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AULA 1 – Abdômen agudo

ESTENOSE HIPERTRÓFICA DO PILORO: doença não congênita


que cursa com uma hipertrofia da camada circular do piloro,
causando obstrução completa do esvaziamento gástrico.
HISTÓRICO:
+ 1672: Fabricious Hildanus – manifestações clínicas.
+ 1717: Patrick Blair – pós morte.
+ 1758: Cristopher Weber – pós morte.
+ 1888: Harald Hirschsprung – primeira descrição completa da doença. Harald também descreveu
o megacólon congênito aganglionar em 1886 (doença de Hirschsprung).
EPIDEMIOLOGIA: 3:1000 nascimentos; 1/400 nascimentos nos EUA. Mais comum em meninos (4-
5H:1M). Cerca de 30% de frequência no primeiro filho (relevância desse dado é controverso) e é
cinco vezes mais comum em gemelar. Há predisposição genética.
FISIOPATOLOGIA: causa é incerta, mas há um aumento de fatores de crescimento, diminuição de
óxido nítrico e outros, causando uma hipertrofia da camada circular do piloro.
+ Aumento de fatores de crescimento relacionados a insulina, plaquetas e transformador (IGF-1,
PGF e TGF). Aumento da camada circular (receptores para fatores de crescimento).
+ Diminuição do óxido nítrico que faz mediação do relaxamento muscular liso, causando uma
dificuldade de relaxamento do piloro.
+ Outros:
- Hipergastrinemia neonatal. Apesar de ser um fator envolvido, a redução da gastrina após a
manifestação da hipertrofia não reduz o processo.
- Aumento da massa de células parietais (hiperacidez gástrica).
- Prostaglandina-2 aumentada no suco gástrico.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS:
+ Faixa etária - 95% dos casos ocorrem entre 2-12ª semanas de vida. Cerca de 70% entre 3-4ª
semanas (pico de incidência).
+ Vômito recorrentes de conteúdo alimentar, ou seja, de conteúdo gástrico (não biliar). Criança
vomita tudo que come, cerca de 15 min depois da ingestão. Pode ser vômito em jato. É preciso
observar o conteúdo do vomito, pois mães podem não relatar a realidade.
+ Criança ainda tem fome (avido por mamar).
Exame físico:
+ Criança desidratada e desnutrida (tempo de evolução longo)
+ Ondas peristálticas: com o tempo, a estenose causa uma hipertrofia do estômago, possibilitando
a visualização do movimento peristáltico do estomago da esquerda para a direita (onda de
Kussmaul).
+ Palpação da oliva pilórica (patognomônica).
ALTERAÇÕES METABÓLICAS: alcalose metabólica hipoclorêmica hipopotassemia. Por isso é
recomendado pedir uma gasometria assim que se tem suspeita, pois é uma emergência clinica que
deve ser tratada antes da cirurgia.
+ Alcalose é uma concentração de H+ no sangue inferior ao valor normal, causada pelo aumento
no teor de base ou perda do teor de ácido pelo organismo.
+ O hidrogênio é perdido com o cloro HCL e o K entra para na célula para substituir o H perdido
(alcalose metabólica hipoclorêmica hipopotassemia).
Tratamento: manutenção da volemia, manutenção de níveis adequados de potássio e corrigir
hipocloremia. Reposição volêmica com solução fisiológica 0,9% e KCL oral ou venoso. Cerca de 6-
12h de tratamento resolvem a alcalose.
EXAMES COMPLEMENTARES: ultrassom, raio x, exame contrastado (EED) e gasometria.
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Ultrassom: método de escolha, Mostra o espessamento da camada


circular - comprimento acima de 1,4-1,6 cm e espessura acima de 0,4 cm.
Raio x: pode-se visualizar hipertrofia do estômago se for acentuada.
Exame radiológico contrastado: chamado de seriografia ou EED (esôfago-
estomago-duodenograma). Observa-se o estomago distendido e canal
pilórico alongado e estreito (sinal do “bico do seio, do “rabo do rato”, do
“duplo-trilho” do “guarda-chuva”). Era o exame de escolha antes de surgir
o ultrassom.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL:
+ Refluxo gastroesofágico: diagnosticado com exame contrastado. É a primeira doença que se
pensa em uma criança que vomita.
+ Hérnia de hiato: diagnosticado por exame contrastado.
+ Piloroespasmo: também causado por uma hipergastinemia, mas tem uma evolução mais rápida.
Tem auto-resolução.
+ Obstrução duodenal pré-ampular: membrana que se forma no local. No ultrassom é normal, mas
raio x contrastado mostra obstrução primeira porção do duodeno.
+ Outras causas de vômito:
- Meningite: pode-se diferenciar pelo exame físico, uma vez que na estenose o bebê tem fontanela
diminuída (desidratação) e na meningite ele tem fontanela abaulada.
TRATAMENTO: é cirúrgico.
Cirúrgico: piloromiotomia (abertura da musculatura do piloro), que pode ser feita por cirurgia
aberta ou videolaparoscopia.
+ Técnicas: é importante não abrir a mucosa durante a cirurgia (pode ter fistula e tem que esperar
mais para o paciente se alimentar).
- Cirurgia aberta: tem incisão maior, mas dura menos que a por vídeo.
- Videolaparoscópica: tem como vantagem a incisão menor, mas demora mais que a cirurgia
aberta. Usa-se a técnica de Fredet Hamsted.
+ Pós operatório:
- Alimentação: se a mucosa não é perfurada fazer alimentação via oral precoce (após 6h), tendo
alta hospitalar em 24h (se criança bem). Se a mucosa for perfurada fazer 3 dias de jejunostomia e
fica uma semana internado.
- Complicações pós-operatória: persistência vômitos (5%), manutenção da estenose (1-2%),
evisceração (2%), outras complicações cirúrgicas (ex. infecção da ferida orperatória).
Novas abordagens:
+ Tratamento clínico.
+ Atropina via sonda nasogástrica: diminui a estenose do piloro. Usado quando não dá para fazer
cirurgia e precisa colocar sonda enteral para alimentar até transferência.
+ Toxina botulínica A: Botox para diminuir o espasmo. Não é feito, pois efeito é limitado, tendo
então que submeter a criança a várias endoscopias para nova aplicação, o que necessita anestesia
geral (cirurgia é mais fácil).
CASOS CLÍNICOS (MARIA HELENA):
+ Criança com 4 semanas de vida, não era vomitadora, vômitos não biliosos há 24h, desidratada, palpado massa em
hipocôndrio direito (oliva pilórica).
+ Criança com 6 semanas de vida, apresenta refluxo gastroesofágico fisiológico desde a 3 semana de vida. Apresenta
piora do padrão de vômitos a 36h, desidratada com alcalose metabólica acentuada.
CASO CLÍNICO (CAMILA):
Identificação: BOT, sexo masculino, branco, 35 dias de vida, natural e procedente de São Paulo.
Queixa principal: Vômitos após mamadas.
História mórbida: mãe refere que há uma semana iniciou com vômitos após as mamadas, no início apenas em
algumas mamadas e no momento vomita após toas as mamadas. Os vômitos são em jato e contém leite. Entre os

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vômitos a criança apresenta-se ávida por mamar. Nega febre, mudança no hábito intestinal ou quaisquer outros
sintomas.
Antecedentes maternos e obstétricos: G1P1A0. União consensual sem consanguinidade; pré natal sem
intercorrências; ultrassom fetal normal; parto normal, RNT (38 semanas). Peso ao nascer de 3.865Kg; apgar 9/10.
Exame físico: BEG, anictérico, acianótico, afebril, corado, eupneico, ativo e reativo, leve desidratação (fontanela
deprimida).
+ ACV: RCR 2T BNF sem sopros ou extra-sístoles.
+ AR: MV presentes bilateral e simétrico.
+ Abdome: globoso, flácido, indolor, ausência de visceromealias, palpa-se em região epigástrica à esquerda tumoração
arredondada elástica móvel de aproximadamente 2 cm de diâmetro, RHA positivo.
+ Genitais: masculino, testículos palpáveis, anus pérvio.
+ Extremidades: boa perfusão, sem edema.
Exames de imagem: EED, raio x, ultrassom de abdômen.
Conduta: 1. Passagem de sonda oro-gástrica. 2. Colhido eletrólitos. 3. Encaminhado ao
centro cirúrgico com piloromiotomia e Fredet-Ramstedt.
INTUSSUSCEPÇÃO INTESTINAL (INVAGINAÇÃO INTESTINAL): ocorre
quando uma parte do intestino adentra a luz de outra parte e não
consegue retornar. Cerca de 75% dos casos com manifestações
intestinais ocorrem na região ileocecocólica (entra na válvula ileocecal).
Ocorre em crianças entre o 6º mês ao final do primeiro ano de vida, com
pico de incidência aos 9 meses.
CAUSAS: fatores desencadeantes (cabeça de invagnação) mais frequentes:
+ Hipertrofia das placas de Peyer (80%): secundárias a uma infecção (ex. viral), ocorrem
principalmente em íleo terminal. Intestino delgado tenta vencer o fator obstrutivo aumentando a
peristalse e causando invaginação.
+ Outros: pólipo intestinal; divertículo de Meckel; tumores, principalmente linfoma (sempre
investigar com laparoscopia em crianças maiores de 2 anos com invaginação).
DIAGNÓSTICO: clinico (exame físico), ultrassonografia abdominal, edema opaco.
Clinica:
+ Dor abdominal em cólica, fazendo com que criança chore muito. Chamada de dor intermitente a
exaustão, pois criança chora até cansar e depois se recupera e chora de novo (choro em salva).
+ Vômitos biliosos.
+ Massa palpável em abdômen e distensão abdominal.
+ Fezes em geleia de morango que aparecem 36-48h depois da invaginação ocorrer, ou seja, a
evacuação no início pode ser normal. Tem esse aspecto pela junção do muco do intestino grosso
(já evacuou o que tinha) e o sangue do intestino delgado (necrosando dentro do intestino grosso).
Quando fezes em geleia de morango estão presentes o tratamento é cirúrgico.
Ultrassonografia: método de escolha. No corte transversal vê imagem
em alvo e no longitudinal em casca de cebola (paredes dos dois
intestinos).
Edema opaco: mais feito na radiologia intervencionista no tratamento
das invaginações.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL:
Gastroenterite: não tem massa em hipocôndrio direito como na invaginação.
TRATAMENTO: radiologia intervencionista ou cirurgia.
Radiologia intervencionista: indicado para casos diagnosticados antes do surgimento de fezes em
geleia de morango. Durante uma fluoroscopia, usa-se uma sonda nasogástrica 8-10 (colocada pelo
reto do bebê) e algum recipiente maleável para injetar ar no intestino, revertendo a invaginação.
Após isso o paciente faz um ultrassom para confirmar se o procedimento funcionou.
Cirurgia: videolaparoscopia se tiver geleia de morango (necrose intestinal) ou se tiver mais de 2
anos (suspeitar de linfoma). Na cirurgia é feita ressecção da área necrosada.

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DIVERTÍCULO DE MECKELL: persistência do conduto onfalo enterico. Pode


estar associada a mucosa gástrica etópica.
REGRA DOS DOIS: presente em 2% da população, sendo a maioria
assintomática; pico de incidência aos 2 anos de vida; tem 2 mucosa (gástrica
e pancreática); está 2 pés da válvula ileocecal (cerca de 40 cm); tratamento é
feito com margem de ressecção com 2 cm distal e 2 proximal (pode ter dupla
mucosa).
FORMAS DE APRESENTAÇÃO (CLÍNICA): depende da idade.
Invaginação intestinal: 1 ano.
Sangramento: cerca de 1-5 anos. Associado ou não ao ato de evacuar
(enterorragia). Sangramento pode ser tão intenso que criança chega ao
choque hipovolêmico. É a principal causa de enterorragia em crianças de 1-5
anos que não tem hipertensão portal.
Infecção: crianças após 5 anos. É um diagnóstico diferencial da apendicite
(leucocitose, dor em fossa ilíaca direita).
DIAGNÓSTICO: se tem sangramento com cintilografia com TC99; se não tem
sangramento com tomografia ou até ultrassom.
TRATAMENTO: ressecção por videolaparoscopia ou cirurgia aberta.
OCLUSÃO POR ASCARIS: o parasita pode causar suboclusão ou oclusão intestinal. É raro na região
Sul, mas ainda existe no Brasil. Criança tem sintomas de abdômen agudo obstrutivo e raio x com
imagem em miolo de pão.
TRATAMENTO:
Suboclusão: sonda nasogástrica, óleo mineral.
Oclusão: enterectomia após unir todos os áscaris em uma região, sempre escolhendo o local onde
a alça está mais comprometida. Não pode fazer uma abertura e retirar um por um, pois quando
pressionados os áscaris liberam uma neurotoxina.
+ Ileostomia: é recomendado colocar se não conseguiu retirar todos os parasitas, pois ele tem
tropismo pelo fio cirúrgico e faz fistula.
HÉRNIA INGUINAL ENCARCERADA: pode ter manifestação clínica de oclusão intestinal (vomito
bilioso, abdômen distendido, etc).

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