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CAMPOS SALLES
E O POSITIVISMO
UM ESTUDO SOBRE A COMUNICAÇÃO POLÍTICA
DO SEGUNDO PRESIDENTE CIVIL BRASILEIRO
CAMPOS SALLES
E O POSITIVISMO
UM ESTUDO SOBRE A COMUNICAÇÃO POLÍTICA
DO SEGUNDO PRESIDENTE CIVIL BRASILEIRO
FOLHA DE APROVAÇÃO
( ) Reprovada
( ) Aprovada, mas deve incorporar nos exemplares definitivos as modificações
sugeridas pela banca examinadora, até 60 (sessenta) dias a contar da data da
defesa
( ) Aprovada
( ) Aprovada com louvor
Banca Examinadora:
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AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Adolpho C. F. Queiroz, estas páginas são tão suas quanto minhas, seja
para nossa alegria ou tristeza. Obrigado por tudo que tem feito, sendo mais que um grande
orientador, também um grande amigo e parceiro.
Ao meu avô materno, Antonio Jorge e aos meus avós paternos, Paulo (in memorian) e
Lúcia, por serem exemplos de vida e grandes incentivadores da busca pelo conhecimento.
Aos meus irmãos, Renato (in memorian) e Ronaldo, meus maiores amigos, apesar das
brigas constantes, talvez sem elas não estivéssemos hoje tão unidos.
À minha esposa, Elisângela, minha Lia, amor que só se encontra uma vez na vida,
sobretudo minha companheira e inspiradora.
Aos amigos mestrandos e companheiros de viagem, Milton Pimentel Martins e Livio
Sakai, por me ajudarem a superar as dificuldades desta pesquisa, com muito humor e
descontração, demonstrando que nem sempre o sucesso está relacionado com o fato de tentar
ser organizado e “certinho” com tudo.
Aos demais colegas do POSCOM da UMESP, pela troca de informações e
experiências, especialmente aos amigos Kleber Carrilho, Hebert Rodrigues de Souza, Patrícia
Polacow e Nahara Cristine Mackovics.
Ao amigo Mauricio Guindani Romanini, pelas palavras de incentivo, pelos livros
emprestados e por fornecer, com enorme boa vontade, preciosos detalhes sobre a propaganda
política brasileira do final do século XIX.
Ao corpo docente do POSCOM da UMESP, por facilitarem e de certa forma
coorientarem esta pesquisa, especialmente ao Prof. Dr. José Marques de Melo, à Profa. Dra.
Maria Graça Caldas, ao Prof. Dr. Jacques Vigneron e ao Prof. Dr. Joseph M. Luyten.
Aos funcionários do POSCOM da UMESP, da Cátedra UNESCO e da Secretaria
Acadêmica da UMESP, pela cooperação e paciência.
Ao pesquisador e historiador Célio Debes, por ser muito atencioso e disponibilizar rico
material sobre Campos Salles.
Ao Museu Republicano “Convenção de Itu” e ao Centro de Ciências e Letras de
Campinas, principais fontes documentais desta pesquisa.
A CAPES, por conceder uma bolsa de estudos por 24 meses, sem a qual não teria sido
possível concluir esta pesquisa.
6
SUMÁRIO
Introdução .......................................................................................................................... 09
Anexos ..............................................................................................................................152
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RESUMO
Campos Salles foi um político de grande importância para o Brasil, destacando-se
como um dos personagens mais ativos do movimento republicano. Iniciou sua carreira
política aos 26 anos, sendo eleito Deputado Provincial. Em 1898, com 57 anos, assumiu o
mais alto cargo político da Nação. Esta pesquisa pretende analisar as estratégias de
comunicação política por ele adotadas até chegar à Presidência da República, procurando
comprovar a influência do positivismo em sua trajetória.
RESUMEN
Campos Salles fue un político de gran importancia para Brasil, destacandose como
uno de los personajes más notorios del movimiento republicano. Inició su carrera política a
los 26 años, siendo elegido Diputado Provincial. En 1898, con 57 años, asumió el más alto
cargo político de la Nación. Esta investigación pretende analizar las estrategias de
comunicación política por él adoptadas hasta llegar a la Presidencia de la República, tratando
de comprobar la influencia del positivismo en su trayectoria.
ABSTRACT
Campos Salles was a politician of great importance to Brazil, distinguing himself as
one of the most active members of the republican party. At age 26 he began his politics
career, being elected Provincial Deputy. In 1898, with 57 years old, he assumed the highest
political position of the Nation. This essay intends to analyse the political communication
estrategies adopted by him until reaching the Presidency of the Republic, looking to prove the
influence of positivism in his path.
INTRODUÇÃO
Outra importante questão de nomenclatura a ser frisada nesta introdução, diz respeito
ao uso do termo “província” para designar tanto os Municípios como os Estados brasileiros,
pois assim eles eram tratados antes da Proclamação da República. Portanto, pelo mesmo
motivo, os atuais termos Deputados Estaduais e Federais são mencionados nesta pesquisa
como Deputados Provinciais e Gerais.
O nome do ex-presidente Dr. Manoel Ferraz de Campos Salles, será tratado na maior
parte do trabalho de forma resumida, ou seja, simplesmente como Campos Salles. Interessante
anotar que, em algumas obras, “Campos Salles” é escrito com apenas um “L”, aqui foi feita a
opção de utilizar sempre os dois “LL”, pois foi esta a ortografia encontrada na maioria do
material pesquisado. Ao transcrever as cartas e documentos foram totalmente preservadas
ortografia, pontuação e abreviações originais.
Sobre o método de pesquisa, foi adotado o estudo exploratório. Sendo considerado no
âmbito da pesquisa social, segundo GIL (1987), como a melhor forma de desenvolver,
esclarecer e modificar conceitos e idéias. As pesquisas exploratórias têm o objetivo de
proporcionar uma visão geral sobre determinada realidade.
Esta opção metodológica possui uma grande abrangência, sendo necessário definir um
enfoque mais específico para satisfazer as características de cada estudo. Neste caso foram
estipuladas duas linhas de pesquisa: a bibliográfica e a documental.
De acordo com GIL (1987, p. 48) “boa parte dos estudos exploratórios pode ser
definida como pesquisa bibliográfica”, justamente por ela ser capaz de nos “colocar em
contato direto com tudo aquilo que foi escrito” (MARCONI & LAKATOS, 1986, p.58). Além
disso, “as pesquisas sobre ideologia, bem como aquelas que propõem a análise das diversas
posições acerca do problema, também costumam ser desenvolvidas quase exclusivamente a
partir de fontes bibliográficas” (GIL, 1987, p. 48).
Entretanto, muitas informações sobre Campos Salles não encontram-se em livros,
publicações periódicas ou impressos em geral. Sendo portanto, necessária a pesquisa
documental, pois “os documentos, de modo geral, são todos os materiais escritos que podem
servir como fonte de informação para a pesquisa científica e que ainda não foram elaborados”
(MARCONI & LAKATOS, 1986, p.56). Ou ainda, aplicando o conceito de GIL (1987, p. 51),
a pesquisa documental justifica-se por exp lorar “materiais que não receberam ainda um
tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da
pesquisa”.
Para a coleta de material, foram consultados os acervos da Biblioteca da Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP); Biblioteca da Universidade
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Capítulo 1
Bases teóricas
Grande parte deste trabalho está baseado nas manifestações políticas propagadas no
Brasil, no final do século XIX, pelo movimento republicano. O Partido Republicano Paulista,
foi um dos principais difusores da propaganda colocada em prática por aquele movimento,
entre outros fatores devido ao seu alto nível de organização e ao destacável grau de
intelectualidade de muitos de seus membros. Demais aspectos sobre sua formação, ocorrida
em 1873, e sobre as ações daquela agremiação, que teve Campos Salles como um dos
fundadores e membro da Comissão Permanente, assim como aspectos gerais do Segundo
Reinado e da Primeira República serão apresentados no segundo capítulo.
Neste momento o objetivo é apresentar as bases teóricas sobre as quais o movimento
republicano recebeu influências e se afirmou, as quais consequentemente devem refletir nas
argumentações deste trabalho.
Os republicanos brasileiros sofreram, na verdade, o impacto de três correntes
ideológicas distintas, o liberalismo, o jacobinismo e o positivismo, cada qual permeada de
aspectos utópicos e visionários próprios. Sendo que a última ainda estava dividida em duas
vertentes: ortodoxa e heterodoxa. José Murilo de CARVALHO (2003, p. 9) escreve sobre a
presença simultânea destas três ideologias políticas no Brasil, caracterizando sinteticamente
cada uma delas:
- Liberalismo: “sociedade composta por indivíduos autônomos (...) cabia ao governo
interferir o menos possível na vida dos cidadãos”;
- Jacobinismo: “idealização da democracia clássica, a utopia da democracia direta,
do governo por intermédio da participação direta de todos os cidadãos”;
- Positivismo: “postulava uma futura idade de ouro em que os seres humanos se
realizariam plenamente no seio de uma humanidade mitificada”.
Ainda segundo CARVALHO (2003, p. 9-13), houve uma disputa intensa entre as três
correntes durante os primeiros anos da República no Brasil, sendo que na virada do século o
liberalismo triunfou como modelo político. No entanto, o autor considera inegável o
entusiasmo constante, entre os propagandistas, pelos ideais franceses, representados através
do jacobinismo e do positivismo. Este entusiasmo estava relacionado com a proximidade do
centenário da Revolução Francesa, e mais do que isso, era motivado pela riqueza simbólica
13
todo o período da propaganda republicana, e seus esforços seriam coroados com a eleição de
dois de seus membros fundadores, Prudente de Morais e Campos Salles, como os primeiros
presidentes civis brasileiros.
As impressões de José Maria dos SANTOS (1942, p. 155-156), pesquisador
contemporâneo daquele momento histórico, servem como uma das principais evidências sobre
o envolvimento dos republicanos com o positivismo:
A obra de Comte sofreu sensíveis mudanças ao longo dos anos, dividindo seus adeptos
em dois principais grupos: os heterodoxos, fiéis apenas à primeira fase, de cunho científico e
filosófico; e os ortodoxos, mais alinhados à doutrina religiosa. O espírito positivo chegou ao
Brasil em suas diferentes versões, atingindo assim, setores distintos da sociedade brasileira.
Devido a sua formação técnica, os militares, de acordo com CARVALHO (2003, p.
28), sentiram-se fortemente atraídos pela ênfase dada pelo positivismo à ciência e ao
desenvolvimento industrial.
O modelo positivista seduziu também os republicanos do Rio Grande do Sul e do Rio
de Janeiro. Júlio de Castilhos assumiu o controle do Estado gaúcho em 1893 e fez um governo
altamente autoritário durante 30 anos, ele elaborou a constituição do Rio Grande do Sul com
base nos fundamentos da política positivista. Os ortodoxos, liderados por Miguel Lemos e
Teixeira Mendes, reunidos na Sociedade Positivista do Rio de Janeiro, apesar de estarem mais
preocupados com aspectos religiosos, foram grandes defensores da República.
Devido a sua relevância e evidência durante o século XIX, o positivismo, da maneira
como foi utilizado pelo movimento republicano, bem como seu impacto na comunicação
política de Campos Salles, representa o eixo teórico sobre o qual este trabalho tecerá seus
argumentos. Portanto, a pretensão deste primeiro capítulo é tentar resgatar os principais
conceitos do pensamento de Auguste Comte, assim como suas diferentes acepções e suas
aplicações no Brasil.
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Uma espécie de teologia enervada pouco e pouco por simplificações dissolventes, que
lhe tiram espontaneamente o poder direto de impedir o desenvolvimento das
concepções positivas, conservando-lhe, contudo, a aptidão provisória para entreter um
certo exercido indispensável do espírito de generalização, até que possa enfim receber
melhor alimento.
3) Estado Positivo: Chegamos enfim ao Estado, definido por Auguste Comte, como
sendo ideal. Após ter passado pelas duas etapas anteriores, a inteligência humana,
gradualmente emancipada, chegaria ao seu estado definitivo de positividade racional. As
concepções positivistas sobre os fenômenos humanos não seriam apenas individuais, mas
também e sobretudo, sociais, por resultarem de uma evolução coletiva e contínua, cujos
elementos e fases essencialmente estariam entrelaçados. Partindo destes argumentos, Auguste
Comte utilizou pela primeira vez o termo “Sociologia”, dando nome a esta nova ciência.
Vivendo neste estágio, imaginado por Comte, a Humanidade não limitar-se- ia a
apreciação sistemática dos fatos existentes, simplesmente preocupada em descobrir sua
primeira origem e seu destino final. Segundo COMTE (2002, p. 13-14):
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A Lei dos Três Estados não teve de fato utilidade prática nas campanhas eleitorais de
Campos Salles, e nem mesmo foi aplicada diretamente pelo movimento republicano. A única
relação que pode ser feita sobre este ponto da teoria de Auguste Comte, é a respeito da
proposta evolutiva de superação do Estado Positivo sobre o Teológico e o Metafísico, assim
como a implantação do Estado Republicano no Brasil foi defendida como a melhor alternativa
para superar o Estado Monárquico. Entretanto, neste momento, a Lei dos Três Estados foi
abordada superficialmente aqui apenas com o intuito de apresentar a ól gica evolutiva do
positivismo, ou seja, a idéia de que uma nova maneira de pensar estava surgindo para
solucionar as dúvidas humanas.
Logo após definir as bases lógicas de sua teoria, Comte, em sua obra “Discurso
Preliminar sobre o Espírito Positivo”, dá início a um processo de aprofundamento dos
principais aspectos do positivismo, alguns dos quais serão aplicados com maior evidência
pelo movimento republicano brasileiro, e consequentemente também estarão presentes na
comunicação política de Campos Salles.
Partindo deste ponto, parece mais propício tratar primeiramente dos argumentos de
Comte sobre as diversas acepções do termo “positivo”, os quais facilitam a compreensão de
sua idéia como um todo. O autor considera os vários significados desta palavra nas línguas
ocidentais, como sendo convenientes à nova filosofia. Em sua opinião, o aspecto de
ambigüidade é apenas aparente, pois ao contrário disso, o fato de uma única expressão usual
reunir vários atributos distintos, serve, na verdade, como um feliz exemplo da possibilidade
de condensação de fórmulas pelas populações avançadas.
A mais antiga e também mais comum interpretação da palavra “positivo” designa o
real em oposição ao fictício, neste sentido, o positivismo fica caracterizado pela “consagração
às indagações verdadeiramente acessíveis à nossa inteligência, com a exclusão efetiva dos
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impenetráveis mistérios com que se ocupava sobretudo a sua infância” (COMTE, 2002, p.
25).
Muito próximo do significado anterior, “positivo” indica o contraste entre útil e
ocioso. Assim, a filosofia de Comte lembra que “o destino necessário de todas as nossas sãs
especulações é o melhoramento contínuo de nossa verdadeira condição individual e coletiva, e
não a vã satisfação de uma curiosidade estéril” (COMTE, 2002, p. 25).
A terceira acepção deste termo é utilizada para qualificar a oposição entre a certeza e a
indecisão. Um quarto uso, confundido com o precedente, consiste em opor o preciso ao vago.
Em ambos os casos, existe a tendência do espírito positivo apontar para um “grau de precisão
compatível com a natureza dos fenômenos e conforme à exigência de nossas reais
necessidades” (COMTE, 2002, p. 25). Outras maneiras de filosofar são apontadas por Comte
como sendo vagas, por comportarem uma disciplina apoiada na autoridade sobrenatural.
Uma quinta aplicação é apresentada por Comte como sendo menos utilizada que as
anteriores, neste caso o vocábulo “positivo” é empregado como o antônimo de negativo.
Mesmo tendo um uso reduzido, este aspecto indica “uma das mais eminentes propriedades da
genuína filosofia moderna, mostrando-a destinada, sobretudo por sua natureza, não a destruir,
mas a organizar” (COMTE, 2002, p. 25).
Finalmente, Auguste Comte defende uma sexta acepção, ainda não indicada pela
palavra “positivo”, mas considerada pelo autor como tendo um caráter essencial ao novo
espírito filosófico, ou seja, sua tendência de substituir por toda parte o absoluto pelo relativo.
Após apresentar brevemente alguns pontos básicos sobre o positivismo, caracterizados
pela Lei dos Três Estados e pelos diversos significados do termo “positivo”, chega o momento
de relacionar os tópicos da obra de Auguste Comte que tiveram um papel de maior
importância sobre a comunicação política no final do século XIX no Brasil:
1) Ordem e Progresso: conceitos intensamente defendidos por Comte como sendo
peças chaves para a evolução social, defendidos como necessidades simultâneas resultantes da
combinação entre estabilidade e atividade.
Neste sentido, o espírito positivo seria uma alternativa filosófica capaz de solucionar a
anarquia intelectual e moral, que na opinião de Comte, refletiria como um sintoma da grande
crise moderna. Através da sua teoria, seria possível estabelecer uma harmonia elementar entre
as idéias de existência e as de movimento.
Do ponto-de-vista político, relacionado às questões dominantes, o sentido primário da
palavra ordem é apontado como sendo inseparável de todas as especulações positivas. Ou
seja, ao tentar extinguir uma atividade perturbadora, a agitação política transformar-se-ia em
movimento filosófico. Este argumento positivista baseia-se no fato das dificuldades sociais
não serem tratadas como sendo essencialmente políticas, mas sobretudo morais, portanto sua
solução dependeria muito mais das opiniões e dos costumes do que das instituições.
A noção de progresso, visto como dogma fundamental da sabedoria humana, surge
como conseqüência direta da ordem. Representando a idéia de aperfeiçoamento contínuo, o
progresso deveria favorecer cada vez mais o distanciamento entre os atributos que distinguem
a humanidade da simples animalidade, tanto pela inteligência como pela sociabilidade. Assim,
o progresso positivo não definiria um ponto final, pois:
Uma das condições necessárias do advento da escola positiva seria a aliança entre
proletários e filósofos, para tanto seria necessária a instituição de um “Ensino Popular
Superior” (COMTE, 2002, p. 40), afim de propagar as noções positivas.
A nova filosofia exigiria um espírito de conjunto, fazendo prevalecer a ciência
nascente do desenvolvimento social sobre todos os estudos constituídos até então. A escola
positiva tenderia, “por um lado, a consolidar todos os poderes atuais nas mãos de seus
possuidores, quaisquer que sejam, e, por outro, a impor- lhes obrigações morais cada vez mais
conformes às verdadeiras necessidades dos povos” (COMTE, 2002, p. 41).
A renovação filosófica promovida pela escola positiva, encontraria naturalmente,
segundo Comte, um acesso mais fácil e uma simpatia mais viva entre os proletários do que
entre os empresários. A justificativa era “porque seus trabalhos próprios oferecem um caráter
mais simples, um fim, mais nitidamente determinado, resultados mais próximos e condições
mais imperiosas” (COMTE, 2002, p. 45). A universal propagação do ensino positivo realizar-
se-ia, com maior eficácia, logo que as tendências mentais e morais tivessem atuado
convenientemente entre os proletários, proporcionando a gradual renovação filosófica.
Se o povo é hoje e deve, de ora avante, permanecer indiferente à posse direta do poder
político, não pode nunca renunciar à sua indispensável participação contínua no poder
moral, que, único verdadeiramente acessível a todos, sem nenhum perigo para a ordem
universal, antes de grande vantagem quotidiana para ela, autoriza cada um a lembrar
convenientemente aos mais altos poderes o cumprimento de seus diversos deveres
essenciais, em nome de uma doutrina fundamental comum (COMTE, 2002, p. 47).
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De larga aceitação nos meios castrense e civil nos fins do século XIX e até meados do
seguinte, o Posit ivismo, em sua vertente política, formula o conceito de “ditadura
republicana”, que a bibliografia brasileira, com certa freqüência, associa a
totalitarismo, a despotismo, a tirania. (...)
Ora, nos meados do século XIX, quando Comte produziu a sua obra, o termo
“ditadura” não apresentava o cariz depreciativo e odioso de que passou a revestir-se
depois. (...)
Comte não adotou o vocábulo ditadura como equivalente de totalitarismo porque não
foi este o seu intuito e porque, se o tivesse feito, não teria sido entendido assim, não o
poderia ter sido, dado que então a sua acepção não era esta. É claro que ele não
poderia ter adivinhado que, com o andar dos tempos, o significado desta palavra
cambiaria para o atual. Com efeito, segundo Pedro Laffitte, sucessor de Comte, ele
“não dá de modo nenhum à palavra ditadura o sentido de poder pessoal absoluto que
se lhe atribui”.
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Entretanto, como será apresentado nos próximos capítulos, estes argumentos foram
utilizados com outra ênfase pelos republicanos.
Num determinado momento da vida de Auguste Comte, sua obra e seus estudos
sociais e filosóficos sofreram uma ruptura muito marcante, dividindo seus seguidores em dois
eixos: ortodoxos e heterodoxos. Cada um desses eixos foi responsável por implicações
próprias junto ao movimento republicano brasileiro, portanto, afim de facilitar a exposição
das informações, foi criado o presente tópico dedicado à uma curta abordagem sobre esta
divisão na teoria positivista.
Os principais estudos sobre as teorias de Auguste Comte indicam o ano de 1844 como
sendo o momento no qual seu foco de pesquisa começou a sofrer um desvio definitivo. Neste
ano, ele conheceu Clotilde de Vaux, por quem se apaixonou profundamente. Clotilde adoeceu
de tuberculose e faleceu em 1846. A paixão de Comte por sua amada foi tão intensa que
acabou sendo caracterizada como a justificativa para o início da segunda etapa de seus
estudos. O resto de sua vida e obra foram devotados à Clotilde, Comte entrou numa fase
altamente sentimental e feminista, passando a considerar a mulher como sendo o símbolo da
própria Humanidade. Seus trabalhos assumiram um caráter ainda mais evidente de renovação
social e moral, “os elementos religiosos passaram a predominar sobre os aspectos científicos,
o sentimento foi colocado acima da razão, a comunidade foi sobreposta ao indivíduo”
(CARVALHO, 2003, p. 21). O “Sistema de Política Positiva”, que a princípio deveria ser sua
principal obra sobre o positivismo, acabou servindo como instrumento de divulgação da
Religião da Humanidade, da qual Comte se proclamaria sumo sacerdote, demonstrando uma
contradição dentro de sua própria lógica por estar regredindo ao estágio teológico.
25
Como já foi comentado no início deste capítulo, o positivismo entrou no Brasil com
muita força, atingindo diferentes segmentos da sociedade justamente pelo próprio fato deste
pensamento apresentar diversas possibilidades de abordagens.
Na verdade, a obra de Auguste Comte, tanto com relação aos aspectos científicos
como aos religiosos, teve grande receptividade nos países com pequena tradição cultural e
carentes de alguma ideologia para orientar seus anseios em direção ao desenvolvimento. A
difusão do positivismo no Brasil, assim como em outros países latino-americanos, ocorreu
26
através dos escritos de Auguste Comte e de seus seguidores: Littré, Laffitte, Robinet,
Audiffrent e outros.
Segundo VITA (1965, p. 3):
1965, p. 49). Produziu muitos textos e participou ativamente dos principais manifestos,
publicações e jornais emitidos pelos republicanos. “Política republicana”, “A vitória
republicana”, “A pátria paulista” e “Ciência política” são algumas de suas obras. Entretanto, a
mais aclamada entre elas, a qual o Partido Republicano Paulista patrocinou e distribuiu
gratuitamente 10.000 cópias, foi o “Catecismo republicano”, de 1885. Desta forma, o
positivismo social, eminentemente heterodoxo, teve em Alberto Salles um difusor de grande
impacto junto aos líderes políticos republicanos, influenciando inclusive as bases positivistas
das estratégias de comunicação política de Campos Salles.
Luis Washington VITA (1965, p. 14) comenta de que forma o positivismo arraigou-se
naquela geração de futuros políticos brasileiros formados pelas Escolas de Direito:
Por volta da mesma época, alguns brasileiros eram alunos de Comte em cursos por ele
oferecidos em Paris, e entre esses alunos estava outro baiano, Felipe Ferreira de
Araújo Pinho (1815-1901), bacharel em Ciências Matemáticas pela Universidade de
Paris e pai de João Ferreira de Araújo Pinho, que mais tarde seria Presidente da
Província de Sergipe e Governador do Estado da Bahia.
O paulista Luís Pereira Barreto (1840-1923) foi um dos responsáveis pelo aumento do
prestígio do Positivismo no Brasil na segunda metade do século XIX. Ao retornar de
seus estudos de medicina em Bruxelas - onde teve seu primeiro contato com as
doutrina positivista com Marie de Ribbentrop, educadora e freqüentadora de círculos
intelectuais em Bruxelas - estava imbuíd o das idéias de Comte e dedicou-se a intensa
propaganda ideológica em favor da doutrina.
29
Para isso, fez uso pertinente de sua posição de grande proprietário rural e cientista de
reconhecidos dotes. Pode-se dizer que Pereira Barreto foi o primeiro caso, no Brasil,
de um modelo moral típico do Positivismo, qual seja, o de um homem de ilibada
moral e muito respeitado na sociedade que angaria devotos ao Positivismo por sua
extrema facilidade de comunicação. (...) Nesse espírito, escreveu sua obra-prima, As
Três Filosofias, originalmente planejada em três tomos, dos quais somente o primeiro
e o segundo foram efetivamente publicados: A Filosofia Teológica (1874) e A
Filosofia Metafísica (1880).
Outra tensão existente no país no último quartel do século XIX foi a Questão Militar,
desta vez um conflito entre o Imperador e os militares. Com o fim da Guerra do
Paraguai, os militares perderam seu prestígio e passaram a receber incumbências que,
em sua opinião, denegriam a imagem da corporação, como caçar escravos fugitivos,
tarefa normalmente entregue a capitães do mato. Na prática, isso levou os jovens
militares em formação a afastarem-se do ideal bélico e guerreiro e a aproximaram-se
do estudo das ciências exatas. A Escola Politécnica e a Escola Militar eram as
responsáveis pela formação dos militares.
A Escola Militar formava não homens para a guerra e sim engenheiros. Isso foi
criticado como uma espécie de paisanização ou "bacharelarização" dos militares
brasileiros. Os oficiais egressos eram matemáticos e não militares. O tenente-coronel
Benjamin Constant Botelho de Magalhães, um dos mais acirrados defensores do
Positivismo no Brasil, foi um dos professores da Escola.
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O sucessor oficial de Comte foi Pierre Lafitte. Sob seu patrocínio, foi fundada, em
1878, a Sociedade Positivista do Rio de Janeiro, com o objetivo de divulgar o
Positivismo na imprensa. Entre os intelectuais envolvidos na Sociedade estavam
Benjamin Constant e os jovens Miguel Lemos e Teixeira Mendes. Esse foi o embrião
do Apostolado Positivista do Brasil, que tanta influência teria mais tarde, durante a
República.
Muito embora Miguel Lemos não admita, já antes de 1874 havia ecos positivistas em
quase todos os Estados da Federação sendo que no Rio Grande do Sul o principal
defensor do comtismo foi Júlio de Castilhos, nascido numa estância dos pampas em
1860, Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas de São Paulo.
Segundo Ivan Lins, o Positivismo era para os gaúchos: amor as ciências exatas, a
matemática, a história natural, a física, e principalmente, um forte sentimento
republicano. Com Júlio de Castilhos, ordem e progresso, positivismo e republica se
confundem. Dono de um perfil autoritário, inteligente, polemista e persuasivo.
colocou-se a serviço da República. Interpretou e aplicou os ensinamentos positivistas
de Comte, segundo as necessidades determinadas pelas conveniências partidárias que
o momento exigia.
Com base nas informações reproduzidas acima, Alexsandro Silva, Ana Gilda
Benvenutti e Fabio M. Said concluem em sua monografia que o positivismo brasileiro teve
como principais causas deflagradoras:
- a influência exercida por Comte em estudantes brasileiros que foram seus alunos
ou que aprenderam a doutrina com seus discíp ulos;
- a Questão Religiosa e a demonstração de fragilidade da monarquia e da Igreja;
- a Questão Militar e o aparecimento de uma classe de indivíduos (os militares
inconformados pela degradação imposta pelo monarca) prontos a serem
influenciados pela nova doutrina;
31
Esta fórmula de Lasswell, responsável por torná- lo célebre e utilizada como modelo
dominante durante muito tempo nas pesquisas comunicacionais, na visão de MATTELART
(2003, p. 40) dotou a sociologia funcionalista da mídia de um quadro conceitual que, até
então, alinhava apenas uma série de estudos de caráter monográfico. Na prática, dois pontos
desse programa foram privilegiados: a análise dos efeitos e a análise do conteúdo.
Argumentos similares às conclusões feitas por WOLF (2002, p. 31):
32
O modelo teórico de Lasswell, assim como outras teorias formuladas no século XX,
não será utilizado diretamente nas próximas páginas, devido aos motivos de anacronismo
anteriormente discutidos. No entanto, as questões elaboradas por Lasswell, não podiam deixar
de ser mencionadas sinteticamente aqui, pois devem ser respondidas indiretamente nas
entrelinhas deste trabalho, assim como Peter BURKE (1994) também o fez em sua obra sobre
a construção da imagem pública de Luís XIV:
A finalidade deste estudo poderia ser resumida, numa fórmula tomada dos analistas da
comunicação de nosso tempo, como a tentativa de descobrir quem dizia o quê sobre
Luís a quem, por meio de que canais e códigos, em que cenários, com que intenções e
com que efeitos (p. 25).
Devemos estudar agora não apenas ‘quem diz o quê’, mas também ‘para quem’ e
‘com que efeitos’, refinando esta fórmula para levar em conta os processos de
interpretação de mensagens e adequando-os para fins a que não foram originalmente
destinados. No caso de Luís XIV, pelo menos a documentação referente às audiências
pretendidas é relativamente rica, e os registros nos permitem ter também alguns
vislumbres fascinantes de reações individuais (p. 163).
Capítulo 2
Século XIX: Cenário histórico e político brasileiro
O Segundo Reinado foi iniciado em 1840, com a subida de D. Pedro II ao trono, aos
14 anos de idade, mediante a antecipação de sua maioridade. Porém, o regime monárquico
somente começou a estabilizar-se depois de dez anos.
Campos Salles iniciou seu envolvimento com a política, em 1865 (como será abordado
no Capítulo 3), num momento em que o governo central já encontrava-se bastante fortalecido
pelo Poder Moderador. A Monarquia, representada pela figura onipotente do Imperador,
centralizava e administrava a disputa do poder nos Ministérios, nas Câmaras Municipais e nas
Assembléias Legislativas Provinciais e Gerais. Vereadores e Deputados eram escolhidos
através do sufrágio indireto (vide item 2.4), passando por um processo eleitoral mantido sob o
controle do Imperador e da Igreja. As eleições eram travadas entre os dois partidos
constitucionais, o Conservador e o Liberal, os quais recebiam a influência do próprio monarca
e funcionavam de acordo com sua vontade, servindo como instrumentos de legitimação do
regime em vigor.
35
As lutas polític as eram travadas então entre os dois partidos com o objetivo exclusivo
da conquista das boas graças do monarca, de quem dependia a obtenção do poder. O
monarca era, pois, um centro de equilíbrio para os dois poderosos partidos, cuja
existência por si só bastava para mantê-los dentro de uma esfera de paz e de ordem,
pois que se estava no interesse dos partidos não levar o combate ao adversário no
poder a extremos que o incompatibilizassem com o monarca, estava também no
interesse deste não dar ao partido no poder tal soma de autoridade, que esmagasse o
adversário, ou lhe tirasse toda a esperança de vida normal.
Os radicais consideravam seu partido como sendo independente das outras duas
grandes agremiações (conservadores e liberais), por isso CAMPOS SALLES (1998, p. 12)
defendia que o Partido Radical não tinha “a preocupação de servir a política imperial no
revezamento do governo do país”. Apesar de não terem intuitos propriamente revolucionários,
36
É acusado significar a importância desta reunião e o influxo que daí há de vir em prol
da consolidação da propaganda republicana e do grande Partido nacional que será
dentro em pouco a maioria do país – organizada e forte pela união (DEBES, 1978a, p.
106).
38
Não é mais tão fácil perceber que se trata de propaganda e que há pessoas tentando
convencer outras a se comportarem de determinada maneira. As idéias difundidas
nem sempre deixam transparecer sua origem nem os objetivos a que se destinam.
Por trás delas, contudo, existem sempre certos grupos que (...) conseguem, muitas
vezes, controlar todos os meios e formas de comunicação, manipulando o conteúdo
das mensagens, deixando passar algumas informações e censurando outras, de tal
forma que só é possível ver e ouvir aquilo que lhes interessa.
Daí vem a sua marcha calma e a propaganda pertinaz, por isso mesmo que ele (o
Partido Republicano) mede bem os obstáculos a vencer. Não procura fazer da
revolução a corrente impetuosa que lhe dê a vitória. Prefere ser uma força de grande
fator moral e esperar da evolução o advento da República (DEBES, 1975, p. 43).
Programa unificava a plataforma política dos candidatos e servia com um guia para as
campanhas eleitorais. Surgiu como uma grande inovação por ter sido divulgado publicamente
pela imprensa. Para garantir a visibilidade, foi sendo apresentado aos poucos, durante vários
dias nos jornais partidários.
A nova entidade iria pela primeira vez nesta cidade, e cremos que em todo o país,
uma propaganda verdadeiramente benéfica e salutar das doutrinas democráticas, já
por meio de cursos regulares de ciência s políticas, ao alcance de todos, já por meio
de conferências sobre diversos assuntos e questões de política prática, determinadas
pelas condições de oportunidade de momento.
(...) o Partido Republicano vai entrar num período de grande agitação política: não
de agitação revolucionária e puramente eleitoral, mas de agitação doutrinária, de
propaganda e de ensinamento (DEBES, 1978a, p. 210-211).
O Movimento Republicano atinge seu momento de mais forte atuação com as decisões
tomadas no Congresso Provincial do Partido em 1888. A proposta evolucionista defendida na
Convenção de Itu é trocada, por muitos membros do partido, pela idéia de revolução. De
acordo com DEBES (1975, p. 75), “a índole conservadora dos homens da propaganda
republicana jamais denotaria que seriam eles capazes de se envolver em movimentos de rua”.
De fato eram homens de gabinete, engajados em suas campanhas políticas, trabalhos de
imprensa e reuniões. Porém, após o Manifesto de 1888, “os republicanos paulistas alteraram
sua tática, passando a ação perturbadora da ordem pública”. Não foram muitos os casos em
que adotaram este procedimento, mas foi suficiente para mostrar que poderiam persistir neste
rumo.
42
Republicano Baiano), dirigiam os destinos políticos da nação através dos altos cargos
ocupados e dos representantes no Senado e na Câmara Federal.
Neste sentido, WITTER (1999, p. 29) argumenta que:
Em 1897, como já era esperado, ocorre uma cisão no PRF. CAMPOS SALLES (1998,
p. 72) afirma ter tido a previsão segura dos fatos, pois o germe da dissolução encontrava-se na
dupla: ausência de coesão de idéias e inconformidade de sentimentos. Em sua opinião, aquele
“não era propriamente um partido político, senão apenas uma grande agregação de elementos
antagônicos. Aí estava o morbus que lhe corroeu a existência” (CAMPOS SALLES 1998, p.
119). Apesar das críticas, Campos Salles, de acordo com WITTER (1999, p. 125), “procurou
conciliar os grupos que se formaram, tentando reaproximar Prudente de Moraes e Francisco
Glycério. A conciliação teria sido possível se, ‘ao impulso das suas tendências conciliadoras
não se opusessem a resistência dos irreconciliáveis de um e de outro lado’”.
Na verdade, um conjunto de fatores motivou a confirmação da cisão, entre eles a
revolta de Canudos, a moção Seabra, o incidente da Escola Militar, o desentendimento entre
Prudente de Moraes e Francisco Glycério, além das próprias divergências ideológicas entre os
membros do partido. Mas não cabe a este trabalho discutir cada um destes aspectos, pois isto
já foi feito com excelência por alguns dos principais historiadores do país, o objetivo aqui é
tentar demonstrar como aquela cisão criou um ambiente propício para o surgimento do nome
de Campos Salles para a sucessão presidencial de 1898 (como será abordado com maior
profundidade no Capítulo 4). Por enquanto, é importante anotar como a agremiação e
praticamente todo o país ficaram divididos, após a cisão, em dois grupos políticos
majoritários:
- Os reacionários ou moderados: que naquele momento governavam o país,
representados em sua maioria pelos antigos elementos dos partidos monarquistas,
contando entretanto, também, com republicanos do período da propaganda, entre
eles o próprio Prudente de Moraes; e
- Os legalistas ou radicais exaltados: que não tinham de fato objetivo prático algum,
mas atuavam como uma forte oposição às organizações e resistências reacionárias.
46
Os moderados do partido provocaram uma cisão que subsistia, como estamos vendo,
desde a sua formação. A cisão não foi nem o produto de uma exaltação de momento,
nem uma submissão a imposição de princípios, ou de ponto de vista doutrinário: foi,
na mente dos que a resolveram e a fizeram efetuar, o coroamento de uma longa e
meditada obra política, que se caracterizaria pelo deslocamento do poder das mãos dos
republicanos históricos para os dos antigos elementos dos partidos monarquistas que
aderiam à República, pois que ela estava feita, mas que queriam governá-la, alegando
que eram, de fato, a maioria do país.
O voto era um ato público, oral e a descoberto. Tanto nas eleições primárias, quanto
nas secundárias, os cidadãos ativos forneciam pessoalmente, aos secretários das mesas de
48
votação, o nome das pessoas em quem queriam votar. Em seguida, a opção era transcrita para
uma célula que deveria ser assinada pelo eleitor. Este procedimento permitia que o direito do
voto fosse estendido aos analfabetos, mas também podia ser visto como uma maneira de
controlar as eleições.
Capítulo 3
Trajetória política de Campos Salles
Rangel Pestana, José Bernardino de Campos Júnior, Prudente José de Morais Barros, (...)”
(DEBES, 1978a, p. 31).
Não demorou muito para Campos Salles integrar-se aos hábito acadêmicos, deixando a
casa de seu parente Sales Guerra e indo morar numa “república” próxima da Faculdade. Logo
no 1º ano também passou a fazer parte da diretoria da Associação Culto à Ciência, a qual
tinha como presidente honorário um dos lentes da Escola do Largo do São Francisco, José
Bonifácio de Andrada e Silva, responsável pelo ensino de Economia Política. Entre outros
diversos professores ilustres da mesma época, encontrava-se Antonio Joaquim Ribas, erudito
do Direito Civil, que viria posteriormente a publicar a obra “Perfil biográfico do Dr. Manoel
Ferraz de Campos Salles”.
Durante todo o curso, Campos Salles passou por altos e baixos. “As atividades
extracurriculares não impediram que Campos Salles lograsse ser aprovado plenamente nos
exames de primeiro ano a que se submeteu” (DEBES, 1978a, p. 34), da mesma forma também
passou plenamente pelo segundo ano. Porém, quando estava no terceiro ano, acabou sendo
indicado como um dos responsáveis pelo trote violento aplicado aos alunos que ingressavam
em 1861. Seu currículo acadêmico estava marcado desfavoravelmente. Sobre isso escreve
Célio DEBES (1978a, p. 39):
Por conta de seu espírito inquieto e já manifestando uma tendência por querer causar
alguma mudança no mundo ao seu redor, passa à militância política com o início das aulas do
quarto ano. Com fervoroso entusiasmo e muito provavelmente incentivado pela convivência
com seu pai, defende os princípios da escola liberal. Teve como veículo de manifestação, o
jornal A Razão, lançado em 21 de maio de 1862, onde, segundo DEBES (1978a, p. 41) “fez as
suas primeiras armas no jornalismo político”.
Apesar dos percalços, consegue chegar honrosamente ao quinto e último ano do curso
de Direito. Sobre esta etapa merecem ser reproduzidas as palavras de Célio DEBES (1978a, p.
43):
53
Fonte: MENEZES (1974, anexos), da Seção de Obras Raras da Biblioteca Mário de Andrade.
56
1
Seu artigo de estréia leva o título de “Estrada de ferro de Campinas a Rio Claro” e tem como preocupação
política a demonstração de uma tese viável de prolongamento da estrada de ferro da Companhia Paulista.
57
Com menos de trinta anos, Campos Salles participa ainda do jornal A Reforma,
publicado no Rio de Janeiro pelo “Clube da Reforma”, grupo formado por liberais que lutam
por reformas, principalmente relacionadas à extinção do Poder Moderador. Campos Salles
fazia parte na verdade do Partido Radical, sendo também de oposição à política imperial, mas
apesar do nome, era menos revolucionário que o Partido Liberal. O órgão de imprensa do
“Clube Radical”, fundado em São Paulo, era o jornal Radical Paulistano. Em dezembro de
1870, o Clube Radical de São Paulo transforma-se em Clube Republicano, e publica como
órgão oficial do Partido Republicano, na própria capital do Império, o jornal A República,
estampando em seu primeiro número o celebrado Manifesto Republicano.
Mas somente em janeiro de 1875, “graças ao incansável empenho e ao inesgotável
entusiasmo de Américo Brasiliense e Campos Salles” (DEBES, 1978a, p. 138), é fundado e
estabelecido um verdadeiro veículo de comunicação republicano, passando por cima do
fracasso e empastelamento de A República, surge A Província de São Paulo. “Campos Salles
foi o grande animador da idéia, de que Américo Brasiliense foi o maior realizador” (DEBES,
1978a, p. 128), sustentados por um sólido capital e pela participação de diversos sócios, além
do apoio da Gazeta de Campinas. Em 1884, Alberto Salles, irmão de Campos Salles, torna-se
sócio principal e gerente de A Província de São Paulo, ao lado de Rangel Pestana. Diversas
atitudes intempestivas, inclusive prejudiciais à candidatura de Campos Salles à Câmara dos
Deputados, fazem com que Alberto Salles saia do jornal em dezembro de 1885 (DEBES,
1978a, p. 206).
Durante o curso de Direito, e mesmo depois de formado, Campos Salles manteve o
envolvimento com os jornais que tinham coloração republicana e que, segundo LINS (1967,
p. 146) defendiam os ideais do positivismo:
Generalíssimo.
Não tendo conseguido obstar o lamentável sucesso da noite de hontem com relação a
“Tribuna”, apezar dos esforços que para isso empreguei e dos quaes foi testemunha V.
Exa., venho apresentar a V. Exa., a minha demissão do cargo de Ministro da Justiça.
Saúde e fraternidade.
A exoneração solicitada foi negada pelo Marechal, e somente seria concedida dias
depois, com o término da votação da primeira Constituição republicana. Rangel Pestana,
assim como outros de seus antigos companheiros do movimento republicano, sente-se
desprestigiado e em 1891, como redator-político de O Estado de São Paulo (antigo A
Província de São Paulo), publica artigos com fortes críticas ao desempenho de Campos
Salles, o qual defende-se nas colunas do Correio Paulistano3 . Em 1894, Prudente de Morais
2
Além da habilidade política, também produzia textos polêmicos como, por exemplo, o panfleto intitulado
Pedro II e Isabel I, lançado em junho de 1888, sob o pseudônimo de “Desmoulins”, no qual ele faz fortes críticas
à monarquia.
3
Mesmo assim, Campos Salles não guardou mágoa deste duelo jornalístico, em seu livro Da Propaganda à
Presidência (SALLES, 1998) faz diversas vezes referência elogiosa a Rangel Pestana, demonstrando uma grande
admiração pelo antigo companheiro.
60
torna-se o primeiro presidente civil brasileiro, no ano seguinte Campos Sales é eleito
presidente do Estado de São Paulo, conquistando mais um degrau em sua ascendente carreira
política. O governo de Prudente foi bastante conturbado, tendo como uma de suas maiores
dificuldades controlar a Revolta de Canudos. Em 1897, o oficial paulista Coronel Moreira
César é morto e toda sua expedição é destroçada, movimentos patrióticos populares acusam o
apoio dos monarquistas aos revoltosos de Canudos, e logo em seguida a notícia da morte
daquele oficial, sob gritos de “morram os monarquistas!”, atacam e empastelam as oficinas de
O Comércio de São Paulo 4 , atirando à rua caixas de tipos, móveis, livros, etc., a polícia chega
ao local, mas não impede a manifestação (DEBES, 1978b, p. 419). Campos Salles, entre
outros políticos e a imprensa em geral, atribuíam o sucesso militar do povo de Canudos a
cumplicidade dos monarquistas. Outros jornais monarquistas, que ressaltavam as derrotas das
tropas regulares, como a Gazeta da Tarde e o Liberdade do Rio de Janeiro, também sofrem a
ira das massas, resultando até mesmo no linchamento de Gentil de Castro, diretor de ambos
(DEBES, 1978b, p. 421).
Manoel Ferraz de Campos Salles foi um dos principais políticos relacionados à
imprensa brasileira. Ao contrário, por exemplo, de Prudente de Morais, que segundo
ROMANINI (2002, p. 46), cometeu um de seus maiores equívocos não acreditando e não
contribuindo financeiramente com a imprensa, acreditando que acabaria perdendo dinheiro
neste investimento. Campos Salles, por outro lado, dedicou especial atenção ao jornalismo,
tanto financeira quanto intelectualmente. Ele acompanhava a ascensão burguesa, o avanço das
relações capitalistas e a transformação do jornal numa empresa capitalista (SODRÉ, p. 317).
Em abril de 1898, antes de tomar posse como Presidente da República, Campos Salles
embarca em um navio chamado “Tames”, rumo a Europa, a fim de negociar a caótica situação
financeira que o país encontrava-se. Antes de sua viagem foi- lhe oferecido um almoço no Rio
de Janeiro
4
Ainda naquele momento existiam manifestações pró-monarquia no Brasil, em 1893 o Partido Monarquista de
São Paulo funda um jornal diário chamado O Comércio de São Paulo, sob a direção de Eduardo Prado (DEBES,
1978b, p. 414).
61
Após a viagem, o jornalista Tobias MONTEIRO (1983) publica um livro onde relata
com riqueza de detalhes a conduta e as negociações do Presidente. A estreita relação existente
entre Campos Salles e o Jornal do Comércio é demonstrada diversas vezes por José Carlos
Rodrigues, através do seu diário ele defende constantemente o Presidente dos ataques de Rui
Barbosa publicados em seu jornal A Imprensa (DEBES, 1978b, p. 489, 495 e 496).
José do Patrocínio, diretor do periódico a Cidade do Rio, também exerce forte
oposição ao governo de Campos Salles até 1901, quando passa a apoiá- lo depois de discutir,
através da imprensa, com Rui Barbosa. Ao mesmo tempo, em junho de 1901, surge na cidade
do Rio de Janeiro, um novo órgão de oposição a Campos Salles, O Correio da Manhã
(DEBES, 1978b, p. 519-520).
Campos Salles recebeu muito apoio e muitas críticas através do jornalismo, além dos
ataques diretos através dos textos, foi também bastante ironizado através de apelidos, charges
e caricaturas, demons trando o grau de liberdade de expressão que esta atividade podia
desfrutar naquele momento.
De certa forma, Campos SALLES (1998, p. 174-175) possibilitava essa liberdade,
porque possuía seus próprios artifícios:
Era inevitável e fatal o recurso à imprensa industrial. (...) Não corrompi a imprensa.
Acatei sempre a que merecia o respeito do público. Tive, porém, a mágoa profunda
de encontrar jornais e jornalistas desviados da sua grandiosa missão e que pareciam
menos dispostos a ser instrumentos benéficos da opinião, do que a exercitar a ignóbil
indústria das opiniões.
Ele acreditava que ninguém podia condenar a industrialização do jornal, pois este era o
desenvolvimento natural desta atividade em toda parte do mundo civilizado, não prejudicando
sua legitimidade, pelo contrário, “captando o favor público e prestando eficaz concurso ao
progresso humano” (SALLES, 1998, p. 174). Sobre a aplicação de dinheiro e a criação de
falsas correntes de opinião, Campos Salles cita o positivista ortodoxo Pierre Laffitte 5 e
argumenta a respeito da existência de
5
Campos Salles cita Pierre Laffitte como sendo um “sábio professor do Colégio de França” e autor de
“Conférence sur la liberte de la presse”, não apresentando maiores informações do que estas.
63
Campos Salles argumenta que desde a monarquia eram usados os “fundos secretos” do
Tesouro para o serviço da imprensa; e durante o Governo Provisório, período de “ditadura
popular” que inaugurou o regime republicano, a imprensa não foi subvencionada mas era
exercido sobre a opinião uma “indiscutível autoridade moral” (SALLES, 1998, p. 177).
Seu antecessor, Prudente de Morais, não possuía a mesma habilidade e astúcia com
relação ao uso da verba secreta. Durante o episódio de Canudos e a destruição de alguns
jornais monarquistas, Célio DEBES (1978b, p. 425) reproduz alguns trechos das cartas
daquele Presidente 6 , nos quais fica explícito que
Essa canalha é instigada pelo Paiz – que não pode resignar-se com a privação da
pingue subvenção – que recebia pela verba secreta – e pelo Diario de Noticias – á
quem recusei essa subvenção. A policia está preparada – para dar uma sóva em regra –
na primeira opportunidade que essa canalha offerecer (DEBES 1978b, p. 425).
6
Correspondências mantidas entre Prudente de Morais e seu irmão Manuel (Manduca), de 6 e 27 de janeiro de
1895.
64
Mesmo demonstrando muita preocupação com a imprensa, Campos Salles não pode
evitar ser alvo de vaias e manifestações hostis da população ao entregar seu cargo de
Presidente da República a Rodrigues Alves no dia 15 de novembro de 1902, no Rio de
Janeiro, representando o forte impacto social das duras medidas que teve de tomar para
garantir a estabilidade do país 7 . Os jornais adversários relataram com detalhes as
manifestações, enquanto a imprensa que o apoiou silenciara (DEBES, 1978b, p. 545).
7
Sodré, citando Laurita Pessoa Raja Gabaglia, escreve sobre Campos Salles: “Se não houvesse feito calar a grita
dos jornais, não teria levado a termo a obra de salvação financeira do país” (SODRÉ, 1966, p. 317).
65
Voltou para Campinas em meados de 1865, casando-se no mesmo ano com D. Anna
Gabriela de Campos Salles, sua prima-irmã, filha de José de Campos Salles, irmão do tenente-
coronel.
Instala seu escritório de advocacia logo em seguida, e inicia seus trabalhos como
profissional liberal. Sobre isso, Raimundo de MENEZES (1974, p. 29) escreve:
As informações contidas nas obras biográficas sobre Campos Salles não são unânimes
sobre o início de sua vida pública. De acordo com DEBES (1978a, p. 50), “ao que tudo
indica, Campos Salles não foi Juiz Municipal, mas apenas, suplente”, em sua opinião não é
possível afirmar se de fato, em 1865, o ex-presidente assumiu a cargo de Juiz Municipal em
Campinas. Mas com certeza, como consta no Correio Paulistano de 15 de outubro de 1865,
apresentado por DEBES (1978a, p. 51), ele foi nomeado pelo Presidente da Província como 1º
suplente daquele cargo.
No ano seguinte, Campos Salles assume o cargo de Delegado de Polícia de Campinas.
Porém não permanece muito tempo, poucos dias antes de fazer seu pedido de exoneração do
cargo, nasce- lhe a primeira filha, Adélia, em 5 de junho de 1866.
66
Naquele mesmo ano de 1866, Campos Salles iniciaria seu engajamento na vida
política, começando efetivamente a trabalhar sua imagem pública e definindo uma linha de
conduta para seus esforços de comunicação política. “Além da advocacia e das atividades
correlatas, a militância política o atrai. Participa das lutas partidárias, integrando as hostes
liberais” (DEBES, 1978a, p. 53).
O Partido Liberal encontrava-se bem estruturado naquela época e disputava, de
maneira acirrada, as posições nas pugnas eleitorais contra o Partido Conservador. Entre os
liberais encontravam-se os políticos partidários do capitalismo comercial e também aqueles
ligados às chamadas profissões liberais.
Dentro da agremiação Liberal existiam algumas facções (vide Capítulo 2), entre elas
estavam os Históricos, os quais viriam posteriormente a constituir o embrião do Partido
Republicano. Campos Salles estava alinhado aos ideais daquela facção, a qual tinha como
órgão de expressão o jornal Opinião Liberal e se declarava:
Pela extinção do Poder Moderador; pelo sufrágio direto e generalizado; pelo ensino
livre, quer quanto à escola, quer no tocante ao professorado; pela abolição da guarda
nacional; pela polícia eletiva; pela temporariedade do Senado; pela substituição
gradual do trabalho escravo pelo livre; “pelas franquesas provinciais sobre o princípio
electivo” e pela emancipação da lavoura por meios de instituições de crédito que se
adaptassem às suas condições de existência” (DEBES, 1978a, p. 57).
Não foi possível encontrar outros documentos capazes de sanar esta dúvida com
relação ao número do distrito pelo qual Campos Salles concorreria àquela vaga de Deputado
Provincial. Fica aqui a informação registrada como sendo 7º distrito para Raimundo de
Menezes e 3º distrito para Célio Debes.
Ainda naquela época, as eleições eram realizadas nas igrejas, em duas etapas, e
baseadas no número de paróquias de cada Província, como foi apresentado no segundo
capítulo deste trabalho. Segundo afirmação de DEBES (1978a, p. 58), “a Província estava,
para fins eleitorais, dividida em três distritos. (...) a representação de São Paulo na Câmara
dos Deputados era constituída de nove membros e a Assembléia Legislativa Provincial
compunha-se de trinta e seis deputados”. Neste sentido, parece mais coerente considerar que
Campos Salles só poderia estar representando mesmo o 3º distrito, provavelmente a Província
de São Paulo seria dividida em maior número de distritos somente a partir de 1881, com a Lei
Saraiva.
No entanto, considera-se como sendo mais importante, neste momento, relembrar o
mecanismo da chamada eleição prévia e, em seguida, reproduzir o restante daquele manifesto,
independentemente do exato número do distrito eleitoral de Campos Salles.
A prévia era a primeira etapa da eleição total, nela a massa de eleitores definiam os
votantes que reunidos em assembléia provincial escolheriam os representantes de cada distrito
para assumir as cadeiras da Câmara dos Deputados e da Assembléia Legislativa. O manifesto
de Campos Salles e Jorge Miranda era direcionado aos eleitores daquela primeira etapa,
outros trechos do mesmo serão reproduzidos a seguir de acordo como foram registrados por
DEBES (1978a, p. 59-60):
Em nossa pretensão – afirmam – não levamos outro incentivo que não o mais decidido
desejo de juntar os nossos esforços aos daqueles que trabalham pela prosperidade e
engrandecimento de nossa Província.
69
No que toca propriamente à política, declaramos leal e francamente que tomamos por
guia a bandeira sob a qual militam os denominados hoje “liberais históric os”, porque é
nela que se acha inscrita a bela legenda que sempre guiou o velho Partido Liberal nas
lutas heróicas de outros tempos.
A comunicação política de Campos Salles, em parceria com seu colega Jorge Miranda,
foi muito eficaz naquele momento. Pois, mesmo não contando com o apoio efetivo dos
dirigentes da agremiação liberal e dos chefes locais, que inclusive chegaram a preteri- los
“substituindo-os por outros nomes não sufragados pelo eleitorado” (DEBES, 1978a, p. 60),
conseguiram ser eleitos pelos votantes na segunda etapa daquela disputa eleitoral.
Já naquela época, Campos Salles demonstrava intensa preocupação com a opinião
pública, aspecto que caracteriza os mais célebres políticos. Este traço, seria marcante em suas
estratégias de comunicação. Segundo POYARES (1998, p. 16), conseguir uma boa imagem
pública é o objetivo de todo político, pois, desse modo, é possível deixar sua marca: “Em
qualquer das faces do cenário, verifica-se a mesma preocupação, aliás compreensível: a busca
de imagem pública. Importa aparecer, se possível no proscênio, para ser reconhecido,
avaliado, apreciado”.
É possível supor, que as estratégias de comunicação de Campos Salles, apesar de
eficazes, ainda eram intuitivas. Somente alguns anos depois, com a sua entrada no movimento
republicano e o contato com as obras de seu irmão, Alberto Salles, e outras de fundamentação
positivista, é que sua propaganda política iria ganhar maior consistência teórica.
Mesmo assim, na campanha de 1867, os eleitores foram sensibilizados e convencidos
pelas propostas apresentadas, nomeando votantes favoráveis a Campos Salles e Jorge
Miranda. Dos dezoitos votantes da paróquia de Campinas, quinze escolheram entre aqueles
candidatos. Entre os doze Deputados Provinciais eleitos no distrito da região de Campinas,
representando um terço do total da Província, Campos Salles recebeu 183 votos, ficando em
4º lugar, a frente de Jorge Miranda e Prudente de Morais.
De acordo com DEBES (1978a, p. 63), Campos Salles fez sua estréia na tribuna da
Assembléia Legislativa em 29 de fevereiro de 1868, justificando um projeto de lei de sua
autoria, no qual fixava as divisas entre os municípios de Brotas e Rio Claro. Sua primeira
passagem como Deputado Provincial foi marcante, garantindo um início de carreira política
bastante sólido. Esse aspecto está registrado nos Anais da Assembléia Legislativa Provincial
de São Paulo, nas impressões do deputado Leite de Moraes, reproduzidas na obra de Célio
DEBES (1978a, p. 64):
Discurso brilhante e eloqüente que acabamos de ouvir de uma das mais belas
esperanças da geração que passa. (...) o 3º distrito, honrando-o com seus sufrágios, não
fez mais do que colocar no seio da representação provincial uma das nossas mais
brilhantes inteligências, um dos nossos mais robustos talentos.
72
Embora, estando muitas vezes em lados opostos, como foi o caso daquele primeiro
discurso feito por Campos Salles, Prudente de Morais reconheceu que estavam além de suas
próprias capacidades “fazer um eloqüente discurso como aquele que acaba de ser proferido
pelo honrado deputado pelo 3º distrito” (DEBES, 1978a, p. 65).
Em seus primeiros anos como parlamentar, Campos Salles marcou presença,
participou de debates e teve uma atuação brilhante. Ao lado de Jorge Miranda e Benedito
Ferreira Coelho apresentou um projeto de lei com inovações para o ensino na Província,
cumprindo uma importante proposta de sua campanha eleitoral. Infelizmente, aquele projeto
foi considerado muito avançado para a época. Promovia o ensino particular ao lado do oficial,
era uma tentativa de implantar o ensino livre. Uma emenda substitutiva foi oferecida pela
própria bancada Liberal, acabando por descaracterizar essencialmente o projeto inicial.
A reforma no ensino foi uma preocupação constante de Campos Salles, sendo
freqüentemente abordada em sua comunicação. Muito provavelmente, neste ponto, ele
recebeu uma forte influência de Auguste Comte, pois a idéia do ensino livre encontra raízes
no positivismo e, segundo VITA (1965, p. 147), foi defendida na “Política republicana”, de
Alberto Salles:
73
Para êle [Alberto Salles], “a intervenção do Estado, em relação ao ensino superior, não
deve ser senão indireta. A ciência é uma idéia fundamental, corresponde a uma das
esferas da atividade social, e como tal necessita de certas condições que assegurem,
não somente a sua completa independência ao lado de outras esferas da atividade
humana, mas também a livre expansão de tôda a sua energia progressiva. (...) A
ciência deve permanecer sempre na mais completa independência, girando
constantemente em uma esfera distinta da atividade religiosa ou política, e nunca
subordinada à influência exclusiva de qualquer outra esfera da atividade social. A
liberdade de ensino deve ser um corolário da liberdade de aprender”.
Muitos fatos marcaram a vida de Campos Salles no ano de 1869. Em julho perdeu seu
filho Vítor, que não contava ainda com dois anos de idade. Por outro lado, amenizando a
tristeza, nasce José Maria em setembro. No final do mesmo ano é fundada a Gazeta de
Campinas, jornal onde teve grande participação. Através daquele veículo, passou a fazer
efetivamente suas primeiras manifestações anti- monárquicas, em boa parte motivadas e
baseadas em textos de intelectuais revolucionários franceses. Em sua própria autobiografia,
ele mesmo afirma ter encontrado em Auguste Comte o estímulo para defender o movimento
contrário a monarquia, iniciado no Brasil com a Conjuração Mineira:
É um fenômeno incontestável, pois que a história o atesta, o contágio das idéias entre
os povos, nas épocas em que se operam os grandes abalos sociais. Já A. Comte havia
observado que, em cada momento da história, o povo, cuja evolução é mais adiantada,
representa a humanidade inteira (CAMPOS SALLES, 1998, p. 13).
monarquia. Ele defendia a substituição gradativa da mão-de-obra escrava pelo trabalho livre
assalariado, apresentando como justificativa as possibilidades de maior rendimento da lavoura
no Brasil através do segundo modelo.
Quanto aos transportes, Campos Salles também estava contaminado pela febre
ferroviária que atingia a província de São Paulo. Neste sentido, manifestava-se através da
imprensa, aproveitando principalmente a inauguração das linhas da Companhia Paulista, cujo
prolongamento chegaria em Campinas, no ano de 1872. Naquele ano ocorreriam eleições
municipais em todo Império, portanto a chegada do trem de ferro ao município transformou-
se num grande evento político.
Campos Salles soube aproveitar muito bem aquele momento, realizando discursos
durante o evento e participando das reuniões e jantares comemorativos. “Cessadas as
vibrações decorrentes da realização de um dos maiores sonhos dos campineiros, (...) os
republicanos locais passam a dedicar-se a seus objetivos políticos” (DEBES, 1978a, p. 102).
Os republicanos organizaram uma chapa e lançaram o nome de Campos Salles, tanto
para vereador como para Juiz de Paz, no pleito de Campinas. De acordo com o Correio
Paulistano, de 15 de setembro de 1872, apresentado por (DEBES, 1978a, p. 102-103):
Na verdade, os republicanos ainda não estavam reunidos sob uma agremiação própria,
o lançamento oficial do Partido Republicano Paulista ocorreria somente no ano seguinte.
Naquele momento, eles ainda faziam parte de uma facção liberal prestes a tornar-se
independente. Constituíam, sim, uma chapa republicana, mas na visão daqueles homens, já se
consideravam como um verdadeiro partido político. E, como tal, preocupavam-se com os
conceitos de “Ordem e Progresso” de Auguste Comte. Neste sentido, VITA (1965, p. 133)
apresenta a influência pioneira das palavras de Alberto Salles:
Debaixo dêste ponto de vista que eu considero os partidos políticos como poderosos
instrumentos de progresso. Centro de convergência de uma soma extraordinária de
esforços, que de outra forma se inutilizariam numa dispersão inevitável, êles não
somente evitam a anarquia , como favorecem a vitória das mais nobres aspirações
populares.
Pela segunda vez, naquele mesmo ano de 1872, Campos Salles tinha motivos para
comemorar, pois no dia 1º de julho sua filha Helena havia nascido.
A sessão de posse dos vereadores de Campinas ocorreu no dia 13 de janeiro de 1873,
“Campos Salles é escolhido para integrar as comissões de ofícios e redação e a de contas”
(DEBES, 1978a, p. 114). Ele teria um difícil caminho a seguir, a cobrança seria grande por ter
sido eleito mediante a desqualificação de outro candidato que obtivera maior número de
votos.
Pensando nisso, Campos Salles não se deixa abater e trabalha com seriedade e muita
dedicação. Sua passagem pela Câmara é marcante, obtém reconhecimento popular ao
defender uma causa da qual não consegue sair vencedor. Na sessão de 3 de novembro de
1874, ele lutou em favor dos integrantes do Diretório responsável pelas obras de edificação da
Matriz Nova de Campinas, demitidos, em sua opinião, injustamente pela Câmara Municipal.
Mesmo não sendo capaz de reverter a situação, seus esforços foram reconhecidos e com isso
confirmou o cargo de que fora investido. A respeito disso, DEBES (1978a, p. 115) analisa os
comentários da Gazeta de Campinas, de 5 de novembro de 1874:
Em 1873 foi realizado o Congresso Republicano de Itu (vide Capítulo 2), no qual
foram tomadas importantes decisões sobre os rumos do movimento republicano em São
Paulo, entre elas o lançamento das bases do Partido Republicano Paulista – também
conhecido pela sigla PRP.
Como membro da Comissão Permanente, “verdadeiro órgão dirigente do Partido
Republicano em São Paulo” (DEBES, 1975, p. 18), Campos Salles assume o cargo de
secretário, ficando responsável por manter o contato entre os correligionários através das
circulares publicadas na imprensa. Segue abaixo a transcrição de um daqueles anúncios,
estampado na Gazeta de Campinas de 25 de maio de 1873, (DEBES, 1978a, p. 117-118):
REUNIÃO REPUBLICANA
A comissão municipal do Partido Republicano convida a todos os correligionários
deste município para uma reunião no dia 1º do p. futuro mês de junho, às 4 horas da
tarde na casa do Sr. José de Campos Salles, à rua do Rosário nº 16, a fim de eleger-se
um representante à assembléia que terá de funcionar na capital da Província no dia 1º
de julho p. futuro, conforme as deliberações constantes da circular expedida pelo clube
ituano com data de 13 de abril do corrente ano.
Campinas, Maio – 1873
O secretário da comissão,
M. F. de Campos Salles
Aproveitando o fato do Sr. José de Campos Salles, sogro de Manuel Ferraz de Campos
Salles, ter sido mencionado na circular acima, seria conveniente anotar neste momento, seu
apoio ao movimento republicano. Nas palavras de Raimundo de MENEZES (1974, p. 37):
77
Campos Salles e os amigos contam com o irrestrito apoio do sogro e tio José de
Campos Salles, homem de ação e sisudez nas atitudes, grande agricultor, chefe de
numerosa família, com real prestígio social e político. O fato destrói a balela de que ao
republicanismo seguem a mocidade inexperiente e os que nada têm a perder. Dotado
de extraordinária atividade e energia, arregaça as mangas e luta com destemor. Não
vacila em reunir na própria casa, (...) dezenas de políticos.
(...) Infelizmente, sem merecer outra divulgação além da sua posterior inserção nos
Programmas dos Partidos, de Americo Brasiliense, elle ficou sendo um trabalho
puramente academico, sem nenhuma acção real de propaganda, nem mesmo sobre os
varios meios republicanos fóra da provincia de São Paulo.
Liberdade plena dos cultos e sua igualdade perante a “sociedade temporal e política”;
abolição do caráter oficial da religião católica e a desvinculação da Igreja do Estado;
separação entre o ensino secular e o religioso; instituição do casamento civil, sem
prejuízo do religioso, “conforme o rito particular dos cônjuges”; secularização dos
cemitérios e sua administração pelos municípios; “instituição do registro civil de
nascimentos e óbitos” (DEBES, 1978a, p. 126).
REUNIÃO REPUBLICANA
Os abaixo assinados, membros da Comissão Permanente do Partido Republicano
neste município, convidam a todos os seus correligionários para uma reunião geral,
que terá lugar no dia 17 do corrente, a 1 hora da tarde, na rua do Rosário nº 28.
Devendo-se tratar nessa reunião de adotar medidas tendentes a regularizar a conduta
do Partido no pleito eleitoral de outubro próximo futuro, esperam os abaixo assinados
que os seus amigos políticos não deixarão em caso algum de prestar o seu valioso
concurso e o auxílio de seus conselhos, não só para que a maioria real do Partido seja
aí representada, como também para que as deliberações tomadas possam adquirir o
cunho de maior acerto e critério.
Campinas, 1º de setembro de 1876.
Antônio Pompeu de Camargo
Elias Augusto de Amaral Souza
Jorge Miranda
F. Quirino dos Santos
M. F. de Campos Salles
Foi uma grande vitória para o Partido Republicano em Campinas, nem mesmo na
capital eles estavam tão bem organizados, não conseguindo obter o mesmo êxito. Para
Campos Salles era o momento de sua afirmação política.
Em outubro do mesmo ano, ele seria escolhido para dirigir a loja maçônica
Regeneração, que estava sendo fundada. Na festa de inauguração, registrada pela Gazeta de
Campinas, de 27 de outubro de 1876, Campos Salles afirma “unir os seus esforços aos da
Loja Independência, para trabalharem ambas nesta cidade pela causa do progresso e do
engrandecimento da humanidade” (DEBES, 1978a, p. 147). A loja Independência era dirigida
por seu colega, Francisco Quirino dos Santos.
Novo conclave eleitoral estava marcado para 1877, naquele momento seriam
disputadas as vagas para deputados. Os republicanos indicaram seis candidatos para a
Assembléia Legislativa de São Paulo, Campos Salles estava entre eles. Entretanto, “a vitória
só iria sorrir àqueles de seus correligionários que se aliaram aos liberais. (...) Prudente de
Morais e Cesário Mota” (DEBES, 1978a, p. 155).
Apesar da Comissão Permanente do Partido Republicano permitir esse tipo de aliança,
Campos Salles e outros de seus companheiros não aceitavam o fato de unir fo rças com aliados
para poder participar de uma embate eleitoral. O ex-presidente desenvolvia suas estratégias de
81
Ilmo. Senhor
Campinas, 28 de julho – 1877
Por indicação dos meus amigos políticos, sou candidato, na eleição de 15 de agosto
próximo, a um assento na Assembléia Provincial.
Filiado a um partido de futuro, e portanto livre das pêas communs aos partidos de
Governo, que por sua natural tendência combatem pela posse immediata do poder,
julgo-me com forças para nesse posto prestar à minha província os serviços que
couberem na alçada dos meus migoados recursos, dedicando-me com justiça e
imparcialidade ao severo e escrupuloso exame da administração públic a.
Acceitarei com franquesa e lealdade as medidas úteis que forem propostas, e cobaterei
com energia e tenacidade tudo quanto possa de algum modo contrariar as nobres e
generosas aspirações da província, sem que de leve deva preocupar-me, em um como
em outro caso, a côr política da situação dominante, qualquer que ella seja.
82
De V. S.
Am. Vnr e Obg.
M. F. de C. S.
83
Seria conveniente anotar algumas das visitadas feitas por Campos Salles aos núcleos
eleitorais do 7º distrito, registradas em seu caderno de notas e publicadas por DEBES (1978a,
p. 169-170):
Aquele último meeting, proferido em Campinas na véspera da eleição, fez com que o
enorme teatro S. Carlos ficasse lotado. Sobre o evento, Raimundo de MENEZES (1974, p. 42)
reproduz a notícia assinada por Assis Brasil e publicada n’A Província de São Paulo, no dia 3
de novembro de 1881:
BOLETIM REPUBLICANO
Candidatos do partido
À Assemblea Geral
1º districto – Dr. Americo Braziliense de Almeida Mello, (...)
2º districto – Dr. Luiz Pereira Barreto, (...)
3º districto – Dr. Lycurgo de Castro Santos, (...)
4º districto – Dr. Americo Braziliense de Almeida Mello, (...)
7º districto – Dr. Manoel Ferraz de Campos Salles, (...)
8º districto – Dr. Prudente José de Moraes Barros, (...)
9º districto – Dr. Martinho da Silva Prado Junior, (...)
88
À Assemblea Provincial
1º districto – Francisco Rangel Pestana, (...)
2º districto – Francisco Nogueira Cardoso, (...)
3º districto – José Fortunato da Silveira Bulcão, (...)
4º districto – Dr. Americo Braziliense de Almeida Mello, (...)
7º districto – Dr. Manoel Ferraz de Campos Salles, (...)
8º districto – Dr. Prudente José de Moraes Barros, (...)
9º districto – Dr. Martinho da Silva Prado Junior, (...)
Apresentação do Programa
A Commissão Permanente do Congresso Republicano, em virtude da resolução do
mesmo Congresso, em sessão de 8 de abril do corrente anno, organizou o programma
dos candidatos do partido nas proximas eleições para a assembléa geral e a provincial,
e, sendo ella aceito por estes, constitue hoje um compromisso solemne para o
desempenho do mandato, si lhes for confiado pelo eleitorado de alguns districtos da
provincia.
Ao lado de Campos Salles, também foram eleitos para Assembléia Provincial de São
Paulo outros cinco republicanos: Prudente de Morais, Gabriel de Piza e Almeida, Martinho
Prado Júnior, Francisco Rangel Pestana e Antônio Gomes Pinheiro Machado. Além deles, A
Província de São Paulo publicou, em 5 de janeiro de 1882, os demais candidatos eleitos
(DEBES, 1978a, p. 172): “Os liberais elegeram 15 deputados, os conservadores 14, e os
autonomistas e católicos 1”. Aquele fato demonstra a força e evolução do bloco maciço
constituído pelo movimento republicano paulista.
A vitória nas urnas motivou a realização de uma grande comemoração em Campinas,
o Banquete Memorável. Os membros do partido foram homenageados pelo eleitorado através
da aplicação de seus nomes aos pratos que seriam servidos:
89
8
O senador Dantas era chefe do gabinete do Império, político liberal e experiente. Seu projeto de 1884 contava
com a habilidosa colaboração de Rui Barbosa, tratava principalmente de fixar em 60 anos o limite de idade dos
escravos, além de obrigar novo registro e identificação de escravos, garantindo a aplicação mais efetiva da “Lei
do ventre livre” e da proibição do tráfico. Aquela proposta somente seria aprovada em 1885, com menor
abrangência e contando como muito menos rigor, através da Lei Saraiva-Cotegipe, conhecida como dos
Sexagenários.
91
Primeiramente, ele fez uma articulação, assim como outros membros do partido, que
viria a causar estranhamento e ser tachada de oportunista, inclusive pelo pesquisador José
Maria dos SANTOS (1942). O Partido Liberal encontrava-se no poder, portanto
conservadores e republicanos estavam na posição de oposicionistas, mesmo contando com
propostas e idéias eleitorais essencialmente diferentes (por exemplo, com relação ao projeto
Dantas, estavam em lados opostos) consideravam-se na mesma linha de interesse. Não é
necessário argumentar que os candidatos não fariam modificações em suas bases, mas o
objetivo de Campos Salles, assim como outros republicanos e conservadores, era compor uma
aliança para o segundo turno, “favorecendo o candidato dessas agremiações que viesse a
concorrer com o liberal. Neste caso, o partido alijado votaria no que se classificara” (DEBES,
1978a, p. 185). Em outras ocasiões, Campos Salles havia repudiado esse tipo de artimanha
política, mas tornando-se mais experiente e conhecendo melhor o “jogo” do qual fazia parte,
ele teve que ceder. Assim convencido, não mediu esforços para solidificar a coligação.
Aquele acordo não era suficiente para Campos Salles, em sua opinião o pleito seria
definido em torno do projeto Dantas, por conta disso, as cores partidárias assumiriam um
plano secundário. Convencido disso, sendo republicano e estando aliado abertamente aos
conservadores, recorre também a um importante chefe da facção liberal de Socorro. Na carta
92
transcrita por Célio DEBES (1978a, p. 185-187), defende sua fidelidade ao projeto de lei
executado pelo representante liberal responsável pelo Gabinete Imperial:
Não é uma solução, mas é um progresso enorme comparado com o que existe.
Peço que me desculpe, mas permita-me dizer-lhe que o candidato é que deve
acompanhar o eleitor, porque o eleitor é que representa a medida exata do sentimento
público. Não se invertem portanto os papéis acorrentando o eleitor ao candidato.
Quando, pois, o candidato acha-se em antagonismo com o eleitor, este nega-lhe o
voto.
93
De V. S.
Amº Obrº crº
M. Ferraz de Campos Salles
Neste sentido, Campos Salles demonstrou um grande avanço em lidar com a opinião
pública, conduzindo suas estratégias comunicacionais também nesta direção. Provavelmente,
aquela era uma postura influenciada pelos ideais revolucionários franceses. Pois, como aponta
CHAMPAGNE (1998, p. 48), além dos formadores da opinião pública conjugarem seus
próprios interesses, procuravam também diminuir o poder da monarquia francesa: “‘a opinião
pública’ é, assim, uma espécie de máquina de guerra ideológica ‘improvisada’, durante o
século XVIII, pelas elites intelectuais e pela burguesia de toga, a fim de legitimar sua próprias
reivindicações no campo político e enfraquecer o absolutismo régio”.
Segundo MARQUES DE MELO (1998, p. 206), o conceito da opinião pública
também pode ser vista a partir da evolução da imprensa: “Em termos históricos, é possível
dizer que a Opinião Pública surge após a revolução burguesa, na Europa, quando a imprensa
deixa de ser controlada rigidamente pelo Estado, e adquire o caráter de uma instituição livre,
colocada a serviço dos diversos interesses dentro da sociedade”.
Todo o empenho de Campos Salles na campanha de 1884, e sua determinação em
vencê- la, ainda seriam fortalecidos por um novo tipo de propaganda eleitoral. Os republicanos
introduziam na imprensa uma forma de comunicação inovadora. “As vésperas do pleito, A
Província estampa, na primeira página, material de propaganda individual dos candidatos,
ilustrado com enorme retrato de cada um deles” (DEBES, 1978a, p. 187). A edição de 16 de
novembro de 1884 seria dedicada a Campos Salles.
94
Campos Salles não sustentou somente com denodo e valentia a bandeira republicana
no Parlamento nacional; ele conseguiu mais: honrou a Província, mantendo-lhe os
créditos pelo brilho do seu talento, pelo vigor e correção com que tratou de assuntos
importantes, rodeado das simpatias e respeito de uma Câmara adversária. Hoje, em
favor de sua candidatura, milita esta consideração: representa ali na Câmara a elevação
do nível intelectual da Província de São Paulo.
Capítulo 4
Rumo à Presidência da República
Entre a derrota na tentativa de reeleição para Deputado Geral, em 1886, e a vitória pela
terceira vez como Deputado Provincial, em 1888, alguns pontos marcaram a trajetória política
de Campos Salles. Mais do que isso, o momento de instabilidade política pelo qual o Brasil
passaria naquele biênio de 1888-1889, representaria o início de sua campanha para a
Presidência da República. Somente em 1898 ele seria eleito como o segundo presidente civil
brasileiro, é importante registrar que durante aqueles dez anos, entre 1888 e 1898, os altos
cargos políticos por ele ocupados não foram escolhidos pelo voto direto, mas sim por
indicação partidária. Sendo assim, aqueles dez anos simbolizam uma longa campanha
política, definida por uma eficaz estratégia de comunicação, efetuada primeiramente entre os
próprios chefes do Governo e em seguida junto à massa nacional de eleitores.
A partir de 1886, mesmo sendo derrotado nas urnas, Campos Salles iniciaria um
trabalho mais efetivo junto ao movimento republicano. Na verdade, o movimento como um
todo ficava mais agitado e enérgico, devido às perspectivas de um possível terceiro reinado,
perpetuando o governo monárquico no país, caso subissem ao trono a princesa Isabel e o
príncipe consorte, Sr. Gastão de Orleans, conhecido como Conde d’Eu (vide Capítulo 2).
O Clube Republicano de Campinas foi fundado em 1886, com o intuito de incrementar
a propaganda partidária em São Paulo, com isso, “o Partido Republicano vai entrar num
período de grande agitação política: não de agitação revolucionária e puramente eleitoral, mas
de agitação doutrinária, de propaganda e de ensinamento” (DEBES, 1978a, p. 211). De fato, o
novo clube iria desenvolver esforços de propaganda nunca antes vistos no país, os quais
seriam aplicados, com certa freqüência, dali até os dias de hoje, nas estratégias de
comunicação dos políticos brasileiros. Segundo DEBES (1978a, p. 210-211), a doutrinação
democrática proposta pelos republicanos, dar-se- ia através de cursos regulares de ciências
políticas, ao alcance de todos, além de conferências abertas sobre diversos assuntos e questões
de política prática.
98
ADVOCACIA
Os advogados Drs. Manoel Ferraz de Campos Salles e Bernardino de Campos abriram
o seu escritório nesta capital, à rua de Imperatriz, 47. Podem ser procurados, todos os
dias (das) 10 horas da manhã às 3 da tarde.
IO-1
A partir daquele mesmo ano, o movimento republicano paulista faria mudanças nos
rumos de sua propaganda, abandonando a linha evolucionista e partindo para uma proposta
mais revolucionária (vide Capítulo 2).
Seguindo a nova linha, Campos Salles lançou um panfleto intitulado Pedro II e Isabel
I, sob o pseudônimo “Desmoulins”. “São 32 páginas de boa prosa, num estilo claro, conciso,
enérgico e valente, que denuncia o grande patriotismo do escritor amestrado, cuja pena as
traçou e cujo cérebro as concebeu” (DEBES, 1978a, p. 242). O autor defendeu a necessidade
da revolução, criticando o reinado de D. Pedro II como um “largo período da monarquia
ditatorial”, e a subida ao trono da princesa e seu marido representariam “uma enorme
ameaça”.
101
9
Entidade armada criada na Corte. Sob o comando do Conde d’Eu, agia supostamente em defesa da pretendente
do Trono. Atacava, com a complacência da polícia, aqueles que poderiam oferecer algum perigo para a
Monarquia, chegando a agredir Silva Jardim, entre outros membros do movimento republicano.
103
No dia 6 de novembro de 1889, recebi uma carta de Aristides Lobo, entregue com
todas as precauções por seu sobrinho, o ardoroso republicano Francisco J. da Silveira
Lobo, na qual me dava parte do que se passava no Rio de Janeiro, das confabulações
entre os republicanos e algumas altas patentes do Exército, e me prevenia para que
dispusesse os elementos paulistas de modo a poderem intervir com eficácia no
momento oportuno, visto que, ponderava ele, o movimento revolucionário ganhava
terreno e tudo indicava a proximidade da ação decisiva. Procurei imediatamente, como
me cumpria, Bernardino de Campos e Rangel Pestana, a fim de inteirá-los de tudo, e
sem perda de tempo telegrafei a Francisco Glicério, em Campinas, e a Prudente de
Moraes, em Piracicaba, dizendo-lhes que motivos urgentíssimos exigiam, na capital da
província, a sua presença para assunto da máxima gravidade.
Glicério chegou em São Paulo e partiu imediatamente para o Rio. Prudente enviou
resposta dizendo que só poderia ir no dia seguinte, caso fosse realmente indispensável.
Campos Salles replicou que a presença de Prudente tinha vital importância, fazendo
com que o mesmo partisse no dia seguinte.
104
Como é bem de ver-se, São Paulo participava da conjuração e Campos Salles assumia
papel de destaque na articulação (DEBES, 1978a, p. 291).
106
O primeiro despacho, recebido às 10,20 horas do dia 16, fora expedido do Rio, a 15, e
consigna:
“Campos Salles.
Venha urgencia tomar conta pasta Justiç a.
Bocayuva”.
Ministro da Justiça era o mais alto cargo político que Campos Salles assumiria até
então. Novamente, fazendo uso do trabalho de DEBES (1978a, p. 297), ele afirma que a
escolha para a pasta de Justiça havia ficado dividida entre Campos Salles e Rangel Pestana,
prevalecendo os votos de Francisco Glicério e Rui Barbosa a favor do primeiro.
Na opinião de LESSA (1999, p. 76), Rui Barbosa e Quintino Bocaiúva eram os dois
homens mais experientes da equipe governamental formada pelo Marechal Deodoro, ambos
deram apoio ao nome de Campos Salles. O primeiro possuía “conhecimento teórico” sobre a
“república presidencialista” dos EUA, enquanto o segundo estava familiarizado com as
vicissitudes da política argentina.
111
Logo após seu primeiro dia no Ministério, Campos Salles escreveu, como de costume,
uma carta para sua esposa, revelando sua emoção diante das homenagens recebidas (DEBES,
1978a, p. 298-299):
Anninha,
Escrevo já para ver se v. ainda póde ter amanhã noticias minhas.
Acabo de chegar, e v. não imagina o que foi a recepção que tive na estação. Uma
multidão enorme, que enchia literalmente a estação e que estendia -se, compacta, à
grande distancia do edifício, abraçava-me freneticamente, aclamando a Republica, os
membros do Governo Provisório etc. Nunca, absolutamente nunca assisti à uma scena
grandiosa como esta; mas ao sahir da estação vi ainda cousa mais comovente. De
braços com o Quintino fui desde a porta da estação até o portão do quartel do Campo
de Sant’Anna, por entre duas alas dos batalhões academicos, apresentando armas em
continência e aclamando estrepitosamente o ministro da justiça, a republica, etc.
Diversas bandas de musica tocavam a um tempo. Estou a diser que o proprio Rio de
Janeiro não assistiu a um espectaculo tão imponente como este. Estes batalhões
representam um todo de cerca de dois mil soldados, todos rapases das escolas. Fiquei
tão emocionado, que senti cahirem-me algumas lagrimas.
Entrando no quarto fui recebido por grande nº de officiaes de todas as patentes desde
generaes. Fiquei por algum tempo na secretaria da guerra, que é nos altos do edificio,
até que uma commissão de officiaes veio diser-me que soldados e povo não queriam
retirar-se sem ouvir a minha palavra (é sempre a mesma historia). Obedeci, falei e o
entusiasmo foi delirante. Então tive liberdade de sahir e vir para o hotel, onde estou
escrevendo esta com o espirito aturdido por tudo quanto vi e ouvi. Que cousa
magestosa!
- Amanhã me empossarei do meu ministerio, onde tenho muito trabalho a vencer. Vou
cumprir a sua recomendação, trabalhando muito e muito para subir à altura da
gravissima responsabilidade que assumi.
112
O texto acima é muito representativo. Por ser uma correspondência particular enviada
à sua esposa, é possível perceber toda sinceridade e emoção de Campos Salles, deixando
evidente sua preocupação em fazer um trabalho digno ao qual fora designado. Em outra carta
enviada no dia seguinte (DEBES, 1978a, p. 299-300), ele revelou sua percepção sobre o
impacto efetivo da República no país, demonstrando certo descontentamento com o fato de
muitos “novos” republicanos, terem procurado-o simplesmente por interesse.
Anninha.
Escrevo da secretaria da justiça, onde estou desde as 10 horas, hora em que tomei
posse do cargo. Tem sido para mim um dia interessantissimo, porque estou vendo
scenas desconhecidas, porque são scenas de governo. Os pedintes já começam a
apparecer, e todos elles nasceram republicanos. Tive em minha presença os
empregados todos desta secretaria, a officialidade dos corpos de policia, os offficiaes
dos corpos da guarda nacional, vistosamente fardados, todos elles protestando lealdade
e adesão ao governo provisorio e dando vivias à Republica. Têm-me apparecido
tambem muitos magistrados, presidentes da Relação, membros do Supremo Tribunal
de Justiça, assegurando todos a sua sincera dedicação ao governo. Tenho sido de
esmerada cortesia com todos elles.
Parece que nesta terra nunca houve monarchia, e todos disem que, se o proprio chefe
da monarchia pactuou com a Republica, ninguem mais tem obrigação de ser
monarchista nesta terra. Enfim, a Republica está feita e perpetuada.
O sr. Campos Salles declara que – lê-se nas Atas – em matéria de religião, entende que
as reformas devem ser radicais ou então nada fazer-se. Não convém contemporizar
com o clericalismo, a quem parece o Governo temer; e, fazendo parte do Governo, não
pode deixar de pugnar pelas mesmas idéias pelas quais se debateu nas orações
públicas, na imprensa e no Parlamento. Está disposto a não ceder nesta questão. No
Brasil, o clero não representa uma força como na França e Alemanha. Esse temor deve
desaparecer e o Governo agir com toda a energia, introduzindo reformas completas e
compatíveis com o programa republicano. (DEBES, 1978a, p. 303).
Honras do posto – É este o decreto que subiu ontem à assinatura do Sr. chefe do
Governo Provisório:
Que a solenidade de hoje, além de homenagem prestada a uma nação amiga, pela sua
emancipação política, comemora os feitos militares da maior campanha ferida na
América do Sul, na qual tomaram parte, unidas, três nações Sul-Americanas;
(...) Conceder as honras de general de brigada aos cidadãos: Rui Barbosa, Manuel
Ferraz de Campos Salles, Quintino Bocaiuva, Francisco Glicério, José Cesário de
Faria Alvim e as de coronel ao cidadão João Batista de Sampaio Ferraz.
115
Ao lado dos demais ministros, Campos Salles contava com grande prestígio e
reconhecimento junto ao Marechal. Seus trabalhos, como ministro, contribuíram para a
consolidação de sua carreira política. Ele participou ativamente da formulação e instalação da
primeira Constituição republicana brasileira, e poderia ter ocupado o Ministério por ainda
muito mais tempo, se não fosse o caso do empastelamento do jornal A Tribuna (vide tópico
3.2). Importante registrar sua influência e a força de sua comunicação interpessoal, pois ao
apresentar seu pedido de demissão, os outros ministros e Floriano Peixoto foram solidários,
decidindo-se por uma demissão coletiva, como ele próprio comenta em sua autobiografia
(CAMPOS SALLES, 1998, p. 34):
4.3. Senador
com a fatalidade iminente: “O que parece certo é que o próprio Floriano assumirá o governo,
caso o Deodoro falte, e isto se dará sem perturbação alguma”.
Entretanto, o problema sucessório não era tão simples, pois de acordo com a nova
Constituição Federal, o vice-presidente somente poderia suceder o presidente, quando já
tivessem transcorridos dois anos do mandato. Deodoro estava no governo havia poucos
meses. Pela primeira vez, o nome de Campos Salles surge como candidato à uma possível
eleição ao mais alto cargo da nação, fato marcante registrado em sua carta (DEBES, 1978b, p.
359):
Anninha.
Hoje era dia de v. escrever-me, e no entanto não tive carta. Que seja para bem.
Em carta que hoje recebi do Pisa diz-me elle que eu sou o candidato do exercito,
parlamento e povo à presidencia. Não é exacto isso. O que há é o que já contei a v. Ha
alguns deputados e senadores que desejam a minha candidatura, que aliás é bem vista
pelos militares. Disem que serei bem aceito no Norte, etc. Mas a candidatura que
agora será necessaria é a do Floriano, e é quem deve ser eleito, salvo se elle
incompatibilisar-se assumindo o governo.
- Aqui ainda continua o máo tempo. Chove quasi todos os dias. Em compensação
temos fresca.
Adeus.
Do
C. Salles.
O Marechal recupera suas forças e, sentindo-se ameaçado com o domínio dos boatos
que percorrem o país, decreta estado de sítio, em 3 de novembro de 1891. Sua atitude foi
considerada um Golpe de Estado, com o agravamento da situação somente lhe resta a
renúncia em 23 de novembro de 1891. Sobre o fato, comenta LESSA (1999, p. 100): “Com
minoria no Congresso, caso único na história republicana, o Governo Deodoro cai, em
novembro de 1891, após tentativa de implantar uma ditadura, com a dissolução do
Legislativo”.
Floriano rapidame nte assume o poder e reabre o Congresso. “Os congressistas
apressaram-se em votar todas as medidas necessárias à boa marcha da administração”
(DEBES, 1978b, p. 368). Havia a necessidade de legitimar a posição de Floriano, portanto o
Senado oferece um parecer, do qual Campos Salles foi o relator, sua defesa e postura na
tribuna são analisadas por DEBES (1978b, p. 369) como sendo resultantes de uma forte
formação positivista:
S. Paulo – 26 Fro. – 94
Meu Caro Pires Ferreira
Tenho tido desejos de ir ve-lo nessas paragens, mas já vejo que isso não é possivel,
porque continuo a estar muito occupado com a organisação dos corpos de voluntários
para a defesa do Estado. Destes em breve seguirá um batalhão que vai-se encorporar
às forças sob o seu comando. É um batalhão de elite, e creio que saberá cumprir o seu
dever.
Segundo os meus calculos parece que v. ainda não tem conseguido reunir gente
sufficiente para tomar a offensiva. Não sei o que v. terá pensado a este respeito; mas o
que parece, sem os dados precisos para uma apreciação exacta da situação, é que não
se deve em caso algum affrontar os riscos da offensiva sem que estejam reunidos sob
suas mãos todos os elementos indispensáveis para um resultado seguro e garantido.
Antes disso, qualquer tentativa será uma temeridade perigosa, capaz de sacrificar a
causa que se acha posta ao abrigo da sua espada, do seu valor e do seu provado tino
militar. A historia desta revolução tem infelizmente accumulado muitos exemplos para
que não se possa confiar em recursos apenas promettidos; é de boa prudencia espera-
los para agir com elles, quando chegarem ao campo da acção. O Argollo foi mandado
para invadir Santa Catarina com tropas que lhe enviariam depois: teve de voltar um
tanto offendido no seu prestigio militar, porque... nunca recebeu as tropas promettidas.
O Coronel Carneiro foi encarregado da defesa do Paraná, e, apezar de sua immensa
bravura, pereceu sacrificado pelo abandono. Estes factos advertem que o general,
nesta campanha, deve ser muito previdente e muito seguro para não dar um passo em
falso.
Não sou homem de guerra, mas parece-me que v. não deve tentar a invasão do Paraná,
affastando-se dos pontos donde lhe vão recursos, sem ter tropas sufficientes para
guardar as fronteiras, guardando a sua retaguarda, e formar uma columna invasora
bastante poderosa para destruir as forças inimigas dentro do seu proprio acampamento.
Sem isto, na hypoteze, sempre possivel na guerra, de um revez, a sorte da sua
expedição será extremamente precaria e ficará aberta a passagem para a realisação
completa dos planos revolucionários. Eu penso que v. tem em suas mãos a chave do
problema da revolução em terra, assim como o Gonçalves a tem no mar.
120
Desculpe se metto-me a ensinar resa ao vigario. Tenho este temperamento para com os
amigos: enquanto não lhes digo o que sinto, não fico tranquillo.
- O seu manifesto impressionou muito bem a todos, e foi geralmente muito recebido
(sic). O Correio Paulistano o publicou e a imprensa do Rio o reprodusiu.
- Está ahi um moço campineiro muito distincto, filho de um velho amigo, a quem
muito estimo e considero; é o dr. Rozo Mascarenhas, médico dos guardas nacionaes
de Campinas. Chamo para elle a sua particularissima attenção, certo de que tudo
quanto para elle fiser será como se fosse feito a um filho meu.
- Penso que a causa legal acha-se agora em uma excellente situação. É evidente que a
revolução enfraque-se (sic), e que, alem das enormes perdas que tem soffrido, começa
a ser trabalhada pela indisciplina, pela discordia, pelos descontentamentos. Acredito
que o triumpho da legalidade está muito proximo, e que em breve estará restituida a
paz a nossa patria. Abraço-o com effusão.
P.S. Oiço diser-se que a Serra das Furras (Furnas) é um bom ponto estrategico contra a
invasão; não será porem, inconveniente affastar-se muito dos pontos donde vão
recursos?
121
Agradece o “leal e desinteressado apoio, para mim tanto mais valioso quanto procede
da espontaneidade do vosso sentimento republicano”. Exime-se de traçar um
programa de ação, mas afirma que vê “com clareza, sem ilusões, a quanto esforço
moral, a quanta energia cívica se obrigará quem tiver a patriótica abnegação de se
propor a subir àquele posto com o propósito de manter-se aí dignamente, devendo
saber que se ele confere inapreciável distinção, impõe também severos sacrifícios. Sei,
por experiência própria, quanto custa a um homem de consciência desempenhar-se da
grave responsabilidade que assume com as funções do Governo”. Lembra sua
passagem pelo Ministério da Justiça e assinala que se viu investido “de um poder sem
contraste, pois que é a própria ditadura”. Em tais circunstâncias, é “que o homem
público mostra-se tal qual é, nas expansivas manifestações da natureza que lhe é
própria”. Traça, então, de si um retrato. “Sempre tolerante, mas convicto, sempre
moderado na deliberação, mas firme na execução: tal é a síntese de um passado que,
de resto, está escrito tanto no Governo como nas leis da República, e que pode bem
habilitar os meus patrícios a anteverem a diretriz da conduta que terei de adotar, se o
seu sufrágio julgar acertado colocar-me à frente do Governo do Estado de São Paulo”.
123
Fixaria seu pensamento sobre várias questões. “Se o eleito constitui-se o representante
oficial da maioria, não se apaga, todavia, a distinção fundamental entre o chefe
político e o depositário do poder”. Mas, adverte, o preferido da vontade popular,
despojar-se-á de suas paixões e levará para a administração pública “só os grandes
ideais que a alma do combatente acalentara como necessidades primordiais do
progresso social”. Para desempenhar-se de semelhante missão, somente quem, como
ele, tivesse vivido as pugnas políticas e houvesse forjado um ideário. Aquele que
jamais pensara nos problemas da sociedade, nada teria, de seu, para pôr em prática.
Por isso é que sustenta que “ser um Governo é saber o que se quer, e querer
firmemente o que se pode querer. Donde resulta que a antiga fórmula – governar é
prever – pode mais justamente ser substituída por esta outra – governar é querer”. Eis
a profissão de fé de um voluntarioso, de um determinado.
Alcindo Guanabara, Antônio Joaquim Ribas, Renato Lessa, José Sebastião Witter, entre
outros.
Neste momento, parece mais conveniente tratar do envolvimento de Campos Salles no
episódio de Canudos e na ruptura do PRF, principais fatos relacionados à sua candidatura
presidencial. O Governo de Prudente de Morais passava por sérias dificuldades, e a própria
República estava ameaçada. Entre as justificativas mais importantes, já apresentados no
Capítulo 2, estavam o desentendimento no seio do Partido Republicano Federal e a Revolta de
Canudos. Campos Salles esteve envolvido em ambos, e de certa forma seus esforços
favoreceram suas estratégias de comunicação.
O evento de Canudos contava com o apoio dos monarquistas, em contrapartida, de
acordo com DEBES (1978b, p. 421-422), o sentimento cívico da população proporcionou a
organização de batalhões patrióticos em defesa da República. Em São Paulo, surgiu o
“Batalhão Campos Salles”, contando com 200 inscritos chegava a ser praticamente uma
brigada. Seu fardamento era baseado no batalhão Paulista, mas ostentava as iniciais C.S.
Aquela representação simbólica indicava o forte reconhecimento popular do nome de Campos
Salles, servindo como um eficaz meio de comunicação política.
A participação de São Paulo seria ainda mais intensa naquele conflito. Através de
telegramas, Prudente de Morais solicitou a Campos Salles o envio de forças para combater
Antônio Conselheiro. A troca de correspondência é comentada por DEBES (1978b, p. 422-
423):
General Oscar está ocupando parte Canudos, pede reforço com urgência para sitiar.
Diga-me se São Paulo pode auxiliar-nos pondo a nossa disposição um dos seus corpos
de polícia. Ministro Guerra vai Bahia dirigir de perto operações. Auxílio pedido é
necessário. Saudações.
Prudente de Moraes.”
126
Peço dizer com urgência e necessária antecedência qual dia em que Batalhão deverá
embarcar em Santos. Isto é necessário para aprontação. A força mostra-se satisfeita e
entusiasmada.
Campos Salles.”
Em sua autobiografia, CAMPOS SALLES (1998) descreve com detalhes seus esforços
para reconciliar os republicanos, e restabelecer a união no seio do PRF. No entanto, apesar de
seu sincero empenho, não obteve sucesso. Na sessão da Comissão Central realizada no dia 7
de julho de 1897, o rompimento foi oficializado.
128
Se por uma lado aquela cisão causava um mal estar entre políticos que anteriormente
estavam fortemente unidos, por outro representava um grande triunfo nas mãos de Campos
Salles. Seu valor pessoal ficou em evidência, devido a seu engajamento reconciliatório, e sua
candidatura à Presidência da República ganhou brilho e destaque.
Seu nome não havia sido cogitado, até então, para suceder Prudente, às preferências do
PRF recaíam sobre Bernardino de Campos, Quintino Bocaiúva e Júlio de Castilhos
(positivista ortodoxo aguerrido e importante político republicano do Rio Grande do Sul).
Sendo que, daqueles, Prudente tinha predileção pelo primeiro, seu Ministro da Fazenda.
Novamente, Campos Salles seria favorecido pela movimentação política. Bernardino
era um fiel companheiro e tinha grande consideração por Campos Salles. Acima de tudo, em
sua opinião, o então Presidente de São Paulo era um político mais experiente. Portanto,
mesmo antes da efetivação da cisão no PRF, resolveu abrir mão da disputa presidencial,
demonstrando apoio à seu amigo campineiro, através de extensa carta apresentada por
DEBES (1978b, p. 428-430):
(...) Seo nome surgiu dentre as esperanças dos politicos que rodeam o governo, como
centro de aspirações pela ordem constitucional, sustentada por um republicano
historico, de nome feito e capacidade comprovada. Nenhum dos senões oppostos a
outros, nenhuma suspeição possível, nenhuma contestação a não ser de ordem
geographica. Creio que esta ultima é opposta pelo Rio Grande, ao qual está, segundo
sou informado, ligado o Glicerio de pés e mãos. O norte – Bahia, Pernambuco –
dizem-me que aceitam. Não fallei directamente a esse lado, porem mandei fallar,
receoso de que a minha situação de patricio e de Ministro fosse compromettedora.
Minas é esphinge. Rio ainda não pude penetrar.
A Prudente dirigi-me francamente, por não dever agir sem elle e tive calorosa
approvação. (...)
Adeus, até lá.
O amo. atto.
Bernardino.
Com a saída de Bernardino da disputa eleitoral, o PRF teria que escolher outro
candidato oficial para enfrentar Campos Salles nas urnas. A Comissão Central do Partido não
129
Com a quebra do PRF, o Presidente da República contava apenas com o apoio dos
chefes estaduais. Ao lado de Glicério encontravam-se elementos rebeldes e reacionários, entre
eles os positivas ortodoxos do Sul do país. Aquele agrupamento disforme e anárquico chegou
a promover uma oposição extrema, culminando com a tentativa de assassinato do Presidente,
no dia 5 de novembro de 1897. Sobre o fato, argumenta LESSA (1999, p. 122): “O atentado,
único na história do País, deu ao Presidente os recursos políticos que não conseguira obter
dentro da dinâmica dos poderes constitucionais. As atribuições presidenciais são maximizadas
graças a um contexto de total fragmentação do tecido político”.
Sobre a movimentação dos positivistas ortodoxos, escreve COSTA (1956, p. 19):
130
A propaganda a favor de uma república ditatorial, como a que era feita pelos adeptos
de Comte, não podia inspirar simpatia aos políticos liberais da tradição monarquista
que se haviam apoderado da jovem república. Os positivistas não atentavam, porém,
para isso. Seguiam, serenos, a linha traçada por Augusto Comte. Bastavam-lhes as
afirmações do mestre, desatentos que sempre viveram da realidade que os envolvia.
Ainda pouco tempo antes do atentado, em Setembro de 1897, publicavam eles uma
tradução portuguesa do trabalho de Jorge Lagarrigne, “A Ditadura Republicana”,
excelente opúsculo de propaganda política, cuja vulgarização entre nós, escrevia
Miguel Lemos, corresponde a uma urgente necessidade.
É notável que Campos Salles contava com muito prestígio mesmo entre seus
adversários e, na verdade, naquela eleição não haveria candidato algum à sua altura. O Partido
Republicano Federal estava desorientado, não possuindo uma opção unânime entre seus
membros. O Governo Federal, assim como a maioria dos Governos Estaduais, encontravam
em Campos Salles a melhor alternativa para trazer estabilidade para a República.
Além da divulgação de sua proposta de Governo, Campos Salles também desenvolveu
outros esforços de comunicação, entre eles é interessante transcrever uma longa carta enviada
ao político e amigo Assis Brasil, um forte adversário político de Júlio de Castilhos no Rio
Grande do Sul, na qual foram demonstrados argumentos sobre os partidos políticos (DEBES,
1978b, p. 436-438):
132
Recebi com muita satisfação e li com particular interesse a sua carta de 25 de outubro.
Contem ella informações de grande utilidade e de que poderei tirar praticas (sic) se me
chegar a vez de dirigir o governo da República. À essa hora você terá, talvez, lido
minha plataforma, que de algum modo contem a resposta à sua carta. Dou como
existente um partido, hoje denominado Partido Republicano, com o qual devo
governar, visto que é por elle que terei de ser eleito. Para normalisar a vida
governativa da Republica julgo indispensável apoia -la sobre um partido, meio unico
de dar-lhe unidade. Nestas condições tenho como necessário encorporar os elementos
da força política e dar-lhes concentração partidaria, em vez de procurar e adquirir
allianças, que possam ter caracter ephemero, por isso mesmo que se constituam para
fins transitorios. Em vez de alliados prefiro correligionarios. O que houve até aqui é
prova de que as vastas agremiações, sem a solidariedade que gera a disciplina
partidaria, longe de favorecerem o governo, concorrem para embaraça-lo e desnortea-
lo. O Glycerismo, que é o partido de todo mundo é a confusão, a Babel politica. É
preciso acabar com isso. Nessas idéias, o Presidente da Republica deve governar em
cada Estado, com os elementos politicos que se filiarem ao seu partido. Esses serão,
não os seus alliados, mas os seus co-religionarios no Estado, pois que farão parte, na
politica federal, de um só e mesmo partido, com os mesmos intuitos e sob a mesma
disciplina. Como deve prever, não farei exceção para o Rio Grande ou outro qualquer
Estado. O principio, para produsir resultados praticos, será applicado com rigorosa
exactidão em toda a parte. Ora, não creio que os amigos de Castilhos, apoz a posição
que têm assumido nos ultimos sucessos, assignalando-se por uma orientação
inteiramente desviada da nossa queiram ou possam querer, não uma simples
aproximação, mas uma completa identificação politica comnosco. Ao contrario, o que
aqui consta é que trara-se de tirar das ruinas do Glycerismo um partido novo sob a
direcção de Castilhos, que é chamado para cuidar da sua organisação logo que deixe o
governo do Rio Grande. Esse partido será necessariamente, na sua indole e nas suas
tendencias, caracterisado por sua conduta rival, permanentemente contraria ao
Governo e ao Partido que o apoia no presente e no futuro, se a 1º de março triumphar
o pensamento da situação actual, como aliás se conjectura. Vê v. que, se os seus
amigos se organisarem, filiados ao Partido Republicano, terão direito, não às
sympathias, mas ao apoio dedicado do Governo Federal, como co-religionarios que
serão.
133
Abraça-o
O velho amo. e Ador.
Campos Salles
Para Vice-Presidente:
F. de A. Rosa e Silva 412.074 Luís Viana 1.859
F. Lobo L. Pereira 40.629 E outros menos votados
Fonte: PORTO (2002, p. 166-167)
Capítulo 5
Estratégias de comunicação política: Um resumo
Diante das informações apresentadas nos capítulos anteriores, cujo objetivo foi
analisar a comunicação política de Campos Salles e a sua relação com o positivismo, foram
apresentados argumentos contextualizados por aspectos históricos, biográficos, políticos e
econômicos. Entretanto, surge a necessidade de uma derradeira e resumida abordagem,
direcionada, exclusivamente, às principais estratégias de comunicação empreendidas pelo ex-
presidente até assumir a chefia da República em 1898.
Este último capítulo é na verdade um apanhado geral de alguns trechos já discutidos
nas páginas passadas, a preocupação neste momento é simplesmente isolar os elementos
comunicacionais da trajetória política de Campos Salles a fim de fornecer uma sistematização
panorâmica sobre a evolução dos mesmos – no âmbito municipal, estadual e federal.
Campos Salles iniciou, efetivamente, seu engajamento na vida política em 1866,
começando a trabalhar sua imagem pública e definindo uma linha de conduta para seus
esforços de comunicação política, através de cartas dirigidas aos eleitores e participação nos
encontros promovidos pelo Partido Liberal. “Além da advocacia e das atividades correlatas, a
militância política o atrai. Participa das lutas partidárias, integrando as hostes liberais”
(DEBES, 1978a, p. 53).
Já naquela época, Campos Salles preocupava-se com a opinião pública, este aspecto
foi evidenciado através das cartas dirigidas aos eleitores formadores de opinião, transcritas ao
longo da presente pesquisa. Neste sentido, é possível considerar que sua comunicação
política, em parceria com seu colega Jorge Miranda, foi muito eficaz naquele momento. Pois,
mesmo não contando com o apoio efetivo dos dirigentes da agremiação liberal e dos che fes
locais, que inclusive chegaram a preteri- los “substituindo-os por outros nomes não sufragados
pelo eleitorado” (DEBES, 1978a, p. 60), conseguiram ser eleitos pelos votantes na segunda
etapa daquela disputa eleitoral.
A eficácia das estratégias de comunicação de Campos Salles foi comprovada naquela
sua primeira vitória como Deputado Provincial de São Paulo, no entanto, aquelas estratégias
eram ainda intuitivas. Somente alguns anos depois, com a sua entrada no movimento
republicano e o contato com as obras de seu irmão, Alberto Salles, e outras de fundamentação
positivista, é que sua propaganda política iria ganhar maior planejamento e consistência
teórica.
136
Em 1873 foi realizado o Congresso Republicano de Itu (vide Capítulo 2), no qual
foram tomadas importantes decisões sobre os rumos do movimento republicano em São
Paulo, entre elas o lançamento das bases do Partido Republicano Paulista – também
conhecido pela sigla PRP.
Como membro da Comissão Permanente, “verdadeiro órgão dirigente do Partido
Republicano em São Paulo” (DEBES, 1975, p. 18), Campos Salles assume o cargo de
secretário, ficando responsável por manter o contato entre os correligionários através das
circulares publicadas na imprensa.
Contando com o empenho e financiamento dos republicanos paulistas, o jornal A
Província de São Paulo é fundado em 1875 e posiciona-se como defensor dos princípios
democráticos e das eleições diretas. Apesar disso, procura disfarçar sua origem republicana,
definindo-se como “órgão de partido algum” e de “se abster completamente de questões
políticas” (DEBES, 1978a, p. 134).
Chegava ao fim o mandato dos vereadores eleitos em 1872, era preciso seguir a diante.
Novas eleições seriam travadas em 1876, com isso o Partido Republicano define uma linha
mais agressiva e convoca seus membros para participarem daquela luta, recorrendo aos
anúncios publicados pela imprensa.
137
escolher e indicar os nomes dos candidatos do Partido, a Comissão preferiu ouvir sua bancada
na Câmara e no Senado. Os nomes de Campos Salles para Presidente e Peixoto Gomide para
Vice-Presidente foram acatados plenamente pelos republicanos ali reunidos.
A indicação da candidatura foi oficializada pelo Partido Republicano Federal, portanto
Campos Salles apressou-se em desligar-se da direção da Comissão Central do Partido em São
Paulo, estando preocupado com a questão ética de sua autoridade política não influir em sua
eleição. A opção assumida por Campos Salles, naquela ocasião, é comentada por LESSA
(1999, p. 130): “Qualquer que tenha sido a sua posição anterior nas lutas políticas, o cidadão,
uma vez eleito, passa a ser o Chefe do Estado. Ele deixa a superintendência dos interesses
exclusivos do partido para assumir a alta gestão dos negócios da comunidade”.
Além de emitir agradecimentos como os expressos na carta acima, Campos Salles logo
redigiu sua plataforma de Governo, voltando toda sua atenção à comunicação de sua
campanha eleitoral. Mais uma vez aproveitando o excelente trabalho de pesquisa de Célio
DEBES (1978b, p. 401), serão apresentadas a seguir as anotações sobre o documento, datado
de 15 de janeiro de 1896, com a mencionada plataforma:
Fixaria seu pensamento sobre várias questões. “Se o eleito constitui-se o representante
oficial da maioria, não se apaga, todavia, a distinção fundamental entre o chefe
político e o depositário do poder”. Mas, adverte, o preferido da vontade popular,
despojar-se-á de suas paixões e levará para a administração pública “só os grandes
ideais que a alma do combatente acalentara como necessidades primordiais do
progresso social”. Para desempenhar-se de semelhante missão, somente quem, como
ele, tivesse vivido as pugnas políticas e houvesse forjado um ideário. Aquele que
jamais pensara nos problemas da sociedade, nada teria, de seu, para pôr em prática.
Por isso é que sustenta que “ser um Governo é saber o que se quer, e querer
firmemente o que se pode querer. Donde resulta que a antiga fórmula – governar é
prever – pode mais justamente ser substituída por esta outra – governar é querer”. Eis
a profissão de fé de um voluntarioso, de um determinado.
nele, foi porque não compareceram às urnas, registrando um alto índice de abstenção,
manifestação argumentada pelos adversários como sendo um protesto da opinião pública.
Somente ao assumir o controle político de São Paulo, em 1896, é que de fato, Campos
Salles começou a pensar na possibilidade real de chefiar a nação. Seus esforços de
comunicação tiveram como plataforma a atenção constante com as responsabilidades do cargo
assumido, além de manter estreitas relações com os líderes do Partido Republicano Federal, e
com os demais Partidos Republicanos espalhados pelo país.
O envolvimento de Campos Salles no episódio de Canudos e na ruptura do PRF,
foram fatores de grande importância relacionados à sua candidatura presidencial. O Governo
de Prudente de Morais passava por sérias dificuldades, e a própria República estava
ameaçada. Entre as justificativas mais importantes, já apresentados no Capítulo 2, estavam o
desentendimento no seio do Partido Republicano Federal e a Revolta de Canudos. Campos
Salles esteve envolvido em ambos, e de certa forma seus esforços favoreceram suas
estratégias de comunicação.
O evento de Canudos contava com o apoio dos monarquistas, em contrapartida, de
acordo com DEBES (1978b, p. 421-422), o sentimento cívico da população proporcionou a
organização de batalhões patrióticos em defesa da República. Em São Paulo, surgiu o
“Batalhão Campos Salles”, contando com 200 inscritos chegava a ser praticamente uma
brigada. Seu fardamento era baseado no batalhão Paulista, mas ostentava as iniciais C.S.
Aquela representação simbólica indicava o forte reconhecimento popular do nome de Campos
Salles, servindo como um eficaz meio de comunicação política.
A participação de São Paulo seria ainda mais intensa naquele conflito. Através de
telegramas (vide Capítulo 4), Prudente de Morais solicitou a Campos Salles o envio de forças
para combater Antônio Conselheiro.
O envolvimento paulista na contenção da revolta, aparentemente pode parecer como
não tendo implicações efetivas com a propaganda política, no entanto, através daquela
movimentação estratégica, Campos Salles iria garantir o apoio dos republicanos baianos, os
quais representavam um dos mais fortes colégios eleitorais do país. Os eleitores baianos
teriam grande peso na candidatura presidencial de Campos Salles, muito provavelmente
agradecidos por seu empenho em promover a restauração da paz na Bahia.
O então Presidente de São Paulo também esteve envolvido em outro acontecimento,
naquele mesmo período, que viria a refletir favoravelmente em sua campanha eleitoral. Foi
sua participação pacificadora no desentendimento entre Governo e PRF, na verdade, a
tentativa era reconciliar “o Chefe da Nação e o mentor do Partido a que estivera vinculado”
142
(DEBES, 1978b, p. 426). Aquela crise era motivada por diversos fatores e afetava a
estabilidade política da nação.
Como foi apresentado no tópico 2.3 desta pesquisa, Campos Salles sempre manteve
certo distanciamento das definições tomadas no PRF. Justamente por sua neutralidade, sendo
uma figura naturalmente pacificadora e, principalmente, contando com imenso prestígio e
respeito entre os republicanos, foi procurado tanto pelo lado favorável à Prudente Morais,
como pelos representantes de Francisco Glicério.
Se por uma lado aquela cisão causava um mal estar entre políticos que anteriormente
estavam fortemente unidos, por outro representava um grande triunfo nas mãos de Campos
Salles. Seu valor pessoal ficou em evidência, devido a seu engajamento reconciliatório, e sua
candidatura à Presidência da República ganhou brilho e destaque.
Seu nome não havia sido cogitado, até então, para suceder Prudente, às preferências do
PRF recaíam sobre Bernardino de Campos, Quintino Bocaiúva e Júlio de Castilhos
(positivista ortodoxo aguerrido e importante político republicano do Rio Grande do Sul).
Sendo que, daqueles, Prudente tinha predileção pelo primeiro, seu Ministro da Fazenda.
Novamente, Campos Salles seria favorecido pela movimentação política. Bernardino
era um fiel companheiro e tinha grande consideração por Campos Salles. Acima de tudo, em
sua opinião, o então Presidente de São Paulo era um político mais experiente. Portanto,
mesmo antes da efetivação da cisão no PRF, resolveu abrir mão da disputa presidencial,
demonstrando apoio à seu amigo campineiro.
Com a saída de Bernardino da disputa eleitoral, o PRF teria que escolher outro
candidato oficial para enfrentar Campos Salles nas urnas. A Comissão Central do Partido não
conseguiu chegar a uma unanimidade entre os nomes remanescentes, demonstrando a intensa
desarmonia que imperava em seu núcleo. O chefe da agremiação foi o que logrou menor
preferênc ia, de acordo com (DEBES, 1978b, p. 431), Castilho recebeu 15 votos, Quintino 14
e Glicério 13. Diante do empate técnico, demonstrado através da distribuição equilibrada dos
votos, a direção do Partido, pensando em não desagradar nenhum dos três, escolhe um quarto
nome, Lauro Sodré.
O cenário eleitoral e a indicação de Campos Salles e Lauro Sodré, são assim
analisados por Renato LESSA (1999, p. 127):
143
São Paulo, num banquete promovido pelo Partido Republicano Paulista. Em suas próprias
palavras, CAMPOS SALLES (1998, p. 85) afirmou: “O meu programa seria, pois, o
programa do partido”.
De acordo com DEBES (1978b, p. 436):
Campos Salles contava com muito prestígio mesmo entre seus adversários e, na
verdade, naquela eleição não haveria candidato algum à sua altura. O Partido Republicano
Federal estava desorientado, não possuindo uma opção unânime entre seus membros. O
Governo Federal, assim como a maioria dos Governos Estaduais, encontravam em Campos
Salles a melhor alternativa para trazer estabilidade para a República.
Além da divulgação de sua proposta de Governo, Campos Salles também desenvolveu
outros esforços de comunicação interpessoal, como por exemplo uma longa carta enviada ao
político e amigo Assis Brasil, um forte adversário político de Júlio de Castilhos no Rio
Grande do Sul, na qual foram demonstrados argumentos sobre os partidos políticos, além de
diferenciar “aliados” de “correligionários”.
A força de convencimento das palavras de Campos Salles e sua habilidade com a
escrita foram evidenciadas em cartas como aquela. Assim, ficou caracterizada sua campanha
eleitoral rumo a Presidência da República, sua comunicação foi totalmente direcionada aos
principais políticos do país, capazes de formar opinião e garantir os votos necessários.
Campos Salles não empreendeu grandes comícios, como nos tempos da mobilização
republicana, seu nome já estava consolidado junto à massa de eleitores. Suas estratégias
comunicacionais, naquele momento, foram em busca da obtenção de apoio e endosso dos
grandes líderes políticos do país.
O resultado nas urnas já era esperado. E, de fato, foi indubitavelmente favorável a
Manuel Ferraz de Campos Salles.
145
CONCLUSÃO
Após ser eleito Presidente da República, e antes mesmo de tomar posse, Campos
Salles seguiu para a Europa. Sua viagem foi retratada na obra de Tobias MONTEIRO (1983)
e teve como meta a renegociação das altas dívidas brasileiras. Na ocasião, o então Presidente
executou o acordo denominado Funding Loan, marcando seu Governo por uma intensa
austeridade econômica. Foi bem sucedido ao conseguir normalizar as finanças do país,
ocasionando porém, sérias conseqüências sociais com as duras medidas que teve de tomar.
Também foi responsável pela implantação da famosa Política dos Governadores,
trazendo estabilidade para a República até 1930. Através do acordo firmado entre as
lideranças dos Estados, ficou definido o revezamento entre os representantes paulistas e
mineiros na liderança do Governo Federal. Tinha início a era mais intensa das oligarquias,
característica marcante da Primeira República, criticada por muitos estudos relacionados à
História do Brasil. A República foi consolidada, de fato, pelo Governo Campos Salles, ainda
que de maneira impopular e condenável, mesmo assim, o ex-presidente foi denominado
honrosamente por Célio Debes, como “o paladino presidencialista”.
No final dos quatro anos à frente do país, Campos Salles deixou a Presidência, e
recusou posteriormente uma no va candidatura federal. Morreu em 1913, em Santos.
Fazendo uso de documentos e da bibliografia existente sobre o ex-presidente, a
presente pesquisa procurou analisar as estratégias de comunicação por ele adotadas até chegar
ao mais alto cargo político da nação. Nesta tarefa, foram encontrados indícios contundentes da
influência dos conceitos positivistas em sua trajetória, assim como em praticamente todo o
movimento republicano brasileiro do final do século XIX.
Neste sentido, Alberto Salles foi um verdadeiro líder teórico. Proeminente difusor dos
conceitos positivistas da primeira fase de Auguste Comte, na qual havia a intensa
preocupação em analisar cientificamente os fenômenos sociais. Fazendo uso do título
sugerido por VITA (1965), Alberto Salles foi um “Ideólogo da República”. Suas obras
tiveram grande penetração entre os homens da propaganda republicana, orientando suas
condutas políticas e estratégias de comunicação, influenciando inclusive Campos Salles, seu
próprio irmão.
Chegando ao final desta pesquisa, é possível argumentar com muita segurança, que a
comunicação política do ex-presidente encontrou respaldo teórico em alguns conceitos das
teorias de Auguste Comte. Servindo-se deles em momentos decisivos de sua propaganda, seja
146
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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de um propagandista republicano através da “Gazeta de Campinas” (1873-1883). In:
WITTER, José Sebastião (Org.). O ideal republicano. São Paulo: Associação Nacional dos
Professores Universitários de História, Núcleo Regional de São Paulo: 1974.
BURKE, Peter. A fabricação do rei: A construção da imagem pública de Luís XIV. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: O imaginário da República no Brasil.
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152
ANEXOS
A política externa (cap. XI) entrou, também, na área de suas cogitações. Distinguem
entre a Europa e a América, no relacionamento internacional que o Brasil devia
entreter.Com as nações de lá, “a nossa política deve ser de observação, mais de
cumprimentos amistosos do que de comparticipação nos movimentos do velho
continente”. Já com relação aos países americanos, “carecemos de uma política
inteligente, perspicaz, ativa e conciliadora. Aqui as manobras da diplomacia e as
relações dos estados reclamam sérios cuidados”. Recomendam aos agentes di-
plomáticos brasileiros que fixem suas “vistas sobre os negócios que tocam de perto o
progresso do povo que eles representam. As questões que dizem respeito às indústrias
e ao comércio precisam ser estudadas e acompanhadas com vivo interesse”.
Condenam, por outro lado, “a política de contínuas intervenções nos negócios internos
de nossos vizinhos" e encarecem a “necessidade de deixá-los viver a seu modo e nos
fazermos respeitar oportunamente, sabendo empregar em tempo o espírito
conciliador”. Aqui, também, tinham idéias avançadas e de atualidade, ainda hoje.
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Se, de um lado, se verifica que se não trata de uma manifestação extremada (tanto que
era compatível com o regime monárquico), cumpre reconhecer que, no tocante a
certos assuntos, tinham idéias avançadas e que ainda hoje têm atualidade, como são os
casos da educação e da po1ítica externa. Uma das características marcantes do
Programa é sem dúvida sua sobriedade e discrição no trato de algumas matérias que se
prestariam a explorações demagógicas, como é o caso do ensino. De resto, como nos
Manifestos, se portam como inveterados teóricos, que se recusavam a ser governo.
157
Campos Salles, advogado (1865). Campos Salles, pela primeira vez Deputado
Provincial (1869).
Fonte: DEBES (1978b, anexos), Correio Paulistano, Fonte: DEBES (1978b, anexos), Correio Paulistano,
17 de dezembro de 1872. 19 de dezembro de 1872.
Fonte: DEBES (1978b, anexos), Gazeta de Campinas, 15 de maio de 1873, da Coleção do IHGSP.
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