jan.-fev. 2010.
2. J. A. De Negri e M. B. Lemos (orgs.), O Núcleo Tecnológico da Indústria Brasileira, 2011.
3. A. M. Vilha e S. Maskio, “Trajetória das Políticas de CT&I no Brasil e o Impacto do Atual Ajuste Fiscal”,
2016.
4. A. M. Vilha, M. P. Fuck e M. B. Bonacelli, “Aspectos das Trajetórias das Políticas Públicas de Ciência,
Tecnologia e Inovação no Brasil”, 2013.
5. W. Suzigan e E. M. Albuquerque, A Interação entre Universidades e Empresas em Perspectiva Histórica
no Brasil, 2008.
6. L. Velho, P. Velho e T. Saenz, “P&D nos Setores Público e Privado no Brasil: Complementares ou
Substitutos?”, Parcerias Estratégicas, n. 19, dez. 2004.
m egat endências gl ob ais e t ecnol ógic a s e possív eis im pa c tos. . . 235

dores, as ações do governo para estimular a interação entre universidades e empre-


sas ao longo de sua trajetória foram incapazes de estabelecer vínculos duradouros. As
empresas não investiram na criação de uma estrutura própria de pesquisa e desenvol-
vimento (P&D) e, por conseguinte, as instituições públicas de ensino e pesquisa passa-
ram a operar como substitutas das atividades de P&D empresarial, e não como parceiras
de pesquisa7.
Não obstante esse cenário, o quadro de incentivos à ciência, tecnologia e inovação
cresceu a partir dos anos 2000. Em que pese o conjunto de instrumentos e estraté-
gias para o desenvolvimento científico e tecnológico adotados nos últimos quinze anos,
houve uma discreta melhoria da participação dos investimentos privados nesse mon-
tante, prevalecendo a participação dos investimentos públicos8. Ademais, é marcante a
diferença entre as estruturas produtivas e tecnológicas da indústria brasileira em suas
diversas dimensões, como escala, investimentos em P&D, cooperação técnica, entre
outros aspectos9.
Em setores industriais intensivos em mão de obra e recursos naturais, como couro
e calçados, madeira e móveis, têxteis e confecções e complexo agroindustrial, as tec-
nologias maduras e a mudança tecnológica se dão por meio da compra de máquinas
e equipamentos. Em setores intensivos em escala, como extrativa, metalurgia básica,
materiais elétricos, complexo automobilístico e bens de capital, as oportunidades tec-
nológicas são maiores do que nos setores intensivos em mão de obra e recursos natu-
rais. Os setores de produtos químicos, complexo da saúde, produção industrial do setor
de tecnologia da informação são mais intensivos em tecnologia10.

tendências globais e impactos na tecnologia

A partir da análise de relatórios e estudos produzidos por organizações internacionais,


como PricewaterhouseCoopers (PwC), Roland Berger, Deloitte e Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), pode-se concluir que algumas ten-
dências globais são consensos nessas pesquisas.
Nas próximas décadas, as megatendências que impactarão de forma contundente
as empresas em todo o mundo são:

7. Ibidem.
8. A. M. Vilha e S. Maskio, op. cit.
9. A. De Negri e M. B. Lemos (orgs.), op. cit.
10. Ibidem.
236 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

• a demografia, que está em franca transformação e aponta em direção ao cresci-


mento e ao envelhecimento das populações, aos fluxos crescentes de migração e à
urbanização acelerada. Esses são fatores que moldarão o curso futuro das socieda-
des e das economias em todo o mundo;
• a escassez de recursos naturais e energéticos, trazida pela urbanização acelerada
e pela inclusão de enormes populações na economia moderna. Nesse cenário, a
escassez de recursos é uma das tendências mais fortes, e o crescimento da popu-
lação mundial deverá levar ao enfrentamento da escassez em três áreas principais:
energia, água, alimentos e commodities mais raras;
• a mudança climática e os crescentes riscos ao ecossistema do planeta são mega-
tendência que se relaciona ao aquecimento global e às estratégias para compen-
sar as emissões de carbono, duas das questões mais corriqueiras que deverão ser
enfrentadas ao longo do século XXI. Esses processos implicam o crescimento da
importância da sustentabilidade em todas as suas vertentes, assim como da respon-
sabilidade global;
• o fomento à tecnologia e à inovação voltadas para a solução dos principais desafios
enfrentados pela humanidade é outra megatendência. Nesse sentido, um dos cam-
pos de inovação mais promissores, qual seja a transformação digital, compreende a
computação em nuvem, a internet das coisas (IoT), a indústria 4.0 / internet indus-
trial e a inteligência artificial (AI). O progresso na área de inteligência artificial resul-
tará em avanços como carros autônomos, robôs e outras aplicações que terão um
impacto de grande alcance.

A combinação dos impactos dessas megatendências na vida das pessoas resultará


em enormes desafios que deverão ser enfrentados. Campos de conhecimento como bio-
logia, química e de produtos farmacêuticos são particularmente promissores, pois deve-
rão propor inovações para o combate dos desafios colocados.
A partir das megatendências elencadas, coloca-se a questão de como prever a evolução
tecnológica e dos negócios. Para tanto, Mann propõe o uso de versão evoluída da Theory
of Inventive Problem Solving (TRIZ) e apresenta uma série de tendências de evolução tec-
nológica e de negócios genericamente previsíveis, descobertas a partir da análise siste-
mática de grande quantidade de patentes, periódicos acadêmicos e textos de negócios11.

11. D. L. Mann, “Better Technology Forecasting Using Systematic Innovation Methods, Technological
Forecasting and Social Change”, Technological Forecasting and Social Change, vol. 70, n. 8, out. 2003.
m egat endências gl ob ais e t ecnol ógic a s e possív eis im pa c tos. . . 237

O artigo de Mann descreve algumas das tendências então recém-descobertas e sua


incorporação em um método de projeto que permite que as empresas estabeleçam a
maturidade relativa de seus sistemas e identifiquem áreas onde existe um “potencial
evolucionário”. Esse é um dos métodos para examinar tendências tecnológicas futuras,
por meio de análise patentária. A seguir faz-se uma discussão sobre o cenário de novas
tecnologias e os reflexos para patentes e inovação no Brasil12.

cenário das novas tecnologias para as empresas instaladas no


brasil: reflexos para patentes e inovação

Um importante movimento que tem ocorrido em países avançados evidencia o acirramento


dos investimentos em P&D, implicando um volume expressivo de inovações tecnológicas
e nova base para a geração de um novo ciclo de desenvolvimento de tecnologias disrupti-
vas para novos produtos, serviços, processos, o reposicionamento dos setores industriais
existentes e a geração de novos setores13. Nesse contexto, desenvolver e/ou internalizar
nas empresas algumas dessas inovações tecnológicas é condição sine qua non para ele-
var a competitividade e se inserir no padrão imposto por essa nova revolução industrial.
Em estudo produzido pela Deloitte a respeito de quais tecnologias trarão impactos
para a indústria mundial nos próximos anos14, chama atenção a presença de tecnolo-
gias avançadas em internet das coisas, nanotecnologia, novos materiais, biotecnologia
e indústria 4.0 no futuro da indústria na próxima década (ver Quadro 1).
Particularmente, a internalização das tecnologias digitais e sua aplicação à indústria de
forma ampla pode ter impacto sobre toda a cadeia de valor dos negócios, desde o desenvol-
vimento do produto, modelo de negócio e padrões de parceria, até a integração comercial15.
A despeito dessa tendência, avanços em tecnologias blockchain, automação e a internet
das coisas (IoT) estão redefinindo o desenho de funções de missão crítica dos negócios.
Outra esfera de mudanças tecnológicas consiste no desenvolvimento de fontes renová-
veis de energia para a chamada economia de baixo carbono decorrente ora da combinação
do atendimento a restrições regulatórias, ora da possibilidade de avistar novos negócios 16.
No âmbito das tecnologias exponenciais, cujos efeitos serão observados em um hori-
zonte mais distante, o estudo da Deloitte destaca a inteligência artificial e as tecnologias

12. Ibidem.
13. F. Sarti, “Sem Indústria Dinâmica e Inovativa Não Há Desenvolvimento”, 2018.
14. Deloitte, Tech Trends 2018: The Symphonic Enterprise, 2017.
15. CNI, Mapa Estratégico da Indústria 2018-2022, 2018.
16. Ibidem.
238 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

cognitivas para ampliação do desempenho do trabalho na empresa, a partir da intera-


ção entre homem e máquina17.
Entre as tecnologias cujo impacto econômico será mais visível em médio prazo para
países em desenvolvimento (incluindo o Brasil), destacam-se as energias renováveis,
computação na nuvem, internet móvel, internet das coisas, exploração avançada de óleo
e gás, próxima geração genômica, veículo autônomo, robótica avançada, automação,
materiais avançados e impressão 3D18 (ver Quadro 1).

Quadro 1 – Tendências tecnológicas: comparativo Brasil e contexto internacional

Brasil Contexto internacional


Energias renováveis, computação Inteligência artificial, internet
na nuvem, internet móvel, internet das coisas, nanotecnologia,
Principais áreas das coisas, exploração avançada novos materiais, biotecnologia,
tecnológicas de óleo e gás, próxima geração indústria 4.0, fontes renováveis
genômica, veículo autônomo, ro- de energia.
bótica avançada, automação, ma-
teriais avançados, impressão 3D.

Fonte: Elaboração própria, com base em J. A. De Negri e M. B. Lemos (orgs.), O Núcleo Tecnológico da
Indústria Brasileira, 2011; F. Sarti, “Sem Indústria Dinâmica e Inovativa Não Há Desenvolvimento”, 2018;
e IEL, Mapa de Clusters Tecnológicos e Tecnologias Relevantes para Competitividade de Sistemas Produ-
tivos, 2017.

Em linha semelhante de análise, estudo denominado “Dossiê de Rotas Tecnológicas”


produzido pela Agência de Inovação da Universidade Federal do ABC (UFABC), que ofe-
receu um diagnóstico qualificado das soluções tecnológicas patenteadas internacional-
mente e no Brasil de 2010 a 2016, mostra que a maioria das soluções com pedidos de
patenteamento internacional está relacionada ao campo da física em cômputo, cálculo
e contagem; além de soluções em comunicação elétrica e elementos elétricos básicos.
Vale também destacar soluções tecnológicas em campos associados às ciências médi-
cas e higiene pessoal, além de química e engenharia mecânica.
No Brasil o estudo aponta um volume expressivo de pedidos de patenteamento asso-
ciado a ciências médicas e higiene pessoal, além de agricultura e pecuária. Os resul-
tados também revelam um volume significativo de patentes na área de operações de
processamento e transporte19.

17. Deloitte, op. cit.


18. F. Sarti, op. cit.
19. InovaUFABC, “Dossiê de Rotas Tecnológicas”, 2016. Para a elaboração deste mapa de rotas foi
m egat endências gl ob ais e t ecnol ógic a s e possív eis im pa c tos. . . 239

É fato que o Brasil apresenta um déficit estrutural nos setores de média e alta
intensidade tecnológica. A geração de superávit comercial no Brasil tem se sustentado
nos setores de baixa intensidade tecnológica produtores de commodities agrícolas e
minerais20. Se observarmos os dados oferecidos pelo Instituto Nacional de Propriedade
Intelectual (Inpi) quanto à intensidade tecnológica dos depósitos de patentes no Brasil
no período de 2000 a 2012 e classificando-os à luz da taxonomia da OCDE21, verifica-
-se que a maior porção das solicitações de proteção de patentes no período em questão
corresponde a soluções de baixa intensidade tecnológica22 (ver Quadro 2).

Quadro 2 – Brasil e o retrato de suas trajetórias tecnológicas: passado, presente e futuro

Período Passado (1930-2000) Presente (2000-2020) Futuro (2020 para a frente)


Produção siderúrgica, petro- Couro e calçados, madeira e Energias renováveis, computa-
lífera, petroquímica, extração móveis, têxteis e confecções ção na nuvem, internet móvel,
de minério de ferro, celulose e complexo agroindustrial, internet das coisas, exploração
trajetórias e papel, máquinas pesadas extrativa, metalurgia básica, avançada de óleo e gás, próxi-
tecnológicas e equipamentos elétricos, materiais elétricos, comple- ma geração genômica, veículo
automotivo, eletrônico, in- xo automobilístico, bens de autônomo, robótica avançada,
(principais formática, telecomunicações. capital, produtos químicos, automação, materiais avança-
áreas) complexo da saúde, limpeza dos, impressão 3D.
e perfumaria, produção indus-
trial de tecnologia da informa-
ção, complexo de energia.

Elevados graus de diversi- Compra de tecnologia in- Dominância de tecnologias


ficação da produção, com corporada em máquinas e 4.0 para a competitividade
características-
insuficiente capacitação equipamentos. dos negócios.
-chave
tecnológica interna. Rendimentos crescentes de
escala.

Fonte: Elaboração própria, com base em A. M. Vilha, M. P. Fuck e M. B. Bonacelli, “Aspectos das Trajetórias
das Políticas Públicas de Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil”, 2013; J. A. De Negri e M. B. Lemos
(orgs.), O Núcleo Tecnológico da Indústria Brasileira, 2011; F. Sarti, “Sem Indústria Dinâmica e Inovativa Não
Há Desenvolvimento”, 2018; e IEL, Mapa de Clusters Tecnológicos e Tecnologias Relevantes para Competi-
tividade de Sistemas Produtivos, 2017.

utilizada a base de dados que contém todas as patentes publicadas internacionalmente e está disponí-
vel em: <http://www.freepatentsonline.com>. Para tanto, foi desenvolvido um programa que seleciona
a classificação internacional de patentes publicadas entre o primeiro semestre de 2013 e o primeiro
semestre de 2016. A partir da base de dados gerada por esse programa, foi possível analisar as áreas
em que mais patentes são publicadas.
20. F. Sarti, op. cit.
21. OCDE, “Technology Intensity Definition”, jul. 2011.
22. Inpi, Estatísticas do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual, 2016.
240 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

Esses dados permitem inferir que a expressiva porção das soluções protegidas no
Brasil – ora para exploração comercial no mercado doméstico, ora para apropriação de
uma lacuna tecnológica, ou mesmo para proteção de conhecimento crítico no país –
está mais associada à geração de tecnologias maduras, revestidas de pouca complexi-
dade e distantes da fronteira tecnológica.
Em países economicamente avançados da OCDE, a proporção da participação de
empresas no volume geral de pedidos de patentes é inversamente proporcional ao dis-
posto no caso brasileiro, que por sua vez acomoda majoritariamente a participação das
universidades e institutos tecnológicos no esforço de patenteamento no país. Em reali-
dade, esse dado indica que o setor produtivo brasileiro – maior vetor responsável pela
conversão e impacto econômico da pesquisa em produtos e processos inovativos para
os mercados, apresenta uma tímida expressão de resultados nessa direção, ao menos
na geração de conhecimento crítico passível de proteção intelectual no país.
O Quadro 2 oferece um retrato das trajetórias tecnológicas percorridas pelo Brasil
ao longo do processo de constituição e desenvolvimento de seu tecido produtivo. Cabe
salientar que nesse retrato não há rupturas entre as delimitações temporais propostas
para análise, mas simplificações delimitativas para interpretações que se impõem no
caso brasileiro.
Sob uma perspectiva temporal, o retrato revela claras competências do país em seto-
res cuja base se concentra na ampliação da capacidade de produção, bem como em
setores industriais que estão fora da fronteira tecnológica.
Por outro lado, o Quadro 2 sinaliza uma janela de oportunidade que pode ser apro-
veitada pelo país daqui para a frente e que consiste na reconversão e desenvolvimento
de tecnologias que se enquadram na chamada indústria 4.0, e que em alguma medida
podem se apropriar da vocação do Brasil para se mobilizar em trajetórias com ênfase
nas estruturas de produção. Os setores industriais de bens de capital, agroindústria e
automotivo apresentam esforços e potencial para exploração de tecnologias 4.0 na com-
petitividade de seus negócios.
A indústria 4.0 surge das estruturas de manufatura empresariais com característi-
cas muito peculiares e combina a utilização de tecnologias exponenciais como impres-
são 3D, sensores tecnológicos, inteligência artificial, robótica e nanotecnologia, a fim
de compor máquinas inteligentes, sistemas de armazenamento de informações, insta-
lações produtivas que sejam capazes de trocar informações de forma autônoma, desen-
cadeando ações e controlando cada uma de maneira independente23.

23. Industrie 4.0 Working Group, Securing the Future of German Manufacturing Industry – Recommendations
for Implementing the Strategic Initiative, 2013. 
m egat endências gl ob ais e t ecnol ógic a s e possív eis im pa c tos. . . 241

limitadores e desafios impostos às empresas instaladas no


brasil para estabelecer atividades inovativas

Vimos nas seções anteriores que o cenário tecnológico e a situação política e econô-
mica do Brasil apresentam enormes desafios em um país cujo desenvolvimento socioe-
conômico ainda é incompleto. O desenvolvimento e uso de tecnologias denominadas
tecnologias disruptivas em setores industriais já está em curso no contexto das empre-
sas posicionadas em outros países, que competem e/ou impactam empresas brasileiras.
As empresas brasileiras ainda apresentam uma limitada expressão de suas ativi-
dades de P&D e inovação. Em certa medida, esse quadro decorre de uma trajetória de
industrialização fortemente baseada na aquisição de máquinas, equipamentos e tecno-
logia do exterior, com insuficiente produção doméstica de conhecimento24.
Somam-se a esse quadro outros sintomas apresentados no caso brasileiro, como o
fato de as universidades serem vistas como substitutas de aparatos de P&D empresarial,
ausentes, e não parceiras de pesquisa. Ademais, empresas brasileiras ainda são pouco
expostas à competição mundial – requerendo níveis mais elevados de diferenciação,
qualidade e competitividade de seus produtos, processos e serviços. Pautadas por uma
cultura estratégica e de ação no curto prazo, as empresas do Brasil ainda padecem em
um contexto de alta carga tributária e burocrática no país, dificuldades de acesso aos
incentivos para desenvolvimento tecnológico e inovativo, além de incertezas jurídicas no
marco regulatório atual para disciplinar e apoiar atividades industriais e tecnológicas.
Nas análises produzidas sobre as tecnologias atuais e de futuro que podem impac-
tar fortemente a indústria brasileira, destacamos o papel das tecnologias sob o contexto
da chamada indústria 4.0, que implicam fortemente o acirramento da produtividade
empresarial, não obstante com impacto para o emprego. Diante dessa perspectiva,
chama atenção o impacto que o próximo ciclo de desenvolvimento de tecnologias dis-
ruptivas nessa direção pode ter para a mão de obra brasileira para as empresas, já que
essas novas tecnologias têm permitido que elas consigam “fazer mais do que antes e
com menos pessoas”.
Diante do exposto, o Brasil enfrenta desafios estruturais, institucionais, políticos e de
aprendizagem para estabelecer o processo de emparelhamento tecnológico com países
mais densos sob o ponto de vista econômico, com vistas a se posicionar mais próximo
da fronteira tecnológica e com mais competências.

24. .W. Suzigan e E. M. Albuquerque, op. cit.


242 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

Nesse sentido, as atividades de P&D precisam ser intensificadas nas empresas bra-
sileiras. Essa dimensão é de fundamental importância para ampliar a base de compe-
tências das empresas para inovar. Para tanto, também é preciso ampliar o quadro de
pessoas capacitadas, requerendo programas de capacitação de pessoas e das empresas.
Essa dimensão está diretamente relacionada ao posicionamento da inovação relevante
como decisão estratégica a ser tomada pelas empresas, quais sejam, em seus planos de
investimentos ou em suas estratégicas de atuação nos mercados para a competitividade.
Sob o ponto de vista do Estado, é preciso adotar uma agenda que atribua ao desen-
volvimento tecnológico e inovativo um papel prioritário. Em países de industrialização
tardia como China e Coreia do Sul as estratégias de desenvolvimento e adoção de ino-
vações são metas de ação legítima de seus governos e se baseiam nos pontos fortes de
seu sistema de inovação para superar suas fragilidades para enfrentar desafios.
Dessa forma, é premente a necessidade de estabelecer uma agenda de políticas
públicas positiva de longo prazo para as novas tecnologias. Formular, ainda, uma polí-
tica tecnológica mais próxima da política econômica do país e menos dependente de
instrumentos e modelos de ação acadêmicos também é importante como contorno meto-
dológico de ação. Fortalecer o sistema de inovação brasileiro, enfatizando a articula-
ção, a parceria e, sobretudo, a confiança entre os atores públicos e privados, visando à
troca e à complementação de recursos e competências, bem como intensificar o quadro
de incentivos às atividades de desenvolvimento de novas tecnologias são outras bases
importantes para o governo avançar.
Ainda sob o ponto de vista do governo, é preciso repensar o seu papel – não dimi-
nuindo sua ação, mas transformando-a, visando à obtenção de maior competência para
estruturar o desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação no país (nesse sentido,
atuando como planejador, indutor, coordenador de políticas de incentivo à inovação).
Não obstante os desafios apresentados, é preciso salientar que a premência de um
novo ciclo de geração de tecnologias disruptivas também abre janelas de oportunidade
para o país, sob o ponto de vista da sua amplitude. Isso significa que uma ação articu-
lada de investimentos, estratégias e engajamento dos setores público e privado pode
abrir espaços para o posicionamento do Brasil na geografia econômica mundial, de
forma que consiga acompanhar o dinamismo das atuais transformações tecnológicas.

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3.2
O Futuro e a Reconfiguração
dos Negócios: Impactos para
a Governança
Conselho de Administração:
O Guardião do Longo Prazo

Luciana Del Caro

resumo: O ambiente de negócios está sendo afetado pela velocidade crescente das
mudanças tecnológicas e comportamentais. O cenário de inovações permanentes reforça
o papel do conselho de administração como guardião da visão de longo prazo das orga-
nizações. Para exercer suas funções, o conselho precisa estar atento ao estudo das novas
tendências e à análise de seus impactos sobre as organizações. A diversidade na com-
posição do conselho torna-o mais apto a lidar de forma produtiva com o tema inovação.
palavras-chave: governança corporativa, inovação, conselho de administração, mudan-
ças tecnológicas, diversidade, competitividade

Os conselhos de administração tendem a se dedicar muito ao passado: empenham


tempo considerável na análise das demonstrações financeiras e empreendem inúme-
ros esforços nas discussões sobre o desempenho dos negócios. Nesta época em que
as inovações prometem ser avassaladoras, no entanto, a prioridade dada ao que já
passou, também conhecida como o “olhar pelo retrovisor”, possivelmente já não será
suficiente para permitir que o órgão exerça o seu papel de definir o rumo estratégico
das organizações.
O crescente peso da inovação e da tecnologia no ambiente de negócios deve pro-
vocar mudanças não só na forma como consumimos e produzimos bens e serviços e
nos relacionamos com as empresas, mas também na governança corporativa. Essa foi
uma das convergências a que chegaram especialistas em governança, reunidos para
discutir os impactos da inovação na governança durante um workshop realizado pelo
Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Tomando por base o conteúdo dos

247
248 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

textos que tratam das tecnologias emergentes – os mesmos artigos que o leitor encontra
na Parte 3.1 deste livro –, conselheiros de administração e estudiosos da governança
foram instigados a discutir o assunto e a responder à seguinte pergunta: “De que forma
as tendências analisadas poderão impactar as estruturas e práticas de governança cor-
porativa nas empresas brasileiras?”1 Este texto trata das discussões e pontos levanta-
dos na tentativa de responder a essa pergunta.
Uma das convergências a que se chegou foi que o “olhar pelo retrovisor” deve se
mostrar insuficiente para dar conta das demandas do novo tempo, e que ganha peso
o papel do conselho de administração como guardião da visão de longo prazo da com-
panhia. Embora a atribuição de dar o direcionamento das organizações seja uma tarefa
tradicional do conselho, é possível levá-la a cabo com menos esforços e dedicação em
um ambiente de poucas e lentas modificações. Mas a situação é outra em um cená-
rio em que o ritmo das inovações e mudanças comportamentais é crescente. Esse novo
ambiente enseja mais atenção com as questões estratégicas e o exercício da capaci-
dade de adaptação e da flexibilidade. Nesse cenário de transformações velozes, o olhar
para o passado ainda é relevante, mas a visão de futuro se torna crucial.
E esse futuro que já se avista inclui um poder crescente das informações e das redes,
da tecnologia, da ética, da transparência e das preocupações socioambientais. Os conse-
lhos de administração não devem passar incólumes por todas as mudanças tecnológicas
e comportamentais em curso: a inovação gera vários impactos nos negócios e também
deve modificar a governança corporativa. O papel do conselho tende a ser ampliado e
seu olhar deverá ser mais prospectivo, sob o risco de o órgão se tornar defasado e inca-
paz de lidar com as complexas demandas de um novo tempo.
Embora ainda seja cedo para precisar quais serão os impactos das transformações
tecnológicas sobre as organizações, e também como e quando eles ocorrerão, pode-
-se dizer que as empresas sofrerão os seus efeitos e precisarão fazer investimentos nas
direções corretas, e tudo isso em meio a um ambiente de poucas certezas. O descaso
com o tema inovação ou os erros de avaliação podem custar muito caro e gerar proble-
mas de diferentes gradações: desde a perda de mercado e a restrição das opções da
empresa até a incapacidade de ela se manter operando.

1. O workshop ocorreu na manhã do dia 15 de junho de 2018, na sede do IBGC em São Paulo. O evento foi
conduzido por Joaquim Rubens Fontes Filho e contou com a presença dos seguintes participantes:
Fernando Goes, Lélio Lauretti, Luiz De Luca, Marcos Grasso, Mercedes Stinco, Paulo Vasconcellos,
Renato Chaves, Ricardo Egydio Setubal, Ricardo Reisen, Sérgio Sayeg e Thomas Brull.
c on sel h o d e a d m in istr a ç ã o. . . 249

No entanto, os conselhos da maioria das organizações ainda estão pouco atentos às


modificações tecnológicas e a seus possíveis efeitos. O tema parece ainda não ter mobi-
lizado as empresas brasileiras. Por aqui, as questões relacionadas à instabilidade eco-
nômica e política acabam ofuscando os esforços em prol da inovação. Como esta não é
tida como urgente, acaba relegada a segundo plano, com sérias consequências para o
país e para as empresas, sendo a principal a perda da competitividade. Quando a ino-
vação ocorre em outra nação (ou organização), provoca a transferência da renda para o
lugar ou entidade mais inovadora, concentrando-a. Na ausência de uma política pública
consistente e perene para fomentar a inovação, e sem a consciência do corpo empre-
sarial de que o investimento em tecnologia e inovação também deve ser uma prioridade,
a capacidade de gerar riqueza fica restringida.
Para manter a competitividade e a legitimidade das operações da empresa perante
a sociedade, é fundamental que o conselho seja instado a olhar para a frente com mais
frequência, a olhar para os lados e até para possibilidades que ainda não se materiali-
zaram, para o que não existe, sob o risco de comprometer a sobrevivência da empresa.
Deve ser ressaltada a importância do conselho como um guardião da visão de longo
prazo da organização. Enquanto os gestores estão mais ligados ao dia a dia e visam a
atingir metas de curto prazo, o órgão colegiado tem o papel de pensar sobre questões e
tendências que podem impactar a atuação e os resultados em um horizonte mais amplo,
e de tomar decisões sobre o rumo dos negócios e dos investimentos.
O conselho deve ser a porta de entrada do tema inovação nas organizações – ino-
vação entendida aqui não apenas como avanços tecnológicos, mas como novos mode-
los de negócio, novas visões de processos e formas de relacionamento com as partes
interessadas (stakeholders). Quando o conselho mantém uma postura aberta e ativa,
fomentando discussões sobre o tema (e também destinando recursos para tal), essa
visão tende a permear toda a organização, abrindo espaço para o surgimento da inova-
ção. Os conselheiros devem atuar como agentes de transformação, liderando as pes-
soas em direção às metas.
Um primeiro passo para o conselho nessa jornada pode ser o de entrar em contato
com tendências sociais, tecnológicas, comportamentais, e refletir com cautela sobre o
impacto que elas podem ter sobre os negócios. Nem sempre o surgimento de uma tec-
nologia substitui de imediato as já existentes, e nem sempre a inovação vem para ficar.
As tecnologias emergentes – blockchain, internet das coisas, inteligência artificial,
aprendizado da máquina, big data etc. – devem ter implementação e disseminação em
ritmos diferentes, e podem até mesmo ter suas utilizações aquém do propalado. Nesse
sentido, cabe também levar em conta a necessidade de distinguir as inovações que serão
250 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

disruptivas e criarão novos mercados e demandas, podendo levar as organizações tra-


dicionais à completa obsolescência em pouco tempo, daquelas que podem ser incorpo-
radas e utilizadas pelas empresas já estabelecidas.
Cabe ao conselho estudar as matérias e avaliar o impacto que elas podem ter sobre
suas organizações, já que empresas de diferentes setores devem sofrer os efeitos de
forma e intensidade distintas. O assunto precisa ser avaliado de forma profunda, evi-
tando a conclusão precipitada de que é necessário aderir a todas as novas tendências
para não ser varrido do mapa pelo tsunami da inovação. O conselho deve coordenar
esforços para mapear os pontos fortes e fracos da organização em face das mudanças
e tendências em curso, além de preparar o capital humano para que ela possa se adap-
tar a essa época de transformações.
E as transformações velozes e complexas não têm se limitado ao campo tecnoló-
gico: abarcam ainda questões relacionadas a comportamentos e estruturas de poder,
gerando efeitos significativos sobre as organizações e também demandando a atenção
dos conselheiros. As partes interessadas – notadamente os consumidores, investido-
res, empregados e a sociedade – têm influência crescente nas empresas, muitas vezes
pressionando-as a adotar iniciativas de responsabilidade corporativa.
A sociedade atual demanda mais transparência. O ambiente de negócios, entre
outros, tem sofrido crescentes pressões para que a conduta ética prevaleça. Até mesmo
as empresas que trazem tecnologias disruptivas para o mercado precisam da legiti-
mação da sociedade para continuar atuando. As reflexões sobre as implicações éti-
cas trazidas pela adoção de novas tecnologias devem ser constantemente debatidas
pelos conselheiros.
Os consumidores estão mais atentos a questões socioambientais e à responsabili-
dade corporativa. Eles são movidos não apenas por aspectos como preço e qualidade
das mercadorias e serviços, mas também pela pegada ambiental e social deixada pelas
empresas. Esse fenômeno tem sido mais intenso nos países desenvolvidos e nos seto-
res que produzem bens finais e prestam serviços, mas também ocorre no Brasil. Os con-
sumidores estão sendo colocados no centro da experiência de consumo – decidem não
apenas sobre produtos e serviços, mas também sobre quais canais de relacionamento
com as organizações desejam usar.
Os funcionários das organizações, por sua vez, buscam propósito e significado em
suas atividades. A cultura e o ambiente de trabalho estão em profunda transformação:
as relações entre funcionários e patrões estão hoje menos estáveis e o próprio conceito
de emprego está mudando. O vínculo empregatício caminha para ser menos comum,
enquanto a terceirização e os contratos de trabalhos temporários vão no sentido inverso.
c on sel h o d e a d m in istr a ç ã o. . . 251

Nesse contexto, a atração e retenção de talentos, por meio do engajamento dos colabo-
radores, torna-se um desafio crescente.
As esferas decisórias estão se modificando: se antes a centralização da tomada de
decisões e de informações era a regra, com uma estrutura piramidal composta de líde-
res no topo e governados na base, agora se caminha para uma configuração em rede,
na qual há mais pontos de contato entre os diversos agentes e as decisões são descen-
tralizadas. As estruturas hierárquicas são mais horizontais do que as do passado. As
informações fluem com muita rapidez, tornando evidentes as falhas na governança e a
falta de transparência e de responsabilidade socioambiental.
Os princípios básicos de governança corporativa – transparência, equidade, presta-
ção de contas e responsabilidade corporativa – permanecem os mesmos, mas tornam-
-se ainda mais demandados em função das mudanças tecnológicas, que aumentam a
quantidade de informações disponíveis para a sociedade e a velocidade de dissemina-
ção dessas informações. A opinião pública, dotada de mais poder graças ao advento e
à popularização das mídias sociais, ganha peso central.
Considerando esse caldo todo, que mistura novas tecnologias e comportamentos, cabe
perguntar se os conselhos de administração brasileiros estão preparados para conduzir
suas organizações em direção a esse futuro incerto e líquido. Infelizmente, a resposta
é negativa: a maioria desses órgãos ainda carece de preparo para lidar com a inovação
de forma salutar, e não apenas devido ao “olhar pelo retrovisor”.
Além de dedicarem pouco tempo à discussão de temas relacionados à estratégia e
ao planejamento de longo prazo, os conselhos brasileiros deixam a desejar em diversi-
dade – tema relacionado à inovação. O pensamento de grupo, monolítico, tende ao con-
servadorismo e joga contra a adesão às mudanças.
No quesito diversidade de formação, os conselheiros são, em sua maioria, enge-
nheiros, administradores e economistas2. A participação de profissionais com outras
formações tende a ser salutar, uma vez que incorpora diversos pontos de vista. Uma con-
sequência natural dessa afirmação seria o pensamento de que a presença de um conse-
lheiro especialista em tecnologia seria suficiente para liderar a organização em direção
às metas de longo prazo e à inovação – ideia que se mostra enganosa. Muito embora o
conselho possa contar com um integrante especializado em tecnologia, a inovação vai

2. A pesquisa Perfil dos Conselhos de Administração, realizada pelo IBGC em 2016, levantou o perfil dos
conselheiros de 339 empresas (2.244 assentos) com ações listadas na bolsa. Destes, 27,6% eram
engenheiros, 21,4% administradores de empresas, 15,6% economistas e 13,3%, advogados.
252 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

além desta e sua relevância precisa ser compreendida por todos os membros do con-
selho e permear toda a organização.
Já no que se refere a gênero, raça e faixa etária, os conselheiros são, em sua maioria,
homens brancos de meia-idade, muitos dos quais já estiveram em posições de comando
importantes e ocuparam cargos de diretor-presidente (CEO). Como os conselheiros são
selecionados com base na experiência, mais uma vez o olhar para o passado prevalece:
os jovens, que geralmente trazem as inovações, as mulheres, negros e outras minorias,
que podem trazer visões diferentes e mais inclusivas, carecem da experiência conside-
rada ideal e ficam de fora.
A falta de diversidade dos conselhos de administração também se reflete na nacio-
nalidade dos seus membros: há poucos estrangeiros nos boards das empresas brasilei-
ras. A bagagem cultural e a experiência em diferentes países, trazidas por conselheiros
de outras nacionalidades, poderia agregar às organizações brasileiras, difundindo exem-
plos e práticas do exterior e ajudando-as na inserção global. Afastar-se de práticas e
tecnologias inovadoras pode implicar o isolamento econômico. Em um ambiente de livre
competição, as organizações fechadas à inovação tendem a ser prejudicadas e acabam
perdendo participação no mercado.
A promoção da maior diversidade dos conselhos, portanto, seria salutar para que as
organizações brasileiras lidassem melhor com a inovação, equilibrando a tradição e o
avanço, e para evitar que os conselhos tendam ao conservadorismo. Vale ressaltar, no
entanto, que a introdução de novos perfis de conselheiros deve ser feita com cuidado
e sob a liderança de pessoas que garantam espaço para as vozes recém-chegadas, de
forma que estas não sejam abafadas pelo status quo.
Cabe comentar que as exigências feitas aos conselheiros devem aumentar diante
da crescente complexidade do cenário: eles devem ser cada vez mais cobrados em
termos de dedicação e tempo e, também, na aquisição de competências não neces-
sariamente ligadas aos seus campos de atuação, mas comportamentais, como a dis-
posição para aprender, a capacidade de trabalhar em equipe e de lidar com opiniões
diferentes. A exposição dos conselheiros a ambientes diversos é positiva, visto que
amplia a percepção da sociedade e proporciona maior abertura para aceitar posturas
e soluções inovadoras.
Existem divergências com relação ao que se espera da atuação dos conselheiros nas
organizações. Alguns consideram que eles devem não apenas se atualizar, mas também
se tornar mais participativos e engajados, trabalhando com mais proximidade da direto-
ria. De acordo com essa visão, os conselheiros deveriam estar mais próximos para obter
informações de melhor qualidade – que poderiam ser úteis para analisar mudanças,
c on sel h o d e a d m in istr a ç ã o. . . 253

tecnológicas e de comportamento, com impacto sobre as operações da empresa3. Mas,


para outros, existe um risco grande nessa proximidade entre diretoria e conselho, e esse
risco seria justamente o de interferir na gestão, colocando em xeque a postura “hands
off ” e abandonando a atribuição de supervisionar a diretoria e deixando de lado a visão
estratégica e de longo prazo.
Na tarefa de liderar a organização nas questões relacionadas à inovação, cabe ao
conselho não apenas dar a direção estratégica: é igualmente importante estabelecer for-
mas de relacionamento com novas tecnologias. Trata-se de mostrar de que maneira a
empresa irá caminhar rumo à inovação (ou pelo menos não se deixar atropelar por ela).
Entre as possibilidades, estão o financiamento a startups, a implantação de centros de
pesquisa dentro de casa, a participação em eventos, a aquisição de empresas inova-
doras do próprio setor.
A inovação trazida pelas startups é possibilitada em grande medida pela ausên-
cia de legado – ao contrário das grandes organizações, elas contam com maior liber-
dade de atuação e têm maior probabilidade de romper com barreiras tecnológicas e
culturais porque ainda não construíram marcas e estruturas robustas ou compromis-
sos com o passado.
Se tudo aponta na direção de um ambiente mais dinâmico e oxigenado, as próprias
reuniões do conselho e o relacionamento com os acionistas devem mudar, incorporando
mais informações e transparência. Os recursos tecnológicos podem facilitar a intera-
ção entre empresas e seus investidores. O big data e os sistemas analíticos, por exem-
plo, poderão trazer informações mais apuradas para embasar a tomada de decisões.
A qualidade e a frequência das informações podem melhorar. É interessante que esse
ganho possibilitado pela tecnologia não ocorra em detrimento da extinção das reuniões
presenciais do conselho, que permitem a interação pessoal, essencial para que o órgão
funcione em colegiado, conforme se espera.
Para que esse novo cenário seja instalado, no entanto, será necessário antes supe-
rar a enorme barreira cultural no uso de ferramentas digitais por parte dos conselheiros:
muitos fazem questão de receber material impresso para as reuniões, poucas empresas
adotam portais de governança e criam espaços digitais de conversa entre os membros

3. Conselheiros de administração da Netflix, por exemplo, participam, como ouvintes, de reuniões mensais
e trimestrais da diretoria, com o objetivo de conhecer melhor a companhia e se informar sobre a sua
condução por parte dos executivos. No artigo “Netflix Approach to Governance: Genuine Transparency
with the Board”, David F. Larcker e Brian Tayan, da Universidade de Stanford, discorreram sobre essas
práticas.
254 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

do conselho. Uma forma básica de o conselho mostrar o seu comprometimento com a


inovação seria implementar essas práticas.
Outra frente de mudanças poderá vir do relacionamento entre os diretores-presiden-
tes e o conselho de administração. Hoje em dia, os primeiros ainda estão no centro das
organizações e se espera que eles sejam super-humanos capazes de liderar e impulsio-
nar os resultados. Com o aumento da capacidade de processamento de dados trazido
pelo big data e o uso da inteligência artificial, é possível que nem mesmo esses super-
-humanos deem conta da quantidade de informações, e que o conselho tenha de inte-
ragir com mais frequência com outros interlocutores dentro da organização. Portanto,
as estruturas terão de se adaptar a essa nova realidade, que sugere menos hierarquia
e poder mais descentralizado.
Como se pode perceber, todas as mudanças trazidas pelas inovações, sejam de
cunho tecnológico ou comportamental, devem ter impactos relevantes no campo da
governança corporativa. O desafio que se coloca para os conselheiros de administra-
ção é o de compreender as transformações e os impactos sobre a organização, estabe-
lecer as estratégias e os objetivos de longo prazo e liderar suas empresas nessa época
incerta e veloz, sem deixar de olhar para os dois lados da moeda: tradição e inovação.
A expressão “apressa-te lentamente” (festina lente, em latim) parece se aplicar bem à
situação, ao explicitar a necessidade de agir sem demora, mas de forma ponderada.

referências bibliográficas

IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa). Perfil dos Conselhos de Administração. São
Paulo, IBGC, 2016. Disponível em: <http://conhecimento.ibgc.org.br/Paginas/Publicacao.
aspx?PubId=23491>. Acesso em: 22 jul. 2018.
Larcker, David F. & Tayan, Brian. “Netflix Approach to Governance: Genuine Transparency
with the Board”. Stanford Closer Look Series, Corporate Governance Research Initiative,
maio 2018. Disponível em: <https://www.gsb.stanford.edu/sites/gsb/files/publication-pdf/
cgri-closer-look-71-netflix-approach-governance-boards.pdf >. Acesso em: 22 jul. 2018.
Sobre os Organizadores

CARLOS EDUARDO LESSA BRANDÃO


É consultor, professor de educação executiva e conselheiro de empresas e de entida-
des ligadas ao mercado de capitais e sustentabilidade no Brasil e no exterior. Atuou
como executivo em finanças, desenvolvimento de negócios e M&A. Engenheiro civil,
mestre em planejamento energético e doutor em história e filosofia da ciência, com
MBA executivo em finanças.

JOAQUIM RUBENS FONTES FILHO


Doutor em administração (FGV/Ebape), com graduação e mestrado em engenharia de
produção (UFRJ) e administração pública (FGV), possui MBA em controladoria (Fipecafi/
USP). É professor e coordenador do mestrado executivo em gestão empresarial da
FGV/Ebape, atuando também como consultor nas áreas de governança e estratégia.
Conselheiro da FGV Previ, ocupou posições no conselho de várias empresas e organi-
zações, como Invepar, Linha Amarela, Belgo-Mineira e Caemi, e cargos gerenciais e
técnicos na Previ e no Banco do Brasil.

SÉRGIO NUNES MURITIBA


Sócio do Instituto Gepra de Inovação para Proprietários. Pós-doc pela Columbia University
(EUA). Doutor e mestre em administração pela Universidade de São Paulo (USP). Vem
atuando em governança corporativa e estratégia em instituições de diversos setores. É
editor-chefe da Revista de Governança Corporativa (rgc.org.br) e autor de livros, capí-
tulos, artigos nacionais e internacionais sobre governança corporativa e estratégia.

255
Sobre os Autores

ADRIANA ADLER
Sócia da Ekilibra Governança Integrada, consultora especializada em empresas familia-
res, mediadora e coach, com graduação em marketing (ESPM), pós-graduação em admi-
nistração (EAESP/FGV) e Dinâmica de Grupo (SBDG). Mediadora em diversas Câmaras,
com formação pelo Instituto Familiae (Mediativa), Berkeley University, ADR Group e
Trigon. Certificada como Family Advisor (FFI – Family Firm Institute). Coordenadora da
Comissão de Pessoas do IBGC.

ALBERTO SANYUAN SUEN


Graduado em direito e em engenharia de produção pela USP, com cursos de pós-
-graduação em direito comercial pela USP e em administração financeira e merca-
dológica pela FGV-SP. É mestre em administração pela FEA-USP e mestre em direito
pela Faculdade de Direito da USP, com cursos nos programas de MBA da Vanderbilt
University (EUA) e Tsinghua University (China). É doutor em administração (Finanças)
pela FEA-USP. É professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da UFABC.

ANA SIQUEIRA, CFA


Especialista em investimentos e governança corporativa, iniciou carreira na Shell Brasil
(1987-1995), ocupou posições-chave em bancos (Icatu, ABN e Santander) e family
office; foi sócia da IP, JBI e Ventor Investimentos e assessora da diretoria do BNDES
(1999). Conselheira fiscal da Mills (2017), e membro do conselho de administração de

257
258 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

startups (2000-2002). Corredatora do código AMEC Stewardship, coautora de livros e


artigos, é membro da Comissão de Pessoas do IBGC, colunista da Capital Aberto e pro-
fessora em cursos para conselheiros de administração do IBGC. Engenheira de Produção
(UFRJ), com especialização em Administração (PUC-RJ).

ANAPATRÍCIA MORALES VILHA


Graduada em administração empresarial e negócios, mestre em administração e dou-
tora em política científica e tecnológica pela Unicamp. Dedica-se a pesquisas na área
de estratégia competitiva e de inovação; gestão de tecnologia e inovação; tecnologia,
inovação e desenvolvimento sustentável; economia da inovação e do conhecimento; e
estratégias empresariais em economias emergentes. É professora dos Programas de
Pós-graduação em Economia e Biotecnociências da UFABC.

ANDRÉ DE ALMEIDA
Advogado pela PUC Minas e sócio titular do Almeida Advogados, escritório especiali-
zado em direito corporativo e associado à rede internacional de escritórios independentes
Globalaw. Possui extensão em Corporate Law na Georgetown University e na PUC-SP.
Foi presidente da Federação Interamericana de Advogados. É presidente da Comissão
Permanente de Estudos de Direitos dos Minoritários do Iasp e membro do Conselho de
Administração da Globalaw.

CRISTIANA PEREIRA
Sócia fundadora da consultoria ACE Governance, especializada em governança e mer-
cado de capitais. Possui graduação em economia pela Unicamp, mestrado em economia
pela Fundaçào Getulio Vargas e MBA pela Harvard Business School. Tem experiên-
cia de mais de vinte anos na área de mercado de capitais, tendo sido diretora da B3.
Conduziu o desenvolvimento do serviço de voto a distância e é conselheira do Cesar –
Instituto de Inovação do Recife.

FERNANDO GOES
Atuou por mais de vinte anos como executivo no Citibank, Burson-Marsteller e BankBoston,
neste último como diretor estatutário. É sócio-proprietário da Delos Ventures e da Ockam
Consulting e atua como advisor, coach, consultor e investidor anjo. Possui certificados
de educação executiva nas universidades de Columbia, FDC, Harvard, Wharton, Rotman
sob r e os a u tores 259

e Yale. É Administrador de empresas com pós-graduação em marketing pela University


of California at Berkeley. É membro do IBGC e participa de conselhos de administração.

GUILHERME MARCO DE LIMA


Fundador da Amoveri, holding voltada ao fomento da competitividade corporativa por meio
do fortalecimento da governança e da capacidade de inovação. Formado em engenharia
sanitária e ambiental pela UFSC, com especialização em decisão estratégica e gerencia-
mento de risco, foi diretor da Whirlpool LATAM. Atuou no engajamento do ecossistema
de inovação por meio do conselho do CGEE, Fapesc, Senai/SC, Finep, Embrapii, Copin/
CNI e é conselheiro de empresas.

HAMILTON M. CUNHA JR.


CEO e conselheiro de administração certificado pelo IBGC, conselheiro consultivo de
empresas dos setores de energia e alimentos. Foi eleito coordenador IBGC – Grupo
de Estudos de Governança Corporativa e Revolução Digital – Jornada Técnica Vale do
Silício 2018. É membro da Comissão de Inovação do IBGC e professor do curso MBA –
Business Intelligence / Analytics / Gestão de TI na Universidade Ítalo Brasileira.

JAMES TERRENCE COULTER WRIGHT, PhD (IN MEMORIAM )


Graduado em engenharia civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1975), mes-
tre em engineering management – Vanderbilt University (1977) e doutor em administra-
ção pela Universidade de São Paulo (1990). Foi presidente do conselho fiscal da Ambev,
membro do conselho consultivo da Fundação Antonio e Helena Zerrenner – Instituição
Nacional de Beneficiência, professor da Faculdade FIA de Administração e Negócios e
professor da Universidade de São Paulo.

JACQUES MARCOVITCH
Professor emérito da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da
Universidade de São Paulo. Dedica-se ao estudo do pioneirismo e da inovação e seus
efeitos no crescimento econômico, na inclusão social e na sustentabilidade ambiental.
Atualmente é membro do conselho deliberativo da Biblioteca Brasiliana Guita e José
Mindlin e do conselho superior do Graduate Institute of International and Development
Studies (IHEID) em Genebra (Suíça). É autor de vários artigos e livros, entre os quais a
trilogia Pioneiros & Empreendedores: A Saga do Desenvolvimento no Brasil.
260 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

LEANDRO FRAGA GUIMARÃES, PhD


Pesquisador associado do Profuturo – Programa de Estudos do Futuro na Faculdade de
Economia e Administração na Universidade de São Paulo (FEA-USP) –, onde obteve títu-
los de mestre e doutor. É professor de graduação e pós-graduação na Faculdade FIA de
Administração e Negócios, onde coordena o Fórum Digital Profuturo. Tem mais de trinta
anos de experiência executiva e em consultoria estratégica, incluindo posições de lide-
rança nacional e internacionalmente.

LUCIANA DEL CARO


É jornalista especializada em economia, finanças e negócios, com passagens e cola-
borações para os jornais Valor Econômico e Gazeta Mercantil e revista Capital Aberto.
Ganhadora dos prêmios jornalísticos Petrobras (2016), Longevidade Bradesco Seguros
(2015), Bovespa (1998 e 2004) e Anapp (2001). Formada em ciências econômicas
(UFPR, 1993), com especialização em gestão empresarial (Fundação Dom Cabral, 1993).

MARCEL FUKAYAMA
Empreendedor social e cofundador da Din4mo, empresa B certificada com o objetivo
de fortalecer empreendedores que resolvem problemas sociais. Cofundador e diretor-
-executivo do Sistema B Brasil e uma das lideranças do movimento global que busca
redefinir sucesso na economia. Formado em administração de empresas, com MBA e
mestrado em administração pública (LSE). Reconhecido como um dos jovens da lista
Forbes Abaixo de 30, apontado como um dos dez CEOs mais inspiradores do Brasil
pela GQ Magazine e escolhido um dos doze jovens líderes globais pela Skoll Foundation
e MasterCard Foundation. Empreendedor cívico pela Raps e membro do Comitê de
Investimentos do Instituto C&A.

MARCOS GRASSO
Graduado em administração de empresas pela Fundação Getúlio Vargas e com forma-
ção em executive coaching na Columbia University. Líder da Eurazeo para América do
Sul, sócio da M2G Advisors, membro do conselho da Cacau Show, Tok Stok, Iberchem
e Instituto Akatu e mentor da Endeavor. Entre 1986 e 2013, atuou no Brasil, Estados
Unidos, Indonésia, Portugal e Colômbia em empresas como Warner-Lambert, Pfizer,
Cadbury e Mondelez/Kraft Foods, onde foi diretor-presidente para o Brasil (2010/2013).
Foi conselheiro da BRF, C&A Brasil, Condor e Kraft/Sadia Cheese JV.
sob r e os a u tores 261

MAXIMILIANO SELISTRE CARLOMAGNO


Administrador de empresas e mestre em administração pelo MAN (PUC/RS). Certificado
em Strategy and innovation pelo MIT/Sloan. Fez cursos de formação na U. C. Berkeley,
Stanford University e Columbia Business School. Desempenhou funções executivas em
empresas nacionais e multinacionais e tem mais de quinze anos de experiência em
consultoria de estratégia e inovação para alta gestão. Sócio-fundador da Innoscience
Consutoria em Gestão da Inovação. Mentor Endeavor, presidente do Comitê de Inovação
da Amcham, conselheiro da WOW – Aceleradora de startups – e coordenador do Grupo
de Estudos de Governança em Startups do IBGC.

MÔNICA PIRES
CFO and COO do Laboratório de Pesquisa da IBM Brasil. Conselheira de administra-
ção certificada pelo IBGC. Vice-coordenadora da Comissão de Inovação do IBGC. Vice-
-presidente do Comitê Estratégico de Finanças da Amcham-SP. Atua como advisory board
member do Instituto Techmail e da Verbo Comunicação Agência de Publicidade. Graduada
em ciências contábeis pela URFJ e direito pela Universidade Candido Mendes, com mes-
trado pela Coppead-UFRJ, MBA pela FDC, pós-MBA pela Kellogg School of Management
e diversos cursos de liderança e especialização em universidades internacionais reno-
madas, tais como, Harvard Business School, Singularity University e Thunderbird School
of Global Management.

REGINA MAGALHÃES
Diretora de inovação e sustentabilidade da Schneider Electric para América do Sul. PhD
em ciência ambiental pela USP, com educação executiva em finanças pelo Insper, valor
compatilhado pela FSG e gestão de fornecedores pelo MIT.

ROBERTO S. WAACK
Presidente da Fundação Renova, organização responsável pelas ações de reparação
e compensação do rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana. Fundador da
Amata SA. Membro do conselho de administração da Amata, IBGC, Instituto Ethos,
Funbio, WWF, ISE Bovespa, no Brasil, e, dos conselhos internacionais do FSC (Forest
Stewardship Council) e GRI (Global Reporting Initiative). Foi presidente da Amata, Orsa
Florestal e executivo de empresas farmacêuticas. Biólogo e mestre em administração
de empresas pela FEA-USP.
262 g o v e rn an ça corporat iva e inovação: t endênci a s e ref l ex ões

TARCILA REIS URSINI


Conselheira independente da WayCarbon, Moleecola, presidente do Comitê de
Sustentabilidade da Duratex, membro independente do Comitê de Sustentabilidade do
Banco Santander Brasil e do Grupo Baumgart (Vedacit, Shopping Center Norte, Expo
CN, Lar Center, Fazendas Reunidas Baumgart). Professora na pós-graduação da FIA.
Economista pela USP, advogada pela PUC-SP, mestre em desenvolvimento e direito pela
Universidade de Londres (UK). Conselheira certificada pelo IBGC.

THOMAS CLARKE
Thomas Clarke is professor of management at UTS Business School at the University of
Technology Sydney. Formerly he was director of the Key University Strength UTS Centre
for Corporate Governance, chair of the Academic Board at UTS, and a member of the
University Council. He was DBM professor of corporate governance at Leeds Business
School, and professor of management at China Europe International Business School
(CEIBS) in Shanghai. He has held visiting professorships at the University of Paris, ESC
Lille, University of Geneva, FGV Business School, UAM Business School, and a Nuffield
Foundation Visiting Research Fellowship at the University of Warwick.

TIAGO CURI ISAAC


Possui graduação em administração de empresas e pós-graduação em estratégias corpo-
rativas pela Wharton Business School e Esade Business School. Foi o líder de planejamento
estratégico da Bunge Alimentos e da BM&FBovespa. Atualmente é o superintendente de
Relacionamento com Emissores e Estruturadores da B3.
Inovar é um termo relativamente novo, cria-
do, talvez, há uns vinte anos. No entanto, a ver-

GOVERNANÇA CORPORATIVA E INOVAÇÃO:


dade é que desde o aparecimento do Homo sa-

GOVERNANÇA CORPORATIVA E INOVAÇÃO


piens, há uns cem mil anos, os humanos sempre
inovaram. Pessoas, líderes de grupos, dotados
“Inovação é essencial? Por quê? Como tratar esse tema no âmbito da
governança corporativa? Uma resposta é que a empresa precisa es-
TENDÊNCIAS E REFLEXÕES de muita criatividade, paixão, determinação,
inconformismo e superação, inovaram, e hoje
estamos planejando até descer no planeta Marte!
tar constantemente atenta às mudanças no contexto dos negócios, Grandes ou pequenos empresários tiveram, no
que estão desafiando, cada vez mais, sua capacidade de se manter passado, ideias que, para a época, mais pareciam
viável e íntegra ao longo do tempo – a necessidade de pensar e re- Carlos Eduardo Lessa Brandão • Joaquim Rubens Fontes Filho utopias, reunindo pessoas que, com muita per-
severança e muito esforço, se dispuseram a
pensar constantemente a estratégia e sua execução é cada vez mais • Sérgio Nunes Muritiba perseguir essas utopias e venceram. Alberto
presente. [...] Este livro se propõe a estimular a discussão sobre ino- Santos Dumont, Thomas Edison e tantos outros
organizadores
vação no âmbito da governança corporativa, de modo a assegurar a são alguns exemplos.
Mais recentemente, por um lado, vivemos
integridade empresarial ao mesmo tempo que permite às empresas
um momento em que a velocidade do desen-
O IBGC é uma organização exclusivamente aprenderem, inovarem e se desenvolverem.” volvimento tecnológico era absolutamente im-
dedicada à promoção da governança corpo- pensável na virada para o século XXI. Por outro,
rativa no Brasil e o principal fomentador das o trabalho com muitas pessoas adquiriu também
práticas e discussões sobre o tema no país, enorme complexidade, no sentido de alinhar to-
tendo alcançado reconhecimento nacional e dos, com os mesmos ideais e valores dos “funda-
dores” do negócio. Nascem os primeiros conceitos
internacional. Fundado em 27 de novembro
de governança corporativa e, mais recentemente,
de 1995, o IBGC – sociedade civil de âmbito
empreendedores que utilizam modelos de negó-
nacional, sem fins lucrativos – tem o propósito cios inovadores. E estes passaram a ter preocupa-
de ser referência em governança corporativa, ções que vão além da perenidade de suas empre-
contribuindo para o desempenho sustentável sas, visando à mitigação de riscos, incluindo, por
das organizações e influenciando os agentes da exemplo, a ida ao mercado para a captação de re-
nossa sociedade no sentido de maior transpa- cursos ou a resolução de problemas sociais e am-
bientais. Aparece, então, a necessidade de os con-
rência, justiça e responsabilidade.
selhos de administração dedicarem um tempo
Para mais informações sobre o Instituto
cada vez maior, nos seus planejamentos estraté-
Brasileiro de Governança Corporativa, visite o
gicos, para estimular a inovação no seu core busi-
website: <www.ibgc.org.br>. ness e muito menor para análise do passado.
A definição de conceitos, exemplos de casos
de sucesso e uma profunda imersão no estágio
IBGC – Associados mantenedores
atual do desenvolvimento tecnológico no mun-
do e no Brasil tornam a leitura deste livro uma
ferramenta imprescindível para empresários
e gestores de pequenas ou grandes empresas.

PAULO D. VILLARES
presidente do conselho de administração do
IBGC entre 2001 e 2004

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